ESTUDO, TRABALHO E AGROECOLOGIA
apontamentos sobre a formação técnica
do MST (PR)
João Henrique Souza Pires
O livro de João Henrique Souza Pires é fruto de uma rica combinação entre
seus estudos no mestrado em educação, na Universidade Estadual Paulista,
e sua trajetória de militância no interior do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST).
Leitoras e leitores encontrarão, aqui, uma análise das práticas de formação de
técnicos em agroecologia desenvolvida nos centros/escolas controlados pelo
MST. Especicamente, das práticas pedagógicas e metodológicas do curso
de técnico em agroecologia integrado ao ensino médio, realizado na Escola
José Gomes da Silva (Paraná). O contexto em que se realiza a análise também
deve ser destacado, pois refere-se à uma mudança que ocorre na tentativa de
superação da matriz dominante sobre a questão agrária no Brasil, construída
desde o período da Ditadura Civil-Militar sob a famigerada “revolução ver-
de”.
Como contraponto a essa matriz conservadora, o estudo de Pires tem como
eixo estruturante o que denomina de “transição” à agroecologia, cujas con-
cepções e histórico no Brasil são analisados. No âmbito das atividades educa-
cionais do MST, a relevância dessa transição encontra na análise da constru-
ção dos Centros/Escolas de Agroecologia do Paraná um momento decisivo.
Pode-se dizer, assim, que uma das principais contribuições deste livro está na
forma como ele nos ajuda a compreender as razões pelas quais a transição para
a matriz agroecológica e as atividades educacionais autônomas do MST con-
formam um único e mesmo processo, ainda que esse não seja hegemônico no
interior do movimento.
As profundas contradições que vêm marcando o avanço do “agronegócio”
no campo brasileiro, inexoravelmente acompanhado de avanços destrutivos
sobre os ecossistemas ainda existentes e relativamente preservados, tornam
redundante falar da atualidade dessas temáticas. Que a leitura do livro seja,
portanto, um convite ao engajamento nas lutas do nosso tempo, em todos
campos, mas especialmente neste que emerge da fusão entre agroecologia e
educação.
O livro de João Henrique Souza
Pires intitulado Estudo, trabalho e agroe-
cologia: apontamentos sobre a formação téc-
nica do MST (PR) apresenta os resultados
de pesquisa muito relevante. A relevân-
cia encontra-se no fato de que o texto
coloca em destaque um tipo de forma-
ção técnico-educacional diferenciada
implantada por um movimento social.
Além disso, esse tipo de formação arti-
cula ensino e trabalho produtivo, em es-
pecial na agroecologia.
O MST é um dos maiores e mais
conhecidos movimentos sociais da Amé-
rica Latina. Desde sua fundação, que
ocorreu no ano de 1984, buscou concre-
tizar três de seus principais objetivos: ob-
ter a terra; forjar uma educação segundo
as necessidades e interesses dos povos do
campo; e organizar o trabalho sem a ex-
ploração típica do capitalismo.
A agroecologia foi adotada pelo
MST nos anos de 2000. A partir da crí-
tica à denominada revolução verde e ao
agronegócio, que trouxeram sérias con-
sequências para a reforma agrária, como,
por exemplo, o uso intensivo de agrotó-
xico, sementes transgênicas e contami-
nação da terra e da água, o MST passou a
desenvolver a matriz sócio-produtiva da
agroecologia. Ao adotar a agroecologia,
o MST se confrontou com os interesses
do agronegócio e, ao mesmo tempo, as-
sumiu uma proposta cientíca e tecno-
lógica de produção no campo, que tenta
utilizar técnicas menos degradantes do
meio ambiente, e resgatar os saberes tra-
dicionais dos povos, progressivamente
destruídos pelo modelo agrícola hege-
mônico.
Para desenvolver a agroecologia
em seus assentamentos e acampamen-
tos, o MST, em especial no Estado do
Paraná, observou que a educação geral
e a formação técnico-cientíca de seus
militantes era um elemento fundamen-
tal. Desse modo, dentre as ações adota-
das, o MST-PR criou Centros e Escolas
de Agroecologia, dos quais destacamos
a Escola Latina Americana de Agroe-
cologia, o Centro de Desenvolvimento
Sustentável e Capacitação em Agroeco-
logia, a Escola José Gomes da Silva e a
Escola Milton Santos.
Neste trabalho, o autor analisa a
formação técnico-cientíca e as práti-
cas pedagógicas e metodológicas do
Curso Técnico em Agroecologia e En-
sino Médio Integrado desenvolvido na
Escola José Gomes da Silva (EJGS), de
2010 a 2013. Para tanto, Pires analisa a
proposta de formação técnica em agro-
ecologia, o Projeto Político Pedagógi-
co (PPP) e o Projeto Metodológico da
EJGS, tomando por base o processo de
ensino e aprendizagem da Turma Revo-
lucionários da Terra. A qualidade des-
te texto oferecido aos leitores faz com
que os interessados na temática possam
compreender o que é a agroecologia e
acompanhar a implantação e o desenvol-
vimento de um Curso do MST.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0798/2018
Processo 23038.000985/2018-89
ESTUDO, TRABALHO E AGROECOLOGIA
João Henrique Souza Pires
NEUSA MARIA DAL RI | UNESP
LALO WATANABE MINTO | UNICAMP
ESTUDO, TRABALHO E AGROECOLOGIA:
apontamentos sobre a formação técnica
do MST (PR)
João Henrique Souza Pires
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apontamentos sobre a formação técnica
do MST (PR)
João Henrique Souza Pires
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
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Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Foto da capa: Arquivo pessoal do autor.
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Pires, João Henrique Souza.
P667e Estudo, trabalho e agroecologia: apontamentos sobre a formação técnica do MST (PR) /
João Henrique Souza Pires. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura
Acadêmica, 2021.
227 p.: il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-115-7 (Digital)
ISBN 978-65-5954-114-0 (Impresso)
1. Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra. 2. Agroecologia. 3. Ensino técnico. 4.
Extensão rural. 5. Ensino agrícola. I. Título.
CDD 373.2463
Copyright © 2021, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
DOI: https://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-115-7
Agradecimentos
Gratidão a minha família (pai, mãe, irmão, irmã, sobrinhas e
sobrinhos) que mesmo não nos compreendendo muitas vezes, sempre
respeitaram e me apoiaram nos caminhos que eu escolhi;
Gratidão a todos e todas trabalhadoras e trabalhadores Sem Terra
que nos possibilitou caminhando lado a lado, vivenciar a mística do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a luta por uma
sociedade mais justa;
Aos trabalhadores e trabalhadoras da Escola José Gomes da Silva,
bem como os seus educandos e educandas que me proporcionaram
experiências indescritíveis;
Ao professor, orientador e camarada Henrique Tahan Novaes, pela
confiança e dedicação em todo o período, pelos inúmeros empréstimos de
livros e textos, pelo esforço e paciência;
Aos professores Candido Vieitez e Neusa Maria Dal Ri pelas
colocações sempre pertinentes durante o Seminário de Pesquisa e durante
os encontros do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia;
Aos camaradas do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia
pelas imensuráveis contribuições e debates que aguçaram o nosso
crescimento intelectual;
À professora Neusa Maria Dal Ri e ao professor Lalo Watanabe
Minto pelas contribuões e valiosas reflexões em nossa banca de
qualificação e de defesa da dissertação que deram origem a este livro;
À camarada Fernanda Dalmatti Lima pelo auxílio na elaboração
do texto para qualificação e à camarada Elisa Floro pela atenção e pelas
discussões que nos ajudaram a lapidar a redação final da dissertação de
mestrado que da origem a esse livro;
Aos camaradinhas do grupo de Capoeira Os Angoleiros do Sertão,
que além da verdadeira amizade me ensinam o poder da luta e da
resistência de nossa ancestralidade nagô;
Aos camaradas da Comuna, pela amizade, conversas, debates,
trocas, companheirismo e ensinamentos;
A todos(as) camaradas do período da tríplice fronteira do Iguaçu,
jamais chegaria a esse momento se não tivéssemos passado por tudo que
passamos;
A Capes, pelo apoio financeiro concedido ao longo de dois anos
durante a nossa trajetória no mestrado;
E finalmente a todos os sujeitos que não agem com indiferença
frente a qualquer opressão;
A luta continua!
Lista de Siglas e Abreviaturas
AACT Assentamento Antônio Companheiro Tavares
ABA Associação Brasileira de Agroecologia
ABAG Associação Brasileira do Agronegócio
ABCAR Associação Brasileira de Cdito e Assistência Rural
ABRA Associação Brasileira de Reforma Agrária
ACAR Assistência de Cdito e Assistência Rural
AIA Associação Internacional Americana
ANA Articulação Nacional para a Agroecologia
ATEMIS Associação de Trabalhadores na Educação e Produção em
Agroecologia Milton Santos
ATER Assistência Técnica e Extensão Rural
BACEN Banco Central do Brasileiro
BB Banco do Brasil
BM Banco Mundial
BNCC Banco Nacional de Cdito Corporativo
CEDI Centro Ecumênico de Documentação e Informação
CEPAL Comissão Econômica para América Latina
CIMA Centro de Irradiação e Manejo da Agrobiodiversidade
CLOC Coordenadora Latino-americana de Organizações do Campo
CNA Conselho Nacional de Agricultura
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
COMPATER Comissão Nacional de Pesquisa Agropecuária e de
Assistência Técnica e Extensão Rural
CONCRAB Cooperativa de Reforma Agrária do Brasil
CONTAG Confederação Brasileira de Trabalhadores na Agricultura
CPA Cooperativa de Produção Agropecuária
CPP Coordenação Política Pedagógica
CPT Comissão Pastoral da Terra
CRB Confederação Rural Brasileira
CTNBIO Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
CUT Central Única dos Trabalhadores
EJA Educação de Jovens e Adultos
EJGS Escola José Gomes da Silva
ELAA Escola Latino-Americana de Agroecologia
EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMBRATER Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão
Rural
EMS Escola Milton Santos
ENERA Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária
ETA Escritóriocnico Brasil Estados Unidos
FAO Food and Agriculture Organization of theUnited Nations
FASE Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FHC Fernando Henrique Cardoso
FMI Fundo Monetário Internacional
FNDEP Fórum Nacional em Defesa da Educação Pública
FNMA Fundo Nacional de Meio Ambiente
GT-RA Grupo de Trabalho de Apoio a Reforma Agrária
IALA Institutos de Agroecologia Latino-Americano
IBASE Instituto Brasileiro de Análises Socioeconômicas
IBC Instituto Brasileiro de Café
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFPR Instituto Federal do Paraná
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
ISEC Instituto de Sociologia e Estudos Campesinos
ITEPA Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária
ITERRA Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma
Agrária
MAB Movimento dos Atingidos por Barragem
MAPA Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento
MDA Ministério de Desenvolvimento Agrário
MASTER Movimento dos Agricultores Sem Terra
MPA Movimento dos Pequenos Agricultores
MEC Ministério de Educação e Cultura
MIRAD Ministério da Reforma Agrária e do Desenvolvimento
MMC Movimento das Mulheres Camponesas
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NB – Núcleo de Base
ONG – Organização Não Governamental
PAA Programa de Aquisição de Alimentos
PCB Partido Comunista Brasileiro
PENSA Programa de Estudos e Negócios do Sistema Agroindustrial
PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNAPO Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
PNRA Plano Nacional de Reforma Agrária
PR Paraná
PROCERA Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária
PROMET Projeto Metodológico
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar
PRONERA Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária
PTA Projeto Tecnologia Alternativa
RAP Reforma Agrária Popular
RS Rio Grande do Sul
SACA Seminário de Avaliação dos Cursos de Agroecologia
SCA Sistema Cooperativista dos Assentados
SESI Serviço Social da Indústria
SPCMA Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente.
SIBRATER Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural
SNA Sociedade Nacional de Agricultura
SNCR Sistema Nacional de Crédito Rural
SSR Serviço Social Rural
SUPRA Superintenncia da Reforma Agrária
TC Tempo Comunidade
TE Tempo Escola
TS Tecnologia Social
UDR União Democrática Ruralista
ÚNICA União Nacional da Indústria Canavieira
ULTAB União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas
UEM Universidade Estadual de Marin
UFPR Universidade Federal do Paraná
UnB Universidade de Brasília
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e
a Cultura
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNILA Universidade Federal da Integração Latino Americana
UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná
USAID United State Agency for International Development
Sumário
Prefácio | Henrique Tahan Novaes ......................................................... 15
Introdução ........................................................................................... 21
Capítulo I | Luta pela Terra, extensão rural e o MST ............................ 29
Capítulo II | Agroecologia: História e dimensões .................................. 77
Capítulo III | Os centros/escolas de agroecologia do MST no Paraná: A
proposta do curso de técnico e ensino médio integrado do
CENTRO/ESCOLA “JOSÉ GOMES DA SILVA” ........................... 135
Conclusão .......................................................................................... 199
Referências ......................................................................................... 209
15
Prefácio
A barbárie promovida pelo capital financeiro tem trazido
consequências nefastas para a classe trabalhadora no mundo inteiro.
Saqueamento dos fundos públicos, expropriação das casas como na crise
de 2008, destruição parcial ou completa do Estado de Bem-estar social na
Europa e dos poucos direitos constitucionais no Estado de mal estar social
na América Latina. A voracidade do capital mundializado, com seu senado
virtual que decide a alocação dos capitais, não respeita decisões populares,
passa por cima dos parlamentos e promove golpes em todos os cantos do
mundo.
O capital fictício além de cobrar dos parlamentos a liberdade total
para a sua reprodução, destruindo direitos duramente conquistados pela
classe trabalhadora, também promove uma ampla manipulação ideológica
e o estímulo a processos de fascistização, através das técnicas de guerra
híbrida e terrorismo tecnológico.
A produção destrutiva das grandes corporações transnacionais
(bancos, seguradoras, mineradoras, empreiteiras, educacionais,
automobilísticas, corporações do agro-hidronegócio, corporações ligadas
ao complexo militar, etc.), alicerçada na reprodução ampliada do capital e
na obsolescência programada das mercadorias, gera crimes socioambientais
de grande envergadura. Ela gera desequilíbrios ambientais que resultam em
novos vírus, pandemias e epidemias, como a que atualmente nos assola.
Além disso, o imperialismo gera guerras de média e baixa intensidade que
matam em escala inédita e sem nenhum pudor.
https://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-115-7.p15-20
16
No século XX, Brasil e Índia se tornaram os principais palcos da
nova fase da acumulação primitiva, baseada num processo violento de
cercamento de novas terras em regiões não exploradas pelo capital.
Obviamente para expropriar terras indígenas ou públicas o capital deve
eliminar membros de ONGs, lideranças indígenas, quilombolas, posseiros,
camponeses, lideranças de movimentos sociais, etc. A industrialização da
agricultura no século XX, que além de criar um vasto negócio para o capital
financeiro, colocou o Estado a serviço da criação das condições gerais de
produção e reprodução do agronegócio, criou um grande mercado de
agrotóxicos, adubos sinticos, tratores, implementos agrícolas e sementes
transgênicas. Além disso, subordinou os camponeses, que foram tragados
pelo canto da sereia da revolução verde, e acabaram endividados,
trabalhando para o banco.
Inúmeros estudos têm mostrado que a chamada agenda da
Revolução verde foi de fato implementada no Brasil a partir do Golpe de
1964, ainda que tenhamos alguns elementos da mesma antes deste
momento.
O MST foi um dos movimentos sociais que conseguiu combinar
as lutas pela redemocratização do país com a luta pela terra. Vem
questionando nossa estrutura fundiária, isto é, a posse e uso da terra no
Brasil, gravadas a ferro e fogo pelo latifúndio monocultor e pela
superexploração do trabalho, além da produção de commodities para o
mercado externo.
Este livro de João Henrique Souza Pires fruto de sua dissertação
de mestrado aborda a luta pela criação das escolas de agroecologia do
MST, no contexto das lutas deste movimento nos anos 2000 rumo a
transição agroecológica. Não é uma dissertação qualquer, pois Pires é um
educador popular, foi membro e participou da coordenação de uma escola
do movimento. Ele consegue combinar uma análise penetrante deste
17
fenômeno com uma abordagem crítica e uma atuação radical na realidade
brasileira.
João Henrique Souza Pires para os amigos, Bob - apresenta os
resultados dos estudos que realizou sobre a formação sistemática de
técnicos em agroecologia desenvolvida nos Centros/Escolas do MST-PR
ou sob a hegemonia do MST. Ele aborda de forma minuciosa as práticas
pedagógicas e metodológicas do 2º curso de técnico em agroecologia
integrado ao ensino médio realizado no Centro/Escola José Gomes da Silva
(EJGS) do MST no Paraná.
Não era possível a ele compreender as escolas de agroecologia sem
abordar a questão agrária e como se deu o processo de modernização da
agricultura, suas consequências e contradições. Pires nos mostra que o
MST emerge em meio às lutas sociais que ganham força no final da década
de 1970 e início da década de 1980, sendo considerado um dos
movimentos sociais mais importantes das últimas décadas.
Tive a oportunidade de debater inúmeras vezes com João Henrique
Pires sobre a necessidade de uma perspectiva anticapital para a
agroecologia. Esta questão foi trabalhada por ele, dentro dos limites
exigidos por um mestrado. A agroecologia defendida por nós se distancia
radicalmente das ações do capital e seu mercado verde, inclusive
impulsionado pelas grandes corporações transnacionais. Se distancia do
ecocapitalismo, que tende a ignorar a questão agrária e a estimular ações
no campo da responsabilidade social empresarial. Se distancia do
desenvolvimento sustentável, uma falácia pois desenvolvimento no
capitalismo tende a camuflar o motor do capitalismo: a acumulação de
capital e sua destrutividade intrínseca. Se distancia do cooperativismo
conservador, que não questiona os fundamentos do modo de produção
capitalista. Pires observa os limites das correntes agroecológicas no Brasil e
contribui com o debate a partir da observação das dimensões da
18
agroecologia. João Pires nos mostra também que questões vitais estão
sendo abordadas no debate agroecológico, tais como a luta por uma outra
extensão e assistência técnica, a crítica a propriedade privada da terra e das
sementes, a necessidade de dar um outro sentido ao trabalho no campo, a
igualdade de gênero, e os caminhos para alimentar o povo na cidade.
Mas é preciso lembrar que o movimento agroecológico que envolve
povos da floresta, camponesas e camponeses, posseiros, seringueiros, etc.
ainda não tem força para fazer avançar suas lutas. O Estado capitalista a
serviço das classes proprietárias - ou tenta eliminar estas forças ou
enquadrá-las dentro da abordagem conservadora do desenvolvimento
sustentável. A maior parte da classe média com sua visão umbilical quer
resolver seu problema alimentar e consumir alimentos saudáveis. A menor
parte das camadas médias chega a simpatizar por uma agenda ambiental
mais radical, mas está longe de lutar até o fim pela construção de um novo
modo de produção para além do capital. E na dianteira deste processo as
corporações transnacionais obviamente ditam o que colocar e como
colocar a agenda ambiental. Diante disso, assumir as rédeas da questão
ambiental e dar um novo sentido a ela será um dos maiores desafios que a
classe trabalhadora terá neste século XXI.
O coração do livro é a análise dos Centros/Escolas de Agroecologia
no PR, o perfil de técnico almejado pelo MST e o processo formativo da
Turma Revolucionários da Terra. Seu livro permite ao leitor refletir sobre o
que Mészáros chamou - de forma mais genérica e não reduzida a escolas -
de educação para além do capital. De fato, as escolas do MST nos mostram
na prática como pode ser a educação do futuro, quando conseguirmos
superar este modo de produção destrutivo, mesquinho e nojento, que é o
capitalismo.
Pires nos permite compreender os projetos alternativos de ensino e
aprendizagem propostos e materializados pelos movimentos sociais. Ele
19
observa os sujeitos sociais que emergem na sociedade capitalista e
procuram caminhar em resistência a ela, especialmente ao caracterizar os
projetos político- pedagógicos que têm características anticapital. Permite
também ao leitor ver como uma escola de agroecologia funciona na prática,
com suas conquistas, limites e contradições. O vínculo entre trabalho e
educação na perspectiva dos movimentos sociais, a alternância, os tempos
escolares são narrados por alguém que viveu e ajudou na coordenação da
escola.
Enfim, este livro de João Henrique Pires nosso querido Bob
contribui decisivamente para a compreeno das formas alternativas de
organização do ensino-aprendizagem, promovidas pelos movimentos
sociais, umbilicalmente ligadas com a transformação dos assentamentos,
na sua luta contra as mazelas do latifúndio e do agronegócio, que
produzem e reproduzem a barbárie, dentro e fora da escola.
Demos aos capitalistas a chance de alimentar o povo brasileiro por
500 anos. Chegou a nossa vez, chegou a hora da classe trabalhadora tomar
as rédeas da produção, comercialização e consumo de alimentos tendo em
vista a produção de valores de uso. Chegou a nossa vez de tomar as rédeas
da produção de alimentos, não mais para alimentar o capital!
As políticas públicas de Bolsonaro nos mostram claramente que
nossas classes proprietárias não estão nem aí para a questão da fome e da
miséria, não aceitam uma renda mínima para os atingidos pela pandemia,
não querem dar um valor razoável de auxílio para os afetados por ela.
Por último, gostaria de lembrar que as lutas de resistência das
trabalhadoras e trabalhadores camponeses, o prenúncio de formas
alternativas de trabalho, educação e de vida baseados na agroecologia
poderão desembocar numa sociedade para além do capital. Surgidas das
entranhas do sociometabolismo do capital, as novas formas de produção e
20
de vida no campo articuladas com suas escolas, têm um enorme potencial
emancipatório. Elas podem avançar, caso haja um movimento
internacional dos atingidos pelo capital, mas também podem rapidamente
se esgotar, caso os trabalhadores do mundo inteiro não saiam da defensiva
e não consigam impedir o fim do mundo a tempo.
Henrique Tahan Novaes
Malia, 1º de maio de 2021,
Em tempos de pandemia,
no dia que em que a direita tomou as ruas.
21
Introdução
A agroecologia enquanto matriz socioprodutiva entrou de forma
mais consistente na agenda do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) no contexto de construção de seu IV Congresso Nacional
realizado no ano 2000 em Brasília. A construção desse congresso foi
marcada por um processo intenso de debates e reflexões sobre a construção
de um projeto popular para a agricultura, bem como de crítica ao modelo
da Revolução Verde e de enfrentamento ao agronegócio.
