O livro “Educação de Jovens e Adultos: Diversidade, inclusão e cons-
cientização” se situa no contexto de uma multiplicidade de processos
formativos voltados a contemplar, para além da busca de superação do
analfabetismo absoluto, o debate sobre temáticas voltadas ao alarga-
mento da concepção de EJA, as quais, embora propaladas, raramente
são consignadas nos programas de ensino desse segmento da educação
básica tais como a identidade cultural, as diferenças, a questão racial, as
relações de poder, a temática de gênero, a arte e a cultura popular, entre
outras, todas elas a carecer de políticas públicas para efetivação.
Compreende-se como imperativa a produção e difusão de saberes en-
volvendo a EJA de modo a consolidá-la como um campo efetivo de re-
exões teórico-práticas voltadas à garantia do acesso e permanência dos
sujeitos no ambiente escolar situado em um verdadeiro mosaico de cul-
turas, etnias, condições de vida e grupos sociais, com anseios de desen-
volvimento social, a constituir enorme desao para as políticas públicas.
Assim, no conjunto dos textos da obra, destacam-se a fundamentação
teórica de vários componentes curriculares dessa área do conhecimento,
a análise documental voltada à sustentação legal e, em especial, propos-
tas de intervenção didático-pedagógica voltadas à mediação necessária
para a constituição de políticas públicas e verdadeira formação cidadã.
Desse modo, o livro é de interesse para a formação inicial de professores,
para docentes que ensinam na EJA e para prossionais das redes de en-
sino envolvidos com orientação técnico-pedagógica e formação inicial
ou continuada de educadores.
Reconhecer a educação de jo-
vens e adultos em suas especicidades
impõe a percepção dos seus atores so-
ciais, marcados pela negação, total ou
parcial, do direito à escolarização. As
marcas distintivas dos sujeitos da EJA
resultam do lugar político de subalter-
nidade reservado às camadas populares.
Situado na diversidade, com histórias
de vidas e traços identitários díspares,
o coletivo da EJA exige da escola um
olhar atento para a multiplicidade de
interesses mobilizados na sua inserção
nos processos educativos.
Por isso, a obra se ocupa de re-
exão sobre essas trajetórias, problema-
tizando as relações, vivências, valores
e conitos envolvidos. Explicita situ-
ações, identidades e experiências re-
levantes para a efetividade de políticas
públicas e práticas pedagógicas neces-
sárias para a transformação da realidade,
marcada por mudanças rotineiras nas
formas de veiculação da informação,
alterando os modos de produção via
novas tecnologias e exigências de qua-
licação progressiva.
Com base em pesquisa biblio-
gráca, em análise documental e na
análise de dados sobre os processos de
EJA, o livro evidencia a precariedade da
oferta por parte do Estado, mera função
de instrumentalização para o trabalho,
desconsiderando-se as implicações para
a conscientização, a desigualdade, a di-
versidade e a necessidade de formação
em dimensão omnilateral. Consolida-se
uma educação pouco inclusiva; assim,
além do que a EJA tem sido, os autores
preferiram tratar mais do que ela pode
vir a ser.
A crise da educação, agravada
pela pandemia COVID-19, para além
dos seus conitos intramuros, instala-
dos majoritariamente em função de re-
lações de poder culturalmente postas de
fora da escola, não se resolverá apenas
a partir das relações que se estabelecem
em seu interior. Um avanço no estado
de bem-estar social geral destina um
papel bem denido para a escola, exi-
gindo uma compreensão holística dos
conitos, capaz de olhar o todo a partir
das partes, uma visão ampla da socieda-
de, do sentido e do lugar da educação.
Impõe considerar a intersubjetividade,
as diferenças e suas interações. Pensar a
educação como ato de humanização e,
a partir de suas marcas de diversidade,
conduzir o processo de conscientização
de modo a torná-la efetivamente inclu-
siva.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
EJA - Educação de Jovens e Adultos: diversidade, inclusão e conscientização
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
Diversidade, Inclusão e Conscientização
Organizador:
José Carlos Miguel
José Carlos Miguel
Organizador
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
Diversidade, Inclusão e Conscientização
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Imagem da capa: "Respeito ao direito de aprender, de todos e ao longo da vida" (Lilian Pacchioni Pereira de Sousa)
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
E24 Educação de jovens e adultos: diversidade, inclusão e conscientização / José Carlos
Miguel (Org.). – Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2021.
353 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-134-8 (Digital)
ISBN 978-65-5954-133-1 (Impresso)
1. Educação de adultos. 2. Educação inclusiva. 3. Escolas – Organização e administração.
4. Matemática – Ensino fundamental. 5. Inclusão digital. 6. Educação e tecnologia de ponta. I.
Miguel, José Carlos. II. Título.
CDD 374
Copyright © 2021, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
DOI: https://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-134-8
Agradecimentos
À Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
UNESP.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001, Programas de
Excelência Acadêmica -PROEX.
Sumário
Apresentação.....................................................................................................9
José Carlos Miguel
Prefácio ..........................................................................................................25
Gustavo Cunha de Araújo
Educação de jovens e adultos no contexto de educação inclusiva: problemas e
perspectivas da sociedade e da educação contemporânea...................................29
José Carlos Miguel
Educação de jovens e adultos, cultura e arte: entrelaçando saberes ....................71
Ana Paula Cordeiro
Laís Marques Barbosa
Francisane Nayare de Oliveira Maia
Conflitos, relações de poder e organização do trabalho na escola.....................93
Ellen Felício dos Santos
Fernanda Gonçalves Gomes
José Carlos Miguel
Propagandas de divulgação dos programas da EJA: representações sobre educação
permanente ao longo da vida e para todos.......................................................123
Lilian Pacchioni Pereira de Sousa
A tomada de consciência na educação de jovens e adultos ...............................149
Claudia Regina Targa Miranda
Emerson da Silva dos Santos
José Carlos Miguel
O ensino de matemática nos anos iniciais: abordagens teórica e metodológica nas
classes de EJA................................................................................................181
Miriam Pires Borges
Educação de jovens e adultos: perfil identitário discente e suas implicações para
o trabalho docente ........................................................................................205
Elisângela da Silva Callejon
José Carlos Miguel
Os atuais desafios da educação de jovens e adultos para a emancipação: crise da
democracia e desescolarização .......................................................................249
João Paulo Francisco de Souza
Raquel dos Santos Cândido da Silva
EJA e multiletramentos na educação do campo: práticas de aprendizagem e
inclusão digital .............................................................................................271
Douglas Antonio Rodrigues Silva
Rodrigo Martins Bersi
Educação desenvolvimental, tecnologias digitais na educação e a pandemia
COVID-19...................................................................................................295
José Eduardo Pereira de Souza
José Carlos Miguel
Reflexões sobre a trajetória histórica de mulheres: implicações para a constituição
de processos de EJA.......................................................................................337
Carla Chiari
Mariana Lopes de Morais
9
Apresentação
O presente livro tem como escopo a discussão de constructos
teóricos postos em contexto amplo de busca de reconhecimento do direito
social à educação, bem como de concepções sobre o ideário da educação
inclusiva, apontando para o legado histórico da educação de jovens e
adultos, a EJA, como campo de práticas educativas situadas no âmbito do
Direito Público Subjetivo. Esses condicionantes sociais e políticos,
relativos à constituição efetiva de sujeitos de aprendizagem se voltam à
compreensão do cotidiano escolar como espaço de tensões, mas também
de práticas pedagógicas alternativas, dialógicas e populares, concebidas
como elementos fundantes da tomada de consciência e, quiçá, da
transformação da sociedade.
Compreender a EJA como espaço de Direitoblico Subjetivo
implica em considerar que aprender é direito de todos, condição de
dignidade humana e de exercício da cidadania, sendo a sua consolidação
um dever do Estado politicamente organizado, ao qual se incumbem
atribuições constitucionais no sentido de administração do excedente
econômico, incluindo-se a atuação necessária no sentido de reformas
multiestruturais no seio da sociedade brasileira com vistas à minimização
da desigualdade social, situão tomada como principal determinante dos
indicadores de analfabetismo e de baixa escolarização, acrescida de
determinantes sociais ligados a raça, cor e gênero, de amplo segmento da
população.
10
É no contexto de protocolos internacionais definidos pela
UNESCO, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura, das teses debatidas no contexto dos Fóruns Sociais Mundiais
e das Conferências Internacionais de Educação de Adultos, as
CONFINTEAs, que se logrou estabelecer o paradigma da produção de
conhecimento e de aprendizagem permanente, para todos e ao longo de
toda a vida, como elementos fundantes para transformação da ação
educacional imposta pelas transformações globais.
Todos os protocolos enunciados destacam a importância da
escolarização de jovens e adultos, firmando compromissos em dimensão
de caráter regionalizado de modo a se galgar condições adequadas para o
desenvolvimento sustentável e equitativo, para a promoção de uma cultura
de paz que tenha como base a liberdade, a justiça e o respeito mútuo, o
que exige a construção de uma relação de complementaridade entre a
educação formal e a não-formal.
Na efervescência dos debates sobre a educação das camadas
populares, as disputas estabeleceram que, embora dever do Estado, não
seria produtivo desconsiderar a relevância de processos formativos situados
no contexto das lutas pela terra, pela moradia, pelo reconhecimento de
direitos sociais e trabalhistas, enfim, pela existência e sobrevivência em
condições dignas.
Desse modo, compreende-se que os processos de EJA, situados
dentro da escola ou fora dela, em instâncias apropriadas da sociedade civil
organizada, concretizam as possibilidades de desenvolvimento intelectual
para todas as pessoas, de qualquer faixa etária, possibilitando a atualização
de seus saberes, o desenvolvimento de capacidades de naturezas diversas e
as trocas de experiências, com base em vivências significativas, podendo
propiciar o acesso a novas formas de socialização, trabalho e cultura. Esse
conjunto de prerrogativas de dimensão sociocultural e política deve
11
promover capacidades para o enfrentamento dos desafios postos para o
convívio solidário, para uma cultura de paz e para a sustentabilidade, em
realidade marcada pelas transformações científicas e seus impactos na vida
social e cultural.
Hoje o mundo se revela globalmente conectado por tecnologias
digitais de informação e comunicação, de alcance inimaginável em um
passado bem recente. No entanto, se o desenvolvimento tecnológico traz
conforto para grande contingente da população com poder de acesso aos
bens culturais dele decorrentes, por outro lado, se amplia a desigualdade
entre os mais pobres, como se evidenciou no advento da necessidade de
ensino e trabalho em atividades remotas por conta da pandemia provocada
pelo Coronavírus. Desta forma, novas abordagens teóricas e metodológicas
se revelam fundamentais como forma de sustentação das respostas às
demandas sociais, educacionais e culturais a partir de embates no espaço
sociopolítico marcado por fortes desigualdades e discriminações às quais
estão submetidas as classes subalternas, trazendo consequências para o
convívio social. Nesse contexto, a educação ocupa lugar de destaque e o
processo de escolarização e formação profissional tem papel decisivo.
A educação escolar, a de EJA, inclusive, tem a seu cargo a difusão
de saberes comprometidos com a ruptura e a inovação; ao mesmo tempo,
é sua atribuão contribuir para a preservão do patrimônio cultural do
povo brasileiro. A ciência, a cultura, a arte, os valores, enfim, tudo aquilo
que diz respeito à preservação da identidade de um povo é também parte
do compromisso da instituão educacional. Neste sentido, a escola, em
sentido abrangente, vive a dicotomia do novo com o antigo, da inovação
com a preservação, da construção com a superação. Não basta, portanto,
o letramento básico, elementar; é imprescindível um processo de formação
geral, comprometido com a transformação social. Os sujeitos da EJA
12
necessitam de processo de escolarização, com qualidade e alcance social e
político, e têm pressa.
Assim é que a instituição escolar como um todo e, particularmente,
a de EJA, constitui um espaço de luta cujas perspectivas de transformação
se ampliam na razão direta do compromisso político e da competência
técnica daqueles que nela militam.
Após alguns avanços, ainda que não como os almejados, em
passado recente, vivemos dias nos quais a dimensão social, política e
cultural na qual estamos inseridos está sendo redesenhada. Em nome da
reorganização do Estado brasileiro, supostamente incapaz de responder às
demandas sociais, mas cuja arrecadação é vultosa, direitos sociais
historicamente conquistados vêm sendo vilipendiados sob o mantra do
ideário de Estado mínimo.
Entretanto, efetivamente, o problema da reforma do estado
brasileiro é outro. Trata-se, não de minimização do papel do Estado em
seu dever de fomento das demandas sociais básicas como saúde e educação,
dada a sua função de administração do excedente econômico, mas da
necessidade de sua desprivatização, ou seja, de sua retomada do controle
por interesses dominantes que as consideram, não como investimentos,
mas como despesas; não como instrumentos para o bem-estar social, mas
para a mera instrumentalização do mercado de trabalho e otimização de
lucros dos seus negócios. Somente uma situação de alienação extrema das
camadas populares pode justificar o femeno de supressão de vagas e
classes de EJA como vêm ocorrendo no contexto brasileiro dos últimos
anos, sem maiores consequências.
Concernentes ao fenômeno da alienação convivem políticas
oficiais para a educação de jovens e adultos, com slogans absolutamente
discutíveis como “EJA e Mundo do Trabalho”. Se preparar para o mercado
13
de trabalho é necessário e de alcance social, mais ainda é desenvolver
políticas de Estado, não de governo, pautando o enfrentamento político
da situação nacional de desemprego, subemprego e atuação na economia
informal de milhões de trabalhadores, posto que o número de sujeitos
nessa situação é muito parecido com os indicadores de analfabetismo
absoluto no país. Não se resolve o problema do analfabetismo, absoluto ou
funcional, sem políticas que minimizem a brutal desigualdade provocada
por mecanismos de excessiva concentração de renda.
Nesses novos-velhos tempos da geopolítica brasileira, sujeitos
sociais, outrora visíveis, podem e devem se organizar em movimentos
sociais pela educação, uma garantia constitucional, entonar a voz e expor
ainda que, por vezes, de forma pouco elaborada, suas demandas específicas.
Mas parece que as classes populares entraram em estado de plena letargia
em passado muito recente.
Apesar disso, debater e dialogar é preciso e constitui papel da
universidade. Desta forma, considera-se ao longo desta obra que as classes
populares têm clareza da importância da escola para a melhoria da sua
condição de vida, de tal modo que superar esse estado de coisas e de ânimos
exige formação humanista, geral e inclusiva, produzindo conhecimentos e
formação escolar na amplitude do sentido de pertinência social.
Ademais, somente um processo de formação humana omnilateral
pode contribuir para a consolidação da incipiente democracia brasileira,
voltando-se para o respeito aos direitos humanos, para a participação social
ativa e ctica na vida social e para o estímulo à busca de solão pacífica
para os conflitos, com vistas à superação dos preconceitos e da
discriminação. Perseguindo denodadamente novas formas de pensar e agir,
vislumbrando a convivência com as diferenças e respeitando a identidade
cultural das pessoas do universo da EJA, aperfeiçoando-se constantemente,
contribuindo para abrir os caminhos do futuro, os educadores dessa
14
dimensão da educação básica terão cumprido, com parcimônia, um dever
social de grande alcance político.
Em seu conjunto, dentro dos limites teóricos que os determinam,
os textos que compõem essa obra comungam desse ideário e compreendem
que pensar a EJA em contexto de diversidade, de inclusão e de
conscientização das pessoas supõe enfrentar o desafio político de Educação
para Todos ao Longo da Vida, favorecendo a apropriação dos avanços
científicos e tecnológicos e de valores voltados à dignificação da condição
humana, com base no desenvolvimento de currículos flexíveis e
diversificados, pautados pelo reconhecimento da identidade cultural e das
histórias de vida dos sujeitos das camadas populares.
Com essas preocupações, as formulações presentes no livro que ora
se apresenta decorrem de ações de articulação entre ensino, pesquisa e
extensão universitária postas em prática no contexto do Programa UNESP
de Educação de Jovens e Adultos, PEJA; do Grupo de Pesquisas Sobre a
Formação do Educador, GP FORME; do desenvolvimento de projetos de
mestrado e doutorado no contexto da EJA; de projetos de intervenção na
realidade escolar em sentido amplo; e, principalmente, das discussões sobre
essa área do conhecimento desenvolvidas no âmbito de disciplinas da
graduação e da pós-graduação, com o intuito de integração entre essas
dimensões do ensino superior e destas com a educação básica.
Todos os textos da coletânea resultam da persecução de articulação
entre teoria e prática no contexto da EJA envolvendo ampla pesquisa
bibliográfica, análise documental sobre os limites de constituição dos
processos educativos de jovens e adultos, perspectivas de intervenção nessa
realidade ou análise dos processos de formulação teórico-metodológica e
de difusão de conhecimento.
15
Nos limites dessa compreensão, o capítulo denominadoEducação
de Jovens e Adultos no Contexto de Educação Inclusiva: Problemas e
Perspectivas da Sociedade e da Educação Contemporâneas”, de autoria de José
Carlos Miguel, discute a educação de jovens e adultos, como o título bem
indica, compreendida em contexto de educação inclusiva, analisando
problemas didático-pedagógicos, sociais e políticos que condicionam o
desenvolvimento da EJA e da educação na sociedade atual, bem como
refletindo sobre perspectivas para melhor encaminhamento do problema
da exclusão escolar em sentido amplo. Assim, analisa indicadores de
analfabetismo absoluto e funcional no contexto nacional, mostrando que
apesar de redão percentual significativa nas últimas décadas, o problema
permanece latente em números absolutos, comprometendo o estado de
bem-estar social e as prerrogativas de desenvolvimento humanitário, social
e coletivo. Sua análise situa a EJA no contexto socioeconômico, político e
cultural da realidade brasileira e enuncia princípios condicionantes da
busca de consolidação dessa dimensão da educação básica em currículos
flexíveis e metodologias inovadoras, concluindo pela necessidade de
investimentos na área, de estabelecimento de relações formativas que
considerem a diversidade, incluindo os sujeitos historicamente alijados do
direito à educação, bem como pensando a conscientização do educando de
seu papel social e político em uma sociedade absolutamente desigual,
carente de transformação no sentido de fazer valer a dignidade da condição
humana.
O capítulo intitulado “Educação de Jovens e Adultos, Cultura e Arte:
entrelaçando saberes, em coautoria de Ana Paula Cordeiro, Laís Marques
Barbosa e Francisane Nayare de Oliveira Maia, tem como objetivo analisar
as possíveis contribuições da cultura e da Arte na Educação de Jovens e
Adultos (EJA), enfatizando a pertinência dessa discussão face à identidade
cultural e às histórias de vidas dos sujeitos, pautando-se, além de livros, em
16
músicas que auxiliam na visualizão das diferenças sociais, as quais, muitas
vezes restringem o acesso e permanência na escola a determinada parte da
sociedade. Para tanto, primeiro são apresentadas considerações gerais sobre
a EJA, após algumas definições conceituais em torno da cultura e da arte,
e por fim as principais contribuões de ambas para a EJA. Diante do que
foi apresentado, concluiu-se que a Arte e a Cultura, no trabalho na EJA,
são necessárias, pois favorecem, dentre outros aspectos, o
(re)conhecimento dos estudantes como seres de valor e o desenvolvimento
de sua autonomia e criticidade, por meio de reflexões e ações sobre si e o
mundo ao redor.
Buscando responder ao problema de pesquisa enunciado, “Como
o conflito e as relações de poder interferem na organização do trabalho na
escola?”, Ellen Felício dos Santos, Fernanda Gonçalves Gomes e José
Carlos Miguel abordam a temática da educação escolar, os conflitos e as
relações de poder que nela se constituem, caracterizando a escola como
instância fundamental para a produção e difusão de saberes, mas também
reprodutora de discursos, ideias e valores, um espaço de luta e de disputa,
portanto, dos sujeitos que nela militam. O texto produzido, “Conflitos,
relações de poder e organização do trabalho na escola” aponta para elementos
de uma perspectiva educacional que se sustente em trocas recíprocas, em
relações não autoritárias, voltadas à transformação de mentalidades, à
formação de conceitos, hábitos, valores e atitudes de forma crítica. Nesse
modo de olhar, impõe-se à escola a contribuição para uma reorganização
da forma de difusão do conhecimento científico e da cultura, em relações
postas a serviço do desenvolvimento social e da ampliação da escolarização
do homem e da mulher, haja vista, inclusive, os indicadores de
analfabetismo feminino, em consolidação de reversão na história recente
da realidade brasileira. Construir uma escola democrática popular exige a
discussão e o redimensionamento das relações de poder na escola. No
17
entanto, demonstra-se que a instituição escolar acaba reproduzindo valores
da sociedade de classes e atendendo aos interesses dominantes, sendo que
as relações de poder estabelecidas na escola são a reprodução em escala
menor, das relações vividas na sociedade. Muitos alunos externalizam o seu
desinteresse por uma escola que não acompanha as aceleradas
transformões da sociedade, criando conflitos e as impostas relações de
poder acabam conduzindo a negociações ou mediações constantes entre
professores, gestores e estudantes para garantir ao menos o curso normal
das aulas. No entanto, a pretensa relação dialógica que se observa pouco
considera, de fato, da vivência dos alunos, e busca seduzi-los na tentativa
de gerar empatia, mas também de reforçar o lugar docente na hierarquia
educacional.
Certa da influência dos meios de comunicação na determinação
dos comportamentos dos indivíduos e, paralelamente, do fato de que 6 em
cada 10 brasileiros repetem a baixa escolarização dos pais, desnudando-se
a contradição da divulgação de programas de alfabetização de jovens e
adultos apenas com faixas escritas na frente das escolas, Lilian Pacchioni
Pereira de Sousa aborda em seu texto, Propagandas de Divulgação dos
Programas da EJA: representações sobre educação permanente ao longo da vida
e para todos”, a influência das representações sociais no comportamento da
sociedade em seus determinantes culturais, políticos, sociais, religiosos e
econômicos, orientando a interpretão do conteúdo midiático por parte
da audiência. Com categorias de análise de conteúdo das divulgações dos
programas de EJA muito bem definidas, a autora evidencia certos
estereótipos presentes na comunicação com os atores sociais da EJA, a
representação dos jovens nas propagandas, a concepção da EJA como
instrumentalização para o mercado de trabalho e as relações entre
escolarização formal e informal. Conclui-se, dentre outros aspectos, pela
evidência de certa banalização dos ideais de humanização e de educação
18
permanente ao longo da vida e para todos, raramente considerando-se os
condicionantes sociais e culturais das decisões educacionais nesta direção.
Situando-se em amplo espectro de ações educativas que se
estendem da realidade da educação básica ao ensino superior, os
professores Claudia Regina Miranda Targa, Emerson da Silva Santos e José
Carlos Miguel discorrem, em artigo denominado A tomada de consciência
na educação de jovens e adultos”, sobre o alcance social e político de um
trabalho na Educação de Jovens e Adultos que busque a tomada de
consciência dos atores sociais que atuam nessa modalidade de ensino.
Apesar de muito debatida nos últimos tempos, a implantação de projetos
voltados à Educação de Jovens e Adultos ainda apresenta dificuldades e
incongruências, muitas dessas em decorrência da falta de políticas públicas
que possam atender aos estudantes que de alguma forma foram excluídos
do sistema regular de ensino. Igualmente se nota certo descaso com a
formação docente, inicial e continuada, para atuação nesta área de
conhecimento. Neste diapasão, serão tratadas as implicações pedagógicas
do estabelecimento das diferenças entre consciência crítica e conscncia
ingênua, bem como os limites e as possibilidades de se consolidar o
processo de conscientização com base no diálogo horizontal, atinente à
filosofia de educação que emana do pensamento freireano, buscando-se
avançar, com esse intento, em reflexões situadas nas perspectivas teóricas
do construtivismo piagetiano e da teoria histórico-cultural.
Miriam Pires Borges, por sua vez, discute possibilidades de
transformação do cotidiano das aulas de Matemática em seu texto “O
Ensino de Matemática nos Anos Iniciais: Abordagens Teórica e Metodológica
nas Classes de EJA”. A autora analisa a situação do ensino da Matemática
no contexto geral da educação e, especificamente, como a Matemática
pode ser ensinada nas classes de Educação de Jovens e Adultos, EJA. Por
meio de pesquisa bibliográfica sobre a temática e análise documental acerca
19
das diretrizes curriculares para a área do conhecimento, delineia
fundamentos importantes para a forma como os conteúdos matemáticos
ensinados e aprendidos pelos estudantes na escola poderão ser relevantes
em suas tarefas e situações no dia a dia. Em linhas gerais, aborda a situação
do ensino e aprendizagem da Matemática nas escolas brasileiras,
mostrando índices alcançados pelos estudantes em algumas das avaliações
aplicadas no país. Em relação ao ensino da disciplina nas classes de EJA,
apresenta as contribuições da Matetica para o desenvolvimento do
pensamento lógico e para a formação de conceitos e a necessidade de se
considerar os conhecimentos prévios dos alunos e suas experiências, ou
seja, o currículo ocultoque apresentam ao ingressarem na escolarização
formal. Destaca-se, então, a importância de oportunizar situações de
interações sociais na sala de aula para que, professores e alunos, participem
ativamente do processo de ensino e aprendizagem, em uma prática
pedagógica histórico-cultural, voltada à resolução de problemas.
Igualmente comungando da imporncia de se considerar as
vivências e o “currículo oculto” dos sujeitos da EJA na prática pedagógica,
Elisângela da Silva Callejon e José Carlos Miguel, exploram outros aspectos
atinentes à forma como os educandos se colocam ante às possibilidades de
apropriação de conhecimento no artigo “Educação de Jovens e Adultos: perfil
identitário discente e suas implicações para o trabalho docente”. Buscou-se,
então, analisar o perfil identitário do aluno da EJA em Marília, e identificar
de que forma ele contribui para a realização do trabalho docente. Como
as histórias de vida e a identidade cultural dos alunos da EJA repercutem
no trabalho de aprendizagem desenvolvidas pelos professores?
Considerando a perspectiva cultural e experiência de vida do sujeito da
EJA, o trabalho a ser desenvolvido pelo professor deverá ser intencional e
sistemático no sentido de flexibilizar o Currículo da EJA, adequando-o à
necessidade dos sujeitos em questão. Para isso, foi utilizado o método de
20
revisão bibliogfica, análise de documentos oficiais que regulamentam
essa modalidade de ensino em Marília, bem como, outras leis da esfera
federal. Também foi realizada uma pesquisa com os alunos e professores
da EJA para configuração da análise e conclusão do capítulo. Os resultados
indicam que os professores consideram o saber cultural que cada aluno
possui e procuram adequar os conteúdos, porém muitas vezes não
conseguem flexibilizar o currículo, pois o consideram engessado. Outro
fator importante, que foi observado, é a limitada oferta de cursos de
formação inicial e continuada em Educação de Jovens e Adultos. Essa falta
de qualificação e especialização repercute na ação docente realizada em sala
de aula.
No texto “Os Atuais Desafios da Educação de Jovens e Adultos para
a Emancipação: crise da democracia e desescolarização”, João Paulo Francisco
de Souza e Raquel dos Santos Candido da Silva analisam as perspectivas e
desafios para a educação de jovens e adultos, EJA, situadas no âmbito da
contribuição que deve prestar à guisa de inclusão educacional efetiva de
amplo segmento de sujeitos oriundos das camadas populares e no contexto
de profundas transformações sociais, políticas e econômicas da realidade
brasileira contemporânea. Enfatizam que o quadro se agrava
consideravelmente a partir do final do ano de 2019 com a
excepcionalidade de uma pandemia, colocando em crise o funcionamento
da sociedade, seus valores, costumes e posturas e aprofundando a
desigualdade. Se, por um lado, é fato que progressivamente a EJA se
constitui como reconhecido campo de reflexões teóricas, avançando de um
lócus secundário na análise do cenário educacional para uma dimensão um
pouco mais considerada no debate acadêmico, por outro lado, a ela se
impõe a assunção de uma identidade efetivamente voltada à pretensão de
educação continuada, para todos e ao longo da vida e a retomada de
atendimento efetivo da demanda, prejudicada por um quadro, recente,
21
mas acentuado, de supressão de vagas. Assim, o estudo se estabelece com
base em ampla pesquisa bibliográfica sobre a temática da EJA, em análise
documental sobre a constituição legal dos seus processos e na atuação dos
pesquisadores como gestores e educadores nesta área do conhecimento
para concluir, dentre outros aspectos, que o encaminhamento do
problema se coloca no contexto da educação democrática, implicando em
vários processos, estratégias e concepções educativas capazes de romper
com objetivos autoritários e determinações opressivas. Intervenções e
iniciativas docentes e discentes podem colaborar no sentido do
rompimento dessas estruturas, na medida em que uma nova lógica de
resistência é construída conjuntamente com a reestruturação dos poderes
a partir de uma transformação emancipadora. Para tanto, a formação
contínua, a atitude intencional do ensino e o alargamento da consciência
crítica dos educadores é fundamental nesse sentido, uma vez que tem
impacto direto no acontecimento das aulas e na emancipação dos
educandos, buscando romper especialmente com o processo deliberado de
alienação das classes populares.
Em estudo pautado em processos de multiletramentos e assentado
na importância do acesso à internet como elemento transformador,
principalmente, para os educandos jovens e adultos residentes nas áreas
rurais, o artigo denominadoEJA e Multiletramentos na Educação do
Campo: Práticas de Aprendizagem e Inclusão Digital”, em coautoria de
Douglas Antonio Rodrigues Silva e Rodrigo Martins Bersi, busca trar
apontamentos importantes no que tange ao campo da educação nesse meio
e na forma com que ela pode alterar a percepção de uma quantidade
imensa de alunos, não só ensinando-os a ler e a escrever, como também, a
programar, a entender os processos existentes em um computador, ainda
que não mergulhe profundamente em suas dimensões social, cultural e
crítica. Com estas preocupações os autores debatem a
Educação de Jovens
22
e Adultos enfatizando o dinamismo no aprendizado, destacando que a
familiaridade com recursos digitais que pode ser revertida em
aprendizagem formal e inclusiva, discorrem sobre o letramento digital
ativo através dos recursos da internet, além de apontarem a inclusão digital
em contexto de práticas de multiletramentos na EJA como ação
imprescindível para a sua efetividade em perspectiva inclusiva. A inclusão
digital que tratamos parte das necessidades concretas dos sujeitos, em
atividades socialmente situadas, reconhecendo as especificidades dos textos
digitais e sabendo utilizar destes recursos para resolver problemas
imediatos, fugindo da superficialidade de lidar com as TDIC apenas como
aparato cnico. Os resultados da pesquisa apontam para a necessidade de
reconhecermos as TDIC como tecnologias capazes de modificar a “leitura
de mundo” dos sujeitos e do desenvolvimento da linguagem, assim como
de se tratar a inclusão digital como algo que envolve a aplicação prática
dessas tecnologias na realidade concreta, reconhecendo seu funcionamento
e sabendo, conscientemente, utilizar estes recursos nas mais diversas
atividades cotidianas, utilizando-se dos multiletramentos para
efetivamente se apropriar das novas tecnologias, fomentando a
participação efetiva na Web 2.0.
Para encaminhar a conclusão dessa apresentação, o artigo
Educação Desenvolvimental, Tecnologias Digitais na Educação e a
Pandemia COVID-19”, em coautoria de José Eduardo Pereira de Souza e
José Carlos Miguel, tratou de discutir algumas relações que se colocam
entre educação desenvolvimental e o uso de ferramentas tecnológicas na
educação, fenômeno exponenciado a partir da pandemia de Coronavírus.
O estudo norteou-se por ampla pesquisa bibliográfica sobre os sentidos e
significados do trabalho em educação; procedeu à profícua análise
documental sobre o processo decisório acerca do uso de tecnologias digitais
de informação e comunicação na escola; bem como refletiu sobre as
23
vivências como atores sociais desta área de conhecimento, sobre o que era,
como está sendo e o que poderá ser a escola após o encaminhamento de
problema tão complexo como é a COVID-19. Neste contexto, analisou-
se os determinantes teóricos da Educação Desenvolvimental que,
alinhados ao uso das novas tecnologias, podem fornecer algumas
contribuições para maximizar o aprendizado escolar sistematizado,
cientificamente organizado, dentro da escola e mesmo longe dos muros
escolares, certos de que a excepcionalidade a qual nos tornamos expostos
colocou em pauta debate que não pode mais ser adiado. No entanto, é
preciso registrar que, sob o ponto de vista dos autores, o fenômeno em
pauta não é simplista: reflete uma crise estrutural do hipercapitalismo,
resultante de um conjunto de crises que se colocam no contexto do
neoliberalismo, de matriz política ultraconservadora, já há várias décadas.
Por isso, as conclusões da pesquisa indicam que não há como desprezar a
cultura e o momento histórico da humanidade, sendo fundamental
considerar as teses da Educação Desenvolvimental, com princípios que
podem nortear formas inovadoras de ensinar e aprender, especialmente
neste momento de pandemia no qual a educação se viu compelida ao uso
das novas tecnologias de informação e comunicação. E que, no sentido
temporal, as teses da Educação Desenvolvimental não são recentes, mas
são inovadoras pois tem como foco a apropriação de conceitos científicos
e o desenvolvimento das funções psíquicas superiores dos educandos, com
potencial para proporcionar avanços e superar o caminho que já foi
trilhado pelo ensino tradicional, independentemente se utilizada nas
formas remota, presencial ou hibrida.
Por seu turno, o artigo redigido em coautoria por Carla Chiari e
Mariana Lopes de Morais, denominado “Reflexões Sobre a Trajetória
Histórica de Mulheres: implicações para a constituição de processos de EJA
aborda questão fundamental, a exigir, ainda, amplo debate e pesquisas no
24
contexto acadêmico, qual seja, a presença do universo feminino nos
processos de escolarização de adultos sobejamente marcado por uma
trajetória de exclusão. O estudo demonstra que, se avançam as mulheres
na ocupação do espaço público, continuam atadas à exclusividade das
responsabilidades domésticas e familiares. Estes aspectos têm sido
apontados por estudiosas e pesquisadoras também do campo da Educação
de Jovens e Adultos (EJA): a necessidade de arcar com as responsabilidades
familiares é um dos principais motivos de evasão das mulheres adultas da
escola. O fenômeno vem se tornando menos efetivo à medida do avanço
do movimento de emancipação feminina.
Finalizamos, firmando a certeza da relevância do trabalho coletivo
dos autores, parceiros deste estudo, de lutas dentro e fora da universidade
e de comunhão de propósitos, em sua maioria, jovens pesquisadores, a
extrapolarem os justos anseios de carreira acadêmica, os quais,
debruçando-se sobre temáticas reveladoras dos dramas e das tramas que
envolvem a luta pela concretização da EJA como elemento fundamental
da perspectiva de educação inclusiva, contribuem para o avanço
progressivo dessa área do conhecimento como campo fundamental de
reflexões teóricas e de sustentação de políticas voltadas à constrão de uma
sociedade menos desigual, mais fraterna, humana e acolhedora.
A educação, neste mundo que se sonha, enquanto os sonhos são
permitidos, não precisará de adjetivos.
José Carlos Miguel
25
Prefácio
Gustavo Cunha de Araújo
1
Com muita honra recebi o convite para prefaciar o livro “Educação
de Jovens e Adultos: diversidade, inclusão e a tomada de consciência”.
Abordar esse assunto sempre é muito importante e necessário para ampliar
o debate acerca da EJA na pesquisa educacional e, consequentemente, para
a produção de conhecimento na área. Por isso, registro aqui a minha
satisfação em escrever esse prefácio.
O ano de 2021 está sendo um ano de intensos desafios e
dificuldades não apenas nas esferas sociais, políticas e econômicas, mas
também na saúde, educação e ciência, que demandam ainda mais atenção
do poder público para essas áreas para que as mesmas avancem e possam
continuar contribuindo para o desenvolvimento da sociedade. Na
observação que faço, penso que isso ocorre devido a principalmente dois
fatores: redução de investimentos em educação, ciência, saúde entre outros
setores pelo atual governo; e devido à Pandemia da COVID-19 que afetou
significativamente as vidas de professores, pesquisadores e da população
em geral.
É importante mencionar isso, pois a Educação de Jovens e Adultos
vem de um longo histórico na educação brasileira lutando pelo acesso do
1
Doutor em Educação pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, FFC, Unesp, Câmpus de Marília. Docente vinculado à
Universidade Federal do Tocantins, UFT, Câmpus de Tocantinópolis, ao Programa de Pós-
Graduação Profissional em Educação da UFT, PPPGE/UFT e ao Programa de Mestrado
Profissional em Artes da Universidade Federal de Uberlândia, UFU.
26
jovem e do adulto à escola, bem como da sua permanência nessa
instituição. Os sujeitos dessa modalidade frequentam a escola com o
objetivo de não apenas darem continuidade em seus estudos, mas de fazer
valer o seu direito de ter acesso à educação, garantido pela Constituição
Federal de 1988, principalmente. Porém, nem sempre na prática isso se
consolidou, como pode ser constatado pelo fechamento de escolas
noturnas de turmas de EJA em diferentes localidades no Brasil, baixo
investimento financeiro nessa modalidade, entre outros. Diante disso,
problematizar questões referentes a esse tema é manter viva a discussão a
respeito da importância da EJA na educação brasileira.
Ao organizar as reflexões e análises realizadas pelos autores(as) deste
livro, percebe-se um conjunto de estudos que abordam análises críticas e
indicativos para futuros estudos, devido a consistência das pesquisas
realizadas. Isso é importante para se pensar em ações pedagógicas que
dialoguem com os saberes dos jovens e adultos e, consequentemente, com
a aprendizagem construída por eles nesse processo. Além disso, os estudos
apresentados nesta obra deixam evidente a seriedade dos(as)
pesquisadores(as) em problematizar categorias importantes na pesquisa em
educação, como políticas públicas, formação de professores, inclusão,
didática, conscientização, tecnologias e direito à educação.
Com efeito, os capítulos escritos para esta coletânea revelam, na
sua conjuntura, a necessidade das políticas públicas de EJA serem mais
efetivas e que possam garantir formas de inclusão voltadas à qualidade
desse ensino, uma vez que há uma diversidade significativa de jovens e
adultos presentes nessa modalidade e que o aprendizado deles não se inicia
na sua volta à escola: ao contrário, iniciou bem antes de retornarem ao
ambiente escolar.
Outro ponto interessante da obra diz respeito à teoria Histórico-
Cultural, que se anuncia na estrutura do livro. Abordar essa matriz
27
epistemológica que considera a aprendizagem como fator de
desenvolvimento (principalmente na perspectiva de aprendizagem
desenvolvimental), eleva e potencializa a qualidade do debate promovido
na educação escolar e acadêmica, ao permitir um diálogo denso e profícuo
com outros estudos publicados na área, principalmente na EJA. E isso, os
autores fazem com competência.
Por isso, problematizar a Educação de Jovens e Adultos na pesquisa
acadêmica, na atual conjuntura, tendo como principal aporte teórico a
teoria Histórico-Cultural é extremamente revolucionário, pois revela,
entre outras questões, que não basta o jovem e o adulto frequentar a EJA,
mas que as instituições que ofertam essa modalidade ofereçam condições
de acesso e permanência para que eles possam estudar, pois muitos deles
são trabalhadores e retornam a essas instituições às vezes desmotivados. Por
isso é importante e necessário essas instituições considerarem as
especificidades e conhecimentos desses educandos nas metodologias e
estrutura curricular, pois podem influenciar no processo de ensino e
aprendizagem deles, fundamental para o seu processo formativo e no
desenvolvimento da tomada de consciência da realidade da qual fazem
parte.
Um ponto que merece destaque é a criação do Grupo GP FORME
Formação do Educador, nos debates e pesquisas a respeito,
principalmente, da formação de professores e didática, em diálogo com a
EJA, destacada nesta produção coletiva. Por ser um grupo consolidado na
instituição (UNESP/Marília), reafirma o compromisso com a produção de
conhecimento na área a partir de uma produção qualificada de seus
membros, como é o caso da coletânea de pesquisas apresentadas neste livro.
Ao ler os capítulos que compõem esse livro, observa-se que o
conhecimento produzido pelos jovens e adultos deve ser considerado nos
processos pedagógicos desenvolvidos com eles na escola e universidade,
28
bem como os seus saberes e experiências construídos ao longo de suas vidas.
Não hávidas de que esses educandos retornam aos seus estudos não por
obrigação, mas porque eles têm interesse e necessidade de aprender.
Enfim, esta obra é uma prodão coletiva de pesquisadores(as)
engajados(as) sobre a EJA e que merece ser lida e referenciada. Quero
ressaltar que as contribuições aqui mencionadas dão voz a um tema ainda
problematizado na educação: sujeitos homens e mulheres da Educação de
Jovens e Adultos que buscam, no retorno à escola, dar continuidade em
seus estudos e socializarem os seus saberes e culturas, fazendo valer seus
direitos de terem acesso à educação. Mas, para efetivar as discussões e
análises construídas, tem na teoria Histórico-Cultural o seu principal
aporte teórico para as reflexões e análises feitas.
Compreender que o estudante jovem ou adulto tem o direito de
participar de uma sociedade mais justa, igualitária e voltada para a
formação humana com qualidade, é reforçar a consolidação da perspectiva
de aprendizagem ao longo da vida, defendida pela Conferência
Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA), uma vez que esses
educandos se interagem socialmente e culturalmente, independentemente
de suas idades, compartilhando as suas experiências de vida.
Portanto, ao levantar questões importantes de pesquisa, esta obra
consegue recuperar elementos interessantes para promover a produção de
conhecimento na área e, consequentemente, chamar a atenção do leitor
acerca da Educação de Jovens e Adultos. Nesse sentido, ao situar este livro
no contexto acadêmico, a partir de diferentes abordagens investigativas que
analisam o tema, os capítulos aqui apresentados contribuem de forma
ampla para a problematização e produção de novas reflexões críticas no
que se refere à EJA na área educacional, não esgotando a discussão sobre
jovens e adultos na educação brasileira.
29
Educação de Jovens e Adultos no Contexto de
Educação Inclusiva: Problemas e Perspectivas da
Sociedade e da Educação Contemporâneas
José Carlos Miguel
2
Introdução
Embora a História da Educação Brasileira registre a garantia de
instrução primária, pública e gratuita, para toda a população, desde a
norma constitucional editada em 1824, tal prerrogativa de cidadania e de
exercício de direito raramente ultrapassou os limites da intencionalidade
legal nesse amplo lapso temporal. De fato, após tantos programas e
campanhas voltados à erradicação do analfabetismo, pode parecer absurda,
à primeira vista, a discussão sobre a escolarização de jovens e adultos,
especialmente a alfabetizão inicial, no contexto brasileiro do século XXI.
Isso porque, a julgar pelo fenômeno do fechamento de salas de aula
de EJA na atualidade, se possa ter como certa a tese de que os gestores da
educação básica acreditam na inserção cada vez mais precoce e ampliada
2
Livre-Docente em Educação Matemática. Professor Associado vinculado ao Departamento de
Didática e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP, Câmpus de Marília.
Coordenador do Programa de Educação de Jovens e Adultos da UNESP, PEJA, Câmpus de
Marília.
30
das crianças nos processos de escolarização, como forma de não haver, no
futuro, jovens e adultos não escolarizados. Mas, esse raciocínio é
inconsistente, de modo que o problema do analfabetismo e da reduzida
escolarização de amplo segmento da população brasileira se mostra
evidente, fazendo desse debate algo absolutamente necessário já que,
efetivamente, o nível de letramento científico no país ainda se revela muito
aquém do desejável, impondo-se a necessidade de implementação de
políticas públicas, de reformas multiestruturais no espectro sociopolítico e
de efetiva participação da sociedade civil organizada para o devido
encaminhamento do problema.
Percentualmente, o número de brasileiros de 15 anos ou mais que
não sabem ler ou escrever um bilhete ou um texto simples vem se
reduzindo progressivamente nas últimas décadas, mas ainda soma cerca de
11 milhões de brasileiros analfabetos, ou 6,6% dessa população, segundo
dados da PNAD-Contínua, a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua, divulgada em 2020.
Em 2001 o índice de analfabetismo absoluto nessa faixa etária era
de 12,4%, indicando decréscimo de 5,8% até o momento; no entanto, em
meros absolutos o quantitativo de analfabetos no país sempre oscilou
entre 11 e 13 milhões no período. Ainda mais grave, a estagnação em torno
de 30%, na margem de erro, totalizando cerca de 38 milhões de
analfabetos funcionais, ou seja, brasileiros entre 15 e 64 anos que não
conseguem ler e interpretar textos simples ou resolver problemas
envolvendo as operações matemáticas elementares, com eficiência.
Ademais, a queda nos percentuais de analfabetismo está mais
relacionada ao envelhecimento da população e à inserção cada vez maior e
de forma mais precoce das crianças na escola, do que à efetividade de
políticas blicas de alfabetização e/ou letramento.
31
Considere-se outros indicadores relevantes: 52,6% da população
adulta, com 25 anos ou mais, ainda não completaram o ensino médio.
Nessa faixa etária, 44,2 milhões de pessoas (33,1%) não concluíram o
ensino fundamental.
Os dados são preocupantes. De fato, além de limitar a inclusão do
sujeito como cidadão, a baixa escolarização restringe o desenvolvimento
profissional, afeta a oferta de mão-de-obra especializada e contribui para
limitar o desenvolvimento econômico. O aspecto mais preocupante do
problema é que o analfabetismo atinge todas as regiões do país, mostrando
que é urgente o foco em políticas públicas para a sua erradicação.
Ressalte-se que o problema não se restringe, portanto, à erradicação
do analfabetismo, mas também há urgência na ampliação das taxas de
escolarização da população jovem e adulta, ou seja, não se trata apenas do
imperativo de políticas blicas para a alfabetização desse segmento da
população, mas de uma efetiva política de educação de jovens e adultos,
em que pese os esforços já empreendidos neste sentido, mas que ainda não
foram suficientes para a solução do problema.
A superação do analfabetismo e da baixa taxa de escolarização de
amplos segmentos da sociedade brasileira não depende apenas de criação
de vagas nas escolas. São problemas que se acentuam em função de
conjuntura de desigualdade socioeconômica aviltante, a exigir amplas
reformas multiestruturais no contexto da sociedade brasileira para o seu
melhor encaminhamento, haja vista o recrudescimento da desescolarização
entre os mais pobres, os pretos, indígenas, quilombolas e, até um passado
muito recente, entre as mulheres, tendência em processo de reversão em
função das lutas por emancipação feminina.
Desse modo de compreender o problema da desescolarização
resulta que educação inclusiva não deve ser tratada como sinônimo de
32
educação especial, mas como uma ação cultural, social, política e
pedagógica, consolidando um paradigma educacional posto no contexto
dos direitos humanos fundamentais:
A Educação Inclusiva é a transformação para uma sociedade inclusiva,
um processo em que se amplia a participação de todos os alunos nos
estabelecimentos de ensino regular. Trata-se de uma reestruturação da
cultura, da prática e das poticas vivenciadas nas escolas, de modo que
estas respondam à diversidade dos alunos. É uma abordagem
humanística, democrática, que percebe o sujeito e suas singularidades,
tendo como objetivos o crescimento, a satisfação pessoal e a inserção
social de todos. (SILVA NETO et al., 2018, p. 86).
Um processo efetivo de educação inclusiva não pode, em nossa
compreensão, desconsiderar os restritos indicadores de alfabetismo da
população e nem as dificuldades para apropriação de conceitos
matemáticos, como exemplos, de contingente significativo da população.
Assim, parece consenso na atualidade que para se potencializar o
processo de ensino e de aprendizagem as práticas pedagógicas na EJA
devem tomar as vivências dos sujeitos como ponto de partida,
considerando o contexto de vida dos educandos como conteúdo básico, de
modo a se compreenderem e ao mundo como seres culturais, originários e
produtores de cultura como indicam os estudos de Freire (1996; 2005) e
de Brandão (1985).
Esse prmbulo indica o quão complexo é o processo de educação
de jovens e adultos, rico em nuances de abordagens e que se situa em um
contexto de múltiplos determinantes. Neste texto, buscamos discutir a
educação de jovens e adultos, compreendida em contexto de educação
inclusiva, analisando problemas sociais e políticos que condicionam o
33
desenvolvimento da EJA e da educação contemporâneas, bem como pensar
perspectivas para melhor encaminhamento do problema da exclusão
escolar em sentido amplo.
Cumprir o nosso intento pressupõe caracterizar os sujeitos jovens
e adultos da EJA partindo do pressuposto de que para educar alguém é
preciso acolher e que acolher implica em conhecer, analisando os
condicionantes da ação didático-pedagógica para a tomada de decisão
acerca do problema. Daí, a EJA somente fazer sentido em um contexto de
dialogicidade e problematização da realidade, em ambiente pedagógico
que permita a produção de sentidos de aprendizagem e de negociação de
significados científicos e culturais.
Por certo, o processo de democratização do ensino, o que se projeta
para além da mera oferta de vagas, na busca de novos espaços de direito e
permanência na escola, objeto central do debate nos seminários e fóruns
de EJA, contribui, historicamente, para o rompimento com práticas
consolidadas no imaginário da sociedade sobre o educando jovem ou
adulto, considerando-os como detentores de direitos face à legislação
educacional. No entanto, é preciso considerar que:
A capacidade e a força que servem a um grupo para se imporem a
outros não são, no entanto, suficientes para articular histórias
heterogêneas numa ordem estrutural duradoura. Elas certamente
produzem autoridade enquanto capacidade de coerção. A força e a
coerção ou, no olhar liberal, o consenso, não podem, contudo,
produzir nem reproduzir duradouramente a ordem estrutural de uma
sociedade, ou seja, as relações entre os componentes de cada um dos
meios da existência social, nem as relações entre os próprios meios.
Nem, em especial, produzir o sentido do movimento e do
desenvolvimento históricos da estrutura societal no seu conjunto. A
única coisa que pode fazer a autoridade é obrigar, ou persuadir, os
34
indivíduos a submeter-se a essas relações e a esse sentido geral do
movimento da sociedade que os habita. Desse modo, contribui à
sustentação, à reprodução dessas relações e ao controle das suas crises e
das suas mudanças (QUIJANO, 2010 p. 92).
Quijano (2010) nos lembra que o capitalismo abarca um universo
complexo de invariantes e determinações sociais e políticas, articulados
entre si e com o próprio capital, impondo reconhecer que todo fenômeno
histórico-social não tem a sua explicação e o seu sentido fora de um campo
de relações mais amplo do que aquele no qual se define, queremos dizer,
os dramas e as tramas que envolvem a EJA só podem ter explicação e
compreensão de sentido se tratado como conceito de totalidade histórico-
social, estabelecendo como imperativos, no entanto, a relutância na
esperança e no trabalho pedagógico para a transformação.
O problema da escolarização básica da população é complexo, de
grande alcance social e potico e está contemplado em importantes
compromissos coletivos das nações, atrelando-se ao desenvolvimento
sustentável, à solidariedade e à harmonia entre os povos, paradigma
contestado por uma vertente dominante da política na atual realidade
brasileira, sendo que, se tivemos avanços em passado recente, o momento
presente exige lembrar que:
O novo conceito de educação de jovens e adultos apresenta novos
desafios às práticas existentes, devido à exigência de um maior
relacionamento entre os sistemas formais e os não formais de inovação,
além de criatividade e flexibilidade. Tais desafios devem ser encarados
mediante novos enfoques, dentro do contexto da educação continuada
durante a vida. Promover a educação de adultos, usar a mídia e a
publicidade local e oferecer orientação imparcial é responsabilidade de
governos e de toda a sociedade civil. O objetivo principal deve ser a
35
criação de uma sociedade instrda e comprometida com a justiça
social e o bem-estar geral (DECLARAÇÃO DE HAMBURGO, 1997,
n. p.).
Registre-se que a Declaração de Salamanca (1994, p. 6)
contemplava o imperativo de esforços das nações para a formação
educacional pública, com vistas ao enfrentamento dos preconceitos e à
criação de atitudes inclusivas de natureza ampla:
Muitas das mudanças requeridas não se relacionam exclusivamente à
inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais. Elas
fazem parte de uma reforma mais ampla da educação, necessária para
o aprimoramento da qualidade e relevância da educação, e para a
promoção de níveis de rendimento escolar superiores por parte de
todos os estudantes.
Por isso, Freire é enfático na lembrança sistemática da questão da
inconclusão do ser humano, o que exige movimento permanente de busca,
desvelando as amarras da consciência ingênua, visando a conscientização,
a qual para se consolidar implica em pensar a educação em dimensão
epistemológica:
A alfabetização se faz, então, um quefazer global, que envolve os
alfabetizandos em suas relações com o mundo e com os outros. Mas,
ao fazer-se este quefazer global, fundado na prática social dos
alfabetizandos, contribui para que estes se assumam como seres do
quefazer da práxis. Vale dizer, como seres que, transformando o
mundo com seu trabalho, criam o seu mundo. Este mundo, criado pela
transformação do mundo que não criaram e que constitui seu domínio,
36
é o mundo da cultura que se alonga no mundo da história (FREIRE,
1981, p. 17).
É no contexto dessas formulações que se discute neste texto os
significados da EJA na atual realidade brasileira, em contexto de educação
inclusiva, debatendo problemas e perspectivas da sociedade e da educação
contemporâneas, a impor uma multiplicidade de desafios para a
comunidade educacional, exigindo a proposição e o desenvolvimento de
prática educativas em contexto de diversidade cultural na qual se vislumbra
projetos alternativos e experiências inovadoras.
Para isso, apoiamo-nos na análise de situações vivenciadas e
experiências desenvolvidas no âmbito do Programa UNESP de Educação
de Jovens e Adultos, concebido como laboratório para práticas de ensino e
de pesquisa para docentes, graduandos e pós-graduandos, especialmente
quanto à identidade cultural, às histórias de vida e às percepções sobre a
diversidade cultural dos sujeitos, as suas necessidades de aprendizagem e as
particularidades das instâncias concretas em que vivem e atuam.
Na busca de concretização de nosso intento, valemo-nos de ampla
pesquisa bibliográfica e de análise documental sobre o significado e o
sentido da EJA na atual realidade brasileira, considerando-a em perspectiva
de educação inclusiva, resultante de tradição histórica consolidada em
processos de segregação e discriminação de setores da sociedade brasileira.
A EJA no contexto socioeconômico, político e cultural
da realidade brasileira
Conforme as sociedades humanas se desenvolvem, ampliam-se as
necessidades de dotar os sujeitos das camadas populares de conhecimentos
37
científicos e técnicos, ainda que de natureza instrumental, relativamente às
competências e habilidades necessárias para inserção no processo
produtivo, criando-se as condições para compreensão e controle relativo
das ações a serem desenvolvidas no contexto do trabalho, em um conjunto
de atividades a envolver a maioria das pessoas.
Adicione-se a isso, interesses relacionados ao exercício da
participação política, aos direitos de votar e de ser votado, obviamente
privilegiando-se o primeiro, e temos explicações razoáveis para o
reconhecimento do direito social à educação de parte das classes
subalternas da sociedade. Por óbvio, as elites dominantes, de forma geral,
reconhecem o direito social à educação, de parte dos trabalhadores, à
medida que percebem na não escolarização os riscos ao manejo e de danos
ao maquinário, que se acentuam pelo desenvolvimento tecnológico no
âmbito da microeletrônica e das tecnologias digitais de informação e
comunicação.
Assim, possivelmente, o principal paradigma sociopolítico do
século XXI seja a inclusão educacional plena, situada em amplo espectro
que envolve também questões étnicas, de gênero, ecológicas e geracionais;
enfim, a consideração da noção de pertencimento, com garantia aos
sujeitos sociais de um lugar específico e apropriado para galgar condições
efetivas de participação, aprendizagem e desenvolvimento em espaço
escolar.
As necessidades educativas da sociedade contemporânea são
crescentes e situam-se nas interfaces das diversas dimensões da vida
humana: a vida familiar e em comunidade, o trabalho, a participação social
e política, as oportunidades de lazer e desenvolvimento cultural.
Vivemos uma revolução tecnológica que altera profundamente, e
de modo progressivo, as formas de trabalho. As novas tecnologias e as
38
novas formas de organizar a produção elevam consideravelmente a
produtividade, delas dependendo a inserção competitiva da produção
econômica nacional em uma economia cada vez mais internacionalizada.
As novas tecnologias e sistemas organizacionais exigem
trabalhadores versáteis, em condições de compreender o processo de
trabalho como um todo, dotados de autonomia e iniciativa para resolver
problemas em equipe. Mais do que a especialização de funções, típica dos
antigos modelos fordista e taylorista, nos quais os trabalhadores, na prática,
exerciam função única, o sistema atualmente em voga exige do trabalhador
maior capacidade de tomada de decisão.
Tanto o fordismo quanto o taylorismo evidenciam, de certo modo,
um sistema de produção rígido, com foco na produção em série, na
hierarquização rígida e especialização de funções. No toyotismo,
acrescentando-se as peculiaridades dos processos informatizados e da
microeletrônica, o sistema de produção se revela um tanto mais flexível e
versátil, a hierarquização é minimizada, com base na inovação e na gestão
de trabalho compartilhado, embora com mecanismos de controle interno
da empresa.
Assim, a alta especialização exigida pelo processo toyotista,
marcado pela inovação tecnológica e pela robotização, trazem
conseqncias para a redução dos postos de trabalho aumentando o
desemprego e o subemprego, am de fomentar processos de terceirização
das atividades com intercorncias para todo o processo produtivo, eo
apenas para a indústria automobilística como se poderia imaginar, em
princípio. O processo toyotista trouxe consequências para a organização
do trabalho como, por exemplo, o conceito de fábrica flexível:
39
[...] essa nova exigência de flexibilidade está ligada a mercados mais
incertos e heterogêneos, entrando em contradição com o processo
rígido de produção em sua forma fordista. A flexibilidade conjuga uma
organização flexível do trabalho o trabalhador que deve ser capaz de
ocupar diferentes postos de trabalho, que deve ser ágil e flexível,
qualificado, polivalente com a flexibilização da força de trabalho
que pode gerar uma cisão entre as diferentes figuras proletárias- e com
a flexibilização do processo de trabalho (RIBEIRO, 2015, p. 76).
Do processo em voga resulta igualmente a flexibilização do
ordenamento jurídico que rege os contratos de trabalho, impondo
situações excepcionais para recurso à atuação em tempo parcial e à
disponibilidade temporária, provocando instabilidade nas relações. E
impõe ao trabalhador, como absolutamente necessárias, as capacidades de
se comunicar, de se atualizar continuamente, de levantar e relacionar
informações diversas, em todo o processo produtivo. Mais do que nunca,
colocar o coletivo à frente do individual; a capacidade dialógica em
oposição ao monólogo autoritário; o respeito pelo outro e por sua forma e
condição de estar no mundo. O porteiro da fábrica precisa ser o sujeito
mais bem informado do processo de trabalho, ao passo que todos os
funcionários se tornam gerentes, ao menos das tarefas que executam, não
podendo se esperar as ordens de um supervisor específico. Os trabalhadores
que não se enquadram no contexto das competências e habilidades exigidas
são simplesmente expurgados do processo. E traz consequências para a
organização dos programas de ensino nas escolas, com enfoque centrado
no discurso das competências e habilidades:
Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas
devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por
meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando
40
a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e,
sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização
desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver
demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da
cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências
oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as
aprendizagens essenciais definidas na BNCC (BRASIL, 2017, p. 13).
O documento é claro. Ao enfatizar o discurso da pedagogia das
competências vislumbra o pressuposto do “aprender a aprender”, tratado
na concepção ultra neoliberal, como sinônimo de perspectiva pedagógica
inovadora, supostamente articulada às necessidades dos indivíduos e da
sociedade. A flexibilização do modo de produção impõe a flexibilizão das
relações de trabalho. “Aprender a aprender”, “saber ser” e “saber fazer”
significam, a rigor, nas suas articulações, preparar os sujeitos de
aprendizagem para o processo de adaptação às exigências de
instrumentalização para o mercado de trabalho e para algumas relações
sociais regidas pelo atual estágio do capitalismo.
Situada, no contexto brasileiro, em instância de Direito Público
Subjetivo, ou seja, como direito dos cidadãos e como obrigação do Estado
o seu oferecimento, a educação de jovens e adultos envolve diversidade
sociocultural ampla, mas se estabelece em contexto de desigualdade social
e desconsideração de direitos humanos fundamentais:
A política de educação fica subjugada inteiramente aos interesses
produtivos, de modo que as defesas de uma “educação para a
cidadania” não têm sustentação na realidade concreta, salvo se
destinada a formar apenas “cidadãos-consumidores”. Trata-se, pois, de
um processo que atinge não apenas o ensino superior, haja vista que
nos municípios brasileiros a privatização do ensino fundamental
41
avança a passos largos e faz aumentar ainda mais as desigualdades
educacionais, conforme mostram estudos recentemente realizados
(GARCIA; HILLESHEIM, 2017, p. 144).
É indiscutível que o advento de um ciclo econômico sustentado
pelo incentivo ao consumo pode contribuir, como já se constatou na
realidade brasileira recente, uma melhoria na condição de vida da
população, especialmente dos mais pobres, mas não basta para isso o acesso
ao mercado de trabalho, impondo-se amplo investimento em educação,
em políticas de inclusão social e de redução de desigualdades,
absolutamente relevantes do ponto de vista de justiça social, mas
necessárias, também, para a sustentação do modelo econômico baseado em
consumo de massa.