A crítica à Revolução Verde e o enfrentamento ao agronegócio já
vinha ganhando destaque no MST durante os preparos e execução de seu
III Congresso Nacional realizado no ano de 1995. A partir do III
Congresso, o MST passou a refletir que o modelo convencional de
agricultura que tem como base a Revolução Verde, impõe uma série de
consequências negativas e contraditórias para a reforma agrária. Mas é
somente em seu IV Congresso que o MST tirou como encaminhamento
o compromisso de desenvolver um projeto alternativo e popular para o
campo baseado em outra matriz tecnológica a agroecologia.
A Revolução Verde foi a matriz produtiva empreendida a partir da
década de 1960 com a finalidade de modernizar a agricultura brasileira,
considerada atrasada até então. O modelo foi executado com base na
transferência tecnológica, na adição de insumos artificiais, no uso intensivo
de agrotóxico, de tratores, de implementos agrícolas e de sementes
geneticamente modificadas.
22
Contribuiu com a difusão do pacote da Revolução Verde a
institucionalização do serviço de crédito e extensão rural particularmente
durante a ditadura militar (1964-1985), procedentes de acordos de ajuda
junto ao governo dos Estados Unidos e de instituições filantrópicas em sua
grande maioria desse mesmo país. A difusão do modelo agrícola da
Revolução Verde foi tão forte que o MST não esteve imune, tanto que a
crítica a esse modelo foi estabelecida de forma mais contundente na
transição dos anos 90 para o ano 2000, contexto em que também assumiu
a agroecologia.
A agroecologia representou para o MST uma proposta de
contraposição aos interesses do agronegócio e de mudança de paradigma
científico e tecnológico em relação ao pacote da Revolução Verde. Ao
assumir a agroecologia, o MST assumiu a tarefa de massificar o debate a
respeito de uma proposta científica e tecnológico alternativa para o campo
brasileiro.
Luiz Carlos Machado e Machado Filho (2014) afirmam que a
agroecologia é uma matriz de produção científica e tecnológica que busca
resgatar os saberes tradicionais ocultados pelo modelo agrícola
hegemônico, incorporar e desenvolver de forma crítica os avanços técnicos
e científicos e utilizar e transformar os recursos naturais ante técnicas
menos degradantes.
Para alavancar a agroecologia nos territórios de assentamentos e
acampamentos da reforma agrária, o MST no Estado do Paraná definiu
que a educação e a formação de seus militantes era elemento fundamental.
Entre as ticas adotadas para colocar essa definição em prática, destacamos
a criação de cursos formais e informais de agroecologia, a construção de
23
Centros/Escolas de Agroecologia
1
e a realização anual da Jornada de
Agroecologia.
Constatamos de leituras iniciais e da nossa experiência como
educador em um dos Centros de Agroecologia do MST no Paraná, que
entre 2000 e 2012 foram formados mais de 300 profissionais em cursos
formais e uma infinidade de trabalhadores e trabalhadoras em cursos
informais. Contudo, mesmo com esses esforços, a agroecologia ainda não
é homogênea em todos os assentamentos conquistados pelo MST.
Certamente, inúmeros fatores contribuem para as variações de paradigma
tecnológico na organização socioprodutiva dos Sem Terra.
Nesse sentido, o presente trabalho teve como objetivo analisar
como se deu a formação técnica de um curso formal de agroecologia
realizado por um Centro/Escola de Agroecologia do MST (PR). Tomou-
se como objeto concreto de análise as práticas pedagógicas e metodológicas
desenvolvidas durante o curso de Técnico em Agroecologia e Ensino
dio Integrado realizado no Centro/Escola “José Gomes da Silva”
(EJGS) entre 2010 e 2013. Tem-se como objetivos espeficos analisar
como se deu a proposta de formação técnica em agroecologia, a partir do
Projeto Político Pedagógico (PPP) e do Projeto Metodológico
(PROMET) da EJGS, bem como das ementas de ensino propostas para
desenvolver o processo de ensino e aprendizagem da Turma
Revolucionários da Terra.
A EJGS foi fundada no decorrer do encontro estadual do MST
realizado entre os dias 20 e 24 de Janeiro de 2000 no Assentamento
Antônio Companheiro Tavares (AACT), localizado no município de São
Miguel do Iguaçu - PR. Parte da estrutura orgânica do Movimento no
1
Os Centros/Escolas de Agroecologia do MST no Paraná são: Escola Latina Americana de
Agroecologia (ELAA), Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia
(CEAGRO), Escola José Gomes da Silva (EJGS) e Escola Milton Santos (EMS).
24
estado, a Escola foi fundamental para a formação e capacitação dos
trabalhadores e trabalhadoras do campo desde a sua fundação,
oportunizando aos trabalhadores e trabalhadoras das áreas de reforma
agrária o acesso à educação, à formação e à habilitação técnica em
agroecologia, tendo como plano de fundo construir um novo homem e
uma nova mulher como sujeitos ativos de sua própria história, visando a
transformação da sociedade (MST, 2007).
O curso Técnico em Agroecologia e Ensino Médio Integrado -
Turma Revolucionários da Terra é parte de uma variedade de cursos que o
MST no Paraná construiu com o intuito de formar técnicos militantes, com
conhecimento teórico-prático para repensar o modelo produtivo para a
agroecologia, que além de conhecer a postura e visão política filosófica da
agroecologia, deveriam também conhecer o desenvolvimento do
Movimento e o modelo orgânico dos assentamentos e acampamentos.
Os procedimentos metodológicos para desenvolver nossa análise
foram: pesquisa bibliográfica e pesquisa documental. Partindo-se das
referências de pesquisadores como Guhur (2010), Guhur e Tardin (2012),
Borsatto e Carmo (2014), Toná (2009, 2011), Toná e Guhur (2012),
Lima (2011, 2012), Tardin (2009), e de publicações do próprio MST
(2001, 2011, 2013) constata-se que desde o ano 2000 o MST vem
trabalhando na formação de técnicos para o processo de transição do
modelo de agricultura convencional que tem como paradigma a Revolução
Verde (uso de agrotóxicos, transgênicos, grandes propriedades de terra
controladas ou por latifundiários ou por corporações transnacionais) para
o agroecológico (produção limpa, produção associada, com preceitos
éticos, morais e de consciência de classe).
Em função da nossa experiência como educador na EJGS e de
leituras de Caldart (2004, 2005, 2008, 2009, 2013) compreendemos que
25
o Movimento
2
construiu ao longo dos anos determinados princípios
educativos que tentam compreender a totalidade das relações sociais e
visam potencialmente à formação integral dos indivíduos. A hipótese
norteadora é que a proposta pedagógica desse curso, além de fazer uma
leitura crítica da Revolução Verde segue uma especificidade que tem como
fundamentos a Pedagogia Sem Terra, os princípios da politecnia e a
própria agroecologia.
Acreditamos que esse livro tem sua relevância por contribuir com
a sistematização do conhecimento sobre a agroecologia, com as reflexões
sobre projetos alternativos de ensino e aprendizagem proposto pelos
movimentos sociais, para compreensão dos sujeitos sociais que emergem
na sociedade capitalista e procuram caminhar em resistência a ela e,
especialmente, no campo de projetos políticos pedagógicos e de projetos
metodológicos que buscam um desenvolvimento do conhecimento
científico e tecnológico a partir de uma relação entre o conhecimento
tácito e o conhecimento codificado.
Por fim, pensa-se que este trabalho além de contribuir com o
debate sobre as formas alternativas de organização do ensino e
aprendizagem, é uma devolução crítica aos Sem Terra em agradecimento
às vivências e trocas, bem como uma apresentação para a sociedade e para
o mundo acadêmico dos esforços que esses sujeitos, que vivem e enfrentam
as contradições na ponta, vêm forjando sua luta contra as mazelas do
latifúndio e do agronegócio.
Além dessa introdão o livro está estruturado em mais três
capítulos e uma conclusão.
2
Utilizamos a sigla MST e a palavra Movimento para nos referirmos ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra.
26
O primeiro capítulo está organizado em quatro picos. No
primeiro debate-se a questão agrária no Brasil. Para tanto, retrocede-se
historicamente até o debate da década de 1950. Foi importante resgatar
esse debate histórico por ser o período em que além de representar como
o Estado conteve as lutas por reforma de base, dentre as quais destacamos
a reforma agrária, também se trata do período em que começa a
desenvolver de forma mais estruturada as instituões capitalistas de
intervenção e modernização da agricultura.
No segundo tópico descreve-se como foi realizado o processo de
modernização agrícola, o imperativo da Revolução Verde e o
desenvolvimento do agronegócio com o avanço da lógica neoliberal na
transição dos anos de 1980 e 1990. Constatamos que a evolução dessa
lógica de desenvolvimento na agropecuária brasileira potencializou as
contradições, a concentração fundiária e as mazelas no campo.
No terceiro tópico tratamos do modelo de Assistência Técnica e
Extensão Rural (ATER), que passou a vigorar no Brasil com o processo de
modernização da agricultura via Revolução Verde. Por meio de acordos
bilaterais e ajudas internacionais, a institucionalização do serviço de ATER
no Brasil seguiu uma lógica de dependência, de transferência de
conhecimento e de tecnologia, compondo uma complexa estrutura que
ainda passa pela questão do crédito, universidades públicas e empresas
públicas.
O quarto e último tópico traz o debate sobre o nascimento do
MST e as contradições que culminou com a efervescência das lutas sociais
no Brasil durante a década de 1980. Apresentamos o contexto e as razões
que dão fundamento ao nascimento do MST, bem como da luta que ele
empreendeu para tentar avançar com a reforma agrária, e por melhores
condições para os trabalhadores rurais e para as populações do campo.
27
O segundo capítulo foi estruturado em cinco tópicos. No primeiro
tópico se faz um resgate histórico da agroecologia e de como ela foi sendo
desenvolvida como uma alternativa crítica às contradições que a moderna
ciência do solo já vinha demonstrando desde o início do século XX por
alguns pesquisadores ligados às áreas da ecologia, das ciências agrícolas e
da sociologia.
No segundo e no terceiro tópico tratamos de duas correntes de
pensamento que de forma mais incisiva aprofundaram e influenciaram os
estudos sobre a agroecologia a partir do final da década de 1970. A
primeira é a corrente de pensamento desenvolvida por pesquisadores da
América do Norte. Essa corrente desenvolveu-se com base em estudos
sobre comunidades tradicionais mexicanas e propõe a agroecologia desde
uma perspectiva de sustentabilidade. Ela entendia que os problemas da
agricultura e do esgotamento do solo fosse uma questão resolvida apenas
com o câmbio das práticas de manejo. Compreende-se que essa corrente
subestima o capitalismo em toda a sua lógica de apropriação e
expropriação. A outra corrente de pensamento surgiu a partir da teoria
social agrária na Espanha. Essa corrente propôs o resgate histórico de um
pensamento social agrário alternativo, evidenciando a potencialidade para
uma matriz agroecológica a partir da resistência de comunidades ditas
atrasadas, onde o processo de capitalização do campo ainda não tinha
atingido sua maturidade. Por meio de uma crítica ao capitalismo, essa
vertente desenvolveu a possibilidade de uma transição ao socialismo sem a
necessidade de desenvolver ao máximo as forças produtivas capitalistas.
O quarto tópico tem por objetivo descrever e debater como a
agroecologia vem sendo desenvolvida no Brasil, nesse sentido,
considerando a influência das correntes de pensamento da América do
Norte e da Europa. Observa-se que, dependendo dos atores e
pesquisadores envolvidos, ocasionalmente assumiu-se uma perspectiva
28
reformista, mais ligada ao ecocapitalismo, e em outras ocasiões foi
desenvolvida uma perspectiva mais radical, ligada a luta e resistência dos
movimentos sociais do campo.
No quinto e último tópico deste capítulo, elaboramos um esquema
de apresentação e debate sobre as dimensões que compreendem a
agroecologia. Consideramos que a partir dessa exposição sobre as
dimensões da agroecologia, estabelecemos subsídios teóricos para fazer a
análise de como a agroecologia é concebida nos cursos técnicos em
Agroecologia do MST no Para.
O terceiro capítulo foi dividido em três tópicos. No primeiro
tópico, realizamos o resgate do debate desenvolvido sobre o MST no
último tópico do capítulo I e apresentamos como o debate sobre a
educação foi compondo força nas ações internas do MST e assumindo
importância no desenvolvimento da agroecologia enquanto matriz
científica e tecnológica para os Sem Terra.
No segundo tópico, descrevemos os caminhos trilhados pelo MST
no Estado do Paraná na tentativa de potencializar a agroecologia nos
assentamentos e acampamentos do Estado. Nesse sentido, apresentamos e
analisamos a proposta de construção e execução das Jornadas de
Agroecologia e dos Centros/Escolas de Agroecologia, com destaque para a
EJGS.
No terceiro e último tópico apresentamos os propósitos dos cursos
técnicos em Agroecologia desenvolvidos pelo MST e o resultado de nossa
análise sobre a Turma Revolucionários da Terra. Destaca-se que para
proceder à análise sobre os documentos, além das categorias holística e
participativa na agroecologia, utilizamos também as categorias da
Pedagogia Sem Terra, desenvolvidas por Caldart (2004), e do “trabalho
socialmente necessário”, desenvolvido por Shulgin (2013).
29
Capítulo I
Luta pela Terra, Extensão Rural e o MST
Os conflitos durante o processo de ocupação do território brasileiro
marcam profundamente a história de um país que até a primeira década
do século XXI não permitia democratização de acesso à terra. Apesar das
muitas lutas das populações subalternas pelo direito à terra, tais como:
Quilombo dos Palmares, Canudos, Contestado, Cangaço, Trombas e
Formoso, Posseiros de Teófilo Otoni, ainda prevalece a concentração
fundiária e desigualdade social no campo.
A história agrária brasileira nos revela um campo cheio de
contradições, inclusive, no discurso sobre reforma agrária da Ministra
Kátia Abreu (2015), representante autodeclarada do agronegócio
brasileiro. Para ela, o país precisa apenas de uma “reforma agrária
pontual”
3
, visto que considera o conflito sobre a terra uma questão
praticamente resolvida. Em contrapartida, para outros setores da
sociedade, como o Movimento Sem Terra (MST), o Brasil necessita de
uma Reforma Agrária Popular, visto que a luta pelo acesso às terras
improdutivas está longe de se esgotar. A forma do desenvolvimento
dependente do capitalismo brasileiro, a não democratização do acesso à
terra e as repressões das lutas por reformas de base, particularmente a partir
3
BERGAMO, M. Não existe mais latifúndio no Brasil, diz nova ministra da Agricultura. Folha de
São Paulo, 05 jan. 2015. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/01/1570557-
nao-existe-mais-latifundio-no-brasil-diz-nova-ministra-da-agricultura.shtml. Acesso em: 14 maio
2021.
30
de 1964, com o golpe militar, marcam a manutenção do latifúndio como
base estrutural da organização política e econômica do país.
Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é descrever como a questão
agrária brasileira foi encaminhada a partir das diretrizes tomadas com o
golpe militar de 1964, levando-se em consideração o avanço da matriz
produtiva denominada de Revolução Verde, bem como as contradições,
resistências e alternativas frente a esse modelo de desenvolvimento agrícola.
Este capítulo é composto de quatro subtítulos: a) no primeiro
apresentamos um breve resumo da luta pela terra e como se deu o processo
de modernização da agricultura no Brasil após o golpe de 1964; b) no
segundo, explicitamos a concepção de desenvolvimento agrícola
fundamentada na Revolução Verde, até o seu avanço ao agronegócio; c) no
terceiro descrevemos o modelo de assistência técnica e extensão rural
importado pelo Brasil; d) no quarto e último subtítulo, descreve-se sobre
o surgimento do MST e suas ações no processo de luta pela terra.
A luta pela terra e o conservadorismo da modernização da agricultura
A história da colonização brasileira ocorreu mediante a divisão do
território em latifúndios e no trabalho escravo, fato que favoreceu a
contenção do acesso das classes subalternas à terra. A Lei de Terras em
1850
4
, passando pela abolição da escravidão em 1889, pelo Estatuto da
Terra em 1964 são marcos da contrarreforma agrária, que geraram e ainda
geram um elevado número de trabalhadores e trabalhadoras que vivem
inúmeros conflitos agrários, assassinatos de posseiros, liderança de
4
Elaborada no mesmo ano da Lei Eusébio de Queiroz, que estabelecia definitivamente o fim do
tráfico de escravo no Brasil, a lei nº 601 de 18 de setembro de 1850 ou simplesmente Lei de Terras
foi a primeira iniciativa no sentido de regularizar a propriedade privada no Brasil.
31
movimentos sociais, assim como situação de miséria no campo ou na
periferia dos grandes centros urbanos.
O ambiente político e econômico do país na década de 1950 era
marcado pelo debate sobre o modelo de desenvolvimento que o Brasil
deveria seguir. Na particularidade do campo, agravavam-se os problemas
sociais e a pressão de enormes contingentes de trabalhadores pobres que
eram inexistentes para a política
5
. Tornavam-se cada vez mais notáveis os
acontecimentos que marcavam a lutas sociais no campo brasileiro, índios,
operários agrícolas e camponeses manifestavam suas reivindicações, seus
protestos, suas lutas econômicas e políticas (IANNI, 2004). As
mobilizações das classes subalternas pressionavam a burguesia nacional por
reforma agrária, fazendo surgir, sob a influência de organizações políticas
e partidárias a exigência por reforma agrária, a exemplo dos seguintes
movimentos: União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (ULTAB),
as Ligas Camponesas e o Movimento dos Agricultores Sem Terra
(MASTER) (STÉDILE, 1999).
O processo de organização do MASTER no sul do país, das Ligas
Camponesas no Nordeste, demonstrava a força das organizações dos
trabalhadores do campo e apresentavam a demanda por reforma agrária.
As ligas camponesas, surgidas como óros de assisncia mútua, pouco
a pouco se transformaram em associações políticas de lavradores.
Assim, a transformação da sociedade agrícola e Pecuária dos
Plantadores de Pernambuco em liga camponesa (fato ocorrido em
5
Foi na Constituinte de 1946 que pela primeira vez apareceu a necessidade de uma reforma agrária
no Brasil. Defendeu-se a tese de que a propriedade da terra estava concentrada em poucas mãos e
que isso constituía um grave problema para o avanço econômico do meio rural e a distribuição de
renda e justiça social. Para enfrentar a situação, o senador Luís Carlos Prestes, eleito pelo Partido
Comunista Brasileiro (PCB), apresentou uma proposta de reforma agrária em que a propriedade
deveria ser dividida e distribuída a quem nela quisesse trabalhar (STÉDILE, 1997, p. 12).
32
1955) simboliza a metamorfose do lavrador em camponês. Com a
colaboração de partidos políticos, intelectuais ederes políticos (dentre
os quais encontravam-se Francisco Julião, Paulo Freire, Padre Melo,
Miguel Arraes, Gregório Bezerra, um setor do clero católico, o PTB, o
PCB e o PSB) as massas rurais adquiriram uma nova compreensão
política da sua posição no processo produtivo e no contexto político
do Nordeste (IANNI, 2004, p. 212).
As contradições historicamente reprimidas no contexto de
desenvolvimento das forças produtivas no campo afloravam de forma
organizada e reivindicatória. No ano de 1958, durante o 1º Congresso de
Forasteiro e Pequenos Proprietários Rurais, Francisco Julião conduziu em
marcha até a Assembleia Legislativa cerca de 3000 trabalhadores, onde
houve uma sessão dedicada à reforma agrária (IANNI, 2004).
Morissawa (2001) nos apresenta também outras “lutas radicais,
esponneas e localizadas” que ocorreram no país nos anos que
antecederam o golpe de 1964, como as dos posseiros da rodovia Rio-Bahia,
no norte e sudoeste do Paraná, no sudoeste do Maranhão, na baixada
fluminense no Rio de Janeiro e no Pontal do Paranapanema em São Paulo.
Intensifica-se o debate nos meios políticos acadêmicos da sociedade
brasileira sobre a natureza do problema agrário com destaque a quatro
grandes correntes de pensamento: 1) Uma reforma agrária antifeudal,
desenvolvida por intelectuais do PCB, com destaque a Alberto Passos
Guimarães, Nelson Werneck Sodré e Mario Vinhas; 2) Uma reforma
agrária para desenvolver o mercado interno e uma economia nacional,
defendida pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL); 3)
Uma reforma agrária como viabilização do ideal cristão de justiça social e
da pequena propriedade, baseava-se na doutrina social da Igreja,
estimulada por algumas encíclicas papais progressistas e pela realização do
Concílio Vaticano; 4) Uma reforma agrária anticapitalista, construída a
33
partir das teses defendidas por Caio Prado Júnior, somando-se intelectuais
como Rui Mauro Marini e André Gunder Frank (STÉDILE, 1999, p. 15).
Entre os anos 1950 e 1960 deflagrou-se uma profunda crise nas
relações de trabalho implantadas nas grandes propriedades rurais desde o
final da escravidão, representando um período profícuo no debate sobre a
reforma agrária brasileira, que teve nuances diferenciadas entre o nordeste
e o sudeste do país.
No nordeste os camponeses trabalhavam na grande propriedade
em troca de um pedaço de terra para cultivar sua subsistência e residir. Nas
regiões onde se plantava cana-de-açúcar ocorreu uma reanimação do
mercado, exigindo que os camponeses elevassem o número de dias
trabalhados para ter que pagar seus tributos e continuar cultivando seus
alimentos na grande propriedade, fato que deu fomento às lutas sociais.
Com o decorrer dos acontecimentos, os proprietários começaram a
expulsar os trabalhadores e suprimir os cultivos de subsistência para
ocuparem com cana-de-açúcar (MARTINS, 1994).
Nas fazendas cafeeiras do sudeste a situação era similar. Nacada
de 1960, com a influência da modernização agrícola e com a adoção de
uma política de estado que incentivava a erradicação e substituição dos
cafezais com baixa produtividade, e com a potencialização da mecanização
e a utilização de produtos químicos, diminuindo o contingente de mão de
obra necessária, o que acarretou a expulsão dos trabalhadores residentes na
fazenda (MARTINS, 1994).