Pela incapacidade do modelo de produzir bem-estar social para
uma parcela significativa da população, o que se observa na atualidade é
um quadro grave de ampliação das desigualdades sociais, com restrições a
direitos sociais e trabalhistas historicamente consagrados, via
desconstitucionalização da legislação brasileira reguladora dessas ações, e
aviltamento das condições de trabalho, aumentando o desemprego e a
atuação na informalidade.
De fato, o avanço tecnológico restringe os postos de trabalho e
torna a disputa pelo emprego mais acirrada, exigindo níveis de formação
mais elevados. A um numeroso contingente de pessoas impõe-se a
necessidade de buscar formas alternativas de inserção na economia tais
como autoemprego, organização de microempresas ou atuação na
economia informal. É crescente e notório o fenômeno que se pode
denominar de “uberização” do processo de trabalho em decorrência da
flexibilização da legislação e do próprio processo de trabalho
compreendido como empreendedorismo:
42
[...] o empreendedorismo assume na atualidade usos diversos que se
referem de forma obscurecedora aos processos de informatização do
trabalho e transferência de riscos para o trabalhador, o qual segue
subordinado como trabalhador, mas passa a ser apresentado como
empreendedor. Fundamentalmente, trata-se de um embaralhamento
entre a figura do trabalhador e a do empresário. Essa indistinção opera
de forma poderosa, por exemplo, no discurso da empresa Uber, que
convoca o motorista a ser “seu próprio chefe”. O empreendedorismo
torna-se genericamente sinônimo de assumir riscos da própria
atividade. Opera aí um importante deslocamento do desemprego
enquanto questão social para uma atribuição ao indivíduo da
responsabilidade por sua sobrevivência em um contexto de incerteza e
precariedade (ABILIO, 2019, p. 4).
Ocorre, então, uma profunda transformação das relações entre
capital e trabalho, desaparecendo o vínculo de subordinação e
constituindo-se uma legião de empreendedores de si mesmos, definindo
novas formas de subjetivação, nas quais os trabalhadores devem maximizar
os resultados, assumir riscos e se responsabilizar por eventuais fracassos.
Essas formas alternativas de trabalho também exigem autonomia,
iniciativa, capacidade de comunicação e aperfeiçoamento profissional de
modo que impõe melhor formação geral e não apenas treinamento em
técnicas espeficas. Contraditoriamente, as inovações tecnológicas
convivem com a manutenção de formas de trabalho tradicionais nas quais
a maioria exerce fuões que exigem baixa qualificação e parte significativa
atua no mercado informal.
Desse modo, no caso brasileiro, há necessidade de se produzir mais
para suprir carências materiais de parcela considerável da população;
distribuir a riqueza de forma mais equitativa e combater a exploração
predatória dos bens naturais. Sem dúvida, o alcance de tais metas exige
43
elevar o nível de educação da população haja vista que trabalhadores com
formação ampla têm mais iniciativa para resolver problemas e tomar
decisões, o que pode garantir eficiência no trabalho e capacidade de
negociação de sua participação na distribuição das riquezas produzidas.
Essa é a situação necessária para reduzir a excessiva concentração de renda,
melhorando a condição de vida da maioria da população.
Não ocorrendo reformas multiestruturais, voltadas à redução da
desigualdade, não há que se falar em democratização da sociedade. No bojo
do anseio de participação política da populão, negociando coletivamente
seus interesses enquanto cidadãos, se situa a ideia central da democracia.
Aliás, o ideal de democracia sempre englobou a perspectiva de uma
educação básica universalizada, o que se revela distante no cenário nacional
ao menos no que se refere ao ensino médio e ao ensino superior.
Igualmente, a educação infantil não atende toda a demanda, além da
certeza de que não resolveremos o problema do analfabetismo sem
profundas transformações no seio da sociedade brasileira haja vista suas
raízes profundas nos segmentos mais pobres da população e entre os pretos,
os pardos e os indígenas, sendo que as taxas altíssimas no segmento das
mulheres vêm se reduzindo significativamente graças ao movimento de
emancipação feminina.
De fato, um regime democrático exige das pessoas discernimento,
valores e atitudes democráticas, a consciência de direitos e deveres, a
capacidade de diálogo para o debate de ideias e o reconhecimento e o
respeito por posições diferentes das suas. Ainda há muito que fazer para
consolidação da democracia brasileira do ponto de vista político, social,
cultural e econômico, sendo que nesse processo a educação tem um papel
fundamental a cumprir.
Em estudo no qual busca caracterizar os sujeitos da EJA no
contexto de pesquisas sobre a educação de jovens e adultos, Santos e Silva
44
(2020) apontam como elementos identitários entre esses atores sociais a
vivência em contexto de exclusão social, a exclusão de processos educativos
no interior e fora do âmbito da escola, suas condições de trabalhadores
com origem nas camadas populares e o sonho de apropriação de
conhecimentos tidos por eles como relevantes. Assim, os conhecimentos
produzidos fora do contexto escolar, os fatores de motivação para ingresso
na escola, as questões geracionais, as implicações relativas a questões de
nero, raça, etnia e os contextos culturais evidenciam a diversidade
cultural:
[...] entendemos que estudantes da EJA, percebidos na dimensão de
sujeitos, são constituídos por e nas relações sociais, na vida em
sociedade, pela intermediação da cultura, dos valores e crenças que
dotam essas relações de significados e sentidos. Inserem-se em um
contexto histórico, político e econômico e nele ensaiam suas trajetórias
de vida. Ao mesmo tempo, realizam um movimento próprio para
interpretar esse mundo e traduzi-lo a si mesmo, percebendo-se como
parte constituinte de um ou de vários grupos (SANTOS; SILVA,
2020, p. 4).
De fato, o acesso aos bens culturais exige domínio da cultura
letrada, capacidade necessária também à locomoção nos grandes centros
urbanos, ao processo identitário, ao consumo responsável e ao respeito pela
natureza.
Mais ainda, educar pessoas jovens e adultas envolvidas pelos meios
de comunicação, em um mundo de rápidas transformações, exige
atualização permanente das políticas públicas para a educação e
transformão das práticas pedagógicas, em especial, a partir do
reconhecimento da identidade cultural dos sujeitos de aprendizagem.
Então, o problema não é apenas alfabetizar ou educar basicamente a
45
população, mas garantir perspectivas de Educação Para Todos ao Longo
da Vida como defendem as conferências internacionais de educação e a
UNESCO, embora ainda se note nesses documentos indícios de maior
preocupação com a instrumentalização dos sujeitos para inserção no
mercado de trabalho.
Por isso, o desafio é tratar a EJA como componente imprescindível
para a transformação social porquanto essa prerrogativa não se consolida,
em contexto de mercantilização da educação, como política para a redução
das desigualdades educacionais; uma política de educação que se submete
inteiramente aos interesses de mercado caminha em sentido oposto ao
objetivo de educar para a cidadania e para a transformação social.
Perspectivas atuais da educação de jovens e adultos
Após a explanão de condicionantes sociais, econômicos, políticos
e culturais que marcam a sociedade brasileira atual, bem como a sua forma
de lidar com a exclusão do processo educacional, passamos a discutir os
invariantes e desafios da educação brasileira que precisam ser equacionados
para a transformação do cenário estabelecido anteriormente,
particularmente quanto ao atendimento das demandas da educação de
pessoas jovens e adultas.
Do ponto de vista legal, as questões relativas à oferta e à demanda
pela EJA no Brasil são abordadas, precipuamente, como modalidade de
ensino referente ao direito à escolarização, em que pese a educação de
jovens e adultos não se resumir a tal dimensão da escolaridade formal,
sendo que o Artigo 4º, Inciso VII, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional n. 9394/1996, estabelece a garantia da “oferta de educação
escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades
46
adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que
forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola
(BRASIL, 1996).
No processo de regulamentação das determinações legais da
LDBEN 9394 o Parecer CNE/CEB nº 11/2000 discute os princípios
relativos às Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA, estabelecendo
que
Não se pode considerar a EJA e o novo conceito que a orienta apenas
como um processo inicial de alfabetização. A EJA busca formar e
incentivar o novo leitor de livros e das múltiplas linguagens visuais
juntamente com as dimensões do trabalho e da cidadania. Ora, isto
requer algo mais desta modalidade que tem diante de si pessoas
maduras e talhadas por experiências mais longas de vida e de trabalho
(BRASIL, 2000, p. 9).
O Parecer em questão designa as funções reparadora, equalizadora
e qualificadora da EJA, evidenciando não se tratar apenas de
reconhecimento do direito à educação, mas de garantia de equidade na
distribuição dos bens sociais e de qualidade do ensino, dada a
incompletude da condição humana e a necessidade de criação de uma
sociedade educada tendo como base o universalismo, a solidariedade, a
igualdade e a diversidade.
Destaca-se que o homem é sempre um ser inconcluso porquanto
se constitui como humano ao longo de sua existência social e histórica. A
sociedade molda, influencia, configura e determina todas as vivências e
experiências individuais dos sujeitos pela transmissão/socialização, ainda
que parcial, dos conhecimentos adquiridos no passado do coletivo social
do qual fazem parte e, ao mesmo tempo, recolhendo as contribuições que
47
a capacidade criadora de cada indivíduo coloca à disposição de sua
comunidade. Ou seja, a sociedade cria o homem para si e o homem se
humaniza pelo processo educativo, fato que extrapola os muros da escola,
estabelecendo-se o preceito de que as pessoas aprendem na e fora da escola.
Dessa forma,
A igualdade e a desigualdade continuam a ter relação imediata ou
mediata com o trabalho. Mas seja para o trabalho, seja para a
multiformidade de inseões sócio-político-culturais, aqueles que se
virem privados do saber básico, dos conhecimentos aplicados e das
atualizações requeridas podem se ver excluídos das antigas e novas
oportunidades do mercado de trabalho e vulneráveis a novas formas de
desigualdades. Se as múltiplas modalidades de trabalho informal, o
subemprego, o desemprego estrutural, as mudanças no processo de
produção e o aumento do setor de serviços geram uma grande
instabilidade e insegurança para todos os que estão na vida ativa e
quanto mais para os que se vêem (sic) desprovidos de bens tão básicos
como a escrita e a leitura. O acesso ao conhecimento sempre teve um
papel significativo na estratificação social ainda mais hoje quando
novas exigências intelectuais, básicas e aplicadas, vão se tornando
exigências até mesmo para a vida cotidiana (BRASIL, 2000, p. 8).
-se como esse debate sobre as funções da educação, a de jovens
e adultos, em particular, atravessa décadas e permanece atual:
Em termos de uma teoria crítica geral, os movimentos de cultura
popular dos anos 60 no Brasil armaram-se contra uma educação do
sistema (da alfabetização de adultos ao ensino universitário) e contra
uma “cultura dominante”. Na prática eles quiseram criar formas
alternativas às experiências que se multiplicavam como modelos
importados de extensão agrícola, educação de adultos,
48
desenvolvimento de comunidades e comunicação de massas
(BRANDÃO, 1985, p. 59, grifos do autor).
Assim, nos dias atuais, é o mundo do trabalho o mote adotado em
diferentes propostas curriculares para consolidar a invasão cultural, para
nos lembrarmos de FREIRE (2005), de forma tal que a dimensão das
efetivas relações de poder no contexto da sociedade de classes,
objetivamente, o fazer político, é mistificado como proposta de trabalho,
negado como perspectiva de realização humana, haja vista a sua condição
de trabalho alienado, e como a sua base de reorganização a partir de
instâncias locais de articulação do poder. Isso não significa tirar a EJA da
responsabilidade do Estado, dada a sua condição de administrador do
excedente econômico, mas estabelecer que a comunidade de educadores
precisa se atentar para o fazer educativo em seus múltiplos determinantes.
De fato, o homem não aprende apenas na escola, sendo que por
sua capacidade intelectual, é sujeito livre e criador de cultura, de modo que
as criações que produz, as inovações técnicas, as construções artísticas ou
as formulações cienficas, bem como todas as ideias que engendra podem
ser incorporadas à cultura geral do grupo ao qual pertence e socializadas
com outros indivíduos ou gerações que não as descobriram. A educação
tem papel primordial nesse processo cultural.
Essas criações, descobertas e inovações devem se tornar parte da
educação desses sujeitos sociais, de modo que o conhecimento e a cultura
se desenvolvem transformando a sociedade, e se transformando, em
processos expansivos e dialéticos. No entanto,
Um dos resultados dramáticos, da combinação entre um mundo
mergulhado no neoliberalismo e o avanço do direito à educação, tem
sido a frustração diante da constatação de que os esforços por colocar
49
a EJA na agenda dos governos não resultaram em avanços
significativos. Tanto no Brasil, quanto no mundo, o número de
analfabetos jovens e adultos diminui lentamente e os avanços na
escolaridade desse grupo são tímidos. O dilema talvez resida
justamente na consequência maior das políticas neoliberais: o
aprofundamento das desigualdades sociais, cenário em que os
potenciais educandos da EJA não poderiam mesmo ver seus direitos
realizados (DI PIERRO; HADDAD, 2015, p. 199).
Vale dizer, o homem, educado pela sociedade, transforma, ou não,
essa mesma sociedade, como resultante da própria educação que dela tem
recebido. Nisso consiste o progresso social, no processo de autogeração da
cultura.
Desse modo, a sociedade desempenha um papel de mediação entre
os homens no processo de criação e transmissão da cultura, no qual
consiste a educação. Então, a transmissão dos bens culturais pela educação,
via mediação dialética da sociedade, se consolida pelo trabalho concreto
dos homens, mas não é uma relação mecânica, o que explica o fato de que
o saber não se comunica inalterado de um indivíduo a outro.
Pelo contrário, na transmissão do legado cultural, do sujeito que
ensina ao sujeito que aprende, o saber transforma-se pela própria ordem
das relações estabelecidas, definindo a qualidade social do processo de
apropriação de conhecimento estabelecido. Daí, o ato de educar, de
transmitir cultura, define-se pelo tipo de sujeito e pelo tipo de sociedade
que se quer formar.
Embora a legislação brasileira defina a EJA como instância de
Direito Público Subjetivo, ou seja, como direito do cidadão e dever do
Estado a normatização de sua oferta nas diferentes redes de ensino, verifica-
se, na prática, a sua consolidação como ação compensatória, residual e
50
aligeirada, em princípio, inadequada às necessidades dos estudantes no
curso do processo de escolarização. Além disso, verifica-se nos últimos anos
desrespeito à legislação com fechamento de salas de aula, restringindo-se a
oferta dessa modalidade de ensino:
A construção de currículos diferenciados e de iniciativas de formação
de professores para o campo acaba por sofrer descontinuidades,
sobretudo pelas ingerências das ações dos governos, que buscam
resultados imediatos e quantitativos. O fechamento das turmas de EJA,
nessas ações descontínuas dos governos, tem sido justificado pela falta
de alunos, sem que levem em consideração as políticas que
impulsionam a sua descaracterização e desmobilização e o não
reconhecimento das suas especificidades (MACHADO, 2020, p. 240).
Com trajetórias de vida marcadas pela exclusão, particularmente
do direito à educação, quando chegam à escola os educandos da EJA ainda
enfrentam dificuldades para inserção em propostas pedagógicas que
desconsideram as suas rotinas e universos culturais, bem como a imposição
de currículos que não contemplam seus conhecimentos anteriores e suas
experiências de aprendizagem não-formais, seja do contexto do trabalho,
da família e do convívio social.
De forma contraditória, na sociedade moderna as formas de
pensamento autoconsciente transcendem o contexto das vivências, fazendo
da instituão escolar um lócus privilegiado para desenvolvimento do
pensamento reflexivo, um espaço para se aprender mais, a discutir e
participar democraticamente na sociedade, aguçando a responsabilidade
social pelo bem-estar comum.
Sem políticasblicas efetivamente voltadas para essa transição dos
saberes de cultura primeira para os saberes veiculados pela escola, com
51
processos de formação de docentes, processos avaliativos e programas de
ensino voltados à consideração da diversidade cultural da EJA, os
resultados dificilmente ultrapassarão a perspectiva de instrumentação
aligeirada para o mercado de trabalho.
Freire (1979) pensa a EJA como perspectiva para a conscientização,
o que, para ele, pressupõe respeito pela liberdade dos educandos. Assim,
todo processo de aprendizagem envolve deve ser associado à tomada de
consciência de determinada situação real e vivenciada pelos alunos. Daí
que
Para que a alfabetização não seja puramente mecânica e assunto só de
memória, é preciso conduzir os adultos a conscientizar-se primeiro,
para que logo se alfabetizem a si mesmos. Consequentemente, este
método na medida em que ajuda o homem a aprofundar a
consciência de sua problemática e de sua condição de pessoa e,
portanto, de sujeito converte-se para ele em campo de opção. Neste
momento, o homem se politizará a si mesmo (FREIRE, 1979, p. 26).
Com base na tese da conscientização dos sujeitos jovens e adultos
das camadas populares, com sustentação no processo educativo, o autor
construiu elementos teóricos e práticos voltados à fecunda discussão em
sociedades marcadas pela desigualdade e pela opressão, consolidando mais
do que um método de alfabetização, um manual de luta pela libertação.
Envolvendo os educandos na construção de percepções e na
problematização da realidade, estabelece a reflexão sobre a sua condição de
ser e estar no mundo, denunciando a situação política, ao tempo em que
motiva e envolve os alunos na atividade de aprendizagem da leitura e da
escrita.
52
Após o legado de Freire, já no limiar da virada do século e nas
décadas subsequentes, o mundo conheceu grandes movimentos sociais
como a queda do muro de Berlim, com reflexos sobre a geopolítica
praticamente em todo o mundo; a globalização capitalista da economia,
das comunicações e da cultura; e, transformações tecnológicas,
especialmente a microeletrônica, modificando sobejamente os modos de
produção.
No entanto, a conduta pedagógica na escola não se alterou muito,
a não ser quando, atingida pela catástrofe da COVID-19 se viu obrigada a
se adaptar para oferecer aos estudantes, de todos os níveis de ensino,
alguma resposta educativa.
Partindo desses pressupostos teóricos, enunciamos na sequência
princípios condicionantes da busca da consolidação da educação de jovens
e adultos em perspectiva inclusiva.
Busca intransigente de superação do analfabetismo, firmando os
conceitos de alfabetismo funcional e de letramento
É discutível se falar em sociedade democrática quando
aproximadamente um terço da população brasileira não consegue assinar
o próprio nome, ler e interpretar informações em um texto simples,
localizar com competência um endereço em um anúncio de emprego ou
resolver problemas aritméticos envolvendo as operações matemáticas
elementares. Ou seja, a transformação dos determinantes sociais, culturais
e políticos da sociedade brasileira contemporânea impõe considerar a
inclusão não apenas daqueles que não sabem ler e escrever, mas também
daqueles que, sabendo ler e escrever, não sabem fazer uso competente da
leitura e da escrita.
53
Isso implica reconhecer e interpretar nas práticas discursivas na
EJA as múltiplas formas de compreender e vivenciar as transformações
socioculturais da trajetória humana. A linguagem, construída no âmbito
das relações sociais intersubjetivas, configura-se como materialização de
vozes sociais valoradas socialmente, ao se hibridizarem em movimentos
entre os “ditos” e “não ditos” conforme podemos conferir em Bakhtin
(1999) e Voloshinov (1976). Esses constructos teóricos avançam, por
assim dizer, na compreensão da “leitura de mundo” proposta por Freire
(2005), possibilitando uma ressignificação desse pensamento teórico,
tomado como uma filosofia de educação, de alcance para muito além das
questões de método. Assim, o processo de semiotização do mundo, vale
dizer, o discurso linguístico possibilita a passagem de uma referenciação
externa à língua para o real construído pelo discurso; permite a passagem
de significado, o sentido da língua, para a significação, o sentido do
discurso.
Desse modo, à medida que se intensificam as demandas sociais,
culturais e profissionais de leitura e de escrita, apenas aprender a ler e a
escrever se revela insuficiente, impondo-se o desenvolvimento de
capacidades de uso efetivo desse sistema em práticas sociais ampliadas, o
que se logrou denominar de alfabetismo funcional e letramento. Nas
articulações dessas dimensões emergem capacidades comunicativas,
portanto, mais do que competências ou habilidades para
instrumentalização do mercado de trabalho, de forma tal que na relação
constitutiva entre linguagem, realidade e alteridade toda palavra carrega
em si dimensão avaliativa no sentido de que o signo verbal compõe
enunciados concretos produzidos pelos seres humanos em suas atividades
concretas.
Isso traz consequências para o trabalho na escola porquanto não se
trata de primeiro aprender a ler e a escrever para somente após usar a leitura
54
e a escrita, mas compreender que se aprende a ler e a escrever mediante o
uso da leitura e da escrita em práticas reais de interação com o texto escrito.
Implica, portanto, em considerar a aquisição do sistema
alfabético/ortográfico e o letramento como processos simultâneos e
interdependentes conforme Soares (2004):
Dissociar alfabetismo e letramento é um eqvoco porque, no quadro
das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de
leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto)
no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos:
pela aquisição do sistema convencional de escrita a alfabetização e
pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em
atividades de leitura e de escrita, nas práticas sociais que envolvem a
língua escrita o letramento (SOARES, 2004, p. 14, grifos da autora).
Consolidação da educação como ato de humanização
Estudos como os desenvolvidos por Freire (1981), Brandão (1985)
e Santos e Silva (2020) estabelecem que é pela educação e pela cultura que
o homem se humaniza, podendo desenvolver atitudes participativas frente
ao mundo, conhecendo e exercendo direitos e deveres de cidadania.
Conhecendo e valorizando a diversidade cultural, aprende a respeitar
valores, diferenças de gênero, geração, raça e credo, fomentando a
convivência com a diferença e atitudes de não discriminação. Passa a
reconhecer e a valorizar conhecimentos históricos e científicos, a natureza
e o meio ambiente, bem como a produção literária e artística como
patrimônios culturais da humanidade.
Ao discutir os conceitos e relações entre cultura dominante e
cultura popular, Brandão (1985) é incisivo ao afirmar que
55
Pensar a cultura como um movimento acontece a partir de quanto a
cultura popular expressa, ao mesmo tempo, a cultura própria das
classes populares (a ideia de classe na base da cultura) e o processo
militante de uma cultura que, a partir da iniciativa destas classes,
retome o domínio da cultura nacional e a ressignifique e transforme
(BRANDÃO, 1985, p. 38).
Suas formulações apontam no sentido da necessidade de um
trabalho pedagógico de conscientização do povo com vistas ao efeito
político de organização das camadas populares. É no contexto de geração
e difusão de instrumentos culturais que se possibilita o exercício da
autonomia pessoal do ser humano com responsabilidade, aperfeiçoando a
convivência em diferentes espaços sociais e favorecendo o desenvolvimento
e o fortalecimento da democracia como valor universal.
O surgimento da escola, ao menos em arquétipo próximo ao que
hoje se conhece, ocorre por volta do século XV, no bojo das transformações
sociais, culturais e econômicas que apontam para o advento da sociedade
moderna.
Progressivamente, configurou-se como uma instituição sólida, mas
com poucas mudanças ao longo dos tempos, e como poderoso instrumento
na formação, no disciplinamento e no processo civilizatório das sociedades
modernas. Mais do que nunca, a escola se revela como aparelho ideológico
de Estado e espaço político em disputa. Por isso, constitui-se como marca
de toda a obra de Freire, mas especialmente em Freire (1979; 2005),
proposições no sentido de se estabelecer, à medida que os saberes são
trocados, se elabora, conjuntamente, um novo saber, processo o qual
concebe o homem como um ser de relações postas no mundo e com o
mundo. Vislumbra-se, então, uma prática pedagógica voltada à
56
necessidade de libertação do homem oprimido e à democratização da
cultura.
Como a escola não consegue por si só civilizar a criança, o jovem e
o adulto, o Estado delega responsabilidades para a família, o ambiente de
trabalho, o manicômio, a prisão, a igreja, dentre outras instituições. No
entanto, desde remotos tempos, a escola é, dentre todas, a mais duradoura
e efetiva instância de educação, a principal instituição voltada ao
incremento da formação de todos os indivíduos dessa sociedade que se
deseja civilizada. E certamente, de todas as instâncias de educação, aquela
com maior potencial para a transformação social dada a relativa
autonomia, ainda presente, no trabalho pedagógico que pode ser
desenvolvido.
Nesse sentido, pensar a educação como ato de humanização
implica concebê-la como processo de desenvolvimento mediante a
aprendizagem efetiva, ou seja, é o aprender que promove o
desenvolvimento da pessoa humana, como se posiciona no contexto da
teoria histórico-cultural, e não o contrário. Contrariamente à pedagogia
tradicional e à pedagogia nova, para contemplar esses pressupostos a
educação contemporânea deve deslocar o enfoque do individual para o
social, para o político e para o cultural, tornando-se permanente e social,
devendo se estender ao longo da vida.
Universalização da educação básica e incremento
de novas matrizes tricas
O desempenho do sistema escolar brasileiro necessita efetivar, com
urgência, a universalização da educação básica de qualidade e atuar no
57
sentido de consolidação de novas matrizes teóricas dadas as profundas e
rápidas transformações da sociedade.
Estas são as bases de uma proposta alternativa ao projeto neoliberal
de educação claramente voltada para a instrumentalização do mercado de
trabalho e sustentada com base na teoria e na prática de uma educação
burocrática.
Consolidar essa proposta alternativa pressupõe pensar uma escola
que busca fortalecer de forma autônoma o seu projeto político-pedagógico,
relacionando-se dialeticamente com o mercado, o Estado e a sociedade.
Trata-se de uma escola que deve ser pública quanto ao seu destino, ou seja,
para todos; estatal quanto à forma de funcionamento; e, democrática e
comunitária quanto à sua gestão. Por que isso é importante? Por uma série
de razões, mas principalmente porque se o analfabetismo absoluto tende
progressivamente a se situar nos segmentos adultos, de idade mais
avançada, a ineficácia da educação de segmento significativo das crianças
das camadas populares o faz recrudescer. Há um processo de analfabetismo
gerado dentro da própria escola, ou seja, a escola teoricamente de todos
ainda é, na prática, de poucos.
Por isso, o Parecer CNE/CEB n. 11/2000 (BRASIL, 2000) já
apontava para a necessidade de uma estrutura escolar voltada à correção de
seu arcaísmo, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mercado de
trabalho, mas também na vida social, nos diversos espaços culturais e na
abertura dos canais de participação:
Não se pode considerar a EJA e o novo conceito que a orienta apenas
como um processo inicial de alfabetização. A EJA busca formar e
incentivar o leitor de livros e das múltiplas linguagens visuais
juntamente com as dimensões do trabalho e da cidadania. Ora, isto
requer algo mais desta modalidade que tem diante de si pessoas
58
maduras e talhadas por experiências mais longas de vida e de trabalho.
Pode-se dizer que estamos diante da função equalizadora da EJA. A
equidade é a forma pela qual se distribuem os bens sociais de modo a
garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade,
consideradas as situações específicas (BRASIL, 2000, p. 9).
Se é fato que o Parecer demonstrava compromisso com a
construção de uma nova dimensão para a EJA, valorizando os seus sujeitos,
apontando para a especificidade da clientela e sua identidade sociocultural
e indicando pressupostos de uma prática educativa em perspectiva
inclusiva, é imperativo reconhecer que apesar dos esforços, que devem ser
reconhecidos, o ideário relatado na legislação pouco avançou e a
desigualdade educacional vem se acentuando nos últimos anos com o
fechamento de salas de EJA e redução de vagas nas escolas para esse fim.
Além disso, reconhecer a EJA como campo teórico-metodológico
e espaço cultural identitário das camadas populares impõe, ao nosso ver,
uma pedagogia da práxis, de matriz teórica histórico-cultural, devendo se
consolidar a partir do pressuposto teórico de que é a aprendizagem que
impulsiona o desenvolvimento e não o desenvolvimento que proporciona
aprendizagem tal como defendem as tendências construtivistas que vêm
marcando as tentativas de reformas curriculares no contexto brasileiro. Ao
adentrarem à escola, os sujeitos da EJA trazem conhecimentos, poucos
reconhecidos na prática pedagógica que a escola desenvolve. Resolver esse
problema ainda é um invariante do processo de educação inclusiva.
59
Metodologias ativas e novas tecnologias como novos espaços de
conhecimento: potencialidades para o desenvolvimento estratégico
A despeito das vicissitudes que a ideia envolve, há quem considere
que vivemos a Era do Conhecimento ou na Sociedade do Conhecimento,
especialmente em consequência da disseminação ultrarrápida da
informação, da informatização e do processo de globalização das
telecomunicações a ela associado. Entretanto, o que se constata é a
predominância da difusão de dados e informações e não de conhecimentos.
A internet permite acessar salas de aula e bibliotecas em várias partes do
mundo a partir de qualquer lugar do mesmo, no entanto, camada
significativa das classes populares não dispõe do instrumental necessário
para tanto, como desnudou o processo social que se seguiu ao início da
pandemia de Coronavírus. A escola tem o papel de socialização do
conhecimento historicamente produzido, mas não pode se furtar a
compreender os benefícios que a sociedade tecnológica pode propiciar para
a difusão de saberes fundamentais para a transformação social.
Parece-nos essencial nessa discussão considerar que as tecnologias
facilitam o acesso a conhecimentos transmitidos não apenas verbalmente,
mas também por imagens, sons, fotos, vídeos (hipermídia), etc. Isso
transforma profundamente a forma como a sociedade se organiza. Criam-
se novos espaços de conhecimento como a empresa, o espaço domiciliar e
o espaço social (ONGs, associações, sindicatos, igrejas, etc).
Cresce o número de pessoas que estudam em casa porquanto
podem dela acessar serviços que respondem a muitas de suas demandas de
conhecimento. E amplia-se a perspectiva de relação dialógica, tendo-se em
vista que “pode-se compreender a palavra diálogo num sentido amplo, isto
é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face
60
a face, mas toda a comunicação verbal, de qualquer tipo que seja”,
conforme Bakhtin (1999, p. 117).
Freire (2005) prefere empregar o termo dialogicidade, o diálogo
em acontecimento, em permanente processo de ação-reflexão, instrumento
social de humanização do ser humano, de libertação do homem das
estruturas que o alienam de suas próprias condições de ser e estar no
mundo.
Nesse sentido, o espaço potencializado pelas tecnologias possibilita
inovar constantemente as metodologias, sendo que novos espaços de
formação podem permitir a democratização do acesso à informação e ao
conhecimento, ampliando as possibilidades de diálogo. É uma questão de
tempo, de políticas públicas adequadas e de iniciativa da sociedade,
impondo-se gestões no sentido de democratização do acesso a essas
tecnologias e uma concepção de educação a qual, sem desconsiderar as
práticas e vivências usuais na escola, possam ter na hibridização do processo
de ensino, prerrogativas para sua transformação em práticas inclusivas.
Nesse movimento, cabe à escola organizar a ação global de
renovação cultural no contexto de exploração de toda essa riqueza de
informações. Não pode ser uma escola meramente regulada pelo jogo do
mercado, nem pelos interesses políticos ou pelos ditames da
tecnoburocracia.
Isso traz consequências para a forma de organização do trabalho
pedagógico: ensinar a pensar; saber comunicar-se; saber pesquisar; articular
teoria e prática; e, portanto, planejar uma ação político-pedagógica voltada
para o aprendizado autônomo e efetivo dos alunos. Deixar de ser
meramente reprodutora para ser geradora de conhecimento.
A educação é fundamental para o desenvolvimento, mas para isso
não basta apenas modernizar a escola como querem alguns: trata-se de
61
transformá-la profundamente, com dados efetivos, com projetos, com
inovação, com planejamento a médio e a longo prazo e com capacidade de
reorganização curricular efetiva.
Mais que cultivar e disseminar valores como “aprender a
conhecer”; “aprender a fazer”; “aprender a viver juntos”; e, “aprender a
ser”, assumidos pela UNESCO como marcas de uma educação que tem
como paradigma a necessidade de uma “Educação Para Todos ao Longo
da Vida” que, efetivamente, têm um papel a ser considerado no processo,
impõe-se para a EJA a perspectiva de formação omnilateral dos educandos
como se logrou estabelecer no contexto da teoria histórico-cultural.
Sem isso, limita-se em muito os anseios por cidadania,
desenvolvimento sustentável e solidariedade, restringindo os limites e
possibilidades da relação entre multiculturalidade e organização curricular
no sentido da imperiosidade de um processo de produção de sentidos de
aprendizagem e de negociação de significados, necessidade básica para a
transformação da realidade cultural brasileira.
Maior aproximão entre a universidade e a educação básica e
integração dos sistemas escolares com a comunidade
Da articulão entre teoria e prática nos processos de formação
profissional e de difusão do conhecimento depende em grande monta a
transformão do cotidiano educativo. A universidade tem papel
fundamental nesse processo e é pelo princípio da indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão que tal corolário se estabelece.
62
Lugar específico de formação, a escola não ensina o que se pode
aprender na família e na comunidade, ou seja, ela não ensina nos mesmos
moldes que a família e a comunidade, enfim, a vida social:
Como a dimensão de sentido e significado de toda a vida social e,
portanto, da diferenciação e da totalidade de seus processamentos, a
cultura não contém o resultado cristalizado da conduta; não é a sua
possibilidade em termos de disposições meramente subjetivas (a antiga
ideia de cultura como padrões ou disposições de comportamento
social); não se restringe a ser, como vimos, a sua representação, mas é,
antes, a sua própria lógica e, portanto, aquilo que torna concretamente
possível a relação social (BRANDÃO, 1985, p. 101).
A comunidade é lugar de resistência, de memória e de dignidade.
Por isso, é socialmente legítimo preconizar o vínculo entre a escola e a
comunidade. Vinculada à comunidade, a escola não pode ser tomada
como a “escola do outro”, mas a nossa escola”.
Fortalecimento da estrutura de financiamento e estabelecimento
do princípio de padrão mínimo de qualidade na educação em geral
e na EJA, em particular
A despeito da estrutura de financiamento da educação básica
prevista na Constituão Federal, ainda se constatam problemas efetivos
nesse processo, especialmente no que tange aos parâmetros de
financiamento relativo a um padrão mínimo de qualidade de ensino.
Em que pese o processo de constitucionalização dos fundos de
financiamento da educação básica, a partir da instituição do Fundo de
63
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (FUNDEF) que vigorou entre 1998 e 2006 e foi substituído
pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) criado em 2007,
com vigência até 2020, quando foi tornado política permanente, mas com
revisões periódicas em suas formulações, os procedimentos de
financiamento da educação básica ainda carecem de aperfeiçoamento
contemplando-se princípios de equidade, de justiça social e de busca de
melhor qualidade educacional.
É imperioso o estabelecimento do princípio do padrão mínimo de
qualidade de ensino que se situa nos limites de definição do Custo Aluno-
Qualidade Inicial (CAQi) porquanto o volume de recursos destinados
ainda é relativamente baixo em comparação com países cujos
financiamento, desenvolvimento e qualidade da educação pública se
revelam bem superiores ao padrão brasileiro. De fato, conforme Pinto
(2018, p. 865), “não obstante os retrocessos, é possível conceber
instrumentos de políticas públicas que podem contribuir para a redução
das desigualdades educacionais que marcam a história brasileira e que
oferecem um horizonte de melhoria da qualidade da escola pública”.
Como se debateu no processo de revalidação levado a termo em
2020, o incremento dos dispositivos técnicos da relação Valor Aluno/Ano
FUNDEB VAAF e do Valor Aluno/Ano Total VAAT- pode
significar, ao longo do tempo, uma melhoria na forma dos repasses,
disponibilizando mais recursos para as regiões mais carentes e com boas
iniciativas de gestão dos recursos.
Sem embargo, após o período de desenvolvimento do FUNDEF,
apesar de aumento significativo no volume de recursos federais investidos
na educação básica, houve ampliação significativa da base de referência de
demanda, o que manteve o custo-aluno ainda muito baixo
64
comparativamente aos países com sistemas educacionais mais
desenvolvidos, sendo que o FUNDEB se consolidou como um
compromisso da União com o desenvolvimento desta área do sistema
educacional.
A estragia de distribuição dos recursos pelo país tem como
fundamento o desenvolvimento social e econômico das regiões, sendo que
a complementação da verba aplicada pela União deve ser direcionada às
regiões nas quais o investimento por aluno seja inferior ao valor mínimo
fixado para cada ano. Tal como no FUNDEF, os recursos financeiros são
definidos com base em dados do Censo Escolar do ano anterior, havendo
acompanhamento e controle social por conselhos criados em âmbito
federal, estadual e municipal relativamente à distribuição, à transfencia e
à aplicação dos recursos do programa.
Considerações Finais
Pensar a EJA como instância efetiva de educação inclusiva implica
considerar que a cultura escolar tradicional oferece a determinados grupos
de alunos, a depender de sua origem social, étnica e cultural, um processo
de ensino distanciado dos seus modos de sentir, pensar e agir, tendo em
vista pouco considerar que esses educandos são detentores de
conhecimentos e valores socioculturais diferentes dos que são ensinados na
escola.
É indiscutível que ainda prevalece na escola de educação básica a
concepção internalista de organização dos programas de ensino, ou seja, os
currículos e os materiais didáticos são organizados pela forma como os
teóricos pensam a sua ciência, cada qual em sua área, e desconsideram
aportes socioculturais do alunado que poderiam modificar a forma de
65
difusão dos saberes científicos. Na EJA, tal conduta pedagógica tende à
infantilização dos educandos.
Do nosso ponto de vista, essa discussão pode ser relativamente bem
encaminhada se considerarmos que as pessoas aprendem dentro e fora da
escola, e, principalmente que o conhecimento científico é apenas uma
forma de expressão cultural, mas que é fundamental para a compreensão
da realidade. Além disso, consideramos que na sociedade de classes a escola
é contraditória, podendo contribuir para a reprodução ideológica
enquanto aparelho de Estado que é efetivamente, ao mesmo tempo em que
contribui para a emancipação das pessoas.
É pelo diálogo entre os diferentes saberes que poderemos lograr a
formação cultural ampla que permita avançar no sentido de uma
concepção externalista dos programas de ensino, com vistas a pensar a
ciência sistematizada a partir dos olhares dos educandos, sem perder de
vista que o conhecimento científico deve ser o ponto de chegada do
trabalho educativo e instrumento imprescindível para a transformação
social.
Assim, um primeiro desafio que se coloca para a educação de jovens
e adultos na contemporaneidade é estabelecer relações formativas que
possibilitem a conscientização de que a cultura não pode ser reduzida
somente à posse de certos conhecimentos tais como línguas, arte ou
alfabetização. Ela deve ser entendida na sua amplitude, no reconhecimento
de que todos os seres humanos são seres culturais e produzem culturas.
Em síntese, considerar a educação não escolar no contexto da
diversidade cultural em perspectiva ctica e emancipatória implica na
desconstrução da dinâmica cultural hegemônica, reconhecendo o caráter
desigual, discriminador e racista da sociedade brasileira, da educação e de
cada pessoa. Implica, também, em questionar o caráter monocultural e
66
etnocentrista que marcam as políticas educativas e os programas de ensino
escolares.
Isso exige relação dialógica horizontal, concepção de educação
pautada pela veiculação de saberes na tradição histórico-cultural e
compreensão da EJA, precipuamente, como dimensão da educação básica,
a depender de políticas efetivas de financiamento para garantia dos
princípios de equidade e justiça social.
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71
Educação de Jovens e Adultos, Cultura e Arte:
Entrelaçando Saberes
Ana Paula Cordeiro
3
Laís Marques Barbosa
4
Francisane Nayare de Oliveira Maia
5
Introdução
[...] Não tenho sabença, pois nunca estudei
Apenas eu seio o meu nome assiná
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre
E o fio do pobre não pode estuda [...].
(ASSARÉ, [1978])
Falar sobre Educação de Jovens e Adultos (EJA) é falar sobre
possibilidades e impossibilidades. É falar sobre lutas, desigualdades,
esperanças e vidas que se cruzam entre a juventude e a maturidade. O Brasil
3
Professora Assistente Doutora na Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual
Paulista, UNESP, campus de Marília-SP, Brasil. Docente do Departamento de Didática e da Pós-
Graduação no Mestrado Profissional em Sociologia-Profsocio, na FFC. E-mail:
napcordeiro@marilia.unesp.br. ORCID: 0000-0002-6642-0011.
4
Mestranda em Educação na Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista,
UNESP, campus de Marília-SP, Brasil. E-mail: laais.marques@outlook.com. ORCID: 0000-0003-
4864-5919.
5
Doutoranda em Educação na Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista,
UNESP, campus de Marília-SP, Brasil. E-mail: framaia23@gmail.com. ORCID: 0000-0002-
2752-2437.
72
é um país de desigualdades gritantes. A muitos foram negados os direitos
mais básicos, como o acesso à saúde, infraestrutura e educação no tempo
considerado adequado pela sociedade. A EJA, nesse sentido, visa trazer no
campo educacional o oferecimento de Educação Básica a jovens e adultos
que não tiveram a oportunidade de estudar ou concluir os estudos na
infância e adolescência, em classes regulares, num tempo estipulado em
leis, pelos mais diversos motivos. Um desses motivos, e talvez o principal,
seja a enorme desigualdade social de nosso país, onde muitos homens e
mulheres precisam trabalhar muito cedo ou não possuem condições
financeiras para poderem continuar os estudos em tempo regular. São
homens e mulheres, jovens, adultos e idosos que de alguma forma foram
alijados de possibilidades, recursos e motivação para levarem a cabo a tarefa
de estudar e até mesmo alfabetizar-se.
Quando se pensa em EJA é necessário pensar em histórias de vidas,
cultura, trocas, pois os estudantes da EJA possuem vivências de trabalho,
famílias, filhos e muito a compartilhar. Em momentos de conversas, aulas
e interação é possível conhecer essas histórias, saber o que motiva cada
pessoa a lutar, a continuar, a ter sonhos e a buscar realizações que estão,
em boa parte das vezes, para muito além de motivos financeiros ou de
trabalho. São histórias preciosas, teias de relações, culturas, saberes e Arte.
Cultura e Arte: alimentos da vida!
Isso posto, o presente texto visa a entrelaçar saberes sobre EJA,
cultura e Arte. Como a Cultura e especificamente a Arte podem ser
trabalhadas na EJA? Como podem auxiliar aprendizados e trazer à tona
histórias de vida? Quais as possibilidades que linguagens artísticas como o
teatro podem oferecer a alunos e alunas de EJA? Estas são algumas questões
que suscitam as respostas apresentadas aqui. EJA, Cultura, Arte, imagens,
o Teatro do Oprimido de Augusto Boal: saberes, relações humanas,
histórias, possibilidades...
73
EJA: um início de conversa
A educação básica no Brasil é considerada obrigatória da infância
até a adolescência, e abrange mais especificamente da Educação Infantil ao
Ensino Médio (BRASIL, 2013). Apesar disso, nem sempre as pessoas têm
efetivamente a oportunidade de estudarem nesse tempo estipulado e
regulamentado em leis e, em virtude disso, surgiu a Educação de Jovens e
Adultos (EJA), que teve uma trajetória histórica de ações descontínuas, a
qual muitas vezes não foi caracterizada como escolarização, mas que, por
meio da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 1996) e das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de
Jovens e Adultos (BRASIL, 2000b), passou a ser caracterizada como
modalidade da educação básica. Desse modo, no Parecer do Conselho
Nacional de Educação (BRASIL, 2000a, p. 5), a EJA emerge como uma
resposta a “[...] dívida social não reparada para com os que não tiveram
acesso a e nem domínio da escrita e leitura de bens sociais, na escola ou
fora dela [...]”, para ofertar gratuitamente aos jovens e adultos, em
qualquer época da vida, os estudos correspondentes a Educação Básica,
mais especificamente do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, como
disposto no Art. 37 (BRASIL, 2018, p. 1) e nos seus parágrafos 1º e 2º
(BRASIL, 1996, p. 5), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB).
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não
tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e
médio na idade própria e constituirá instrumento para a educação e a
aprendizagem ao longo da vida.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos
adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
74
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as caractesticas
do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante
cursos e exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência
do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares
entre si.
Tal oferta, contudo, não deve ser vista como um “favor” do Estado,
mas como um direito previsto em lei para, assim, tirar “[...] a ideia de
compensação substituindo-a pelas de reparação e equidade” (BRASIL,
2000a, p. 61). Ou seja, a EJA, além de um direito, configura-se também
como um grande passo para a inserção e a participação mais igualitária,
ativa e consciente das pessoas dentro da sociedade em que vivem. Desse
modo, a legislação insere a EJA como um dos direitos humanos
fundamentais (MIGUEL, 2011).
Diante disso, a EJA implica necessidades muito particulares, a fim
de contribuir efetivamente com o desenvolvimento dos seus sujeitos, para
além do simples ler e escrever palavras e números. De acordo com Miguel
(2011), os processos de EJA devem envolver um trabalho na escola com
base no conhecimento do aluno como sujeito pensante, no conhecimento
das teorias de educação e de metodologias de ensino, no exercício da
prática escolar e na capacitação como investigador, na busca de ruptura
com práticas pedagógicas e políticas blicas inadequadas.
Frente a uma provável diversidade de motivações para a EJA, os
educadores precisam estar muito atentos para realizar um trabalho
pedagógico em consonância com as especificidades da EJA, a fim de que o
processo de ensino e aprendizagem sejam significativos, ou seja, que
contribuam para a vida, como um todo, desses estudantes, para que,
efetivamente:
75
[...] a educação esteja em seu conteúdo, em seus programas e em seus
métodos adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar
a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo,
estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer
cultura e a história (FREIRE, 1980, p. 39).
Assim, dentre as mais diversas possibilidades de trabalho para
desenvolver o sujeito/aluno nas suas potencialidades, abordaremos, a partir
de agora, a importância da cultura e da arte na EJA, para a promoção de
um desenvolvimento integral e libertador, que possibilite um
(re)conhecimento de si, das necessidades e realizações mais assertivas no
que tange à participação no mundo como um ser ativo e social, pois “[...]
uma prática pedagógica em EJA deve ser marcada pelo desejo de
contribuir, por meio da educação, para o processo de transformação de
situações injustas, desumanas e de exclusão social” (MIGUEL, 2011, p.
188).
Cultura
Quando se diz que uma pessoa é “culta” ou tem muita “cultura”,
logo se imagina alguém com alto grau de escolaridade, que leu muitos
livros, fez muitas viagens, conheceu muitos lugares, conhece diferentes
línguas, etc. “Cultura”, nesse sentido, é vista como sinônimo de
“ilustração” e “instrução”, mas este é apenas um dos significados da
palavra. “Cultura”, no entanto, possui significados bem amplos, que
abarcam as construções humanas como um todo, materiais e imateriais.
Assim sendo, com base em Brandão (2017), enquanto sujeito
capaz de desenvolver o pensamento e a ação e membro de uma
76
coletividade, o ser humano tem a possibilidade de construir história e,
junto a ela, a cultura, como um modo de se expressar e também de registrar
certas características de determinado tempo. Se buscarmos os significados
da palavra “Cultura” num dicionário podemos encontrar que Cultura é
“[...] o conjunto de características humanas que são adquiridas, preservadas
ou aprimoradas por meio da comunicação, da interação dos indivíduos na
sociedade” (QUEIROZ, 2003, p. 76). Também são “[...] conhecimentos,
técnicas, tradões, características de uma sociedade ou grupo. Civilização,
progresso” (QUEIROZ, 2003, p. 76). E palavras como refinamento,
elegância, ilustração, conhecimento, entre outras, também aparecem como
sinônimas da palavra Cultura. Todos estes sentidos demonstram que
cultura é termo amplo, que corresponde a um processo histórico de
criação, de construções humanas e que aglutinam os elementos materiais e
imateriais da sociedade.
Ademais, essas construções, ou seja, esse “[...] trabalho de
transformar e significar o mundo equivale à vocação cultural que
transforma e significa o próprio homem. E, mais do que uma prática
coletiva, como em certas espécies de animais, ele é culturalmente social
(BRANDÃO, 2017, p. 393). Porém, infelizmente os bens culturais,
devido à grande desigualdade social, não estão, em boa parte, disponíveis
a todos. Conforme Mello (2009, p. 34)
[...] nossa sociedade está organizada de uma maneira muito perversa.
Está organizada para garantir que uma minoria tome posse e usufrua
do conjunto da cultura: da ciência, da tecnologia, das artes, enfim,
daquilo que nossos antepassados vieram criando ao longo da história e,
ao mesmo tempo, a maioria das pessoas tem que trabalhar muito para
ganhar o mínimo. E essa maioria passa a vida tão ocupada em trabalhar
para sobreviver que não tem tempo para aprender e formar as máximas
capacidades, as máximas habilidades e as máximas aptidões. De um
77
modo geral, aprendemos a pensar que algumas pessoas têm dons e
outros não têm. Isso não é verdade. É da natureza humana aprender os
dons- as aptidões- mas, para isso, precisamos de tempo e de
oportunidades para conviver com os objetos e com as pessoas, para
viver as experiências que nos ensinam os dons.
Em virtude disso, a construção e desenvolvimento da cultura se
torna um fator que pode tanto ajudar a perpetuar a alienação das pessoas,
como promover a liberdade e autonomia teórica e prática.
Por ser um aspecto desenvolvido em paralelo com e no decorrer da
história, a cultura pode sofrer diversas inflncias, que perpassam a
história, como as interações entre as pessoas e o ambiente em que vivem,
pois o espaço como um todo, ainda que indiretamente, propicia, com
freqncia, aspectos que contribuem para a formação das perspectivas que
o ser humano tem, e consequentemente, influencia o modo dele de fazer e
de ver cultura; além das próprias interações entre as pessoas que, de uma
forma mais direta ainda, acabam por ofertar, e às vezes até impor, pontos
de vista, que assim como o meio, refletem no desenvolvimento da cultura.
Assim, resumidamente,
As interações entre a pessoa humana e a natureza, assim como as que
se realizam entre as pessoas umas com as outras mediatizadas pela
natureza através da cultura não são somente sociais. Elas são
socialmente históricas, e devido a uma dupla razão. Primeira: porque
elas se constroem no interior do processo da história. Segunda: porque
elas constroem a própria história, que não é outra coisa mais do que o
trabalho humano destinado a criar e significar as diferentes dimensões
de uma cultura, dentro e através da qual comunidades humanas
habitam o “seu mundo” (BRANDÃO, 2017, p. 394).
78
Frente a essas influências, reside um grande aspecto da cultura, que
é o de, a partir de Freire (1981), contar história com o intuito de marcar
um posicionamento e desvelar as mazelas sociais. Todavia, para contribuir
com a conscientização de terceiros, o ser humano precisa primeiro ter
consciência social, histórica e política o que, apesar de difícil, não é
impossível. E é aí, justamente, com base em Freire (1981), que entra a
Educação, uma vez que quando ela está verdadeiramente carregada do
compromisso com o desenvolvimento integral dos sujeitos, torna-se uma
grande aliada da cultura, pela possibilidade de promover a criticidade e a
autonomia, com práticas pedagógicas que sejam mais democráticas e que
estimulem o olhar sensível e atento para os problemas da sociedade até
então silenciados para que, assim, após essa tomada, ainda que lenta, de
consciência, esses sujeitos possam efetivamente “denunciar” e dar voz às
desigualdades e conflitos sociais, com o intuito de mudanças por meio de
(re)construções teóricas e práticas.
Ainda que essa construção da cultura como uma forma consciente
seja importante, ela, sem dúvidas, pode vir acarretada de muita resistência
e crítica, uma vez que possivelmente não seja interessante para as partes
dominantes e excludentes da sociedade, pois poderiam lhes tirar dessa
posição vertical, na qual eles ficam em situação superior ao restante da
população. Contudo, é aqui, com base em Freire (1981), que se encontra
justamente a importância dessas partes mais oprimidas e prejudicadas
conhecerem não só seus pontos fracos, como também a sua grande força.
Para Freire (1999) a cultura é essencial, não apenas para a
alfabetização e leitura das palavras, mas para a leitura do mundo. Nesse
sentido a Arte, vista como linguagem e campo de conhecimento capaz de
unir razão e emoção, objetividade e subjetividade pode ser uma importante
aliada e ferramenta para o aprendizado e tomada de consciência na EJA,
como discutiremos a seguir.
79
Arte
Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na
ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo
costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando
o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado
no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me
completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal
oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam
aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante
de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham
criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao rece-las? Eu não era
mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela se abria para um terreiro,
onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da
árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher,
cercada de crianças. E contava história. Eu não a podia ouvir, da altura
da janela; e mesmo que ouvisse, não entenderia, porque isso foi muito
longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no
rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que
eu que não participava do auditório imaginava os assuntos e suas
peripécias e me sentia completamente feliz.
Houve um tempo em que a minha janela se abria para uma cidade que
parecida feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase
seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia
morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde
e, em silêncio ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as
plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que
o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem,
para as gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração
ficava completamente feliz.
80
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando
com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no
espelho do ar. Marimbondos: que sempre parecem personagens de
Lope da Vega. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar,
cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante
de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outras dizem
que essas coisas só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim
(MEIRELES, 2016, p. 25-26).
Em “A arte de ser feliz”, exposto acima, Cecília Meireles fala sobre
a importância do olhar e das possibilidades de ver muitas coisas por meio
de “janelas” que se abrem para o mundo. Cores, vidas, amores, cuidados,
idiomas diferentes, gestos, objetos, pessoas... Coisas aparentemente
simples, mas que aos olhos de quem consegue “ver” se tornam reluzentes
e enchem a vida de alegria. A poetisa, com sua sensibilidade tenta mostrar
aquilo o que viu. Mas alerta que é preciso “aprender a olhar para vê-las
assim”. E esse é o ponto! Arte se aprende e se constrói. É parte da cultura.
Não é coisa “caída do céu”, que já nasce com as pessoas. A arte ensina a
ver, a compreender, a olhar para o mundo, para a vida em sociedade de
outra forma. Martins; Picosque e Guerra (1998) dirão que Arte é
conhecimento, linguagem e que é necessário alfabetizar-se nas linguagens
artísticas para melhor compreender o mundo. Essas ideias sobre Arte vão
ao encontro do que Freire (1999) afirma sobre tomar consciência e tornar-
se sujeito crítico, ultrapassando a consciência transitiva innua. Ainda
conforme o referido autor, da intransitividade para a transitividade crítica
há caminhos a percorrer. É preciso “ler” o mundo, para muito além da
leitura das palavras.
81
A Arte pode, assim, ser conhecimento e linguagem que abre
“janelas”, como propõe Cecília Meireles e que desponta leituras de mundo,
como propõe Paulo Freire (1999). Arte, o que é? Em relação às definições,
os dicionários são grandes aliados. No Dicionário de Filosofia (MORA,
1998) a Arte é definida em seu sentido mais amplo como “habilidade para
fazer algo de acordo com certos métodos e modelos” e em sentido mais
restrito como “belas Artes”, campo da Estética. E as duas definições
possuem em comum a ideia de “fazer”, de caminho a percorrer para atingir
uma finalidade.
Já para Canclini (1984, p. 207-8) a Arte pode ser definida como
[...] atividades ou aspectos de atividades de uma cultura em que se
trabalha o sensível e o imaginário, com o objetivo de alcançar o prazer
e desenvolver a identidade simbólica de um povo ou de uma classe
social, em função de uma práxis transformadora.
Tais definições são importantes porque deixam claro que Arte não
é coisa “caída do céu”, tampouco o artista um “iluminado” que ganhou
dons ao nascer. Arte é trabalho humano, é conhecimento, é construção
cultural, histórica. Desta forma, o ensino da Arte tem um papel
fundamental na formação dos educandos da EJA, visto que possibilita a
construção de uma consciência crítica e reflexiva ao estar articulada com a
realidade em que vivem. Para tanto, faz-se necessário que o educador crie
possibilidades para que, por meio da arte, os educandos possam analisar,
questionar, criar e recriar um fazer artístico de forma dialética, que seja
desvelador da realidade. Nesse sentido, Fischer (1971), salienta que a
função da arte, numa sociedade complexa como a capitalista, é a de, por
meio de um processo dialético de aproximação com o real, levar o homem
a conhecer melhor o mundo. Segundo o autor, o homem cria e a Arte é
82
necessária para que ele possa compreender melhor a si e o mundo que o
cerca. Já Martins, Picosque e Guerra (1998) afirmam que, sendo a Arte
linguagem, ela deve levar o ser humano a refletir sobre seu papel no
mundo.
Aqui entram as principais linguagens artísticas: artes visuais,
música, dança e teatro. A perspectiva do ensino de Arte está ancorada,
segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Arte
(BRASIL, 1997), no tripé “criação, apreciação e reflexão”. Criar,
experimentar, apreciar e refletir sobre o que se vê e o que se cria sobre o
mundo, são importantes atividades que fortalecem o escopo cultural das
pessoas. Alunos de EJA criam cultura, fazem Arte, possuem ricas histórias
de vida, mas muitas vezes, por contingências sociais, acabam acreditando
que a cultura está nos livros e a Arte nos museus. Que uma peça teatral
acontece num teatro. A sociedade elege locais de “canonização” da Arte,
da cultura, da educação. É preciso libertar as pessoas dessa ideia. Cultura é
o que se cria, o que se constrói, o que se faz, o que se pensa. A Arte está
nas ruas, nas casas, nas calçadas, nos muros, na vida pulsante e cheia de
nuances de um mundo nada fácil de se compreender. As teias de relações
sociais são complexas, a realidade não se dá pronta à compreensão humana.
O poder da ideologia dominante domina mentes, opaciza contextos,
confunde e embaralha o entendimento. Cabe à educação o papel de fazer
ver, de elevar o ser humano culturalmente, de oferecer ricos contextos,
debates, boas discussões e vivências enriquecedoras. Nesse sentido, a Arte na
EJA é fundamental para o acesso aos bens culturais e na participação crítica dos
alunos na sociedade. Para tanto:
Há que se caminhar para que a área de Arte seja trabalhada como área
de conhecimento, com conteúdos próprios junto aos alunos da EJA,
pela sua relevância no acesso aos bens culturais e na participação dos
alunos na sociedade, por intermédio da arte. Portanto, ao se refletir
83
sobre o processo educativo, observa-se que as questões sociais da
atualidade tratadas pelos temas transversais têm na Arte um campo
privilegiado para seu desenvolvimento (BRASIL, 2002, p. 137).
Diante do exposto, o Teatro do Oprimido de Augusto Boal (1991)
pode oferecer preciosas contribuições para um trabalho que desperte o
senso crítico dos alunos da EJA, como mostraremos abaixo.
Tecendo Relações entre EJA, Cultura e Arte
Augusto Boal é considerado um dos maiores dramaturgos do
Brasil. O idealizador do Teatro do Oprimido (1991) ficou conhecido
mundialmente por suas ideias revolucionárias no campo da linguagem
teatral. A premissa básica do Teatro do Oprimido é a de que todos nós
somos capazes de atuar no palco, porque todos atuamos na vida.
Nesse sentido, para Boal (1979
6
apud JAPIASSU, 2001, p. 43-44)
O teatro do oprimido consiste, basicamente, num conjunto de
procedimentos de atuação teatral improvisada, com o objetivo de, em
suas origens, transformar as tradicionais relações de produção material
nas sociedades capitalistas pela conscientização política do público.
Não nascemos para ser simplesmente expectadores. Por meio do
teatro é possível desenvolver o senso crítico e a conscientização/ação. Boal
(1991) afirma que do canto ditirâmbico, da procissão e da festa nasce o
teatro. Mas a civilizão foi separando atores de espectadores. O teatro
6
BOAL, A. Técnicas latino-americanas de teatro popular. São Paulo: Hucitec, 1979.
84
precisa resgatar, re-unir o que foi dividido. Ao discorrer sobre a história do
teatro no ocidente, o referido autor ressalta que nem sempre o teatro leva
à conscientizão. Pelo contrário. O teatro pode ser importante
instrumento de coerção e até de alienação. Passando pelo que ele chama
de “sistema trágico-coercitivo de Aristóteles”, chegando a Bertolt Brecht
até o Teatro do Oprimido, Boal (1991) nos mostra a diferença de um
processo catártico para um processo de conscientização. A tragédia grega,
segundo o autor, conformava. O teatro de Brecht conscientizava. O Teatro
do Oprimido conscientiza e dá um passo além: leva à ação, tira as pessoas
da situação de espectadoras e oferece os meios de produção teatral a toda e
qualquer pessoa que deseje atuar, fazer teatro. Por meio de quatro etapas o
espectador sai da posição de apreciador para a de ator conquistando o
palco. As etapas são: “conhecimento do corpo”, que é a ferramenta básica
e primordial do ator; “tornar o corpo expressivo”, por meio de exercícios
teatrais; “o teatro como linguagem”, etapa que leva gradativamente os
espectadores a subirem ao palco, e, a última etapa é “o teatro como
discurso”, que consiste numa série de jogos e técnicas teatrais nas quais a
palavra é peça chave para o desenvolvimento do ator (BOAL, 1991).
Por meio de exercícios, jogos e técnicas teatrais um mundo de
opressões e contradições humanas é desvelado no palco, em histórias e
situações postas pelos participantes. Situões de opressão e solução de
problemas, evitando juízos de valor em termos de “certo e errado”, levam
a uma tomada de consciência e da força que cada um tem na construção
da cultura e do tecido social.
Há propostas em que os participantes interpretam as engrenagens
de uma máquina, por exemplo. A sintonia dos corpos precisa ser grande
para a máquina funcionar. Essa máquina pode ir se transformando. Ora
vira máquina de amor, ora de guerra. Corpos ganham expressividade.
85
Vozes antes emudecidas interpretam o mundo, reconstroem, ganham
espaço e ouvidos para serem ouvidas (BOAL, 2005).
O “teatro jornal”, parte das propostas da quarta etapa do Teatro
do Oprimido - “o teatro como discurso” - consiste em repensar e
ressignificar de várias formas notícias de jornal. Por meio de tais propostas,
histórias de vida, anseios, indagações, temores, alegrias, tristezas e reflexões
costumam emergir dos grupos. Na EJA tais propostas podem ser preciosas
no sentido de unir ciência, Arte e cultura.
Durante os momentos teatrais em grupo, a ideia do teatro como
um mecanismo importante para a tomada de consciência ocorre, dentro
da proposta freireana dos “círculos de cultura”. Tanto o “Teatro do
Oprimido” de Boal (1991) quanto a “Pedagogia do Oprimido” de Freire
(1987) surgiram durante a Ditadura Militar de 1964 no Brasil. Momentos
de grande repressão nos fazem pensar e refletir sobre formas de resistência.
O contexto do surgimento das ideias é específico, mas a validade é grande
e, enquanto houver opressão tais obras serão atuais.
EJA, Cultura e Arte: fios e teias, linguagens. Possibilidades de
mudanças...
86
Considerações Finais
[...] A novidade era o ximo
Do paradoxo
Estendido na areia
Alguns a desejar
Seus beijos de deusa
Outros a desejar
Seu rabo prá ceia...
Oh! Mundo tão desigual
Tudo é tão desigual
Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô!
Oh! De um lado esse carnaval
De outro a fome total [...]
(GIL; VIANNA; BARONE, 2018 [1986])
A música “A novidade”, de Gilberto Gil trata das profundas
desigualdades brasileiras apresentando a ideia de grupos distintos e suas
necessidades diante de uma sereia, figura mítica. Para uns, ela é inspiração,
Arte e poesia. Para outros, a possibilidade de matar a fome do estômago.
Com os bens culturais ocorre o mesmo. Enquanto uns têm acesso a tudo,
outros não tem a nada. Uns podem se “alimentar” dos mais variados bens
culturais, enquanto outros só terão acesso às migalhas da indústria cultural
que caem no chão. Por isso a escola precisa elevar a condição cultural de
seus alunos, em especial dos alunos da EJA (LUCKESI, 2003). EJA,
Cultura e Arte, saberes que se entrelaçam, áreas que se completam, diálogos
que se delineiam. Para sairmos da consciência ingênua e chegarmos à
consciência crítica (FREIRE, 1999) muito trabalho educacional precisa ser
feito. Muitos caminhos precisam ser trilhados. Por meio da Arte como
campo de conhecimento da Cultura, imagens, cânticos, danças, teatro
87
podem funcionar como elementos propulsores da mudança. Exercícios,
jogos dramáticos e teatrais podem estimular o compartilhamento de
histórias, de vivências, de sabedorias, de discussões em busca da solão de
problemas coletivos. Vozes silenciadas podem ser ouvidas. E um canto se
ergue em disparada, rumo à consciência crítica de um povo!
Prepare o seu coração
Pras coisas
Que eu vou contar
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
E posso não lhe agradar
Aprendi a dizer não
Ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo
A morte, o destino, tudo
Estava fora do lugar
E eu vivo pra consertar
Na boiada já fui boi,
Mas um dia me montei
Não por um motivo meu
Ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse
Porém por necessidade
Do dono de uma boiada
Cujo vaqueiro morreu
Boiadeiro muito tempo
Laço firme e braço forte
Muito gado e muita gente
Pela vida segurei
Seguia como num sonho
88
E boiadeiro era um rei
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E nos sonhos
Que fui sonhando
As visões se clareando
As visões se clareando
Até que um dia acordei
Então não pude seguir
Valente em lugar tenente
E dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente
Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto pra enganar
Vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado
Vou cantar noutro lugar
Na boiada já fui boi
Boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém
Que junto comigo houvesse
Que quisesse o que pudesse
Por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu
Querer mais longe
Do que eu
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei
Agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte
89
Num reino que não tem rei
(VANDRÉ; BARROS, 1966)
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91
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2020.
93
Conflitos, Relações de Poder e
Organização do Trabalho na Escola
Ellen Felício dos Santos
7
Fernanda Gonçalves Gomes
8
José Carlos Miguel
9
Introdução
Esse texto é fruto de uma pesquisa bibliográfica e documental e
tem por objetivo responder a seguinte questão: Como o conflito e as
relações de poder interferem na organização do trabalho na escola? Dessa
forma, discutimos a temática da educação escolar, o conflito e relações de
poder que nela se constituem e caracterizam a escola como instância
fundamental para a produção de saberes, mas que convive, também, com
a reprodução e perpetuação de discursos, ideias e valores, um referencial
de disputa de diferentes sujeitos das relações de força que se instauram
neste espaço.
7
Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP, Campus de
Marília. Formada em Pedagogia pela mesma instituição e professora de educação básica I no
município de Garça/SP.
8
Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da UNESP, Campus de
Marília. Formada em Pedagogia pela Universidade Paulista/UNIP e professora de educação básica
I no município de Assis/SP.
9
Livre-Docente em Educação Matemática. Professor Associado vinculado ao Departamento de
Didática e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP, Campus de Marília.
Coordenador do Programa de Educação de Jovens e Adultos da UNESP, PEJA, Campus de
Marília.
94
Pelas relações humanas ou pelas relações interpessoais, na escola a
busca é pela integração dos sujeitos, fazendo-os dóceis e participantes dos
projetos propostos para que aceitem a condição sociocultural a que são
submetidos pelo convencimento, pela persuasão e, por vezes, pela força,
mesmo.
Pesquisas como (KUENZER, 2016; PALUDO, 2015; PONCE,
2010; FRIGOTTO, 2009; TRAGTENBERG, 1985), cada qual em seu
foco de interesse, mas buscando caracterizar como se desenrolam os dramas
e as tramas que envolvem a educação escolar, apontam que tanto na
fábrica, como na escola, instituem-se os gestores de várias áreas, os
psicólogos e os soclogos para converter as resistências às atividades
alienantes em problema individual de adaptação através da manipulação
dos conflitos, da busca de tornar suportável e controlável a luta de classes.
Assim, a educação escolar se estabelece no contexto de um
conjunto de fenômenos que compõem a totalidade social; ela é produto de
relações sociais, econômicas e políticas, e, portanto, atua tanto na
reprodução como na transformação da realidade histórico-social. Ao
mesmo tempo em que prepara a força de trabalho, pode ratificar
desigualdades sociais e inculcar a ideologia dominante, no sentido de
difundir valores, crenças e ideias compatíveis com a ordem sociopotica
estabelecida.
Por certo, nas sociedades capitalistas é de se destacar o primado da
economia e da política sobre os demais fenômenos sociais de tal forma que
na totalidade social existe um jogo de ações recíprocas entre forças queo
desiguais, sendo que a educação, mais especificamente a escolar, é, em
função disso, relativamente subordinada à economia e à política.
Esses estudos indicam, também, que progressivamente a educação
popular, em sentido amplo, de educação das camadas populares, se
95
constitui como campo teórico, de resistência crítica e de busca de
consolidação de processos de contra hegemonia. Nesse processo,
estabeleceu-se o corolário de que uma relação dialógica, horizontal, no
cotidiano escolar, considerando-se a relevância da história de vida e da
trajetória cultural dos educandos na constituição das práticas escolares,
deve se constituir em uma aprendizagem constante e um pressuposto
indispensável para se construir um processo de educação popular de
vivência interdisciplinar, de organização democrática.
Torna-se imperativa, então, uma perspectiva educacional que se
sustente em trocas recíprocas, em relaçõeso autoritárias, voltadas à
transformação de mentalidades, à formação de conceitos, hábitos, valores
e atitudes de forma crítica, de modo a contribuir para uma reorganização
da forma de difusão do conhecimento científico e da cultura, em relações
postas a serviço do desenvolvimento social e da ampliação da escolarização
do homem e da mulher, haja vista, inclusive, os indicadores de
analfabetismo feminino, em consolidação de reversão na história recente
da realidade brasileira. Construir uma escola democrática popular exige a
discussão e o redimensionamento das relações de poder na escola.
Por certo, a escola, em qualquer sociedade, se renova e amplia seu
âmbito de ação, ao reproduzir as condições de existência social, formando
pessoas para ocuparem os postos ou lugares que a estrutura social oferece.
Por isso, em sociedades de capitalismo periférico e dependente,
como a brasileira, o seu duplo papel contraditório: pode contribuir para a
emancipação, mas também contribui para a alienação. A escola possui um
papel social importantíssimo, mas seu caráter de classe é inegável.
Contudo, a escola não é a única responsável pela reprodução da ordem
social, tampouco poderia ela, sozinha, transformar essa realidade, isto é,
não se aprende e se desenvolve apenas na escola. Mas é certo, porém, o seu
papel fundamental no processo de transformação das mentalidades e que
96
a construção curricular da escola popular exige práticas situadas em
princípios de educação democrática que têm na cidadania, na identidade
histórico-cultural de seus atores sociais, na aprendizagem
sociointeracionista, na linguagem e no trabalho coletivo os seus eixos
fundamentais de sustentação teórico-prática.
No entanto, os conflitos e as relações de poder se tornam
protagonistas na organização do trabalho escolar, dificultando
sobremaneira tentativas de encaminhamento do processo escolar nesta
perspectiva. No Brasil, um país de dimensões continentais, a educação
escolar tem sido alvo de disputas por organizações e grandes corporações,
praticamente impondo-se, por práticas antidemocráticas, a ideia de um
currículo de abrangência nacional, negligenciando-se diferenças regionais
evidentes, além de fazer da escola um lócus de poder capaz de transformar,
por vezes, o seu interior em espaço de rara tolerância e convivência
harmônica.
Em diferentes contextos do país a educação tem sido organizada
para atender aos objetivos do grande capital. Se em décadas passadas a
educação foi organizada para fomentar o mercado de trabalho, na
atualidade, não parece exagero afirmar que se educa para que o indivíduo
se responsabilize por seu desemprego, que cresce em escalas tão grandes
quanto a extensão territorial do país.
Sobre Educação e Escola
As vicissitudes do capitalismo brasileiro lograram forjar um país de
desigualdades aviltantes. Embora detentor de uma economia que o coloca
entre os países mais ricos do mundo, o Brasil não consegue promover
justiça, social e cultural, não educando o seu povo de maneira adequada.
97
Como exemplo do que se afirma, em 2005 o Produto Interno
Bruto, PIB, brasileiro, equivalia a 12% do PIB norte-americano, a maior
economia do mundo naquele momento. Em 2011, este número passou a
equivaler a 18%, no mesmo comparativo. Isso colocou o Brasil como a
sétima economia do mundo. No entanto, sem escolarização adequada das
camadas populares, sem boa qualidade de ensino, afetando a oferta de mão
de obra, sem aumento da renda per capita, com quadro significativo de
analfabetismo absoluto e funcional, além de modelo econômico
excessivamente concentrador de renda, dificilmente o Brasil se consolida
como um país de primeiro mundo.
Pior ainda: nos últimos seis anos, esse quadro vem se agravando de
forma preocupante e, desde então, o crescimento anual do PIB brasileiro
não supera a ordem de 2%, já tendo sido constatado índice negativo de
4,1 % no ano de 2020, pior desempenho da economia nos últimos 24
anos. Isso situa o Brasil como a 12ª economia do mundo, sob a
metodologia da métrica nível do PIB, dólares em preços correntes, com
consequências drásticas para a empregabilidade e acesso a bens como
educação, saúde e cultura.
Por outro lado, dados trazidos por Alves (2010), mostram que o
país conta com uma extraordinária rede de estabelecimentos de ensino,
com cerca de 220.000 escolas de educação básica e superior, públicas e
privadas, com mais de 2.500.000 profissionais que atuam no setor e
60.000.000 de estudantes. E esses números surpreendentes têm sido
usados, historicamente, para atender aos objetivos do mercado. Mas antes
de adentrarmos ao assunto é preciso voltarmos um pouco para
compreender alguns conceitos.
Primeiramente, preconizamos que nem todos os leitores do texto
têm uma concepção construída acerca da educação. Por isso, faremos um
breve esboço para tornar a leitura mais inteligível. Não temos a inteão
98
de construir um conceito sobre educação, mas pretendemos definir seu uso
nesse texto.
Podemos considerar a educação um processo amplo, que apesar de
acontecer na escola está para muito além dela. Educação é a forma pela
qual os indivíduos se inserem numa determinada sociedade e, portanto,
abrange diversas formas de socialização, tais como a família, a religo,
mídias, comunidades, grupos, partidos, escola, trabalho etc.
Ponce (2010), faz uma análise histórica sobre as mudanças nas
formas de educar as pessoas desde as comunidades primitivas
10
até as
tendências educacionais contemporâneas. São mudanças inter-
relacionadas às mudanças ocorridas nas formas de organização do trabalho
e produção. O que o autor destaca é que nas comunidades primitivas a
educação era fruto da estrutura homogênea do ambiente social e se
destinava aos interesses comuns do grupo. Não havia alguém destinado a
educar as crianças e nem um momento específico para isso. A educação se
dava no movimento da vida.
Era uma sociedade sem classes que quando passou a se dividir em
classes sociais necessitou modificar a forma de educar as pessoas. As tarefas
passaram a ser divididas entre os que administravam e organizam o
trabalho e os que o executavam. Com os excedentes, os homens passaram
10
“Coletividade pequena, assentada sobre a propriedade comum da terra e unida por laços de
sangue, os seus membros eram indivíduos livres, com direitos iguais, que ajustaram as suas vidas às
resoluções de um conselho formado democraticamente por todos os adultos. Homens e mulheres,
da tribo. O que era produzido em comum era repartido com todos, e imediatamente consumido.
O pequeno desenvolvimento dos instrumentos de trabalho impedia que se produzisse mais do que
o necessário para a vida cotidiana e, portanto, a acumulação de bens.” (PONCE, 2010, p. 17). De
acordo com Oliveira (1987, p. 11), “As formações primitivas correspondem em grande parte
àquelas formações que constituem a base do Neolítico, compreendidas, no entanto, quanto ao
avanço de suas condições de reprodução da vida material. São conhecidas também como
comunidades tribais, estudadas por Marx e Engels como representantes da última etapa das
sociedades sem classes, dotadas de ‘formas primitivas de economia (caça, pesca, criação, primeiras
formas de agricultura)’”.
99
a trocar elementos e o trabalho escravo se estabeleceu. A função de
organizador se tornou hereditária e a propriedade comum passou a
constituir posse das famílias que a administravam e defendiam. Essas
famílias se tornaram donas de produtos e de homens. Na análise de Ponce
(2010), nesse momento histórico, a educação passou a ser pensada de
forma dicotômica:
Desde esse momento, os fins da educação deixaram de estar implícitos
na estrutura total da comunidade. Em outras palavras: com o
desaparecimento dos interesses comuns a todos os membros iguais de
um grupo e a sua substituição por interesses distintos, pouco a pouco
antagônicos, o processo educativo que até então era único, sofreu uma
partição: a desigualdade econômica entre os ‘organizadorescada vez
mais exploradores e os ‘executores’ cada vez mais explorados
trouxe, necessariamente, a desigualdade das educações respectivas
(PONCE, 2010, p. 26, grifo do autor).
Enquanto nas comunidades primitivas, qualquer indivíduo podia
ser, momentaneamente, juiz e chefe, agora, com uma estrutura social
diferente, os conhecimentos necessários para manter a estrutura, passaram
a ser propriedade de famílias e a educação passou a ser sempre de acordo
com o lugar que se ocupava na produção (PONCE, 2010).
Assim foi institucionalizada a educação e a escola deu seus
primeiros passos. O ensino institucionalizado oferecido passou a difundir
e reforçar os privilégios de uma classe sobre a outra. “Uma vez constituídas
as classes sociais, passa a ser um dogma pedagógico a sua conservação, e
quanto mais a educação conserva o status quo, mais ela é julgada
adequada” (PONCE, 2010, p. 27-28). O que reflete a consciência da classe
dominante em relação ao seu papel social, que para se manter dominante,
opta por adaptar a educação aos fins que objetiva.
100
Bom, com base nisso podemos afirmar que os ideais pedagógicos
de uma sociedade são formulações pensadas para atingir determinado
objetivo e caminham lado a lado com as relações de produção da sociedade
em que está inserido (PONCE, 2010).
Dessa forma, educação e escola estão intimamente ligadas, mas a
educação está para além da instituição escolar. Se a escola forma para uma
determinada sociedade, controlando a escola, pode-se dizer que, em grande
parte, se controla ou determina a sociedade que teremos no futuro.
Portanto, falar sobre o controle ideológico da escola é falar sobre a
sociedade que se pretende construir.
Para melhor compreendermos essa ligação entre educação, escola e
sociedade, faremos uso da definição utilizada por Gohn (2016) que faz
uma demarcação interessante, dividindo a educação em educação formal,
educação não-formal e educação informal, que utilizaremos neste texto.
[...] a educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com
conteúdos previamente demarcados; a informal é aquela que os
indivíduos aprendem durante seu processo de socialização na família,
no bairro, no clube, durante o convívio com os amigos etc. -, carregada
de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos
herdados; e a educação não formal é aquela que se aprende ‘no mundo
da vida’, via processos de compartilhamento de experiências,
principalmente por intermédio de espaços e ações coletivas cotidianas
(GOHN, 2016, p. 59).
Dessa forma, o que Gohn (2016) estabelece é que a educação se
constitui como uma somatória que articula a educação formal, a educação
informal e a educação não formal, todas sempre com uma
101
intencionalidade, o que está em acordo com as formulações apresentadas
nesse trabalho.
No caso do Brasil, a educação formal sofre os efeitos da política
neoliberal. Podemos dizer que a escola forma seus alunos para o mercado
de trabalho, mas essa proposição es ficando ultrapassada pela reinveão
das formas de precarização do trabalho que o capital tem criado.
Os ideários de instituições como o Banco Mundial (BM), United
Nation Educational, Scientific and Cultural Organization - Organização
para a Educação, a Ciência e a Cultura das Nações Unidas - (UNESCO),
Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Organização Internacional
do Trabalho (OIT), dentre outras, são impostos aos países periféricos, por
meio de seus programas que formulam, recomendam, financiam e
supervisionam as políticas educacionais desses países, para uma adaptação
à formas de reestruturação do capital. Portanto, é a educação formal o
caminho viável para manter a lógica do capital em hegemonia social.
Há uma disputa pelo controle do sistema educacional crescente em
todo o mundo. Freitas (2012) afirma que por compor e aglomerar as
massas, a escola pública tem aberto espaço às corporações capitalistas, que
veem na escola uma oportunidade de disseminar e reproduzir a lógica
perversa do capitalismo. Freitas (2012) afirma que, no Brasil, somente
10% das matrículas nos últimos 30 anos se deu no ensino privado. O que
influencia diretamente a qualidade da educação pública como direito e a
torna mercadoria que pode corresponder às necessidades do capital.
Quando os setores privados se inserem em esferas públicas não o
fazem sem interesses. Basicamente, a incorporação de setores privados
muda a lógica decisória dos programas de educacionais (ADRIÃO et al.,
2012). Exemplo é o caso dos EUA, que, em detrimento das propostas feitas
102
por educadores profissionais, disseminou que o modo de organizar a
iniciativa privada é a proposta mais adequada para colocar nos eixos a
educação americana. Com isso, políticos, mídia, empresários, empresas
educacionais, institutos, fundações privadas e pesquisadores, se tornaram
responsáveis por organizar a educação (FREITAS, 2012). Essa concepção
foi disseminada por todas as partes do globo.
De acordo com Freitas (2012), no Brasil, um movimento muito
parecido é o Todos pela Educação, que tem entre os seus sócios-fundadores
e colaboradores, inúmeros empresários de diversas ramificações
mercadológicas. Esses movimentos, e outros em várias partes do mundo,
intentam implementar na educação a lógica industrial, estruturando a
escola em torno da responsabilizão, meritocracia e privatização.
Enquanto a responsabilização coloca sob os professores e alunos a
responsabilidade pelo sucesso (ou fracasso), a meritocracia é o meio pelo
qual as escolas, professores e alunos podem ser sancionados ou
recompensados. Outro modo de estruturar a lógica empresarial na
educação é a privatização, que se dá por variadas faces.
Para alcançar tais objetivos, os reformadores empresariais propõem
mudanças que retificam o currículo básico, assumindo que, o que se testa
nas avaliações de larga escala é bom e suficiente para todos. Silva (2016)
considera que as avaliações em larga escala são danosas a educação por
vários motivos, como o fim da coletividade (por colocar os professores em
constante competição, afetando a atividade colaborativa) e a segregação
dos alunos necessitados, o que acontece porque os alunos que se encontram
perto da média são apoiados para que atinjam a média e os demais são
esquecidos.
O currículo tem inerentes conexões com as relações sociais que se
imprimem na e pela sociedade (SCHMIDT, 2003), pois leva consigo um
conjunto de valores educacionais resultado de uma concepção de homem,
103
de mundo e de educação e envolve, dessa forma, tomada de decisões que
inclui, segundo Schmidt (2003), compromissos sociais e políticos.
A retificação do currículo facilita a divio técnica e social do
trabalho, acabando por reforçar as desigualdades e racionalizando a
organização escolar, com perigosas implicações. No Brasil, o Todos pela
Educação é responsável por criar os programas e as provas educacionais no
país, sustentando as teses da Teoria do Capital Humano e dimensionando
o caráter estritamente instrumental da educação. Dentre as empresas
partícipes desse movimento estão Rede Globo, Grupo ABC, DM9 DDB,
Editora Moderna, Fundação Santillana, Instituto Ayrton Senna, Amics,
Fundação Victor Civita, Mckinsey&Company, Microsoft, Canal Futura,
Instituto Natura, Editora Saraiva, BID, PATRI Políticas Públicas, Luzio
Strategy Group, Itaú Cultural e Fundação Vale (SANTOS; TAKAMORI;
ABRUNHOSA, 2018).
A educação formal é, portanto, carregada de interesses e valores
próprios da cultura e da história. Compreender o sistema educacional é
conhecer seus aspectos políticos, sociais e históricos.
Em estudo no qual desenvolve o conceito de “epistemologias do
sul”, Santos (2019) discute questões centrais de um universo teórico,
metodológico e pedagógico voltado ao questionamento do pensamento
eurocêntrico. Segundo ele,
No que se refere, em termos mais gerais, aos conhecimentos que
surgem das lutas sociais, há de se fazer outras distinções como resultado
das relações de poder em que se baseia uma dada luta. Os grupos que
lutam contra a dominação têm de lidar com três tipos de
conhecimentos: os seus próprios conhecimentos, que sustentam e
legitimam a sua luta; os conhecimentos que os grupos dominantes
produzem e ativam a fim de assegurarem a reprodução desse seu poder;
104
os conhecimentos gerados ou mobilizados por outros movimentos ou
grupos sociais com os quais são possíveis articulações e alianças
baseadas nas ecologias de saberes (SANTOS, 2019, p. 122).
Compreender como essas relações se processam implica em definir
como o poder atua sobre o indivíduo e a sociedade, desvendando o sistema
de ideias e conceitos que possibilitam que elas se realizem de fato. Dessa
forma, todo conhecimento é carregado de sentidos, ideias e valores, de
forma que o ensino é um instrumento de formação social que molda os
indivíduos de acordo com os preceitos de quem detém o poder.
No entanto, as relações sociais se alteraram não apenas pelas
transformações das relações de produção em função do desenvolvimento
tecnológico e informacional, posto que alterações mais profundas se deram
do ponto de vista sociocultural, modificando as relações entre as pessoas e
trazendo consequências para a compreensão dos acontecimentos e de suas
motivações. No Brasil, o processo de redemocratizão efetivado a partir
dos anos de 1980 traz em seu bojo tentativas de reformas na organização
escolar dadas as implicações de natureza ética para o desenvolvimento da
cidadania e da participação política no processo decisório da vida nacional,
sendo que o reconhecimento do direito à educação permite o acesso de
vasto contingente de sujeitos oriundos das camadas populares, clientela
com a qual a instituição escolar, muito voltada para o seu interior, não sabe
lidar, provocando conflitos nas relações e tensões de toda ordem.
Constatar a crise educacional do ponto de vista sobre o qual ela se
estabeleceu já não parece satisfatório do ponto de vista das relações de
autoridade postas no contexto escolar. Urge pensar a educação
intercultural, reorganizando os diagnósticos, conhecendo melhor os atores
sociais presentes na escola, em particular os estudantes, permitindo a esses
105
sujeitos a expressão de suas vozes, a serem escutadas por si mesmas, a partir
da sua realidade.
A crise da educação e de seus conflitos, instalados majoritariamente
em função de relações de poder culturalmente postas de fora da escola, não
se resolverão apenas a partir das relações que se estabelecem em seu
interior.
É indiscutível, por exemplo, que prevalece na escola de educação
básica a concepção internalista dos programas de ensino, ou seja, os
currículos e os materiais didáticos são organizados pela forma como os
teóricos pensam a sua ciência, cada qual em sua área, e desconsideram
aportes socioculturais do alunado que poderiam modificar a forma de
difusão dos saberes científicos.
Do nosso ponto de vista, essa discussão pode ser relativamente bem
encaminhada se considerarmos que as pessoas aprendem dentro e fora da
escola, e, principalmente que o conhecimento científico é apenas uma
forma de expressão cultural, mas que é fundamental para a compreensão
da realidade. A escola democrática precisa estar atenta aos ares e ruídos de
fora. Trata-se de problemas didático-pedagógicos e de organização do
trabalho não resolvidos apenas com muros altos, dando à instituição mais
a feição de estabelecimento prisional do que de instância de formação e
dignificação da condição humana.
É pelo diálogo entre os diferentes saberes que poderemos lograr a
formação cultural ampla que permita avançar no sentido de uma
concepção externalista dos programas de ensino, com vistas a pensar a
ciência sistematizada a partir dos olhares dos educandos, sem perder de
vista que o conhecimento científico deve ser o ponto de chegada do
trabalho educativo e instrumento imprescindível para a transformão
social:
106
O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto
estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua
sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o
minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue
sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime
do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno,
que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à
experiência formadora do educando, transgride os princípios
fundamentalmente éticos de nossa existência (FREIRE, 2009, p. 59-
60).
Desse modo, uma discussão sobre os conflitos e relações de poder
que se colocam no âmbito da educação envolve desde considerações a
respeito do sujeito que se quer formar enquanto ser humano até a
transformação das práticas cotidianas que se desenvolvem no contexto
escolar.
Em um contexto de busca de universalização do ensino, a escola
básica popular, teoricamente de todos, ainda é, na prática, de poucos,
desconsiderando um grupo significativo de alunos com perfil sociocultural
heterogêneo e que transita, seja qual for a sua origem, por um universo
amplo de informação e comunicação, o que exige adequação dos
programas de ensino e, por consequência, da formação de gestores e
professores a essa nova realidade.
A ideia de que existem alternativas à organização do trabalho na
escola, no contexto da diversidade cultural na qual se constitui a sociedade
brasileira, impõe situá-la nos limites de equidade e justiça social, de modo
a enfrentar os desafios contemporâneos que a busca de compreensão deste
fenômeno desnuda.
107
Relações de Poder na Escola
A palavra poder pode ser entendida de diversas formas, mas
usaremos a conceituação de Paro (2014) de que o poder é a explicitação da
capacidade de agir sobre algo a ponto de determinar o comportamento de
outros.
Na sociedade capitalista a capacidade de agir de modo a determinar
o comportamento do outro se faz numa via de mão dupla, pois dominante
e dominado convivem numa relação de confiança.
[...] na sociedade capitalista, o sujeito não é o capitalista. Não é o
capitalista quem toma as decisões, quem dá forma ao que se faz. O
sujeito é o valor. O sujeito é o capital, o valor acumulado. Aquilo que
o capitalista ‘possui’, o capital, deixou de lado os capitalistas. Eles são
capitalistas só na medida em que são serventes fiéis do capital
(HOLLOWAY, 2003, p. 57 apud PARO, 2014).
Isso implica dizer que, dessa forma, as relações são pensadas de
forma que o capital tenha o controle sobre elas, não necessariamente os
indiduos envolvidos como dominador e dominado, mas o capital toma
para si esse verbo de ação e se torna o protagonista.
No que diz respeito a educação formal, Paro (2014) afirma que o
educador deve usar o seu poder (de influenciar comportamentos) para
formar personalidades, indivíduos dotados de historicidade.
O homem nasce com potencialidades infinitas para fazer-se humano-
histórico, apreendendo a cultura disponível e formando sua
personalidade, mas ele não faz isso naturalmente. É preciso a
108
intervenção do educador. Este é seu poder: a capacidade de levar
indiduos a se fazerem serem dotados de historicidade (PARO, 2014,
p. 51).
Ou seja, o educador possui o papel de influenciar a formação desses
indivíduos; por isso a tomada de consciência, moldada na perspectiva do
educador, faz-se cada vez mais notada. Esse papel está para além da
transmissão de conhecimentos, papel que a escola insiste ser seu maior
objetivo.
Para realizar seu objetivo de “transmissão” de conhecimentos, a escola
básica lança mão das disciplinas escolares como a Matemática, a
Geografia, a História, a Língua Portuguesa, etc., nas quais esses
conhecimentos estão distribuídos e que compõem currículos e
programas de ensino que são executados e depois feridos a partir de
testes e provas, quer internamente à escola para decidir sobre a
promoção à próxima série em que forma “ensinados” e não aprendidos,
quer externamente por meio de exames como os do Sistema de
Avaliação da Educação Básica (Saeb) ou o Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) (PARO, 2014, p. 54).
Com a decisão unilateral do conteúdo aplicado e das práticas a
serem desenvolvidas, o poder vem sendo exercido hierarquicamente através
do sistema que gere as instituições educacionais, com um currículo pré-
estabelecido como norteador, delimitando o que o educando precisa saber
para a conclusão do ano letivo.
O prejuízo que o autoritarismo da escola tradicional, por sua tentativa
de imposição arbitrária de conteúdo, traz em termos sociais não é
apenas de natureza explicitamente pedagógica por seu fracasso
109
precisamente em prover esses conteúdos mas também de natureza
política, ao deixar de contribuir para a formação de personalidades
democráticas. Ao impor arbitrariamente esses conteúdos de modo
generalizado e permanente para seres em formação, que ainda não têm
desenvolvidos parâmetros alternativos de julgamento dos valores que
lhe são impostos, a escola, em vez de formar cidadãos predispostos a
agir democraticamente, acaba por contribuir para a formação de
personalidades autoritárias, cujas principais características são, “de uma
parte, a disposição à obediência preocupada com os superiores,
incluindo por vezes o obséquio e a adulação para com todos aqueles
que detêm a força e o poder; de outra parte, a disposição em tratar com
arrogância e desprezo os inferiores hierárquicos e em geral todos
aqueles que não têm poder e autoridade” (PARO, 2014, p. 63 apud
STOPPINO, 1991, p. 94).
Inserir a ideologia da globalização nas escolas requer a precarização
da formação docente. Grande parte dos cursos de formação de professores
se constrói envolta por formas de disseminão e reprodução do capital.
Pesquisas como a de Monteiro (2017) mostram que professores de
História e Geografia, por exemplo, possuem clareza da importância dos
conteúdos das disciplinas, mas desconhecem sua contribuição para a
formação. Apesar de reconhecerem a importância de documentos oficiais
e do projeto político pedagógico da escola para a orientação do trabalho
docente, incluindo a seleção dos conteúdos de acordo com o nível de
escolarização, os docentes mostram que precisam de formação específica e
que não os limite às referencias oficiais (como o uso dos livros didáticos,
por exemplo).
Além disso, Monteiro (2017) afirma que as fragilidades são
destacadas quando há ausência de trabalhos que focam e priorizam os
conteúdos e as contribuições de cada disciplina desde o início da vida
escolar do indivíduo, ainda na Educação Infantil. Outro destaque da
110
autora é que as escolas demonstram em seus projetos políticos pedagógicos
certa fragilidade no que diz respeito ao ensino de História e Geografia,
assegurando espaços que se voltem a discutir Matemática e Língua
Portuguesa com prioridade, o que por sua vez, reforça a ideia de que outras
disciplinas não são importantes, contribuindo significativamente para a
minimização do alcance dessas disciplinas para a vida social.
Enquanto um leitor incentiva um novo leitor a ler, um pesquisador
também pode incentivar o nascimento de um novo pesquisador, e é aí que
está a importância do professor pesquisador. É importante que os
professores tenham consciência de que não possuem apenas a função de
educadores, mas que a função social que eles representam para seus alunos
é muito mais ampla do que isso. A escola deve dar ao aluno tudo o que
puder oferecer, pois para a grande maioria da população, a escola é sua
única fonte de conhecimento e socialização.
O professor ativo em sala de aula, deve trabalhar como mediador
do conhecimento, fazendo com que, nesse processo, o aluno perceba
importância de estudar tais disciplinas, dando visibilidade ao processo
histórico e social que refletimos em nossas vidas, eo com o intuito de
tornar a educação um produto, reproduzindo e fortalecendo as teses do
capitalismo dentro da escola.
A formação permanente do educador é um processo inacabado e
conflituoso, que se dá em muitas dimensões, na vida privada, nas
instituições formativas e de trabalho. A construção da identidade
profissional está intimamente ligada com o ambiente, temporal e
espacial, da formação (CUNHA; CARDÔZO, 2011, p. 152).
Assim como a História e a Geografia, as demais disciplinas
possuem um caráter de formação importante e por meio delas o aluno pode
111
refletir inúmeras questões que são responsáveis pelas estruturas sociais e
políticas que temos hoje. Nesse sentido, sobressai a formação de
professores como um tema relevante que tem despontado em publicações
e debates. De acordo com Cunha e Cardôzo (2011, p. 146),
Os paradigmas que permeiam as discussões atuais em torno da
formação de professores não são preocupações novas. Estão anunciados
em diversas políticas públicas ao longo da história da formação de
professores no Brasil. Isso é um indicativo da pertinência de pensarmos
a formação de professores e, no caso, a formação específica para o
ensino de história; e, ao mesmo tempo, buscar a gênese de
problemáticas persistentes, historicamente identificadas e proclamadas
no cenário educacional brasileiro.
Pesquisas como a de Cunha e Cardôzo (2011) apontam para o
papel central da formação inicial na constituição de posturas teóricas,
práticas pedagógicas e na identidade profissional. De acordo com os
autores (CUNHA; CARDÔZO, 2011) dados apontam para uma
dicotomia entre teoria e prática na formação inicial; contudo, a percepção
que o educador tem acerca de sua profissão não se restringe aos processos
de formação formal, mas são influenciadas por suas trajetórias pessoais e
profissionais, tendo gênese na história de vida de cada um, na escolha da
profissão e na imagem que se tem da docência e a partir desse contexto os
autores apontam a necessidade de rever os paradigmas que norteiam as
práticas de formação.
O processo de formação permanente do professor, sempre inacabado,
construído ao longo da trajetória pessoal e profissional, é
multifacetado, dialógico e complexo. Nele se pretende encontrar
respostas para os desafios do trabalho docente. Ainda assim, a formação
112
inicial tem um papel mobilizador e problematizador, onde acontece a
transmissão de saberes e a constituição de posturas teóricas. É espaço
de construção de identidade docente (CUNHA; CARDÔZO, 2011,
p. 146-147).
Sem dúvidas, as atribuições dos professores são sociais e crescem
em resposta às demandas da sociedade em que está inserida e às imposições
políticas. Ao pensarmos o trabalho docente é preciso que consideremos o
lugar social da formação, apesar de a identidade profissional não se
desenvolver apenas no âmbito formal acadêmico. Antes mesmo da
formação inicial, na escolha da profissão de educador já se percebe uma
definição que tem relação com muitos fatores (sociais e particulares).
Paro (2014, p. 23) afirma que é necessário que se supere o senso
comum de que o docente é um simples provedor dos conhecimentos e
informações, pela concepção científica de que a educação consiste na
apropriação da cultura. A apropriação da cultura é um exercício de poder
político, pois integra totalmente o indivíduo em formação, em sua cultura,
dando-lhe condições de fazer parte da formação histórica conscientemente.
Apesar de ser um pensamento difundido por toda a sociedade e
parte do senso comum, não é um pensamento homogêneo entre os setores
da classe trabalhadora. São exemplo os Movimentos Sociais como o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Brasil e o
Movimento Zapatista, no México, que possuem concepções próprias de
educação e inserem em seus projetos pedagógicos (ainda que com muita
luta e contradições) a formação de seus próprios educadores.
Pesquisas como a de Silva (2019) afirmam que a formação de seus
próprios educadores é um dos princípios desses Movimentos, que o fazem
por entenderem que, quando formados em outras bases dificilmente (mas
não impossível) poderão conceber a educação de outra forma.
113
A relação entre as pessoas, professores, alunos, gestores,
funcionários etc., na escola reproduzem em menor escala as relações de
poder existentes na sociedade. Logo, Movimentos Sociais que preconizam
uma educação gerida de forma democrática e auto-organizada prepara seus
integrantes para uma sociedade que siga esses princípios.
Com a instituão disciplinar, que utiliza métodos que permitem
controlar minuciosamente o corpo do cidao por meio de exercícios de
utilização do tempo, espaço, movimento, gestos e atitudes se busca
produzir corpos submissos, exercitados e dóceis. A escola é um desses
espaços, que cresce em seu poder dominação a cada novo conhecimento
adquirido, por meio da psicologia ou da psicopedagogia
(TRAGTENBERG, 1985).
As áreas do saber se formam a partir de práticas políticas disciplinares,
fundadas em vigilância. Isso significa manter o aluno sob um olhar
permanente, registrar, contabilizar todas as observações e anotações
sobre os alunos, através de boletins individuais de avaliação (ou
uniformes-modelo, por exemplo), perceber aptidões, estabelecendo
classificações rigorosas. A prática de ensino, em sua essência, reduz-se
à vigilância. Não é mais necessário o recurso à força para obrigar o
aluno a ser aplicado, é essencial que o aluno, como o detento, saiba que
é vigiado. Porémum acréscimo: o aluno nunca deve saber que está
sendo observado, mas deve ter a certeza de que poderá sempre sê-lo
(TRAGTENBERG, 1985, p. 1, grifos do autor).
A escola legitima o poder de punir e ensina a aceitar a situação. É
um espaço constituído como um observatório político, que como já
demonstramos anteriormente busca a atender objetivos que só interessam
ao capital. Defendemos que a escola possui um papel formativo
importante, no que diz respeito a difusão dos conhecimentos, contudo,
114
fica visível que, na atualidade, esse conhecimentoo tem sido difundido.
É nesse entremeio que se relacionam os professores, funcionários, gestão,
alunos e comunidade escolar (TRAGTENBERG, 1985).
O professor possui as ‘armas’ legitimadas para ‘enquadrar’ seus
alunos. O tira, nas palavras de Tragtenberg (1985) ou o cão de guarda do
Estado, conforme Mészáros (2008).
Se a educação se constitui num instrumento do poder, o professor
é o instrumento da reprodução das desigualdades sociais, que está
submetido a uma hierarquia administrativa e pedagógica, que por sua vez
o mantém nas rédeas e garante que ele seja pago por esse papel.
Contudo, nem tudo está perdido. De acordo com Tragtenberg
(1985) há o outro lado da moeda, pois ainda seja um agente de reprodução
social é também agente da contestação desse sistema, pois possui condições
de contestar o sistema de dentro dele.
Nesse sentido a escola é um espaço contraditório de acordo com o
autor; o professor se insere como reprodutor ao mesmo tempo que
pressiona como questionador.
Indiscutivelmente, a diversidade cultural, tomada como elemento
constituinte da desigualdade, legitimou modos de pensar, agir e reconhecer
o outro, mas se estabeleceu mediante os ditames e as restritas concessões
do poderio político, social e econômico. No entanto, reconhecer as
difereas, sociais e culturais, não meramente individuais, como
pretendem os constructos psicológicos que regem a maioria das reformas
educacionais no Brasil, possibilita a constituição de singularidades, sem
impor padrões de referência adotados como norma pétrea, impondo
mudanças nos processos sociais e culturais normatizados em parâmetros
inadequados em termos de equidade e justiça social, de modo a se assumir
115
a perspectiva de uma sociedade menos autoritária, menos desigual e mais
inclusiva:
Quais são as relações de classe, etnia, gênero, que fazem com que o
currículo seja o que é e produza os efeitos que produz? Qual o papel
dos elementos da dinâmica educacional e curricular envolvidos nesse
processo? Qual é o nosso papel, como trabalhadores culturais da
educação, nesse processo? Saber que o poder não é apenas um mal,
nem tem uma fonte facilmente identificável, torna, evidentemente,
essa tarefa mais difícil, mas talvez menos frustrante, na medida em que
sabemos que o objetivo não é remover o poder de uma vez por todas,
mas comba-lo, sempre. Essa luta levará não a uma situação de não
poder, mas a relações de poder transformadas. O currículo, como
campo cultural, como campo de construção e produção de
significações e sentido, torna-se, assim, um terreno central dessa luta
de transformação das relações de poder (MOREIRA; TADEU, 2013,
p. 38-39).
Desvincular o saber do poder, no plano escolar, é dependente de
uma estrutura horizontal, onde professores, alunos, funcionários etc., se
estabeleçam como iguais. Isso só poderia acontecer se a escola fosse
autogerida por trabalhadores da educação e alunos, se a verdadeira gestão
democrática, que é preconizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(BRASIL, 1996), mas executada ao bel prazer dos que detém o poder,
acontecer.
Diante de todos esses dados apresentados, ficam algumas questões,
à guisa de reflexão: A auto-organização da escola seria percursora de uma
transformão social? Uma instituão do Estado poderia produzir formas
de organização a ponto de ser derrubado por elas? A real democracia pode
ser aprendida nas escolas do Estado?
116
Considerações Finais
Esse texto nasceu intentando responder a seguinte questão: Como
o conflito e as relações de poder interferem na organização do trabalho na
escola? Demonstramos que a instituição escolar nasce com o objetivo claro
de reproduzir a sociedade de classes e atender aos interesses da classe
dominante e que as relações de poder estabelecidas na escola são a
reprodução em escala menor, das relações vividas na sociedade. O que
implica dizer que a escola reproduz o cosmo social e é influenciada por ele,
e não o contrário como preconizam algumas teorias.
Assim, a escola, enquanto instituição disciplinar, enfrenta
problemas em fuão de choques geracionais trazidos para o seu interior
por uma massa culturalmente heterogênea, via democratização do ensino,
e não consegue ser eficiente na produção de corpos e mentes dóceis. A
escola ainda espera um aluno padrão e não dá conta dos estranhos à norma.
Os professores, de forma geral, se esforçam, mas o conservadorismo de seus
modos de pensar e de agir é distante e não considera os modos de sentir,
pensar e agir dos estudantes. Tentar evitar ou desconsiderar a tensão entre
os sujeitos da escola, ou tratá-los como se não fossem diferentes, provoca e
alimenta crises na escola e na educação.
Muitos alunos externalizam o seu desinteresse por uma escola que
não acompanha as aceleradas transformações da sociedade, criando
conflitos e as impostas relações de poder acabam conduzindo a negociações
ou mediações constantes entre professores, gestores e estudantes para
garantir ao menos o curso normal das aulas. No entanto, a pretensa relação
dialógica que se observa pouco considera, de fato, da vivência dos alunos,
e busca seduzi-los na tentativa de gerar empatia, mas também de reforçar
o lugar docente na hierarquia educacional.
117
A educação formal está inter-relacionada com as mudanças
ocorridas nas formas de organização do trabalho e da produção e, nesse
sentido, pode ser visto o seu caráter de classe inegável. Isso desencadeia
uma disputa pelo controle do sistema educacional, principalmente pelos
donos do grande capital, que por meio de instituições multilaterais inserem
seus valores mercadológicos nas instituições escolares dos países periféricos.
Desse modo, a educação formal é, portanto, carregada de interesses
e valores próprios da cultura e da história. Compreender o sistema
educacional é conhecer seus aspectos políticos, sociais e históricos.
Também demonstramos que, na sociedade capitalista o sujeito é o
valor e que as relações são pensadas para que o capital tenha controle sobre
elas. Fator que é aprendido, reproduzido e validado na escola. Para que o
professor cumpra bem o seu papel nesse ambiente de reprodão do status
quo é necessário adaptar a escola à ideologia da globalização e precarizar a
formação docente.
Professores mal formados não compreendem seu papel na
sociedade e não podem fazer com que seus alunos compreendam os seus,
com consciência de classe e luta. Se prendem a questões secundárias e as
colocam como prioridade no ensino.
A escola reproduz, em menor escala, as relações de poder que
existem na sociedade e, por isso, avança em seu poder de dominação,
punindo e ensinando a aceitação passiva do que a vida propôs.
Defendemos que a escola possui um papel formativo importante,
no que diz respeito a difusão dos conhecimentos, contudo, fica visível que,
na atualidade, esse conhecimento não tem sido difundido. Se a educação
se constitui num instrumento do poder, o professor é o instrumento da
reprodução das desigualdades sociais, que está submetido a uma hierarquia
118
administrativa e pedagógica, que por sua vez o mantém nas rédeas e garante
que ele seja pago por esse papel.
Contudo, restam alvissareiras, dentre outras, as ponderações de
Tragtenberg (1985) e Paro (2014), que mostram possibilidades para esse
espaço contraditório.
Por fim, diante das conjecturas apresentadas, impõem-se algumas
questões para que o leitor pense conosco: A auto-organização da escola
seria percursora de uma transformação social? Uma instituição do Estado
poderia produzir formas de organização a ponto de ser derrubado por elas?
A real democracia pode ser aprendida nas escolas do Estado?
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123
Propagandas de Divulgação dos Programas da EJA:
representões sobre educão permanente
ao longo da vida e para todos
Lilian Pacchioni Pereira de Sousa
11
Introdução
Há muitos aspectos abordados em pesquisas, nas mais variadas
áreas do conhecimento, quanto ao papel exercido pelos meios de
comunicação social no cotidiano. Nesse campo, especialmente os estudos
da mídia, que dizem respeito às representações da realidade social
construídas por parte dos indivíduos, compõem um rico acervo de
pesquisas sobre a inflncia das representações sociais no comportamento
da sociedade no âmbito cultural, político, social, religioso e ecomico,
com especial atenção às condicionantes e determinantes sociais que
orientam a interpretação do conteúdo midiático por parte da audiência.
Sabe-se que os meios de comunicação têm influência na determinação de
comportamentos dos indivíduos.
Os estudos sobre a mídia globalizada possibilitam considerar que
os meios de comunicação têm importante papel no mundo da cultura e
11
Publicitária e Professora Universitária. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em
educação, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Unesp, Câmpus de
Marília-SP. Docente do Centro Universitário de Adamantina UNIFAI Adamantina-SP; e
Unisalesiano – Araçatuba-SP.
E-mail: lipacchioni@gmail.com
124
das representações (IANNI, 2000). Já entre os mais recentes e no contexto
da América Latina, Martín-Barbero (2003) nos apresenta reflexões sobre
os estudos da recepção do conteúdo da mídia e a midiatização da vida
social, apontando que a comunicação deve ser concebida como uma
prática social, considerando o importante papel da cultura no processo de
mediações e no modo pelo qual os produtos midiáticos são entendidos
pelos sujeitos que recebem as mensagens, as assimilam e as incorporam à
vida cotidiana.
Tão complexa quanto a influência que exerce sobre as pessoas é a
constituição fundante do aparato de comunicação, o que envolve aportes
teóricos de matizes diversos e visões de mundo e de sociedade. Nesse
sentido, podemos destacar no campo da Epistemologia Genética a maneira
como os sujeitos constroem o conhecimento a partir das transmissões
sociais por parte da mídia, sendo que a perspectiva construtivista de Piaget
(1971) nos direciona a um olhar para a ação do próprio sujeito à tomada
de consciência de comportamentos, condutas e noções dos fenômenos que
envolvem suas relações sociais a partir da mensagem transmitida e
compartilhada pela mídia.
Sobre as possibilidades e limites da mídia na área da educação,
parece estabelecido que a utilização das Tecnologias da Informação e
Comunicação na Educação, segundo o matemático Papert (1994),
proporcionam um ambiente de aprendizagem no qual os alunos interagem
com seus objetos de pesquisa em projetos, atribuindo ao computador o
papel central nesta dinâmica. Seu constructo sobre a Teoria
Construcionista e a ideia de espiral de aprendizagem foi influenciado
inicialmente pelas pesquisas de Piaget as quais versam que os sujeitos
constroem seus conhecimentos a partir da interação com o meiosico e
social, tendo como base aquilo que já conhece. Os limites apontados nesta
perspectiva referem-se à redução do saber científico ao senso comum; por
125
outro lado, os sujeitos reflexivos saberão lidar com tal desafio, tendo as
mídias como protagonistas neste contexto, por meio de seus aparatos
tecnológicos, sobretudo digitais, ganhando espaço e trazendo um novo
olhar para as culturas escolares resistentes às mudanças. Martín-Barbero
(2014), sobre a influência da mídia na educação, nos revela que a reflexão
maior não deve centrar-se no papel dos meios de comunicação, mas na
postura adotada pelo sistema educacional para formar pessoas capazes de
filtrar as informações importantes dentro deste complexo processo
comunicativo.
Consideramos ser de grande relevância as discussões sobre o
cuidado especial com a recepção do conteúdo midiático que está sendo
veiculado, sobretudo porque os meios de comunicação social são
importantes instituições envolvidas no processo de transmissão de
conhecimentos. Vários são os estudos sobre recepção e mediação por parte
da mídia em vários aspectos, desde como o discurso ideológico, divulgado
pelos veículos de comunicação, sobretudo o do noticiário, atendem apenas
aos interesses de classes hegemônicas e dominantes, como o aparato
midiático pode contribuir enquanto estratégias pedagógicas, até a forte
inflncia, na sociedade capitalista, da publicidade comercial que,
utilizando-se de estratégias de sedução, estimula a adesão de novos
comportamentos e a elevados níveis de consumo de produtos e serviços.
Até aqui, os múltiplos olhares sobre os estudos da inflncia dos
meios de comunicação social na sociedade, nos leva a considerar que o
processo comunicacional vai além do esquema emissor, receptor e
mensagem, e vai muito mais além do que apenas considerarmos a evolução
tecnológica no aperfeiçoamento dos aparatos tecnológicos dos meios,
principalmente a passagem do modelo analógico para o digital, como
limites para problematizarmos sobre os aspectos envolvidos nos estudos
midiáticos. Tais abordagens se fortalecem e inspiram novas investigações,
126
porém, neste estudo não pretendemos nos aprofundar em uma ou outra
abordagem a respeito da recepção das transmissões sociais por parte da
mídia, nem tampouco desconsiderar os estudos já produzidos no campo
da recepção da mídia, mas nos concentraremos efetivamente na
mensagem.
Considerando a comunicação como sendo instrumento de
transmissão de mensagens, percebe-se que a comunicação de massa tem
função educativa uma vez que grande parte dos conhecimentos
indispensáveis à vida, como as informações sobre saúde, política, economia
e cultura chegam às pessoas de forma mediada. Contudo, pela relevância
que tem no cotidiano da sociedade, a análise do conteúdo da mídia se torna
um fator importante, uma vez que a mídia está presente em muitos
aspectos da vida cotidiana, por isso a importância em compreendermos
como ela atua, produz significados e como estes são produzidos e
compartilhados.
Desse modo, o presente estudo dedica-se a analisar as mensagens
divulgadas pela mídia sobre o programa de Educação para Jovens e Adultos
(EJA) propondo o seguinte questionamento: em que medida os elementos
que configuram as ideias presentes nos anúncios são realmente
representações do verdadeiro papel e função da EJA enquanto Educação
Popular, com função permanente na sociedade e para todos?
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de
Jovens e Adultos, Resolução CNE/CEB nº 1/2000 (BRASIL, 2000), a EJA
é uma modalidade de educação básica que assume a concepção reparadora,
envolvendo ideias de reparação de um direito negado, de equidade,
alteridade, diferença, qualificação, portanto, e, principalmente, instituída
constitucionalmente para, nestes parâmetros, a Educação ser concebida
como direito social, humano, público e subjetivo. Avançamos para o
século XXI, imersos em um contexto de vida em sociedade totalmente
127
permeado pela tecnologia, porém, ainda constatamos marca superior a 11
milhões de analfabetos (BRASIL, 2020); pessoas de 15 anos ou mais que
não sabem ler nem escrever, pelo critério do IBGE, e ainda assim os dados
escancaram e acentuam as desigualdades no país, sobretudo, porque o
analfabetismo tem cor, isto é, a maioria dos indivíduos analfabetos é de cor
preta ou parda (8,9%); recrudesce também entre os mais pobres; e
localização, ou seja, a maioria se concentra na região Nordeste (13,9%). A
respeito das imagens dos estudantes utilizadas nas propagandas dos
programas da EJA observamos que em nada representam este perfil
demográfico apresentado nesta última pesquisa do IBGE.
Por certo, a real função do programa de EJA deveria envolver a
noção de formação geral e ampla, na concepção de omnilateralidade, de
modo a estar relacionada ao pressuposto segundo o qual, por meio da EJA,
no contexto amplo de um processo histórico de conquista da igualdade
entre os seres humanos, se torne possível a ressignificação dos processos de
ensino e de aprendizagem por meio dos quais os sujeitos se produzem e se
humanizam, ao longo de toda a vida. É urgente a necessidade de se
repensar o modelo de educação e sua postura ante ao sistema capitalista.
Daí, “Pode-se dizer que, desde Aristóteles, a educação tem sido entendida
como permanente, integral, e que se dá ao longo de toda a vida. Este é um
princípio básico da pedagogia e existe praticamente em todas as culturas”
(GADOTTI, 2016, p. 50). No entanto, o direito à educação não é
plenamente reconhecido, consolidando um quadro de exclusão cuja base
de sustentação é a miséria absoluta e a negação do acesso aos bens culturais
fundamentais para a superação do estado de alienação cultural de grande
contingente da população.
Vivemos em uma sociedade capitalista, periférica e dependente na
qual prevalece o valor prático do código escrito, produzindo para muitos
uma visão binária de saber ler e escrever versus não saber ler e escrever ou
128
saber fazer contas versus não saber fazer contas. Desta maneira, para os
cidadãos que não tiveram a oportunidade de frequentar a escola, a
apropriação ou não deste código compreende a única forma de obter a
cidadania por meio da educação; porém, ainda recorrem à escola apenas
como uma oportunidade de melhorarem de vida, na concepção econômica
e capitalista. É irrefutável que conceber a ideia de escola apenas como uma
oportunidade para inserção no mercado de trabalho, visão esta assumida
nas ideologias neoliberais, cremos ser uma concepção demasiadamente
simplista e rasa sobre o verdadeiro sentido do que seja educação.
Nas palavras de Lima (2016), é predominante a concepção de
educação subordinada à ideia de economia no capitalismo especialmente à
empregabilidade, empreendedorismo e competitividade. Paradoxalmente,
vivemos em uma sociedade na qual 14 milhões de cidadãos não conseguem
emprego fixo, estando a maioria deles situada no segmento de pouco ou
nada escolarizados, atuando na economia informal e dependendo de
políticas sociais emergenciais para sobrevivência. Por certo, não se resolve
o problema do analfabetismo e da baixa escolarização apenas colocando os
sujeitos na escola. A solução do problema exige o desenvolvimento de
reformas multiestruturais na organização da sociedade brasileira, atrelado
à políticas públicas que pensam a educação escolar, sobretudo, para jovens
e adultos, não no sentido apenas de escolarização, mas como uma formação
emancipadora, cultural e socialmente referenciada em todas as suas
dimensões.
De forma geral, os programas de EJA são dirigidos a instituições
de ensino que organizam estes cursos de maneira presencial ou
semipresencial com o objetivo de fornecimento de certificados de
conclusão de etapas da educação básica. Necessita ser uma proposta de
educação a fim de oportunizar o desenvolvimento sustentável da
sociedade; o programa pode e deve contribuir nesta direção, e não apenas
129
ser identificado na perspectiva da educação formal que precise se adequar
aos moldes do mundo do trabalho no sistema capitalista. É fato que,
“Contudo, dentro de seus limites, a educação escolar possibilita um espaço
democrático de conhecimento e de postura tendente a assinalar um projeto
de sociedade menos desigual” (BRASIL, 2000, p. 7).
Por isso, o estudo percorreu pontos de relevância sempre buscando
parâmetros no objeto principal a ser problematizado referindo-se ao
conteúdo das mensagens divulgadas nas campanhas sobre o programa de
Educação para Jovens e Adustos e a representação de “Educação Para
Todos ao Longo da Vida” e “Educação para o Mercado de Trabalho” neste
discurso.
A abordagem da pesquisa foi de natureza qualitativa, tendo como
procedimento investigativo a análise temática do conteúdo da mídia
proposta por Laurence Bardin (2000). O corpus de pesquisa foi constituído
pelas publicações na internet para divulgar o Programa da EJA,
compreendendo, em particular, a análise do conteúdo das postagens
divulgadas entre 2017-2020.
As imagens foram adaptadas para preservar a identidade dos
anunciantes. Utilizamos a regra de pertinência na qual consideramos que
os documentos avaliados são adequados enquanto fontes de informação,
correspondendo aos objetivos da pesquisa. Foi escolhida uma amostra de
materiais por conveniência e disponibilidade sendo todos pesquisados por
meio de sistemas de busca Google e Google Acadêmico.
130
A Educação e todas as suas dimensões
Tendo em vista que, ao analisar as informações publicadas nos
meios de comunicação sobre os programas da de EJA, em comparação com
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos
na qual contam três funções principais do programa: Função Reparadora,
Função Equalizadora e Função Permanente, o que mais se observa nos
anúncios das instituições que oferecem o programa, é um discurso pautado
na visão mercantilista da educação, na qual a instrumentalização
intelectual dos seres humanos responderia apenas às exigências do mundo
capitalista promovendo novas inserções no mercado de trabalho, indo mais
ao encontro da premissa de que os programas de EJA respondem a uma
Função Compensatória do Estado para aqueles que, por algum motivo,
não frequentaram a escola.
Fundamentando-se nos princípios de igualdade, liberdade e
cidadania, o Conselho Nacional de Educação institui que a EJA passe a
adquirir uma Função de Reparação. As estatísticas oficiais mostravam dados
relacionados à extrema desigualdade com relação ao acesso à educação,
resultante de raízes de ordem histórico-social onde apenas alguns
segmentos sociais da população, elites dirigentes, financeiramente
privilegiadas e brancas tinham acesso à educação formal, à leitura e escrita.
Enquanto Função Equalizadora, a EJA passa a abranger mais segmentos
como trabalhadores de serviços gerais, donas de casa, imigrantes,
aposentados e encarcerados, proporcionando igualdade de oportunidades
a estes cidadãos que não conseguiram permanecer na escola. A Fuão
Permanente, consideramos ser a mais significativa de todas as funções,
tendo em vista o caráter da universalidade do direito à educação em
qualquer fase da vida, crianças, jovens, adultos, e idosos, têm o direito de
frequentar a escola e a se desenvolverem plenamente.
131
O oferecimento dessas oportunidades no âmbito das
obrigatoriedades legais propicia condições de incluir todos os cidadãos
brasileiros na escolaridade e, acima de tudo, importa salientar a necessidade
de se repensar práticas pedagógicas que estejam em consonância com as
necessidades e demandas dos alunos da EJA.
Instituições tanto públicas quanto privadas que oferecem os
programas de EJA necessitam comunicar aos interessados o oferecimento
de vagas para os cursos e este processo de divulgação pode se dar por
diferentes meios de comunicação. Sabe-se que as organizações se utilizam
de diferentes estratégias midiáticas para se comunicarem com seus públicos
de interesse.
O processo comunicacional pode se dar mediante uma
multiplicidade de meios: jornais, publicidade em TV, boca a boca e
internet, esta última bastante utilizada pelas empresas, em especial o uso
de redes sociais, porque possui, entre outras características, as informações
em tempo real, e a interatividade entre emissor e destinatário.
No presente estudo, nos apropriaremos do termo “mídia de
massa”, a partir da ideia de que esta se constitui como instrumentos de
reprodução do Estado, assim como a escola, fazendo uma correlação com
os estudos amparados por teorias crítico-reprodutivistas que consideram as
instituições educativas como lugar de reprodução da força de trabalho, ou
seja, aparelhos ideológicos de estado (SAVIANI, 2006).
Prosseguindo nesta perspectiva a mídia de massa se configura como
transmissora de ideologias dominantes nas entrelinhas de seus conteúdos,
através dos quais, circulam formas de pensamentos hegemônicos. Para
Bordieu (2000) as ideologias presentes no conteúdo da mídia se expressam
por meio de sistemas simbólicos que constroem a realidade que moldam
os sentidos do público receptor por parte daqueles que a controlam.