A política agrária do Estado, a substituição de uma parcela dos
trabalhadores pela intensa mecanização e a não realização de mudanças na
estrutura fundiária contribuíam para a formação de uma grande massa de
sujeitos em desemprego sazonal, vivendo em condições miseráveis na
34
periferia das cidades e mesmo imigrando em busca de uma possibilidade
de sobreviverem (MARTINS, 1994).
Toda essa efervescência social, debates políticos e científicos
geraram repercussões nas ações do governo, a exemplo da Lei Delegada nº
11 de 1962, que criou a Superintendência da Reforma Agrária (Supra)
com a finalidade de desencadear e implementar a reforma agrária. O
presidente João Goulart, incluiu a reforma agrária entre as reformas de base
que o país necessitava para se desenvolver (STÉDILE, 1997).
[...] num histórico comício político, em 13 de março de 1964,
anunciou no Rio de Janeiro que enviaria ao Congresso uma Lei de
reforma agrária com o objetivo de desapropriar as grandes propriedades
mal utilizadas que se localizassem até 100 quilômetros de cada lado das
rodovias federais. Porém em 31 de março o governo Goulart foi
derrubado e implantou-se uma ditadura militar, pondo fim a qualquer
esperança nesse sentido (STÉDILE, 1997, p. 16).
Sobre isso, Sampaio Junior (2013, p. 206-207) faz uma bela
contribuição ressaltando que
[...] o Brasil desperdiçou todas as oportunidades de encaminhar uma
solução construtiva para questão agrária. No momento da
independência, a liderança da aristocracia agrária acarretou a
revitalização dos dois pilares fundamentais da economia colonial: o
monopólio da terra pelos grandes latifundiários e a continuidade do
trabalho escravo. Na abolição, as classes dominantes tiveram a
preocupação explícita de preservar a assimetria da sociedade colonial,
evitando, com a Lei de Terras de 1850, que os recém-libertos e os
imigrantes pobres tivessem livre acesso à propriedade da terra. Por fim,
na fase decisiva de consolidação do poder burguês, a mobilização social
35
a favor da reforma agrária uma das principais bandeiras das reformas
de base dos anos 1960 foi abortada violentamente pelo golpe militar
de 1964. A vitória definitiva da ala pragmática da burguesia brasileira
sepultou de uma vez por todas as possibilidades de uma solução
positiva para o problema da terra nos marcos do regime burguês.
Promulgado durante a ditadura militar mais de 100 anos depois da
Lei de Terras, o Estatuto da Terra (Lei nº 4. 504, de 30 de novembro de
1964) estabeleceu parâmetros para a reforma agrária, restringindo as
possibilidades de desapropriação das terras consideradas improdutivas,
perpetuando a ditadura do latifúndio e, por conseguinte, promovendo
uma modernização agrícola sustentada na pobreza das classes subalternas.
Nesse sentido, a reforma agrária proposta pela ditadura, foi uma
contrarreforma que manteve intacta a base de poder econômico e político
do latifúndio (SAMPAIO JUNIOR, 2013).
[...] o Estatuto da Terra veio em resposta a duas ordens de fatores: de
um lado, aos movimentos sociais do campo, principalmente do
Nordeste e à grande mobilização popular reformista dos anos 50 e 60,
ambos processos estancados pelo golpe de março de 1964; e, de outro,
à pressão norte-americana pela adoção de um programa de reformas
para o campo. Os militares procuraram dar uma resposta à necessidade
de modernização rural ‘dentro da lei e da ordem’, desbaratando os
movimentos camponeses organizados (SILVA, 1997 apud
RODRIGUES, 2013, p. 69).
Apesar do Estatuto da Terra, por suas definições, indicar a
necessidade de modificações na estrutura fundiária brasileira, não
promoveu modificações na política agrícola e agrária do país. Assim, a
ditadura militar promoveu a modernização tecnológica das grandes
36
propriedades e a concessão de mais terras aos comerciantes e industriais.
“Foi nesse período que se entregaram grandes extensões de terras públicas
da região amazônica a grupos empresariais e também a multinacionais que,
segundo o INCRA, possuem hoje 30 milhões de hectares no Brasil”
(MORISSAWA, 2001, p. 100).
Octavio Ianni descreveu que na Amazônia, assim como no plano
nacional, a presença do capital estrangeiro na comercialização, no
financiamento e na orientaçãocnica foi notável, caracterizando-se pela
compra de terras, incentivo à maquinação e à quimificação dos processos
produtivos. “As empresas estrangeiras, transnacionais ou imperialistas
estão presentes em toda agricultura e agroindústria, além de suas
articulações com a indústria, o comércio e o banco. Formam grandes e
poderosos complexos econômicos” (IANNI, 2004, p. 165).
Sampaio Junior (2013), ao analisar a questão agrária brasileira
explicita que a estrutura fundiária e o regime de terras começaram a ser
ajustados integralmente às exigências do padrão de acumulação e
dominação, sob o império do capital monopolista interno e externo
6
.
O regime militar, por esses meios procurou modernizar, mantendo-a,
a propriedade da terra, afastando, portanto, a alternativa de uma
reforma agrária radical que levasse à expropriação dos grandes
proprietários de terra com sua consequente substituição por uma classe
de pequenos proprietários e pela agricultura familiar, como sucedera
em outras sociedades. Ao mesmo tempo comprometeu os grandes
6
Desde a proclamação da república pelo menos, as formas de dominação política patrimonial, são
revestidas de uma moderna fachada burocrática-nacional-legal, de forma que a dominação
patrimonial, que pode ser representado pelo domínio do latifúndio, não se constituiu na formação
brasileira numa forma de poder político antagônico a um modelo racional-legal. “Ao contrário,
nutre-se dela e contamina. As oligarquias políticas no Brasil colocaram a seu serviço as instituições
da moderna dominação política, submetendo a seu controle todo o aparelho de Estado”
(MARTINS, 1994, p. 20).
37
capitalistas com a propriedade fundiária e suas implicações políticas
(MARTINS, 1994, p. 80).
Theotônio dos Santos (2000, p. 83) descreve que:
A articulação estrutural entre a sobrevivência do setor agroexportador
e de uma industrialização nascente vai configurar uma aliança política
própria dos países latino-americanos, nos quais encontramos uma
política de sobrevincia do latindio apoiada pela burguesia
industrial. Esta ficou limitada em sua dimensão revolucionária, tendo
de abandonar a perspectiva de uma confrontação com as oligarquias
tradicionais e de uma distribuição de renda no campo que gerasse um
mercado interno mais significativo. Ela não foi capaz de vender meios
de produção e produtos de consumo para a massa camponesa e assim
aumentar a capacidade produtiva dos países pela expansão de sua
demanda interna. Criou-se, em consequência, um bloqueio estrutural
ao desenvolvimento econômico da região.
Nessa perspectiva a questão agrária já não era interpretada como
um empecilho para se construir um país moderno e realmente integrado
aos padrões econômicos e culturais dos países de capitalismo central. Sob
a égide do latifúndio e das grandes empresas agroindustriais, a reforma
agrária foi combatida de forma sistêmica e implacável por segmentos da
sociedade que se beneficiaram da superexploração do trabalho no campo e
na cidade. A própria diferenciação entre terras produtivas e improdutivas
constituía uma das colunas fundamentais de sustentação do capitalismo
brasileiro, visto que possibilitava ambiguidade na caracterização do que era
latifúndio produtivo e improdutivo (SAMPAIO JUNIOR, 2013).
38
Sem enfrentar sequer o latifúndio improdutivo, já em finais da década
de 1970 e após quase 50 anos de vigoroso crescimento econômico, a
modernização acelerada da agricultura em conjunto com um elevado
crescimento industrial, o caminho trilhado manteve a continuidade da
pobreza do campo e de um processo caótico de urbanização que
generalizou o problema de subemprego (SAMPAIO JUNIOR, 2013,
p. 209).
Com o advento das mobilizações pela redemocratização do país na
década de 1980, mais uma vez a questão agrária aflora fortemente. Por sua
vez, além do próprio MST que nasce em 1984 outras organizações como
a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG),
a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), o Centro Ecumênico
de Documentação e Informação (CEDI), Instituto Brasileiro de Análises
Socioeconômicas (IBASE) entre outros, que contribuíram com a formação
e suporte para Campanha Nacional pela Reforma Agrária (MEDEIROS,
2014).
Com o primeiro governo civil, em 1985 foi criado o Ministério da
Reforma Agrária e do Desenvolvimento (MIRAD), iniciando o debate
sobre a proposta de um plano de reforma agrária, que contava com a
participação de conhecidos defensores, a exemplo de José Gomes da Silva.
O plano foi a público em maio de 1985 no IV Congresso Nacional dos
trabalhadores Rurais, promovido pela CONTAG (MEDEIROS, 2014).
Medeiros (2014) salienta a mobilização dos trabalhadores gerou
grande interesse social em implantar a reforma agrária, que aparecia como
uma das prioridades do novo governo, fato que marcava uma ruptura com
as propostas dos governos militares. Nesta proposta, a indenização feita
com base no valor declarado para fins de imposto territorial rural possuía
valor abaixo do vigente no mercado, gerando a concepção de que a
39
desapropriação assumia uma conotação de penalização dos proprietários
fundiários que não deram à terra uma função social
7
.
O Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) foi elaborado por
um grupo coordenado por José Gomes da Silva e entregue em maio de
1985 às lideranças políticas. O PNRA estabelecia critérios para a
desapropriação de terra, tendo como fundamento legal, o Estatuto da
Terra. A meta do PNRA era assentar 1,4 milhões de famílias no período
do mandato do governo Sarney, beneficiando posseiros, parceiros,
assalariados rurais e minifundiários (MORISSAWA, 2001;
RODRIGUES, 2015).
A reforma agrária projetada encontrou resistência da Uno
Democrática Ruralista (UDR), representante da ala conservadora, que
passou a pressionar o Congresso Nacional para que este impedisse a
efetivação da proposta. A UDR também causou tumulto, propagando a
ideia de que a desapropriação prevista incluía propriedades produtivas de
qualquer tamanho, gerando um clima de oposição à reforma. O PNRA
acabou sofrendo adaptações que descaracterizaram a essência do projeto,
até que, no ano seguinte foi abandonado (MORISSAWA, 2001).
A proposta aprovada pelo Decreto nº 91. 766, de 10 de outubro
fez uma defesa extremada do direito à propriedade privada da terra e
eliminou a conotação punitiva da desapropriação do PNRA, sendo
7
A função social da terra constitui uma espécie de princípio central do Direito agrário, contudo, “a
socialização (função social) se contrapõe ontologicamente ao individualismo, ao egoísmo que
alimenta uma economia liberal e um direito igualmente liberal. Falar em funcionalização social
significa exigir-se o adimplemento de diferentes obrigações do proprietário: primeiro que só se
reconhece o direito de alguém sobre alguma coisa enquanto serviço, isto é, condicionado ao alcance
de algum resultado, que no caso da propriedade rural, é a produção de alimentos; segundo que esta
atividade ou exercício da propriedade não se baseie na exploração da mão-de-obra sem
reconhecimento da dignidade da pessoa trabalhadora; terceiro que esta exploração seja racional e
não predatória ou parasitária, sem esgotamento dos recursos naturais (solo, água,), e com a
preservação dos bens ambientais intangíveis (matas de preservação permanente, biodiversidade,
etc.)” (ANDRADE, 2003, p. 101).
40
completamente diferente da proposta apresentada pela equipe coordenada
por José Gomes da Silva.
Enquanto o Estatuto da Terra priorizava a desapropriação dos
imóveis que tivessem alta incidência de arrendatários e parceiros, o Decreto
91.766/1985 previa a preservação integral dos imóveis mesmo que a
produtividade ocorresse apenas em uma parte do terreno. A redação do
Decreto 91.766/1985 demonstrou a força e o conservadorismo das classes
dominantes no cenário político do país, ao possibilitar a preservação do
latifúndio e permitir que terras improdutivas continuassem intocadas.
“Criavam-se, assim, condições para revalorização dessas formas de
exploração da terra, que há muito já se revelavam geradoras de conflito e
sempre tiveram a marca da precária utilização e do absenteísmo patronal”
(MEDEIROS, 2014, p. 224).
A Lei nº 8. 629, de 25 de fevereiro de 1993 definiu que a
propriedade queo cumpria a função social era passível de
desapropriação, o texto não fez referência à categoria latifúndio, e a
mensura da terra passou a ser calculada a partir de módulos fiscais. A partir
deste cálculo, somente propriedades com mais de quinze módulos
poderiam ser desapropriadas, desde que improdutivas.
A reabertura democrática, segundo Medeiros (2014) mesmo tendo
a reforma agrária inscrita como tema na constituição de 1988 no capítulo
“Ordem econômica e social”, não viabilizou a democratização do acesso à
terra, o que pode ser compreendido pelo problema estrutural, que diz
respeito à especificidade que a questão fundiária assumiu no país. Essa
especificidade continua em pleno século XXI. A gravidade da questão
agrária na sociedade brasileira fica caracterizada quando se observa a
elevada concentração de terra e a presença de um grande contingente
populacional ainda em situação de miséria no campo, “[...] cerca de 30
milhões de pessoas habitam a zona rural - mais que a população da
41
Venezuela - sendo que aproximadamente 55%, quase 17 milhões vivem
em situação de pobreza - população superior a chilena” (SAMPAIO
JUNIOR, 2013, p. 189).
A estrutura mantida com a modernização da agricultura, contou
com a implantação da Revolução Verde, predomínio de grandes empresas
agrícolas, que possuem o controle de vastas extensões de terra, mobilização
de um grande contingente de trabalhadores como mão de obra barata,
superexploração do trabalhador, produção em larga escala no regime de
monocultor, permanência do latifúndio como pilares fundamentais da
vida econômica e social do Brasil.
Nesse sentido, a concentração fundiária na história agrária do
Brasil, representa uma especificidade do desenvolvimento do capitalismo
brasileiro, que longe de ter se esgotado na nossa breve explanação,
caracteriza a estrutura do cativeiro da terra e representa uma forma de
coerção laboral do sujeito, pois enquanto a terra fosse livre, o trabalho era
escravo, e quando o trabalho se tornou livre a terra se tornou escrava
(MARTINS, 2013).
Da Revolução Verde ao agronegócio
A particularidade do capitalismo brasileiro tem como base a
heterogeneidade estrutural expressa no subdesenvolvimento e na
dependência externa, tendo como fundamento a conservação do atraso,
“que se vincula à acumulação de capital, proporcionando excedentes para
as classes burguesas internas e externas e, ao mesmo tempo, garante a
perpetuação do desequilíbrio na correlão de forças que impede a
presença ativa das classes subalternas na política” (FERNANDES, 2008
apud RODRIGUES, 2015, p. 27).
42
Sobre esse contexto Fernandes (2008, p. 176, apud Rodrigues
2015, p. 28) descreve:
[…] que o crescimento dos polos ‘modernos’, urbano-comerciais ou
urbano-industrial, passou a depender de forma permanente da
captação de excedentes econômicos da economia agrária, organizando-
se uma verdadeira drenagem persistente das riquezas produzidas no
‘campo’, em direção das cidades com funções metropolitanas [...]. A
economia agrária viu-se convertida em bomba de sucção, que transferia
para outros setores da economia e da sociedade a maior parte da riqueza
que conseguia gerar, sem nunca dispor de meios ou de condições de
pleno aproveitamento de suas próprias potencialidades de
desenvolvimento econômico.
Dessa maneira, a agricultura foi convertida em fonte de
acumulação urbana, sendo compelida a transferir parte de sua riqueza para
os polos dinâmicos da economia nacional e internacional. Sobre essa
perspectiva, compreendemos que vai ser desenvolvido o processo de
modernização da agricultura e a introdução do pacote tecnológico da
Revolução Verde. Essa ação corresponde ao monopólio dos impérios
agroindustriais pelos grupos hegemônicos, que vão se beneficiar da renda
da terra e condenar as massas despossuídas rurais ao pauperismo e à
marginalização (BERTERO, 1999).
A inserção do pacote tecnológico denominado de Revolução Verde
deu-se no contexto da ditadura militar na transição entre as décadas de
1960 e 1970 e representou uma modernização arcaica, com a manutenção
da estrutura fundiária concentrada em poucas mãos e sem considerar
perspectivas de conduzir a reforma agrária no Brasil.
43
A Revolução Verde fundamentava-se na hipótese de que este pacote
tecnológico resolveria o problema da fome no mundo. Contudo, dados
recentes da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO)
demonstram que essa hipótese estava equivocada. Estima-se que o número
de mortalidade de crianças por desnutrição representa um montante de
quase 13 mil por dia.
Mesmo diante desses dados alarmantes, os líderes mundiais,
representantes do agronegócio, quando se reúnem para discutir o
problema da fome no mundo continuam defendendo a concepção de que
a solução para sanar esse mal continua sendo os mesmos, relacionados à
Revolução Verde que até hoje não resolveu o problema, tais como: a
intensificão do monocultivo, intensificação da tecnologia e
intensificão de insumos químicos e, mais recentemente, plantio de
sementes geneticamente modificadas.
No Brasil, a Revolução Verde apresentou ao campo elementos
estruturais que o reorganizou inserindo em seu contexto a mecanização, os
insumos petroquímicos, as plantas e sementes melhoradas e as empresas
agroindustriais. Esse processo de organização e/ou reorganização do campo
subjugou os pequenos produtores rurais às regras e determinações do que
na atualidade vem sendo denominado de agronegócio (GONÇALVES,
2008).
A Revolução Verde deu-se com uma intensa transferência científica
e tecnológica, que buscava aumentar a produtividade da agricultura.
Contudo, a Revolução Verde como parte da estrutura de subordinação da
agricultura aos polos modernos, gerou um processo de substituição dos
trabalhadores do campo por maquinários e potencializou a dependência,
por meio do uso de insumos químicos de origem industrial externa
(MEDEIROS, 2001 apud GUHUR, 2010).
44
Na particularidade do desenvolvimento do capitalismo brasileiro,
a modernização da agricultura estabeleceu a Revolução Verde como modelo
tecnológico para se realizar o processo de subcapitalização da agricultura
brasileira. Sem realizar modificões na estrutura fundiária, tal processo
agravou a dependência brasileira, seja em nível de economia política como
também de insumos artificiais para alavancar a produção agrícola a nível
industrial.
O antagonismo entre capital e trabalho se acentuou com a
Revolução Verde e cada vez mais o trabalhador foi alienado de sua
produção, visto que o campo foi convertido em uma empresa agrícola e
começou a funcionar a partir da lógica da indústria capitalista. Em virtude
desta característica agroindustrial, aprofundou-se a subordinação dos
recursos naturais em detrimento da produtiva do capital, como também a
subjugação do trabalhador, que foi passando de trabalhador permanente
para trabalhador temporário (SILVA, 1981).
A essência da Revolução Verde, hoje gerida explicitamente pelo capital
financeiro, que controla o pequeno grupo de multinacionais que detém
a patente das sementes e a produção de fertilizantes e agrotóxicos, é
mudar o ambiente e implantar as imensas monoculturas, incorporando
grandes contingentes energéticos, via ‘insumos modernos’, produtos
do petróleo, todos produzidos por multinacionais que, por sua vez, são
controladas pelo capital financeiro que, assim, realiza a reprodução do
capital em um novo segmento econômico, o agronegócio ou
agricultura industrial (MACHADO; MACHADO FILHO, 2014, p.
54).
A Revolução Verde compreende, na conjuntura agrícola do século
XXI, parte fundamental do chamado agronegócio, marcada pelo
predomínio do capital financeiro e pela junção do capital industrial com o
45
capital bancário. Nessa dinâmica, a agricultura brasileira passa a ser
desenvolvida sob a influência de um setor restrito de corporações
multinacionais que se apropriam das terras nacionais, dominam e
controlam a cadeia produtiva do alimento e o mercado de fertilizantes
químicos.
Diante deste contexto, com o avanço do agronegócio houve uma
rearticulação das organizações da classe proprietária brasileira, tais como:
Conselho Nacional de Agricultura (CNA), que já possui um histórico de
ação e articulação política no Congresso Nacional por meio do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a Associação Brasileira
do Agronegócio (ABAG), União Nacional da Indústria Canavieira
(ÚNICA), Programa de Estudos e Negócios do Sistema Agroindustrial
(PENSA) em defesa de seus interesses.
Esses interesses podem ser caracterizados, por exemplo, no aceite
da chamada revolução biotecnológica, implantada por empresas
multinacionais que de forma imoral aplicaram o direito da propriedade
intelectual às sementes geneticamente modificadas, com a chamada lei das
patentes, editada exclusivamente para proteger a pirataria exercida pelas
corporações do agronegócio (MACHADO; MACHADO FILHO, 2014,
p. 60).
A biotecnologia e transgenia, da forma como tem sido utilizada na
produção agrícola são técnicas reducionistas que promovem as
monoculturas e produzem severa erosão genética e laminar. Sem
considerar os efeitos nocivos que o consumo de seus produtos causa a
saúde humana, são procedimentos que eliminam a diversidade
biológica, impedindo o melhoramento genético natural das populações
(MACHADO; MACHADO FILHO, 2014, p. 80).
46
O sistema de patentes representa um agente de erosão genética da
biodiversidade e mais um elemento causador do empobrecimento de vários
povos e países, visto que a privatização dos transgênicos e da biotecnologia,
por exemplo, criminaliza as práticas agrícolas que não pagam as franquias
pelo uso das tecnologias inventadas pelas grandes corporações, muitas
vezes construídas com base na apropriação de conhecimentos tradicionais
(SHIVA, 2001).
Com a lei de patentes e o controle de sementes por corporações
multinacionais, podemos considerar a situão do Brasil um tanto delicada
e vulnerável, pois os interesses dessas empresas ameaçam a soberania do
país. Machado e Machado Filho (2014) exemplificam a Lei Kandir, como
exemplo desta vulnerabilidade, visto que esta Lei isenta as operações das
multinacionais de imposto e facilita o registro e o uso de venenos pela
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBIO), mesmo
quando estes são proibidos em outros países.
Nesse sentido, o agronegócio contribui para a contaminação dos
recursos naturais e para o aumento da dependência do país de insumos
agrícolas produzidos em outros países, revelando que sua prática é
insustentável, tal qual nos aponta Francisco Caporal:
O Brasil consumia em 2007 cerca de 10, 6 milhões de toneladas de
NPK, ou seja, éramos o quarto entre os países com maior consumo
mundial. Este modelo determinou uma absurda dependência de nossa
agricultura das importações de NPK, pois para sustentar essa
agricultura agroquímica o país importa 60% do Nitrogênio, 40% do
Fósforo e 90% do Potássio que utilizamos. Em seu conjunto isso
significa uma dependência externa de 66% de NKP usado na
agricultura. E esta dependência apresenta tendências de crescimento.