132
Baseando-se nesta ideia, Figueiredo (2007) nos traz que “Tais ideologias
da classe dominante acabam por formar uma rede de representações,
regras, valores e imagens que sustentam aquilo que compreendemos como
realidade” (FIGUEIREDO, 2007, p. 13).
Consideramos ser necessária uma reflexão a respeito da relação de
poder e meios de comunicação de massa para assim compreendermos
como as classes dominantes do Estado utilizam-se da mídia para transmitir
conteúdos simbólicos específicos. Embora o contexto de análise seja a
mídia internet, na qual se é possível haver a possibilidade de interação um
pouco mais democrática entre produtor e receptor e na qual o sujeito se
coloca como produtor de conteúdo, ainda não há total autonomia dos
sujeitos por completo no processo comunicacional, uma vez que
dependem de aparatos tecnológicos de acesso que demandam custos e
ainda que os sistemas de informação para alguns acessos são controlados
por agências reguladoras assim como na televisão aberta, rádios e jornais
impressos.
O corpus deste estudo foi constituído pelas postagens divulgadas
nas redes sociais da campanha, o que permitiu a contribuão para uma
investigação acerca das estratégias de comunicação utilizadas pelas
instituições escolares para divulgação dos programas de EJA. O recorte
temporal 2017-2020 se justifica pelo fato de nos orientarmos pelo material
encontrado nas pesquisas em sites de busca. Pressupomos, a partir da
análise das propagandas de divulgação do programa de EJA, haver uma
preponderância de ideias equivocadas sobre o perfil do estudante, e sobre
o que realmente venha a ser a função da Educação de Jovens e Adultos.
As propagandas quase em sua totalidade não são inclusivas, as
imagens são de pessoas brancas, em sua maioria, jovens. Ademais, as ideias
apresentadas nos discursos estão, em sua maioria, associadas apenas à
conquista da possibilidade de acesso a uma educação única e
133
exclusivamente formal que possa possibilitar a de inserção dos indivíduos
no mercado de trabalho. Não considerando a educação informal como
forma de “Educação para todos ao longo da vida”.
A análise do conteúdo das divulgações dos programas de EJA
A análise de conteúdo se refere a um método das ciências humanas
e sociais destinado à investigão de fenômenos por meio de um conjunto
de técnicas que a constituem e, neste artigo, utilizou-se a técnica da
categorização, cujo método se consolidou nos Estados Unidos na primeira
metade do século XX, se opondo à antiga técnica de análise de texto
considerada subjetiva e sem sistematização. A maioria dos estudos
investigava o conteúdo e a frequência dos temas abordados nos meios de
comunicação de massa. É possível, por meio de inferências, extrair
diversos aspectos das mensagens nos processos comunicacionais.
O material jornalístico foi fortemente utilizado para a exploração
do método de análise de conteúdo, sendo que podemos defini-lo como um
método de pesquisa de observação para avaliar sistematicamente, por meio
de um conjunto de técnicas, o conteúdo simbólico de muitas formas de
comunicação imagens ou palavras levando em conta as condições de
produção e recepção do conteúdo das mensagens.
O delineamento metodológico deste estudo se deu primeiramente
por meio da seleção do material empírico e, em seguida, realizou-se uma
análise qualitativa sob o paradigma da interpretação e procuramos
desconstruir “verdades” sobre o verdadeiro papel do EJA.
A Categoria 1 foi relacionada à tetica sobre os conceitos de
Educação Formal e Informal”; Categoria 2, representação da ideia de
134
Educação para o mercado de trabalho”, e por fim, a Categoria 3, relaciona-
se à análise do “Perfil do Estudante”, retratado nas propagandas. Iniciemos
algumas considerações analíticas sobre imagens presentes nos materiais de
divulgação dos programas da EJA, com uma visão crítica a estas
representações. Selecionamos as imagens a partir de pesquisas em sites de
busca e apresentamos alguns exemplos em cada categoria.
Categoria 1
A educação formal, informal e processos escolarizáveis
Há na imagem1(Figura 1) a presença de um estudante em frente a
uma tela de um computador e, circulando ao redor da cabeça do estudante
e do computador (modelo notebook), contém símbolos representando
diferentes conteúdos escolares, como exemplo, a matéria de química
representada pelo microscópio. Há também outros ícones representando o
ato da escrita (caderno e lápis). Além disso, notamos uma incoerência em
relação aos materiais escolares os quais nem sempre é de acesso aos alunos,
a exemplo dos do notebook para uso em salas de aula ou nas residências.
Nas imagens 2 e 3, tem destaque a presença do movimento da ação
de escrever, representada pelo caderno e lápis e de uma estética da educação
formal, representada por alunos sentados sem carteiras em salas de aula.
Nas três imagens observamos a mesma ideia, traduzida em um modelo de
educação que se reduz a saber escrever, característico da educação formal.
135
Fonte Imagem 1: Site Secretaria de Estado da Educação Goiás
12
.
Fonte Imagem 2: Site Prefeitura de Peruíbe
13
.
Fonte Imagem 3: Site Agência de Notícias do Paraná
14
Destacamos na figura 1 (imagens 1, 2 e 3) aspectos da educação
formal, representadas nas imagens de conteúdos escolares, matérias,
disciplinas (imagem 1) e na ação do escrever (imagens 2 e 3). Sobre a
concepção de educação não formal, Gohn (2016) nos apresenta que “a
educação não formal é uma área que o senso comum e a mídia não tratam
como educação porque não são processos escolarizáveis” (Gohn, 2016, p.
60), tampouco “alfabetizáveis”, como observado no texto da imagem 2:
12
Disponível em: https://site.educacao.go.gov.br/. Acesso em: 05 ago. 2020
13
Disponível em: http://www.peruibe3.sp.gov.br/cidade-de-peruibe/. Acesso em: 05 ago. 2020.
14
Disponível em:
http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=104610&tit=Tempo-de-
conclusao-da-EJA-passara-de-cinco-para-dois-anos. Acesso em: 05 ago. 2020.
136
“Se você conhece um jovem, adulto ou idoso, que não foi alfabetizado,
encaminhe-o para fazer sua inscrição”.
Podemos observar que as múltiplas dimensões de educação bem
como as práticas pedagógicas concebidas a partir de movimentos e
organizões sociais contextualizadas no cotidiano dos indivíduos,
enquanto cidadãos, e baseadas na aprendizagem e autoaprendizagem de
temas como diversidades étnico-raciais, cidadania, direitos humanos, etc.,
normalmente não são considerados, na concepção do senso comum, como
educação, havendo total desprezo à concepção de uma cultura de
escolarização baseada na oralidade, literatura de cordel, teatro popular, ou
na música, por exemplo.
Não ignoramos a importância da alfabetização formal, por meio da
aprendizagem formal da leitura e da escrita, mas apenas destacamos a
predominância do código escrito. Nesse sentido, interessante é notar a
materialização dessa contradição, quando vemos divulgação escrita de
matrículas para analfabetos, em algumas escolas públicas, ao fazê-la apenas
com uma faixa colocada na frente das instituições. É muito importante que
os produtores dos conteúdos divulgados, por meio da mídia, sobre o
programa, atentem-se para o fato de que esses indivíduos já sofrem muito
preconceito em razão de não serem alfabetizados, gerando nestes o
sentimento de inferioridade, perante os escolarizados.
Categoria 2
Educação para o mercado de trabalho
Na figura 2 selecionamos imagens (4 e 5) as quais podemos associar
a educação como uma oportunidade para o ingresso no mercado de
trabalho. Na imagem 4 tem destaque o conteúdo editorial, especialmente
137
porque há a palavra “trabalho”, e um indivíduo sentado observando e
fazendo a leitura deste conteúdo. A imagem 5 é um recorte de um trecho
de um vídeo produzido pelo Ministério da Educação, em 2016 intitulado
“Coração de Estudante”, no qual, em seu roteiro, há duas crianças cujo pai
é analfabeto e trabalha como mestre de obras. A partir do momento em
que passa a frequentar a escola, este pai começa a participar mais
ativamente da vida escolar dos filhos e conquista ascensão em sua carreira
profissional, na área da construção civil. O conteúdo na íntegra do vídeo
pode ser encontrado nagina virtual do canal Youtube. Não foi possível
obter informações a respeito de direitos de uso de imagens quando estas
foram divulgadas, portanto houve descaracterização dos rostos (imagens
5), sem interferir na análise.
A partir desses elementos construímos dois gestos de interpretação:
no primeiro consideramos totalmente simplista a ideia de que a educação
apenas promova oportunidades de trabalho. Consideramos ser
fundamental e nos parece bastante compreensível essa ideia de melhoria de
vida e de oportunidade de trabalho, conquistada por meio da ida à escola,
mas não é somente este o objetivo da educação. Em segundo lugar, na
figura 4 não podemos deixar de destacar a total falta de coerência na
imagem de um indivíduo lendo um texto, lembrando que os indivíduos
procuram a EJA por não serem alfabetizados e não saberem ler nem
escrever.
138
Fonte Imagem 4: Freitas (2020).
Fonte Imagem 5: Recorte do trecho do vídeo “Coração de Estudante”, elaborado pelo
Ministério da Educação em 2016
15
.
Nessas figuras 4 e 5, verificamos a representação de uma educação
para adultos que satisfaça as necessidades de inserção no mercado de
trabalho. Esta concepção de educação contraria a vertente teórica da
sociologia política da educação, na perspectiva de análise ctica do sistema
de poder, reduzindo a educação a uma visão simplista, e não considerando
todas as outras dimensões como a de educação popular, educação não
formal, sobretudo, educação concebida como permanente ao longo da
vida, na escola e fora dela. O conceito de educação foi reduzido à categoria
de qualificação,competências e habilidades, economicamente
valorizáveis” (LIMA, 2016, p. 17). Não desconsideramos a importância
para o indivíduo de buscar terminar os estudos para obter um emprego
15
Disponível em: https://youtu.be/0ALwqZW-TXg e em:
http://www.portaldapropaganda.com.br/noticias/4122/coracao-de-estudante-e-tema-da-nova-
campanha-da-escala-para-o-mec/. Acesso em: 05 set. 2020.
139
melhor e consequentemente uma vida digna, no entanto, não podemos
caminhar exclusivamente rumo à formação tecnicista da educação e que,
seguindo o que Freire (2001) pontua, treinando os sujeitos para ser Força
de Trabalho e não Humanos Livres que constroem seus conhecimentos
também pela cultura. O verdadeiro sentido da EJA é a Educação
Continuada, permanente e para todos, ao longo da vida.
Ainda sobre a questão da concepção de educação reduzida à
categoria de “competências”, esta é muito presente nas reformas
curriculares haja vista o discurso presente no documento que contém a
Base Nacional Comum Curricular- BNCC (BRASIL, 2017) par o Ensino
Médio, especialmente em relação aos fundamentos pedagógicos, como
vemos no trecho a seguir:
[...] as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o
desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que
os alunos devem “saber” (considerando a constituição de
conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que
devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses
conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas
complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do
mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece
referências para o fortalecimento de ações que assegurem as
aprendizagens essenciais definidas na BNCC (BRASIL, 2017, p.13).
A partir da contribuão cognitivista, em especial, a piagetiana, a
tendência das reformas se encaminhava para uma perspectiva de
letramento, contradizendo o discurso excessivamente pautado pela
Pedagogia das Competências. O discurso pedagógico se refere muito mais
a competências e habilidades do que ao uso social da linguagem escrita ou
falada.
140
Categoria 3
A representão dos jovens nas propagandas
A propaganda objetiva seduzir as pessoas, apropriando-se de
imagens e símbolos persuasivos adequados à estética vigente em uma
sociedade, em determinada época. A mensagem veiculada possui imensa
abrangência enquanto elemento dentro de processo de comunicação tendo
em vista que busca atingir os indivíduos ao construir percepções de valores
que refletem sonhos e fantasias. Porém, vale ressaltar que o uso de imagens
deve estar de acordo com a realidade do receptor da mensagem. Não foi
possível obter informões a respeito de direitos de uso de imagens quando
estas foram divulgadas, portanto houve descaracterização de alguns rostos
(imagens 6,7, 8 e 9), sem interferência em nossa análise.
Nesse momento da discussão, considerando os aspectos visuais das
propagandas analisadas, propomos a reflexão sobre o imaginário que se
pretendeu construir sobre os jovens, representados nas imagens presentes
nas propagandas de divulgação, elemento de pesquisa escolhido para
análise neste trabalho, do programa de EJA, nas quais foram
desconsideradas toda a subjetividade singular existente no perfil desse
público.
Há algumas possíveis representações desse público que rompem,
de certa maneira, com ideia associada aos jovens estudantes do EJA e que,
segundo o IBGE possuem algumas características já mencionadas neste
estudo e que nada condiz com o que observamos nas imagens analisadas
(imagens 6, 7, 8 e 9). Vale lembrar, que priorizamos a análise do perfil dos
jovens, mas é importante pontuar que, ao pesquisar os anúncios do
programa EJA, na internet nos sites de busca, não identificamos nenhuma
141
que tivesse pessoas com deficncia, idosos ou travestis, além do número
bem reduzido de propagandas com pessoas negras.
Essa mistificação ideológica, produzida por diversos meios e
procedimentos, entre os quais o apelo midiático,o é casual e teve como
consequência “a falta de unidade, de solidariedade e de tomada de uma
consciência coletiva” (MUNANGA, 2019, p. 446). É legítimo acreditar
que algum negro ou indígena não procure a escola por não se identificar
com ela.
O objetivo dos anúncios apresentados era o de informar sobre as
matrículas que serão abertas para o programa EJA.
142
Figura 3 Imagens do perfil dos jovens
Fonte Imagem 6: Site da Prefeitura de Pompéia/SP
16
Fonte Imagem 7: Site da Prefeitura de Penedo/SP
17
.
Fonte Imagem 8: Site da Prefeitura de Nilópolis (jul. 2017)
18
.
Fonte Imagem 9: Site da Prefeitura de Jataí (jul. 2017)
19
.
16
Disponível em: https://www.portalnc.com.br/. Acesso em: 05 ago. 2020.
17
Disponível em: https://penedo.al.gov.br/2020/01/27/matriculas-para-eja-estao-abertas-na-
semed-penedo/. Acesso em: 05 set. 2020.
18
Disponível em: http://nilopolis.rj.gov.br/site/prefeitura-de-nilopolis-abre-inscricoes-para-a-
educacao-de-jovens-e-adultos/. Acesso em: 05 set. 2020.
19
Disponível em: https://www.jatai.go.gov.br/. Acesso em: 06 set. 2020.
143
Constituir a identidade da clientela da EJA exige atribuir muitas
especificidades, principalmente a etária. O perfil é constituído por jovens,
adultos e pessoas idosas, quilombolas e indígenas, em geral assalariados que
encontram- se no mercado informal (MOURA; SILVA, 2018). Desde os
anos 90 vem ocorrendo fenômeno denominado como juvenilização nos
programas de EJA, devido ao alto índice de evasão e repetência na
educação básica. A procura pelo programa se deve à oportunidade destes
jovens de acelerarem o tempo de escolarização para inserção no mercado
de trabalho. Podemos notar nas figuras selecionadas que as imagens
parecem não condizer com o perfil apresentado nos últimos levantamentos
do IBGE.
A maioria dos jovens é de cor branca, além de não termos
encontrado nenhuma figura, nenhum anúncio publicitário em que
houvesse indivíduos com deficiência física. Constata-se que também não
considera pessoas idosas, contingente significativo do perfil identitário de
estudantes da EJA, haja vista a sua atual perspectiva de tempo livre, outrora
determinado, pela necessidade de inserção no mercado de trabalho, a sua
exclusão do processo educacional.
-se, então, que a propaganda oficial é relativamente distante das
histórias de vida e da identidade cultural dos sujeitos da EJA. Alguns
estereótipos são construídos pelo sujeito ou socialmente que acabam
estigmatizando certos perfis, no entanto, é possível identificar nas figuras
imagens que não representam o perfil destes jovens, segundo pesquisa do
IBGE.
144
Algumas considerações sobre a análise
Diante da análise de conteúdo das imagens foi possível observar
que os ideais presentes na Educação para jovens e adultos não são
retratados nas imagens analisadas de divulgação dos programas.
Acreditamos que não são realmente representações do verdadeiro papel da
EJA como Educação Popular com função permanente na sociedade e nem
o real perfil dos estudantes, considerando os aspectos demográficos, sociais
e estéticos.
Considerando a hipótese de que essas mensagens são importantes
fontes de informão para atrair o interesse do público, identificamos, em
uma breve análise das imagens, que as campanhas são pautadas por
conceitos estéticos, pelo menos no que diz respeito às imagens e fotografias
dos estudantes, além da representação limitada da educação, considerando
apenas seus aspectos formais e voltada para a profissionalização dos
indivíduos. Observou-se no conteúdo das mensagens uma banalização dos
ideais de humanização, educação permanente ao longo da vida e para
todos.
Percebendo a realidade peculiar da Educação de Jovens e Adultos
no Brasil e considerando as imagens que ilustram as propagandas da EJA
as quais comunicam, por meio das imagens, uma concepção mercantilista
reducionista do que seja educação com ênfase na força das relações
capitalistas que envolvem a apropriação do conhecimento e tampouco
revelam o real perfil demográfico dos estudantes, não podemos caminhar
para a finalizão deste estudo sem mencionar dois fatores fundamentais
que complementam nossa análise: primeiramente destacamos as
implicões do ingresso ou retorno à escola do ponto de vista da satisfação
pessoal, da socialização dos sujeitos e da necessidade de acolhimento que
145
deve marcar esse retorno, ao não se sentirem representados nas
propagandas podem não se interessar pelo programa e, um segundo ponto
não menos importante é com relação ao papel do professor para efetivação
da excelência em todo o processo de ensino e aprendizagem, pois, sob este
aspecto, temos que a idealização dos sujeitos da EJA na propaganda oficial
sendo, de partida, um elemento de descaracterização da clientela, have
implicões teórico-metodológicas para a atuação do professor.
A ação docente é demasiadamente complexa, exigindo dos
professores capacidade de motivar os alunos e dar atenção às suas
demandas, seja no campo da aprendizagem, seja de natureza afetiva, esta
considerada um importante elemento para a aprendizagem cognitiva,
considerando que deve haver afetividade e solidariedade entre alunos e
professores. Segundo Tognetta e Assis (2006), as relações afetivas e
principalmente cooperativas e solidárias auxiliam os alunos a superarem as
dificuldades escolares, devendo haver por parte dos professores, uma escuta
ativa, respeitando as difereas e reconhecendo a imensa diversidade
cultural, etária e socioeconômica dos alunos, principalmente da EJA.
Por fim, considerando-se que progressivamente a educação de
jovens e adultos vem se consolidando como campo de reflexões
sistematizadas, espera-se que o trabalho possa contribuir para a discussão
de propostas e para outras análises objetivando o incentivo à produção de
mais pesquisas sobre um universo que se apresenta como multidimensional
sobre a educação para jovens e adultos.
146
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149
A Tomada de Consciência na
Educação de Jovens e Adultos
Cláudia Regina Targa Miranda
20
Emerson da Silva dos Santos
21
José Carlos Miguel
22
Introdução
A desigualdade social no Brasil se apresenta de várias formas, e uma
das maneiras que ela pode ser percebida é por meio do analfabetismo entre
a população adulta. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada em 15 de julho de 2020, o Brasil
tem 11 milhões de analfabetos absolutos, ou seja, sujeitos com idade de 15
anos ou mais que não são capazes de ler e escrever nem ao menos um
bilhete simples. Tão grave quanto isso é a constatação de que o país tem
cerca de 38 milhões de analfabetos funcionais, ou seja, conseguem ler e
escrever um pequeno texto, mas não conseguem interpretá-lo
adequadamente e nem resolver problemas envolvendo operações
aritméticas elementares.
20
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP, Câmpus de
Marília. Professora Efetiva Concursada da Rede Estadual de Educação do Estado de São Paulo.
Docente Tutora do Centro Universitário Eurípedes de Marilia, UNIVEM.
21
Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP, Câmpus
de Marília. Professor de Matemática do Colégio Esquema Único, Marília.
22
Livre-Docente em Educação Matemática. Professor Associado vinculado ao Departamento de
Didática e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP, Câmpus de Marília.
150
Ainda de acordo com os dados da Agência Brasil de Notícias, entre
os que têm 60 anos ou mais, as taxas de analfabetismo são 9,5% na região
Sul; 9,7% no Sudeste; 16,6% no Centro-Oeste; 25,5% no Norte; e 37,2%
no Nordeste. Conforme os dados da Pnad Contínua Educação do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, com dados do
segundo trimestre de 2019, a proporção daqueles que com 25 anos ou mais
que concluíram o ensino médio foi de 48,8% e que, o equivalente a 51,2%,
da população de 25 anos ou mais no Brasil não completaram a educação
escolar básica. A média de estudo do brasileiro é de 9,4 anos entre as
pessoas com 25 anos ou mais.
Por meio dessas informações percebemos que o investimento em
Educação de Jovens e Adultos no Brasil é algo ainda necessário de ser feito
em virtude da exclusão social que a falta de escolaridade adequada promove
em nossa sociedade. Isso pode ser visto por altos índices de desemprego
das pessoas de baixa escolaridade ou ainda por ocupação de subempregos
por essas pessoas que por algum motivo não conseguiram concluir seus
estudos na idade adequada de relação série e idade.
Desse modo, o objetivo desse estudo é analisar o alcance social e
político de um trabalho na Educação de Jovens e Adultos, EJA, visando a
tomada de consciência dos participantes dessa modalidade de ensino.
Apesar de ser muito discutida nos últimos tempos a implantação de
projetos voltados à Educação de Jovens e Adultos ainda apresenta
dificuldades, muitas dessas em decorrência da falta de políticas públicas
que possam atender esses estudantes que de alguma forma foram excluídos
do sistema regular de ensino. Igualmente se nota certo descaso com a
formação docente, inicial e continuada, para atuação nesta área de
conhecimento.
Primeiramente serão tratadas as diferenças entre a Consciência
Crítica e Consciência Ingênua com base nos escritos de Vieira Pinto (1960;
151
1994). Posteriormente como ocorre o processo da Tomada de Consciência
com base na teoria de Jean Piaget. Por fim, analisaremos a importância do
Diálogo na Tomada de Consciência do estudante da Educação de Jovens
e Adultos com base nos estudos de Freire (1987; 2008; 2009). A discussão
nesse artigo busca apresentar para o leitor a importância de um trabalho
pedagógico estruturado e organizado que busque a Tomada de
Consciência do Jovem ou do Adulto que participa dessa modalidade de
ensino. Partir da sua realidade com temas geradores que busquem ampliar
sua visão e compreensão da sociedade em que está inserido. Formar um
cidadão consciente e crítico é o papel fundamental da educação em um
país com grandes desigualdades sociais como o Brasil.
De uma Consciência Ingênua para uma Consciência Crítica
Analisando os números anteriormente apresentados percebe-se a
amplitude do desafio social e educacional, de promover a tomada de uma
consciência crítica na sociedade brasileira, já que uma parcela significativa
da população está sendo privada de permanecer nos ambientes escolares
tempo o suficiente para pelo menos aprender a ler e a escrever. Se de fato
a taxa de analfabetismo absoluto vem se reduzindo percentualmente nas
últimascadas, o que se deve mais a razões de natureza demográfica, com
o ingresso de contingente maior de sujeitos na escola, proporcionalmente
ao crescimento da população em geral, temos a estagnação do indicador de
analfabetismo absoluto acima dos 11 milhões, como já dito, além da
constatação de que se avançamos um pouco no combate à não
escolarização,
152
No entanto, numerosos indivíduos em nossa sociedade, devido a
motivos adversos de ordem social estrutural, não puderam superar essa
fase pré-operatória de elaboração do pensamento porque não
conseguiram sequer, pelos mesmos motivos, estruturá-las
satisfatoriamente. Presos ao mundo da “consciência ingênua”, são
incapazes de uma “percepção estrutural” da realidade objetiva
(BECKER, 2001 p. 104).
Conforme Cardoso (2015), desde a década de 1950, com as
mudanças da economia brasileira passando de agrária para industrial,
existia uma discussão sobre os limites e possibilidades de um processo de
desenvolvimento de uma consciência crítica e pública por meio de uma
ação educativa, pensamento, em geral, atrelado à perspectiva de
desenvolvimento nacional. Apesar do desenvolvimento urbano por meio
da industrialização ocorrida na época, acentuou-se as contradões na
sociedade brasileira, pois esse desenvolvimento não resultou na
substituição das relações patriarcais da sociedade rural, por outro tipo de
relação social nessa nova sociedade urbana.
O processo de desenvolvimento está, pois em função direta do
esclarecimento da consciência popular, ou seja, tem uma velocidade
proporcional ao número de indivíduos nos quais se efetua a
transmutação qualitativa que conduz do estado de consciência privada
ao de consciência pública (VIEIRA PINTO, 1960, p. 30).
Com a preocupação de uma transformação social por meio da ação
da própria massa trabalhadora, surge em 1952 o Instituto Superior de
Estudos Brasileiros (ISEB), conforme Cardoso (2015), um movimento
formado por intelectuais brasileiros que se reuniram para pensar o Brasil,
construindo e consolidando um instituto de pesquisa que pudesse a partir
153
de suas ideias, fornecer dados e informações ao governo, constituindo-se
como subsídio para formulação de políticas públicas.
Para Vieira Pinto (1960), esse movimento seria importante pois
permitiria que o brasileiro tomasse consciência de sua realidade, deixando
de ser um objeto da colonialidade, dando espaço ao sujeito nacional, por
meio da tomada de consciência do “ser brasileiro”. Nesse contexto, para o
autor o brasileiro até aquele momento teria uma consciência inautêntica,
ou seja, uma consciência ingênua, como aquela em que o sujeito não sabe
ou nega sua condição na sociedade:
Consciência ingênua é aquela que por motivos que cabe à análise do
filósofo examinar não inclui em sua representação da realidade
exterior e de si mesma compreensão das condições e determinantes que
a fazem pensar tal como pensa. Não inclui a referência ao mundo
objetivo como seu determinante fundamental. [...] A consciência
ingênua pode refletir sobre si, tomar-se a si mesma como objeto de sua
compreensão, porém não chega a uma autoconsciência. A simples
reflexão sobre si pode ser introspecção (VIEIRA PINTO, 1960, p. 21).
De acordo com Cardoso (2015), é necessário rompermos essa
consciência innua, e construirmos uma consciência ctica por meio de
uma autoconsciência, em que o sujeito é capaz de ter clareza dos fatos e
das condições que determinam a sua condição na sociedade. Como no caso
do analfabetismo e todas as consequências sociais que isso pode acarretar
na vida da pessoa. Assim sendo, a autoconsciência é uma consciência
justificativa do próprio sujeito, percebendo sua relação com o mundo,
compreendendo as condições históricas e sociais de sua realidade.
154
A consciência crítica, quando reflete sobre si (sobre seu conteúdo),
torna-se verdadeiramente autoconsciência, não pelo simples fato de
chegar a ser objeto para si, e sim pelo fato de perceber seu conteúdo
acompanhado de representação de seus determinantes objetivos. Estes
pertencem ao mundo real, matéria, histórico, social, nacional, no qual
se encontra (VIEIRA PINTO, 1994, p. 60).
Nessa perspectiva, a Educação de Jovens e Adultos no que se refere
à essa construção de uma consciência crítica não é um ato neutro e sim um
processo construído por intencionalidades. A educação para esse segmento
deve ser pensada a partir da concepção prévia da sociedade, da realidade e
da cultura que envolve esse estudante, bem como suas concepções sobre
esses pontos que afetam sua vida cotidiana.
Como iniciarmos, por exemplo, uma discussão sobre relações de
trabalho sem conhecer a realidade profissional desse estudante. Outra
situação, seria discutirmos questões de saneamento básico sem sabermos a
realidade do bairro em que esse estudante mora. Ou mesmo promover um
debate sobre temas religiosos sem compreender como o estudante se
relaciona socialmente em uma igreja. Essa preocupação se faz necessária,
pois o estudante de EJA, é um sujeito excluído socialmente, posto que nem
o acesso à educação básica lhe foi garantido. Mas promover essa
consciência não é um processo simples, pois muitas vezes o próprio sujeito
não tem clareza dessa sua exclusão social.
De acordo com Vieira Pinto (1994), “a educação é o processo pelo
qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus
interesses”. Assim sendo, o sujeito analfabeto faz parte do interesse do
sistema social dominante; nesse contexto o educador deve ter clareza de
que essa condição social de seu estudante é vista como algo normal e
natural, não tendo a consciência de que seu analfabetismo foi fruto de um
155
processo de exclusão de oportunidades que lhe foram tiradas ao longo de
sua vida. Logo, como a pessoa humana constrói sua existência em uma
sociedade, esta terá um papel determinante em sua formação. Essa relação
deve estar clara na mente e no planejamento do educador de EJA conforme
Ribeiro (2008, p. 54):
Na tradição pedagógica da educação de adultos conta-se com um
importante acúmulo no que se refere à valorização das aprendizagens
atitudinais, principalmente pela influência do paradigma da educação
popular e da obra de Paulo Freire em especial. Numa perspectiva
político-filosófica, Freire enfatizou a importância de se associar o
aprendizado da leitura e da escrita com a revisão profunda nos modos
de conceber o mundo e nas disposições dos jovens e adultos para tomar
nas mãos o próprio destino, sintetizando tais princípios em categorias
tais como: conscientização e emancipação.
A constituição desses processos, de conscientização e emancipação,
exige, mais do que acesso à cultura letrada, transformações profundas nas
mentalidades dos sujeitos, particularmente no sentido de autoestima,
autoconfiança e ampliação do alcance da visão de mundo, conforme a
autora. Ensinar e aprender na EJA implica, portanto, em produzir sentidos
de aprendizagem e negociar significados de saberes haja vista que “não há
docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das
diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do
outro” (FREIRE, 2009, p. 23).
Desse modo, de acordo com Cardoso (2015), a construção da
pessoa humana se realiza de forma dinâmica e por meio de sua complexa
relação com a sociedade. Vale ressaltar que a educação e o ato educativo
não acontecem na transmissão de conteúdo por meio de uma disciplina.
156
Segundo Vieira Pinto (1994), fazem parte do processo educativo, o
educador, o estudante, as condições sociais dos sujeitos, o local e as
condições da realidade onde a escola está inserida, bem como o acesso ao
material didático.
Para Vieira Pinto (1994), elaborar um planejamento educativo
pautado na consciência ingênua é algo nocivo, pois isso leva a conclusões
equivocadas, produzindo ações e juízos que não coincidem com a essência
da realidade, pois foram construídas em percepções falsas. Nesse contexto,
pode-se até acreditar em soluções rápidas que no fim se tornam uma fonte
de equívocos, desperdícios de recursos e frustrações.
Pautar o processo educativo na consciência innua, sendo crianças
ou adultos, é ver o sujeito desse processo como “ignorantes”. Pessoas que
terão dificuldade em aprender ou até que não serão capazes de aprender
algo. Coincidentemente esse conceito arraigado de “ser ignorante” está
atrelado a classe social, ou seja, os sujeitos das classes populares. Esse tipo
de visão educacional, só permite que se mantenha as estruturas vigentes, já
que os sujeitos não conseguem perceber que essa realidade pode ser
modificada.
O educador tem um papel fundamental na construção da
consciência crítica do educando, pois ao perceber o caráter social desse
processo educativo e pedagógico, ele poderá realizar um movimento
transformador a partir da realidade em que vive o sujeito. O educando
passa ser o sujeito no processo de construção de seu próprio conhecimento,
ou seja, sujeito da própria aprendizagem. Para isso o educador deve ter
uma consciência crítica avançada sobre o seu papel social nesse processo
educativo e pedagógico.
De acordo com Vieira Pinto (1994), o educador não pode se omitir
em tomar consciência de sua condição profissional, pois para obter êxito
157
em sua prática docente deverá ter clareza de todas as influências históricas
e sociais que seu trabalho estará sujeito.
Trata-se de pensar uma ação educativa que se propõe a mudanças
relativamente aos seus significados, seja os relativos ao desenvolvimento de
capacidades para a resolução de problemas do cotidiano, de natureza
instrumental, seja os que se voltam aos valores, ideais e sentimentos,
voltados à dignificação da condição humana e à elaboração de esquemas
interpretativos de natureza inclusiva, buscando agir com vistas à
transformação da realidade.
A Ação na Tomada de Conscncia, segundo Piaget
Como criticado há muito tempo por Paulo Freire, o formato de
educação bancária de nada favorece para a construção do conhecimento
do estudante e muito menos para a sua tomada de consciência, já que esse
método está mais preocupado com a memorização mecânica de conceitos
prontos do que compreendê-los em um contexto conectado com a
realidade do sujeito, visando a sua transformação.
Para isso o educador deve em sua prática em sala de aula preocupar-
se em elaborar atividades que estejam baseadas em metodologias ativas em
que o estudante se torna sujeito na construção de seu próprio
conhecimento. Conforme Becker (2001), numa pedagogia freireana, ou
construtivista “o conhecimento se por um processo de interação radical
entre sujeito e objeto, entre indivíduo e sociedade, entre organismo e
meio”.
158
Essa radicalidade manifesta-se da seguinte maneira: o sujeito
progressivamente se torna objeto, se faz objeto e é exatamente nessa
medida que ele se subjetiva, é nessa precisa medida que ele constrói o
mundo, que ele transforma o mundo, que ele se faz sujeito. Essa
medida depende estritamente das possibilidades que o meio social lhe
dá, que o meio social lhe proporciona (BECKER, 2001, p. 36).
De acordo com Becker (2001), na teoria de Piaget, a função da
ação é a de superar a dicotomia sujeito-objeto; assim sendo, a compreensão
surgirá da construção das estruturas de assimilação, e não por infindáveis
repetições. Essas estruturas de assimilão são construídas por abstração
reflexionante. Vale lembrar que abstração empírica é o agir sobre as coisas
e retirar algo ou, agir sobre as próprias ações e retirar algo dessas ações, nas
suas características materiais observáveis. O sujeito retira dos objetos
propriedades que estão neles evidentes, tais como a cor ou o tamanho, o
que não exige a construção de um sistema de relações mais elaborado.
A característica da abstrão reflexionante é que o sujeito tendo
agido sobre o meio, sobre os objetos, sobre as relações sociais, agora vai
debruçar-se sobre essas ações, e retirar qualidades, não mais desses objetos
ou meios, mas agora vai retirar essas qualidades da coordenação dessas
ações, ou seja para Piaget, interessa as ações sobre essas ações práticas, ou
seja, as estruturas serão constituídas por meio das ações sobre a
coordenação das ações, as ações de segunda potência.
A explicação da origem da lógica e da matemática, que fundamenta
todo trabalho humano, toda percepção humana, todo conhecimento
humano, no plano do senso comum ou no da ciência, reside nessa
explicação. [...] de onde vem o conhecimento matemático? De onde
vem a capacidade organizadora do conhecimento humano que o
distingue? Provêm, precisamente, da capacidade de retirar, por
159
abstração reflexionante, as qualidades da coordenação de suas ações; e
isso não é observável; é campo de compreensão e não observação. Não
se observa isso, compreende-se isso (BECKER, 2001, p. 38).
Assim sendo, conforme Becker (2001), “na teoria piagetiana, o
sujeito, após um conjunto de ações qualquer, dobra-se sobre si mesmo e
apreende os mecanismos dessa ação própria. Tomada de consciência é,
pois, apreensão dos mecanismos da própria ação”.
Para o trabalho pedagógico na EJA, a teoria de Piaget contribui
para essa tomada de consciência, pois o sujeito pode agir sobre o meio,
objeto, conteúdos, suas próprias ações, interagindo com os demais sujeitos
e ao fazer tudo isso volta-se para si mesmo, para apreender o que fez e os
mecanismos do seu fazer. Logo se a prática educativa não permite que o
estudante proceda às reestruturações das estruturas existentes ou ainda
possibilitar a criação de novas estruturas, esse processo de tomada de
consciência não avançará.
Isso ocorre pois, conforme Becker (2001), a tomada de consciência
implica em ação praticada, sem essa ação não é possível a tomada de
consciência, mas vale ressaltar que só com aão, também não é possível a
tomada de consciência. Assim sendo, a tomada de consciência, de acordo
com Becker (2001), é uma ação de segunda potência com relação à
coordenação das ações sobre a qual ela se dá, ou seja, ela só poderá ocorrer
a partir de ações praticadas anteriormente, não importando o nível.
Nesse contexto a sala de aula deve ser um espaço de construção
coletiva, de diálogo, reflexões, um espaço de interação. Não é possível
pensar na construção do conhecimento e muito menos em tomada de
consciência em uma sala de aula onde o monólogo e a falta de diálogo
estejam presentes.
160
Uma sala de aula que busque a tomada de consciência de seus
estudantes necessariamente será um espaço onde a proposta é construída
com os estudantes, por meio de sugestões e as propostas seo viabilizadas
de maneira coletiva. Essa construção sealcançada por meio das ações
entre professor-estudante, estudante-professor e estudante-estudante.
Se não houver a condição de possibilidade da ação, que não é o
professor nem o aluno e que é o elemento mediador como diz Paulo
Freire: a relação professor-aluno se dá mediada pelo mundo o aluno
(e também o professor) ficará obstruído no seu desenvolvimento,
inviabilizando sua aprendizagem (BECKER, 2001, p. 41).
Sendo assim, não ocorrendo uma ação de primeira potência que se
dará por meio das interações e relações mediadas, pelos sujeitos, pelo meio,
pelo conteúdo, pela realidade ou pelos problemas que a sociedade es
vivendo ou pelo mundo, não ocorrerá a ação de segunda potência que
permitirá a tomada de consciência.
A tomada de consciência significa que o sujeito possa se apropriar
dos mecanismos da própria ação, ou seja, o avanço do sujeito na direção
do objeto, permitindo que ele possa avançar no sentido de apreender o
mundo, de construir o mundo, de transformar o mundo. Numa escola essa
transformação se dará por meio de relações que possam fluir, pois se nos
ambientes escolares se estratificarem relações hierarquizadas, nada poderá
ocorrer no rumo de uma construção de uma nova realidade.
De fato, o educador de jovens e adultos não ensina apenas
conteúdos, ele forma indivíduos. Para muito além de mero processo
intersubjetivo, as relações estabelecidas nas salas de aula constituem uma
ampla rede de valores sociais que são intencionalmente construídas,
podendo se estabelecer tanto como fonte de autonomia, independência,
161
tomada de consciência e respeito pela condição humana quanto podem
levar a processos heterônomos, à alienação, à dependência, à dominação e
à subserviência.
O Diálogo na Tomada de Consciência por Freire
Segundo Paulo Freire, a forma de educação predominante no
Brasil gera um conformismo social, ou seja, o modelo brasileiro de
educação, de forma geral, não leva o aluno à reflexão e problematização da
realidade tal como deveria, configurando uma educação conteudista. De
acordo com o autor as elites dominantes, seja a detentora de poder
econômico, a de poder político e, em muitos casos, a detentora de
conhecimento, por cooptação, não tem o interesse em formar um
indivíduo pensante e sim um indivíduo alienado. A alienação
Se caracteriza pela atribuição de “naturalidade” aos fatos sociais; esta
inversão do humano, do social, do histórico, como manifestação da
natureza, faz com que todo conhecimento seja avaliado em termos de
verdadeiro ou falso e de universal; neste processo a “consciência” é
reificada, negando-se como processo, ou seja, mantendo a alienação em
relação ao que ele é como pessoa e, consequentemente, ao que ele é
socialmente (LANE, 1994, p. 42).
No Brasil, a educação surge com a chegada dos jesuítas,
praticando-a com o intuito de controle e domesticação dos índios que
eram considerados selvagens. Nesse sentido, é notório que se tenha aqui
um sistema vertical de educação, com carteiras enfileiradas, a inscrição ao
levantar a mão para ter sua vez de falar, sem falar nas punições, como as
162
notas vermelhas ou até mesmo ocorrências e advertências, por vezes,
injustas e autoritariamente impostas. Sendo assim, fica evidente o papel da
educação como controle. Mesmo após séculos, este modelo educacional
ainda existe, e, por meio de tal modelo crianças se tornam adultos
hetenomos cuja finalidade de vida é contribuir para reprodução dos
valores sociais vigentes sem a devida contestação.
De acordo com Hobsbawm (1979 nenhum ser humano foi
projetado para o sistema capitalista, no entanto isso se concretiza na escola.
É por meio dela, a maior fonte de ideologia e que está a favor da classe
burguesa, que se formam proletários a serviço da ordem estabelecida, sendo
que deste modo os empregadores têm se apropriado da consciência
ingênua dos trabalhadores, os tornando alienados.
Não se pode desconsiderar que as escolas exercem um papel
fundamental na emancipação dos sujeitos sociais; no entanto, ainda são
usadas para difundir alienação devido à manipulação ideológica articulada
pelo controle institucional da organização e desenvolvimento dos
programas de ensino.
Nesse sentido, Apple (2008) enfatiza o fato de o capital se ver
obrigado, à medida que as sociedades humanas se desenvolvem, a
concessões de níveis maiores de escolaridade aos trabalhadores para a
viabilização de dispositivos para superação ou minimização dos conflitos
sociais provocados pela luta de classes. Crítico da concepção economicista
da educação, o autor se revela sarcástico, mas objetivo, ao analisar as
relações entre ideologia e currículo, nos alertando para o fato de que em
uma sociedade marcada pela desigualdade,
163
[....] as considerações sobre a justiça da vida social são progressivamente
despolitizadas e transformadas em problemas supostamente neutros
que podem ser resolvidos pela acumulação de fatos empíricos neutros,
os quais, quando reinseridos em instituições neutras como as escolas,
poderão ser orientados pela instrumentação neutra dos educadores
(Apple, 2008, p. 42, grifo do autor).
Tais instituições, em geral, regulam o comportamento do
indiduo por serem de ordem social e estarem inseridas na sociedade. Elas
têm, portanto, uma importante função e visam a ordenação das interações
sociais e suas formas organizacionais, além disso, as escolas são constituídas
de regras e normas que devem ser seguidas. Não se pode duvidar, que elas
determinam padrões de comportamentos e costumes da sociedade. São,
portanto, instrumentos de poder e de formação da subjetividade, daí a
necessidade de práticas educativas serem voltadas ao processo de tomada
de consciência e que busca o diálogo, em todos os níveis, mas
principalmente no pedagógico na EJA.
Desta forma o indivíduo toma consciência quando compreende
que pertence a uma classe social. Sendo assim, a consciência de classe se
adquire ao pertencer a um grupo proporcionando o desencadear da
consciência de si e também socialmente. Contudo, quando há um sujeito
consciente em meio a muitos alienados, fica impedido de qualquer tipo de
ação que possa ser transformadora e isso pode causar danos no constructo
psíquico dessa pessoa. O ato reflexivo é que trará avanço necessário no agir
das pessoas enquanto grupo e/ou sociedade, e esse processo seria a
conscientização. Caso não haja essa reflexão, o grupo terá sempre uma
resposta pronta tida como verdade absoluta e haverá a reprodução de uma
ideologia que continua mantendo a alienação do indivíduo. Na esteira de
Leme “O que ocorre com um indivíduo consciente em um grupo alienado?
164
Ou seja, as contradições sociais estão claras, mas ele é impedido, a nível
grupal, de qualquer ação transformadora” (LANE, 1984, p. 42).
Vale ressaltar que Freire (1987) era um pedagogo de filiação teórica
marxista, ou seja, acreditava nesta perspectiva de pensamento como forma
de organização das classes populares para superação do instrumental que
sustenta a opressão e submissão. Além disso, aplicava-as no contexto
educacional, a qual obtinha um opressor e um oprimido, e o ensino nessa
forma acaba por gerar um processo de desumanização causada pelo
opressor aos seus oprimidos. Para ele, a educação deveria ser um meio
revolucionário onde o oprimido consiga fazer uma transformação social
saindo do patamar de oprimido, mas não acabando com o opressor e sim
criando uma conscientização onde o mesmo consiga sair dessa condição.
Ao revolucionário cabe libertar e libertar-se com o povo, não o
conquistar. As elites dominadoras, na sua atuação política, são
eficientes no uso da concepção “bancária” (em que a conquista é um
dos instrumentos) porque, na medida em que esta desenvolve uma ação
apassivadora, coincide com o estado de “imersão” da consciência
oprimida. Aproveitando esta “imersão” da consciência oprimida, estas
elites vão transformando-a naquela “vasilha” de que falamos, e pondo
nela slogans que a fazem mais temerosa ainda da liberdade (FREIRE,
1987, p. 53).
Paulo Freire afirma que o oprimido passa a acreditar que não
consegue viver sem a relação com o opressor. A partir disso, surge a
contradição opressor-oprimido, onde há a inversão de pais, já que a
revolução no campo da opressão, por buscar mudanças daqueles que
dominam, geram novos oprimidos. Para que haja a superação desse
fenômeno Freire (1987) pontua que “É preciso que eles se convençam de
que esta luta exige deles, a partir do momento em que a aceitam, a sua
165
responsabilidade total. Freire argumenta sobre a liberdade adjunta da
autonomia, ou seja, “liberdade para criar e construir, para admirar e
aventurar-se”. Segundo ele é por meio da liberdade que o indivíduo se
torna ativo e responsável, ou será apenas como “escravo nem uma peça
bem alimentada da máquina” (FREIRE, 1987, p. 35).
O autor Paulo Freire (1987) contraria a ideia da esquerda radical,
a qual se pauta na derrubada da burguesia por meio de uma revolução. Isso
se dá pelo fato de que ao fazer essa mudança de maneira radical o oprimido
passa para o papel de opressor e apenas ocorrerá uma inversão de papéis e
não a superação dos mesmos.
Evidencia-se que a educação, por meio da dialogicidade, pode
exercer o conceito de liberdade para os oprimidos e opressores. A ideia da
libertação do estado de opressão é uma ação social conjunta e não uma
guerra como a esquerda radical acreditava. Nesse sentido, Paulo Freire
argumenta a respeito do diálogo:
Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro
em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao
mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um
ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-
se simples troca das ideias a serem consumidas pelos permutantes. Não
é também discussão guerreira, polêmica, entre sujeitos que não aspiram
a comprometer-se com a pronúncia do mundo, nem com buscar a
verdade, mas com impor a sua. Porque é encontro de homens que
pronunciam o mundo, não deve ser doação do pronunciar de uns a
outros. É um ato de criação. Daí que não possa ser manhoso
instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro.
A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos
dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a
libertação dos homens (FREIRE, 1987, p. 51).
166
O homem é um ser social e, devido a isso a consciência da
transformação deve acontecer em sociedade. Então, a educação acaba por
entender que os opressores e oprimidos devem sair desse patamar, para que
ambos possam viver em um meio social mais justo e digno, isso deve
ocorrer por meio de um trabalho em conjunto.
A educação ainda é reprodutora de desigualdades e preconceitos,
visto que é planejada por quem detém o poder a fim de que possam
controlar as massas e, assim, perde-se a essência da principal fuão da
educação, ser a mola propulsora para a transformação. Entretanto ela é
engessada pelos governantes vinculados à burguesia, que não tem interesse
em criar pessoas pensantes e problematizadoras, nesse sentido a educação
perde sua humanização e é taxada como bancária. O diálogo é importante
para o processo de humanização, ajudando as massas a entenderem o
mundo e como lidar com ele. Paulo Freire (1987, p. 84) afirma que a
pedagogia deve ser problematizadora e não bancária, além de como o
diálogo induz a liberdade do ser:
O diálogo, como encontro dos homens para a “pronúncia” do mundo,
é uma condição fundamental para a sua real humanização. Se “uma
ação livre somente o é na medida em que o homem transforma seu
mundo e a si mesmo, se uma condição positiva para a liberdade é o
despertar das possibilidades criadoras humanas, se a luta por uma
sociedade livre não o é a menos que, através dela, seja criado um sempre
maior grau de liberdade individual”, se há de reconhecer ao processe
revolucionário o seu caráter eminentemente pedagógico. De uma
pedagogia problematizante e não de uma “pedagogia” dos “depósitos”,
"bancária”. Por isto é que o caminho da revolução é o da abertura às
massas populares, não o do fechamento a elas. É o da convivência com
elas, não o da desconfiança delas. E, quanto mais a revolução exija a
sua teoria, como salienta Lênin, mais sua liderança tem de estar com as
167
massas, para que possa estar contra o poder opressor (FREIRE, 1987,
p. 84).
Sobre esse prisma, a educação bancária é um dos instrumentos de
opressão e por isso o professor precisa conscientizar o aluno quanto a seu
papel social, e fa-lo entender que ele próprio tem papel de agente
transformador da sociedade além de opressor não podendo ser
reprodutor de uma educação estática e sim uma educação
problematizadora.
Diante do exposto, é notório que a educação seja trocas de
experiências entre professor e aluno, e, por meio dessa troca, seja capaz de
revolucionar a sociedade. Ensinar a pensar e a problematizar sobre a sua
realidade é a forma correta de se promover conhecimento, pois é a partir
daí que o educando terá a capacidade de compreender-se como um ser
social. Uma vez que, conhecendo sua realidade na sociedade ele jamais se
curvará para a condição de oprimido, ao contrário, buscará por igualdade.
O professor também deve ser conscientizado de seu papel como
educador para não ser um reprodutor do sistema dominante cujo interesse
é transformar o aluno em um mero receptáculo de informação, como se o
aluno não fosse capaz de produzir conhecimento. Isso é possível de ocorrer
pelo fato de que o sistema educacional, além de impor conteúdos prontos
não reconhece os tipos de inteligências que um indivíduo pode possuir e
acaba utilizando um meio de avaliação muitas vezes que exige somente a
memorização de conceitos e não sua compreensão de forma
contextualizada. Segundo Howard Gardner (1995), existe um senso
comum na sociedade que compactua a ideia de inteligência apenas em dois
tipos de habilidade cognitiva: a linguística e a lógica. Em seu livro
Inteligências Múltiplas, Gardner ressignifica a palavra inteligência para a
168
capacidade de traçar caminhos até um objetivo e proporciona critérios para
classificar outros tipos de inteligência, além da linguística e da lógica.
Tomei a decisão de escrever a respeito de “inteligências múltiplas”:
“múltiplas” para enfatizar um número desconhecido de capacidades
humanas diferenciadas [...]; “inteligências” para salientar que estas
capacidades eram tão fundamentais quanto àquelas historicamente
capturadas pelos testes de QI (GARDNER, 1995, p. 3).
Tomando por base a pesquisa de Gardner (1995), um fato que
pode ser observado no sistema educacional é uma falha no processo
educativo o qual não auxilia de maneira satisfatória e plena a construção
do conhecimento dos estudantes, muito menos os auxilia na tomada de
consciência por meio de práticas educativas que estimulem a reflexão e o
diálogo crítico sobre os fatos e a realidade no qual estão inseridos.
Finalmente, nosso mundo está cheio de problemas; para termos a
chance de resolvê-los, precisamos utilizar da melhor forma possível as
inteligências que possuímos. Talvez um primeiro passo importante seja
o de reconhecer a pluralidade das inteligências e as muitas maneiras
pelas quais os seres humanos podem apresentá-las (GARDNER, 1995,
p. 36).
Diante disso, o professor deve caminhar junto com o aluno, primar
pelo diálogo, e democraticamente, mostrar que a sociedade, um encontro
entre humanos, deve ser emancipadora e a educação tem um papel especial
nesse processo de conscientização dos cidadãos. A educação
problematizadora, concebe a consciência como condição para a
humanização, proporciona a troca recíproca entre o educador e educando,
169
com o intuito de transformar a sociedade, e por meio do diálogo cria
possibilidades comunicativas para que haja o entendimento de que o
homem é o agente de transformação da sociedade a fim de melhorá-la, e
que ainda possa ajudar na superação da dicotomia de oprimido e opressor.
Como impasse há a teoria da ação antidialógica, a qual divide as
formas de opressão para assim serem facilmente dirigidas e manipuladas,
preferindo se dividir para manter a opressão. Essa divisão ocorre, segundo
Freire (1987), com: a) conquista, método pelo qual o opressor impõe sua
cultura de opressor; b) divisão de massas para manter a opressão, para que
não haja união entre elas e fique mais fácil de dominá-las; c) manipulação,
os opressores controlam e conquistam as massas oprimidas, para que
consigam a partir disso realizar seus objetivos; e d) invasão cultural,
instrumento de conquista opressora, a minoria dominante impõe sua visão
de mundo a todos que se guiam por eles.
Por outro lado, há a teoria da ação dialógica, ou seja, o que o
oprimido pode fazer para combater o cenário anterior, sendo ela pautada
pela: a) colaboração, entender o outro como outro e respeitar sua
culturalidade; b) união, unir a massa oprimida para ter seu papel de
representante na sociedade, para manter o povo unido juntos nessa luta
pela transformação social; c) organização, é um aporte da união das massas,
mas também é um sinal de liberdade para os oprimidos; e d) síntese
cultural, se fundamenta na compreensão e confirmação da dialeticidade
permanência-mudança que compõe a estrutura social.
Em face disso, fica clara a importância do homem como um ser
pensante do mundo e como a educação por meio do diálogo ajuda na
tomada de consciência do mesmo. O homem, portanto, deve ser pensante
e ao mesmo tempo agente, para que possa mudar o sistema opressor-
oprimido que rege o país.
170
Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos, esperamos que
permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação
de um mundo em que seja menos difícil amar (FREIRE, 1987, p. 115).
No caso da Educação de Jovens e Adultos esse diálogo é
fundamental, pois o professor precisará conhecer muito bem a realidade
de seu estudante para propor um trabalho pedagógico que visem alfabetizá-
lo e conscientizá-lo por meio de palavras geradoras, em que essas palavras
exprimem diretamente a realidade de cada educando. Isso só pode ser
alcaada por meio de uma educação participativa, livre e crítica oferecida
aos educandos.
A mediação pedagógica no processo de tomada de consciência:
implicações da teoria histórico-cultural para a EJA
O conceito de consciência assume com Vygotsky, pelo
desdobramento por ele proposto em três de seus fundamentos basilares, o
que se logrou denominar de enfoque histórico-cultural do
desenvolvimento do psiquismo. Ao tratar do processo de tomada de
consciência da realidade externa e interna, do atributo de conteúdos e
processos psicológicos e do sistema psicológico, propriamente dito, como
acepções dialeticamente articuladas, fundou-se uma nova dimensão da
Psicologia, articulando neurologia, ética e ontologia. E colocou o suposto
objetivismo da reflexologia em xeque, evidenciando o introspeccionismo
subjetivista, de matriz sociointeracionista e cultural, de forma tal que a
Psicologia, como ciência, assume conotões político-ideológicas e,
inclusive, perspectiva experimental, para aplicações de natureza social.
171
Luria, ao escrever a apresentação da obra A Formação Social da
Mente”, de Vygotsky (1991, p. 10-11), explicita elementos fundantes
desse movimento:
[...] mudanças históricas na sociedade e na vida material produzem
mudanças na “natureza humana” (consciência e comportamento).
Embora essa proposta geral tivesse sido repetida por outros, Vygotsky
foi o primeiro a tentar correlacioná-la a questões psicológicas concretas.
Nesse seu esforço, elaborou de forma criativa as concepções de Engels
sobre o trabalho humano e o uso de instrumentos como os meios pelos
quais o homem transforma a natureza e, ao fazê-lo, transforma a si
mesmo.
Como discutimos ao longo desse texto, outros autores, como
Piaget, por exemplo, não descartaram a influência dos fatores
socioculturais na aprendizagem e no desenvolvimento, mas não
exploraram muito esses aspectos porque não se ocuparam da construção
de uma proposta educativa, ao contrário de Vygotsky e seguidores. De
igual modo, justo afirmar que já no início dos anos de 1980, ao retornar
do exílio, o principal teórico da educação brasileira, Paulo Freire, ao qual
se deve vasta produção bibliográfica nesse diapasão, já se reportava à
necessidade de incorporação de teses do pensamento construtivista,
citando expressamente Emília Ferreiro, bem como da teoria histórico-
cultural, para a fundamentação do processo de educação das camadas
populares, prenunciando as bases da gestão da educação popular em várias
instâncias da administração pública .
Isso posto, o fundamento básico da tomada de consciência é o
aprendizado; à medida que aprende o sujeito se desenvolve. E não aprende
em qualquer situação, mas em uma dimensão de aprendizagem de caráter
172
eminentemente sociopolítico, em um processo amplo de interação entre as
pessoas, impondo a produção de sentidos de aprendizagem e a negociação
de significados da ciência. Os homens aprendem em comunhão,
mediatizados pelo mundo, definiu Paulo Freire, corolário que também faz
eco na perspectiva teórica histórico-cultural.
No caso dos jovens e adultos da EJA, a bagagem cultural que
trazem para a escola é ampla e começa a se desenvolver muito antes de sua
inserção no processo de escolarização. Por isso, a noção de “currículo
oculto”, desenvolvida na base teórico-epistemológica da pedagogia
libertadora de Paulo Freire, não pode ser negligenciada pelos professores
enquanto intelectuais transformadores que devem ser, em especial, se
defendem que educam para a tomada de consciência.
Ao discutir a função social do trabalho dos professores, Giroux
(1997) ensina que eles precisam conceber as escolas como locais
econômicos, culturais e sociais, como instituições umbilicalmente
relacionadas ao poder e ao controle, em função dos componentes políticos
e ideológicos estruturantes da natureza do discurso, das relações sociais em
sala de aula e dos valores que professam na atividade de ensino. Por isso,
escreve:
[...] Tornar o pedagógico mais político significa inserir a escolarização
diretamente na esfera política, argumentando-se que as escolas
representam tanto um esforço para definir-se o significado quanto uma
luta em torno das relações de poder. Dentro desta perspectiva, a
reflexão e ação críticas tornam-se parte do projeto social fundamental
de ajudar os estudantes a desenvolverem uma fé profunda e duradoura
na luta para superar injustiças econômicas, políticas e sociais, e
humanizarem-se ainda mais como parte desta luta. Neste caso, o
conhecimento e o poder estão inextrincavelmente ligados à
pressuposição de que optar pela vida, reconhecer a necessidade de
173
aperfeiçoar seu caráter democrático e qualitativo para todas as pessoas,
significa compreender as precondições necessárias para lutar-se por
elas. Tornar o político mais pedagógico significa utilizar formas de
pedagogia que incorporem interesses políticos que tenham natureza
emancipadora; isto é, utilizar formas de pedagogia que tratem os
estudantes como agentes críticos; tornar o conhecimento
problemático; utilizar o diálogo crítico e afirmativo; e argumentar em
prol de um mundo qualitativamente melhor para todas as pessoas. Em
parte, isto sugere que os intelectuais transformadores assumam
seriamente a necessidade de dar aos estudantes voz ativa em suas
experiências de aprendizagem. Também significa desenvolver uma
linguagem crítica que esteja atenta aos problemas experimentados em
nível da experncia cotidiana, particularmente enquanto relacionados
com as experncias pedagógicas ligadas à prática de sala em aula
(GIROUX, 1997, p. 161-162, grifos nossos).
A citação é longa, mas necessária, por evidenciar a dimensão do
papel social, pedagógico e potico da atuação docente, particularmente na
EJA. Assim, conhecer previamente os alunos, suas histórias de vida e
identidade cultural, é essencial para a organização do trabalho,
possibilitando a mediação pedagógica a partir da consideração dos níveis
de desenvolvimento cultural dos educandos.
Vygotsky (1991) definiu a zona de desenvolvimento proximal em
termos da distância ou diferença entre o desenvolvimento real, o qual se
verifica pela capacidade de resolução de problemas de forma independente,
e o nível de desenvolvimento potencial ou proximal, o que se constata pela
resolução de situações-problema que o sujeito consegue resolver com
auxílio de companheiros mais capazes. Considerar esses níveis ou zonas de
desenvolvimento é decisivo para a ação docente porquanto o nível de
desenvolvimento proximal já envolve aspectos bem encaminhados de
relações, noções e conceitos. Ao galgar a realização de tarefas de forma
174
independente, supera-se dialeticamente, por incorporação, o
conhecimento anterior, desenvolvendo-se nova instância de
desenvolvimento real, o conhecimento novo.
A mediação é fundamental para a tomada de consciência porque é
a base do processo de ensino e de aprendizagem, um instrumento para uma
exposição não determinista, na qual os mediadores servem como meios
pelos quais o sujeito age sobre fatores sociais, culturais e históricos, além
de receber a influência deles. Considere-se, então, que os meios de
mediação são os signos e os instrumentos, mas que, a rigor, não há
diferença entre os elementos mediadores, haja vista que também os
instrumentos podem ser considerados um signo, porquanto têm uma
representação, uma carga ideológica, tais como as memórias, lembranças e
outras formas de registro mental ou simbólico.
Daí, o mediador deve ser considerado aquele, ou aquilo, que ajuda
o aluno a galgar um nível de desenvolvimento que ele ainda não consegue
atingir de maneira isolada. Pode ser o professor, um colega, um
instrumento didático, um signo ou uma situação significativa para ele, o
que estabelece a imposição de ambiente de interação entre os sujeitos e
destes com as coisas e situações postas no mundo.
Se não podemos desconsiderar, no contexto da sociedade
capitalista na qual vivemos, a imperiosidade de os educandos da EJA
compreenderem as relações entre escola, trabalho e sociedade, seja como
elemento de sua formação, seja como condição de sobrevivência, havemos
também de pensar uma formação que permita aos sujeitos refletir,
discernir, compreender e transcender ao imediatamente sensível, sendo
capaz de generalização dos conceitos para situações de natureza
extraescolares, no contexto do desenvolvimento omnilateral.
175
Impõe-se, então, um processo de educação de jovens e adultos que
se volte para a formação humana em todos os sentidos, cuidadosa com os
conteúdos por ela ensinados e com a forma de sua difusão. A apropriação
de conceitos científicos, elaborados a partir de contextualização,
historicização e enredamento, ou seja, tendo em conta a sua pertinência
social, a relação com os fatos e fenômenos que os condicionam, bem como
a sua evolução histórica, para além da dimensão prático-utilitária que lhe
é inerente, é o que garante a sua apropriação significativa, ampliando o seu
potencial formativo, necessário à compreensão dos conflitos, necessidades
e embates sociais postos no cotidiano de sua atuação como sujeito.
Assim, o conceito de mediação posto no contexto da teoria
histórico-cultural sustenta o desenvolvimento da aprendizagem dos
educandos de forma que os conceitos científicos, à medida que superam,
por incorporação, os conceitos espontâneos do “currículo oculto”, se
constituíram a partir da transformação dos últimos em instrumentos do
pensamento, isto é, em elementos de mediação entre o sujeito e o mundo,
possibilitando o pensamento e a ação consciente sobre a realidade.
Desta forma, o desenvolvimento humano não é um fenômeno
natural ou espontâneo, mas um processo mediatizado desde as primeiras
apropriações do sujeito que aprende, tais como formas, cores, sons ou
dimensões, até alcançar as abstrações e generalizações resultantes da
capacidade de análise e de síntese.
Então, o desenvolvimento do psiquismo humano se consolida pela
atividade social, sendo principal fator interveniente a mediação entre as
pessoas e entre as mesmas e os objetos, de modo que o contexto
sociocultural é determinante para a formação da consciência humana:
Ao se apropriar dos conceitos científicos, o sujeito supera os
conceitos espontâneos e de senso comum, as crendices e o falseamento da
176
realidade, conseguindo pensar e agir em condições de atuar na sociedade
para transfor-la, estabelecendo relações entre o aprendeu na escola e o
que vive fora dela.
Esse é o papel do ensino na EJA quando se define como objetivos
uma aprendizagem que promova o desenvolvimento e visa à tomada de
consciência.
Considerações Finais
A desigualdade social é uma síntese de vários fatores, mas a falta de
escolaridade pode resultar na dificuldade dos cidadãos para inserção social
e, em particular, no mercado de trabalho em transformação,
marcadamente pela revolução tecnológica a exigir alta especialização para
garantia da empregabilidade. Também deve ser levado em consideração
que o analfabetismo ou a baixa escolaridade impacta na tomada de
consciência do cidadão para que possa participar de forma crítica dos
diversos movimentos sociais.
Por isso um país que queira emancipar sua população em
plenitude, visando uma participação social conscientemente crítica, a
educação a ser oferecida deve ser libertadora em todos os níveis de ensino
e faixas etárias. A educação é o caminho necessário para que um país possa
desenvolver sua sociedade de tal forma que melhor se encaminhe a
resolão das desigualdades sociais. Com base nisso, esse estudo buscou
apresentar a importância de uma educação crítica para seus cidadãos, em
especial, para os participantes da Educação de Jovens e Adultos, pois essas
pessoas por algum motivo já são vítimas de exclusão social por falta de
escolaridade adequada que permita a compreensão do funcionamento da
dinâmica social. Para os autores apresentados nesse texto podemos notar
177
que o trabalho de conscientização crítica é necessário que ocorra nos
processos educacionais. De acordo com Freire (2008), “a alfabetização e a
conscientização jamais se separam”.
Quando alguém diz que a educação é afirmação da liberdade e toma as
palavras a sério isto é, quando as toma por sua significação real se
obriga, neste momento, a reconhecer o fato da opressão, do mesmo
modo que a luta pela libertação (FREIRE, 2008, p. 15).
Segundo Freire (2008), numa educação libertadora o aprendizado
é um modo de tomada de consciência da realidade que o educando está
inserido. Essa educação como lugar de uma prática livre e crítica, que visa
a tomada de consciência não tem nada a ver com ideologização e sim como
libertação do cidadão para compreender os fatores que o oprimem e
consequentemente buscar formas para lutar e libertar-se. De acordo com
Freire (2008, p. 17)
Teoria e denúncia se fecundam mutuamente do mesmo modo que nos
círculos de cultura, o aprendizado ou a discussão das noções de
“trabalho” e “cultura” jamais se separa de uma tomada de consciência,
pois se realiza no próprio processo desta tomada de consciência. E esta
conscientização muitas vezes significa o começo da busca de uma
posição de luta.
A relação entre a Educação de Jovens e Adultos e a Tomada de
Consciência do educando é algo que deve estar presente no trabalho
pedagógico do professor que trabalha com essa modalidade de ensino.
Conscientizar não tem relação com ideologias, ou buscar palavras de
ordem. A conscientização abre o caminho da expressão do educando,
178
expressão essa que pode apresentar as insatisfações e injustiças sociais as
quais estão submetidos. O diálogo nesse processo é fundamental para
compreender a realidade e ao mesmo tempo buscar caminhos para resolver
os problemas e os desafios de forma participativa e coletiva.
O trabalho pedagógico desenvolvido pelo educador em sala de aula
deve revelar uma atitude de compromisso social e político com os excluídos
e marginalizados da sociedade, muitos desses são os cidadãos analfabetos
ou com baixa escolaridade. Assim esse saber democrático te sentido
por meio de um trabalho comum entre o educador e educando que busque
em última instância a tomada de consciência crítica de ambos.
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180
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SOUZA, Ari H. A ideologia. [S. l.]: Editora do Brasil, 1989.
181
O Ensino de Matemática nos Anos Iniciais:
Abordagens Teórica e Metodológica nas
Classes de EJA
Miriam Pires Borges
23
Introdução
O ensino de Matemática, embora tenha passado por mudanças ao
longo da história da educação brasileira, é até hoje, discutido em relação às
concepções teórica e metodológica, no tocante ao ensino e aprendizagem
nas escolas.
Durante os anos, tem sido vista por muitos estudantes como uma
disciplina difícil, encontrando resistências por parte de alguns alunos no
seu próprio aprendizado, o que tem contribuído, além de outros aspectos,
para índices de aprendizagem não muito expressivos.
Os resultados mostrados, através do desempenho dos alunos, têm
levado os professores a refletirem sobre as concepções de educação e,
inclusive, acerca do ensino e aprendizagem da disciplina.
Para Starepravo (2006, p. 11),
23
Professora da Rede de Educação Básica da Secretaria Municipal de Educação de Marília.
Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC, UNESP,
Câmpus de Marília.
182
A maior parte das pesquisas sobre os processos de ensino e
aprendizagem, realizadas recentemente, tem apontado para o caráter
ativo da aprendizagem, considerando de acordo com Piaget (1964) a
importância da ação do aprendiz.
Ao se referir sobre o processo de aprendizagem como uma ação
ativa, a autora (STAREPRAVO, 2006, p. 11), destaca dois pontos: “a
questão da aprendizagem como uma (re)elaboração pessoal e a importância
dos conhecimentos prévios dos alunos”. Como afirma em seus estudos
(STAREPRAVO, 2006, p. 11), “nossos alunos têm ideias a respeito das
coisas [...]. Eles precisam aprimorar suas ideias, modificando-as pela
intervenção escolar. Para ela, “Construir conhecimento implica elaborar
uma representação pessoal dos conteúdos que é objeto de aprendizagem”
(STAREPRAVO, 2006, p. 12).
Outro aspecto a destacar na abordagem do ensino da Matemática
é sobre o foco que é dado nos cursos de formação, seja inicial ou
continuada. Priorizou-se muito a aprendizagem do aluno, deixando-se de
considerar que tanto o professor como o aluno aprendem nesse processo.
Se considerarmos apenas os processos de aprendizagem dos alunos,
os professores também tenderão a focalizar apenas a aprendizagem de seus
alunos, esquecendo-se de que eles próprios precisam aprender enquanto
ensinam (NUNES; BRYANT; CAMPOS, 2005, p. 10).
Investir na própria formação docente se faz necessário, pois,
conforme observa Nunes; Bryant e Campos (2005, p. 11), “mesmo as
melhores soluções encontradas num determinado momento precisam ser
sempre reanalisadas em consequência de avanços tanto nas ciências que
constituem os conteúdos a serem ensinados como nas ciências auxiliares
da educação”.
183
Tal necessidade de formação contempla os professores de vários
níveis de ensino, inclusive o professor da Educação de Jovens e Adultos
que, além de proporcionar uma prática educativa que seja diferenciada
daquela ofertada no ensino fundamental voltado às crianças, pensará sobre
o papel dos conhecimentos matemáticos na vida social dos sujeitos
envolvidos.
O ensino da matemática carrega marcas históricas, construídas
sobre concepções de aprendizagem e desenvolvimento que direcionaram
métodos na trajetória da educação brasileira.
Estudos como os de Nunes; Bryant e Campos (2005), abordam
como se deu o ensino da disciplina em determinados momentos históricos,
mais especificamente dos anos cinquenta aos oitenta. Buscamos
compreender, em linhas gerais, as causas, estruturas e conjunturas que
podem explicar a situação da matetica nos dias atuais.
O problema não é recente, pois conforme os autores citados, em
1952, o INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos), publicou o
livro “Matemática no Curso Primário”, contendo neste material os
objetivos, métodos de ensino e “os mínimos a alcançar” no ensino de
matemática.
Notamos, nesse período, que a matemática é voltada ao ensino de
técnicas que os alunos poderão utilizar na vida prática para solucionar
problemas. “Não há, nesse momento, qualquer preocupação com questões
relativas ao desenvolvimento da inteligência ou com a compreensão das
ideias de número e das dificuldades do sistema de numeração” (NUNES;
BRYANT; CAMPOS, 2005, p. 35).
Conforme Nunes; Bryant e Campos (2005), nesta concepção de
ensino e aprendizagem destacam rapidez, exatidão, rigor e precisão, sendo
184
a percepção e a memória as principais responveis pela aprendizagem,
desconsiderando-se a compreensão.
Segundo os autores (NUNES; BRYANT; CAMPOS, 2005), em
relação às operações houve o predomínio de um trabalho apoiado na
memorização dos resultados e em técnicas operatórias e na proposta de
problemas onde tais técnicas pudessem ser aplicadas, tampouco se
preocupando com a compreensão do significado das operações.
Como mostram alguns estudos de Nunes; Bryant e Campos
(2005), a partir dos meados dos anos setenta começam a surgir as
preocupações com a relação entre desenvolvimento e educação; fazem-se
referências ao conceito de número, às concepções do sistema decimal e aos
conceitos das operações. É dada ênfase na compreensão das técnicas
operatórias, ensinadas a partir da representação dos números escritos.
Ocorre, neste período, “a assimilação das ideias de Piaget no
cenário educacional brasileiro, sendo enfatizada a conservação das
igualdades como um dos marcos da compreensão da ideia de número pela
criança” (NUNES; BRYANT; CAMPOS, 2005, p. 42).
Como em outros países no mundo, as ideias de Piaget provocaram
novas discussões sobre o que deve ser ensinado nas primeiras séries no
ensino fundamental no Brasil, inicialmente transformando-se os
conceitos descritos por Piaget como constituidores da ideia de número
conservação das igualdades, seriação e inclusão de classes em pré-
requisitos da aprendizagem e, portanto, conteúdos da instrução pré-
escolar (NUNES; BRYANT; CAMPOS, 2005, p. 42).
Como mostram os estudos anteriormente referidos (NUNES;
BRYANT; CAMPOS, 2005), a partir do final da década de 80 começam
a ser discutidas no Brasil novas perspectivas sobre o desenvolvimento dos
185
conceitos de número e operações. Passam a ser consideradas as experiências
dos alunos com problemas numéricos e aritmética adquiridas fora da sala
de aula e que elas são mais abrangentes com relação à aritmética escrita da
sala de aula.
São analisados os conceitos desenvolvidos por esses alunos através
das experiências da vida cotidiana e a sua relação com a aprendizagem
escolar. Considera-se necessário “promover na escola o desenvolvimento
dos conceitos de sistemas de numeração e operações, não somente a
transmissão das técnicas de computação” (NUNES; BRYANT;
CAMPOS, 2005, p. 42),
A discussão que se continua atualmente, entre os educadores e
pesquisadores da área, é a de se considerar as experiências dos alunos, partir
de seus conhecimentos prévios e ampliá-los, preocupar-se com a formação
de sujeitos ativos e reflexivos na sociedade.
Essa problemática envolve, por certo, aspectos pedagógicos,
científicos, sociais e poticos, os quais não podem ser desconsiderados.
De um lado, está claro no pensamento pedagógico brasileiro que,
para a superação do analfabetismo no país, não basta garantir escolarização
formal para todas as crianças na idade supostamente adequada, como
supõem alguns gestores da Educação, haja vista a existência de um número
significativo de alunos em todas as classes dos anos iniciais do ensino
fundamental que passam anos na escola e não conseguem aprender a ler e
escrever com competência. Seo, em futuro muito próximo, os ditos
analfabetos funcionais a buscar na EJA a aprendizagem voltada à formação
para a inserção no mercado de trabalho, mas também para
desenvolvimento de capacidades que demandam conhecimentos e
estratégias desenvolvidos em situações de uso social amplo, como exercício
da cidadania, sustentabilidade e consumo responsável.
186
Por outro lado, a inserção efetiva dos jovens e adultos na escola,
em perspectiva verdadeiramente inclusiva, exige o estímulo para a
capacidade de resolução de situações matemáticas de maneira criativa, o
que não pode ser tratado como mera “facilitação” ou resultar em
“infantilização” dos sujeitos da EJA. Um ambiente pedagógico adequado
para a EJA impõe um contexto escolar de interações e trocas de ideias e
saberes, favorecendo a construção coletiva de novos conhecimentos.
Por isso, cabe à escola, enquanto instituição social, oferecer uma
educação que promova a participação dos alunos na construção de seus
conhecimentos, que estabeleça a conexão dos saberes aprendidos fora da
escola aos que são adquiridos na sala de aula. Para isso, faz-se necessário
um ensino de qualidade, que seja significativo e que, ao invés da
memorização mecânica de técnicas, propicie a compreensão, a formação
de conceitos e instrumentalize os alunos para a resolução de problemas.
Os espaços da sala de aula precisam ser planejados de maneira a
garantir a exploração e manipulação de materiais concretos, a construção
do conhecimento, as interações sociais entre professor e alunos e a
comunicação nas aulas de matemática, como recursos propulsores da
elaboração de novos saberes.
Para tanto, incorporam-se os contextos do cotidiano, as experncias e
a linguagem natural da criança no desenvolvimento das noções
matemáticas, sem, no entanto, esquecer que a escola pode possibilitar
que o aluno vá além do que parece saber, tentando entender como ele
pensa, que conhecimentos traz de sua experiência de mundo, e fazer as
interferências necessárias para levar cada aluno a ampliar
progressivamente suas noções matemáticas (SMOLE; DINIZ, 2001,
p. 16).
187
Com o objetivo de mostrar a situação do ensino da Matemática no
contexto geral da educação e, especificamente, analisar como a Matemática
pode ser ensinada nas classes de Educação de Jovens e Adultos, procuramos
responder, por meio de leituras e reflexões sobre a temática, ao seguinte
questionamento: como os conteúdos matemáticos ensinados na escola e
aprendidos pelos estudantes poderão ser relevantes em suas tarefas e ações
no dia a dia?
Partimos do pressuposto de que o problema do analfabetismo e da
baixa escolarização de amplo segmento da população no contexto nacional
é estrutural, ou seja, exige reformas multiestruturais na sociedade brasileira,
em especial, no que se refere ao crônico problema da desigualdade social a
neutralizar, pelos seus efeitos, o alcance de qualquer proposta de educação
inclusiva. É nossa convicção que o problema tem suas origens, seja na
negação da escolarização básica inicial, seja na escolarização inadequada
oferecida a um vasto contingente de crianças, gerando índices alarmantes
de analfabetismo funcional.
Para essa discussão, valemo-nos de análise bibliográfica, de
discussão sobre indicadores de avaliação de larga escala e de análise
documental sobre a forma de constituição dos processos de educação de
jovens e adultos na realidade brasileira.
A relação entre alfabetismo e numeramento:
implicações para a educação matemática na EJA
Na EJA, em particular, mas não apenas nessa dimensão do ensino,
constata-se a preocupação dos educadores com a produção de sentidos de
aprendizagem e a negociação de significados matemáticos, haja vista o fato
de que embora esses educandos, quando em processo de escolarização
188
inicial, tenham dificuldades com a leitura e a escrita, eles lidam com dados
quantitativos da realidade em sua vida cotidiana de forma, por vezes,
surpreendente, relativamente às heurísticas elaboradas com base no cálculo
mental e na não de estimativa.
Esta questão tem sido bastante debatida, mas ainda carece de
investigação com vistas a um melhor encaminhamento didático. Por isso,
Como acontece com outras aprendizagens, o ponto de partida para a
aquisição dos conteúdos matemáticos deve ser os conhecimentos
prévios dos educandos. Na educação de jovens e adultos, mais do que
em outras modalidades de ensino, esses conhecimentos costumam ser
bastante diversificados e muitas vezes são encarados, equivocadamente,
como obstáculos à aprendizagem. Ao planejar a intervenção didática,
o professor deve estar consciente dessa diversidade e procurar
transfor-la em elemento de estímulo, explicação, análise e
compreensão (BRASIL, 1997, p. 100).
Apesar de lidar com conceitos matemáticos que foram apropriados
de maneira informal e intuitiva, com procedimentos interessantes relativos
à estimativa e ao cálculo mental, os alunos da EJA revelam interesse e certa
ansiedade para compreensão dos procedimentos algorítmicos e sua
sistematização formal. Para a maioria deles, estudar Matemática é resolver
operações ou fazer as continhas. Destarte esse interesse, eles têm
dificuldades para fazer essa articulação entre conhecimento informal e
conhecimento matemático sistematizado, devendo-se destacar a pouca
valorização dos docentes para as suas manifestações verbais, sendo que,
No entanto, em matemática, a comunicação tem um papel
fundamental para ajudar os alunos a construírem um vínculo entre suas
noções informais e intuitivas e a linguagem abstrata e simbólica da
189
matemática. [...] Como a aprendizagem pode ser entendida como a
possibilidade de fazer conexões e associações entre diversos significados
de cada nova ideia, ela depende, então, da multiplicidade de relações
que o aluno estabelece entre esses diferentes significados (...) (SMOLE;
DINIZ, 2001, p. 15).
De maneira geral, é preciso que sejam repensadas as ações para
melhoria do ensino de Matemática em todas as modalidades na educação
brasileira. As estatísticas nos fornecem dados que confirmam que grande
parte dos alunos passa por nossas escolas e concluem seus cursos sem
aprender, de fato, os conteúdos da disciplina.
Indicadores nos apontam, como exemplo, déficit no aprendizado
dos conteúdos matemáticos, o que não é muito diferente relativamente às
demais linguagens, constatando-se considerável parcela de alunos que não
consegue calcular e resolver situações-problema; enfim, baixo rendimento
verificado nos resultados de avaliações do ensino. Esses resultados se
revelam articulados entre as diversas linguagens; por exemplo, é fato que
dificuldades de interpretação de enunciados influenciam o processo de
resolução de problemas.
Analisando os resultados do SAEB (Prova Brasil), entre os anos
2013 e 2017, podemos verificar que o desempenho dos alunos na
disciplina, embora com um tímido crescimento a cada ano, está abaixo da
média em Matemática.
190
Quadro 1 - Desempenho dos alunos do 5º Ano na Prova Brasil (SAEB)
Fonte: Prova Brasil, Inep Classificação não oficial
24
.
A situação é ainda mais preocupante no nono ano de escolaridade,
quando os dados da avaliação nos mostram poucos avanços nas médias
apresentadas, sinalizando deficiências no aprendizado dos conteúdos e
rendimento baixíssimo na referida disciplina.
Quadro 2 - Desempenho dos alunos do 9º Ano na Prova Brasil (SAEB)
Fonte: Prova Brasil, Inep Classificação não oficial
25
Já no PISA, Programa Internacional de Avaliação de Estudantes,
do qual participam alunos de quinze anos, os níveis avaliados de
desempenho em Matemática vão de um a seis. A avaliação é trienal e foca
24
24
Disponível em: http://portal.inep.gov.br/educacao-basica/saeb/resultados. Acesso em: 21 jun.
2021.
25
Disponível em: http://portal.inep.gov.br/educacao-basica/saeb/resultados. Acesso em: 21 jun.
2021.
Anos
Proporção de alunos com aprendizado adequado à sua etapa escolar
2013
35%
2015
39%
2017
44%
Anos Proporção de alunos com aprendizado adequado à sua etapa escolar
2013 11%
2015 14%
2017 15%
191
três áreas cognitivas: Leitura, Matemática e Ciências. “O PISA avalia até
que ponto os alunos de 15 anos de idade, próximos ao final da educação
obrigatória, adquiriram conhecimentos e habilidades essenciais para plena
participação na vida social e econômica” (INEP/MEC, 2019, p. 15).
O Brasil participa da avaliação desde os anos 2000, sendo que em
2018 foram avaliados 10.691 estudantes brasileiros. Os dados apontam
que, da amostra de estudantes avaliados no Brasil, 68,1% atingiram o pior
nível de proficiência em Matemática eo possuem o nível básico. O país
caiu da posição 6para a 70ª nesta disciplina e, conforme dados
apresentados no Relatório Brasil no PISA 2018, a média de proficiência
dos jovens brasileiros em Matemática no PISA foi de 384 pontos.
O quadro abaixo apresenta a trajetória histórica do país em
Matemática demonstrada pelas médias alcançadas ao longo de quinze anos
na educação brasileira, conforme os dados contidos no Relatório Brasil no
PISA 2018:
Quadro 3 - Média do Brasil entre os anos de 2003 a 2018, em Matemática
Fonte: INEP / MEC (2019, p. 109)
26
Considerados como uma referência nos indicadores de avaliação
da educação em âmbito internacional, os resultados do PISA nos
possibilitam diagnosticar a situação do ensino brasileiro, mostrada pelo
26
Disponível em:
https://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/documentos/2019/relatorio_PISA_2018
_preliminar.pdf Acesso em: 22/06/2021.
ANOS
2003
2006
2009
2012
2015
2018
MÉDIA
356 370 386 389 377 384
192
baixo grau de proficiência alcançado pelos estudantes do nosso país na área
de Matemática.
Parece inescapável considerar a dimensão prático-utilitária da
educação matemática de jovens e adultos, sem descartar o papel relevante
que desempenha relativamente ao desenvolvimento intelectual, não apenas
justificando os saberes matemáticos explorados na escola, mas pela
ampliação de ferramentas para análise de situações práticas, pela
possibilidade de melhor interpretação e compreensão de fenômenos e
situações reais, produzindo sentidos e possibilitando a negociação de
significados dessa ciência.
Assim concebida a educação matemática, os resultados do PISA são
preocupantes:
Quadro 4 - Proporção de estudantes com as habilidades exigidas em cada nível do
PISA 2018
NÍVEIS OCDE
BRASIL
Abaixo de 1
9,1% 41,0%
1
14,8% 27,1%
2
22,2% 18,2%
3
24,4% 9,3%
4
18,5% 3,4%
5
8,5% 0,8%
6
2,4% 0,1%
Fonte: Inep/MEC (2019, p. 112-113)
27
27
Disponível em:
https://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/documentos/2019/relatorio_PISA_2018
_preliminar.pdf. Acesso em: 22/06/2021.
193
Conforme a análise apresentada no Relatório Brasil no PISA 2018,
A maioria dos estudantes brasileiros que participaram do PISA 2018 se
encontra no Nível 1 ou abaixo dele (68,1%). Todos os países e
economias participantes do PISA têm estudantes que se encontram
nesses níveis, mas as maiores proporções de estudantes nessa situação
são encontradas nos países com menor desempenho (INEP/MEC,
2019, p. 110).
Considerando-se os níveis em que se encontram a maioria dos
estudantes brasileiros avaliados, o documento assim especifica as
habilidades e domínio de conteúdos em cada um deles:
No Nível 1, os estudantes são capazes de responder a questões que
envolvem contextos familiares, nas quais todas as informações
relevantes estão presentes e as questões estão claramente definidas.
Conseguem identificar informações e executar procedimentos
rotineiros, de acordo com instrões diretas, em situações explícitas.
Conseguem realizar ações que são, quase sempre, óbvias e que
decorrem diretamente dos estímulos dados (INEP/MEC, 2019, p.
110).
Em relação às habilidades adquiridas e ao domínio de conteúdos
matemáticos especificados no nível abaixo de 1, o Relatório assim se refere:
O teste de Matemática do PISA inclui poucas tarefas que ajudariam a
descrever o nível “Abaixo do Nível 1”. É esperado que os estudantes
consigam realizar algumas tarefas matemáticas diretas e fáceis. Isso
inclui a leitura de apenas um valor em um gráfico ou em uma tabela,
em que os rótulos do gráfico correspondem às palavras do estímulo e
194
da questão, de maneira que os critérios de seleção estão claros e a
relação entre o gráfico e os aspectos do contexto representado é
evidente. Esses estudantes também conseguem executar cálculos
aritméticos simples com números naturais, seguindo instruções claras
e bem definidas (INEP/MEC, 2019, p. 110).
As avaliações nos apontam um contexto preocupante em relação
ao ensino e aprendizado da Matemática nas escolas brasileiras. A análise do
cotidiano escolar nos mostra as lacunas nesta área do conhecimento e o
elevado percentual de alunos que frequenta anos de estudos e não consegue
resolver, com proficncia e destreza, problemas com cálculos simples.
É na compreensão desse contexto que entendemos que vários
alunos, os quais formam as classes de EJA, não chegaram nem mesmo a
concluir os primeiros anos do ensino fundamental; outros, não tiveram a
oportunidade de ingressar na escola durante a infância. Todavia, ainda que
por motivos diversos, buscam recuperar suas aprendizagens que poderão
lhes propiciar melhor participação na sociedade.
Na evolução histórica das tentativas de enfrentamento do
problema, registre-se que até meados da década de 1950 a UNESCO
adotava como critério de alfabetismo, ou seja, de características de
alfabetizado o domínio relativo da capacidade de ler e escrever um
enunciado simples, relacionado à vida do sujeito. Duas décadas após, a
UNESCO, considerando novas demandas de leitura e de escrita em função
de demandas sociais e, em especial, de natureza tecnológica, passa a adotar
os conceitos de analfabetismo e alfabetismo funcional, sendo que no Brasil
esses índices começam a ser divulgados pelo IBGE a partir de 1990. Já na
virada do século XXI, ganha evidência teórica a ideia de letramento, isto é,
mais do que a mera tecnologia da leitura e escrita, importa a forma de
195
comunicação na sociedade, enfatizando-se as práticas sociais e suas
relações, o alcance social do conhecimento, a linguagem e a cultura.
No bojo dessas formulações, se consolida a necessidade de
competências para registrar quantidades e resolver problemas
fundamentais para o exercício das funções no trabalho e na sociedade:
O numeramento ganha importância na medida em que as tarefas e as
demandas do mundo adulto, diante do trabalho ou da vida diária e os
diferentes contextos nos quais o indivíduo pode estar inserido, acabam
por requerer muito mais que simplesmente a capacidade para aplicar
as habilidades básicas de registro matemático. Essas demandas
determinam o uso, pelos indivíduos, de um amplo conjunto de
habilidades, crenças e disposições, para que haja o manejo efetivo e o
engajamento autônomo em situações que envolvem números e dados
quantitativos ou quantificáveis (TOLEDO, 2004, p. 94, grifo da
autora).
Nesse sentido, a autora estabelece que o desempenho dos sujeitos
em situações matemáticas envolvendo números, propriedades, princípios
e operações não depende somente de conhecimentos técnicos específicos
dessa área do conhecimento, mas envolve capacidades, disposições,
crenças, hábitos e percepções desenvolvidos ao longo da vida. A resolução
dessas situações matemáticas envolve conhecimentos de domínios
específicos, estratégias, capacidades cognitivas gerais e manipulação de
dados de conhecimento de mundo, o que pode ter sido apropriado a partir
de situações escolares ou não escolares, obviamente.
196
O perfil dos estudantes e a função social
dos conteúdos matemáticos na EJA
A Matemática, enquanto ciência, está presente em diversas ações
da vida humana. Por isso, na transposição que ocorre na escola
transformando-a em disciplina, deve receber a mesma atenção em termos
de função social, para que os conteúdos ensinados nessa instituição
também tenham uma aplicação nas situações da vida. E, se para a criança
tal sentido e ligação da matetica escolar à matetica presente fora da
escola se fazem tão necessários, de mesmo teor aos jovens e adultos
estudantes da EJA, cujas experiências do dia a dia são repletas de saberes
matemáticos.
Com diferentes vivências, os estudantes que compõem as classes de
EJA podem fazer uso dos conhecimentos matemáticos nos diversos setores
da vida social, e, por cálculos mentais, deduções lógicas e a partir dos
próprios saberes acumulados pelas experncias, resolver, com precisão,
problemas do dia a dia.
Em estudo no qual analisa as relações entre sociedade, cultura,
matemática e seu ensino, D’Ambrosio (2005) considera como uma marca
distintiva da sociedade globalizada, para além da unificação dos mercados
econômicos, a tendência a eliminar diferenças entre modos de ser, pensar
e agir, consolidando o que ele denomina como cultura planetária:
Os sistemas educacionais são particularmente afetados, pois o
pressionados pelos estudos e pelas avaliações internacionais,
inevitavelmente comparativas e, lamentavelmente, competitivas.
Como resultado, nota-se a paulatina eliminação de componentes
culturais na definição dos sistemas educacionais. Fica evidente a
formação de novos imaginários sociais, desprovidos de referentes
197
históricos, geográficos e temporais, caracterizados por uma forte
presença da cultura da imagem (D’AMBROSIO, 2005, p. 3).
Por isso, a contextualização dos conteúdos matemáticos ensinados
na EJA é necessária. Impõe-se a sua apresentação em situações
diversificadas que sejam significativas para os estudantes, mediante a
exploração de ligações com questões do cotidiano dos sujeitos, com
situações matemáticas relacionadas a outras áreas do conhecimento e.
sempre que possível, estabelecendo conexões entre os próprias temas da
matemática (aritméticos, algébricos, geométricos, etc.).
Trata-se de uma ação didático-pedagógica em educação
matemática que prime pelo desenvolvimento do raciocínio autônomo,
base para geração de autoconfiança, criatividade e criticidade, para
desenvolvimento da capacidade de selecionar e aplicar o aprendido a
situações novas, atitudes e percepção do valor da ciência matemática no
reconhecimento das relações entre a Matemática e as situações da
realidade.
Assim, referindo-se aos sujeitos no tocante ao uso da Matemática,
podemos encontrá-los na execução das mais diversificadas tarefas,
demonstrando noções da disciplina na construção civil, na marcenaria, no
comércio, na costura, na culinária, o que explica a imediata necessidade de
se dar ao conhecimento didático uma utilidade prática.
Assim, ao ingressarem na escola, os estudantes constroem sobre ela
muitas expectativas, a ponto de considerarem o saber escolarizado como
uma possibilidade de ampliarem seus conhecimentos e condições para que
possam desempenhar melhor suas atividades.
É por isso que o procedimento didático adotado pela escola se faz
tão relevante a esses alunos, que trazem em seu repertório cognitivo saberes
198
construídos no dia a dia, resultados de suas experiências nos grupos dos
quais participam.
Isso implica, para os professores da EJA, uma atuação didática que
exige conhecimento dos problemas que permeiam a construção dos
conhecimentos matemáticos, como chegaram a articular-se como
estruturas cientificamente coerentes, isto é, como se deu essa evolução,
compreendendo a especificidade metodológica dessa área do
conhecimento. O conhecimento das implicações sociais da ciência
matemática construída exige o reconhecimento dos desenvolvimentos
recentes, o conhecimento de outros conteúdos relacionados para
abordagem de problemas e interfaces com a Matemática, os limites e as
interações entre campos distintos e os processos de unificação, bem como
saber selecionar conteúdos que envolvam a concepção correta dos fatos
matemáticos, acessíveis aos alunos e suscetíveis de interesse.
É função social da escola resgatar e valorizar esses saberes e, por
meio de intervenção didática e metodológica, ampl-los, possibilitando
aos sujeitos a aquisição dos conhecimentos culturais elaborados
historicamente.
Ressaltamos a importância de o professor, em sua atuação docente,
refletir sobre a sua própria prática, investir em sua formação e estar em
permanente processo de aprendizagem. É preciso, também, planejamento
didático e pedagógico por parte do professor, retomando sua prática,
repensando sua atuação, a fim de desenvolver estratégias que melhor
atendam às necessidades dos estudantes e atinjam a aprendizagem.
Em seu planejamento pedagógico, o professor deve ter clareza das
expectativas, objetivos e especificidades próprias do seu grupo de alunos,
por isso, não é adequado readaptar o currículo a ser trabalhado com as
crianças para as aulas da EJA.
199
O contexto sociocultural assume papel determinante na formação
da consciência humana, de modo que o desenvolvimento intelectual se
consolida pela atividade social, a qual tem como fator primordial a
mediação entre as pessoas e entre elas e o meio no qual se estabelece. Desse
modo, a aprendizagem envolve apropriação e transformação do saber
socialmente elaborado, isto é, não se estabelece apenas como resultado de
ações internalizadas, mas principalmente pela relação mediada pelo outro,
ação cuja clareza de objetivos contribui para a efetiva promoção de
aprendizagens, resultando em desenvolvimento para além do que o mero
desenvolvimento biológico permite imaginar.
Destacada a relevância do trabalho interdisciplinar nas classes de
Educação de Jovens e Adultos, partindo das experiências dos alunos,
valorizando as suas aprendizagens e os seus conhecimentos prévios e
integrando as diferentes áreas do saber de maneira significativa, cabe
ressaltar que:
[...] não basta simplesmente trabalhar com determinado conteúdo
matemático em sala de aula para garantir sua compreensão, é necessário
propor atividades específicas, que potencializem a internalização dos
conceitos e o desenvolvimento da aprendizagem. É importante que se
tenha bem definido o objeto da atividade, porquanto conceitos
diferentes irão gerar atividades diferentes. Assim, os alunos poderão
estabelecer, junto com o professor, o modelo de atividade que irão
realizar, a fim de alcançar os conceitos atrelados ao conteúdo. Nesse
momento, o grupo de alunos poderá receber informações relativas ao
conteúdo, às condições de execução da atividade, às atividades que
serão nelas desenvolvidas e ao controle, isto é, as limitações da atividade
(GRYMUZA; RÊGO, 2014, p. 136).
200
Portanto, o trabalho docente deverá se reorganizar de forma a
abordar assuntos que possam instigar os estudantes ao diálogo, à reflexão e
ao desenvolvimento do pensamento crítico, propiciando novos olhares
sobre a realidade, analisando-a, interpretando-a e, quando necessário,
contribuindo para a sua transformação.
O professor deverá se preocupar em construir uma prática
pedagógica cujo ponto de partida seja os conhecimentos dos alunos e
ampliá-lo à medida que os sujeitos estejam envolvidos em um processo
ativo de construção do conhecimento, dando-lhes a oportunidade de
acesso aos saberes elaborados culturalmente.
Há de ressaltar, também, um planejamento pedagógico que
propicie a relação dialógica no processo de ensino e aprendizagem, onde
os sujeitos envolvidos, professor e alunos, construam os conhecimentos em
ação conjunta e colaborativa, através de constante interação social em
situações de comunicação em sala de aula.
[...] Na aula de matemática, a comunicação pode ser entendida com
diferentes autores que têm se ocupado dela, como todas as formas de
discursos, linguagens utilizadas por professores e alunos para
representar, informar falar, argumentar, negociar significados
(SANTOS, 2005, p. 117 apud NACARATTO; LOPES, 2005).
Pois, “aprender matemática significa aprender a observar a
realidade matematicamente, envolver-se com um tipo de pensamento e
linguagem matemática, utilizando-se de formas e significados que lhes são
próprios” (SANTOS, 2005, p. 118 apud NACARATTO; LOPES, 2005).
O papel do professor é primordial no encaminhamento das
questões metodológicas, tendo em vista a elaboração do conhecimento. É
201
necessário dar oportunidade a cada sujeito de contribuir com suas
experiências e enriquecer o espaço da sala de aula com os saberes que
trazem em seu repertório cognitivo, produzidos no seu contexto social.
Cabe ao professor, em sua atuação pedagógica, mostrar aos
estudantes que os conhecimentos que possuem são úteis na resolução dos
problemas do dia a dia e são significativos na escola, pois são ponto de
partida para a aquisição de um saber considerado mais elaborado,
construído historicamente.
Considerações Finais
Percebemos que, ao longo da história da educação brasileira, o
ensino de Matemática foi marcado por mudanças em relação à concepção
de aprendizagem e também na questão dos métodos e tentativas de
transformação das práticas pedagógicas na escola.
No entanto, a realidade escolar ainda nos mostra defasagens no seu
aprendizado, o que é verificado também nos resultados das principais
avaliações do ensino.
Devido às suas especificidades e, por ser vista como uma disciplina
mais complexa, esteve seu ensino voltado, durante vários anos, à
memorização de fórmulas, algoritmos e técnicas, em detrimento do
desenvolvimento do pensamento lógico, da ação ativa dos sujeitos na
interação com o objeto de conhecimento.
Atualmente, mesmo com indicadores não tão expressivos em
relação ao seu aprendizado na escola, verificamos estudos na área voltados
a se repensar novas metodologias, ao uso de materiais concretos, ao papel
dos sujeitos na construção do conhecimento e na proposta de resolução de
202
problemas, preocupando-se com um ensino de conteúdos matemáticos
que tenha sentido aos alunos.
Quanto ao seu ensino na Educação de Jovens e Adultos,
consideramos que a Matemática poderá ocupar um importante espaço na
sala de aula, no sentido de oportunizar aos estudantes elementos para o
desenvolvimento do pensamento lógico-matemático.
Destacamos a necessidade de o professor aproveitar as experiências
e os conhecimentos prévios que os alunos trazem em seu repertório e, a
partir deles, intervir com estratégias metodológicas a fim de aprimorarem
os saberes matemáticos trabalhados na escola, possibilitando situações para
as interações sociais como algo relevante para a troca e aquisição de novos
saberes.
A possibilidade de mediação entre os saberes assimilados ao longo
da vida dos educandos e o conhecimento cientificamente elaborado amplia
as condições de desenvolvimento das funções psíquicas superiores, de
forma tal que a educação escolar se configura como um espaço privilegiado
de aprendizagem e, sem dúvida, de desenvolvimento, na vida da criança,
do jovem ou do adulto.
Por fim, implementar nas salas de aula da EJA uma prática
pedagógica baseada na interdisciplinaridade e na resolução de problemas
contribuirá para uma aprendizagem significativa em Matetica e para a
formação de conceitos. Pois, como observa Smole e Diniz (2001, p. 95),
[...] podemos verificar que enquanto o aluno resolve situações-
problema, aprende matetica, desenvolve procedimentos e modos de
pensar, desenvolve habilidades básicas como verbalizar, ler, interpretar
e produzir textos em matemática e nas áreas do conhecimento
envolvidas nas situações propostas [....].
203
Referências
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Educação de Jovens e
Adultos: Proposta Curricular para o 1º segmento do ensino fundamental.
São Paulo: Ação Educativa; Brasília: MEC, 1997.
D’AMBROSIO, U. Sociedade, cultura, matemática e seu ensino.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 99-120, jan./abr. 2005.
INEP/MEC. Relatório Brasil no PISA 2018Versão Preliminar
(Diretoria de Avaliação da Educação Básica DAEB). Brasília, DF:
INEP/MEC, 2019.
GRYMUZA, A. M. G.; RÊGO, R. G. Teoria da Atividade: uma
possibilidade no ensino de Matemática. Revista Temas em Educação,
João Pessoa, v. 23, n. 2, p. 117-138, jul./dez. 2014.
NACARATTO, A. M.; LOPES, C. E. (org.). Escritas e leituras na
educação matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
NUNES, T.; BRYANT, P.; CAMPOS, T. M. M. Educação Matemática
números e operações numéricas. São Paulo: Cortez, 2005.
SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. Ler, escrever e resolver problemas
Habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed
Editora, 2001.
STAREPRAVO, A. R. Jogos para ensinar e aprender Matemática.
Curitiba: Coração Brasil Editora, 2006.
204
TOLEDO, M. E. R. de O. Numeramento e escolarização: o papel da
escola no enfrentamento das demandas matemáticas cotidianas. In:
FONSECA, M. da C. F. R. Letramento no Brasil: habilidades
matemáticas, reflexões a partir do INAF 2002. São Paulo: Global
Editora/Ação educativa/Instituto Paulo Montenegro, 2004. p. 91-105.
205
Educação de Jovens e Adultos:
Perfil Identitário Discente e suas Implicações
para o Trabalho Docente
Elisângela da Silva Callejon
28
José Carlos Miguel
29
Introdução
É consenso estabelecido em diversos estudos (ANDRADE, 2009;
FREIRE, 1996; 2005; IRELAND, 2009, entre outros) que considerar a
diversidade cultural, suas vivências e saberes cotidianos, enfim, as suas
histórias de vida, deve se constituir no ponto de partida para os trabalhos
que serão desenvolvidos com os alunos da educação de jovens e adultos, a
EJA. Esses saberes devem ser contextualizados de maneira que não se
infantilize o trabalho a ser desenvolvido com o adulto, ou seja, não se deve
aplicar os mesmos métodos utilizados com as crianças. Se com as crianças
o ponto de partida para alguns ensinamentos como os conteúdos de
Matemática, podem e devem ser iniciados a partir de jogos e atividades
28
Mestranda em Educação pela UNESP; Especialista em Gestão Escolar: Administração,
Supervisão e Orientação - Faculdade Única/Grupo Prominas. Especialista em Psicopedagogia
Clínica e Institucional pela FATEC- Faculdade de Tecnologia do Vale do Ivaí/ Grupo Rhema.
Licenciada em Pedagogia com Habilitação em Educação Infantil pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho - Faculdade de Filosofia e Ciências/Campus Marília - SP.
29
Livre-Docente em Educação Matemática. Professor Associado vinculado ao Departamento de
Didática e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências,
UNESP, Campus de Marília.
206
lúdicas; com os adultos, por outro lado, deve se considerar como ponto de
partida o seu saber, sua experiência de mundo para a posteriori romper o
senso comum e avançar para a formação de conceitos científicos. Isso exige
o estabelecimento de uma relação dialógica, concebendo o sujeito como
agente de seu próprio conhecimento.
Contribuir para o desenvolvimento das potencialidades dos jovens
e adultos da EJA pressupõe o respeito às suas necessidades específicas e aos
saberes construídos ao longo da vida. Não se pode aniquilar isso e começar
do zero. Também não é questão de preencher vazios daquilo que não
estudaram quando crianças, mas de proporcionar aprendizagens que
possibilitem a maximização de seu desenvolvimento intelectual, para a
efetiva compreensão da realidade vivida com vistas à sua transformação.
Ao analisar a trajetória educacional de estudantes da EJA, Andrade
(2009) é enfática ao estabelecer que a inserção dos alunos na EJA
geralmente constitui movimento praticamente individualizado e solitário,
sugerindo a necessidade de tal fenômeno ser analisado no contexto de um
conjunto mais amplo de valores.
Igualmente, Ireland (2009) ao estudar o processo de escolarização
de trabalhadores na indústria de construção civil aponta para a
contextualização, a significação operativa e a especificidade escolar como
elementos centrais da busca de coerência entre esse trabalho e o
desenvolvimento de uma conduta didático-pedagógica que efetivamente
contribua para melhor formar esses sujeitos. Defende que a prática
pedagógica na EJA deve incorporar valores e refletir sobre as condições de
vida dos estudantes, o contexto no qual se inserem, em busca de sentido e
de constituão de significados, de modo a viabilizar a eles os saberes
escolares, razão de ser da instituição educadora.
207
Certos dessas implicações para a constituição de sujeitos de
aprendizagem na EJA e da profusão de condicionantes do trabalho
educativo nessa área, com políticas públicas marcadas por forte apelo
regional, de características, necessidades e interesses muito díspares para a
sua consolidação, nos propomos a discutir a complexidade da lógica que
orienta o desenvolvimento dessas ações no contexto de uma cidade média
do interior paulista.
A questão norteadora para essa abordagem é a seguinte: como as
histórias de vida e a identidade cultural dos alunos da EJA repercutem no
trabalho de aprendizagem desenvolvidas pelos professores? A hipótese de
estudo é que considerando a perspectiva cultural e experiência de vida do
sujeito da EJA, o trabalho a ser desenvolvido pelo professor será intencional
e sistemático no sentido de flexibilizar o Currículo da EJA, adequando-o à
necessidade dos sujeitos em questão.
Assim sendo, o objetivo aqui proposto é estabelecer, em linhas
gerais, os traços das histórias de vida e da identidade cultural dos sujeitos
jovens e adultos da EJA em Marília, debatendo algumas implicações para
a organização do trabalho docente.
Para desenvolvimento e embasamento da pesquisa foi utilizado o
método de revisão bibliográfica, por fontes de pesquisa primária,
secundária e terciária, a partir do qual foi realizada a análise de obras
científicas e publicadas em forma de livros, artigos científicos, Teses de
Doutorado, Dissertações de Mestrado e Periódicos que discutem o tema
pesquisado, bem como análise de documentos oficiais federais, estaduais e
municipais que abordam e regulamentam esse segmento. Além disso foi
elaborado, também, dois questionários por meio do Google Forms que
foram disponibilizados nas duas escolas municipais que atendem o público
de EJA: (1°) questionário sobre o perfil identitário dos jovens e adultos da
208
EJA em Marília/SP e (2°) questionário sobre o perfil do educador de jovens
e adultos da EJA em Marília/SP.
Os dados empíricos do estudo em questão foram obtidos por meio
dos formulários direcionados aos alunos e professores da EJA. A pesquisa
exploratória desenvolvida teve uma abordagem quanti-qualitativa.
Enfim, o capítulo foi disposto da seguinte forma: primeiro foi
abordado sobre as implicações legais que regulamentam o ensino da EJA;
depois foi explanado sobre o percurso da Educação de Jovens e Adultos em
Marília; na sequência foram realizadas as análises dos resultados
concebidos nos questionários sobre o perfil identitário dos alunos da EJA
e do perfil do professor desta modalidade da Educação Básica, finalizando-
se o capítulo com as considerações finais sobre os resultados obtidos, bem
como sua relencia e pertinência.
Bases legais para constituição de programas de EJA no Brasil:
algumas considerações
Para abordagem e análise do universo de pesquisa eleito é
necessária a explanação e algumas considerações sobre as Leis que
regulamentam a Educação de Jovens e Adultos no país. É preciso pontuar,
de início, que o processo de regulamentação das ações educativas nesse
âmbito vem melhorando gradualmente no decorrer dos anos, porém ainda
falta organização e vontade política para que a EJA se firme como
instrumento efetivo para erradicação do analfabetismo e que cumpra seu
papel de proporcionar educação de qualidade àqueles que tiveram esse
direito outrora desconsiderado.
209
Assim, recorrer-se-á à Constituição da República Federativa do
Brasil que reestabeleceu preceitos relevantes para a retomada da
democracia em 1988, por meio de um conjunto de leis que ora regem o
país, sendo imprescindível para a nossa discussão o que ela dita em seu Art.
208: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de: I-ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada,
inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na
idade própria” (BRASIL, 2019a, p. 145).
Tendo como base esse princípio da Constituão de 1988, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN n° 9394/96, pontua a
EJA, especificamente, como Modalidade da Educação Básica, já incluindo
o “Princípio XIII garantia do direito à educação e à aprendizagem ao
longo da vida”, corroborando esse princípio na Lei n°13.632, de 2018:
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não
tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e
médio na idade própria e constituirá instrumento para a educação e a
aprendizagem ao longo da vida.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos
adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características
do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante
cursos e exames (BRASIL, 2019b).
Note-se que a LDBEN nº 9394/96 é enfática sobre a questão,
determinando o alcance relativamente à EJA, sendo consignado, também
na educação infantil e na educação especial, em legislação complementar,
a “garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida”. Isso
implica que tais institutos legais ampliam a perspectiva de educação
210
inclusiva, a qual não pode ser limitada à educação especial como, por vezes,
sói acontecer. E a inclusão de mais de onze milhões de analfabetos
absolutos no processo educativo brasileiro nos parece algo inadiável se
desejamos consolidar, verdadeiramente, o processo decirio no país.
Destaque-se, também, na legislação do ensino, a concepção na qual
a educação, de forma geral, deve estar articulada com a educação
profissionalizante. Porém, a educação não pode ser rasa, ou superficial,
para atender aos ditames do mercado. Nem apenas voltada ao ensino
profissionalizante ou técnico, em contexto de aligeiramento da formação.
Deve ir além e prover um ensino de formação geral, em sentido pleno, com
vistas à concretizão da emancipação do indivíduo e à viabilização de
condições de humanização do sujeito. Como bem cita a Comissão
Internacional sobre a Educação do século XXI:
A educação não serve, apenas, para fornecer pessoas qualificadas ao
mundo da economia: não se destina ao ser humano enquanto agente
econômico, mas enquanto fim último do desenvolvimento.
Desenvolver os talentos e as aptidões de cada um corresponde, ao
mesmo tempo, à missão fundamentalmente humanista da educação, à
exigência de equidade que deve orientar qualquer política educativa e
às verdadeiras necessidades de um desenvolvimento endógeno,
respeitador do meio ambiente humano e natural, e da diversidade de
tradições e de culturas (UNESCO, 1998, p. 85).
Essas teses sobre equidade e justiça social apontam para um projeto
de sociedade na qual os bens públicos como educação, saúde e cultura,
principalmente, são tratados articuladamente, preservados e promovidos
com vistas à dignificação da condição humana, à convivência solidária, à
liberdade, à fraternidade e ao desenvolvimento com base na
211
sustentabilidade e na preservação ambiental. É pela educação que o
homem se faz humano.
No entanto, se a análise dos planos nacionais de educação mais
recentes aponta para o corolário de que as desigualdades educacionais
expressam as desigualdades sociais e econômicas, impondo parâmetros
para a organização das políticas educacionais, também é fato que a
democratização do acesso à educação exige a melhoria progressiva da
qualidade do ensino. É o que sugerem Garcia e Hillesheim (2017, p. 135)
ao definirem que:
À medida que a educação é vislumbrada como meio para a superação
das condições de pobreza, sua articulação com outras políticas sociais,
como saúde, assistência social, moradia, trabalho e emprego etc., é
reforçada. Essa tentativa de integração de ações envolvendo todos os
entes da federação e a sociedade civil organizada não é algo novo
quando se pensa nos desenhos e no conteúdo das políticas públicas, o
que indica que as estratégias adotadas, com base na intersetorialidade,
não têm alcançado resultados suficientes para alterar a fragmentação e,
por vezes, a duplicidade de ações, cujo produto final é manutenção da
realidade que se tenta alterar.
De fato, a análise da Proposta Curricular para a Educação de
Jovens e Adultos revela de modo claro essa preocupação com o papel das
escolas na mobilização e organização de um processo formativo no qual a
comunidade se envolva, promovendo a integração dos diversos espaços
educativos:
Esse fato tende a mudar fundamentalmente a estrutura da sociedade,
criando novas dinâmicas sociais e econômicas, como também novas
212
políticas. É, pois, indispensável que a escola o considere e o debata,
especialmente em relação aos professores e alunos da EJA. Se a
educação torna-se central em todos os níveis, se a idéia de
aprendizagem toma conta de todas as áreas e se a necessidade de
aprender mantém-se presente por toda a vida (educação permanente),
as concepções de conhecimento, de aprendizagem, de autonomia
intelectual precisam ser rediscutidas pelos professores (BRASIL, 2002,
p. 96, sic).
Considerando, em síntese, as concepções básicas da legislação
brasileira sobre a educação, em especial, a Constituição Federal de 1988, a
LDBEN 9394/96 e as diretrizes emanadas da UNESCO, cabe agora
discorrer sobre a regulamentação da EJA no Município de Marília. Esta
abordagem será iniciada pela Lei Orgânica do Município (LOM) que é
considerada a Lei maior do município, ou seja, a Constituição do
município. A mesma traz no Título IV - Da Ordem Econômica e Social,
no Capítulo VIII Da Educação:
Art. 199: O dever do Município com a educação será efetivado
mediante a garantia de: V - oferta de ensino noturno regular, adequado
às condições do educando; para jovens e adultos que não tiveram acesso
na idade própria (MARÍLIA, 1990, p. 54).
Neste trecho nota-se o comprometimento que o município assume
em oferecer essa modalidade de ensino aos cidadãos desta cidade e como
tal, atualmente, vem oferecendo essa modalidade em duas Escolas
Municipais, uma localizada na Zona Sul e a outra na Zona Norte. Outro
ponto relevante é que o Artigo situa a oferta de ensino noturno regular e
direciona para a adequação às condições do educando, porém não profere
de quais maneiras se darão essas adequações. Portanto, torna-se necessária
213
uma reformulação das leis que regulamentam o Ensino da EJA de forma
que especifiquem como será desenvolvida essa modalidade no município
de Marília.
Desse modo, em que pese os esforços que devem ser reconhecidos,
impõe-se também que a comunidade escolar envolvida com a educação de
jovens e adultos possa conhecer, discutir e aprofundar tais diretrizes e
orientações, constituindo um rol de ações e princípios voltados para um
trabalho coerente com a realidade, transformando a cultura escolar,
sobejamente marcada ainda, no caso da EJA, pela função de suprimento,
ou seja, pela reposição mera e simples do direito outrora subtraído de
acesso à escolarização.
Para finalizar a seção sobre a esfera legal em relação à EJA no
município de Marília, resta mencionar a Lei Número 8354 de 19 de
fevereiro de 2019 que “Regulamenta o Sistema Municipal de Ensino de
Marília e dá outras providências”. A mesma é de ordem do Executivo e
traz no Capítulo III Do Direito à Educação e o Dever do Educador:
Art. 4. O dever do Município com a educação escolar será efetivado
mediante a garantia de: V - oferta de educação escolar regular para
jovens e adultos (E.J.A.), com características e modalidades adequadas
às suas necessidades e disponibilidades; VI - atendimento ao educando,
por meio de programas suplementares de material didático escolar,
transporte, alimentação e assistência à saúde (MARÍLIA, 2019, p. 02).
A mesma lei, traz na Subseção da Educação de Jovens e Adultos -
EJA Art. 20 e 21:
214
A Educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram
acesso ou continuidade de estudos no ciclo 1 (1° ao 5°) do Ensino
Fundamental § 1°. O Sistema Municipal de Ensino assegurará
gratuitamente aos jovens e adultos, a partir de 14 (catorze) anos de
idade, oportunidades educacionais apropriadas consideradas as
características do alunado, seus interesses, condições de vida e de
trabalho. § 2°. A Educação de Jovens e Adultos corresponde ao ciclo 1
do Ensino Fundamental, de forma presencial, com a duração mínima
de 2 (dois) anos, correspondentes a quatro semestres, com a carga
horária diária de 3 (três) horas e semanal de 15 (quinze) horas. Art. 21.
A sede da Secretaria Municipal da Educação certificará, mediante
avaliação de escolaridade de 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental os
processos formativos em escolarização anterior, que não apresentarem
comprovantes, para prosseguimento de estudos e ingresso no mundo
do trabalho (MARÍLIA, 2019, p. 09).
O princípio de igualdade compõe a base do Direito de cada
cidadão brasileiro e juntamente com o princípio da isonomia prevê a
aplicação igualitária das normas. Dessa forma a EJA como um de seus fins,
a todos apresenta este princípio de igualdade, como bem salienta o Parecer
CNE/CEB n°11/2000:
Desse modo, a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a
entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito
negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o
reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser
humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma
perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante.
Logo, não se deve confundir a noção de reparação com a de suprimento
(BRASIL, 2000, p. 07).
215
Note-se a ênfase na ideia de que reparação, tal como enunciado no
Parecer, não significa a mera reposição de um direito outrora negado. A
função reparadora desta forma deve se constituir em um ponto de partida
para a igualdade de oportunidades. A observação deste prinpio deve
consolidar a função equalizadora da EJA dando conta de garantir o direito
à educação, atendendo necessidades de aprendizagens específicas de
trabalhadores, senhoras do lar, aposentados, jovens com histórico de evasão
da escolar regular, enfim, todos àqueles que não tiveram a oportunidade
de concluir os estudos, ou precisou abandoná-lo por fatores diversos.
Considerando tudo que foi discorrido ao presente momento é
possível perceber que as Leis Municipais asseguram e regulamentam a
modalidade de ensino da EJA, porém ainda não estão conseguindo trazer
a demanda de jovens e adultos existente em Marília para a sala de aula, por
diversas razões, o que poderá resultar em retrocesso em relação à Política
Educacional do município, considerando-se, principalmente, os resultados
satisfatórios nos indicadores de avaliação em larga escala.
Dentre os incentivos para a procura da escola pelos jovens e adultos
estão as políticas socais inclusivas e formas inovadoras de divulgação,
utilizando-se mais os meios de comunicação de massa, e não apenas faixas
de divulgação na frente das escolas.
Trajetória da Educação de Jovens e adultos em Marília
A história da EJA, nos moldes atuais, em Marília deu-se a partir da
municipalização do ensino que foi iniciada em 1997. Em 1998, a Lei 4438,
de 21 de maio, instituiu o ensino supletivo no município de Marília.
Àquela época, os professores que atuavam nessas salas eram os professores
de Educação Infantil (Pré-escola), o que de certo modo revelava uma
216
incoerência se pensarmos na especificidade das atribuições. Em 2002, por
meio do Decreto n° 8500, de 08 de novembro, o prefeito da época
regulamentou a jornada diária fracionada do professor de EMEF, que a
partir deste Decreto passou a atuar em classes de Educação de Jovens e
Adultos:
Art.1°. O Professor de EMEF que atuar em classes de Educação de
Jovens e Adultos deverá ter sua jornada diária fracionada da forma
como segue: I- 03 (três) horas no período noturno, das 19 às 22 horas,
quando atuará efetivamente com alunos de Educação de Jovens e
Adultos; II- 02 (duas) horas no período diurno, segundo a necessidade
da escola em que estiver lotado, podendo ser de manhã ou à tarde,
quando será responsável pelas aulas de Reforço Escolar (MARÍLIA,
2002, p. 01).
Esse fracionamento se devia, obviamente, ao fato de que a
demanda da EJA é majoritária no período noturno, mas desconsiderou o
fenômeno histórico da juvenilização da EJA, ou seja, a demanda de
adolescentes que passam anos na escola regular, pouco aprendendo, e se
evadem, engrossando as estatísticas de analfabetismo funcional. Esses
sujeitos constituem o que alguns analistas denominam como geração
“nem, nem”, ou seja, não estudam e não trabalham. Considerar isso se
fundamental para a redução dos índices alarmantes de analfabetismo
funcional, uma vez que é significativo o contingente de pessoas com idade
pouco superior aos 15 anos, mas que não se adaptam mais ao ensino
regular, tornando imperativo o atendimento dessa demanda também no
período diurno. Além disso, a potica educacional para esses jovens precisa
pensar mecanismos de associação com processos de formação profissional
e de geração de renda.
217
No ano de 2014 o Decreto n° 11243, de 30 de abril de 2014,
tornou a atribuição das salas de EJA como Carga Suplementar de
Trabalho, ou seja, os docentes interessados faziam as inscrições e
apresentavam um Projeto (Proposta de Trabalho) e eram classificados pelo
tempo de efetivo exercício. Desta forma o docente assumiria uma sala no
período regular por 5 (cinco) horas, mais a sala da EJA, no período noturno
por 3 (três) horas.
Por fim a Lei 7825, de 30 de junho de 2015, extinguiu a Carga
Suplementar e implantou a Jornada Especial:
§ 4º - Para o Professor de EMEF e o Professor de LIBRAS: I a jornada
especial por tempo determinado, de 42 (quarenta e duas) horas
semanais, destina-se a: ** a) assumir orientações de estudos,
recuperação intensiva e paralela para os alunos com defasagem de
conteúdos; b) atuar no Projeto de Escolas de Educação em Tempo
Integral; c) ministrar aulas de Língua Estrangeira Moderna (Inglês),
desde que habilitado, para as classes de Ensino Fundamental; d)
ministrar aulas em classes de Educação de Jovens e Adultos EJA; e)
oferecer apoio a professores em classes que tenham alunos com
necessidades educacionais especiais (MARÍLIA, 1986, p. 14).
Assim, a atribuição da Jornada Especial passou a ser realizada por
meio de um processo seletivo interno de provas, promovido anualmente
pela Secretaria Municipal de Educação.