Não obstante, há estudos mostrando que a produtividade média de
alguns cultivos já não responde às elevadas doses de fertilizantes
47
químicos. Em outros, assim mesmo, tem havido decréscimo de
produtividade (CAPORAL, 2011, p. 132).
Segundo dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos
(ANDA), em 2015 o Brasil importou mais de 21 milhões de toneladas de
fertilizantes intermediários e entregou ao consumidor final mais de 30
milhões de toneladas entre fertilizantes importados e produzidos no país
(ANDA, 2016).
Frente a isso, faz-se necessário alertar para uma possível escassez de
minerais como (fósforo e potássio). Há informações de que as reservas
mundiais de potássio, por exemplo, somam 16 milhões de toneladas
enquanto as de fósforo têm uma estimativa de 50 bilhões. Com base nesse
cenário, há estudos que apontam que já em 2025, os minerais estratégicos
para a produção de fertilizantes em escala industrial podem se esgotar e
também passarão a ser considerados como fatores de segurança econômica
para as nações. Nesse sentido, em um país de capitalismo dependente
como o Brasil, os problemas com a autonomia e a soberania alimentar do
país podem se agravar (CAPORAL, 2011).
Considerando que aproximadamente 65% dos fertilizantes e
100% dos agrotóxicos utilizados na agricultura brasileira são importados
ou produzidos no país por empresas multinacionais, identifica-se a
fragilidade e a dependência da agricultura do país aos interesses externos
ao âmbito nacional. Por isso, Machado e Machado Filho (2014) concluem
que o Brasil, além de ter sua soberania alimentar ameaçada, pode ter sua
própria soberania política ameaçada.
O agronegócio, além de grande dependência de insumos e
fertilizantes, tem seu agravante potencializado quando se coloca em debate
a questão ecológica, a biodiversidade e os saberes tradicionais dos povos
48
originários. O monocultivo tem sido responsável pela perda da
biodiversidade em todos os biomas brasileiros. Dados da Organização
Conservação Internacional Brasil demonstram que dos 204 milhões de
hectares originais do Cerrado, por exemplo, 57% já estão destruídos, a taxa
anual de desmatamento é alarmante, chegando a 1,5% ou 3 milhões de
hectares por ano (CAPORAL, 2011).
Além do Cerrado, a Mata Atlântica, conforme estudo publicado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sofreu com a
perda de aproximadamente 102.938 hectares da cobertura florestal nativa
ou dois terços do tamanho da cidade de São Paulo, entre os anos de 2005
a 2008.
No caso da Amazônia brasileira, a situação também não é
animadora, Caporal (2011) salienta um progressivo desmatamento,
totalizando por corte raso ou desmatamento, de novembro de 2008 a
janeiro de 2009 um total de 754 km², com o avanço da fronteira agrícola
ilegal. O autor ainda salienta que enquanto a Amazônia, merecidamente,
vem recebendo um foco de atenção, os demais biomas vêm sendo
altamente impactados.
Além do desmatamento e consequentemente da perda de
biodiversidade nos biomas brasileiros, o agronegócio também gera a
contaminação do solo e das fontes hídricas, sejam elas na corrente de seus
leitos ou em águas subterrâneas.
Como fato ilustrativo, aponta-se a perda de mais ou menos 500
toneladas de solo ha/ano em áreas sensíveis como a do pantanal,
consequência da agricultura industrial e da pecuária convencional que vem
causando a diminuição de matérias orgânicas e consequentemente
processo de desertificação dessas áreas. Outra consequência maléfica desse
segmento é o assoreamento de riachos, rios, lagos e reservarios, além da
49
contaminação por agroquímicos de águas subterrâneas como o Aquífero
Guarani um dos últimos reservatórios de água doce do país e da América
do Sul (CAPORAL, 2011).
Além da erosão ecológica e genética, o modelo científico e
tecnológico do agronegócio e a capitalização do campo contribuíram para
a apropriação e alienação dos trabalhadores dos campos e das florestas,
colocando-os sob a dependência de multinacionais produtoras de
fertilizantes e agrotóxicos.
Cabe-nos apontar que esses caminhos fazem parte de um processo,
como disse Florestan Fernandes, de modernização do “atraso”, ou como
pontuou Teotônio dos Santos, de um abandono de esforço para uma
produção científica e tecnológica regional, o que por extensão causa
dificuldades ao setor de bens de capital, e de uma produção científica e
tecnológica endógena e alternativa.
Importando o modelo de extensão rural
O serviço da Assisncia Técnica e Extensão Rural (ATER) foi
oficialmente institucionalizado no Brasil na década de 1970, com a
introdução política, econômica e cultural da matriz tecnológica
denominada de Revolução Verde, que visava a modernização da agricultura.
Apesar da ATER ter se consolidado no período da ditadura militar,
cabe fazer alguns apontamentos ao período que antecede o regime
implantado em 1964, pois antes do golpe político, houve as primeiras
articulações com organizações estrangeiras que proporcionaram as bases
para a institucionalização da ATER com base na matriz tecnológica da
Revolução Verde.
50
Oliveira (2013), ao analisar o histórico da ATER no Brasil, destaca
que seu processo de concepção se originou com os acordos bilaterais junto
aos Estados Unidos da América (EUA), iniciados a partir de 1945, por
meio de acordos de cooperação técnica. Os dois países injetaram recursos
materiais e intelectuais com perspectivas de trocas de tecnologia e formação
de técnicos brasileiros via intercâmbio e cursos de treinamento nos EUA.
Para que possamos compreender esse processo, cabe explicar minimamente
como se constitui o serviço de extensão rural nos Estados Unidos. A
estrutura da extensão rural nos Estados Unidos tem uma organização
descentralizada cabendo a cada Estado, e por sua vez cada município,
organizar o trabalho do extensionista. Nessa perspectiva, as associações
rurais, em particular o Farm Bureau (organização civil de fazendeiros),
estabelecem as regras de contrato entre o extensionista e o agricultor, assim,
o serviço de extensão rural depende de recursos repassados por meio de
contratos regulamentados entre os agentes de extensão e as associações
rurais em cada município (OLIVEIRA, 2013).
Considerando as particularidades da legislação americana, o serviço
de extensão rural pode apresentar normatizações diferenciadas, em alguns
estados, por exemplo, a ATER pode ser desenvolvida por meio da
organização das associações, onde ocorrem relações entre o extensionista e
o produtor rural de forma mais ou menos horizontal (OLIVEIRA, 2013).
Para Bechara:
As associações rurais estabeleciam as regras do contrato entre
Extensionista e Agricultor. Assim, o projeto ‘líderes rurais voluntários’,
amplamente difundido entre as práticas extensionistas, era um espelho
dos tradicionais líderes das associações locais que surgiam a partir das
associações civis na qual representavam. Isso quer dizer que partia da
própria comunidade o reconhecimento dessas lideranças. Todavia, essa
estruturação seria totalmente distinta dos serviços de Extensão Rural
51
no Brasil, face a própria diferença existente entre a estrutura social
vigente em ambos os países. O extensionista brasileiro, investido de seu
suposto conhecimento aprofundado, através do contato com a
comunidade escolhia ele mesmo quem era apto a se tornar um valioso
líder rural. A escolha não era feita nas organizações voluntárias da
sociedade civil, mais na imposição de agentes externos as comunidades
rurais que teriam o ‘saber’ necessário para escolher tais líderes
(BECHARA, 1954 apud OLIVEIRA, 2013, p. 30).
A extensão rural inspirada no modelo americano e importada pelo
Brasil contribuiu para a difusão de diagnósticos socioeconômicos que
caracterizaram a situação agrária brasileira como atrasada, o quê entre
outras coisas, reforçou o argumento da necessidade de modernização via
aquisição tecnológica e implantação da Revolução Verde.
Sobre isso, Machado e Machado Filho (2014, p. 43) descrevem
que a:
Autodenominada ‘modernização conservadora’ da agricultura, não foi
nem ‘revolução’ e, muito menos, ‘verde’. A expressão ‘modernização
conservadora’ ainda encerra uma contradição: pois a modernizão é
antagônica à conservação. Isto foi implantado com o emprego dos
‘insumos modernos’, neologismo eufemístico para designar sementes,
fertilizantes solúveis da síntese química e agrotóxicos industriais, com
créditos altamente subsidiados, com a esdrúxula tese de modificar o
ambiente, substituindo os fatores naturais pelos insumos modernos. A
sua instituição no Brasil, foi acompanhada de uma inteligente
preparação, a qual contou com o apoio do acordo MEC-USAID, que
além de modificar a estrutura da universidade brasileira, auspiciou a
formação de centenas de técnicos brasileiros com pós-graduação nos
Estados Unidos da América do Norte. Esses Técnicos recebiam bolsas
que os mantinham nos Estados Unidos durante quatro anos e ainda
permitiam razoáveis economias... A dívida externa financiou.
52
José Graziano da Silva (1981) aponta de forma irônica que a
modernização foi uma “solução mágica”, que se fazia acreditar que só
aumentando a produtividade agrícola aumentariam as rendas, e
consequentemente, o emprego e os salários no campo. Contudo, a renda
se manteve em níveis baixos para a maioria dos agricultores, como também
a oportunidade de emprego se manteve restrita a um número limitado de
trabalhadores.
Octavio Ianni (2004) aponta que a modernização ocorreu, em
vários aspectos, por meio do desenvolvimento intensivo e extensivo do
capitalismo nas organizações sociais do campo de forma que:
A indústria e a cidade, isto é, as classes sociais de base urbano-
industrial, particularmente, as burguesias industriais, bancária e
comercial, expropriaram largamente as classes rurais, trabalhadores
assalariados (permanentes e temporários), sitiantes, colonos, posseiros,
meeiros, parceiros, arrendatários e outros. Boa parte desses
trabalhadores acaba por fornecer sucessivos contingentes de mão de
obra para a indústria. Nesse sentido, a agricultura tem servido
largamente a indústria, como lugar do estoque de uma parte
importante do exército industrial de reserva. Sem esquecer que uma
parcela desses trabalhadores-reserva com que sempre conta o capital
industrial-tem sido utilizada na “ocupação”, “colonização” ou
“expansão” da “fronteira” interna do capitalismo. Na Amazônia e no
Centro-Oeste, são notáveis os contingentes de trabalhadores rurais
envolvidos por um singular processo de acumulação primitiva que
continua a se desenvolver (IANNI, 2004, p. 161).
Nesse sentido, o processo de modernização da agricultura a
transformou em mercado consumidor de produtos industriais, que vão
desde eletrodomésticos à maquinização e quimificação dos processos
produtivos, assim como o próprio modelo de produção agrícola passou a
53
ser gerido como uma indústria. Junto a isso, destaca-se a atuação estatal,
que potencializando as articulações entre capital industrial e agricultura,
financiou a infraestrutura necessária à modernização, tal como a construção
de estradas, de incentivos fiscais e de crédito, “de modo a atrair iniciativas
empresariais de grande vulto, ou dinamizar empresas preexistentes”
(IANNI, 2004, p. 164).
Caporal (1991), ao analisar a modernização da agricultura, salienta
que o processo de interferência imperialista e reprodução ampliada do
capital na agricultura latino-americana, particularmente pelos EUA,
fundamentam-se na dependência e dominação exercidas e intensificadas a
partir do pós-segunda guerra mundial
8
.
Segundo Xavier (2008, p. 15), a concepção de dependência
estrutural, sob a perspectiva das sociedades dominadas, revela que esta “[...]
é o resultado na sociedade dominada, do imperialismo que se manifesta na
sociedade dominadora”.
Nos moldes do capitalismo dependente, e o papel subordinado do
Brasil na divisão internacional do trabalho como produtor de bens
industriais e consumidor dos chamados bens de capital, fruto das
conjunções de injunções externas com determinações internas. A
8
O processo de industrialização das economias dependentes entrou na divisão internacional do
trabalho, no mundo capitalista, como uma nova forma de realização da reprodução ampliada do
capital: absorvendo e garantindo a lucratividade do capital excedente nos centros hegemônicos,
produtores de bens de produção, com produtores de bens de consumo. A pressão imperialista só se
faz sentir no Brasil a partir dos anos 50 em função do início da segunda fase da exportação norte-
americana de capitais, quando a hegemonia desses capitais no mercado internacional inaugurou a
era dos investimentos diretos, contra os investimentos em carteira, que caracterizavam os capitais
europeus. Numa primeira fase, que durou aproximadamente até 1953, a penetração do capital
norte-americano na América Latina foi moderada, uma vez que a Europa, que se reconstruía,
absorvia a maior parte da ajuda norte-americana. Após 1955, quando terminou a reconstrução
europeia, a penetração do capital norte-americano voltou-se maciçamente para os países latino-
americanos que encetavam o seu processo de industrialização (XAVIER, 1990, p. 44).
54
industrialização da economia’ brasileira se operava peculiarmente, na
ausência de uma produção e um desenvolvimento científico e
tecnológico endógenos, na ausência de mecanismos formais ou
informais de capacitação de mão de obra para as novas atividades e na
ausência de um mercado interno significativo ou suficiente para
sustentar o crescimento industrial. Daí a necessidade do recurso à
importação de tecnologia e, para tanto, de capitais; à importação de
mão de obra, ao menos na fase inicial; e ao mercado externo, tendência
que se cristalizará com o esgotamento do chamado modelo de
substituição de importações’ (XAVIER, 2008, p. 18-19).
A concepção de dependência estrutural, que ganhou força na
América Latina na década de 1960, “tentava explicar as novas
características do desenvolvimento socioeconômico da região iniciado de
fato em 1930-45” (SANTOS, 2000, p. 25). Era um ambiente de
reorientação após a crise de 1929, reorientação na direção da
industrialização, caracterizada pela substituição de produtos industriais
importados das potências econômicas centrais por uma prodão nacional.
Essa postura gerou um crescimento industrial, que entre as décadas
de 1950 e 1960 acirrou as contradições entre capital e trabalho, visto que
acentuou as desigualdades sociais. A burguesia brasileira descobriu que o
aprofundamento da industrialização exigiria a reforma agrária e outras
mudanças estruturais que pudessem alavancar a criação de um amplo
mercado interno e a geração de uma base intelectual, científica e técnica
capaz de sustentar um projeto alternativo, tais mudanças fomentaram uma
ampla agitação política e ideológica no país, que ameaçava a estabilidade
econômica.
Nessa dinâmica, ocorreu o golpe de estado em 1964, que entre
outras coisas, fechou as portas para o avanço nacional democrático e
aprofundou o desenvolvimento dependente, apoiado no capital
55
internacional e em ajuste estratégico com o sistema de poder mundial. “O
que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil a fórmula do
general Juracy Magalhães, ministro de Relações Exteriores do regime
militar, consolidava essa direção” (SANTOS, 2000, p. 34).
A modernização econômica dependente implicou uma
modernização cultural e institucional que assim como a econômica, tendeu
a se dar dentro dos limites necessários à incorporação da economia
nacional ao conjunto da economia capitalista mundial a que se
subordinava” (XAVIER, 1990, p. 58).
Neste sentido, foi sob a égide de programas de ajuda externa
associados a programas de ajuda técnica que ocorreu o processo de
cooperação internacional e consolidação da dependência dos países
periféricos aos centrais. Enfim, as políticas de cooperação técnica e
financeira cumpriram a função política-ideológica de manipular as
realidades para os interesses do capitalismo internacional, representando
mais uma esfera da relação circular de dependência, que preparou os países
latino-americanos para a entrada de capital estrangeiro, consubstanciado
ao projeto político-econômico constituído pela ditadura militar (MINTO,
2006).
O anseio em superar o atraso no campo contribuiu para o
estabelecimento de um capitalismo dependente, cabendo ao Estado
garantir instrumentos de interiorização do progresso técnico, a fim de dar
meios para que a agricultura cumprisse suas funções de elevar a
produtividade e criar uma reserva financeira, através das commodities. Para
atingir tais metas, Caporal (1991) afirma que tanto o Estado brasileiro
quanto o americano investiram significativamente em recursos materiais,
técnicos e humanos.
56
É nesse contexto que apontamos a presença da Associação
Internacional Americana (AIA), braço filantrópico do grupo Rockefeller
9
no Brasil, que em convênio com o governo de Minas Gerais no ano de
1948, fundou a Assistência de Crédito e Assistência Rural (ACAR). A
ACAR teve como objetivo estabelecer “[...] um programa de assistência
técnica e financeira que possibilitasse a intensificação da prodão
agropecuária e a melhoria das condições econômicas e sociais da vida rural”
(CAPORAL, 1991, p. 33).
Segundo Peixoto (2008), a ACAR era uma entidade civil, sem fins
lucrativos, que prestava serviços de extensão rural e elaboração de projetos
técnicos para obtenção de crédito junto aos agentes financeiros.
Paralelamente ao crescimento da ACAR, o projeto de Lei nº 2.613,
de 23 de setembro de 1955, possibilitou a fundação do Serviço Social Rural
(SSR) no âmbito do Ministério da Agricultura, a exemplo do já então
existente Serviço Social da Indústria (SESI). O SSR era uma entidade
autárquica, com personalidade jurídica e patrimônio próprio, com sede e
foro no Distrito Federal e jurisdição em todo o território nacional.
O SSR visava promover ações sociais no campo, tais como:
construção de fossas, atendimento médico, cursos, entre outros. Suas ações
foram conduzidas pelo espírito de ajuda e tutela social buscando a
prestação de serviços sociais no meio rural, visando a melhoria das
condições de vida das populações no campo (OLIVEIRA, 2013).
9
Cabe destacar a figura de Nelson Rockefeller como um dos aliados dos brasileiros, para a
introdução da extensão rural. Contudo, como apontou Karavaev (1987, p. 126), seus interesses no
Brasil se difundiam por vários campos, onde contava com agentes internos, em 1947 (ano da
implantação do projeto extensionista de Santa Rita do Passa Quatro-SP, sob o patrocínio da AIA),
foi criada pelo governo uma comissão para normatizar a questão do petróleo “A comissão era
composta de partidários evidentes do capital estrangeiro, em particular, a sua direção foi confiada a
O. Braga, presidente da companhia Gás-Esso, filial brasileira da Companhia Standard Oil de
Rockefeller” (CAPORAL, 1991).
57
Oliveira (2013) aponta que apesar de alguns avanços, a SSR
demonstrava grande limite de atuação, parte deste limite se apresenta pela
atuação da Confederação Rural Brasileira (CRB) e Sociedade Nacional de
Agricultura (SNA), organizações patronais subordinadas ao Ministério de
Agricultura que se opunha a consolidação da SSR. Em 1956 foi fundada a
Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR), que
congregou todas as ACAR do Brasil, segundo um modelo vertical de
orientação.
A ABCAR estava sob a influência da política agrícola estrangeira e
da articulação das classes patronais nacionais, na qual a assistência rural
tinha a proposta de maximizar a produção agrícola. Apesar de criada como
uma associação sem fins lucrativos e de direito civil privado, possuía
relação direta com o Ministério de Agricultura, seja pela alocação de
recursos ou pela manutenção e contratação de pessoal técnico
(OLIVEIRA, 2013).
A institucionalização da ABCAR, segundo Caporal (1991), foi
marcada profundamente pela dependência e importação do modelo norte-
americano, tanto que a AIA e ETA (Escritório Técnico Brasil Estados
Unidos) foram seus membros fundadores e mantenedores, junto com o
Banco do Brasil, a CRB e suas filiadas. Posteriormente, ingressaram o
Ministério da Agricultura, Ministério de Educação e Cultura (MEC), SSR,
Instituto Brasileiro de Café (IBC) e o Banco Nacional de Crédito
Corporativo (BNCC). Nessa dinâmica, técnicos americanos integravam a
Assessoria da ABCAR e técnicos brasileiros obtiveram oportunidades de
treinamento nos EUA (CAPORAL, 1991, p. 38).
Em consequência do sistema ABCAR, em 1974 é criada a Empresa
Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER), que
assume a ação de braço forte do Estado junto ao povo rural, tendo como
58
empenho o papel de potencializar a modernização e guiar o processo de
implantação do pacote da Revolução Verde.
A criação da EMBRATER e, posteriormente, das EMATER deu ao
Estado um novo poder de ação junto ao meio rural, pois como diziam
os Ministros na Exposição de Motivos n.º 08/74, que propunha ao
Congresso a criação da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e
Extensão Rural (EMBRATER 1975:10), se fazia necessário um
“mecanismo de operação flexível e poderoso”, um “organismo forte e
ágil”, um “instrumento rápido e eficiente para a execução de programas
integrados...”. Desde então, as atividades de Assistência Técnica e
Extensão Rural das empresas públicas respondem aos interesses
maiores, estabelecidos nos planos do governo, quer no nível federal,
quer no estadual (CAPORAL, 1991, p. 59).
A criação da EMBRATER ocorreu logo após a criação da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), as duas cumpriram o
objetivo de promover a ação direta do Estado na difusão da Revolução
Verde. Na mesma perspectiva foi criada no âmbito do Ministério da
Agricultura, a Comissão Nacional de Pesquisa Agropecuária e de
Assistência Técnica e Extensão Rural (COMPATER), por meio do
Decreto nº 74.154, de 6 de junho de 1974.
[...] a EMBRATER coordenou, no País, a ação do Estado para o meio
rural. Isto, de certa forma, corresponsabiliza a EMPRESA e o
SIBRATER Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão
Rural, pelos resultados da aplicação do modelo de desenvolvimento
urbano-industrial, que fizeram do campo um palco de grandes
transformações sociais, de grande exclusão de trabalhadores e suas
famílias e, sobretudo, de intensa e contínua subordinação ao capital
industrial, comercial e financeiro (CAPORAL, p. 35, 1991).
59
A COMPATER teve um curto tempo de duração, sendo extinta
pelo Decreto nº 86.323, de 31 de agosto de 1981, que transferiu suas
atribuições à Secretaria Nacional de Prodão Agropecuária do Ministério
da Agricultura. Assim, entre as décadas de 1950 a 1970, o país acelerou o
processo de modernização da agricultura, a partir do modelo de
desenvolvimento rural baseado na transferência e difusão de pacotes
tecnológicos estrangeiros (PEIXOTO, 2008).