Em suma, a trajetória da oferta de salas de EJA teve início no ano
de 1998, quando foi instituído como Ensino Supletivo, com a abertura de
4 salas distribuídas nas quatro zonas de Marília. Em 1999 foi denominada
de Ensino Supletivo Educação de Jovens e Adultos, sendo aberta mais
uma sala na Zona Norte. Já em 2000 com a mesma denominação, foram
218
abertas mais salas na Zona Sul e também na Zona Norte. Este foi um
período promissor, onde essa modalidade cresceu gradualmente, pelo
menos em relação à oferta de vagas. Até o ano de 2007 a EJA passou por
um período de ascensão, sendo que nesta época o município contabilizava
em torno de dezoito salas de aula e atendia em média trezentos e cinquenta
alunos. Depois, com o passar dos anos começou a fechar as salas. Cada ano
diminuía o número de salas e em 2020 só restaram duas salas de EJA, uma
na Zona Norte e outra na Zona Sul, multisseriada, que atende alunos de
todas as regiões e até de distritos de Marília. Esta é uma realidade que
precisa ser revista. Segundo Freire (1967):
A própria essência da democracia envolve uma nota fundamental, que
lhe é intrínseca a mudança. Os regimes democráticos se nutrem na
verdade de termos em mudança constante. São flexíveis, inquietos,
devido a isso mesmo, deve corresponder ao homem desses regimes,
maior flexibilidade de consciência (FREIRE, 1967, p. 90).
Dessa forma, para garantir os princípios de igualdade e equidade,
reconhecendo os direitos de acesso e permanência na escola aos cidadãos
que historicamente tiveram essas prerrogativas negadas, é preciso que a EJA
seja operada em primeiro plano, ou que seja tratada de forma isonômica
diante das outras modalidades de ensino. Como muito bem foi ressaltado
por Miguel (2019):
Por certo, não há de se falar de equidade sem se atentar para a
diferença, isto é, para a necessidade de identificação e
reconhecimento da alteridade própria dos alunos das classes
populares em seu processo formativo, das valorizações das
experiências e méritos de cada um, para avançar no desenvolvimento
de seus conhecimentos e valores. Assim, é no contexto do
219
materialismo histórico-dialético que a questão ganha dimensão
inovadora relativamente às propostas de mero caráter meritocrático: é
preciso conhecer a sociedade, os alunos das classes populares que
tiveram reconhecido o direito de acesso à educação, mas não de
aprendizagem com qualidade, e os condicionantes para uma atuação
profícua na busca da superação das desigualdades sociais (MIGUEL,
2019, p. 32, grifos nossos).
De fato, além de reconhecer o direito de todas as pessoas à
educação é necessário ir além, ou seja, proporcionar uma educação de
qualidade garantindo a aprendizagem ao longo da vida. Só se combate as
desigualdades com bons projetos voltados às políticas públicas de combate
às desigualdades sociais e com investimento em educação, seja ele em
qualquer setor, ou modalidade, de modo a se consolidar efetivamente uma
política de educação inclusiva, a qual não pode ser reduzida ao
atendimento dos portadores de deficiências, ou seja, à educação especial.
Sem minimizar a importância do atendimento com qualidade dessa
clientela, é imprescindível considerarmos um contingente de analfabetos
absolutos que há décadas supera o quantitativo de 11 milhões de
brasileiros, entre os quais, também, um número significativo de portadores
de necessidades especiais, o que, per si, revela o alcance social, político e
econômico da educação de jovens e adultos. EJA é educação inclusiva na
melhor acepção da palavra inclusão.
Concluindo o tópico, importante ressaltar que o problema do
analfabetismo não se resolve sem políticas efetivas de distribuição de renda.
O que se observa é que, quanto menor a renda familiar, maior a
desigualdade de oportunidades para evolução na educação de seus
membros, sem desconsiderar as questões raciais e de gênero envolvidas na
constituição do analfabetismo.
220
As crianças desfavorecidas, destas famílias serão os jovens e adultos
de amanhã em busca de novas oportunidades e aprendizagens na
modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
O perfil identitário dos alunos da EJA em Marília/ SP: análise e
interpretação dos dados coletados
No momento em que escrevemos, vivemos uma realidade atípica,
em função da pandemia de COVID-19, o Coronavírus, a qual mudou a
rotina diária das pessoas. Dessa forma, todas as atividades, principalmente
ligadas à educação, ocorrem de maneira remota. Assim sendo, para realizar
a pesquisa com os alunos da EJA e também com os professores que atuam
nesse seguimento, foi utilizado uma ferramenta da Plataforma Google For
Education; o Google Forms, ou habitualmente conhecido como Google
Formurio. O mesmo possibilitou, de maneira remota, a coleta de dados
abordados nesse capítulo, sem que fosse necessário um contato direto com
os envolvidos na pesquisa. Com alguns alunos, devido ao fato de ainda não
estarem alfabetizados, o questionário foi realizado por meio do WhatsApp,
por videochamada.
Atualmente a cidade de Marília conta com duas escolas municipais
que trabalham com Educação de Jovens e Adultos, uma na Zona Sul (E1)
e outra na Zona Norte (E2). Por meio de contato com as Coordenadoras
de tais escolas, foi possível enviar o questiorio para que os professores e
também os alunos respondessem.
Participaram da pesquisa 5 (cinco) alunos da (E1) e 4 (quatro)
alunos da (E2). Em relação aos professores, apenas dois deles atuam no
momento: um na (E1) e o outro na (E2). Os outros respondentes, 5
221
(cinco) atuaram no passado, porém hoje lecionam no Ensino
Fundamental.
Os questionários foram divulgados pelas redes sociais (grupos de
WhatsApp) e também via e-mail. Para melhor apreciação e visualização
dos dados coletados durante a pesquisa, os mesmos foram organizados em
quadros com perguntas abertas para abordagem qualitativa e gráficos com
perguntas fechadas para abordagem quantitativa. Em algumas situações foi
necessário elencar consecutivamente os quadros e os gráficos, pois se
tratavam de perguntas sequenciais e complementares à anterior. Também
foi utilizado o agrupamento de questões por seções: dados pessoais; perfil
socioeconômico e escolarização.
Entende-se por P (1): P (pergunta) e o numeral (1) remete-se ao
mero da pergunta. Da mesma forma, entende-se por R (1): R
(respondente) e o numeral (1) ... (2)... se referem às pessoas que
responderam às questões.
Por meio das respostas coletadas, o próprio Google Forms, os
apresenta na forma de Gráficos de Setores. Desta forma foram
estabelecidas algumas análises e discussões acerca destes dados.
222
O Gráfico 1 apresenta os dados obtidos dos nove alunos
respondentes, sendo que apenas um assinalou como sendo branco os
outros (oito) assinalaram a cor parda. O Censo Escolar da Educação Básica
2019, publicada em 31 de janeiro pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), aponta que pretos e pardos
predominam nos dois níveis de ensino, no Ensino Fundamental
representam 75,8% dos alunos, porcentagem parecida com a apresentada
na pesquisa em Marília. Em relação ao sexo, nota-se que 66,7% são
mulheres, contabilizando um total de seis respostas do sexo feminino. O
mesmo Censo aponta que quando os estudantes apresentam mais de 30
anos, as mulheres totalizam 58,6%, tal fato também é observado em
relação aos respondentes desta pesquisa.
Destaque-se, o que também aparece nos indicadores da EJA, a
presença marcante do público feminino nas salas de aula, fenômeno
relacionado ao movimento de emancipação feminina. Decididamente, as
mulheres progressivamente superam as dificuldades para estudar em
função de impeditivos relacionados a questões de gênero.
223
Quanto às idades dos respondentes observa-se que todos os
indivíduaos estão acima da faixa etária de trinta anos, contrariando o que
traz o Censo 2019, possivelmente em função da dimensão da amostra. Ele
aponta que os alunos com menos de trinta anos representam 62,2% das
matrículas da educação de jovens e adultos. Em relação ao estado civil, se
percebe que há um equilíbrio entre os que estão separados, viúvo e em
união estável. Porém se sobressaem os solteiros em relação aos casados.
Gráfico 3 Perfil Socioeconômico
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
Na questão sobre a situação atual no gráfico 3 os respondentes
podiam assinalar mais de uma resposta, um deles assinalou como
“Autônomo” e “Do lar”. Somente três dos nove indivíduos entrevistados
são assalariados.
224
Gráfico 4 Perfil Socioeconômico
Possui carteira assinada?
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
Outro dado importante sobre o perfil socioeconômico foi que a
maioria dos respondentes não possui registro em carteira. Alguns estão
desempregados, outros vivem como autônomos. As profissões variam
como mostra o quadro a seguir.
Quadro 1 - Questões Abertas P (1)
P (1) Perfil Socioeconômico: Profiso que exerce
R(1)
Saqueiro- afastado (INSS)
R(2)
Doméstica
R(3)
Servente de pedreiro
R(4)
Dona da casa
R(5)
Doméstica
R(6)
Dona de casa.
R(7)
Diarista
225
R (8)
Pensionista
R (9)
Não respondeu
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
Gráfico 5 Escolarização
Você está matriculado em qual termo?
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
Como mencionado anteriormente, atualmente em Marília é
oferecido o ensino da EJA em apenas duas escolas. Nestas há um total de
40 alunos, dezoito na escola da Zona Norte e 22 na escola da Zona Sul.
Eles estão alocados em salas multisseriadas, ou seja, que englobam
educandos de todos os Termos da EJA.
Entre os alunos desta pesquisa constatou-se que a maioria está no
Termo I, seguida do Termo II, um aluno faz parte do Termo III e nenhum
ingressou no Termo IV. Esses Termos se remetem aos cinco anos do
Ensino Fundamental, isso significa que em sua maioria ainda não estão
alfabetizados e como tal são provenientes de processos educacionais não
inclusivos.
226
Segundo Gadotti (2011) tal fato é decorrente da desigualdade
social.
Gráfico 6 Escolarização
Como se sente em relação aos estudos?
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
Quadro 2 - Questões Abertas P (2)
P (2) Escolarização: Por que você se sente desta forma em relação aos estudos?
R(1)
Porque eu quero ser alguém na vida
R(2)
Porque eu estou aprendendo muito ao estudar.
R(3)
Porque estou aprendendo a ler
R(4)
É bom estudar
R(5)
Por vontade de aprende além que eu já sei
R(6)
Porque tenho muita dificuldade.
R(7)
Por que eles nos tratam muito bem (os professores)
R(8)
Não respondeu
R(9)
Não respondeu
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
227
Quadro 3 - Questões Abertas P (3)
P (3) Escolarização: O que vo gostaria de aprender nas aulas?
R(1)
Ler e escrever
R(2)
Aprender mais matemática
R(3)
Eu quero aprender fazer contas
R(4)
A ler e a escrever
R(5)
Matemática
R(6)
Português
R(7)
Aprender a ler e escrever
R(8)
Aprender a fazer contas, de escrever e cantar as músicas, conversar, fazer
amigos.
R(9)
Não respondeu
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
O Gráfico 6 e os Quadros 2 e 3, mostram as expectativas dos alunos
entrevistados em relação às atividades desenvolvidas em sala de aula. No
Quadro 3 os alunos sugerem algumas alternativas para suprir seus anseios
em relação ao que é proposto pela escola. Vê-se que eles almejam muito
pouco relativamente ao que têm direito. E conforme os dados analisados
no Gráfico 62,5% se consideram animados em relação aos estudos, porém
existe uma parcela 12,5% que se consideram desanimados.
Destaque-se o fato de quatro respondentes manifestarem gosto
pela aprendizagem matemática, algo não muito corriqueiro nos processos
de EJA. Além disso, um dos respondentes relata o papel da EJA na
socialização, na convivência e no acolhimento quando declara que gosta de
“fazer amigos”. Depoimentos desta natureza reforçam a tese da educação
228
como espaço para consolidação da humanização no sentido de Freire
(1996; 2005).
Gráfico 7 Escolarização
Por quanto tempo você ficou afastado da escola?
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa/Google Forms.
Com os dados acima é possível vislumbrar que a maioria ficou
por muitos anos fora do ambiente de escolarização, ou seja, mais de trinta
anos, constituindo um processo de envelhecimento da clientela da EJA.
Mas há um contingente significativo (33,3%) de sujeitos que ficaram
entre 5 e 10 anos fora da escola, os jovens da EJA que nesse contexto
educacional se sentem acolhidos. Observa-se que em Marília o
analfabetismo ou a escolarização baixa recrudesce nas faixas etárias mais
avançadas, mas há contingente significativo em contexto de juvenilização
dos processos de EJA.
Quando foram questionados sobre o que fez com que voltassem
a estudar foram obtidas várias respostas: “ampliar o conhecimento”;
“Realização de um sonho pessoal”; “Recuperar o tempo perdido”;
“Exigência do mercado de trabalho”.
229
Gráfico 8 Escolarização
Com a volta aos estudos o que mudou em sua vida?
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa/Google Forms.
No gráfico acima é possível perceber que a maioria alega que a volta
à sala de aula e a continuação dos estudos melhoraram a autoestima dos
respondentes. Dois respondentes sinalizaram melhora no
“Relacionamento familiar” e os outros foram categóricos ao afirmarem que
ocorreu uma melhora significativa em relação à autoestima. Quando o
aluno retorna aos estudos ele busca aprimorar não somente no que tange à
alfabetização, ou os cálculos mateticos.
Uma característica frequente do (a) aluno (a) é sua baixa autoestima,
muitas vezes reforçada pelas situações de fracasso escolar. A sua
eventual passagem pela escola, muitas vezes, foi marcada pela exclusão
e/ou pelo insucesso escolar. Com um desempenho pedagógico anterior
comprometido, esse aluno volta à sala de aula revelando uma
autoimagem fragilizada, expressando sentimentos de insegurança e de
desvalorização pessoal frente aos novos desafios que se impõem
(BRASIL, 2006, p. 16).
230
Evidencia-se, também, que não são citadas as categorias
“Relacionamento profissional” e “Ascensão no trabalho”.
E revela, enfim, que o aluno da EJA busca o aprimoramento pleno,
ou seja, precisa ser ouvido, ser respeitado e principalmente é necessário que
o professor explore todo o legado trazido ao longo da sua trajetória.
Quadro 4 - Questões Abertas P (4)
P (4) Escolarização: O que você gostaria que mudasse em relação aos conteúdos
ensinados na EJA? O que gostaria de aprender queo faz parte da programação
atual?
R(1)
Queria que tivesse cartilha e tarefas para fazer em casa. Uma profissão nova
(curso profissionalizante)
R(2)
Que os professores ensinassem um pouquinho mais. Gostaria que tivesse
também algum curso lá dentro.
R(3)
Aulas de culinárias
R(4)
Que a escola focasse mais em ensinar a ler e a escrever
R(5)
Informática
R(6)
Apenas aprende a. Ler
R(7)
Ter aula de informática e de culinária.
R (8)
Não respondeu
R (9)
Não respondeu
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
Na última questão os respondentes podiam sugerir alguns
conteúdos, ou atividades que eles gostariam que fizessem parte do
Currículo da EJA. Nota-se que alguns ainda buscam o básico: ler, escrever
e fazer contas simples utilizando as quatro operações, porém outros fazem
231
apontamentos à inserção de alguns cursos profissionalizantes, ou cursos
diferentes dos fornecidos nas grades curriculares do município. Uma
política de formação profissional e desenvolvimento de processos de
geração de renda são absolutamente compatíveis com a escolarizão na
EJA e podem contribuir para reduzir a evasão.
Perfil do professor da EJA em Marília/SP:
análise e interpretação dos dados coletados
A divulgação, distribuição, coleta e interpretação dos dados
recebidos dos professores da EJA foi igual ao realizado com os alunos. Eles
passaram pelas mesmas etapas e também foram organizados em gráficos e
quadros para melhor visualização e apreciação.
Gráfico 9 Formação
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa/Google Forms.
No Gráfico 9 é possível perceber que a maioria dos professores que
atuaram na EJA não possuem uma formação específica. Os docentes que
232
estão atualmente nesta modalidade de ensino não possuem especialização,
ou seja, fazem parte dos 57,1% da pesquisa. Eles são contratados para
Jornada Especial Determinada por um certo período. Geralmente para o
ano letivo vigente. A sua Portaria pode ser revogada a pedido, ou por seu
chefe imediato, neste caso o Diretor (a). Ou quando não houver mais
interesse ou necessidade do Poder Público.
Os dados coletados na pesquisa realizada por meio do Google
Forms foram organizados nos quadros abaixo para melhor visualização e
apreciação, da mesma forma de como foi realizada a pesquisa com os
alunos da EJA. Entende-se por P (1): P (pergunta) e o numeral (1) remete-
se ao número da pergunta. Entende-se por R (1): R (respondente) e o
numeral (1) ... (2)... ao professor que respondeu às questões.
Quadro 5 - Questões Abertas P (5)
P (5) Voconsidera o Currículo da EJA adequado? Justifique?
R(1)
Na época em que atuei, havia muitas tentativas de tornar o Currículo
adequado, pois acredito que varia muito de acordo com o tipo de interesse
que a turma tem.
R(2)
Sim. muito o que melhorar, mas, de modo geral, é adequado
R(3)
Não. O professor precisa adeq-lo à realidade do adulto
R(4)
Sim, Porque existe o currículo...mas ele pode ser flexível, para atender as
necessidades de aquisição de conhecimentos dos educandos.
R(5)
Sim
R(6)
Não! Deveria ser mais prático e menos teoria.
R(7)
Não
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
233
Em relação ao currículo, a maioria indica que é necessário ocorrer
uma melhoria na organização curricular. Citam ainda, que houve
tentativas de adeq-lo, porém em decorrência da diversidade cultural dos
alunos fica difícil manter um currículo fechado, engessado. Também foi
mencionado por uma respondente sobre a necessidade de flexibilização do
currículo da EJA. Dessa forma aponta o Parecer CNE/CEB n°11/2000:
O importante a se considerar é que os alunos da EJA são diferentes dos
alunos presentes nos anos adequados à faixa etária. São jovens e
adultos, muitos deles trabalhadores, maduros, com larga experiência
profissional ou com expectativa de (re) inserção no mercado de
trabalho e com um olhar diferenciado sobre as coisas da existência, que
não tiveram diante de si a exceção posta pelo art. 24, II, c. Para eles,
foi a ausência de uma escola ou a evasão da mesma que os dirigiu para
um retorno nem sempre tardio à busca do direito ao saber. Outros são
jovens provindos de estratos privilegiados e que, mesmo tendo
condições financeiras, não lograram sucesso nos estudos, em geral por
razões de caráter sócio-cultural (BRASIL, 2000, p. 33-34).
Por isso, o papel do professor se torna fundamental. Pois é ele que
irá, de acordo com a necessidade da sua sala, propor a flexibilização do
currículo levando em consideração a vivência e experiência de seus alunos.
Partir do que o indivíduo já traz consigo, para ampliá-lo e escolarizar esse
conhecimento, para que assim não fique apenas no senso comum. Em que
pese a existência de diretrizes curriculares para a EJA, contemplando
razoavelmente a ideia de flexibilização, a cultura escolar não as incorporou
ao cotidiano das aulas.
234
Quadro 6- Questões Abertas P (6)
P (6) Para você, o professor da EJA precisa de uma formação continuada permanente
para aprimoramento da sua prática de ensino? O munipio oferece essa formão?
De que maneira?
R(1)
Sim. Havia reuniões semanais para discussão de problemas e estudos em
grupo.
R(2)
Sim, para mim é absolutamente necessária uma formação continuada com
cursos e capacitações visando o aprofundamento. O município fornece
formação para a alfabetização atras de cursos na Secretaria da Educação e
também do próprio HEC nas escolas, porém a relação de ensino com o EJA
é bem específica e deveria ter algo voltado somente a esse público.
R(3)
Sim. Necessita. Porém, desde 2016 essa formação continuada foi extinta,
em conjunto com o fechamento progressivo e sem justificativa das salas de
EJA existentes
R(4)
Sim, o professor necessita dessa formação, mas o munipio não oferece.
R(5)
Sim, mas o município não oferece
R(6)
Deveria acontecer, mas aqui não temos
R(7)
Concordo, os cursos sempre auxiliam na prática
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
Essa questão traz à tona um problema enfrentado atualmente: a
falta de uma formação continuada para os professores que trabalham neste
seguimento. É necessário criar parcerias entre as universidades locais e a
Secretaria Municipal de Educação para proporcionar a esses professores
uma formação continuada e específica na área, com profissionais
qualificados. Assim, esses professores teriam um maior envolvimento com
a constrão do currículo. Sendo capazes de flexibilizá-lo e adequá-lo à
realidade de seus alunos. De fato:
235
[...] o problema da educação de jovens e adultos remete,
primordialmente, a uma questão de especificidade cultural. É
necessário historicizar o objeto da reflexão pois, ao contrário, se
falarmos de um personagem abstrato, podemos incluir,
involuntariamente, um julgamento de valor na descrição do jovem e
do adulto em questão: se ele não corresponde à abstração utilizada
como referência, ele é contraposto a ela e compreendido a partir dela,
e definido, portanto, pelo que ele não é (OLIVEIRA, 2008, p. 19).
No curso de sua reflexão, Oliveira (2008) demonstra a necessidade
de uma abordagem da EJA associada à teoria histórico-cultural para
contemplar a retroalimentação dos artefatos culturais concretos e
simbólicos, as formas de significão, as visões de mundo e as histórias de
vida inerentes ao grupo sociocultural no qual os educandos estão inseridos.
Os depoimentos dos docentes entrevistados apontam para essas
preocupações, sugerindo nas entrelinhas que o problema não se refere
apenas às diferenças individuais, mas principalmente às difereas sociais,
fato que reforça a ideia de que o problema do analfabetismo não se resolve
apenas pela oferta de vagas, mas exige transformação da cultura escolar e
políticas blicas voltadas à minimização da desigualdade social.
Quadro 7 - Questões Abertas P (7)
P (7) Você leva em consideração a realidade social do aluno ao preparar suas
aulas? Justifique.
R(1)
Sim. Pois do contrário, os alunos perdem o interesse e evadem.
R(2)
Sempre. Sobretudo para os alunos do EJA trabalhar conceitos a partir de
elementos e situações de sua realidade concreta proporciona um melhor
aprendizado e até mais rápido.
236
R(3)
Sim. O tempo todo. Principalmente trazendo o olhar crítico do aluno
sobre sua trajetória de vida, ou sua vivência; bem como a valorização dos
seus aspectos culturais.
R(4)
Com certeza, os temas das aulas precisam fazer sentidos no dia a dia dos
educandos
R(5)
Sim, porque cada aluno vive num contexto social diferente.
R(6)
Sim. Pois é necessário trabalhar com a realidade.
R(7)
Sempre.
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
Os docentes que se propõem, efetivamente, à abordagem da
educação de jovens e adultos com tais preocupações devem considerar que
a escola é, de forma simultânea, um espaço de confronto de culturas e de
encontro de singularidades. Por isso buscam romper com práticas
educativas a serviço da domesticação dos grupos pouco ou não
escolarizados, voltados à conformação dos educandos à forma dominante
e padronizada de funcionamento intelectual. Um processo educativo no
qual
A solidariedade social e política de que precisamos para construir a
sociedade menos feia e menos arestosa, em que podemos ser mais nós
mesmos, tem na formação democrática uma prática de real
importância. A aprendizagem da assunção do sujeito é incompatível
com o treinamento pragmático ou com o elitismo autoritário dos que
se pensam donos da verdade e do saber articulado (FREIRE, 1996, p.
42, grifos do autor).
237
Quadro 8 - Questões Abertas P (8)
P (8) De que forma você trabalha com as vivências e experiências trazidas pelos
alunos? Tem conseguido transformar essas experncias em conhecimento
significativo para o desenvolvimento da aprendizagem? Justifique.
R(1)
Sim. Buscando textos, atividades e levando essas vivências a discussões
coletivas.
R(2)
Atras de rodas de conversas eu procuro conhecer a realidade social e
escolar de cada um, até onde estudou, o porquê parou, o que motivou a
voltar a estudar e, a partir disso, crio conteúdos e estratégias de ensino.
R(3)
Sempre procuro utilizar temas de trabalho, que em algum momento
abordem experiências ou vivências comuns aos alunos. Quando
chegamos nesse ponto, eles argumentam, falam sobre suas vidas e
analisam o tema trabalhado em comparação com o vivido. É como um ir
e vir ...que faz com que se avança na aprendizagem. Um exemplo,
Mazzaropi foi um ator, produtor, cineasta que não teve estudos e é
aclamado por todas as gerações. Quando trabalhamos a história da vida
dele, os alunos relatam suas vivências, o porquê não estudaram na idade
certa... entre outras análises posveis.
R(4)
Valorizando as experiências trazidas por eles e socializando. A partir delas
desenvolver estratégias para trabalhar os conteúdos.
R(5)
Sim, sempre que possível!
R(6)
Não posso opinar, fiquei pouco tempo com uma turma
R(7)
Sempre, as experiências que trazem de casa enriquece o aprendizado.
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
O quadro 8 denota indícios da imperiosidade pedagógica de
produção de sentidos de aprendizagem e de negociação de significados da
ciência ao apontar para o alcance pedagógico das discussões coletivas, das
vivências, de artefatos da cultura popular e das histórias de vida.
238
Considerar tais invariantes da realidade cultural da EJA impõe ao
professor sair da “zona de conforto” dos pacotes curriculares engessados,
marca característica da prescrição curricular, e lançar-se na “zona de risco”
do currículo real, em processo, típicos dessa realidade escolar. Um
currículo com ação compartilhada entre educadores, educandos e gestores.
Uma escola para jovens e adultos, com esses propósitos, precisa
viabilizar o processo de apropriação das primeiras letras a partir do texto,
para compreender o contexto, e não pela abordagem fragmentada da
silabação. Igualmente, deve tratar omero não apenas como quantidade,
mas também como um código tal como se registra nos documentos de
identificação dos sujeitos, o RG e o CPF, ou como a compreensão da
ordenação necessária para localizar uma determinada residência.
Quadro 9 - Questões Abertas P (9)
P (9) Como você trabalha para contribuir para a permanência dos seus alunos,
para que eles não desistam de frequentar as aulas? O que você faz para que seus
alunos obtenham êxito no processo de escolarização?
R(1)
Tentava descobrir o que levou o aluno a voltar a estudar e tentava
adequar as aulas ao interesse da maioria dos alunos.
R(2)
Além do trabalho no ensino da Língua Portuguesa e da Matemática, eu
tento criar um ambiente mais leve, de harmonia e companheirismo onde
eles se sintam acolhidos e não tenham vergonha de expor suas
dificuldades. Também gosto de conversar e brincar bastante com eles,
contar piadas e histórias para que, além do ensino, tenham ali um lugar
onde gostam de estar.
R(3)
O professor de EJA precisa estabelecer um laço afetivo com os alunos e
mostrar a eles que cada dia ali é importante...que nós somos capazes de
aprender, cada um em seu tempo, mas que todos nós aprendemos. E que
estudar é um ato que só a pessoa pode fazer por ela mesma...Cada dia de
aprendizado nos torna melhor que "ontem". E que esse processo não
239
precisa ter tempo para acabar, pode ser contínuo...ao longo da vida! É
um direito humano.
R(4)
Diversifico bem as aulas usando estratégias diferentes...
R(5)
Muito incentivo
R(6)
Muitas vezes recorro a minha própria história de vida
R(7)
Muita conversa, "bate papo", ter muita paciência ao ensinar.
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
As questões apresentadas nos Quadros 7, 8 e 9 discorrem sobre o
fazer da prática docente em sala de aula. Em ambos, os respondentes
deixam claro que sempre levam em consideração a experiência que o aluno
traz para a sala de aula, e a partir dele elaboram seus Planos de Aula. A
questão abordada no Quadro 9, complementa e mostra como o professor
age para evitar que, mais uma vez, esses alunos abandonem os estudos.
Como bem salienta o Parecer CNE/CEB n°11/2000:
A maior parte desses jovens e adultos, até mesmo pelo seu passado e
presente, movem-se para a escola com forte motivação, buscam dar
uma significação social para as competências, articulando
conhecimentos, habilidades e valores. Muitos destes jovens e adultos se
encontram, por vezes, em faixas etárias próximas às dos docentes. Por
isso, os docentes deverão se preparar e se qualificar para a constituição
de projetos pedagógicos que considerem modelos apropriados a essas
características e expectativas. Quando a atuação profissional merecer
uma capacitação em serviço, a fim de atender às peculiaridades dessa
modalidade de educação, deve-se acionar o disposto no art. 67, II que
contempla o aperfeiçoamento profissional continuado dos docentes e,
quando e onde couber, o disposto na Res. CNE/CEB 03/97 (BRASIL,
2000, p. 57).
240
Esse trecho do Parecer, evidencia a indispensabilidade de uma
capacitação do profissional da educação que trabalha com jovens e adultos.
E enfatiza que os professores devem elaborar projetos pedagógicos que
valorizem e desenvolvam as habilidades necessárias aos alunos que
frequentam a EJA.
Quadro 10 - Questões Abertas P (10)
P (10) Caso julgue necessário faça apontamentos e observações que considere
importante e que não foram indagadas neste questionário.
R(1)
Quando se tem uma turma de EJA, o fator mais difícil é manter os alunos
na escola durante todo o ano letivo. Muitos fatores externos contribuem
para a evasão.
R(2)
Talvez hoje a principal dificuldade do trabalho seja a questão da sala
multisseriada, há alunos em níveis muito diferentes na mesma sala o que,
consequentemente prejudica o ensino visto que é necessário preparar
conteúdos muito diferentes e dar atenção individual
R(3)
No momento, sem apontamentos.
R(4)
Os alunos da EJA, são em sua maioria inseguros e o prof. valorizando os
seus conhecimentos eleva muito a sua autoestima e a capacidade de
aprender ...e lutar com as dificuldades diárias para estarem em sala de aula.
Pra mim, foi uma experiência gratificante atuar com essa modalidade de
ensino.
R(5)
Trabalhar com a EJA é muito especial e relevante, os alunos sentem a
necessidade e de aprender, são esforçados, porém aqui em Marília se torna
difícil, pois a sala é multisseriada e fica difícil atender a todos nas suas
especificações e necessidades.
R(6)
Nada a constar
R(7)
Mais cursos voltados para esse tipo de ensino
Fonte: Arquivo de dados da pesquisa.
241
Na última questão os professores puderam relatar, segundo o seu
ponto de vista, aspectos que não foram abordados nesta pesquisa. Surgiu
outro fator mencionado no início deste capítulo: as salas multisseriadas.
Este fato deixa o professor apreensivo e inseguro, justamente por não ter
uma formação inicial e a posteriori, a continuada que dê conta de tratar
destes assuntos de forma a desmistificá-lo e propor ações possíveis para o
trabalho com salas multisseriadas.
Como bom professor devo saber que sem a curiosidade que me move,
que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino.
Exercer a minha curiosidade de forma correta é um direito que tenho
como gente e a que corresponde o dever de lutar por ele, o direito à
curiosidade (FREIRE, 1996, p. 95).
Os problemas relativos ao conteúdo e à estrutura da Atividade de
Estudo se colocam em um contexto didático-pedagógico no qual a unidade
da atividade consciente é composta pelo caráter coletivo da prática da
atividade por um sujeito ou grupo social, de acordo com Davidov (2019):
A atividade coletiva é praticada pelo sujeito coletivo. Qualquer
atividade coletiva possui formas materiais e espirituais de sua
realização, ou seja, algo que é chamado de comunicação profissional.
Isso seria o primeiro ponto. O segundo ponto é a comunicação entre
as pessoas e a reflexão de uma pessoa ou do coletivo sobre suas ações,
sobre as ações do outros membros e métodos usados por outras pessoas
para executar uma ou outra ação. O terceiro ponto da unidade da
atividade é o plano ideal e a imaginação. O quarto ponto é a atividade
individual consciente do sujeito individual (DAVIDOV, 2019, p.
298).
242
Por que o posicionamento do autor é importante? Sem dúvida,
porque a aprendizagem se constitui no plano das interações. É a
aprendizagem que guia o desenvolvimento das pessoas. Imagine-se uma
sala multisseriada na qual se deva discutir a temática da migração. Por
certo, ao se fazer um levantamento, que pode oral, das histórias de vida dos
educandos, constatar-se-ão peculiaridades relativas à naturalidade, formas
e condições de locomoção, questões ambientais, demográficas,
dificuldades para a sobrevivência, etc., as quais se revelarão ricas de nuances
científicas a serem exploradas, inclusive, matemáticas.
Essas particularidades podem ser exploradas em diversos níveis de
abordagem, seja dos educandos envolvidos com a busca de conhecimento
das primeiras letras, seja no contexto daqueles interessados em atividades
pós-alfabetizão. A troca entre esses sujeitos e o docente propiciará uma
nova forma de percepção da sala multisseriada, impondo-se uma
transformação da cultura escolarizada ainda muito marcada pelo
individualismo.
Impõe-se, então, favorecer o desenvolvimento da autonomia dos
educandos, estimulando-os à avaliação permanente de seus avanços e
dificuldades, de modo a contribuir para a tomada de consciência do modo
como a sua aprendizagem se realiza. À medida que aprendem, se
desenvolvem, tornando-se mais aptos até a colaborar com a aprendizagem
dos outros colegas.
Assim, encerra-se esta seção comungando-se do pensamento de
quem sempre lutou pela conscientização, pela libertação das amarras da
opressão. Um ser humanizado e completo, embora inconcluso, mas capaz
de pensar e permanecer como membro atuante na busca da transformação
da atual sociedade. Livre de preconceitos, poderá compreender a realidade
para depois transformá-la, se tornando sujeito da sua própria história
(FREIRE, 2005). É preciso saber de onde vem e onde se quer chegar.
243
Considerações Finais
Diante do que foi exposto neste capítulo e de acordo com a análise
e interpretação dos dados obtidos pelos questionários, realizados
remotamente, conclui-se que os professores procuram levar em
consideração a bagagem cultural trazida pelos alunos da EJA e, na medida
do possível, tentam adequar os conteúdos trabalhados com esses alunos.
Porém, percebe-se que, em alguns momentos, os professores se sentem
engessados pelo Currículo. Outras vezes se sentem isolados pois, segundo
seus relatos, não possuem formação inicial em Educação de Jovens e
Adultos e também não são ofertadas, ao menos atualmente, uma formação
continuada para esses professores que atendem a EJA.
É sabido que a Educação de Jovens e Adultos possui suas
especificidades. Não é possível considerar um currículo elaborado para as
crianças do Ensino Fundamental como algo que possa ser empregado na
EJA. Pois, como discutido, uma dificuldade ainda presente nos processos
de EJA é a tendência à infantilização dos jovens e adultos. Deve-se,
efetivamente, serem levadas em consideração, as experiências de vida e as
vivências desses alunos para a posterior escolarização. Nesse sentido, é
preciso transformar a cultura escolar que torna hermético o conhecimento,
desvelando, no mais profundo sentido freireano, as amarras para
consolidação do princípio da educação como o mais sublime ato de
humanização. Sobre esse ponto de vista é crucial que a liderar e organizar
esse pensamento pedagógico esteja um professor qualificado, especializado,
em constante processo de formação continuada. Será ele, o professor, o
mediador para transformar o saber que o aluno já traz consigo de forma a
ampliá-lo, tornando-o um saber científico.
244
Outra questão importante é o fato de que em Marília ainda não
existe o Cargo de Professor da EJA. Essas salas são atribuídas por meio de
Jornada Especial. É necessário mobilizar as instâncias de gestão,
principalmente o Poder Executivo, para que se elabore um Projeto de Lei
neste sentido. Pensar a educação inclusiva, voltada à superação do
contingente de analfabetos no país, ainda superior a onze milhões de
pessoas, impõe considerar a especificidade do trabalho educativo na EJA e
a necessidade de profissionalizão docente.
Torna-se necessário também, a implementação de políticas
universitárias de oferta de cursos voltados à formação de professores para
lecionar nesta modalidade de ensino.
Por fim, tem-se como certo que é necessário um engajamento nas
políticas blicas do município de Marília para que, de fato, possam
interferir diretamente para desenvolver esse segmento da Educação Básica,
ainda posto em contexto de segundo plano, algo que não se constitui como
prioridade. É preciso nivelá-lo às demais modalidades de ensino.
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249
Os Atuais Desafios da Educação de Jovens e Adultos
Para a Emancipação: Crise da Democracia e
Desescolarização
João Paulo Francisco de Souza
30
Raquel dos Santos Candido da Silva
31
Introdução
A educação como prática da
liberdade, ao contrário daquela
que é prática da dominação,
implica a negação do homem
abstrato, isolado, solto, desligado
do mundo, assim como também a
negação do mundo como uma
realidade ausente dos homens
(FREIRE, 2002, p. 70)
30
Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, na Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília (UNESP-FFC).
Professor-coordenador na Educação Básica na modalidade EJA, na Secretaria Estadual da Educação
do Estado de São Paulo. E-mail: joaopaulo.francisco@protonmail.com.
31
Mestranda em Educação e bolsista CAPES-PROEx, pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, na Faculdade de Filosofia
e Ciências de Marília (UNESP-FFC). Professora na Educação Básica na modalidade EJA, na
Secretaria Estadual da Educação do Estado de São Paulo. E-mail: raquel.candido@unesp.br.
250
Neste capítulo, analisamos as perspectivas e desafios para a
educação de jovens e adultos, EJA, situadas no âmbito da contribuição que
deve prestar à guisa de inclusão educacional efetiva de amplo segmento de
sujeitos oriundos das camadas populares e no contexto de profundas
transformões sociais, políticas e econômicas da realidade brasileira
contemporânea. Para agravar o quadro, vivemos a partir do final do ano
de 2019 a excepcionalidade de uma pandemia, colocando em crise o
funcionamento da sociedade, seus valores, costumes e posturas e
aprofundando a desigualdade.
Se, por um lado, é fato que progressivamente a EJA se constitui
como reconhecido campo de reflexões teóricas, avançando de um lócus
secundário na análise do cenário educacional para uma dimensão um
pouco mais considerada no debate acadêmico, por outro lado, a ela se
impõe a assunção de uma identidade efetivamente voltada à pretensão de
educação continuada, para todos e ao longo da vida e a retomada de
atendimento efetivo da demanda, prejudicada por um quadro,
recentemente acentuado, de supressão de vagas.
Assim, o presente estudo se estabelece com base em ampla pesquisa
bibliográfica sobre a temática da EJA, em análise documental sobre a
constituição legal dos seus processos e na nossa atuação como gestores e
educadores nesta área do conhecimento.
O ano de 2020 foi um ano atípico no que se refere à educação
escolar; vivenciamos uma pandemia global que exigiu o isolamento físico
e com isso, o fechamento de escolas em todo o mundo. No Brasil, foram
implementadas medidas de isolamento físico que alteraram os meios de
oferta da educação escolar pública e privada e, em todas as modalidades de
ensino, vemos o delinear das consequências da implementação do ensino
remoto em decorrência da impossibilidade de oferta de um ensino
presencial. Tais mudanças, trazidas com uma agilidade que nunca se viu
251
antes no que se refere à implementação de políticas públicas educacionais,
fizeram com que a educação escolar ganhasse novos contornos,
influenciando o cotidiano, as vivências e experiências de educadores e
educandos, que tiveram de se adaptar às exigências de uma educação
mediada pelo uso das tecnologias digitais.
Concomitantemente, afora as discussões sobre as inúmeras
contradições que impossibilitam que estudantes brasileiros, em sua
maioria, de fato participem e acompanhem o ensino realizado
remotamente - pela ausência de infraestrutura, equipamentos, mobília e
internet - o período pandêmico aprofunda a exclusão de inúmeros sujeitos,
seja por meio do agravamento dos conflitos que se dão em um âmbito
sócio-político, seja pelos contextos internos da educação escolar que tem
historicamente levado à exclusão. Nos últimos anos, temos observado o
avanço de políticas educacionais excludentes centradas no treinamento dos
indivíduos, que são anteriores ao cenário panmico.
No caso da Educação de Jovens e Adultos o quadro é bem
preocupante. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), em 2019, portanto, antes da pandemia do COVID-19, o Brasil
apresentou a marca de 11, 3 milhões de analfabetos, que corresponde a
6,8% de uma população de pouco mais de 166 milhões de pessoas acima
de 15 anos, o que demonstra a falta de políticas públicas voltadas para essa
população e o esvaziamento das políticas existentes, que caminham junto
ao avanço do neoliberalismo e das reformas educacionais.
O agravamento dessa situação se evidenciou no ano de 2020 com
a pandemia, quando se reduziram ainda mais a oferta de vagas de emprego
e de matrículas nas escolas destinadas ao atendimento do público da EJA.
Somou-se a isso a falta de assistência à saúde mental e física dos educandos
como um dos resultados da inexistência de ações coordenadas voltadas para
o enfrentamento das dificuldades dos educandos, em especial, aos menos
252
favorecidos socialmente, que têm hoje sua aprendizagem e formação
novamente ameaçada pela invasão da EaD nessa modalidade de ensino.
Muitos desses educandos estão submetidos a jornadas desgastantes de
trabalho, assim como os educadores, que tiveram que se submeter a uma
quantidade incalculável de registros burocráticos advindos das secretarias
municipais e estaduais diante de uma sociedade de controle e vigilância a
fim de estabelecer a precarização e o controle dos trabalhadores.
Diante do atual cenário político, econômico e pandêmico que
vivenciamos na atualidade, a aprendizagem de jovens, adultos e idosos
como um direito historicamente conquistado, diante da exclusão com a
qual se estruturou o aparato jurídico-social brasileiro, ficou
sistematicamente prejudicada, afetando não somente o direito à vida, à
saúde e à educação dessa população, mas, ainda vale ressaltar o quanto
tomou o controle sobre a autonomia e formação desses sujeitos, que hoje
são longamente expostos a plataformas digitais, que na sua maioria são
controladas e ofertadas “gratuitamente” por grandes corporações ligadas ao
que se convencionou chamar pelo acrônimo GAFAM (Google, Apple,
Facebook, Amazon e Microsoft) - e associadas a casos de extração de dados
e da privacidade e segurança digital de usuários da internet.
Assim, temos observado a crescente influência dessas políticas na
formação dos indivíduos, que reduzem significativamente as possibilidades
de reflexão crítica e de compreensão acerca das relações sociais e do sujeito
como ser atuante sobre o mundo. No Brasil, essa formação tem sido
escamoteada principalmente após a implementação de reformas,
sobretudo após o ano de 2016 com o golpe parlamentar, o que nos permite
delinear um processo de desescolarização na EJA que serve aos interesses
autoritários e antiemancipatórios postos em curso nas políticas
governamentais do Brasil atual, que exigem indivíduos passivos e
adaptados. Esse fenômeno, que ganha força devido à crescente
253
normatização de políticas públicas excludentes que resgatam a noção de
suplência na EJA, atua por intermédio de uma perspectiva funcionalista
que visa a educação apenas como um processo de transmissão de
conhecimentos, o que repercute na oferta desta modalidade de ensino e
expressa o caráter contraditório entre democratização e desescolarizão.
A educação a serviço do capital:
o neoliberalismo e ruptura com uma educação para todos
No Brasil, a EJA se configurou historicamente como uma
promessa, como um dever e uma dívida histórica do Estado brasileiro
perante àqueles que durante séculos foram distanciados do processo de
conhecimento, destinados unicamente à miséria e ao trabalho duro. A
educação escolar, que até o século XX era realidade apenas para as elites e
famílias abastadas, percorreu um longo caminho até que a universalização
do ensino fosse de fato uma possibilidade. O reconhecimento do direito
de jovens, adultos e idosos a terem acesso à educação escolar no Brasil,
caminha junto ao processo de redemocratização do país, que ocorre após
um longo período da vivência de uma Ditadura Civil-Militar. A
Constituição Federal de 1988, que nasce para garantir aos indivíduos
direitos inalienáveis é a mesma que pela primeira vez garante a educação
como um direito para todas as pessoas.
No bojo dos aparatos legais que assinalam a educação de jovens,
adultos e idosos como um direito subjetivo, a LDB nº 9.394/1996
estabelece alguns avanços ao reforçar o escrito na Constituição Federal de
1988, que define a educação como um direito de todos e de
responsabilidade do Estado. Tais avanços, possibilitaram que a EJA fosse
incorporada à educação básica e, sobre a pressão de educadores,
254
pesquisadores e movimentos sociais, buscou-se por meio da adesão a
acordos internacionais, romper com o caráter de suplência que vigorava
nas práticas de ensino da EJA. No entanto, durante os últimos quatro anos,
temos acompanhado o avanço de políticas que contradizem alguns marcos
importantes para a EJA, entre elas a Reforma do Ensino Médio sancionada
pelo presidente da República Michel Temer em 2017, a Emenda
Constitucional nº 95, de 2016, o retorno do ENCCEJA como certificador
no Ensino Médio em 2017 e a possibilidade de oferta da EJA na
modalidade EaD em até 80% da carga horária total do curso, estabelecida
nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais em 2018.
Essas reformas seguem políticas de ajuste macroeconômico, que
redefinem o papel do Estado, inclusive questionando o seu dever de ofertar
educação pública e de qualidade para todos (DI PIERRO; HADDAD,
2015, p. 199), na medida que defende a universalização do ensino, mas
não garante que todos possam vivenciar a experiência da escola. As
consequências desse processo é o que escamoteia a própria noção de
formação na EJA, que passa a ser fortemente ameaçada por uma visão
instrumental e certificatória, a fim de servir aos interesses do mercado de
trabalho que anulam o próprio sentido formativo da EJA, pois estamos
diante “do aprofundamento das desigualdades sociais, cenário em que os
potenciais educandos da EJA não poderiam mesmo ver seus direitos
realizados” (DI PIERRO; HADDAD, 2015, p. 199).
Assim, esses processos passam a inaugurar novos modelos de gestão
escolar, que se vinculam a processos que se desenvolvem nas esferas de
produção e reprodução social e correspondem a novas estruturações do
modo capitalista de produção que resiste em meio a crises e insuficiências.
Diante disso, o Estado e seus respectivos sistemas de ensino, têm buscado
adaptar a educação escolar às esferas econômicas e reprodutivas do capital,
de modo a maximizar o desenvolvimento econômico. Isso exige, segundo
255
Oliveira (2000, p. 331), a introdução “na esfera pública das noções de
eficiência, produtividade e racionalidade inerentes à lógica capitalista”.
As agências financeiras supranacionais e as grandes corporações,
tais como o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional
(FMI) acirraram desde os anos 90’ suas influências na formulação de
políticas blicas, nos documentos orientadores educacionais e nas ações
educativas voltadas para a educação brasileira e para os países da América
Latina. Esses órgãos internacionais são caracterizados pela atuação na
defesa dos interesses capitalistas internacionais, desenvolvendo papel
fundamental frente à reestruturação econômica de países chamados
‘subdesenvolvidos’ ou de ‘Terceiro Mundo’. Tais processos ocorrem na
medida em que esses órgãos gerenciam e aplicam programas de
ajustamento estrutural, interferem na formulação de políticas internas e
mesmo na legislação dos países gerenciados. Nesse sentido, o avanço da
interfencia desses dispositivos de controle internacional na educação,
transformaram o sistema educacional brasileiro em uma importante moeda
de troca para o pretenso alcance dos padrões capitalistas de
desenvolvimento econômico que adaptam os indivíduos aos interesses do
mundo capitalista.
Com isso, a educação brasileira, profundamente atrelada a essa
perspectiva, tem perdido de vista a qualidade essencial de todo processo
educativo, isto é, a potencialidade em promover uma formação
verdadeiramente humana. O avanço das políticas neoliberalistas não
apenas aprofundou o controle da racionalidade técnica e econômica sobre
os processos educativos, mas contribuiu para o avanço de processos
semiformativos em que a formação humana foi substituída pela necessária
adaptação dos indivíduos, tornando os indivíduos funcionais, “submissos
e conformados, pois não trabalha com a autonomia, reflexão e crítica”
(PESCE, 2009, p. 103).
256
Martins (2012) demonstra como o empobrecimento da formação
pela educação está ligada a uma visão empresarial, em que a escola passa a
ser administrada por órgãos e normatizações baseadas em critérios técnicos
e gerenciais, que atenda a eficiência e a alta expectativa do mercado. Tais
exigências são próprias do desenvolvimento do capital e por isso, definem
para a educação escolar o caminho da especialização, de modo que se
garanta a empregabilidade dos indivíduos, que desde a educação básica são
preparados para o mercado de trabalho. A educação escolar que visa
direcionar as massas para o mercado de trabalho é a mesma que enquadra
os indivíduos a uma adaptação passiva e funcionalista, ocasionando poucas
ou nenhuma possibilidade ao indivíduo sobre o controle do destino ou do
uso de sua força de trabalho. Tal paradoxo escancara a farsa do sucesso
profissional e nos faz refletir sobre o lugar do indivíduo no interior dos
processos formativos, além de nos possibilitar compreender que nem
sempre a educação é um fator necessariamente ligado à emancipação. Ao
contrário, a educação perpassa necessariamente uma esfera política, sem a
qual é impossível conduzir os indivíduos para a autonomia e formação.
Refletir sobre a educação tendo em vista as mediações da forma
social na qual ela se concretiza, o que no caso dos países capitalistas, se
vincula à apropriação dos conhecimentos técnicos, revela que ao mesmo
tempo que tais conhecimentos permitem a reprodução da vida humana,
impõem a barbárie semiformativa na qual se caracteriza a formação
cultural e educacional como um todo. Descobrir as condições para
interferir no rumo dessa formação, tendo como base a formação para a
emancipação de todos os indivíduos, exige que a educação possibilite que
os homens se tornem sujeitos da história, aptos a romper com os processos
semiformativos que os têm conduzido à barbárie e possibilitado o avanço
de políticas autoritaristas. Essa tarefa, que diz respeito a todos aqueles
interessados pelo conteúdo emancipatório da educação, permeia a
257
necessária desfetichização da educação escolar, sobretudo nos sentidos e
significados da EJA, para que a educação possa ser conduzida em um
sentido contrário ao atual avanço das políticas educacionais que atuam
sobre a égide da ideologia neoliberalista, que não apenas se opõem à
perspectiva de uma formação autônoma e emancipatória, mas visam
interesses conservadores que contradizem flagrantemente um horizonte de
autonomia social e política, que conte com a participação efetiva de todos
os indivíduos nos rumos de seu país e nas deliberações coletivas voltadas à
efetiva concretização de direitos e garantias.
Portanto, o escamoteamento desse processo caracteriza hoje uma
verdadeira ameaça à formação de sujeitos interessados na democracia.
Pensar a educação na EJA através de uma perspectiva crítica é ser capaz de
compreender a objetividade das relações sociais que interferem nos
processos formativos dos indivíduos responsáveis pela produção e
reprodução das condições sociais vigentes, no qual a ausência de processos
reflexivos na elaboração das experiências dos sujeitos da EJA podem ser
explorados por interesses funcionalistas que atuam gerenciando a vida de
crianças, jovens, adultos e idosos para que atuem positivamente sobre o
mundo através da adaptação às regras, normas e ordenamentos socialmente
constituídos.
Emancipação, autonomia e o fortalecimento dos processos
democráticos na EJA
A crítica a uma educação meramente adaptativa foi realizada por
Theodor Adorno em diversos escritos do pensador, no qual se buscou
refletir acerca da dissolução da formação enquanto experiência formativa.
Nesses escritos, encontramos análises que se debruçam sobre o processo de
258
produção e reprodução da vida humana em sociedade e de sua relação com
a natureza, sobre a qual a formação do indivíduo está subordinada. A
formação, que conduziria os indivíduos à autonomia, requer o
comprometimento do educador com a aprendizagem, com a formação
humana e com a educação ao longo da vida, que, dotadas de
intencionalidade, dão sentido ao processo educativo - que é social e político
-, sem o qual seria impossível orientar a educação rumo à emancipação.
No entanto, a crise do processo formativo com o qual lidamos hoje, pode
ser compreendida na medida em que, como vimos, se articulam às questões
políticas, econômicas e sociais, inevitáveis diante da atual dinâmica do
processo produtivo. No entanto, a crise de formação humana contra a qual
toda a educação deveria ser orientada implica, necessariamente, no
domínio do existente e das condições sociais vigentes.
Nesse sentido, quando analisamos as experiências formativas da
EJA como uma possibilidade de nos contrapormos a esse estado de coisas
devemos ter em vista os processos semiformativos que se infiltram no
interior da própria experiência escolar por meio dos quais a formação
humana é deturpada. Ao incorporar elementos irracionais ou conteúdos
conformistas, ela contribui não apenas para fortalecer a irracionalidade que
deturpa os saberes intelectuais e culturais, mas também para fortalecer o
comportamento de assimilação e adaptação. Na EJA, muitas vezes os
saberes, os conhecimentos e a vivência da escolarização, correspondem a
um duplo aspecto: primeiro se relacionam com a experiência dos
educandos e de suas concepções sobre a vida, adquiridas culturalmente em
função do meio social; e, segundo, das idealizações, anseios e convicções
dos educadores, que são seres socialmente mediados que também espelham
a qualidade da formação que recebem.
A valorização da experiência dos educandos da EJA como um
processo autorreflexivo nos leva a compreender que a formação humana,
259
em seu sentido educativo, significa ter em vista as relações que os sujeitos
estabelecem com o mundo objetivo, pois é por meio da experiência com o
objeto que o indivíduo adquire a sua formação. Nesse sentido, a
experiência formativa deve ser compreendida como o momento em que o
educando poderia confrontar-se com os elementos objetivos que cerceiam
a sua formação, adquirindo uma não-identidade com o real, ou seja,
atuando mediado pela recusa do existente, sendo capaz de compreender a
sua própria inadequação. Os processos semiformativos residem na
uniformização da educação, que ocorre quando a educação escolar não é
capaz de valorizar os diversos processos que nos conduzem à experiência
formativa. Diante disso, nós enquanto educadores e demais interessados,
devemos ser capazes de atravancar o fortalecimento da autoridade do saber
escolar, cuja racionalidade está estreitamente vinculada aos padrões
dominantes do capital, que não valoriza e não reconhece o saber e a
compreensão do mundo em suas múltiplas formas e singularidades.
O processo de ensino escolar, quando dotado de uma perspectiva
homogeneizante, nega as possibilidades para que os educandos se
reconheçam como sujeitos do espaço escolar, como atores de sua
aprendizagem e de suas próprias vidas. Uma educação escolar orientada
nesse sentido já incorporou rótulos e estereótipos socialmente prescritos -
como modos de ser, de falar, de vestir-se e de se comportar - os quais, na
maioria das vezes, regula as relações que se estabelecem entre educadores e
educandos, impossibilitando que os primeiros sejam capazes de acolher, de
respeitar e de compreenderem a diferea como mais uma maneira de ser
dentre as tantas variáveis possíveis, o que se constitui como um dos fatores
que levam a permanência da autoridade do saber científico no interior do
processo de ensino.
No entanto,o se pode simplesmente postular uma educação que
rompa com esse estado de coisas, pois a perda da capacidade de vivenciar
260
experiências formativas não é algo que está posto para fora da sociedade,
mas é produzido e reproduzido pela organização social, quando os
processos necessários para a produção da vida, como o trabalho, perderam
as qualidades essenciais para isso. No caso da EJA, que temos como
estudantes pessoas que durante muitos anos ficaram distanciadas ou
mesmo não receberam a vivência do saber científico e de uma reflexão
sistemática, percebe-se o quanto a ruptura do ser com os objetos do mundo
- os quais, como diria Adorno, o indivíduo só compreende quando julga
coisa sua (ADORNO, 1995a, p. 32) -, interfere na prática cotidiana e nas
atividades mais essenciais como o trabalho.
Assim, convencionou-se limitar os educandos da EJA a uma
aprendizagem para a certificação ou para que esses possam, quando
finalizarem seus estudos, adentrarem no mercado de trabalho, pois a
maioria são desempregados, levados a ter como única ambição nos estudos
a autonomia para concorrerem a uma vaga de trabalho. Com isso, desde a
formação escolar, que recebem unicamente para que tenham a qualificação
mínima exigida para qualquer trabalho assalariado e pouco remunerado,
rompe-se com a articulação entre o mundo objetivo e o mundo intelectual,
que já não se articulam no processo de trabalho. Hoje a separação entre
aqueles destinados ao trabalho manual e aqueles que poderão dedicar-se a
trabalhos intelectuais, produzem consequências que se desenvolvem no
próprio processo formativo, que na EJA, não apenas visa promover uma
semiformação, mas também atua vinculada aos processos de
desescolarização, pois antes de buscar na escola uma formação por meio da
qual o indivíduo seja capaz de refletir e compreender sobre o mundo, é
preciso lidar com o imediatismo que corresponde a manuteão de sua
própria sobrevivência.
Nesse sentido, temos na EJA a difícil tarefa de buscar uma
formação autêntica, na qual os educandos sejam capazes de se impor no
261
mundo e compreender o real para que interfiram na reprodão de sua
própria objetividade. Para isso, precisaria ocorrer mudanças desde a esfera
de produção da vida, que se realiza somente por meio do trabalho. Essa
relação, que poderia tornar o mundo cada vez mais humanizado, nos
termos de Adorno (1995b), parte principalmente de uma educação crítica,
que no caso da EJA, significa a necessária ruptura com os instrumentos
técnicos que administram o mundo, os quais os educandos precisam
decorar em apostilas para realizarem avaliações cada vez mais esvaziadas de
qualquer conteúdo formativo.
Entretanto, quando supomos que seja possível reelaborar a
experiência formativa dos sujeitos da EJA,o podemos perder de vista os
aspectos subjetivos que também interferem nesse processo. Esses elementos
subjetivos, por meio do qual as pessoas constituem a sua personalidade,
mediadas pelas objetividades sociais, caracterizam a sua forma de ser e estar
no mundo, o que muitas vezes não corresponde a uma consciência
necessariamente progressista. Enquanto educadores, notamos o quanto
alguns discursos autoritários e conservadores acabam sendo incorporados
pelos sujeitos da EJA, que muitas vezes reproduzem certas visões
ideologizantes, conservadoras, preconceituosas e negacionistas. Para
Adorno, “uma mentalidade obstinada que nada quer ouvir a respeito de
determinado assunto encontra-se em conformidade com uma vigorosa
tendência histórica” (ADORNO, 1995a, p. 32), dessa forma, nos dias
atuais, ao ministrar a disciplina de história por exemplo, muitos
educadores encontram na EJA dificuldades para discutir e promover
reflexões sobre certos assuntos e períodos históricos, como a Ditadura
Civil-Militar, o Golpe Parlamentar de 2016 ou o avanço das fake news,
definindo o cenário político no Brasil e a validade do saber científico.
Contudo, a vigência desses processos pode ser compreendida como
uma decadência histórica, que reside no fato de que os indivíduos estão
262
cada vez mais adaptados a uma realidade em que sujeito e objeto do
conhecimento encontram-se separados. Isso não quer dizer que a
humanidade decaiu como se houvesse níveis lineares para o progresso e
sim, que vivemos em uma sociedade na qual recebemos tantos estímulos
que não sabemos mais a maneira de lidar com eles. Possibilitar que os
sujeitos da EJA tracem caminhos emancipatórios diante desse labirinto no
qual a experiência moderna se configurou hoje, em que se perderam os
sentidos de humanização, é o que permitiria que a democracia e os avanços
humanizadores se tornassem parte da experiência das pessoas, de modo que
os educandos da EJA compreendessem esses assuntos como pertencentes a
eles, o que é extremamente necessário para que se tornem sujeitos dos
processos políticos.
Quando, por meio do resgate da experiência formativa, visamos
fortalecer o potencial emancipador e antiautoritário da EJA,
compreendemos que muitas pessoas, que são sujeitos da EJA, são deixadas
unicamente à mercê de uma organizão econômica em que são
extremamente dependentes das condições existentes e da necessidade de
sobrevivência diante das inúmeras desigualdades sociais a que estão
submetidas. Tais elementos tornam os indivíduos limitados não apenas a
uma situação em que são impotentes, mas saqueiam as possibilidades de
qualquer sentido de emancipação. É preciso compreender que a ideia de
democracia exige, necessariamente, a constituição de sujeitos autônomos,
e a falta dessa formação traz à tona essa onda reacionária que observamos
nos dias de hoje no cenário político, cultural, econômico e social brasileiro.
Nesse sentido, compreendemos a autonomia na EJA em um
sentido emancipario, que seja crítico e reflexivo acerca das objetividades
na qual a experiência formativa se concretiza, de modo que a autonomia
resgate a maioridade definida nos termos kantianos, que remete “o poder
para a reflexão, a autodeterminação, a não-participação” (ADORNO,
263
1995c, p. 124), sem a qual seria impossível aos indivíduos compreenderem
o mundo em que é sujeito, mas também o seu objeto. Isso significa, para
além da capacidade do pensamento de se impor e de atuar sobre o mundo,
realizar decies conscientes, de modo que os indivíduos sejam capazes de
fortalecer processos democráticos, que não se deixem levar por
propagandas e discursos sedutores que vão de encontro ao crescente
cenário de autoritarismo. Para Adorno,
Isto seria inclusive da maior importância política; sua ideia, se é
permitido dizer assim, é uma exigência política. Isto é: uma democracia
com o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu
conceito, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só
pode ser imaginada enquanto uma sociedade de quem é emancipado
(ADORNO, 1995d, p. 141).