Para que a modernização fosse implementada, Leite (2001) destaca
a importância de incentivo ao crédito, efetivada por meio do Sistema
Nacional de Crédito Rural (SNCR) criado por meio da Lei nº 4.829, de
05 de novembro de 1965 e regulamentado pelo Decreto nº 58.380, de 10
de maio de 1966. O crédito poderia ser concedido pelo Banco Central do
Brasil (BACEN), pelo Branco do Brasil (BB), por bancos regionais de
desenvolvimento, por bancos estaduais, por bancos privados, por caixas
econômicas, por sociedades de crédito, por cooperativas e órgãos da
ATER.
Delgado (2001), ressalta que o crédito rural subsidiado foi um dos
instrumentos fundamentais da política agrícola brasileira na década de
1970, viabilizada por uma conjuntura de grande liquidez no mercado
internacional de crédito e no sistema monetário doméstico, permitindo a
implementação de uma política creditícia expansionista no país.
Martine (1987) afirma que o acesso ao crédito era essencial para
que o pacote tecnológico da Revolução Verde pudesse ser comprado, e sua
propaganda de venda prometia a elevação da produtividade média através
de sementes melhoradas ou de alto rendimento, ao passo que o
aproveitamento efetivo destas sementes era condicionado e integrado ao
uso de máquinas e de insumos químicos. Em virtude dessas características,
o modelo de extensão rural e a política de crédito potencializou a prodão
60
de monocultivo em larga escala, o monopólio de sementes por corporações
transnacionais e o uso intensivo de agroquímicos de origem industrial.
Em termos econômicos e produtivos a implantação da Revolução
Verde implicava em crescentes custos produtivos devido ao uso intensivo
de fertilizantes de síntese química, agrotóxicos e devido à deterioração dos
recursos do solo e da água que foram tornando os recursos naturais
escassos.
O tamanho das grandes fazendas aumentou substancialmente […]. A
taxa de adoção de novas tecnologias estava diretamente relacionada ao
tamanho da propriedade […]. Houve uma rápida adoção de tecnologia
biológica, e especialmente, de fertilizantes químicos; esse processo de
adoção aumentou significativamente os custos de operação [...]. Houve
um dramático aumento no uso de crédito agrícola nos anos recentes;
todos os aumentos da oferta de crédito foram canalizados através de
instituições formais de crédito; […]; taxas reais negativas de juros
geralmente prevaleceram e distorceram a alocação de capital e crédito;
taxas reais negativas de juros também resultaram em substancial
transferência de renda para os usuários de crédito (SILVA, 1981, p.
29).
A política de crédito rural subsidiado adotada no Brasil entre o
período de 1960 a 1980 tinha a finalidade de compensar o setor agrícola
dos efeitos negativos da política comercial, cambial e fiscal, e ainda, realizar
a modernização da agricultura brasileira. Os financiamentos de menor
custo na transação eram direcionados aos grandes proprietários porque eles
possuíam estruturas que garantiam maiores capacidade de pagamento, fato
que, nitidamente, beneficiava o pacto conservador e reforçava a
concentração fundiária.
61
Os pequenos proprietários foram prejudicados por esta política, pois
não tinham acesso ao sistema bancário. Além disto, a utilização de
insumos (pacote tecnológico) estava vinculada à aquisição do crédito
subsidiado, barateando o capital (e ao mesmo tempo encarecendo a
mão-de-obra), causando uma distorção na alocação dos recursos, na
medida em que se dispensava mão-de-obra (abundante), não
aproveitando as vantagens comparativas, e causando o subemprego e o
êxodo rural. (GUIMARÃES, 1997, p. 123).
Essa postura acentuou ainda mais as desigualdades entre os
pequenos, médios e grandes produtores, contribuindo para a expansão da
miséria dos pequenos produtores, visto que estes precisaram se desfazer dos
seus meios de produção, dada às dificuldades ou mesmo impossibilidade
de se manterem e sobreviverem ante à expansão do capitalismo no campo.
Muitos dos pequenos proprietários tiveram que aumentar a sua jornada de
trabalho e a da sua família, ao passo que para alguns sobrou vender sua
força de trabalho a outrem.
Segundo Pretto (2005), a posse da terra era requisito exigido para
obtenção do crédito bancário, condição única pela qual se atribuía ao solo
um valor de mercado em razão dos financiamentos que eram repassados
com taxas de juros negativas, ou seja, uma espécie de transferência de renda
entre os que contraíam os empréstimos e os credores.
Leite (2001), sobre a origem dos recursos públicos para o
financiamento, afirma que “[...] provinham das contas em aberto no
Orçamento Monetário e [...] contavam ainda com a captação de recursos
externos e com a oferta expansionista do Banco do Brasil”.
Entre as décadas de 1970 e 1980 houve um grande volume de
investimento beneficiado pela intermediação financeira do Estado que
captava recursos nas unidades econômicas superavitárias, gerando uma
62
diferença positiva entre receita e despesas na balança comercial do país,
fato que permitia reinvestir no próprio sistema financeiro, o saldo de
capital.
Em 1979, por exemplo, com o objetivo de atrair capitais
internacionais tipicamente especulativos para reforçar as reservas
internacionais do país, os EUA produziram um choque de juros para
ampliar as reservas e defender a sua moeda, com isso, drenaram os recursos
internacionais. Segundo Tavares (1999) a decisão norte-americana
iniciada em 1979-1980 “[...] multiplicou por três, o tamanho da dívida
externa do Brasil e levou os países de capitalismo dependente à crise da
dívida externa e o planeta à crise mundial de 1980/81”.
Os recursos para investimentos desaparecem ao mesmo tempo em que
as rendas oriundas da exportação de commodities diminuíram
consideravelmente. A partir do início dos anos 80, encerrou-se o
Milagre Brasileiro, período de crescimento acelerado que o país viveu,
atrelado ao crescimento da economia mundial e à fartura de recursos
externos para investimentos (PRETTO, 2005, p. 28).
O modelo produtivo da Revolução Verde importado pelo Brasil e
caracterizado pela não realização da reforma agrária, pela transferência
tecnológica e pela formação limitada da força de trabalho para o ciclo
capitalista urbano, expressa categoricamente o desenvolvimento
dependente do capitalismo brasileiro e o conservadorismo do pacto
político das elites nacionais.
Marini (2005), ao analisar o desenvolvimento brasileiro, afirma
que o capitalismo internacional criou um ciclo estrutural de dependência
e subordinação, cujos marcos das relações de produção foram e são
63
modificados ou recriados para assegurar a reprodução ampliada da
dependência.
Diante desse processo histórico, a questão agrária começou a ser
reorganizada, não só pelos setores conservadores, como também por uma
parcela dos setores progressistas, que difundem a ideia de que não existem
mais latifúndios improdutivos e que a reforma agrária é uma bandeira
atrasada e desnecessária. Nesse sentido, a reconfiguração do capitalismo no
campo, ocorre com a adoção do neoliberalismo após a reabertura
democrática e sob os preceitos do agronegócio.
Reflorescer da luta pela terra: constitui-se o MST
O MST foi constituído formalmente em 1984 numa conjuntura
de lutas pela abertura democrática após 20 anos de exceção promovidos
pela ditadura militar e de economia capitalista dependente, que entre
outras coisas, mantinha o desenvolvimento agrário subordinado às
economias centrais e aos polos urbanos de desenvolvimento que drenavam
as riquezas produzidas no campo, empobrecendo-a (FERNANDES,
1977).
O professor José Flávio Bertero (1999, p. 193) fazendo referência
à subordinação da agricultura ao setor urbano industrial, tal qual salientou
Florestan Fernandes descreve que:
Mesmo onde ela, agricultura, alcançou especializações consistentes
com a evolução do capitalismo, atingindo tendências persistentes de
modernização tecnológica, viu-se contida por um mercado interno que
redefiniu ‘para dentro’ o mesmo tipo de vinculação que experimenta
‘para fora’. Trata-se do que se pode designar de ‘dependência dentro
64
da dependência’ ou ‘colonialismo interno’. A expansão do capitalismo,
nos marcos do desenvolvimento econômico nacional, foi insuficiente
para imprimir maior autonomia a sua economia agrária.
Bernardo Fernandes e João Pedro Stédile (1999) apontam que a
gênese do MST está ligada, dentre outras coisas, à “dependência dentro da
dependência” e nas particularidades das transformações socioeconômicas
que a agricultura brasileira sofreu na década de 1970, com base em um
intenso e rápido processo de capitalização e mecanização da lavoura
brasileira.
A partir do início da década de 1980, o processo de modernização
da agricultura resultou em um grande contingente de populações
camponesas expulsas do campo e servindo como mão de obra barata para
os setores urbano-industrial e urbano-comercial. O sistema econômico
revela-se frágil com o fim do “milagre econômico” e a crise assola a
indústria e o campo brasileiro. Nesse contexto, deflagra-se o fracasso do
processo de colonização das fronteiras agrícolas, visto que os camponeses
não conseguiram reproduzir nas suas propriedades o modelo produtivo da
modernização e da Revolução Verde.
Segundo Stédile e Fernandes (1999, p. 17), esta foi a base social
que gerou o MST, pois uma parcela das famílias camponesas estava
disposta a permanecer no campo, uma vez que não concebiam que a ida
para a cidade seria solução para seus problemas, restando-lhes como
alternativa lutar pela terra tentar resistir no campo.
Os trabalhadores
10
que perderam o trabalho e o acesso à terra com
o processo de modernização da agricultura, começaram a se organizar e a
lutar para continuarem como moradores e trabalhadores agrícolas nos seus
10
Camponeses, meeiros, arrendatários, posseiros, agricultores, sitiantes, dentre outros.
65
estados de origem. Dentre estas lutas, podemos destacar, as ocorridas nas
glebas Macali e Brilhante e o acampamento de cerca de 600 famílias na
Encruzilhada Natalino no estado do Rio Grande do Sul, onde a luta pela
terra começava a ganhar novas proporções
11
.
Sobre isso, Morissawa (2001, p. 123) aponta
[…] que a semente do MST foi plantada em 7 de Setembro de 1979,
ainda em plena ditadura militar, quando aconteceu a ocupação da
Fazenda Macali em Ronda Alta, no Rio Grande do Sul. Muitas outras
lutas, nesse Estado e em todo o país, foram gerando lideranças e
incrementado a consciência da necessidade de ampliação das
conquistas em busca de um objetivo mais alto: a reforma agrária.
João Pedro Stédile menciona que o trabalho realizado pela
Comissão Pastoral da Terra (CPT) também foi um elemento importante
para a gênese do MST, devido ao trabalho de conscientização junto aos
camponeses, que abriu espaço para o processo de formação política, sem a
qual, o MST poderia não ter sequer nascido, ou mesmo, na melhor das
hipóteses ter demorado muito tempo para surgir.
A CPT representou a organização de bispos, padres e agentes
pastorais, que em plena ditadura militar contestava, por meio da Teoria da
11
Nessa conjuntura as ocupações de terra e acampamento de famílias sem-terra começam a se
multiplicar porrios estados brasileiros como foi o caso do latifúndio Burro Branco na região de
Campo Erê em Santa Catarina, a ocupação da Fazenda Annoni em Marmeleiro e Fazenda Mineira
em São Miguel do Iguaçu no estado do Paraná. No Mato Grosso do Sul os desempregados das
cidades que no caso eram pessoas que haviam sido expulsas do campo, vítimas da política agrária
do governo militar, também começam a ser organizar para a ocupação. No estado de São Paulo a
luta também começa a aflorar como o caso da Fazenda Primavera na cidade de Andradina, da qual
a experiência levou a formação do MST na região oeste do Estado, a luta na Fazenda Pirituba,
situada parte em Itapeva e parte em Itaberá e as emblemáticas lutas na região do Pontal do
Paranapanema são alguns exemplos da conjuntura da luta pela terra no final da década de 1970 e
início da década de 1980. Para uma leitura mais detalhada ver Morissawa (2001).
66
Libertação, o modelo de produção agrícola que estava sendo implantado
no campo. Os atores que compunham a CPT debatiam com os
trabalhadores rurais a necessidade de eles se organizarem, porém, não se
realizava um trabalho típico messiânico e de idolatria de “Espera que tu
terás terra no céu”, pelo contrário, assumia-se uma postura que fomentava
organização dos camponeses para lutar e resolver seus problemas aqui na
terra. Além disso, o papel ecumênico e aglutinador da CPT possibilitou o
não fracionamento dos trabalhadores rurais em várias organizações,
contribuindo com a construção de um movimento amplo e de caráter
nacional
12
(STÉDILE; FERNANDES, 1999).
Em meio a essa conjuntura, durante os dias 20, 21 e 22 de janeiro
de 1984, no 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra,
realizado nas dependências do Seminário Diocesano de Cascavel no
Paraná, constitui-se o MST como um movimento de trabalhadores e
trabalhadoras rurais sob a égide de três reivindicações prioritárias: lutar
pela terra, lutar por reforma agrária e lutar por mudanças gerais na
sociedade
13
.
Com o intuito de organizar nacionalmente a luta dos trabalhadores
e trabalhadoras do campo, o MST se estruturou em torno de três
características principais: a) ser um movimento popular massivo, com livre
acesso a todos os interessados em lutar pela reforma agrária; b) ser de
componente sindical, no sentido corporativo que interessa a classe de
12
João Pedro Stédile aponta como elemento importante para a constituição do MST as lutas pela
democratização do país em seu sentido amplo, ele relata que se não estivesse ocorrendo essas
mobilizações contra a ditadura também nos centros urbanos não haveria condições para a
constituição do MST, de forma que o surgimento do MST não pode ser creditado como resultado
exclusivo da vontade dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.
13
Nesse 1º Encontro estavam presentes trabalhadores e trabalhadores representantes de 12 estados:
Acre, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul,
Rondônia, Roraima, Santa Catarina e São Paulo, além de representantes da ABRA, CUT, CIMI e
CPT (MORISSAWA, 2001).
67
trabalhadores e trabalhadoras rurais; c) ser político,o se restringindo ao
aspecto corporativo, de modo que a luta pela reforma agrária se compõem
como elemento constituinte da luta de classes.
As ocupações marcam profundamente as primeiras ações de luta
do MST e foram objeto de discussão nos dois primeiros Congressos
Nacionais dos Sem Terra, realizados, respectivamente, nos anos de 1985 e
1990, que demarcaram: a) as intensas ocupações no intuito de alavancar a
reforma agrária
14
; b) a inserção do Movimento no debate do 1º Plano
Nacional da Reforma Agrária, boicotado pela ação da UDR.
Neste sentido, a tática da ocupação, do MST era uma ação
concreta e aglutinadora da luta dos trabalhadores, que não se constita em
um grito isolado ou pedido de favores, mas se fundamentava nas seguintes
palavras de ordem: ocupação é a única solução e ocupar, resistir e produzir.
Essa tática afrontava a elite, que poderia atolerar os pedidos de favores e
mendicância dos pobres, “mas jamais aceitará que eles se organizam para
exigir seus direitos” (STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 113).
Roseli Salete Caldart (2004), educadora do MST, debate a
temática da formação dos sujeitos Sem Terra e destaca que “a ocupação
pode ser considerada a essência do MST porque é com ela que se inicia a
organização das pessoas para participar da luta pela terra” (CALDART,
2004, p. 168), enquanto Stédile (1997) afirma que na ocupação está
contido o que talvez possa ser chamada de “matriz organizativa do MST”.
14
Morissawa (2001) destaca que só no estado de Santa Catarina 5 mil famílias ocuparam cerca de
40 fazendas. João Pedro Stédile ressalta que o número de ocupações não é preciso, porém, acredita-
se que nos primeiros 15 anos do Movimento ocorreram mais de 1500 ocupações. O autor também
pontua situações como o da Fazenda São Bento no Pontal do Paranapanema, onde foram
necessárias 23 ocupações até que o governo liberasse a terra para assentamento.
68
Essa postura forte de luta e ocupação de terras por parte dos
trabalhadores organizados pelo e no MST forjou a conquista de vários
territórios destinados à reforma agrária. Os territórios conquistados sob a
inflncia organizativa do MST constituem os assentamentos que lutaram
e lutam para se manter e progredir tanto quanto possível de forma
independente e não subordinada ao agronegócio e ao grande capital.
Embora isto não signifique que os territórios conquistados estejam imunes
à ofensiva do capital e de uma possível reconcentração, caso nenhuma ação
socioprodutiva alternativa fosse tomada (CHRISTOFFOLI, 2012).
É nesse sentido que as palavras de ordem do 2º Congresso
Nacional, realizado entre os dias 08 e 10 de maio de 1990, eram dirigidas
para além do fortalecimento da luta pela reforma agrária, adotando como
palavra de ordem ocupar, resistir e produzir, ou seja, incentivar a produção
agrícola em modelos alternativos, como meio de resistir às investidas do
capital.
Nessa conjuntura, o Movimento indicou que além da ocupação e
conquista de territórios havia a necessidade de organizar e potencializar a
produção nas áreas de assentamento já conquistadas. A postura tomada foi
o “desenvolvimento da cooperação como forma de ação estratégica em
vista do avanço do capital sobre as áreas reformadas, mas também como
ensaio para a organização futura da agricultura numa sociedade socialista”
(CHRISTOFFOLI, 2012, p. 171).
João Bernardo (2012) descreve que o MST começou a conceber as
cooperativas como uma estratégia de possibilitar ao trabalhador rural o
acesso aos recursos financeiros, técnicos e criar condições favoráveis de
produção e comercialização, uma vez que a política agrária mais penalizava
o pequeno agricultor, do que lhe possibilitava a sobrevivência. A partir das
cooperativas, o MST desenvolveu a concepção de socialização de todos os
fatores e etapas da produção, como a terra, o capital e o trabalho.
69
Inspirados na experiência cubana, o MST passa a uma nova fase,
avançando no debate e ação pensando na concepção de um sistema
cooperativista para o Brasil, um sistema nacional com a função de atender
demandas das diferentes realidades dos assentados no país.
A organização das cooperativas associadas à consolidação de
agroindústrias tinha por objetivo a inserção dos produtos da reforma
agrária no mercado, acreditava-se que através dessas ações ocorreria uma
qualificação da produção e, consequentemente, uma evolução social e
econômica das famílias assentadas.
Destaca-se que nesse momento o MST lutava por uma reforma
agrária do tipo clássica. Para Nilciney Toná (2011), o Movimento
acreditava que a classe dominante possuía algum interesse em inserir os
camponeses na produção capitalista, como meio de incorporar, de forma
complementar, a produtividade deles à indústria.
O MST criou no final dos anos de 1980 o Sistema Cooperativista
dos Assentados (SCA) e já no início dos anos de 1990 o número de
cooperativas agropecuárias nos assentamentos do Movimento havia
aumentado consideravelmente. Este processo levou à formação da
Confederação Nacional das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil
(CONCRAB), que em 1992 contava com aproximadamente 55
cooperativas de prodão e comercializão e 7 centrais cooperativas
estaduais. Junto a isso foram organizadas mais de 40 Cooperativas de
Produção Agropecuária (CPAs), “muitas inteiramente coletivistas,
verdadeiras ilhas socialistas não só quanto à organização do trabalho, mas
também quanto a certos aspectos da vida doméstica como, por exemplo, o
uso de refeitórios e creches” (BERNARDO, 2012).
As cooperativas de produção fundadas pelo MST tinham
personalidade jurídica para que pudessem se inserir no circuito mercantil.
70
A sua organização constituía-se do planejamento, da produção e da criação
de vias diretas de comercialização, eliminando os tradicionais
atravessadores, ou seja, buscava a autonomia dos assentamentos pela via do
controle sobre a cadeia produtiva que desenvolviam (BERNARDO,
2012).
Apesar da euforia os desafios e as contradições impostas pela lógica
capitalista foram grandes:
[…] o desconhecimento e a desconfiança camponesa frente a essas
formas coletivas resultaram numa reversão parcial das experiências,
inicialmente fracionando-se em grupos semicoletivos e finalmente na
desestruturação completa de diversas iniciativas complexas de
cooperação. A defasagem entre a proposta concebida pelo movimento,
de coletivos autogestionários totais, a falta de apoio estatal, o preparo
técnico insuficiente e as contradições derivadas da consciência
organizativa artesanal dos camponeses foram fatais para muitas dessas
experiências e forçou um recuo tático do movimento
(CHRISTOFFOLI, 2012, p. 175).
Não se pode ignorar que a falta de compreensão e aparato jurídico
institucional para viabilizar a autogestão e a coletivização dos meios de
produção e do trabalho nas cooperativas contribuía como um forte agente
inibidor e contrário à proposta do MST, o que ainda era dificultado pelos
empecilhos que a própria ação estatal impunha para a formação das
cooperativas
15
.
15
O governo Collor, por exemplo, restringiu os créditos e assistência técnica para a pequena
agricultura. Extinguiu o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, esvaziou o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e recorreu à Polícia Federal para reprimir o
MST, mandando invadir secretarias estaduais, apreender documentos e prender e instaurar
processos judiciais contra as lideranças. Este período de repressão provocou uma queda de quase
metade no número de ocupações, que passaram de 80 em 1989 para 49 em 1990, uma queda de
71
Diante disto, a CONCRAB, a partir de 1994, passou a concentrar
esforços para prestar serviços, estimulando a criação de cooperativas
regionais e não mais apenas aos coletivos autogestionários. Esse modelo
permitiu maior flexibilidade para a organização e aglutinação de famílias
assentadas que produzem individualmente em seus lotes.
Neste viés, a concepção de cooperação no MST buscou
transcender a complexa questão de produção ou mesmo de organização
jurídica burocrática, visando à potencializão de uma formação política
ideológica necessária para que os assentados participassem das lutas e
reivindicações solidárias para outras categorias que não só a do trabalhador
do campo.
Essa concepção fez parte dos encaminhamentos do 3º Congresso
Nacional dos Sem Terra, realizado entre os dias 24 e 27 de julho de 1995,
no qual a palavra de ordem era Reforma agrária uma luta de todos, buscando
expressar que as diretrizes e ações da reforma agrária poderiam ser
ampliadas para patamares além dos trabalhadores e trabalhadoras do
campo.
Destaca-se que no início de 1995, Fernando Henrique Cardoso
assumiu a presidência do Brasil e avançou com o projeto neoliberal de
governo. Nessa dinâmica, apesar das lutas realizadas pelos trabalhadores
em prol da reforma agrária, o governo apresentou pouca preocupação com
a concentração fundiária, enquanto seus principais esforços neste campo
eram o de evitar que os conflitos no campo se tornassem um problema
político (MORISSAWA, 2001).
praticamente metade no número de famílias mobilizadas, que passaram de 16.030 para 8.234 no
mesmo período. Nesta conjuntura difícil, tendo de sobreviver na defensiva e contando, sobretudo,
com os próprios recursos, o MST concentrou-se no desenvolvimento das cooperativas de produção
(BERNARDO, 2012).
72
Fernando Henrique Cardoso (FHC) procurou conduzir os
aspectos econômicos da reforma agrária de modo a isolar politicamente o
MST e desarticular sua base social, para tanto, criou em 1998 o Banco da
Terra, com o objetivo de substituir as ocupações pelo acesso à terra através
dos mecanismos do mercado.
João Bernardo (2012) aponta que a estratégia de apoio à
agricultura familiar, com a inserção direta das famílias no mercado por
meio dos programas de aquisição da produção agrícola ocorreu em
detrimento da relação coletiva efetuada mediante as cooperativas de
assentados, representando um forte impacto positivo para o seu confronto
com o MST.
Essa ação acarretou um bloqueio do Programa de Crédito Especial
para a Reforma Agrária (PROCERA), que acabou extinto em 1999, e foi
substituído em 1995 pelo Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF), que “deixou de ser apenas uma linha de
crédito e converteu-se em programa governamental. Tratava-se de
desarticular as cooperativas de produção, desviando o crédito para a
agricultura familiar” (BERNARDO, 2012).
A substituição do PROCERA pelo PRONAF colocou às CPAs em
enormes problemas de financiamento, e de certa forma, forçou o MST a
deixar de privilegiar a formação das cooperativas de tipo complexa
passando a apresentar propostas de cooperação ligada às formas
convencionais de comercialização, desvinculadas do trabalho coletivo.
Desde então a direção do MST passou a dar prioridade às cooperativas de
prestação de serviços.
Ao iniciar a nova linha de promoção da agricultura familiar
mediante os créditos do PRONAF, FHC obteve um notável triunfo
estratégico sobre o MST, numa presidência, que de resto não se assinalou
73
por grandes êxitos (BERNARDO, 2012). Nesse período o segmento do
agronegócio começou a avançar de forma mais nítida no cenário político-
econômico nacional. A partir de 1996, a política agrícola foi sendo
progressivamente conduzida por uma abertura de mercados voltados às
importações e aos estímulos para a entrada de capital estrangeiro
16
.
Seguindo essa política, o governo gastou mais de 3 bilhões de
dólares importando alimentos que poderiam ter sido produzidos no país.
Essa política acarretou uma crise que afetou tanto os pequenos quanto os
grandes produtores. Na produção de algodão, por exemplo, em que o país
era o primeiro colocado em importação, caiu para o terceiro, acarretando
a perda de mais de 400 mil trabalhadores empregados nesta cadeia
produtiva (MORISSAWA, 2001).
O MST, por sua vez, realizou grandes mobilizações, entre as quais
podemos destacar a Marcha Nacional por Reforma Agrária, Emprego e
Justiça Social realizada em 1997
17
. “A marcha Nacional do MST tinha por
objetivo, além de chamar a atenção para a urgência da reforma agrária e
16
O crédito rural, que em outros governos chegou a 15 bilhões de reais, foi de pouco mais de 4
bilhões. Dos quase 4 milhões de pequenos agricultores apenas 168 mil obtiveram um crédito de
200 milhões (1.190 reais por família). Quanto a taxa de juros, embora ainda baixas comparadas às
do comércio, representaram uma transferência de renda aos bancos pelos pequenos agricultores,
que ficaram sem qualquer rendimento. Com a supervalorização do real em relação ao dólar, visando
baratear as importações, e a eliminação de tarifas alfandegárias, o mercado foi inundado de produtos
agrícolas importados. Os baixos preços destes prejudicaram o agricultor nacional e inviabilizaram a
renda dos exportados. Os preços de produtos como leite, carne suíno, milho, aves, etc., foram
pressionados para baixo, com o objetivo de manter o valor da cesta básica e, consequentemente, o
do salário mínimo (MORISSAWA, 2001, p. 157).
17
Formada por três colunas que partiam de lugares distintos, uma saindo de São Paulo, outra
partindo de Minas Gerais e a terceira partindo de Mato Grosso, a marcha chegou em Brasília no
dia 17 de abril exatamente um ano após o massacre de Eldorado dos Carajás onde 19 pessoas foram
mortas pela polícia, além de 69 feridos e 7 desaparecidos. A chegada em Brasília foi celebrada com
um grande ato público com a presença de mais de 100 mil pessoas (MORISSAWA, 2001). João
Pedro Stédile destaca que a Marcha também buscava enfrentar a tática de isolamento do MST
proposta pelo governo FHC, de forma a dialogar com a sociedade e fazer frente ao governo de FHC
(STÉDILE, FERNANDES, 1999).
74
pedir punição aos responsáveis pelos massacres de trabalhadores rurais,
celebrar pela primeira vez o Dia Internacional da Luta Camponesa”
(MORISSAWA, 2001, p. 159).
Importante ação e conquista da luta dos Sem Terra foi o 1º
Encontro Nacional dos Educadores da Reforma Agrária, realizado em
julho de 1997, na Universidade de Bralia (UnB). O Encontro foi
organizado pelo setor de educação do MST em colaboração com a UnB, a
Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura
(UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF),
com o objetivo de debater educação e reforma agrária.
Realizando ocupações, marchas e se inserindo em outros debates,
que dizem respeito a melhoria na qualidade de vida para as populações da
reforma agrária e para a sociedade como um todo, o MST vai resistindo e
fazendo o enfrentamento diante da inércia do governo em realizar a
reforma agrária. Nessa conjuntura, o MST realizou o IV Congresso
Nacional no ano 2000, momento no qual houve a ruptura com o pacote
tecnológico da Revolução Verde e a negação do agronegócio, que estava
ganhando forças, ante a consolidação das políticas neoliberais no Brasil. A
palavra de ordem do IV Congresso do MST era: Por um Brasil sem
latifúndio, em que o Movimento começa a vislumbrar a produção
agroecológica como uma alternativa ao agronegócio.
Desde então, o MST começa a fazer duras críticas e ações contra a
Revolução Verde” e contra o agronegócio, dentre as quais podemos
destacar: as ocupações de fábricas de sementes transgênicas e de
agrotóxicos; mobilização contra as políticas de patentes; denúncia das
mazelas ambientais e humanas ocasionadas pelo uso e o consumo de
alimentos contaminados com agrotóxico, etc.
75
Nesse sentido, a luta pela reforma agrária se torna mais complexa,
visto que o inimigo não é mais apenas o latifúndio improdutivo, mas o
agronegócio e toda estrutura que potencializa a exploração dos
trabalhadores e dos recursos naturais. Nesse patamar a agroecologia é
assumida como estratégia fundamental para superar o modelo predatório
do agronegócio.
O agronegócio, além de funcionar sob a ofensiva e controle de
investimentos estrangeiros na produção e nos mercados agrícolas, passa a
ter uma expressiva função econômica na ação do capital financeiro,
gerando saldos comerciais para ampliar as reservas cambiais, condição
essencial para atrair capitas especulativos para o Brasil. Este avanço do
agronegócio, segundo as reflexões do MST (2014, p. 12) “bloqueia e
protege as terras improdutivas para futura expansão dos seus negócios,
travando a obtenção de terras para a reforma agrária”.
Nesse sentido, o agronegócio representa outro nível do avanço e
apropriação dos recursos naturais e da vida pelo capital. Os
desdobramentos sobre os encaminhamentos e ações realizadas pelo MST
ao assumir essa postura de enfrentamento ao agronegócio e à Revolução
Verde vão ser tratados com mais profundidade nos capítulos II e III.
Vejamos agora o debate da Agroecologia, sua história e dimensões.
77
Capítulo II
Agroecologia: História e Dimensões
Certa ocasião em que participávamos como convidado/ouvinte de
uma reunião do núcleo da Rede Agroecológica Ecovida
18
, deparamo-nos
com um embate entre os membros deste núcleo. Eles enfrentavam o
desafio epistemológico de conceituar o significado da agroecologia. Um
grupo mais radical defendia que para ser concedido e/ou ser conquistado
o certificado de produtor agroecológico, seria necessário que todo o
agroecossistema fosse organizado e manejado sobre os princípios da
agroecologia. Já um grupo mais reformista defendia que os
agroecossistemas organizados de forma mista, manejados parte
agroecologicamente e parte de forma convencional poderiam receber o
certificado. Como resultado deste grupo de discussão, convencionou-se
que no MST, o certificado poderia ser concedido somente ao produtor que
é manejado agroecologicamente.
O embate entre o grupo mais radical e o grupo reformista que
compõem a Rede Agroecológica Ecovida é ilustrativo de que a questão
agroecológica é um princípio epistemológico e prático que ainda está em
construção dentro do contexto e territórios do próprio MST. Embora
ainda seja uma questão aberta e em discussão, é perceptível que os
18
A Rede Ecovida de Agroecologia foi criada em 1998 a partir da necessidade de congregar esforços
e dar maior consistência política ao movimento agroecológico do Sul do Brasil. São agricultores(as),
técnicos(as), consumidores(as) e comerciantes unidos em associações, cooperativas, ONGs e grupos
informais que têm por objetivo organizar, fortalecer e consolidar a agricultura familiar ecológica da
região.
78
trabalhadores e trabalhadoras que compõe o MST são unânimes em
compreender a matriz agroecológica, comum meio de rejeitar a matriz da
Revolução Verde.
O relato dessa história é importante para evidenciar que os
conceitos e práticas agroecológicas não são homogêneos, e apesar de o
MST-la como resistência e alternativa ao agronegócio, ainda se constitui
como um projeto em disputa, que não está imune a ofensiva do
agronegócio.
Em virtude destas observações, o objetivo deste capítulo é
apresentar as principais correntes de pensamento que contribuíram e
contribuem com a construção histórica da perspectiva agroecológica,
levando em consideração a polissemia conceitual advinda das diferentes
correntes epistemológicas adotadas, sejam elas mais reformistas ou mais
radicais e revolucionárias.
Este capítulo está subdividido em cinco subtítulos: a) no primeiro
apresentamos como o conceito de agroecologia foi construído
historicamente no contexto do desenvolvimento da agricultura; b) no
segundo, descrevemos a agroecologia a partir do pensamento norte-
americano; c) no terceiro descrevemos a agroecologia a partir da concepção
europeia; d) no quarto observamos como a agroecologia desenvolve-se no
contexto brasileiro; e) no quinto e último subtítulo analisamos as
dimensões da agroecologia enquanto uma matriz produtiva alternativa.
Histórico da agroecologia
A agroecologia, ou mais precisamente, a constituão da matriz
agroecológica se constituiu sob a influência das Ciências Agrícolas, em
79
interação conceitual, metodológica e prática com a Ecologia, a Sociologia,
a Antropologia e a Geografia, que proporcionaram uma fértil contribuição
intelectual sobre “os impactos sociais da tecnologia, os efeitos perniciosos
do mercado de commodities, as implicações nas mudanças das relações
sociais, as transformações na estrutura da posse da terra e a crescente
dificuldade de acesso a recursos comuns pelas populações locais”
(HECHT, 2002 apud MOREIRA, 2003, p. 11).
Em nossos estudos, dois nomes se destacam como possíveis
propositores do conceito da agroecologia, um é o agrônomo russo Basil
Bernsin (1928) e o outro, o inglês Albert Howard (1930). Em ambos,
agroecologia foi proposta com base em estudos da ecologia aplicada à
agricultura. Porém, as duas áreas do conhecimento (ecologia e agronomia)
que, num primeiro momento davam base de sustentação teórica e prática
para a agroecologia, não tiveram uma relação plenamente integrada
durante as décadas subsequentes.
Gliessman (2002) salienta que essa baixa integração se deu, entre
outras coisas, pela forma de desenvolvimento das ciências ligadas ao solo
no modo de produção capitalista. A moderna ciência do solo, desenvolvida
com base na introdução de fertilizantes químicos e adição de nutrientes no
solo, ignorou a necessidade de desenvolver práticas ecológicas de
regeneração de fertilidade do solo. Foster (2010) salienta que essa medida,
desde o início, apresentou alguns resultados dramáticos para a
produtividade do solo, algo constatado pelo fato de que a fertilidade geral
do solo é sempre limitada pelo nutriente menos abundante (a Lei do
Mínimo, de Liebig)
19
.
19
Justus Von Liebig foi um químico alemão que, em 1840, enunciou a Lei do Mínimo estudando
o crescimento das plantas. A Lei do Mínimo = Lei de Liebig descrevia que sob condição de estado
constante, o nutriente presente em menor quantidade (concentração próxima à mínima necessária)
tende a ter efeito limitante sobre o crescimento da planta.
80
Nessa dinâmica, a questão ecológica ficou restrita, quase que
exclusivamente, aos estudos sobre sistemas naturais, aqueles sem a
intervenção antrópica. Em contrapartida, a agronomia, aparelhada pela
moderna ciência do solo e influenciada pela lógica capitalista de produção
ficou com a hegemonia dos estudos ligados à produção agrícola.
Desenvolvida sob a influência do modo de produção industrial
capitalista, a moderna ciência do solo foi pautada num reducionismo e
utilitarismo que visava aumentar o nível e velocidade da fertilidade
produtiva do solo, ignorando sua necessidade natural de recomposição.
Foster (2010) indica que Marx, com base nos acontecimentos
históricos de sua época, tinha pontuado uma possível degradação dos
recursos naturais gerados pelo uso excessivo do solo, tais como:
(1) a crescente sensação tanto europeia quanto norte-americana de crise
na agricultura associada ao esgotamento da fertilidade natural do solo
uma sensação de crise que absolutamente não foi aliviada, mas sim
impulsionada, pelos avanços da ciência do solo; e (2) uma guinada no
trabalho do próprio Liebig em fins da década de 1850 e na década de
1860 em direção a uma forte crítica ecológica do desenvolvimento
capitalista (FOSTER, 2010, p. 213).
Foster (2010) descreve que a degradação do solo, a destruição do
ciclo de nutrientes naturais, o crescente conhecimento da necessidade de
nutrientes específicos, a visão fragmentada da produtividade agrícola, os
limites da oferta de fertilizantes naturais e sintéticos contribuíam cada vez
mais para a sensação generalizada de crise
20
.
20
As contradições da agricultura nesse período foram sentidas com particular intensidade nos
Estados Unidos, sofrendo com o monopólio britânico dos carregamentos do guano peruano (rico
em nitrogênio e fosfato), o qual gerava um bloqueio de acesso fácil e economicamente viável ao
81
O considerável desenvolvimento científico e tecnológico mostrava-
se incapaz de recuperar e manter as condições necessárias à reciclagem dos
elementos constitutivos e essenciais do solo, visto que a lógica capitalista
de constante produtividade requeria seu uso intensivo, ocasionando um
desgaste excessivo, sem tempo adequado de recuperação (FOSTER, 2010).
Considerando os limites da moderna ciência do solo e da
racionalidade capitalista na agricultura, Gliessman (2002) descreve que no
final da década de 1920 surge o campo da ecologia de cultivos. Na década
seguinte, pesquisadores ligados ao ramo da ecologia começam a utilizar o
conceito de agroecologia para indicar a aplicação da ecologia à
agricultura
21
.
Apesar do profícuo debate sobre a necessidade de desenvolver uma
produção agrícola menos degradante para a natureza, o avanço do modelo
de produção capitalista na agricultura e a fragmentação do conhecimento
restringiu a ecologia ao estudo sobre os sistemas naturais, ficando a
agroecologia, como um ramo de menor importância no âmbito das
Ciências Agrícolas.
Ainda é necessário considerar que o debate sobre agroecologia
ocorreu entre um período de duas guerras, potencializando o
desenvolvimento tecnológico. Após a Segunda Guerra Mundial, grandes
corporações multinacionais, com sede nos países de grande produção de
bens de capital (Estados Unidos, G-Bretanha e Japão, por exemplo), que
produto, isto acarretou que os Estados Unidos, através de uma política de Estado empreendessem
a anexação imperial de qualquer ilha que fosse acreditada rica nesse fertilizante, contudo, o
imperialismo do guano não possibilitou aos Estados Unidos a quantidade e qualidade necessária
desses fertilizantes (FOSTER, 2010).
21
Sir Albert Howard é considerado o fundador da revolução orgânica da agricultura, como também
um dos fundadores do conceito da agroecologia. Suas principais pesquisas foram desenvolvidas na
Índia, onde aprofundou seus estudos sobre a cultura agrícola dos camponeses. Sua obra Um
Testamento Agrícola, publicada inicialmente no ano de 1943 em Londres pela Oxford University
Press foi disponibilizada em português pela Editora Expressão Popular em 2007.
82
atuaram no desenvolvimento científico e tecnológico da indústria da
guerra, adequaram parte da sua área de atuação para potencializar o
processo de capitalização da agricultura e a modernização agrícola
22
(HARVEY,1993).
Nas duas primeiras décadas da segunda metade do século XX, a
questão ecológica continuou como um assunto secundário, prevalecendo
a modernização da agricultura baseada nos avanços científicos
reducionistas e utilitários, que estimulavam o uso de fertilizantes qmicos,
agrotóxicos, introdução de maquinários, produção em larga escala e
monocultivo, como meio de produzir em larga escala, aumentando os
lucros da propriedade rural.
A produção agrícola em larga escala também consumia mais
energia, sendo necessária a adição de um grande montante de energia, o
que requereu não só o uso da eletricidade como também daquela dissipada
na forma de calor, proveniente de fontes não renováveis, convertendo-se
em contaminação do solo, ar, água, ou seja, de resíduos acumulados no
meio ambiente (MOREIRA, 2003).
A partir da década de 1960, devido às consequências das
contradições que o modelo convencional de desenvolvimento e utilização
dos recursos naturais já vinha gerando desde a segunda metade do século
XIX, começa a ganhar força nos países de capitalismo central o debate
sobre a chamada consciência ambiental
23
.
22
Um fato ilustrativo dessa adequação é a utilização do agente laranja, também conhecido como 2-
4-D foi usado pelo exército americano na guerra do Vietnã com o objetivo de reconhecimento do
inimigo em solo, pois sua aplicação causa o desfolhamento das plantas. Após a guerra foi adaptado
como herbicida para a utilização na agricultura, cabe destacar que a exposição a ele, além de causar
diversas doenças como câncer também gera a contaminação de fauna e flora.
23
A partir da década de 1960, a preocupação com a degradação do modelo convencional de
desenvolvimento se intensifica. Trabalhos como Primavera Silenciosa (1964), de Rachel Carson,
fizeram um contundente questionamento aos aspectos secundários causados no ambiente pelo uso
de toxinas no modelo da Revolução Verde. Também o trabalho de G. Douglas (1984), “A
83
Nesse cenário, Gliessman (2002) descreve que o avanço dos
estudos sobre a temática ambiental possibilitou a consolidação do conceito
de ecossistema, proporcionando pela primeira vez um marco de referência
bastante coerente para examinar a agricultura a partir de uma perspectiva
ecológica.
[…] un ecosistema puede ser definido como un sistema funcional de
relaciones complementarias entre los organismos vivos y su ambiente,
delimitado por criterios arbitrarios, los cuales en espacio y tiempo
parecen mantener un equilibrio dinamico. Asi, un ecosistema tiene
partes fisicas con relaciones particulares-la estructura del sistema-que en
su conjunto forman parte de procesos dinamicos-la función del
ecosistema (GLIESSMAN, 2002, p. 17).
O ecossistema é a principal unidade de estudos da ecologia. Ele
pode ser representado como uma unidade natural composta pelos seres
vivos (meio biótico) e o local onde eles vivem (meio abiótico onde estão
inseridos os componentes não vivos do ecossistema como os gases
atmosféricos, sais minerais e radiação solar).
Os estudos sobre ecossistemas impulsionaram novamente o
interesse pela ecologia de cultivos, que reaparecem sobre a nomenclatura
de ecologia agrícola. No ano de 1974, na Holanda, é realizado o 1º
Congresso Internacional de Ecologia, onde um grupo de pesquisadores
apresentou um trabalho sobre a análise de agroecossistemas. Um
agroecossistema se trata de um ecossistema artificializado, um sítio de
sustentabilidade agrícola em uma ordem mundial em transformação”, foi um importante trabalho
para dar solidificação na relação entre agroecologia e agricultura sustentável.
84
produção agrícola, que serve de referência para analisar sistemas de
produção de alimentos em sua totalidade (GLIESSMAN, 2002).
O conceito de agroecossistemas estabeleceu uma contundente base
de análise para a agroecologia. Casado; Sevilla Guzmán e Molina (2000)
interpretam o agroecossistema como um ecossistema artificializado pelas
práticas humanas por meio dos sistemas de conhecimento, da organização
social, dos valores culturais e da tecnologia. Sua estrutura interna resulta
na relação social, produto da coevolução entre as sociedades humanas e a
natureza.
O conceito de agroecossistema foi constituído numa perspectiva
de análise das atividades agrícolas realizadas em pequenas unidades
geográficas. Compreende-se que são sistemas abertos que recebem insumos
externos, que geram produtos que podem ser exportados para fora dos seus
limites. Contudo, deve-se considerar a complexidade em delimitar com
exatidão o que seja agroecossistema (ALTIERI, 2012).
Os estudos que foram surgindo sobre agroecossistemas e
desequilíbrio socioambiental, a partir da década de 1970, geraram base
para que a agroecologia fosse ressurgindo como alternativa no cenário dos
estudos sobre a matriz científica e tecnológica da agricultura.
Moreira (2003) em seu estudo sobre os processos de transição do
modelo convencional para um sistema agroecológico nos apresenta duas
escolas de pensamento: a) a corrente norte-americana, que tem sua origem
com pesquisadores no estado da Califórnia e b) a corrente europeia, com
destaque ao Instituto de Sociologia e Estudos Campesinos (ISEC) da
Universidade de Córdoba na Espanha.