Nesse sentido, afirmamos que a educação na EJA contém um viés
político que não pode ser ignorado, que exige que nós, enquanto
educadores, reflitamos acerca da problemática de uma educação
meramente adaptativa, na qual se incorpora um modelo único de ser e estar
no mundo, contribuindo para a permanência de um estado de coisas que
não rompe com as contradições do existente. O sujeito da EJA deve ser
compreendido como um indivíduo no mundo, dotado de experiências e
conhecimentos que não se resumem ao conteúdo escolar. A exigência de
Kant, de que os homens deveriam se libertar de sua menoridade, exige de
nós enquanto educadores, que sejamos capazes de compreender que a
educação, ao contrário daquilo que a moderna sociedade capitalista
estabelece, não deva ser utilizada no intuito de modelar as pessoas, mas
sim, estabelecer o vínculo necessário entre educação e emancipação.
264
Conclusão
Com a Emenda Constitucional n. 95 (BRASIL, 2016), sob a
gestão do governo de Michel Temer, o país ficou impedido de investir na
Educação, entre outras áreas, pelos próximos 20 anos, alterando
importantes artigos da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988). Tal medida
representou um grande passo no desmonte das políticas públicas,
ampliando as desigualdades sociais e priorizando os interesses do mercado.
Os cortes na educação estão sempre enunciados nos discursos advindos do
governo federal de lá para cá. Há que considerar ainda que a emenda
repercutiu também na saúde e segurança pública, que hoje vemos
fragilizadas mediante a crise sanitária causada pelo novo Coronavírus.
Assim que assumiu o Ministério da Educação, o então ministro
Ricardo Vélez Rodrigues, junto com o presidente Jair Messias Bolsonaro,
extinguiram a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI), dissolvendo-a em duas novas
secretarias, a saber Secretaria de Alfabetização e Secretaria de Modalidades
Especializadas da Educação. A SECADI havia sido criada em 2004, pelo
governo de Luís Inácio Lula da Silva, advinda de intensa mobilização de
variados movimentos sociais e populares. A pasta era responsável por
programas e políticas públicas na área da Educação de Jovens e Adultos,
Educação Especial, Educação do Campo, Educação Escolar Quilombola,
Educação Escolar Indígena entre outras ações, tendo como objetivo
principal garantir o direito à Educação e a inclusão social.
Somado aos altos índices de desemprego, que tornam o período de
pandemia da COVID-19 ainda mais dramático, a Educação de Jovens e
Adultos vive atualmente um alto índice também de evasão de seus sujeitos
265
que se encontram submetidos a várias pressões sociais, econômicas e
sanitárias. De acordo com Di Pierro (2005, p. 4):
[...] os jovens e adultos das camadas populares não ocorrem com mais
frequência às aulas porque a busca dos meios de subsistência absorve
todo seu tempo, seus arranjos de vida não se harmonizam com a
frequência contínua da escola e os conteúdos veiculados são pouco
relevantes para pessoas cuja vida está preenchida por múltiplas
exigências.
Essa realidade afeta profundamente o processo de educação,
criando novas necessidades e desafios que estão postos à EJA, estabelecendo
como demanda fundamental pensarmos também novas formas de superar
os problemas aqui já apontados. Assim, “não poderá haver mudanças
radicais no sistema educacional sem, contudo, haver rupturas e reformas
no controle do sistema do capital”, conforme aponta Mészáros:
Portanto, seja em relação à “manutenção”, seja em relação à
“mudança” de uma dada concepção do mundo, a questão fundamental
é a necessidade de modificar, de uma forma duradoura, o modo de
internalização historicamente prevalecente. Romper a lógica do capital
no âmbito da educação é absolutamente inconcebível sem isso. E, mais
importante, essa relação pode e deve ser expressa também de uma
forma concreta. Pois através de uma mudança radical no modo de
internalização agora opressivo, que sustenta a concepção dominante do
mundo, o domínio do capital pode ser e será quebrado (Mészáros,
2008, p. 52-53).
Para que essa mudança de fato seja encaminhada, vale destacarmos
como apontado por Mészáros que a Educação não tem como ser neutra e,
266
portanto, é importante que ela seja orientada na perspectiva de uma
educação democrática, o que implica em vários processos, estratégias e
concepções educativas capazes de romper objetivos autoritários e
determinações opressivas. Intervenções e iniciativas docentes e discentes
podem colaborar no sentido do rompimento dessas estruturas, na medida
em que uma nova lógica de resistência é construída conjuntamente com
reestruturação dos poderes a partir de uma transformação emancipadora.
Para tanto, a formão contínua, a atitude intencional do ensino e o
alargamento da consciência crítica dos educadores é fundamental nesse
sentido, uma vez que tem impacto direto no acontecimento das aulas e na
emancipação dos educandos, buscando romper especialmente com um
sistema neoliberal que avança exponencialmente como acima foi apontado
- baseados no aumento do lucro, na expansão do capital, dominação
ideológica social e na educação como mercadoria, que tem como objetivo
a adaptação passiva dos indivíduos às exigências do capital.
Essa ruptura, portanto, visa a superação de uma concepção
tecnicista, no qual o treinamento dos indivíduos passa a conduzir a
formação humana, compondo uma das esferas mais complexas da
atividade humana, que condiciona o trabalho educativo realizado,
subsidiando saberes, experiências e conhecimentos construídos e
sistematizados historicamente. Conforme aponta Mello (2009, p. 39):
Nessa perspectiva, quando pensamos a educação como construção da
natureza humana, percebemos, por parte de quem ensina, a
necessidade de uma atitude intencional, calcada na teoria que permita
a compreensão da complexidade do processo educativo que possibilite
a construção, nos alunos, das máximas qualidades da natureza humana
até aqui desenvolvidas pelos homens e mulheres que nos antecederam
na história. Ao mesmo tempo, essa compreensão do processo de
construção da natureza humana pela via da educação deve levar os
267
sujeitos que aprendem a uma atitude intencional de máxima
apropriação dessa natureza humana social e historicamente construída.
Com uma tal atitude em ambos os pólos do processo educativo,
potencializaremos as conquistas da educação para a construção de uma
sociedade justa e que respeite a vida em nosso planeta.
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271
EJA e Multiletramentos na Educação do Campo:
Práticas de Aprendizagem e Inclusão Digital
Douglas Antonio Rodrigues Silva
32
Rodrigo Martins Bersi
33
Introdução
Muito tem se discutido, nos últimos anos, sobre práticas inclusivas
no que tange à Educação dos jovens e adultos, principalmente após a
popularização de novas formas de aprendizagem baseadas nos
multiletramentos e ferramentas que, até outrora, eram descartadas ou
encaradas com resistência por boa parte dos educadores e educadoras no
Brasil. E esses modelos que, em boa parte, são sedimentados em pilares
sustentados pelo dinamismo da grande rede mundial de computadores
despontam no século XXI como potenciais ferramentas para a erradicação
das condições precárias enfrentadas pelos professores, principalmente, no
flanco da educação no campo e, ainda, na educação de jovens e adultos,
nosso recorte nesse trabalho.
32
Doutorando em Educação pela FFC, UNESP, Campus de Marília. Mestre em Educação pela
FFC, UNESP, Campus de Marília. Professor vinculado ao Programa de Formação Pedagógica para
Professores CETEC Brasil Profissionalizado.
33
Mestre em Educação pela FFC, UNESP, Campus de Marília. Licenciado em História pela UENP
Universidade Estadual do Norte Paranaense. Atua na área de Tecnologias Digitais de
Comunicação e Informação, com foco em Softwares Livres e Educação de Jovens e Adultos.
272
As novas formas que despontam no cenário educacional e
pedagógico, além de proporcionar algoo importante quanto a escrita
pela técnica, nos revela outro ponto preponderante na sociedade: como o
entendimento de alguns conceitos de aprendizagem, baseados em
ambientes digitais, podem fazer uma enorme diferença na forma com que
as pessoas conseguem compreender, questionar e atuar de forma
participativa na sociedade, seja em microambientes, como uma sala de
aula, uma escola ou um bairro, como em macroambientes, resultando na
otimização, entendimento e mobilização, até mesmo, das comunidades
mais remotas de um país com dimensões continentais como o Brasil.
Com o passar dos anos, os seres humanos participaram de novos
processos que culminaram na reconfiguração da educação para que esta
continuasse a desenrolar sua missão de preparar jovens e adultos para o
mundo, muito além de meras técnicas desempenhadas nos mais diversos
campos de trabalho, mas sim, no desenvolvimento do ser humano
enquanto cidadão participativo, racional e crítico. A web, presente em uma
dessas principais reconfigurações existentes entre os séculos XX e XXI
desponta como um elemento que não pode ter suas dimensões sociais
ignoradas, que também possibilita a transmissão do conhecimento seja
ele formal ou informal aos mais afastados pontos territoriais. Claro, não
é nossa pretensão neste estudo retransmitir a falácia que é ditada e repetida
em alguns campos da educação corporativa, desprovida de fundamentos
pedagógicos reais e que afirma, categoricamente, que o mundo vivencia a
“era da comunicação”. Não se pode considerar tal era como abrangente em
todo mundo visto que, em uma quantidade considerável do planeta, a
contar pelo continente africano e, até mesmo, alguns pontos do próprio
Brasil, a conexão com a web praticamente inexiste e, em outros casos, ela
ocorre com velocidade pífia de transmissão de dados, tornando impossível
opções da transmissão de vídeos ou streaming, por exemplo.
273
Este estudo, pautado nos multiletramentos e assentado no acesso à
internet como elemento transformador, principalmente, para os
educandos jovens e adultos residentes nas áreas rurais, busca trar
apontamentos importantes no que tange ao campo da educação nesse meio
e na forma com que ela pode alterar a percepção de uma quantidade
imensa de alunos, não só ensinando-os a ler e a escrever, como também, a
programar, a entender os processos existentes em um computador, ainda
que não mergulhe profundamente em suas dimensões social, cultural e
crítica.
Educação de Jovens e adultos: o dinamismo no aprendizado,
familiaridade com recursos digitais que pode ser revertida em
aprendizagem formal e inclusiva
Diante do contexto da ampliação das comunicações, o mundo está,
atualmente, em um processo de transição que talvez seja único em sua
História, se considerarmos a rapidez com que ele acontece. A internet
modificou drasticamente os padrões de comportamento, consumo,
relações sociais, participação política e muitos outros fatores nas mais
diversas regiões do planeta. Claro, sabe-se que a Grande Rede é um novo
flanco para a política e que, sabendo disso, muitas pessoas a usam como
uma forma de desinformação, que geralmente é associada, também, a
associações entre empresas de comunicação e telefonia com as gigantes do
Vale do Silício que controlam os grandes espaços na web, empresas que
são mais conhecidas por seus domínios, mas que não deixam de ser
organizações que visam o lucro através de serviços intangíveis.
Em meados dos anos 90 os educadores do Brasil começaram a se
deparar com novas possibilidades tecnológicas que poderiam ser aplicadas
274
em salas de aula e que, outrora, eram acessíveis apenas à uma pequena
parcela desses profissionais. Tratava-se das TDIC - Tecnologias Digitais
de Informação e Comunicação, que correspondem a um agrupamento de
recursos tecnológicos integrados, que possibilitam a automação e
otimização comunicação dos processos de qualquer organização, a
melhoria da apresentação de resultados para a pesquisa científica e, como
não seria diferente, uma nova possibilidade de recursos que poderiam ser
utilizados para o ensino e aprendizagem. E tais recursos são possíveis por
meio das funções de hardware, software e de um aparato de
telecomunicações. Ou seja, um computador, um software e uma conexão
com a internet.
Quando tratamos deste assunto tomando como enfoque a
Educação de Jovens e Adultos (EJA), o fenômeno da internet exerce uma
enorme influência nos mais diversos aspectos, principalmente, quando
pensamos que uma parte considerável dos jovens possui um aparelho
celular. Nos referimos apenas à uma grande parte, ao contrário do que
prega a falácia da "era da comunicação" porque não é preciso ir muito
longe para saber que uma vasta quantidade de jovens no mundo não tem
acesso ao mundo digital, a cultura digital, tampouco a um smartphone.
Isso acontece, por exemplo, em boa parte da África subsaariana em que o
acesso é limitado, até mesmo, à água. Ao mesmo tempo, não poderíamos
deixar de mencionar que, segundo dados da Unesco (NO MUNDO...,
2017), uma em cada cinco crianças do mundo, cerca de 263 milhões no
total, está fora das salas de aula. Fragmentando esse número, em nível
primário, 63 milhões de crianças entre 6 e 11 anos estão fora da escola.
Além desse chocante número, outros 61 milhões de adolescentes entre 12
e 14 anos e 139 milhões de jovens de 15 a 17 anos não possuem matrícula
em nenhuma escola. Isso mostra uma necessidade latente de que alguma
providência em grande escala, uma reforma multiestrutural seja tomada,
275
para evitar um colapso ainda maior e que privará mais e mais crianças,
jovens e adultos de todos os processos de aprendizado. Não temos a
pretensão de dizer que a internet, alinhada à Educação seria um fenômeno
amplo e abrangente. Para um foco mais preciso, consideraremos os jovens
e adultos do Brasil e que possuem acesso à internet.
Quando tratamos da influência dos meios digitais nos jovens e
adultos, nos remetemos aos estudos de Arnett (2002), que estabelece que
parte dos elementos culturais dos jovens tem origem na cultura local, ao
mesmo tempo em que outra parte, se origina em elementos que tem
alguma relação com a indústria cultural. Ainda segundo Arnett (2002), é
exatamente nesse ponto que incide a globalização, resultando na fusão de
vários elementos para o estabelecimento de relações culturais que podem
não ser assimiladas por pessoas que não compreendam muito bem o
momento da expansão digital. Vale lembrar que, historicamente, não faz
muito tempo que o mundo digital tomou o lugar do analógico na vida dos
jovens brasileiros, ainda mais se considerarmos a precária propagação
dessas tecnologias.
É claro que, quando se trata da juventude, a ruptura com a rigidez
dos comportamentos anteriores até mesmo se tratando de tecnologia
ocorre de uma maneira muito mais dinâmica. E essa ruptura destrói velhos
padrões de comportamento, ao mesmo tempo em que estabelecem novas
formas para o estabelecimento de relações culturais entre os jovens.
Zygmunt Bauman (2001), no livro Modernidade Líquida, expressa esse
dinamismo de uma forma bem direta:
O “derretimento dos sólidos”, traço permanente da modernidade,
adquiriu, portanto, um novo sentido, e, mais que tudo, foi
redirecionado a um novo alvo, e um dos principais efeitos desse
redirecionamento foi a dissolução das forças que poderiam ter mantido
276
a questão da ordem e do sistema na agenda política. Os sólidos que
estão para ser lançados no cadinho e os que estão derretendo neste
momento, o momento da modernidade fluida, são os elos que
entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas os
padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida
conduzidas individualmente, de um lado, e as ações políticas de
coletividades humanas, de outro (BAUMAN, 2001, p. 12).
Ou seja, há uma nova forma ou novas formas para a constante
modificação cultural entre os jovens, impulsionada pela internet com que
as crianças, jovens e os adultos das últimas gerações têm para utilizar-se de
aparelhos eletrônicos como computadores, celulares e smartphones. O
modelo anterior de relações em que um ser humano mais velho ensina a
forma correta da utilização de determinado utensílio, no caso dos
dispositivos eletrônicos e, mais recentemente dos digitais, perde espaço
para uma pessoa cada vez mais jovem que ensina como os pais devem
proceder para se inscrever em determinada rede social. Ou, também, como
deve ser realizado o procedimento para postar uma selfie, palavra
recentemente incluída no dicionário e que se refere ao autorretrato. Ou,
ainda, como enviar mensagens instantâneas através de aplicativo, assistir
vídeos através do recurso de streaming, etc.
Todos esses fatores, que nos revelam de forma significativa a
facilidade com que os jovens interagem entre si e absorvem conhecimentos
diversos, nos leva a pensar sobre a possibilidade da junção desse
aprendizado digital com outros processos educativos. Pereira (2011)
afirma que:
No Brasil, de maneira geral, principalmente no que se refere ao ensino
público de base, podemos dizer que instituões, educadores,
professores e alunos são digitalmente excluídos. [...] As comunidades
277
rurais em todo o país notoriamente possuem sérias limitações de acesso
à informação. A maioria não dispõem de jornais e revistas, bibliotecas,
e muitas famílias não possuem televisão [...] O problema central que
uma Sociedade da Informação deve vencer, em primeira instância, é o
da exclusão digital (PEREIRA, 2011, p. 8).
Também ressalta a possibilidade da utilização de recursos
pedagógicos digitais, por meio do letramento digital, para se utilizar da
tecnologia dos softwares, internet e da computação os mesmos pilares
citados acima para um efeito transformador, que torne mais
participativos da sociedade os cidadãos, principalmente, das periferias e
regiões mais pobres e que têm números altíssimos de evasão escolar e
analfabetismo. Além disso, esse tema é recorrente visto que boa parte dos
educadores do país ainda possuam limitações no que tange aos usos e
apropriações dos recursos tecnológicos. O computador, o software e a
internet, juntos são bem mais do que meros instrumentos de comunicação
e trabalho. Eles representam novos meios de interação, organização e
linguagem, essenciais à sociedade contemporânea e que se distribui e se
organiza em rede. O autor, sobre a forma de organização social, acrescenta
que a internet e a sociedade em rede seriam o resultado de uma
encruzilhada insólita entre a ciência, a investigação militar e a cultura
libertária” (CASTELLS, 2003, p. 34).
O letramento digital e a participação ativa através da internet
No final do século XX e nos primeiros anos do século XXI a
popularização da internet, junto com os novos meios de comunicação,
redefiniram, de várias formas, os processos de letramento no que tange ao
acesso, uso e divulgação de linguagem. Ambientes online, chats,
278
comunicadores instantâneos e redes sociais - além dos softwares das mais
variadas vertentes - nos revelam um novo ambiente, o cyberespaço, que até
os dias atuais se faz presente e de uma forma cada vez mais crescente. Novas
e dinâmicas formas de letramento ganham força e começam a substituir as
rígidas ideias centradas apenas em uma determinada linguagem e escritas
à mão.
A Web 2.0 redimensiona não só a forma como as pessoas se
relacionam entre si, diminuindo os pequenos grupos e conectando as
pessoas em rede, mas também, altera a forma com que os cidadãos
participam da sociedade, cada vez mais multimodais, hiperindividuais e
hipercomplexos. Não é raro se deparar com um vídeo no comunicador
instantâneo Whatsapp que mostra algum procedimento criativo ou
inventivo, realizado em áreas pobres do mundo, que possui o destaque,
justamente, pela forma com que é projetado ou construído com recursos
parcos. Tais vídeos, muitas vezes, são popularizados através do efeito viral,
que consiste em um número considerável de compartilhamentos pelos
usuários das redes digitais, ressaltando-se seu aspecto multimodal,
característico da Web 2.0.
É exatamente nesse ponto, da participação coletiva pela
multimodalidade, que já encontramos algumas evidências de que o
aprendizado da linguagem de comunicação das máquinas ou a
programação, ainda que a consideremos de forma superficial, aparece
como um elemento potencializador da educação. Por exemplo, no
compartilhador de vídeos no Youtube encontramos diversos vídeos com
dicas sobre otimização do consumo doméstico de energia elétrica ou para
se evitar o desperdício de água, dicas para resolver problemas de infiltração
ou dos melhores processos para conseguir entrar em uma universidade
estrangeira, ou ainda, como instalar algum recurso eletrônico em
automóveis ou implementos agrícolas. Esses reviews, em muitas ocasiões,
279
são realizados por pessoas que, embora não tenham o ensino formal,
conseguem de forma criativa superar ou reconfigurar processos sofisticados
para melhorar sua qualidade de vida. Sobre esse cenário, Pereira (2011)
ressalta que:
A inclusão digital é um processo em que uma pessoa ou grupo de
pessoas passa a participar dos métodos de processamento, transfencia
e armazenamento de informações que já são do uso e do costume de
outro grupo, passando a ter os mesmos direitos e os mesmos deveres
dos já participantes daquele grupo onde está se incluindo. Para isso,
precisamos dominar a tecnologia da informação, estou me referindo a
computadores, softwares, Internet, correio eletrônico, serviços, etc.,
que vão muito além de aprender a digitar, conhecer o significado de
cada tecla do teclado ou usar o mouse. Precisamos dominar a
tecnologia para que, além de buscarmos a informação, sejamos capazes
de extrair o conhecimento (PEREIRA, 2011, p. 17).
Quando consideramos a educação de jovens e adultos nos dias
atuais, sob o contexto citado acima, o letramento digital aparece como
novidade, socialmente construído, e que representa as habilidades e
conhecimentos necessários para a realização de qualquer tarefa relativas à
linguagem e utilização, de forma plena, do computador. São as rédeas e o
aparato cienfico que permitem conduzir um sistema de softwares, através
de um computador físico seja ele um smartphone ou um computador
pessoal através de uma comunicação via web 2.0, pois está
fundamentalmente baseada na colaboração entre os usuários, portanto, na
multimodalidade. Ou seja, mesmo nos vídeos sobre equipamentos das
mais diversas vertentes e editados de forma amadora por técnicos
autodidatas, usuários da internet, notamos a habilidade para a gravação,
edição e compartilhamento desses vídeos através da Web 2.0.
280
A Web 2.0 possibilita o aumento da representatividade, da
comunicação e torna possível que, por exemplo, um agricultor em uma
cidade do extremo norte, que muitas vezes não possui sinal de internet em
casa, mas o tem através do 3G do celular, consiga mostrar ao mundo uma
nova forma de colheita que ele desenvolveu em sua propriedade. Ou que,
também através do mesmo recurso, possa contribuir e comentar uma
invenção parecida, em outro canto do país, auxiliando o novo inventor e
otimizando o processo, que muitas vezes possuem dificuldades comuns.
Nesse ponto, a utilização do computador em sala de aula já poderia ser
considerada essencial, representando a possibilidade de comunicação e
ampliando a voz dos envolvidos, independente da disncia geográfica.
Nesse ponto, Xavier (2007) ainda acrescenta que a inclusão digital:
Considera a necessidade de indiduos dominarem um conjunto de
informações e habilidades mentais que devem ser trabalhadas com
urgência pelas instituições de ensino, a fim de ajudar o mais rápido
possível os alunos a exercer melhor a cidadania neste novo milênio cada
vez mais cercado por máquinas eletrônicas e digitais (XAVIER, 2007,
p. 133).
A inclusão digital, dimensionada através das mais diversas formas de
aprendizagem formal e informal, já apresenta elementos transformadores em uma
análise superficial. É quase evidente que, com um maior incentivo formal para a
criação e estabelecimento de formas de inclusão do letramento digital em
categorias de ensino de jovens e adultos na EJA, o cenário do ensino poderia ser
diferente do atual. Claro, sabe-se que a questão se refere a pontos muito mais
espinhosos e delicados do que apenas a inclusão de novos parâmetros e técnicas
dentro de sala de aula,que envolve recursos financeiros e uma malha de
componentes tecnológicos que, para uma verdadeira eficácia nos sistemas de
ensino, deveriam ser atendidos em suas minúcias.
281
Essa modificação deveria ser realizada de forma vertical e pelos gestores
que controlam os repasses de recursos educacionais a todas as áreas do país, além
de, claro, haver uma finalidade política, seja por questões regionais de controle
ou, até mesmo, desconhecimento de tais recursos por parte da velha classe política
do Brasil. Essa casta, que tem se perpetuado no poder de forma hereditária não
são raros deputados que são filhos de deputados ou tenham um grau de
parentesco ou por indicação mostra-se, principalmente pelas últimas
manifestações sobre a política de desinformação, conhecida como fake news,
completamente alheia a esse movimento que amplia cada vez mais seu espaço na
web, proporcionando a união de grupos comuns e transformando o computador
em voz ativa das classes mais pobres. Mais um elemento que, se colocado sob a
luz, ressalta a importância do aprendizado dos recursos digitais pelos jovens e
adultos em sua formação. O ensino do letramento digital, capaz de transformar
o aluno em um sujeito com voz na sociedade, ultrapassa o ponto da técnica e se
assemelha ao contexto em que Paulo Freire, conhecido educador brasileiro,
colocava a escrita em meados dos anos 1970.
O aprendizado da leitura e escrita era importante à época, não somente
para que o sujeito conseguisse ler e escrever, se comunicar, mas sim, para
participar de forma mais ativa na sociedade em que faz parte. Não podemos
desconsiderar que o letramento está associado as práticas sociais e culturais nas
quais os sujeitos estão implicados, ligado diretamente à toda a bagagem que o
jovem traz em sua vida, seus conhecimentos prévios e informais, suas experiências
com números e, claro, sua vivência e relação com os novos padrões de
comunicação. Em boa parte das salas de aula de EJA o smartphone é um elemento
presente e que deve ser considerado como uma possível ferramenta para o
discente.
282
Inclusão Digital e Práticas de Multiletramentos na EJA
Reconhecemos, portanto, a existência de diferenças sociais quanto
ao acesso às TDIC, o que dificulta, e por vezes impede, a inclusão de
indivíduos, como os sujeitos da EJA, a margem da cultura digital e que não
dispõem dos recursos básicos para participar desta cultura ascendente.
Trata-se de uma sociedade altamente desigual, que denominamos
hipermodernidade, com conexões hipercomplexas, marcada pelo
instantâneo, fluida e dinâmica, pautada num fluxo constante de
informações, que são rapidamente substituídas por novos dados, gerando
uma sociedade do hiperconsumo e do hiperindividualismo, que possui
suas similaridades e diferenças com a sociedade moderna industrial
(ROJO, 2015), repercutindo, desta maneira, em realidades distintas entre
a cultura digital e a dos jovens e adultos da EJA.
Tomamos como hipermodernidade algo entre a Modernidade
Líquida, a Sociedade da Informação e a Modernidade Industrial, pois esta
configura-se de maneira independente e multifacetada. A realidade
hipermoderna não rompe com a modernidade industrial, mas a radicaliza.
O consumo de mercado, característico na sociedade industrial, amplia-se
e toma dimensões continentais, com multinacionais com poder financeiro
maior que países, em ritmo acelerado, com um aquecido comércio de bens
de consumo pouco duráveis e uma malha de informações articuladas para
influenciar os indivíduos hipermodernos a continuar o processo de
aquisição de bens, tornando o consumo uma necessidade básica na
hipermodernidade.
O fluxo de informações caminha também nesta direção, de
garantia de acesso aos bens de consumo. Portanto, sites como
Youtube.com e Facebook.com, por exemplo, garantem diretamente nas
283
empresas de telefonia móvel o acesso ilimitado às suas plataformas, através
de planos de dados específicos, garantindo desta maneira maior facilidade
de acesso dos usuários aos seus sistemas e um fluxo constante de clientes,
impulsionando assim a venda de propagandas e outros bens de consumo.
Nesta realidade, o sujeito não é tão induzido de maneira inconsciente a
consumir, mas conscientemente convencido da necessidade do consumo,
para que possa fazer parte desta hipermodernidade, cuja uma das
características é o hiperconsumo.
A organização técnica e cienfica são aspectos valorizados tanto na
modernidade industrial quanto na hipermodernidade, reconhecendo nesta
última a valorização de profissionais das ciências exatas, como nas
engenharias, sistemas de informação e informática, em detrimento de
outras profissões ou até de formações mais amplas e integrativas, focando-
se nas hiperespecialidades. Toda a organização de uma plataforma digital
vem de instruções cnicas e que necessitam de constantes atualizações,
tendo, portanto, uma sociedade que se fundamenta no fluxo de
informações que circulam em uma complexa rede de equipamentos e
conexões baseadas em ciência e técnica, mediadas por TDIC, sejam em
atividades simples e cotidianas ou até nas mais complexas operações no
âmbito científico, político e empresarial.
O tempo também sofre seus efeitos hipermodernos,
principalmente pelo fato de que outrora, com a invenção do relógio
mecânico, anunciou-se o domínio da contagem e da medição do tempo,
mas nestes tempos contemporâneos vive-se a complexificação do tempo
em milissegundos, com o relógio atômico e conexões em tempo real, que
cobrem o planeta como um todo, permitindo que pessoas conectem-se e
transmitam informações de maneira praticamente instantânea, em
diferentes localidades, transpondo desta maneira a fronteira espacial para
contatos e trocas de informações, portanto, torna-se possível a
284
comunicação instantânea entre pessoas em lados opostos do planeta ou
ainda a circulação de uma notícia em tempo real. São mudanças profundas
que representam uma verdadeira revolução humana, desta vez digital.
A escola, neste contexto, não pode simplesmente ignorar a inclusão
digital e as TDIC nos conteúdos escolares, assim como também é de
fundamental importância reconhecer as nuances da distribuição desta
hipermodernidade nos diferentes cantos do país. Desta maneira,
reconhecemos também uma hiperdesigualdade, pois as diferenças
econômicas e sociais que existiam na modernidade industrial acabam,
também, por se radicalizarem, criando realidades distintas e dicotômicas,
de um lado os participantes ativos da Web 2.0, compondo o ciberespaço
em uma cultura digital ascendente e de outro lado, os sujeitos segregados
destes avanços, sem acesso a um terminal como um computador ou o
tendo de maneira restritiva e superficial, como o caso de planos de dados
de baixa velocidade, em 3G, que permitem apenas a navegação em redes
sociais e a utilização de comunicadores instantâneos,o permitindo o
acesso a toda a complexa rede de TDIC hoje disponíveis aos usuários,
restringindo a experiência do usuário no contato com estes recursos.
No âmbito educacional, existem múltiplas propostas de ação que
envolvem o uso das TDIC nas escolas, com destaque a iniciativas privadas,
como grandes redes de ensino, que implementam em seus planos de ensino
instrumentos tecnológicos de alta qualidade, com conexões ágeis,
equipamentos potentes e excelentes propostas pedagógicas, mas outras
iniciativas, como, por exemplo, a do Decreto 9057/17, que incentiva a
incorporação da EaD - Educação à Distância nos planejamentos
pedagógicos. Por exemplo, no caso da EJA, torna-se possível que toda a
escolarização destes jovens e adultos aconteça fora da escola, por meio de
terminais como um computador com acesso à internet, sem, por outro
lado, se ponderar as possíveis dificuldades destes sujeitos ao lidar com estes
285
recursos da cultura digital, considerando-se o fato de que boa parcela destes
indivíduos da EJA não estão incluídos e não possuem acesso ou
familiaridade com estes equipamentos.
Além dessas iniciativas que acabam por afastar os sujeitos da EJA
da escola, sob a máscara de facilitação da educação por meio das
tecnologias, depositando toda a responsabilidade do processo formativo
nos alunos, tornando o sujeito seu único responsável pelo sucesso ou
interrupção de sua escolarização, encontramos propostas que incentivam a
utilização das TDIC no âmbito escolar, porém com viés profissionalizante,
com foco delimitado na profissionalização e na instrumentalização cnica
de sujeitos para o mercado de trabalho (TAKAHASHI, 2000), mas sem se
fortalecer a utilizão integral dos equipamentos tecnológicos para as mais
diversas necessidades cotidianas, ficando, desta maneira, uma formação
mais superficial e preocupada somente em capacitar profissionais para lidar
com os equipamentos eletrônicos no mercado de trabalho, mas sem que
estes se apropriem de forma efetiva e independente das TDIC. Desta
maneira, reconhecemos necessário que as práticas pedagógicas:
[...] considerem as necessidades e expectativas do aluno jovem e adulto
das classes de EJA, incluam a discussão de conceitos das diversas áreas
de conhecimento, em contextos que possibilitem a interação entre os
atores do processo educativo e propiciem a constrão de significados
importantes para a formação dos sujeitos desse processo (MIGUEL,
2009, p. 82).
O que compreendemos por letramento é justamente a aplicação da
linguagem e seus diversos gêneros discursivos na realidade concreta e
socialmente construída, assim como a compreensão das normas e práticas
que compõem e delimitam estes gêneros, portanto, são sujeitos letrados
286
aqueles capazes de lidar com os diversos gêneros discursivos, nas mais
diferentes situações sociais, sabendo quando e como ler um texto
jornalístico, uma revista de entretenimento, também interpretar um
extrato bancário e escrever uma carta ou um ofício a uma figura pública,
portanto, todas essas práticas são atividades de letramento, pois situam as
atividades da linguagem na realidade concreta e socialmente construída.
Assim, como o sujeito necessita reconhecer os gêneros discursivos na
linguagem oral e escrita, isso também acontece no âmbito digital, ao que
denominamos de multiletramentos.
Nas atividades de multiletramentos reconhecemos a
multiplicidade de gêneros discursivos no âmbito digital e o necessário
conhecimento das normas internas de funcionamento destes determinados
gêneros discursivos digitais, como o e-mail, o post, o comentário, o script
ou outros meios de participação no âmbito digital. Preocupamo-nos não
somente com a instrumentalização cnica dos sujeitos, mas,
principalmente, com os multiletramentos destes indivíduos, que
necessitam reconhecer os diversos gêneros discursivos no âmbito digital,
conhecer suas regras e funcionamentos, para então agir, modificar a
realidade e interagir com outros sujeitos nestes ambientes. Em nossa
compreensão, atividades pontuais como a instrução técnica para capacitar
uma pessoa em determinada ferramenta digital, como um editor de textos
ou outro software, não garante a real apropriação destes saberes pelos
sujeitos, por este motivo valorizamos as atividades de multiletramentos,
utilizando as TDIC de maneira complexa, consciente e imersa na realidade
concreta e socialmente construída.
287
[...] el proceso de formación de conceptos tienen siempre carácter
productivo y no reproductivo, que el concepto surge y se forma a lo
largo de una complicada operación dirigida a la resolución de una
determinada tarea (VYGOTSKY, 1995, p. 67).
Atividades guiadas, como a instrução no manuseio de algum
software,o nos parecem suficientes para dar conta da complexidade
intrínseca às TDIC e sua apropriação enquanto instrumentos da
linguagem humana, capazes de modificar a maneira como o indivíduo atua
na sociedade e compreende a realidade a qual faz parte. Ao tratar da cultura
digital, se faz necessária a real apropriação das TDIC pelos sujeitos, para
que estes estejam verdadeiramente incluídos nesta nova cultura, para tanto,
o sujeito não pode estar restrito a atividades simplificadas, com objetivos
muito delimitados e descontextualizados da realidade, mas necessitam
enxergar nessas tecnologias e nas atividades digitais uma nova maneira de
atuar e agir no mundo, desta vez mediados não apenas por oralidade e
escrita, mas também por TDIC, partindo do “que as pessoas fazem e como
elas mobilizam recursos para construir sentidos em suas atividades
cotidianas” (BARTON, 2015, p. 13).
Compreendemos, desta maneira, que as atividades de
multiletramentos, são ações pedagógicas que utilizam das TDIC como
elementos de comunicação, desenvolvimento e aprendizagem socialmente
construídos, atuando diretamente na realidade concreta. Ou seja, é
necessário que os indivíduos realmente utilizem estes recursos para resolver
seus problemas mais imediatos, como se cadastrar em uma prova nacional,
como o Enem, o Encceja ou um vestibular, ingressar em uma rede social
de maneira independente, enviar um e-mail sempre que necessário, fazer
um download e manejar arquivos, se entreter com recursos streaming,
acessar e instalar aplicativos, utilizar um software, ter acesso a informações
relevantes, dentre uma série de outras atividades no âmbito digital, sem
288
perder de vista sua segurança, privacidade, desenvolvimento, raciocínio,
profissionalização e inclusão no mundo digital.
Atividades de multiletramentos tratam da apropriação legítima das
TDIC pelo sujeito em sua vida cotidiana, para que este não esteja restrito
às atividades profissionalizantes, com foco extremamente delimitado para
uma profissão específica, mas uma formação mais integral, que procura
resolver problemas mais amplos de apropriação destas tecnologias na
realidade concreta, como ao resolver problemas imediatos, também o
necesrio reconhecimento das normas e funcionamentos de cada gênero
discursivo no âmbito digital, assim como suas diferenças, por exemplo,
entre uma carta e um e-mail, ou uma foto armazenada em uma rede social
e em um álbum de fotografias. Reconhecer essas nuances faz parte da
necessária formação frente às TDIC para a sobrevivência na
hipermodernidade e efetiva inclusão digital destes sujeitos na cultura
digital.
A inclusão digital, em nossa perspectiva, deve considerar estes
contextos e reconhecer que trata-se de algo além de proporcionar acesso
aos equipamentos e a conexões de boa qualidade, de ensinar as
competências necessárias ao lidar com as funcionalidades técnicas de um
software ou ainda de promover a utilização de equipamentos eletrônicos
pelos sujeitos por meio da EaD, mas a verdadeira inclusão digital, na qual
tratamos e defendemos, precisa estar empenhada na inclusão desses sujeitos
na participação na cultura digital e na Web 2.0, por meio dos
multiletramentos, ao propor práticas reais, que incluam a utilização das
TDIC num contexto amplo de formação dos sujeitos, seja no âmbito
formal ou informal, proporcionando que estes se apropriem de maneira
legítima dos recursos e não somente reproduzam instruções restritas para
necessidades delimitadas pelo mercado e sim por motivão própria e
independente, em condições de poder re-existenciar criticamente as
289
palavras de seu mundo, para, na oportunidade devida, saber e poder dizer
a sua palavra (FREIRE, 2015).
Defendemos que os sujeitos saibam lidar com os equipamentos,
reconheçam e manuseiem softwares complexos, mas reconhecemos
também a necessidade de aprender o funcionamento dessas ferramentas,
precisam ser autônomos para resolver suas próprias necessidades, mediados
pelas TDIC, para então aprimorarem sua própria pronúncia sobre o
mundo. A escola, portanto, têm a função de promover esses
multiletramentos, incentivando os sujeitos a apropriarem-se dos
instrumentos tecnológicos em suas necessidades cotidianas e legítimas, que
sejam capazes de enxergar a função e o funcionamento das ferramentas
digitais, e ver também possíveis perigos, como ao publicar uma foto em
rede social, compartilhar informações privadas, ao fazer uma postagem em
grupos de Whatsapp ou ainda ao clicar em um link potencialmente
malicioso.
Diante do exposto, consideramos importante a necessidade de se
trabalhar na escolarização com atividades de multiletramentos, que
evidenciem práticas socialmente situadas e contextualizadas, de atuação
direta na realidade concreta, reconhecendo também as normas internas dos
neros discursivos no âmbito digital e as práticas que os delimitam no
campo da comunicação verbal, sendo essas as chaves para a verdadeira
inclusão digital destes sujeitos na cultura digital e a apropriação das TDIC
por estes indivíduos, buscando desta maneira a efetiva participação na Web
2.0 para a intervenção direta na realidade concreta, mediados por TDIC,
enquanto indivíduos autônomos e proficientes, verdadeiramente incluídos
na cultura digital.
290
Considerações Finais
Compreendemos a inclusão digital como um problema urgente na
era da informação, sociedade da informação ou hipermodernidade, pois,
em qualquer cenário teórico utilizado para a análise, encontram-se abismos
sociais e culturais que afastam, de um lado os jovens e adultos da EJA e da
educação no campo e de outro os sujeitos imersos na cultura digital,
portanto, reconhecemos a necessidade de se pensar a inclusão digital a
partir do problema de sua distribuição nesta realidade contemporânea.
Além da problemática da inclusão digital pelo viés da distribuição
destes recursos tecnológicos, as TDIC, na sociedade, apontamos para
outro problema concomitante, abordando as práticas e apropriações feitas
pelos sujeitos sobre essas ferramentas, portanto, sujeitos segregados da
cultura digital acabam por não participar efetivamente da elaboração dos
textos multimodais na Web 2.0 e consequentemente não apropriando-se
de maneira efetiva dessas técnicas.
Abordamos como superficiais as perspectivas que utilizam as
TDIC enquanto instrumentos técnicos, lidando com esses recursos em
atividades pontuais, ensinando uma competência específica para atender o
mercado de trabalho, sem se preocupar inicialmente com a incorporação
dessas possibilidades digitais na vida dos sujeitos.
Preocupamo-nos, por meio das atividades de multiletramentos,
que os indivíduos da EJA e da Educação no Campo possam utilizar das
TDIC para proncia de suas próprias realidades, para que utilizem das
tecnologias para fazer suas leituras de mundo, atuando diretamente na
realidade concreta e sabendo adaptar as múltiplas potencialidades dos
equipamentos tecnológicos em suas diversas necessidades ao longo da vida.
291
A inclusão digital que tratamos parte das necessidades concretas
dos sujeitos, em atividades socialmente situadas, reconhecendo as
especificidades dos textos digitais e sabendo utilizar destes recursos para
resolver problemas imediatos, fugindo da superficialidade de lidar com as
TDIC apenas como aparatocnico.
Reconhecemos as TDIC como tecnologias capazes de modificar a
leitura de mundo dos sujeitos e do desenvolvimento da linguagem, assim
como tratamos a inclusão digital como algo que envolve a aplicação prática
dessas tecnologias na realidade concreta, reconhecendo seu funcionamento
e sabendo, conscientemente, utilizar estes recursos nas mais diversas
atividades cotidianas, utilizando-se dos multiletramentos para
efetivamente se apropriar das novas tecnologias, fomentando a
participação efetiva na Web 2.0.
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Psycologist, v. 58, n. 1, p. 774-783, oct. 2002.
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293
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conceitos e relações. Belo Horizonte, Autêntica, p. 133-148, 2007.
295
Educação Desenvolvimental, Tecnologias Digitais
na Educação e a Pandemia COVID-19
José Eduardo Pereira de Souza
34
José Carlos Miguel
35
Introdução
Observamos, desde o final do ano de 2019, transformações
abruptas nos modos de ser, pensar e agir socialmente no mundo todo,
tornando ainda mais marcante o impacto da globalização e,
principalmente, das tecnologias digitais de informação e comunicação, no
cotidiano das pessoas. Literalmente, o mundo se colocou às avessas.
Poucos fenômenos exigiram tamanha mobilização de cientistas,
médicos, enfermeiros, sociólogos, psicólogos, agentes da mídia, enfim,
uma gama tão grande de profissionais para a sua compreensão e
tratamento. No contexto da pandemia de Coronavírus, conhecemos toda
a ordem de problemas: quadros depressivos decorrentes de isolamento
social, alteração nos hábitos de consumo, mudança abrupta de rotinas de
trabalho, de estudo e de lazer e até a mudança nas formas de sociabilidade.
O último da lista, uma contradição para o espírito irreverente e receptivo
34
Doutorando em Educação pela UNESP, Campus Marília. MBA pelo Instituto de Administração
(FIA-FEA/USP), graduado em Administração pela UNOESTE, Presidente Prudente, SP.
35
Livre-Docente em Educação Matemática pela UNESP, Campus de Marília. Professor Associado
vinculado ao Departamento de Didática e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
UNESP, Campus de Marília.
296
dos brasileiros. Verdadeiramente, uma mudança radical nos hábitos e
costumes. Mais que isso, desafiou-se o poderio de grandes grupos
econômicos, impondo-se políticas emergenciais de distribuição de renda,
recentemente negadas pelo neoliberalismo ultraconservador. Chamou a
atenção programas tradicionais de televisão, sem público, e adiamento ou
cancelamento de grandes eventos internacionais, como as Olímpiadas e os
jogos de futebol profissional.
Desde logo, tanto a mídia quanto pensadores como Santos (2020),
nos fizeram perceber, no entanto, que em meio à tragédia a humanidade
descobriu alternativas interessantes ao modo de vida imposto pela
sociedade desigual e seus processos inexoráveis de internacionalizão: ficar
em casa; observar da janela o pôr do sol; conviver mais com a família; reler
um romance antigo; participar de uma reunião em ambiente remoto com
camisa bonita, mas bermuda desgastada e chinelos velhos; e, para os que
podiam, nas poucas saídas do lar, descobrir que as ruas, praças e lagos da
cidade estavam mais limpos. As praias, também...
Escancarou-se a fragilidade de nossa assistência social pela carência
de médicos e vagas em hospitais em muitas regiões do país. No entanto, os
que criticavam o SUS, o Sistema Unificado de Saúde, hoje sabem que sem
ele a vida a partir de 2020 teria sido muito mais difícil. Não faltaram
incautos a considerar o vírus como democrático, supostamente não
escolhendo a quem atacar, premissa logo refutada ao se perceber que sua
ação se revelava mais contundente novamente entre os mais pobres, já que
não podiam trabalhar em sistema home office. Nem estudar, seja no sistema
homeschooling, por não terem pais letrados, seja por via remota, pois não
tinham acesso à internet. Pena que muito pouco disso tudo se ensinou ou
se aprendeu nas escolas. Elas estavam fechadas. E agravou-se a desigualdade
social. O tempo poderá mostrar também que, apesar de sofrermos com a
pandemia, talvez se reduzam outras viroses pelo simples ato de
297
aprendermos a lavar as mãos corretamente. Nesse processo de educação
fora da escola, a lamentar apenas a desinformação das fake news ou o fato
de se tratar fenômeno tão cruel como uma gripezinha, algo que pudesse
aguardar a imunização do rebanho. Mas isso também foi educativo:
escancarou-se aos desinformados que as razões da economia sempre são
mais convincentes neste tipo de sociedade criada pela humanidade.
Em síntese, esse preâmbulo é fundamental para indicar que,
quando passar a pandemia, com mais uma provável grande conquista da
ciência, a vacina contra a COVID-19, será imperativo reorganizarmos a
educação brasileira. O debate não mais será sobre ensino presencial,
homeschooling ou ensino remoto, mas sobre ensino híbrido. Ou, pela nossa
preferência, educação para formação omnilateral, na qual as ferramentas
tecnológicas terão, mais do que antes, um papel qualificador da ação
pedagógica e a educação desenvolvimental, uma perspectiva teórica de
transformação da combalida cultura escolar. Não por mera adesão, no que
os professores que resistiram foram sábios, mas por opção academicamente
refletida, um dos propósitos deste texto.
Sem embargo, os primeiros meses da pandemia COVID-19
causaram mudanças extremas na rotina das escolas brasileiras e nas formas
de ensinar e aprender. Discutir problemática tão complexa impõe
compreender o processo de adaptação ao isolamento social obrigatório
neste período, descrevendo e analisando, inicialmente, o fluxo cronológico
da publicação de documentos oficiais governamentais e de entidades
educacionais, especialmente dos Conselhos Estaduais de Educação (CEE),
Conselho Nacional de Educação (CNE), da UNDIME - União Nacional
dos Dirigentes Municipais de Educação, bem como algumas das notícias
que chegavam à população em geral.
No ambiente de incertezas da adaptação das escolas às restrições de
circulação impostas pela pandemia, pudemos acompanhar algumas redes
298
de ensino da região oeste do estado de São Paulo, momento em que
verificamos fases diversificadas, tais como a antecipação de férias,
implantação inicial do ensino remoto, a formação de docentes, a adoção
de plataformas online, propostas de atendimento aos “desconectados” e a
vontade que os educadores tinham de retorno às aulas presenciais, o que
se mostrava inviabilizado sem a diminuição do contágio.
Desse modo, este texto se propõe a discutir, em linhas gerais,
algumas relações que se colocam entre educação desenvolvimental e o uso
de ferramentas tecnológicas na educação, femeno exponenciado a partir
da pandemia de Coronavírus, tendo por base ampla pesquisa bibliográfica
sobre os sentidos e significados do trabalho em educação; procedendo à
profícua análise documental sobre o processo decisório acerca do uso de
tecnologias digitais de informação e comunicação na escola; bem como
refletindo sobre as nossas vivências como atores sociais desta área de
conhecimento, sobre o que era, como está sendo e o que poderá ser a escola
após o encaminhamento de problema tão complexo como é a COVID-19.
Neste contexto, debateremos os determinantes teóricos da
Educação Desenvolvimental que, alinhados ao uso das novas tecnologias,
podem fornecer algumas contribuições para maximizar o aprendizado
escolar sistematizado, cientificamente organizado, dentro da escola e
mesmo longe dos muros escolares, certos de que a excepcionalidade a qual
nos tornamos expostos colocou em pauta debate que não pode mais ser
adiado.
No entanto, é preciso registrar que, sob o nosso ponto de vista, o
fenômeno em pauta não é simplista: reflete uma crise estrutural do
hipercapitalismo, resultante de um conjunto de crises que se colocam no
contexto do neoliberalismo, de matriz política ultraconservadora, já há
várias décadas.
299
As escolas e redes de ensino no isolamento social:
o pandemônio na pandemia
Discussões mais aprofundadas sobre as escolas e o isolamento social
se mostraram relevantes, não apenas sobre a necessidade da implementação
de medidas necessárias à minimização do contágio do COVID-19, mas
também sobre as possibilidades de prejuízos educacionais irreparáveis à
vida escolar dos alunos, especialmente se levarmos em consideração o
histórico das mazelas na educação brasileira. Tais discussões também são
relevantes porque a:
[...] educação básica pública brasileira, assim como os demais
indicadores do país, apresenta números representativos. Segundo o
Censo Educacional de 2019, são 38,7 milhões de crianças,
adolescentes, jovens, adultos e idosos estudando nas redes federal,
estaduais e municipais de educação. Já a rede privada atende 9,1
milhões de estudantes. A comunidade escolar conta também com 2,7
milhões de docentes e - quase 2 milhões de profissionais de apoio à
atividade educacional (UNDIME, 2020a).
Como se vê, o Censo Educacional aponta o montante de 52
milhões de pessoas diretamente ligadas à educação, o que equivale a um
quarto de toda a população brasileira, quantidade que pode ser a chave do
aumento ou da diminuição da circulação das pessoas, com conseqncias
imprevisíveis no avanço do contágio do vírus. Mais que isso, deixar
contingente tão elevado de estudantes fora da escola, cuja maioria tem na
educação pública a única chance de crescimento intelectual, seria
contribuir para ampliação significativa da desigualdade social. Em meio ao
protesto de muitos educadores, com o argumento da defesa da vida, a
300
decisão que parecia menos traumática era a opção pelo ensino remoto,
ainda que com infraestrutura pública precária e dificuldades de acesso para
contingente significativo do alunado.
Para melhor compreender o processo de adaptação das escolas
públicas ao isolamento social pretende-se fazer um recorte histórico dos
primeiros meses da COVID-19 no Brasil, apresentando a linha
cronológica das notícias e das normas legais que aos poucos mobilizaram
as ações e os impactos na vida escolar. A cronologia pode ajudar a explicar
o porquê da adaptação rápida ou não das escolas à nova realidade.
Tomemos como ponto de partida o fato de que “The World Health
Organization (WHO) on March 11, 2020, has declared the novel
coronavirus (COVID-19) outbreak a global pandemic” (CUCINOTTA,
2020).
Logo em seguida, após quatro dias, o Ministério da Educação
assinou a Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, voltada exclusivamente
para o Ensino Superior da rede federal, omitindo-se sobre a Educação
Básica:
Art. 1º Autorizar, em caráter excepcional, a substituão das disciplinas
presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias
de informação e comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação
em vigor, por instituição de educação superior integrante do sistema
federal de ensino, de que trata o art. 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de
dezembro de 2017 (BRASIL, 2020d, grifos nossos).
Dados do Conselho Nacional de Secretários de Educação
(CONSED, 2020a) apontam que os estados brasileiros decretaram o
isolamento social durante o mês de março; contraditoriamente, o mesmo
301
não aconteceu com o Governo Federal que seguiu a linha da negação,
posição estampada na declaração, no mesmo mês, onde:
O presidente Jair Bolsonaro acusou neste sábado (21) governos
estaduais de quererem aumentar a taxa de desemprego no país ao
restringirem a atividade econômica com medidas de precaução contra
a pandemia do Coronavírus (URIBE, 2020).
Esta posição contrariava nitidamente as orientações da
Organização Mundial da Saúde e encontrou grandes resistências da
comunidade científica brasileira, tendo ensejado diversas ações civis
públicas, como a ação que alega que a:
[...] Presidência da República, vem adotando medidas contraditórias
quanto ao atendimento das recomendações e indicações da OMS e dos
órgãos técnicos de saúde, no tocante ao enfrentamento e contenção da
pandemia gerada pela COVID-19, através de campanhas publicitárias,
de discursos e pronunciamentos oficiais do Presidente da República
[...] (PARÁ, 2020).
Portanto, em linhas gerais, é possível afirmar que os estados
brasileiros foram muito rápidos na adoção de medidas restritivas referentes
à COVID-19, em contraposição com a inação do Governo Federal que
além de não fazer, enviou sinais de negação da realidade. Mas não só isto,
a forma com que os anúncios de quarentena foram feitos, sempre por
períodos curtos de isolamento, ensejaram a ideia de que o retorno à
normalidade ocorreria em breve, como no caso do anúncio da primeira
restrição de circulação de pessoas no estado de São Paulo, que anunciou o
“[...] estado de quarentena por 15 dias como medida de combate à
302
pandemia de Coronavírus [...]” (GABRIEL, 2020). Ademais, o próprio
sentido literal da palavra quarentena não aponta para meses de isolamento.
Todas estas constatações se apresentam como possíveis causas pelas quais
muitas redes de ensino no Brasil demoraram a compreender a situação e
foram lentas ao agir, como veremos a seguir.
Nesse sentido, destacamos que não houve a correta compreensão
de que o período de isolamento nas escolas seria longo. Pretendemos
demonstrar que esta afirmação encontra suporte na realidade citando a
situação de algumas redes municipais de educação com as quais
trabalhamos, na região oeste de São Paulo, que sempre pautam suas ações
pelas melhores práticas educacionais e optaram acertadamente por
antecipar parte das férias escolares, mas que tinham a convicção de que as
aulas presenciais retornariam em breve. Mas, mostrar este caso particular,
mesmo com a extensão de várias redes, pode não representar o ocorrido no
Brasil, portanto, traremos os dados da pesquisa da UNDIME/CONSED,
realizada entre os dias 27/04 e 04/05, que aponta as circunstâncias das
redes municipais brasileiras e mostra que: “40% não tinham definição
sobre atividades remotas” (UNDIME, 2020b). Se houvesse a correta
compreensão da extensão do longo período de isolamento não haveria 20
milhões
36
de crianças, adolescentes, jovens, adultos estudantes, e docentes
parados, sem definição do que fazer, sem saber como agir. Ressalte-se que
a pesquisa ocorreu quase dois meses após a decretação mundial da
pandemia pela OMS. Outro exemplo bastante esclarecedor pode ser
encontrado no documento de reorganização dos calendários escolares,
Deliberação 177/2020, de 18/03/2020, do Conselho Estadual de
Educação de São Paulo. Todos os conselheiros aprovaram a reorganização
escolar, mas uma conselheira aprovou com restrições e apontou que:
36
Os autores chegaram ao número considerando o Censo Escolar já citado neste texto.
303
Ainda que exista uma situação de excepcionalidade no momento atual,
devido a epidemia de Coronavírus, considero que o Parágrafo único do
Art. 2º deveria ter inserido o limite máximo de 20% para as atividades
complementares no Ensino Fundamental e Médio diurno e 30% para
o noturno deste nível de ensino, como reza a legislação maior.
Considero a decisão de eliminar os percentuais precipitada frente a
possibilidade das redes de ensino poderem usar, além das horas
disponíveis nesses percentuais, os dias previstos de férias, assim como
de recesso para computar nesse período de interrupção emergencial das
aulas. Penso que essa decisão acabará por prejudicar os grupos de risco,
ou seja, as crianças mais pobres e as que residem em regiões mais
isoladas que dificilmente poderão se beneficiar desse tipo de atividades
(SÃO PAULO, 2020a).
Apesar de ser educadora de renome, a conselheira não levou em
conta que os mais recentes dados disponíveis da PNAD
37
já apontavam
que 74,9% dos domicílios brasileiros tinham acesso à Internet (AGÊNCIA
IBGE, 2020b) e a conselheira sugeria, portanto, que se trocasse os 79%
dos alunos que poderiam ser atendidos por 20 e 30%, o que não tem lógica
se houvesse a clareza de que haveria um período longo de isolamento. A
conselheira, como qualquer bom educador como ela, só defendeu esta
posição porque não previa que o isolamento seria longo, situação que, a
nosso ver, era cristalina, como mostraremos a seguir.
Já no primeiro momento, no fechamento das escolas no Estado de
São Paulo, em meados de março/2020, fizemos vários contatos com
algumas redes de ensino com as quais trabalhávamos, insistimos que as
práticas de ensino remoto deveriam ser discutidas com as equipes de
educadores e implementadas imediatamente, já que, segundo nossa
previsão, o retorno seria em agosto, caso fôssemos organizados como a
37
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, PNAD IBGE.
304
China ou em fevereiro/2021, caso prevalecesse a tradicional
desorganização brasileira. E a explicação dada era simples: a China, com
todo o dinheiro disponível, com toda a organização milenar da cultura
oriental, com toda a determinação de um governo acostumado a restringir
a circulação de pessoas, demorou cinco meses para iniciar a retomada das
atividades normais, então, estava claro que no Brasil precisaríamos de no
mínimo cinco meses, portanto, abril, maio, junho, julho, agosto, na
melhor das hipóteses. Nossas conclusões não eram futuristas nem
mirabolantes, baseavam-se na pura comparação de situações idênticas.
Nada disto convenceu ninguém inicialmente.
No entanto, poucos dias depois, já no dia 01/04/2020, recebemos
mensagem de um gestor educacional demonstrando interesse nas soluções
de educação remota, como segue:
___________, bom dia, eu não sei se a ___________ conseguiu falar
com você, porque ela está em casa. Você tinha dito da possibilidade de
usarmos umas aulas online. Eu talvez precise mesmo, por conta de alguns
dias que eu vou ter que lidar com reposição. Como que eu faço? Você
manda em forma de link para eu dar uma olhada, como que é o
procedimento, porque eu precisava ver essas aulas pra ver como encaixar
com o que tem de conteúdo no planejamento e como seria o procedimento.
Percebe-se na fala que serão “alguns dias para lidar com a
reposição” eo meses, portanto, com o pensamento preponderante de
que as aulas voltariam em breve, algumas redes de educação começaram a
buscar alternativas, principalmente pela necessidade de manter contato
com os alunos:
305
____________, preciso de ações a distância que aproximem os alunos da
escola, estou programando as atividades da nossa rede para cumprir as 800
horas mesmo com este período remoto e sem contar com ele, porque já temos
uma carga horária superior e se voltarmos em breve, creio que daremos
conta, inclusive, sem prejuízo do aprendizado.
Acreditamos que mesmo com nossos esforços de conscientização
sobre um período extenso de isolamento, de fato, as escolas e as redes de
ensinoo poderiam iniciar sozinhas um movimento de mudança com a
envergadura tão ampla que se exigia no início da pandemia COVID-19,
ou seja, nada poderia mudar de fato sem que houvesse informações claras
das autoridades governamentais, informações que na verdade eram e ainda
são contraditórias.
Daremos apenas mais um exemplo das contradições, para que se
perceba como é difícil ver claramente a história que se passa na frente de
nossos olhos. Os governos gastaram bilhões aparelhando hospitais nos
primeiros quatro meses da pandemia, o que está correto por um lado, mas
se houvesse clareza e conhecimento científico, comparando com a situação
de outros países, deveriam ter sido gastos 50% disso em propaganda
maciça pelo isolamento, o que provavelmente evitaria o contágio e a
necessidade do gasto de bilhões de reais na criação de hospitais de
campanha, que depois de quatro meses estão sendo desmontados.
Os sinais que os governos enviaram, e ainda enviam, são
contraditórios, já que mais investimento na área hospitalar significa que
tem mais estrutura para atender aos doentes, o que é correto, mas estas
ações não conscientizam para o isolamento, ao contrário, incentivam o
risco de aumentar a circulação, pela pretensa tranquilidade sentida em
haver mais hospitais disponíveis. Não há como afirmar que o investimento
na educação e conscientização teriam dado outros resultados, mas estes
306
argumentos demonstram como os sinais enviados pelos governos são
contraditórios.
A tomada de decisão pelo ensino remoto:
dificuldades político-pedagógicas
Apenas dois dias após a decretação da pandemia mundial do
COVID-19 pela OMS o Governo de SP publicou o Decreto nº 64.862,
em 13/03/2020, no qual suspende os eventos com mais de 500 pessoas e
anuncia a suspensão das aulas gradualmente a partir de 16/03. No dia
seguinte publicou uma nota conjunta com as principais lideranças
educacionais e políticas do Estado reafirmando o cronograma de
fechamento das escolas:
Tendo em vista a necessidade de evitar aglomerações e reduzir o
volume do transporte público para prevenir a disseminação do
Coronavírus e assim evitar sobrecarga dos sistemas de saúde, todas as
escolas do estado de São Paulo terão as atividades gradualmente
suspensas a partir do dia 16 de março, até a suspensão completa no dia
23 de março (SÃO PAULO, 2020b).
Nesta mesma nota as entidades envolvidas afirmam que “O
Conselho Estadual de Educação irá emitir normas adicionais para o
Sistema de Ensino do Estado de São Paulo” (SÃO PAULO, 2020b) e
informa que:
307
Fazem parte do sistema a rede estadual, as redes municipais dos 305
municípios que não têm conselho municipal bem como lei municipal
que institui sistema próprio, e as escolas particulares. Para os
municípios com sistema próprio e respeitando sua autonomia, a
UNDIME recomenda seguir as mesmas orientações deste
comunicado. O mesmo ocorre com o SIEESP e todas as escolas
particulares do estado (SÃO PAULO, 2020b).