Utilizando como referência o trabalho de Moreira (2003),
constata-se que a corrente norte-americana segue uma vertente teórica
ligada às questões técnicas e de manejos sustentáveis, como alternativa às
85
práticas degradantes e poluentes; enquanto a corrente europeia avança para
além das questões de técnicas e manejo (sem abandoná-las) para uma teoria
social e crítica à lógica do capital.
É notória a presença de ambas as correntes quando se analisa as
refencias teóricas utilizadas nos cursos de agroecologia do MST, assim,
apresentam-se nos dois próximos subtítulos essas duas correntes, a fim de
explicitar quais delas mais se aproximam do discurso assumido pelo
Movimento.
A perspectiva do pensamento norte-americano: por processos de
sustentabilidade na agricultura
O professor Sthephen R. Gliessman é um dos principais expoentes
sobre a agroecologia da escola norte-americana. Ele salienta que a
agroecologia tem como objetivo criar práticas de manejo agrícola
fundamentadas em ambientes equilibrados, rendimentos sustentáveis,
fertilidade do solo através de processos ecológicos e regulação natural das
pragas, desenho de agroecossistemas diversificados e do uso de tecnologias
de baixos insumos externos (GLIESSMAN, 2002).
A partir de estudos vinculados particularmente à agricultura
tradicional mexicana, Gliessman (2002) faz uma contundente crítica ao
modelo de desenvolvimento utilitarista e reducionista da agricultura, que
aumenta o consumo de energia proveniente (direta ou indiretamente) de
fontes não renováveis (combustíveis fósseis), a fim de produzir mais.
Além da dependência de energia externa não renovável, o modelo
convencional agrícola causa danos que se expressam em: a) diminuição da
fertilidade dos solos; b) perda de matéria orgânica; c) lixiviação de
86
nutrientes; d) degradação e aumento da erosão dos solos; e) contaminação
e esgotamento de fontes hídricas; f) aumento de pragas e doenças; g)
contaminação de ambientes agrícolas e ecossistemas naturais; h) danos à
saúde de agricultores e assalariados agrícolas; i) destruição de insetos e
microrganismos beficos; j) diminuição drástica da biodiversidade
regional; k) desequilíbrios no ciclo global de nitrogênio, o que vem a
acarretar o agravamento dos problemas na camada de ozônio
(GLIESSMAN, 2002).
Buscando estabelecer as diretrizes de uma agricultura sustentável,
construída sobre as bases de conservação de recursos humanos e naturais,
a agroecologia pode ser definida pela “aplicação de conceitos e princípios
ecológicos para o desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis”
(GLIESSMAN, 2002, p. 13).
[…] el enfoque agroecologico comienza prestando atencion a un
componente particular de un agroecosistema y su posible alternativa
de manejo, durante el proceso establece las bases para muchas otras
cosas. Aplicando el enfoque en forma mas amplia, nos permite
examinar el desarrollo historico de las actividades agricolas en una
region y determinar las bases ecologicas para seleccionar practicas mas
sostenibles para esa zona. Tambien nos puede ayudar a encontrar las
causas de los problemas que han emergido como resultado de practicas
insostenibles. Todavia mas, el enfoque agroecologico nos ayuda a
explorar las bases teoricas para desarrollar modelos que pueden facilitar
el diseno, las pruebas y la evaluacion de agroecosistemas sostenibles.
Finalmente, el conocimiento ecologico de la sostenibilidad de
agroecosistemas, debe reestructurar el enfoque actual de la agricultura
con el objetivo de que la humanidad disponga de sistemas sostenibles
de produccion de alimentos (GLIESSMAN, 2002, p. 13).
87
A agroecologia busca, através do manejo ecológico de
agroecossistemas, o desenvolvimento de sistemas sustentáveis de produção
de alimento. Miguel Altieri (2012), outro pesquisador de referência ligado
à Universidade da Califórnia, salienta que o conceito de sustentabilidade é
polissêmico, embora tenha gerado consenso em relação à necessidade de
propor modificações na agricultura convencional, de modo a torná-la mais
viável e compatível sob o ponto de vista ambiental e social.
Estabelecendo as bases para o desenvolvimento de alternativas
sustentáveis para a agricultura agroecológica, Gliessman (2002, p. 217)
defende o policultivo em substituição ao monocultivo, explicando que
populações de plantas mistas são capazes de coexistir devido a variados
mecanismos de adaptação mútua, como a repartição de recursos, a
diversificão de nichos, e com alterações de comportamentos fisiológicos,
que reduzem a concorrência entre os cultivos.
A agroecologia, nas palavras de Altieri (2012), deve extrapolar a
visão unidimensional dos agroecossistemas (getica, edafologia, entre
outros), visto que compreende uma completa integração entre os níveis
ecológicos e sociais de coevolução, tendo como ênfase as inter-relações de
seus componentes e a complexa dinâmica dos processos ecológicos.
Com base em Gliessman (2000), considera-se que o conceito de
agroecologia se fundamenta em uma dimensão holística, que se contrapõe
à proposta da Revolução Verde, por se estruturar com base nas seguintes
diretrizes: a) baixa dependência de inputs comerciais; b) uso de recursos
renováveis localmente acessíveis; c) utilização dos impactos beficos ou
benignos do meio ambiente local; d) aceitação e ou tolerância das
condições locais antes da dependência da intensa alteração ou tentativa de
controle sobre o meio ambiente; e) manutenção a longo prazo da
capacidade produtiva; f) preservação da diversidade biológica; g) utilização
88
do conhecimento e da cultura da população local; h) produção para o
consumo interno antes de produzir para exportação.
A perspectiva agroecológica norte-americana se fundamenta no
manejo sustentável dos agroecossistemas, com a aplicação das seguintes
práticas: a) uso de energia solar e eólica; b) controle biológico de nitrogênio
e outros nutrientes frutos da decomposição de matéria orgânica ou da
reserva mineral do solo; c) dinâmica de rotação de culturas; d) adubação
verde; e) dejetos orgânicos, entre outros recursos de base renováveis
(ALTIERI, NICHOLLS, 2003).
Contrapondo o modelo de produção agrícola da Revolução Verde à
agroecologia, observa-se que esta não tem um receituário pronto e está
sendo desenvolvida sobre uma base do trabalho teórico e prático, buscando
valorizar o conhecimento empírico dos trabalhadores agrícolas num
sentido de relação equitativa entre as partes envolvidas (GLIESSMAN,
2002).
A agroecologia na vertente norte-americana busca resgatar sistemas
tradicionais que tenham demonstrado serem sustentáveis em termos
ecológicos. Os sistemas agrícolas são concebidos como coevolução que
ocorre entre cultura e ambiente, onde os seres humanos são capazes de
mediar esta coevolução. Nesse sentido, para reverter o processo predatório
do modelo convencional de agricultura, a agroecologia deve ser
desenvolvida numa perspectiva da totalidade, considerando as relações
interdependentes entre o ser humano e o meio no qual vive.
A escola norte-americana vem gerando alternativas para
desenvolver uma agricultura sustentável e, com isso, também está
contribuindo para desenvolver uma concepção epistemológica, científica e
técnica sobre agroecologia, estabelecendo novas bases para a prodão de
alimentos menos degradante ao meio ambiente e ao ser humano.
89
Apesar da crítica à Revolução Verde e de adotar práticas de manejo
agrícolas para preservar o ambiente, o modelo norte-americano apresenta
limites, principalmente porque se centra mais no pragmatismo técnico
produtivo e no manejo sustentável dos recursos naturais do que realiza uma
crítica à estrutura do modelo de prodão agrícola capitalista. Assim, deixa
algumas lacunas em relação, por exemplo, às lutas políticas, econômicas e
culturais que compõem o cenário contraditório do desenvolvimento
agrícola em um Estado capitalista.
Nesse sentido, a vertente agroecológica norte-americana apenas
busca readequar o modelo predatório da agricultura convencional para
uma matriz mais sustentável, restringindo-se a uma perspectiva reformista,
que deixa de questionar radicalmente a racionalidade produtiva do capital.
Resisncia e existência: a agroecologia no pensamento espanhol
Os estudos sobre a agroecologia na Espanha têm como principais
expoentes Eduardo Sevilla Guzmán e Manuel Gonzáles de Molina, que
fundaram o Instituto de Sociologia e Estudos Campesinos (ISEC) na
Universidade de Córdoba, na Espanha. Para essa escola, a agroecologia se
desenvolve por meio do pensamento social agrário, dos movimentos de
oposição e resistência à industrialização da agricultura, caracterizando-se
como uma constante dialética entre a modernização capitalista e a
resistência às suas bases estruturais (SEVILLA GUZMÁN;
WOODGATE, 2013, p. 27).
Moreira (2003) ao analisar a agroecologia no pensamento
espanhol, destaca que ela se constitui pela interação entre as disciplinas
científicas e os saberes empíricos das comunidades rurais e tradicionais, em
particular na América Latina. Algo que talvez permita entender o porquê
90
da sua penetração na Espanha ocorrer por aquelas zonas onde a
modernização agrária havia se dado de forma tardia, como é o caso de
Andaluzia
24
(MOREIRA, 2003).
A agroecologia no pensamento espanhol, tal qual a concepção
norte-americana, também se fundamenta em uma dimensão holística,
dialogando com diferentes orientações teóricas que se opõem ao
pensamento agrícola convencional. Além de se fundamentar nas ciências
naturais, a agroecologia se articula de modo mais aprofundado com a
Sociologia, possuindo uma visão mais crítica em relação a economia
política sobre a prodão agrícola, ao passo em que também respeita os
conhecimentos culturais construídos pelos trabalhadores do campo
(SEVILLA GUZMÁN; WOODGATE, 2013).
Sevilla Guzmán e Ottmamn (2004), Sevilla Guzmán e Woodgate
(2013); Casado e Molina (2006) e Casado; Sevilla Guzmán e Molina
(2000) descrevem que a agroecologia, além do manejo ecológico dos
recursos naturais, remonta às propostas surgidas de seu potencial endógeno
e ações coletivas que representam resistência e alternativas ao atual modelo
de manejo predatório dos recursos naturais.
Para desarrollar tal tarea, la agroecología introduce, junto al
conocimiento científico, otras formas de conocimiento. Desarrolla, por
consiguiente, una crítica al pensamiento científico para, desde él,
generar un enfoque pluriepistemológico que acepte la biodiversidade
sociocultural. La evidencia empírica obtenida durante las cuatro
últimas décadas desde la Agroecología (Altieri, 1985; Gliessman, 1998;
24
No fim dos anos 80 a Andaluzia contava com uma realidade na qual se conjugavam situações
próprias de uma modernização agrária recente e territorialmente incompleta, com todos os
problemas ambientais característicos das sociedades pós-industriais. Esta coincidência favoreceu a
emergência dos primeiros estudos agroecológicos nas Universidades de Córdoba e Granada e mais
especificamente junto ao Instituto de Sociologia e Estudos Camponeses (ISEC), na Universidade
de Córdoba (MOREIRA, 2003, p. 11).
91
Guzmán Casado, Gonzalez de Molina y Sevilla Guzmán, 2000) ha
demostrado que el conocimiento acumulado sobre los agroecosistemas
en el pasado puede aportar soluciones específicas de cada lugar para
resolver los problemas sociales y medioambientales. Más aún si han
sido distintas las etnicidades (con cosmovisiones diferenciadas) que han
interactuado con él en cada momento histórico, las que aportan su
conocimiento para obtener dichas soluciones. Existen múltiples formas
de conocimiento en los grupos históricamente subordinados
susceptibles de ser recuperadas para su incorporación al diseño de
estratégias agroecológicas (SEVILLA GUZMÁN, s/d, p. 1).
Segundo Sevilla Guzmán e Woodgate (2013, p. 27) a agroecologia
[…] promueve el manejo ecológico de los sistemas biológicos a través
de formas colectivas de acción social, que redirigen el curso de la co-
evolución entre la naturaleza y la sociedad con el fin de hacer frente a
la “crisis de la modernidad”. Se trata de lograr este objetivo mediante
estrategias sistémicas... para cambiar los modos de producción y
consumo humano que han producido esta crisis. Para estas estrategias
es fundamental la dimensión local, en la que nos encontramos con
potencial endógeno codificado dentro de sistemas de conocimiento...
que muestran y promueven tanto la diversidad cultural como la
ecológica. Esta diversidad debe formar el punto de partida de las
agriculturas alternativas y del establecimiento de sociedades rurales
dinámicas y sostenibles.
O paradigma científico e tecnológico hegemônico, na perspectiva
de desenvolvimento e progresso para as áreas rurais, causou uma
hegemonia do modelo agroindustrial, que dentre outras coisas, gerou
erosão dos conhecimentos locais tradicionais. Essa erosão se deu com base
no processo de imposição gradual das pautas econômicas, sociais e políticas
92
vinculadas ao positivismo sobre as ciências agrárias e do modelo de vida
que se desenvolve com o capitalismo.
Sevilla Guzmán e Woodgate (2013) ressaltam a importância da
coevolução entre sociedade e natureza na produção agrícola, que valoriza as
estratégias de organização sócias produtivas construídas na dimensão local,
por meio de ações sociais coletivas, visto que elas podem ser utilizadas
como meio de superação da crise socioambiental, superando o paradigma
da Revolução Verde.
Moreira (2003) salienta, que apesar dos sistemas sociais e
ambientais terem historicamente coevoluído constantemente, não significa
que essa relação tenha se constituído beneficamente tanto para as
populações como para o meio ambiente. A modernização da agricultura,
imposta pela lógica do capital via Revolução Verde, acarretou que a relação
metabólica entre sociedade e natureza tenha seguido uma tendência
desastrosa.
De acordo com Casado; Sevilla Guzmán e Molina (2000, p. 92)
citando Geogescu-Roegen, a função de produção utilizada para a
modernização agrícola se parece com “uma lista de ingredientes que
compõem determinados produtos sem se dar conta do tempo de cocção”,
ou seja, segue uma lógica mecanicista de produção que parece deixar
ausente a dimensão “tempo”, o que remete ao fato da finitude dos recursos
naturais.
A lógica produtiva da Revolução Verde ao refletir sobre as pragas de
uma forma isolada no sistema (atomismo) preconiza a aplicação de
pesticidas, que por sua vez coevoluem com as pragas, interferindo ainda, na
forma como o agricultor vê o processo produtivo. De fato, a Revolução
Verde influenciou e acelerou o processo coevolutivo, introduzindo múltiplas
mudanças tecnológicas que muitas vezes não se adéquam à complexidade
93
social e ambiental das comunidades rurais (NOORGARD; SIKOR,
2002).
A perspectiva coevolucionista, num sentido holístico, tal qual a
vertente espanhola, busca reverter a situação metabólica de desgaste
socioambiental, consequência do modelo hegemônico da Revolução Verde.
Em vez de seguir uma lógica hierárquica de transferência e dependência,
ela propõe colocar as populações e sua forma de organização no centro do
processo. Nesse sentido, há um respeito aos conhecimentos sobre a
produção agrícola que as populações tradicionais ou nativas construíram
historicamente, por meio do processo de tentativa e erro e seleção, em que
aprenderam a captar o potencial dos ecossistemas, preservando-os
(CASADO; SEVILLA GUZMÁN; MOLINA, 2000).
Uma das características mais importantes da abordagem
coevolucionista é a de que confere legitimidade aos conhecimentos dos
agricultores, pois, ao contrário dos agentes externos (cientistas,
pesquisadores, extensionistas) coevoluíram com a natureza de forma mais
harmônica e melhoraram, em muitos casos, seus sistemas produtivos ao
longo dos milênios. A abordagem espanhola se baseia no respeito à
sabedoria dos agricultores e chama a atenção para o fato de que os
conhecimentos codificados cientificamente não são as únicas fontes
legítimas de saberes (NOORGARD; SIKOR, 2002).
Noorgard e Sikor (2002) explicam que a mudança social e
ambiental pode ser realizada através da coevolução entre sistemas naturais
(clima, terra, biodiversidade, etc.) e sistemas sociais (valores, formas de
conhecimento e tecnologias). Para tanto, a coevolução entre sociedade e
natureza deve se basear na interdependência e não no determinismo
ambiental e cultural.
94
Portanto, o pensamento espanhol considera que as estruturas
(organização e desenho) dos agroecossistemas, numa produção agrícola,
não devem ser materializadas de forma isolada da ação social. Por isso, os
agrossistemas precisam ser planejados a partir de procedimentos
metodológicos que estimulam os trabalhadores agrícolas a serem incluídos
na construção e participação de alternativas, orientadas às necessidades de
cada lócus, em uma perspectiva de intercâmbios de conhecimentos.
Sevilla Guzmán e Molina (2013) denominam a articulação entre o
pensamento social agrário e os movimentos de resistência à modernização
da agricultura como “pensamento social agrário alternativo”, o qual se
fundamenta:
[…] pelos discursos que, consciente ou inconscientemente, se
encontram por trás de atores coletivos que configuram o que aqui
chamamos de “orientações teóricas”, como categorias intelectuais, nas
que se articulam explicações e valores sobre algum nível da realidade,
geradoras de processos de legitimação ou deslegitimação de
determinadas parcelas de tal realidade, neste caso relativa ao
campesinato, à agricultura ou à sociedade rural (SEVILLA GUZMÁN;
MOLINA, 2013, p. 15).
A teoria do “pensamento social agrário alternativo” segue a
perspectiva holística da história, buscando abarcar uma complexa
diversidade de manifestações numa estratégia metodológica que tem sua
origem nos processos geradores de identidades históricas que foram
constituídas pelas memórias sociais procedentes da visão dos vencidos
(SEVILLA GUZMÁN; MOLINA, 2013). Seu enfoque valoriza e
reivindica o conhecimento dos povos tradicionais e/ou originários,
95
campesinos e indígenas, que deve responder ao que Michael Foucault
denominou de insurreição dos “saberes sujeitados”
25
.
Nesse sentido, seu desenvolvimento perpassa conteúdos históricos
gerados pelas “múltiplas formas de resistência cultural (desde a rebeldia
aberta e movimentos de protesto, às formas de resistência passiva no
cotidiano e nos diferentes sistemas de dominação política)” que foram
formando valores que se incorporam às memórias sociais que a
agroecologia deve resgatar (SEVILLA GUZMÁN, 2011, p. 16).
Com base no “pensamento social agrário alternativo”, Sevilla
Guzmán e Molina buscam aprofundar o pensamento tardio de Marx no
que diz respeito às formações sociais pré-capitalistas. Buscam resgatar
também o potencial do campesinato e das populações indígenas e/ou
tradicionais para uma possível transição ao socialismo, desde a luta e
resistência ao capitalismo, considerando as “vantagens do atraso” e
considerando a agroecologia como possível mola propulsora
26
.
Desenvolvida desde o “pensamento social agrário alternativo”, a
agroecologia busca questionar o etnocentrismo das ciências agrícolas e
sociais que centram suas pesquisas em uma proposta civilizatória única e
excludente de formação social. Também constitui uma proposta de
modificar e resgatar, dentre outras coisas, as práticas “campesinas e
indígenas”, que historicamente vem demonstrando formas alternativas e
sustentáveis de organização socioprodutiva (SEVILLA GUZMÁN, 2011,
p. 12).
25
FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976). São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
26
Para uma leitura mais aprofundada sobre o pensamento social agrário alternativo ver Sevilla
Guzmán (2011); Sevilla Guzmán e Molina (2013) e Sevilla Guzmán e Woodgate (2013).
96
El enfoque agroecológico aparece como respuesta a la lógica del
neoliberalismo y la globalización económica, así como a los cánones de
la ciencia convencional, cuya crisis epistemológica está dando lugar a
una nueva epistemología, participativa y de carácter político. Y ello en
el sentido de “reinterpretar la cuestión del poder, insertándola en un
modelo ecológico, de lo que se desprende que el ámbito real del poder
es lo social como organismo vivo, como ecosistema. Es el
enfrentamiento entre un modelo de sistema artificial, cerrado, estático
y mecanicista (el Estado); y un modelo de ecosistema dinámico y plural
(la sociedad)” (Garrido Peña, 1993, p. 8). La dinámica sociopolítica de
la agroecología se mueve en formas de relación con la naturaleza y con
la sociedad, lo que Joan Martínez Alier define como la “ecología
popular”, como defensa de sus etnoagroecosistemas a través de distintas
formas de conflictividad campesina ante los distintos tipos de agresión
de la “modernidad” (MARTÍNEZ ALIER, GUHA, 1997 apud
SEVILLA GUZMÁN, 2011, p. 16).
Tendo como base as diretrizes do “pensamento agrário
alternativo”, a agroecologia é um meio de questionar os marcos legais da
política agrária influenciada pelo paradigma tecnológico da Revolução
Verde e do agronegócio, rompendo com a concepção tradicional de
desenvolvimento e modernização.
Sevilla Guzmán (2011) aponta, que é possível desenvolver
processos socioeconômicos de produção no campo fundamentados em
metodologias participativas capazes de transformar as estruturas de poder
local, a partir de análises que permitam estabelecer propostas alternativas
ao desenvolvimento tecnológico e à produtividade agrícola que não
estejam fundamentadas na degradação do ambiente e na exploração do
homem pelo homem.
Para tal processo é central estabelecer redes entre as unidades
produtivas, gerando sistemas de intercâmbio entre as distintas formas de
97
conhecimento. Essas redes devem estender-se para o âmbito das políticas
públicas, das relações de trocas, circulação de informações entre diferentes
campos do conhecimento e entre diferentes povos, em uma forma de ação
social coletiva construída historicamente pelos movimentos sociais
(SEVILLA GUZMÁN, 2011).
Para tanto, faz-se necessário à articulação entre as ações sociais
coletivas dos ecologistas, das feministas, dos pacifistas, enfim, dos
movimentos sociais de lutas históricas vinculadas à classe trabalhadora,
incluso os camponeses, indígenas e as populações das águas e das florestas,
que fazem resistência às mazelas causadas pela modernização conservadora.
Nesse sentido, os conteúdos históricos teorizados sobre ação social
e a agroecologia, desenvolvidos dentro e fora do pensamento científico,
necessitam de uma atenção crítica e de vínculo com a classe trabalhadora e
com os movimentos sociais, que lutam e resistem aos imperativos do
capital, pois eles são imprescindíveis para o desenvolvimento da
consciência de classe, de identidade, de gênero e de gerações, sem os quais
se limita o poder de resistência das minorias.