Como se vê, a nota esclarece que são apenas 305 redes municipais
do Estado de São Paulo que fazem parte do Sistema de Ensino do Estado
de São Paulo; portanto, outros 340 municípios que têm sistema próprio,
em respeito a autonomia, devem elaborar suas normas próprias, para os
quais a UNDIME recomenda seguir as mesmas orientações.
Em 18/03/2020, o Conselho Nacional de Educação (CONSED,
2020b) divulgou nota sobre a pandemia onde reafirmou a necessidade do
cumprimento dos dispositivos legais existentes, enfatizando que a
autonomia e responsabilidade na condução dos respectivos projetos
pedagógicos e dos sistemas de ensino compete às autoridades dos sistemas
de ensino federal, estaduais, municipais e distrital e que estes entes
deveriam seguir a legislação, especialmente os termos do § 4º do art. 32 da
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que define que o Ensino
fundamental será presencial e o ensino a distância deve ser utilizado como
complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais. Neste
momento, o posicionamento do Conselho Nacional de Educação não
contribuiu para que houvesse uma compreensão ampla de que haveria um
período de isolamento longo, já que segundo o viés do comunicado, o
cômputo dos dias letivos e do cumprimento da carga horária deveriam
seguir as normas estabelecidas anteriormente, ou seja, as mesmas antes
existentes, como se não houvesse a pandemia.
308
No dia 18/03/2020, o Conselho Estadual de Educação de São
Paulo publicou o Parecer 177/2020 que fixou as normas quanto à
reorganização dos calendários escolares para que as entidades educacionais
pudessem “propor, para além de reposição de aulas de forma presencial,
formas de realização de atividades escolares não presenciais” (SÃO
PAULO, 2020a) e “[...] computar nas 800 (oitocentas) horas de atividade
escolar obrigatória, as atividades programadas fora da escola, [...]”, bem
como:
[...] utilizar os recursos oferecidos pelas Tecnologias de Informação e
Comunicação para alunos do ensino fundamental e do ensino médio
[...] considerando como modalidade semipresencial quaisquer
atividades didáticas, [...] com a mediação de recursos didáticos
organizados em diferentes suportes de informação que utilizem
tecnologias de informação e comunicação remota (O PAULO,
2020a).
O referido Parecer enfatizou, que por motivos de autonomia das
instituições, cabe “às respectivas Secretarias de Educação [...] no caso das
redes públicas, ou à dirão do estabelecimento, no caso de instituão
privada” (SÃO PAULO, 2020a) as ações e medidas concretas para a
reorganização dos respectivos calendários escolares. Face ao exposto,
avança-se adequadamente na abertura da possibilidade de utilização do
ensino remoto, mas ainda assim, tudo à mercê das instituições, o que é
louvável pelo respeito a autonomia, mas insuficiente para dar clareza às
ações necessárias. A nosso ver faltou enfatizar que não haveria outra saída,
o isolamento seria longo, faltou ressaltar que adiar as ações de ensino
remoto somente diminuiriam ainda mais a capacidade de interferir
positivamente no aprendizado dos alunos.
309
No dia 20/03/2020 o Congresso Nacional (BRASIL, 2020a),
atendendo à solicitação do Presidente da Reblica, aprovou o Decreto
Legislativo nº 6, no qual reconhece a ocorrência do estado de calamidade
pública em razão da pandemia de Coronavírus (COVID-19) e com este
ato dispensou o Executivo do atingimento dos resultados fiscais, o que
abriu espaço para os gastos extras relacionados à emergência de saúde
pública. Nota-se que o Governo Federal se ocupou em encontrar
orçamento para gastos na saúde, mas para ações de educação nada se falou,
mesmo sabendo-se que os investimentos em ações preventivas reduzem,
por vezes, seu próprio custo.
No dia 22/03/2020 o Governo de SP publicou o Decreto nº
64.881 que determinava a quarentena no Estado de São Paulo, ou seja,
não se tratava somente de escolas, mas de todas as atividades no Estado.
No texto consta explicitamente o fim da validade da quarentena:
Artigo 1º - Fica decretada medida de quarentena no Estado de São
Paulo, consistente em restrição de atividades de maneira a evitar a
possível contaminação ou propagação do Coronavírus, nos termos
deste decreto. Parágrafo único - A medida a que alude o “caput” deste
artigo vigora de 24 de março a 7 de abril de 2020 (SÃO PAULO,
2020c).
Nos meses subsequentes o Governo de SP publicou novas
quarentenas, sempre em pequenos períodos, prorrogando-os sempre. Por
todo o Brasil o método foi semelhante, ou seja, estabelecer quarentenas em
períodos curtos, o que provavelmente se pautou na necessidade de não
causar pânico, porém, a nosso entender, colaborou para a que os dirigentes
de escolas e redes de ensino não compreendessem o que ocorria e adiassem
ações de imediata implementação do ensino remoto. Nos parece que a
310
estratégia revela que mesmo os governos estaduais não tinham ideia exata
do que fazer, no entanto, sob qualquer análise que fazíamos, não havia
possibilidade de retorno às aulas presenciais no curto prazo, ou seja, era
evidente que não seria menor do que os cinco meses de quarentena vividos
pela China.
No dia 01/04/2020, o Governo Federal finalmente fez algo e
promulgou a Medida Provisória 934 (BRASIL, 2020e) que estabeleceu
normas extraordinárias dispensando o cumprimento dos 200 dias letivos
na educação básica, reafirmando os preceitos da LDB, previstos nos artigos
24 e (BRASIL, 1996), ou seja, “desde que cumprida a carga horária
mínima anual estabelecida nos referidos dispositivos” (BRASIL, 2020e) o
que deu legalidade ao que já vinha sendo feito em estados e municípios,
mas que não contribuiu para diminuir as dúvidas dos gestores
educacionais, pois, pelas normas vigentes, as 800 horas deveriam ser
cumpridas em sua quase totalidade presencialmente em algum momento
no futuro, seja nas férias, sábados e domingos, seja em horário escolar extra.
Pode-se afirmar pela análise desta Medida Provisória que não havia clareza
do Governo Federal da extensão do período de isolamento; se houvesse,
teriam sido incentivadas medidas de abertura ao ensino remoto, medidas
de incentivo ao uso das novas tecnologias, à impressão de materiais e envio
para alunos sem internet. Mas neste momento o Governo Federal
silenciou-se sobre este assunto.
Finalmente, coube ao Conselho Nacional de Educação publicar o
Parecer CNE/CP nº 5/2020 em 28/04/2020, orientando quanto à
“Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de
atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária
mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19” (BRASIL, 2020b).
As orientações publicadas, entre outros tópicos, se referiam às condições
311
de cumprimento da carga horária mínima estabelecida pela LDB, com as
seguintes alternativas:
1. a realização de atividades pedagógicas não presenciais (mediadas ou
não por tecnologias digitais de informação e comunicação) enquanto
persistirem restrições sanitárias para presença de estudantes nos
ambientes escolares, garantindo ainda os demais dias letivos mínimos
anuais/semestrais previstos no decurso;
2. a reposição da carga horária de forma presencial ao fim do período
de emergência;
3. e a ampliação da carga horária diária com a realização de atividades
pedagógicas não presenciais (mediadas ou não por tecnologias digitais
de informação e comunicação) concomitante ao período das aulas
presenciais, quando do retorno às atividades (BRASIL, 2020b).
Como se percebe, o CNE respeitou a autonomia das escolas e redes
de ensino, pois facultou a elas a decisão, que deveriam ser tomadas em
função dos critérios pedagógicos, financeiros e de estrutura de cada
situação específica. A figura a seguir mostra com clareza a decisão que cada
gestor de educação teve que fazer naquele momento:
312
Notamos que as possibilidades 2 e 3 da figura se referem a ações a
serem feitas com o retorno às aulas presenciais, donde se pode aferir que
mesmo o Conselho Nacional de Educação deu mais abertura ao
cumprimento da carga horária de forma presencial do que a distância, pois
não emitiu orientação contundente sobre a necessidade da implantação
imediata do ensino remoto, embora, já em 1997, em seu parecer 05/1997,
(BRASIL, 1997) o CNE admitia que:
[...] não são apenas os limites da sala de aula propriamente dita que
caracterizam com exclusividade a atividade escolar de que fala a lei. Esta
se caracterizará por toda e qualquer programação incluída na proposta
pedagógica da instituição, com frequência exigível e efetiva orientação
por professores habilitados. Os 200 dias letivos e as 800 horas anuais
englobarão todo esse conjunto.
Isso posto, parece-nos claro que o Parecer CNE/CP nº 5/2020 e
os demais documentos oficiais citados foram importantes guias das redes
de ensino, porém, a falta de informações explicitas e suficientemente claras
sobre a necessidade urgente de implantão do ensino remoto
repercutiram na falta de ações de quantidade expressiva de escolas,
afirmação que pode ser comprovada pelos dados apurados na pesquisa
UNDIME/CONSED, de 15/06/2020, que corrobora o sentimento de
incompletude,
mostrando que o principal desafio das redes municipais de
educação para implementar as estratégias de aprendizagem de forma
remota era a “Indefinição sobre normativas” (UNDIME, 2020a), porque
mesmo com várias normas já editadas, elas não eram suficientemente claras
para indicar o caminho a seguir. Esta pesquisa atingiu 71% do total de
municípios do país e ocorreu no período de 27 de abril a 4 de maio de
313
2020, praticamente simultânea à publicação do Parecer CNE/CP
5/2020.
Elaboramos o quadro a seguir com a cronologia de documentos
oficiais apresentados anteriormente, com vistas a facilitar consultas
posteriores:
Quadro 1 - Cronologia de documentos oficiais
Data Entidade(s) Objeto
11/03/2020
World Health
Organization (WHO)
(CUCINOTTA, 2020)
[…] has declared the novel coronavirus
(COVID-19) outbreak a global pandemic.
13/03/2020
Governado do Estado
de São Paulo (O
PAULO, 2020a)
Decreto nº 64.862. Suspensão de eventos
com mais de 500 pessoas. Suspensão das
aulas a partir de 24/03
14/03/2020
SEDUC-SP
38
,
UNDIME-SP, APM
39
,
APREESP
40
, SIEEESP
41
e CEE
42
. (SÃO
PAULO, 2020a)
Nota conjunta - Suspensão das aulas em São
Paulo após 23/03/2020
18/03/2020
Conselho Nacional de
Educação (CONSED,
2020b)
Divulgou nota onde reafirmou os dispositivos
legais existentes, inclusive que Ensino
fundamental será presencial e o ensino a
distância deve ser utilizado como
complementação da aprendizagem ou em
situações emergenciais.
38
Secretaria da Educação de São Paulo.
39
Associação Paulista de Municípios.
40
Associação dos Prefeitos do Estado de São Paulo.
41
Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo.
42
Conselho Estadual de Educação.
314
18/03/2020
Conselho Estadual de
Educação São Paulo
(SÃO PAULO, 2020a)
Parecer 177/2020 - Fixa normas quanto à
reorganização dos calendários escolares.
20/03/2020
Congresso Nacional
(BRASIL, 2020a),
Decreto legislativo nº 6, de 2020 -
Reconhece, [...] a ocorrência do estado de
calamidade pública
22/03/2020
Decreto nº 64.881
(SÃO PAULO, 2020c)
Decreta quarentena no Estado de São Paulo.
Vigorará de 24 de março a 7 de abril de
2020.
01/04/2020
A Medida Provisória
934 (BRASIL, 2020e)
Estabeleceu normas extraordinárias
dispensando o cumprimento dos 200 dias
letivos na educação básica previstos pela LDB
no artigo 24 e artigo 31 (BRASIL, 1996),
“desde que cumprida a carga horária mínima
anual estabelecida nos referidos dispositivos”,
(BRASIL, 2020e) ou seja, 800 horas de carga
horária anual.
Fonte: Arquivo dos Autores.
Pela cronologia dos documentos oficiais é possível perceber que as
ações das autoridades em relação ao isolamento social surtiram efeito
imediato junto a população em geral, porém, as implementações de ações
nas escolas seguiram ritmo mais lento, o que a nosso ver ocorreu pela falta
de clareza sobre a extensão do período de isolamento. Se houvesse, desde
os primeiros dias de isolamento, a convicção de que o isolamento duraria
pelo menos cinco meses, podendo ser maior, certamente as ações dos
gestores educacionais teriam sido outras, o que não significa que teriam
conseguido o mesmo resultado das aulas presenciais, mas certamente
muitas ações de ensino remoto teriam sido rápidas, mais precisas, mais
abrangentes, mais eficazes.
315
Constitui-se um exemplário de contradições. Por conta das
contradições do sistema, em livro no qual analisa a crise provocada pela
pandemia, Santos (2020) afirma que o principal objetivo da crise
financeira em quase todo o mundo é não ser resolvida, considerando que
ela não é de agora e resulta na causa que explica todas as contradições do
hipercapitalismo, sendo utilizada para justificar cortes nas políticas
públicas sociais, em especial, na saúde e na educação, e para cerceamento
de direitos sociais dos trabalhadores. Ele escreve:
[...] a pandemia vem apenas agravar uma situação de crise a que a
população mundial tem vindo a ser sujeita. Daí, a sua específica
periculosidade. Em muitos países, os serviços públicos de saúde
estavam mais bem preparados para enfrentar a pandemia há dez ou
vinte anos do que estão hoje (SANTOS, 2020, p. 6).
Assim, o problema não é meramente técnico-burocrático, mas
político-pedagógico e conjuntural. E envolve uma concepção de educação
e de sociedade, a exigir uma transformação radical da cultura escolar. É o
que discutiremos a seguir.
A educação desenvolvimental no contexto das novas tecnologias
Reconhecidamente, a educação brasileira, excetuando-se honrosas
situações, de praxe, ainda é marcada por uma perspectiva reflexo-
associativa, de aprendizagem funcional, ou seja, pautada pela modelagem
de comportamentos e pela associação de modelos, compreendendo-se que
o ser humano tem a devida capacidade para assimilar e reproduzir
conceitos que foram estabelecidos a priori.
316
Sinteticamente, nesse modo de compreender o trabalho educativo,
é o desenvolvimento do sujeito que orienta o seu processo de
aprendizagem, destacando-se a atuação de um professor que sabe e ensina
e um aluno que não sabe e deve aprender, corolário tornado universal pela
atitude crítica e transformadora do educador Paulo Freire, ao taxar essa
postura docente de educação bancária. Nesse modelo de ensino, porque a
aprendizagem efetiva é pouca, as associações constituem a base da memória
e da possibilidade de desenvolvimento intelectual.
Decididamente, o modelo de educação que se pauta na perspectiva
reflexo-associativa e funcional não deu conta de bem formar a maioria dos
sujeitos, notando-se na sociedade brasileira gerada pelo hipercapitalismo,
neste caso, periférico e dependente, índices alarmantes de analfabetismo,
absoluto e funcional, envolvendo inclusive significativo contingente de
sujeitos que passaram anos pela escola, além de indicadores expressivos de
baixo rendimento escolar, em geral, no segundo segmento do ensino
fundamental e no ensinodio. Resulta que esse tipo de educação não
atende aos interesses dos trabalhadores e nem do hipercapitalismo.
Transformar essa cultura escolar é o principal desafio para a
sociedade brasileira no sentido de construção de uma educação de caráter
desenvolvimental, ou seja, é necessária outra ordem de relações entre o
docente e os discentes e destes entre si. Nessa concepção de educação,
compreende-se que ao aprender o sujeito se desenvolve; a função do
professor não é de mero transmissor de conhecimento, mas de alguém com
capacidade para organizar a Atividade de Estudo dos educandos. O aluno
é compreendido como sujeito ativo, cabendo ao professor a organização
psicopedagógica do conteúdo escolar sob a forma de tarefa, orientando a
Atividade de Estudo de maneira colaborativa.
317
Nestes termos, necessário se faz aprofundar essa discussão com as
palavras de Vigotski
43
, que em seus estudos elaborou teorias que fazem
parte da base da Educação Desenvolvimental, tendo como pressuposto
que:
[...] o homem é um ser social, que fora da interação com a sociedade
ele nunca desenvolverá em si aquelas qualidades, aquelas propriedades
que desenvolveria como resultado do desenvolvimento sistetico de
toda a humanidade (VIGOTSKI, 2010, p. 697-698).
Neste viés, não há como negar que o ser humano se educa dentro
de sua cultura e no momento histórico em que vive, dentro da sua
comunidade/nação. Parece óbvio, mas é melhor exemplificarmos.
Referindo-se aos direitos das crianças e adolescentes, a Constituição
Brasileira, no seu artigo 227, assegura a eles proteção integral afirmando
que "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer [...]” (BRASIL, 1988, grifo nosso). Portanto, não
que se pensar em infância e adolescência sem a educação formal nas escolas,
porém, há alguns séculos a:
[...] sociedade via mal a criança, e pior ainda o adolescente. A duração
da infância era reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote
do homem ainda não conseguia bastar-se; a criança então, mal adquiria
algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava
de seus trabalhos e jogos. De criancinha pequena, ela se transformava
imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da
juventude [...] (ARIÈS, 1981, p. 10).
43
Na Língua Portuguesa admite-se várias as formas de escrever Vigotski, Vygotski ou Vygotsky, a
escolha da forma depende de quem traduziu suas obras.
318
Na Roma antiga, ser um cidadão com plenos direitos ou ser um
escravo, sem direito algum, não importando a cor da pele, não era ilegal,
imoral, errado ou antiético, era a cultura local e o momento histórico que
viviam. Confirma-se, assim, a afirmação de que somos resultado da cultura
e do momento histórico em que vivemos, nossas crenças e certezas não são
só nossas, são uma construção histórica decorrente do desenvolvimento de
toda a humanidade.
Todos estes exemplos nos trazem à questão do meio na pedagogia,
análise feita por Vigotski que aponta queO meio consiste numa fonte de
desenvolvimento dessas propriedades e qualidades humanas específicas
[...]” (VIGOTSKI, 2010, p. 698), mas acrescenta que:
[...] o meio não pode ser analisado por nós como uma condição estática
e exterior com relação ao desenvolvimento, mas deve ser compreendido
como variável e dinâmico. Então o meio, a situação de alguma forma
influencia a criança, norteia o seu desenvolvimento. Mas a criança e
seu desenvolvimento se modificam, tornam-se outros. E não apenas a
criança se modifica, modifica-se também a atitude do meio para com
ela, e esse mesmo meio começa a influenciar a mesma criança de uma
nova maneira (VIGOTSKI, 2010, p. 691, grifos nossos).
Estas constatações de Vigotski implicam em observarmos não só o
meio histórico-cultural-tecnológico no qual vivemos, mas que crianças,
jovens e adultos que estejam em diferentes fases da vida, desenvolvem-se e
aprendem de formas distintas. Ainda que o meio não mudasse, a forma de
ver e interagir com este meio muda a cada etapa da vida.
Note-se que estas afirmações foram arduamente estudadas e se
constituíram em fundamento para uma formulação de caráter pedagógico
extremamente importante na linha da Teoria Histórico-Cultural, pois se o
319
homem é um ser social e a criança representa este homem, ainda
parcialmente desprovido da bagagem cultural e do momento histórico, o
desenvolvimento desta criança está intrinsecamente ligado a este meio,
portanto “se não há no meio uma forma ideal correspondente, então, na
criança, não desenvolverá a ação, a propriedade correspondente, a
qualidade correspondente (VIGOTSKI, 2010, p. 695).
Exemplificando, isto significa dizer que vivendo com seus
familiares e amigos que não tenham o mínimo de conhecimento das
normas da Língua Portuguesa, a criança cometerá os mesmos erros, mas se
na escola houver a presença da forma ideal da língua, abre-se a chance do
desenvolvimento por meio destas novas interações sociais e do
aprendizado. Novamente, parece óbvio, mas tomemos outros exemplos
não tão óbvios. Como estranhar que a grande maioria dos professores não
saibam lidar com a tecnologia na educação. Sob o enfoque da pedagogia
do meio é possível perceber que estes professores não vivenciaram a
tecnologia, não existiu a forma ideal deste tipo de interação quando do
ensino básico, na universidade, na pós-graduação. Alguns diriam, mas a
tecnologia na educação é nova, que este exemplo não é bom. Então,
peguemos um exemplo ainda mais amplo e distante da tecnologia.
Atualmente muito se fala que os professores devem deixar de ser apenas
repassadores de conhecimento, palestrantes de alunos calados, mas como
isto seria possível, se estes professores vivenciaram a mesma situação
quando eram alunos, no ensino básico e nas universidades, com raras
exceções? Talvez a falta da forma ideal correspondente tenha um peso
maior do que se imagina. Destaca-se a esse respeito que, há 100 anos
Vigotski escrevia: “Para que o desenvolvimento de suas propriedades
humanas específicas possa ocorrer de forma auspiciosa e boa, é obviamente
imprescindível que essa forma final ideal guie justamente [...]”
(VIGOTSKI, 2010, p. 696). Enfim,o se quer aqui trilhar o caminho
320
da crítica aos professores, não se quer transformar as vítimas em algozes,
porém, estas são reflexões importantes para nos mantermos alertas e
buscando alternativas que quebrem o círculo vicioso da ausência de
condições ideais e conduzam a novas formas de pensar o processo
educativo em “um nível mais alto de consciência e de pensamento que
aquele ao qual se orienta a organização até agora vigente do processo de
aprendizagem na escola”. (DAVÍDOV, 1988, p. 103).
Nesta vertente, entendemos que cabe à escola o papel de criar as
condições ideais para o ensino e a aprendizagem, que proporcione o meio
pedagógico adequado, ponto central na Educação Desenvolvimental,
voltado para formação dos conhecimentos teóricos que:
[...] surgem no processo de análise do papel e da função de certa relação
peculiar dentro do sistema integral que, ao mesmo tempo, serve de base
genética inicial de todas as manifestações (DAVÍDOV, 1988, p. 154).
Davídov (1988, p. 177) concluiu em seus estudos que o ensino
tradicional vem fomentando o pensamento discursivo empírico, e que os
conhecimentos científicos têm ficado na esfera da mera memorização, sem
aprofundamento, sem entendimento dos princípios que os regem, e aponta
que os conhecimentos empíricos se pautam “nas observações, refletem nas
representações as propriedades externas dos objetos” (DAVÍDOV, 1988,
p. 154). Assim, é necessário considerar que não há razão no ensino escolar
se ele for direcionado para o senso comum, o empírico. De fato, é
oportuno ponderar pela busca da formação da generalização conceitual, do
pensamento científico, de proporcionar um aprendizado que supere o
conhecimento formal, compartimentado, memorizado, não entendido.
Desse modo, há que se considerar um modo particularmente adequado de
olhar o processo educativo, a atividade de estudo, que segundo Davídov
321
(1988, p. 158) ocorre quando os escolares “[...] realizam uma atividade
adequada à atividade humana historicamente encarnada”, no ambiente
escolar.
Fundamentalmente, o autor defende que o:
[...] conteúdo das matérias deve favorecer a formação, nos escolares, do
pensamento teórico [...]. O pensamento teórico é formado nos
escolares durante a realização da atividade de estudo. Por isso, o
conteúdo das matérias deve ser elaborado em correspondência às
particularidades e à estrutura da atividade de estudo. O ensino de tais
matérias criará condições favoráveis para o desenvolvimento da
atividade de estudo dos escolares; a assimilação, por eles, do conteúdo
das matérias contribuirá para a formação do seu pensamento teórico
(DAVÍDOV, 1988, p. 184).
Percebe-se que Davídov (1988, p. 162) segue a linha de Vigotski
no tocante à atividade humana historicamente construída, apoia-se no
papel de uma escola que não deveria fomentar apenas o pensamento
empírico, e avaa pela indicação da atividade de estudo como a forma
ideal de promover o pensamento científico. Acrescenta ainda que na sua
visão deve-se buscar o desenvolvimento omnilateral.
Isto posto, se faz necessário contextualizar o momento histórico
presente, afinal, o meio em que vivemos vai influenciar de forma decisiva
sobre o que e como aprendemos. Para isto, é preciso entender que “Until
year 1900, human knowledge approximately doubled every century; by
1950 however, human knowledge doubled every 25 years; by 2000,
human knowledge would double every year.
Today, our knowledge is
almost doubling every day!” (BATARSEH, 2017). Diante de tais fatos,
não é possível continuar a defender a educação tradicional, é necessário, ao
322
menos, pensar e implementar mudanças educacionais compatíveis com
este novo meio histórico-cultural. Seja porque o conhecimento é imenso e
está amplamente disponível, espalhado em livros, sites, artigos, teses,
podcasts, vídeos, seja porque surgem a cada dia novas formas de ensinar e
aprender. Repkin afirma que:
[...] na sociedade de hoje, neotecnológica, pós-industrial, em que a
produção está começando a ser baseada em tecnologias intensivamente
científicas, torna-se claro que uma pessoa não pode ter êxito a menos
que se arme constantemente com novos e complexos conhecimentos.
Há relativamente pouco tempo, se aprender ainda tinha a função de
preparar para a vida e para o resto da vida se poderia viver para sempre
a partir dessa bagagem que se tinha “acumulado”, hoje em dia a
aprendizagem está se tornando uma forma necessária da vida
(REPKIN, 2014, p. 86).
Para, na continuidade do pensamento, destacar que “Se
imaginarmos que as pessoas precisam renovar seus conhecimentos ao longo
da vida com a mesma intensidade e da mesma forma como no ensino
tradicional, então elas simplesmente não terão tempo para fazer qualquer
outra coisa” (REPKIN, 2014, p. 86). Consequentemente, surge a
necessidade imperiosa de buscar opões para uma educação escolar que
supere o ensino tradicional, que supere as tarefas educacionais tradicionais
puramente funcionais que não dão conta do desenvolvimento e do
autodesenvolvimento do indivíduo, tão necessários para fazer frente às
mudanças do mundo contemporâneo, pois:
O problema da ineficácia da educação existente requer a busca de
alternativas. A alternativa à educação tradicional só pode ser o ensino
humanista e desenvolvente (O autor refere-se à abordagem educativa
323
de Elkonin-Davydov, muitas vezes, referida como educação
desenvolvente Nota do editor) (REPKIN, 2014, p. 87).
Repkin (2014, p. 99) diz que “a Educação Desenvolvente é o
ensino que se baseia na atividade de estudo”, e, à vista disto, entendemos
que com ela se entrelaça. Assim sendo, para demonstrar os seus conceitos,
tomamos a liberdade de escolher os principais pontos e de chamá-los de
pilares, isto sem a inteão de simplificar, apenas com o intuito de
demonst-los didaticamente.
Em nossa visão, apontamos como primeiro pilar os motivos e
necessidades que levam o estudante na busca no aprendizado, ou seja, para
estar em atividade de estudo é necessário uma pessoa consciente, livre, que
“[...] não está estudando porque o professor mandou, mas porque é
necessário para ela. Consequentemente, o conceito de estudo ou de
aprendizagem e o conceito de atividade de estudo não são coincidentes”
(REPKIN, 2014, p. 90). Certamente o estudante pode ter muitos motivos
para estudar, seja para passar de ano, para receber um prêmio, para obter
um emprego melhor, entre outros, mas Repkin (2014, p. 91) reafirma que
“O principal é que qualquer atividade seja uma resposta a alguma
necessidade da pessoa. Se não há necessidade, logo não há atividade”
(REPKIN, 2014, p. 91). Estas definições são extremamente importantes
para que os professores tenham em mente que assuntos empolgantes, ou
ligados à realidade do aluno, ou apresentados com seus porquês certamente
vão aproximar-se muito mais da atividade de estudo do que assuntos
insignificantes, descontextualizados, fatalistas, ou seja, aqueles cuja
explicação não passa de “é assim porque é”. Isto sem falar da inutilidade
de conhecimentos que só requerem memória, a decoreba.
324
Entretanto, é vital frisar que não são somente os motivos e
necessidades do aluno envolvidos, mas também postura do professor, o
segundo pilar, pois a:
[...] Educação Desenvolvente ocorre quando o parceiro do professor
não é um aluno [no sentido de um objeto do ensino], mas um
autoprofessor, um professor de si mesmo. Não é o professor que ensina
o aluno, mas o aluno que ensina a si mesmo. E o papel do professor é
ajudar o estudante a ensinar-se a si mesmo (REPKIN, 2014, p. 89).
Considerando a necessidade imperiosa de que a atividade de estudo
venha a promover o desenvolvimento do sujeito, deve-se caminhar na
direção de estrutu-la para o despertar das necessidades e motivos do
estudante e para ações educativas diferenciadas por parte do educador, de
modo que sejam incluídos no planejamento as tarefas, ações e operações
(DAVÍDOV, 1988, p. 242) que necessariamente deverão estar contidas na
atividade de estudo, organizadas, principalmente, através da resolução de
situações problema, o terceiro pilar, que:
[...] é um conceito amplamente discutido na literatura pedagógica, mas
é interpretado de uma forma estranha: como uma situação de
ignorância, em que um sujeito se depara com algo novo e
desconhecido. Tal descrição perde de vista um ponto muito
importante: uma mesma situação pode ser uma situação problema (sic)
para algumas pessoas e não para outras. A SP
44
é sempre uma situação
para um sujeito atuante. Se uma pessoa não faz nada, nenhuma
situação problema (sic) surge para ela (REPKIN, 2014, p. 95).
44
Abreviatura de situação-problema.
325
Depreende-se, então, a importância do professor no planejamento
e constrão da atividade de estudo, na busca do despertar dos motivos no
aluno, no intuito de facilitar a aprendizagem, enfatizando o lado professor
de si mesmo do educando, criando uma ou várias situações-problema e
mais, identificando quais serão potencialmente situações-problema ou
não, já que elas dependem do sujeito atuante.
Em oposição ao exposto, Repkin (2014, p. 90) afirma que
“Quando a aprendizagem acontece no nível das operações, a criança segue
os passos do professor, muito semelhante a um fantoche”, o que pode
ocorrer também com jovens e adultos na perspectiva do ensino tradicional,
que busca padronizar comportamentos e encapsular conhecimentos nos
indivíduos.
Finalmente, o quarto pilar está enraizado no objetivo, ou seja,
enquanto a educação tradicional tem foco na transmissão do
conhecimento,
o aspecto distintivo da atividade de estudo é que o seu
objetivo e resultado não constituem uma mudança no objeto com o qual
a pessoa opera, mas uma mudança no sujeito da atividade (REPKIN,
2014, p. 87). Nesta abordagem o foco não está no objeto de estudo, não
está no externo, está no desenvolvimento do aluno, na “mudança dentro
de si mesmo como sujeito da atividade. Em outras palavras, a atividade de
estudo deve ser entendida como atividade para a autotransformação do
sujeito”. (REPKIN, 2014, p. 88).
Obviamente, não se pode querer esgotar anos de estudos realizados
por qualificados cientistas em poucas linhas, mas os pilares ajudam porque
proporcionam uma visão abrangente, pontual, alinhada com a Educação
Desenvolvente. Por fim, é importante frisar que estas proposições se
pautam na perspectiva do homem como ser social cuja [...] atividade que
está conectada com outras pessoas ou envolve outras pessoas é, de uma
forma ou outra, atividade conjunta e social” (REPKIN, 2014, p. 88).
326
No entanto, no mundo contemporâneo não há como restringir
ideologicamente a atividade conjunta e social ao contato pessoal presencial.
Quando Vigotski defende que o ser humano “fora da interação com a
sociedade ele nunca desenvolverá em si aquelas qualidades, aquelas
propriedades que desenvolveria como resultado do desenvolvimento
sistemático de toda a humanidade” (VIGOTSKI, 2010, p. 697-698), não
impõe restrições aos tipos de interações, ou seja, se o aprendiz interage com
seu professor, ou com seus colegas, ou se interage com as ideias de
Shakespeare, Camões, Platão ou Pitágoras, em uma leitura motivada pelo
interesse em aprender, estabelece-se o primeiro pilar, na esfera dos motivos,
mas também o segundo pilar, na direção do aprendiz que se auto ensina.
Adicionalmente, a escola, vocacionada à perpetuação do saber humano,
por meio dos professores, pode agregar o terceiro pilar, ou seja, a
propositura de situações-problema que levem à reflexão e à compreensão
do saber científico, na direção do desenvolvimento humano, o quarto pilar
da abordagem ora explicitada.
Sob tal perspectiva, é preciso questionar se a atividade de estudo,
base sobre a qual se sustenta a Educação Desenvolvimental, é a atividade
do aluno, qual seria a atividade realizada pelo professor? Segundo Moura
(MOURA et al., 2010, p. 99), é a Atividade Orientadora de Ensino
(AOE), que:
[...] é primordialmente a responsável pela aprendizagem de conceitos
científicos e pelo desenvolvimento do pensamento teórico, orientada
pela intencionalidade de impactar os sujeitos, proporcionando as
alterações no desenvolvimento de suas funções psíquicas e a
apropriação de conceitos científicos.
327
Moura defende que a separação de atividade de estudo e atividade
de ensino só se dá “para fins de explicação didática, entretanto, o motivo
de ambas deve coincidir para que sejam concretizadas” (MOURA et al.,
2010, p. 100). Ainda, segundo o autor, (MOURA et al., 2010, p. 90),o
professor constitui-se professor pelo seu trabalho - a atividade de ensino
e na reorganização do ensino pode articular a prática e a teoria e assim
transformar a realidade escolar, transformando os sujeitos, em
alinhamento com os propósitos da Educação Desenvolvimental. Cabe,
portanto, ao professor organizar o ensino, favorecer a aprendizagem,
desenvolver ações elegendo e estudando:
[...] os conceitos a serem apropriados pelos estudantes; organizá-los e
recriá-los para que possam ser apropriados; organizar o grupo de
estudantes, de modo que as ações individuais sejam providas de
significado social e de sentido pessoal na divisão de trabalho do
coletivo; e refletir sobre a eficiência das ações, se realmente conduziu
aos resultados inicialmente idealizados (MOURA et al., 2010, p. 102).
Nesta ótica, o grande desafio é mudar a postura, superar a forma
de ensino tradicional e buscar alternativas nas fundamentações da
Educação Desenvolvimental, não por modismo, mas pela necessidade de
fazer frente aos desafios da educação contemporânea. Davídov (1988, p.
244) já apontava a possibilidade de aplicação dos fundamentos do Ensino
Desenvolvimental utilizando o computador como instrumento que
“propicia um modelo dinâmico das ações de aprendizagem”.
No entanto, embora as tecnologias construídas em milênios da
história possibilitem poupar o ser humano da enxada, dando-lhe o arado,
o trator, a colheitadeira, a irrigação, o caminhão e a ferrovia, ainda assim,
as formas de ensinar e aprender vem permanecendo quase as mesmas. Mas
328
a pandemia mudou tudo, então? Sim e não. O que vemos é a transposição
dos mesmos elementos das aulas antigas para as aulas tecnológicas. Houve
um salto com o uso da tecnologia, porém, com professores
sobrecarregados, e ainda incertos do que fazer.
Deixamos, então, uma mensagem intrigante, para reflexão, uma
afirmação que pode contribuir para mudar este mundo de incertezas
educacionais. Defendemos que, se isolarmos e implementarmos tecnologia
nos elementos que as aulas têm em comum, haverá mais tempo para que
o professor se dedique ao que suas aulas têm de diferente, ou seja, haverá
mais tempo para que os educadores interajam e apoiem o desenvolvimento
dos alunos. Mas este é um assunto que exige muitas reflexões e ficará para
outro texto.
Considerações Finais
Após a análise cronológica das publicações realizadas nos primeiros
meses da pandemia COVID-19, pelas entidades educacionais e órgãos
oficiais governamentais, percebeu-se uma ação rápida no isolamento da
população em geral, porém, não houve, por grande parte dos gestores
educacionais, em todos os níveis, a compreensão ampla de que haveria um
período de isolamento longo, como demonstra a pesquisa da
UNDIME/CONSED, realizada entre os dias 27/04 e 04/05, onde se vê
que após quase dois meses de isolamento social 40% das redes municipais
de educação ainda “não tinham definição sobre atividades remotas”
(UNDIME, 2020b), ou seja, houve demora na implantação de medidas
necesrias à continuidade das ações de ensino-aprendizagem. Em que pese
já haver na época o amparo legal da Lei nº 9.394, que regulamenta as
Diretrizes Básicas da Educação no Brasil, em seu artigo Art. 32, parágrafo
329
§ 4º, que estabelece: “O ensino fundamental será presencial, sendo o
ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou
em situações emergenciais” (BRASIL, 1996), ainda assim, as ações de
ensino remoto demoraram a ser implementadas.
O mundo contemporâneo, com ou sem COVID-19, não pode
prescindir da visão do homem como ser social, desenvolvendo-se com ela
e usufruindo de seus recursos, especialmente das novas tecnologias e das
formas de ensinar e aprender apontadas pelos fundamentos da Educação
Desenvolvimental e suas especificidades, notadamente porque o:
[...] computador, quando incorporado à estrutura integral da atividade
de estudo tem provado ser um instrumento eficaz na organização e
manejo desta atividade, além de ser um instrumento que possibilita o
monitoramento dos resultados da aprendizagem. Ele propicia um
modelo dinâmico das ações de aprendizagem (DAVÍDOV, 1988, p.
243-244).
Neste aspecto, o parecer CNE 11, de 07/07/2020, apoiado na
pesquisa UNDIME/CONSEDE, aponta que, entre as entidades que
estavam tendo algum tipo de ensino remoto, “43% (quarenta e três por
cento) das redes municipais utilizam materiais impressos nas atividades
remotas; 57% (cinquenta e sete por cento) conteúdos digitais e videoaulas
gravadas (BRASIL, 2020c). No entanto, a última PNAD Contínua do
IBGE (AGÊNCIA IBGE, 2020a) apontou que:
O percentual de domicílios que utilizavam a Internet subiu de 74,9%
para 79,1%, de 2017 para 2018”. [...] O equipamento mais usado para
acessar a Internet foi o celular, encontrado em 99,2% dos domicílios
com serviço. O segundo foi o microcomputador, que, no entanto,
era usado em 48,1% desses lares.
330
A diferença entre os 57% de uso do meio digital pelas redes de
educação e o potencial uso de 79,1% apontado pela PNAD, revela um
potencial a ser trabalhado, número que pode crescer mediante a adesão das
redes ao ensino remoto online, mas que também pode decrescer por conta
do desemprego e da perda da renda causada pela desaceleração econômica.
Importante salientar que as redes de educação perceberam que atividades
remotas previstas na LDB não precisam ser sinônimo de ensino online, pois
43% delas utilizaram materiais impressos para manter o ensino
funcionando.
Necessário se faz destacar que algumas redes de educação estão
adotando medidas inovadoras e ousadas, invertendo a lógica de derrotismo
do mundo subdesenvolvido e agindo para proteger os mais vulneráveis:
Até 3.000 estudantes de graduação da Unesp
45
em situação de
vulnerabilidade socioeconômica, sem acesso ou com acesso limitado ao
mundo digital de suas casas, terão internet paga pela Universidade ao
longo dos próximos seis meses, totalizando 360 terabytes (TB) de
dados de acesso à internet, divididos em 60 TB por mês --considerando
a utilização de todos os chips (MARINHO, 2020).
Não há como desprezar a cultura e o momento histórico da
humanidade, sendo fundamental considerar as teses da Educação
Desenvolvimental, com princípios que podem nortear formas inovadoras
de ensinar e aprender, especialmente neste momento de pandemia no qual
a educação se viu compelida ao uso das novas tecnologias de informação e
comunicação.
45
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
331
No sentido temporal, a Educação Desenvolvimental não é recente,
mas é inovadora pois tem como foco a apropriação de conceitos cienficos
e o desenvolvimento das funções psíquicas superiores dos educandos, com
potencial para proporcionar avanços e superar o caminho que já foi
trilhado pelo ensino tradicional, independentemente se utilizada nas
formas remota, presencial ou hibrida.
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a 79,1% dos domicílios do país, 29 abr. 2020a. Disponivel em:
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Pileggi Vinha e revisão de Max Welcman.
337
Reflexões Sobre a Trajetória de Mulheres:
implicões para constituição de processos de EJA
Carla Chiari
46
Mariana Lopes de Moraes
47
Introdução
A escolarização feminina no contexto da EJA ainda merece maior
discussão, visto que significativo contingente das mulheres ainda
permanece à margem do sistema escolar, de acordo com dados
pesquisados.
Segundo Narvaz; Sant’anna e Tesseler (2013), os avanços da
legislação nacional para a conciliação entre os trabalhos produtivo e
reprodutivo são significativos, embora ainda possuam pouco impacto na
desestabilização do modelo homem-provedor/mulher-cuidadora. Daí
decorre que, se avançam as mulheres na ocupação do espaço público,
continuam atadas à exclusividade das responsabilidades domésticas e
familiares. Estes aspectos têm sido apontados por estudiosas e
pesquisadoras também do campo da Educação de Jovens e Adultos (EJA):
46
Mestranda em Educação pela UNESP, Campus de Marília. Psicóloga formada pela Universidade
de Marília, atuando nas áreas de Psicologia da Educação, Psicologia Moral e Psicologia Analítica.
47
Doutoranda em Educação pela UNESP, Campus de Marília. Mestre em Educação pela UNESP,
Campus de Marília. Pedagoga formada pela UNESP, Campus de Marília.
338
a necessidade de arcar com as responsabilidades familiares é um dos
principais motivos de evasão das mulheres adultas da escola.
Narvaz; Sant’anna e Tesseler (2013) também fazem uma
importante constatação, trazendo dados da Revista do Observatório Brasil
da Igualdade de Gênero (BRASIL, 2009, p. 94) que revelam que as
mulheres perfazem mais de 50% da população e do eleitorado brasileiro,
bem como apresentam maior nível de escolaridade em relação aos homens,
além de somarem cerca de 50% da população economicamente ativa do
país. Porém, não chegam a 20% nos cargos de maior nível hierárquico no
Parlamento, nos Governos Municipais e Estaduais, nas Secretarias do
Primeiro Escalão do Poder Executivo, no Judiciário, nos Sindicatos e nas
Reitorias das universidades. Apenas nas empresas privadas as mulheres
ocupam 20% das chefias. A discriminação de mulheres aparece também
no mercado de trabalho brasileiro vinculada a mais baixos salários em
relação aos salários dos homens, apesar da mais alta escolaridade feminina.
A cultura de divisão sexual do trabalho, preconceito e subalternidade ainda
dificulta a autonomia e a presença feminina nas decisões cruciais à vida da
comunidade, estando na gênese das diferenças de acesso das mulheres ao
poder.
Este artigo, portanto, objetiva discutir questões relativas à
escolarização das mulheres na EJA, fazendo uma análise documental e
bibliográfica e buscando também aprofundar nas imagens de mulheres no
decurso da história até a atualidade, em suas diversas representações,
principalmente contextualizar o processo histórico do matriarcado, até os
dias atuais do patriarcado, notoriamente produtor de uma cultura
misógina e machista, permeada por muitos preconceitos e violências em
relação às mulheres.
339
Parâmetros Legais da Presea Feminina na Trajetória Histórica da
EJA no Brasil
O direito à educação básica se estende aos jovens e adultos, de
modo mais efetivo, com a criação da Constituição da República Federativa
do Brasil (CF), promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte, em
05 de outubro de 1988. Esta Constituão, efeito da participação de
diferentes setores da população que se mobilizaram diante do desafio da
ampliação dos direitos sociais e das demandas às responsabilidades do
Estado, anuncia em seu artigo 205 a “Educação como um direito de todos”
e, em seu artigo 208, assegura o dever do Estado com a Educação.
Essa ampliação constitucional do direito de todos e todas à
educação promove, também a jovens e adultos, a promessa de sua inserção
no cenário educacional “enquanto sujeitos de direito” na oferta obrigatória
e gratuita no ensino fundamental. Por sua vez, a atual Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Brasileira (BRASIL, 1996) constitui um avanço
significativo ao incorporar a Educação de Jovens e Adultos (EJA) como
Modalidade de Ensino da Educação Básica Regular. Como diretriz legal,
esta legislação reafirma a oferta pública e o dever do Estado para com a
educação básica, reforçando assim que os estudantes e as estudantes de EJA
são sujeitos de direito, no que tange a esta oferta.
O Parecer CNE/CEB, nº 23/2008 institui as diretrizes
Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos à
duração dos cursos e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA; idade
mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos
desenvolvida por meio da Educação a Distância. O documento expõe
como pano de fundo, o contexto do direito à educação. Desde a
Constituição de 1988, a educação é considerada um princípio básico para
340
a vida cidadã, enfatizando a participação ativa na vida social e política,
sendo que a Lei Magna tornou o acesso à educação um direito dos cidadãos
e dever do Estado, consolidando-a como um direito civil e político. Além
disso, o Brasil é signatário de protocolos internacionais, como os da
UNESCO, visando garantir prerrogativas de direito à Educação Para
Todos ao Longo da Vida, fato ainda a se concretizar efetivamente no país.
E como se trata de um direito juridicamente protegido, é preciso
que ele seja garantido e cercado de todas as condições. Daí a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Plano Nacional de Educação e
outros diplomas legais buscarem garantir esse direito. O Ensino
Fundamental, etapa do nível Educação Básica, foi proclamado como um
direito público subjetivo. Esse caráter distintivo de direito ao Ensino
Fundamental está de tal modo ali inscrito que ele se tornou um direito de
todos os que não tiveram acesso à escolaridade e de todos que tiveram este
acesso, mas não puderam comple-lo. Assim, para a Lei Maior, o Ensino
Fundamental obrigatório e gratuito é um direito do cidadão, qualquer que
seja ele, e dever do Estado, valendo esse direito também para os que não
tiveram acesso a ele na idade própria. Mas é preciso atentar que a inscrição
desse direito na Constituão foi tanto produto dos movimentos que
lutaram por esse modo de registro e dos que entendem sua importância e
necessidade no mundo contemporâneo quanto de uma consciência
subjetiva: o da dignidade de cada um e dos impactos subjetivos sobre essa
dignidade quando esse direito não é reconhecido ou se dá de modo
incompleto ou irregular (BRASIL, 2008, p. 3).
Apesar de todos os esforços feitos pelo Brasil no campo da EJA,
revelados nos princípios da Constituição Federal de 1988, na atual
LDBEN n. 9394/96 e pela Resolução CEB/CNE n°1/200, garantindo o
direito e a atentando para a especificidade da educação de jovens e adultos,
o atendimento a essa demanda populacional ainda é reduzida, se
341
comparada ao número de pessoas que não possuem educação básica e a
oferta não corresponde à realidade e à necessidade desses sujeitos.
Um Olhar Histórico Sobre o Papel Social das Mulheres no Brasil
Quando se analisa o papel da mulher dentro do seu contexto social
e de suas vivencias, as constatações nos provocam muitas inquietações
acerca das imagens do universo feminino no decurso da história até a
atualidade em suas diversas representações, principalmente pelas marcas de
preconceitos e violências em relação a elas, com consequências
devastadoras causadas, principalmente no nível educacional, o que para
nós justifica pensar a educação como perspectiva para um processo
libertador e humano para as mulheres.
Na atualidade, vivemos em um mundo dominado pelo universo
masculino, mas esse cenário já foi diferente haja vista que 2500 anos atrás,
predominava o matriarcado, no qual as sociedades primitivas confiavam às
mulheres a organização e o exercício do poder, não havendo uma
hierarquia e nem domínio como nos dias atuais, num processo de
coletividade e organização em tribos ou grupos.
Pesquisas arqueológicas evidenciam que os seres humanos, do período
paleolítico e neolítico viviam em um sistema de parceria entre mulheres
e homens, sendo as mulheres veneradas em todas as sociedades
agrícolas antigas, diante de seu poder de gerar a vida e, com isso,
manter a espécie humana. Assim, pressupõe-se que o culto à deusa seja
uma das religiões mais antigas, tendo perdurado por mais tempo na
história. No princípio da civilização humana “[...] a vulva era venerada
como o portal mágico da vida, possuindo o poder tanto de regeneração
física quanto de iluminação espiritual e transformação.” Isso não
342
significa que a relação social era marcada pelo matriarcado, e sim, pela
matrilinearidade (RUETHER, 1993, p. 47).
Ao refletirmos sobre a relação homem e mulher e a cultura,
podemos perceber a existência de estereótipos e unilateralidade durante o
desenvolvimento da civilização. Dentro de uma perspectiva junguiana,
procuramos mostrar como tais relações permeiam uma serie de repressões
que originam e sustentam unilateralidades, bem como assentadas em um
profundo complexo cultural que influencia na forma como nos
relacionamos e nós desenvolvemos.
Após o período do matriarcado, foi se instalando o processo do
patriarcado, no qual vivemos até os dias de hoje, podendo ser definido
como um conceito estrutural no qual a sociedade contemporânea se
acentua, suas principais caractesticas são: autoridade imposta
institucionalmente, dos homens sobre as mulheres e filhos no ambiente
familiar, permeando toda a organização da sociedade, da produção e do
consumo, outros setores também como a política, a legislação e até a
cultura. Nesta perspectiva, o processo do patriarcado, funda a nossa
estrutura social e recebe reforço institucional, nos relacionamentos
interpessoais e na personalidade, marcados por violência e dominação.
O processo de emancipação das mulheres brasileiras em relação à
educação foi lento e vem carregado de um processo histórico de muita luta,
sendo cada período histórico um passo pequeno e direcionado. É
importante observar discrepância entre as classes sociais e períodos,
destacar a relação entre a escravidão, exploração do trabalho, ausência de
escolaridade das mulheres, perpetuando até os dias de hoje.
No período de colonização o tema central foi a miscigenação,
homens portugueses mantiveram relações com mulheres índias e mulheres
343
africanas que eram vistas como mulheres trabalhadoras e objetos sexuais.
Já as mulheres brancas, tinham suas vidas restritas à casa e à igreja, eram
estereotipadas como fracas e submissas, tendo que aceitar a traição de seus
maridos, por serem dependentes econômica e socialmente, não podendo
participar da vida política.
Já no Brasil imrio, com um pequeno enfraquecimento do
patriarcado, o papel da mulher aos poucos vai ganhando outra dimensão,
observando-se avanços na luta por direitos nos campos de trabalho,
educação e da política, antes áreas dominadas pelos homens (Costa 1985).
As mulheres tornam-se pioneiras no início do século XX
(HAHNER, 1990), a despeito das exclusões, das imposições propostas e
sobrem retaliações, destacando a área da política e do trabalho, sendo
obrigadas à atividade laboral de 16 horas de jornada, enquanto para os
homens sua carga foi reduzida para 8 horas, além de as mulheres serem
exploradas juntamente com as crianças. Destaque-se que não conseguiam
reivindicar seus direitos nas assembleias, pois não eram ouvidas.
Em 1910, o Partido Republicano Feminino foi formado como um
local onde as mulheres pudessem expressar suas opiniões, lutando para
emancipar-se, incluindo a representação no setor de prestação de serviços.
Lutando arduamente pelos seus direitos, ganharam o direito ao voto em
1932, porém o então Presidente da República, Getúlio Vargas, fechou o
congresso, tornou os partidos políticos ilegais e suspendeu os direitos de
voto em nível nacional até 1945.Apesar do retorna da democracia e mesmo
após o Golpe Militar de 1964, o movimento feminista progrediu pouco
até o início dos anos 70. Só a partir da metade dessa década que mulheres
de classe média, nível universitário e mulheres pobres, sem educação,
organizaram movimentos no sentido de que fossem incluídas suas
reivindicações no sistema político brasileiro.
344
As mulheres já possuem atuação expressiva no universo público; estão
participando gradativa e ativamente do mundo político apesar da
enorme sub-representação em comparação à participação masculina;
estão em grande número na educação de ensino superior como
alunas, professoras e pesquisadoras; têm sido respaldadas por
legislações que lhes garantem proteção e lhes asseguram direitos
básicos; têm ocupado cargos diversos no mundo do trabalho, inclusive
nos postos de liderança, apesar de estatisticamente ocuparem menos
cargos de chefia que os homens, vindo, muitas vezes, a receber salários
menores quando exercem a mesma função; estão tendo suas vozes cada
vez mais ouvidas e consideradas nos processos decisórios em sociedade;
entre uma série de outras conquistas adquiridas. Isso muito se deve pelo
fato de termos tido mulheres que desafiaram e se propuseram a alterar
as realidades que as silenciavam e limitavam enquanto sujeitos e que as
confinavam em rígidos estereótipos e padrões de comportamento e
existência (NASCIMENTO, 2015, p. 17).
Dentro desse contexto histórico brasileiro, as mulheres foram se
emancipando em vários setores, porém o processo de acesso à educação
principalmente as mulheres com baixa renda foi lento. Contrapondo esses
aspectos, a violência em relação às mulheres que não queriam mais seus
companheiros, serem obrigadas a conviver com outros em contrariedade
ou até assassinadas é muito recorrente em nosso país.
É preciso compreender o espaço da mulher na sociedade. Segundo
pesquisa IPEA em 2009, o número de mulheres vem crescendo no cenário
nacional, ressaltando que a maior parte das famílias é composta pela mãe
juntamente com os filhos, constituindo um total de 21.933.180 famílias,
sendo que de 2001 a 2009 esse percentual saltou de 27% para 35%. Note-
se que são dados em que os homens chefiam mais as famílias, porém
possuem uma maior renda mensal e geralmente há uma presença feminina
que colabora com as despesas da casa.
345
Um arranjo familiar que pode proporcionar uma grande
dificuldade é o da mulher com filhos e solteira, já que o fato de possuir
filhos menores dependentes exigiria rendimentos e salários satisfatórios
para o sustento, bem como a necessidade de creches e centros de
atendimentos para os filhos, para que assim possa ser inserida no mercado
de trabalho.
Outro documento a ser pensado é o mapa da violência de 2015
sobre homicídio de mulheres no Brasil (WAISELFISZ, 2015), o qual nos
oferece um importante respaldo quanto à quantificão das mortes. Entre
2003 e 2013, o número de vítimas anuais aumentou de 3.937 para 4.762
mortes, representando no ano de 2013, um total de 13 feminicídios por
dia. Registrou-se 1 estupro a cada 9 minutos, 1 feminicídio a cada 90
minutos, 5 espancamentos a ada 9 minutos e 179 relatos de agressões por
dia. Há evidências de que esses números sejam maiores, considerando que
nem todos os casos de violênciao denunciados ou contabilizados.
Assim, emancipação é aqui tomada como uma construção
contínua da identidade que “se constrói a partir das diversidades e
multiplicidades de experiências” (NASCIMENTO, 2015, p. 27). Para
além de uma ação meramente individualista, tomar o coletivo feminista
como emancipatório é reconhecer, também, um movimento que lê
“diversas singularidades” (NASCIMENTO, 2015, p. 45) e que se
posiciona no lugar do “eu-nós” (NASCIMENTO, 2015, p. 51), logo,
necessita concretamente de um outro percebido, visto e sentido como
diferente, mas não menor ou pior. Nesse sentido, as falas das participantes
evidenciam que “[...] ‘ser mulher’ configura-se como uma experiência
compartilhada historicamente com a multiplicidade de mulheres, ainda
que seja uma experiência singular para cada uma (NASCIMENTO,
2015, p. 47).
346
Pensando sobre as diferentes formas de ser mulher, o feminismo se
pauta em duas ações: liberdade e horizontalidade. Na primeira, refere, ao
objetivo máximo a ser alcançado, pensando numa emancipação e no qual
a educação pode auxiliar. Uma outra ação seria a horizontalidade, seria a
forma de ação não hierarquizada, não dominada, oferecendo maiores e
melhores possibilidades de expressão dos sujeitos, como o
compartilhamento pleno e legitimo das experiências.
A Presença Feminina nos Processos de EJA: Uma Análise Bibliográfica
Foi realizado um levantamento bibliográfico inicial de artigos em
duas bases de dados, a saber: Portal de periódicos da CAPES e Scielo.
Sendo utilizados os descritores “EJA” e “mulheres”, buscando a intersecção
desses temas.
Portal de periódicos da capes
Encontrados: 127
Descritores: EJA / mulheres
Artigos selecionados para análise:
Aspectos da escolarização de mulheres na EJA
Gênero e educação de jovens e adultos: a histórica exclusão
das mulheres dos espaços de saber-poder
“Agora posso ler?”: elas na educação de jovens e adultos
Scielo
Filtrando as revistas que fossem da área da educação e psicologia
Encontrados: 15
347
Descritores: EJA / mulheres
Artigos selecionados para análise:
Educação dos povos do campo no Brasil:
colonialidade/modernidade e urbanocentrismo.
Descritores: Patriarcado/ Educação
Os feminismos e as vozes: Uma leitura Junguiana
A mulher na visão do patriarcado brasileiro: Uma herança
ocidental
Patriarcalismo e o feminismo: Uma retrospectiva histórica
Gênero, patriarcado, educação e os parâmetros curriculares
nacionais
O patriarcado nos estudos feministas: um debate teórico
A pesquisa realizada por Eiterer; Dias e Coura (2014) traz aspectos
da escolarização feminina na região de Belo Horizonte, em uma escola
pública, localizada na zona Oeste da Capital e uma privada, de natureza
filantrópica, na zona Sul.
O perfil da população da EJA, a inserção no campo da Educação
de Jovens e Adultos, na idade adulta, significa conciliar diferentes
responsabilidades com as tarefas, horários e outras exigências escolares.
Para as mulheres, sobretudo, o horário de trabalho, torna-se ainda maior,
tendo que conciliar escola e responsabilidade por tarefas de cuidar da casa
e da família (filhos, marido, eventualmente pais, netos e mesmo outros
parentes).
348
As autoras realizam um recorte nos estudos de gênero e se apoiam
em algumas pesquisadoras que nos auxiliam a pensar o trabalho feminino
como fenômeno social e histórico. O trabalho feminino numa sociedade
é caracterizado não como decorrência de qualquer tipo de dado natural ou
biológico, pré-determinado e imutável, mas algo que se apresenta a partir
de relações de gênero historicamente construídas.
Aprofundando um pouco mais nesse ponto, utilizam-se os aportes
da socióloga Marie Durut-Bellat (2005) acerca das desigualdades escolares.
A autora discute efeitos do contexto social de origem dos educandos e do
contexto escolar no sucesso escolar e escolhas de carreira. Reitera ainda
que, desde muito cedo, emergem correlações entre desenvolvimento e a
qualidade do ambiente da criança, e que as aprendizagens se encadeiam
cumulativamente: “a vantagem das crianças de ambiente privilegiado é
particularmente clara nas competências que serão mobilizadas na
aprendizagem da leitura (reconhecimento das letras, por exemplo), ou no
domínio de conceitos ligados ao tempo, sem dúvida porque essas
capacidades foram objeto de aprendizagem familiar” (DURUT-
BELLAT, 2005, p. 16).
As autoras finalizam:
Posto isso, ressaltamos que embora a literatura no campo das ciências
sociais, antropologia, psicologia social, entre outras áreas, dediquem-se
há muito tempo ao debate acerca das diferentes desigualdades
enfrentadas pela mulher na sociedade brasileira, ainda hoje o campo da
educação precisa dialogar com essa literatura. E esse diálogo, incipiente
quando se trata de entender as dificuldades das mães trabalhadoras,
encontra-se em estágio apenas embrionário quando tratamos de pensar
os desafios que impõem essa realidade à escolarização da mulher na
EJA (EITERER; DIAS; COURA, 2014, p. 175).
349
Considerações Finais
Conforme o exposto, consideramos que a educação de jovens e
adultos merece uma ampla abordagem por parte dos pesquisadores e das
políticas blicas, sobretudo no contexto das mulheres, que por vezes se
encontram às margens da educação devido às dificuldades enfrentadas por
sua condição de ser e estar na sociedade.
É preciso resgatar o processo histórico e social, para
compreendermos o papel da mulher na sociedade e o seu desenvolvimento
até os dias atuais. Buscando assim a origem passada do matriarcado, onde
as mulheres eram livres e se desenvolviam numa sociedade sem
julgamentos ou condenações a respeito de suas escolhas, principalmente
em relação à sua liberdade. Já nos dias atuais com o patriarcado, onde
homens se colocam socialmente como superiores às mulheres e as
controlam, não permitindo que as mesmas busquem suas escolhas e sigam
seus caminhos livremente.
Compreendemos que só a educação pode emancipar as mulheres,
pois as mesmas precisam compreender o seu processo de desenvolvimento
e principalmente encontrar seus espaços como trabalhadoras, com salários
dignos e possibilidades de ascensão social. É sabido que quanto mais
conhecimento, mais o indivíduo é livre. Precisamos estimular
principalmente as mulheres sem acesso à educação no seu processo de
infância e adolescência, retomarem seus estudos utilizando a EJA ou
processos educativos correlatos, para que assim consigam se desenvolver
com todas as suas potencialidades.
Podemos considerar o machismo como um dos problemas
encontrados quando se trata de educação feminina, visto que os processos
educacionais não estimulam as mulheres a buscarem conhecimento e
350
principalmente educação, pois esse processo irá ao contrário do que se
firmou nas estruturas sociais atuais, pois as mulheres sem conhecimento
são mais propícias a dependerem financeiramente dos homens ou
precisarem apenas trabalhar para criar seus filhos sozinhas, não
conseguindo se dedicar ao processo educacional e principalmente
conseguirem se estruturar financeiramente.
As pesquisas levantadas no presente artigo endossam a necessidade
de se pensar a EJA como uma modalidade extremamente relevante na
sociedade, visto que muitas mulheres ainda se encontram à margem da
uma educação efetivamente emancipatória.
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SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Lívia Pereira Mendes
Diagramação
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Capa
Os Autores
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
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