A agroecologia no cenário brasileiro
O processo de intensificação da modernização da agricultura no
Brasil deu-se sob a égide da ditadura militar, que iniciou em 1964 e seguiu
até os anos 1980, quando o desgaste político apontou para uma abertura
democrática concretizada após longa reivindicação de diversos setores da
sociedade, com o processo constituinte que culminou com a Carta Magna
de 1988.
98
Desde o final da década de 1970, vários segmentos da sociedade já
se mobilizavam contra a ditadura militar e pelo Estado de Direito.
Segundo Nunes (1989), Benevides (1994) e Schiochet (2012), essas
mobilizações propiciaram a organização de parcelas da sociedade civil em
movimentos sociais, que contribuíram para ampliar a luta pela
participação.
Schiochet (2012) aponta, que as contradições e conflitos nas áreas
urbanas instigaram a mobilização dos trabalhadores em vários movimentos
sociais, tais como: o movimento do custo de vida, o movimento por
moradia, o movimento de luta contra o desemprego, o movimento pelo
transporte coletivo, o movimento pela sde. Além dessas mobilizações,
ocorreu o movimento em torno das Diretas Já! e a criação da Central Única
dos Trabalhadores (CUT).
No campo da educação Dal Ri e Vieitez (2013) apontam, que a
luta pelo Estado de Direito foi conduzida e articulada principalmente pelo
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), que propunha a
Gestão Democrática como princípio basilar da organização da escola
pública, o que ocorreu em termos formais com a promulgação da
Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
n
o
9.394, de 20 de dezembro de 1996.
No campo da questão agrária, o próprio MST se constitui como
exemplo emblemático da organização de milhares de trabalhadores e
trabalhadoras que utilizaram as marchas, ocupações e acampamentos,
como métodos de denúncia da exclusão do acesso à terra e mesmo da
precariedade da vida no campo
27
.
27
Além da luta por direitos sociais e políticos, os movimentos sociais colocavam em questão a
capacidade do sindicalismo convencional, considerados no campo prático, como ações tímidas e
ineficazes em representar as formas diferenciadas dos trabalhadores do Campo. Além do MST
também surgem a Comissão Regional dos Atingidos por Barragem, o Movimento dos Atingidos
99
Apesar das mobilizações sociais pela participação política no
Estado e da aprovação da Constituição Cidadã em 1988, a qual tem um
viés de bem-estar social, o processo democrático iniciado nos anos 1990 se
deu sob a égide de políticas neoliberais, enxugamento do Estado e
privatizações de diversas empresas e serviços públicos que seguem,
particularmente, as diretrizes aprovadas no Consenso de Washington
28
.
Durante o processo de redemocratização na América Latina e no
Brasil, em particular, a questão ambiental foi surgindo ao lado da luta
histórica dos trabalhadores agrícolas pelo direito à terra e pelo direito a
condições dignas de trabalho e moradia no campo. Em paralelo à luta dos
movimentos sociais em defesa da questão ambiental, foi realizada a
conferência internacional Eco 92 e/ou Rio 92, na cidade do Rio de Janeiro,
que teve como um dos principais resultados o estabelecimento da Agenda
21
29
.
Essa preocupação com a sustentabilidade e preservação do meio
ambiente, mesmo que sob a égide de um reformismo ou adequação
neoliberal, abriu precedentes para questionamentos ao modelo da
por Barragem, o Conselho Nacional dos Seringueiros, entre outros. Para uma leitura mais
aprofundada ver MEDEIROS, 2014.
28
O Consenso de Washington é um conjunto de medidas formuladas em novembro de 1989 por
representantes do FMI, do Banco Mundial, entre outras instituições financeiras situadas em
Washington D. C., que no caso brasileiro, deve ser pensado dentro dos limites de reestruturação
do capitalismo, de abandono das pretensões nacionalistas e de readequação do Estado brasileiro às
novas exigências da acumulação e do capitalismo mundial.
29
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD),
realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro, representa um marco na forma como a humanidade
se relaciona com o planeta, conhecida como Rio-92, Eco-92 ou Cúpula da Terra, ocorreu 20 anos
depois da conferência de Estocolmo na Suécia. Foi na Conferência Rio 92 que os países
reconheceram o conceito de desenvolvimento sustentável e começaram a estabelecer ações com o
objetivo de proteger o meio ambiente. A chamada Agenda 21 foi um instrumento de adaptação à
nova forma de mundialização do capital, sendo definida como um instrumento de planejamento
para construção de sociedades sustentáveis através de métodos de “proteção ambiental, justiça social
e eficiência econômica”. Para mais informações sobre a Agenda 21 e seus desdobramentos acessar
o site: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21.
100
Revolução Verde e suas consequências danosas à sustentabilidade
socioambiental. A questão ambiental vinha sendo pontuada por alguns
segmentos da sociedade civil e Organizações não Governamentais
(ONGs)
30
nacionais e internacionais no transcorrer do processo de
redemocratização do país na década de 1980. Nesse período a agroecologia
foi apresentada pelas ONGs como alternativa para a agricultura familiar,
devido às dificuldades enfrentadas pelos pequenos agricultores em
decorrência da forma como se deu a modernização da agricultura pelo viés
da Revolução Verde.
Nessa conjuntura, pesquisadores, extensionistas e intelectuais,
como Ana Primavesi, José Antônio Lutzenberger, Ignacy Sachs, Miguel
Altieri, destacaram-se com trabalhos sobre manejo ecológico dos recursos
naturais e análises críticas mais amplas. Eles demonstraram os limites do
desenvolvimento degradante da Revolução Verde e a necessidade de
reavaliar e modificar a matriz produtiva principalmente dos países
dependentes. Esse momento gerou contribuições científicas ecnicas a
respeito da necessidade e possibilidade de um manejo ecológico dos
recursos naturais como alternativa para a agricultura, surgindo a
30
Para uma leitura mais completa sobre a atuação das ONGs no desenvolvimento da agroecologia
recomendamos acompanhar o trabalho que Thelmely Torres Rego vem desenvolvendo sob a
orientação da professora Célia Regina Vendramini em sua tese de doutorado na Universidade
Federal de Santa Catarina. O texto de qualificação, que foi apresentado em abril de 2015, analisa o
Projeto Tecnologia Alternativa vinculado à Federação de Órgãos para Assistência Social e
Educacional FASE (PTA-FASE), que tinha por objetivo difundir as tecnologias alternativas a fim
de viabilizar a agricultura familiar. Desse projeto resultou a criação da Rede de Projetos de
Tecnologias Alternativas (Rede PTA), que reunia várias ONGs que tinham o mesmo foco de
trabalho. Uma dessas ONGs é a Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA), criada em 1989 e
fundada como uma associação de direito civil sem fins lucrativos em março de 1990. Com o
crescimento de organizações, redes, projetos e programas voltados para a mesma temática, em 2002
foi constituída a Articulação Nacional para a Agroecologia (ANA) que, da mesma forma que o
PTA-FASE e a Rede PTA, desempenham papel fundamental na disseminação da agroecologia no
Brasil.
101
agroecologia na vertente norte-americana e espanhola, como já
explicitamos anteriormente.
No Brasil, a agroecologia sofre um processo de cooptação das
organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e Banco Mundial, fazendo com que as estratégias eco
desenvolvimentistas se desarticulem das lutas sociais, constituindo-se em
uma forma de desenvolvimento que implica na “apropriação capitalista do
meio ambiente, sua introdução no processo produtivo de mais valor e sua
introdução como mercadorias na lógica de mercado” (SEVILLA
GUZMÁN, 2011, p. 117).
Nesse sentido, ocorre no Brasil, o desenvolvimento de um
capitalismo verde com perspectivas de mercado seletivo de produtos
orgânicos e/ou com responsabilidade socioambiental, que se aproxima
daquilo que apresentamos como vertente norte-americana. Contudo, a
vertente agroecológica norte-americana não é a única que se propaga pelo
Brasil. O avanço da temática ambiental e do manejo ecológico dos recursos
naturais na agricultura fez com que a vertente espanhola também ganhasse
destaque no desenvolvimento de uma leitura crítica das particularidades
históricas da modernização da agricultura brasileira.
Destacamos Pinheiro Machado, Francisco Caporal, José Antônio
Costabeber e Enio Guterres como autores que assumem uma leitura mais
crítica sobre as particularidades históricas do capitalismo brasileiro e das
contradições da Revolução Verde, propondo uma agroecologia mais ligada
às lutas e às resistências sociais e estabelecendo diálogos entre os
movimentos sociais do campo e os pequenos agricultores. Guterres (2006)
defende que o avanço e a propagação da matriz agroecológica em uma
perspectiva crítica, com enfoque transdisciplinar, teórico e metodológico,
requerem uma postura mais atuante da academia, no sentido de superar as
limitações da vertente norte-americana.
102
Machado e Machado Filho (2014) pontuam, que a agroecologia
deve ser desenvolvida numa práxis de luta e resistência dos pequenos
produtores, que devem estabelecer outro paradigma de manejo dos
recursos naturais e de produção de alimentos limpos, como meio de
superação do modelo de monocultura da agricultura moderna inspirada na
Revolução Verde e no agronegócio.
Esse segundo grupo de pesquisadores desenvolve suas atividades e
pesquisas a partir de uma perspectiva mais crítica da totalidade do
capitalismo, não se restringindo a uma posição reformista que atende à
proposta de mercados verdes e orgânicos. Consideramos que alguns desses
autores estejam mais próximos aos estudos desenvolvidos desde o ISEC
31
.
Caporal e Costabeber (2004) destacam que a agroecologia deve
estar vinculada às lutas de resistência dos povos do campo, constituindo-
se em uma matriz científica e tecnológica que estabelece bases para um
desenvolvimento agrícola sustentável, com respeito aos conhecimentos e
experiências acumuladas pelos trabalhadores rurais, em seus espaços de
resistência. Nesse sentido, a agroecologia é muito mais do que um debate
teórico, embora este seja necessário, por isso, destacamos as diferentes
acepções e descrições a respeito do tema. Contudo, pontuamos a
necessidade de atenção para não cair numa infindável discussão
epistemológica que possa levar a lugar nenhum e, pior, embora até
intencionada em contrapor-se ao agronegócio, na prática, acabar por
benefic-lo, como a cooptação que vem ocorrendo com o eco
desenvolvimentismo através do mercado verde.
31
Francisco Roberto Caporal, por meio de seus livros e artigos, vem contribuindo para a elaboração
desse trabalho, ele se formou Doutor pela Universidad de Córdoba Espanha (1998), no curso de
Doutorado em Agroecología, Campesinato e Historia, do Instituto de Sociología y Estudios
Campesinos (ISEC), coordenado por Sevilla Guzmán.
103
Caminhos e percalços: a agroecologia na perspectiva
do MST e das lutas sociais
A agroecologia começa a ganhar força no cenário latino-americano
e, consequentemente, no Brasil a partir da década de 1980. Desde então
vários pesquisadores, extensionistas e organizações vêm teorizando sobre
suas práticas e princípios, visto que não há uma definição única e
homogênea sobre agroecologia. Ela vem sendo assumida como alternativa
para fazer o enfrentamento diante das condições excludentes que a
capitalização da agricultura gerou para diversos trabalhadores e
trabalhadores que se produzem e reproduzem no campo.
Com base em Gliessman (2002), Moreira (2003), Caporal e
Costabeber (2004), Sevilla Guzmán (2011) e Altieri (2012)
compreendemos que a agroecologia não se constitui num discurso
unilinear, mas na interação articulada entre o saber codificado por
pesquisadores e cientistas em diálogo com os saberes tácitos das
comunidades rurais e tradicionais.
A agroecologia não é um conceito estático e mecânico, visto que
ela se constitui na diversidade dos chamados movimentos sociais do campo
e das florestas, nas ações práticas e formulações teóricas que estão em
constante processo de transformação decorrentes da diversidade das
características políticas, sociais e culturais de cada comunidade.
Em virtude dessa diversidade de experiências, a interação, o diálogo
e em alguma medida o conflito entre os saberes tradicionais e o saber
técnico científico, entre pesquisadores extensionistas, movimentos sociais
do campo e da floresta é imprescindível para estabelecer as bases
epistemológicas e práticas para sustentar a experiência agroecológica na
América Latina (NOVAES, 2012).
104
A complexa diversidade que compõe as populações da América
Latina, bem como a história de resistência e de luta contra a espoliação
imposta por um capitalismo dependente e uma modernização excludente
no campo, possibilitou que o debate participativo sobre a agroecologia se
expandisse tanto na prática quanto teoricamente. Dezenas de organizações,
particularmente as constituídas por trabalhadores rurais, comunidades
originárias e das florestas, ampliaram o debate e reforçaram alternativas de
agricultura rumo à transição agroecológica
32
.
Entre essas organizações está o MST, que a partir do ano 2000
assume a agroecologia como matriz produtiva estratégica para as áreas de
assentamento e acampamentos sob sua influência. Essa posição é reforçada
em 2001, quando o Movimento lança a cartilha Construindo o caminho,
na qual estabelece a necessidade de que “os assentados e assentadas se
qualifiquem e dominem os prinpios e as práticas agroecológicas,
buscando construir um novo modelo de produção, que nos ajude na
edificação de um novo ser social” (MST, 2001, p. 90).
Apesar de o ano 2000 representar o marco referencial da inserção
da agroecologia no MST, desde a década de 1980
33
, já existia o debate
entre os militantes do Movimento sobre a necessidade de uma matriz
alternativa de organização socioprodutiva para os Sem Terra.
32
Destaca-se La Vía Campesina, um movimento internacional composto por cerca de 164
organizações em 73 países da África, Ásia, Europa y América. Em total representa cerca de 200
milhões de pessoas entre camponeses, camponesas, pequenos e médios produtores, povos sem-terra,
indígenas, migrantes e trabalhadores agrícolas de todo o mundo. É um movimento autônomo
pluralista e multicultural sem nenhuma filiação política e econômica de qualquer tipo. Para mais
informações acesse: http://viacampesina.org/es/.
33
A agroecologia é assumida enquanto matriz produtiva no MST em seu 4º Congresso Nacional
realizado no ano 2000. Contudo, Guhur (2010), Mohr (2014), Borsatto e Carmo (2014) destacam
que no Caderno de Formação nº 10 (MST, 1986, p. 25-28) há um capítulo intitulado “o uso de
tecnologias alternativas”, abordando o domínio das corporações multinacionais sobre o pacote
tecnológico da Revolução Verde e a necessidade de construir alternativas ao modelo dependente e
degradante do modelo hegemônico.
105
Após suas primeiras conquistas, o MST começa a buscar
alternativas para potencializar a produção das famílias e formar sujeitos
com uma visão diferenciada da relação homem/ambiente nas áreas de
assentamento. Assim se desenvolveu no início da década de 1990, as
diretrizes para o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA) e as
Cooperativas de Produção Agropecuárias (CPAs).
Mesmo avançando com debates e ações sobre a perspectiva social
da cooperação, o MST enfrentou vários obstáculos decorrentes das
contradições existentes entre as concepções de gestão das cooperativas
coletivas e a concepção de cooperação na lógica competitiva do mercado
capitalista, o que acarretou o endividamento e decadência de várias
cooperativas, já com as primeiras ofensivas do governo FHC.
Sobre as dificuldades enfrentadas pelo MST na década de 1990,
podemos citar, além das particularidades externas, a baixa formação técnica
e a falta de conhecimento sobre as cooperativas e sobre as novas formas de
produção propostas. Segundo Borsatto e Carmo (2014, p. 658), as
concepções teóricas que norteavam o MST
[…] baseavam-se nas interpretações ortodoxas dos escritos de Marx,
Kautsky e Lênin, bem como nas experiências soviéticas e cubanas de
coletivização da agricultura, que em sua maioria não se mostraram
satisfatórias na realidade dos assentamentos brasileiros. Isso, em
conjunto com outros fatores, abriu espaços políticos para a emergência
de um novo discurso, no qual o saber camponês e a questão ambiental
ganharam relevo, emergindo como consequência um discurso em bases
agroecológicas.
Em meio a esse quadro, Guhur (2010) aponta que o MST é um
movimento “de seu tempo”; pois depara-se com novas demandas e lutas
106
que crescem nos últimos anos, tal qual a questão ambiental, enfrentando
abertamente os limites e contradições das alternativas que propõem para
superar os desafios. É neste enfrentamento que o IV Congresso Nacional
do MST, delibera a questão ambiental (meio ambiente, diversidade, água
doce, Amazônia) como bandeira de luta, em torno do que ficou conhecido
como Projeto Popular.
No texto Linhas políticas reafirmadas no IV Congresso Nacional do
MST (MST, 2000), o modelo de agricultura hegemônico baseada na
“transferência tecnológica, na utilização de sementes transgênicas, no uso
de agrotóxicos, na exportação de commodities e no monopólio do uso da
terra por cooperações multinacionais” é apresentado como uma prática
que deve ser combatida.
No IV Congresso também foi apresentado o documento Nossos
compromissos com a terra e com a vida, composto de dez pontos, entre os
quais destacamos, dentre outros, “evitar a monocultura e o uso de
agrotóxicos” (MORISAWA, 2001, p. 238).
Guhur (2010) ressalta que tal posicionamento, exigiu uma
reformulação nas propostas para produção, como também, na própria
organização do movimento. Após um período de crise, deflagrado pelos
próprios limites internos do MST e pelas ações do governo federal que
afetaram o Movimento, o SCA acabou sendo extinto e em seu lugar foi
criado o Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente (SPCMA).
A questão ambiental passa a ser fundamental nos debates do
Movimento e a agroecologia começa a ser uma alternativa produtiva
estratégica na proposta de um projeto popular. Borsatto e Carmo (2014)
descrevem que já na Proposta de Reforma Agrária do MST em 1995
(MST, 2005) é possível identificar a elaboração de propostas para a
construção de um novo modelo produtivo para os assentados.
107
Borsatto e Carmo (2014, p. 658) descrevem que para a elaboração
dessa nova proposta:
A obra de Chayanov contribuiu de forma fundamental para a
conformação do arcabouço teórico da Agroecologia (CAPORAL e
COSTABEBER, 2004). Da concepção chayanoviana são retirados
conceitos sobre os quais se assentam as propostas metodológicas da
Agroecologia, tais como o agricultor, visto não mais como um mero
objeto de análise, mas como um sujeito criando sua própria existência;
a noção de economia moral camponesa; a abordagem de baixo para
cima para a elaboração de propostas de desenvolvimento; o uso de
análises multidisciplinares da agronomia social; a lógica econômica não
capitalista dos camponeses; a compreensão do balanço trabalho-
consumo; o conceito de grau de autoexploração; o subjetivismo dos
camponeses nas tomadas de decisões e o conceito de ótimos
diferenciais
34
.
A reorientação do MST se deu, entre outras, coisas pelos seguintes
fatores: a) a reforma neoliberal do Estado brasileiro que pôs fim às políticas
setoriais, de preços mínimos e abriu os mercados; b) o fim do Programa
Especial de Crédito para a Reforma Agrária (PROCERA); c) a formação
da Via Campesina. “Os dois primeiros fatores dificultaram a continuidade
das estratégias produtivas até então desenvolvidas pelo Movimento,
enquanto o terceiro ampliou o leque de relações institucionais do MST”
(PICOLOTTO; PICCIN, 2008 apud BORSATTO; CARMO, 2014, p.
656).
34
Para uma compreensão mais ampla sobre a obra de Chayanov ver o livro Chayanov e o
Campesinato, organizado por Horácio Martins de Carvalho e publicado pela editora expressão
popular em 2014.
108
Nessa reorientação o trabalhador e trabalhadora do campo deixam
de ser um mero objeto de mobilização em uma massa revolucionária e
passam a sujeitos históricos, com conhecimento e valores morais
considerados essenciais para a construção de uma sociedade mais justa,
sustentável e melhor. Por este motivo, as metodologias de ATER passam a
valorizar o saber camponês que é agregado aos processos de formação do
Movimento (TONÁ; GUHUR, 2009; BORSATTO; CARMO, 2014).
A agroecologia quando assumida pelo MST, além de fazer
referência a uma matriz produtiva de menor degradação ambiental e de
reconhecimento dos saberes tradicionais envolve um intenso
questionamento e enfrentamento às políticas e técnicas agrícolas adotadas
pelo agronegócio, fortemente mecanizada, voltada para a exportação e
dependente de complexos agroindustriais oligopolizados, não
contribuindo com o avanço da luta por reforma agrária (BORSATTO;
CARMO, 2014).
[…] a construção da agroecologia no MST, implica em uma outra
concepção distinta de todas as outras correntes (pela primeira vez um
movimento de massas assume a agroecologia e faz dela um componente
de uma plataforma política de mudança de sociedade e de modelo
agrícola) (MST, 2005, p. 2 apud GUHUR, 2010, p. 144).
O MST considera que a agroecologia é um dos caminhos para
combater as novas configurações do capitalismo no campo delineadas pelo
agronegócio. No ato de encerramento da II Jornada Paranaense de
Agroecologia em 2003, o MST promoveu um protesto contra o centro de
pesquisa e produção de sementes de soja e milho transgênicos da
transnacional Monsanto, localizada na área rural do município de Ponta
Grossa.
109
A área foi então ocupada por famílias Sem Terra de acampamentos da
região, e convertida no Centro Chico Mendes de Agroecologia, pelo
período de 18 meses (prazo ao final do qual as famílias foram
despejadas), com diversas atividades de experimentação, produção de
semente e formação em agroecologia. De acordo com Gonçalves
(2008), esse fato abalou as relações entre as entidades promotoras das
Jornadas, causando a retirada de algumas delas, por não apoiarem o
caráter de luta contra o capital que o evento havia assumido, e também
por se sentirem desprestigiadas na organização. Tratava-se de um
momento político importante, uma vez que, embora os cultivos
transgênicos estivessem se expandindo no país, de maneira clandestina,
não havia ainda uma decisão definitiva do Governo Federal a respeito.
A ocupação da multinacional Syngenta Seeds, também no Paraná, e do
viveiro de mudas da Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul, em
2006, seguiram nessa mesma linha (GUHUR, 2010, p. 145).
Na nova conformação da exploração da terra no Brasil, o
agronegócio é o modelo hegemônico, preservando elementos
fundamentais do latifúndio e consolidando uma aliança entre o capital
financeiro, os bancos, os grandes proprietários de terra e as empresas
transnacionais que controlam insumos, os preços, o comércio das
mercadorias, a mídia burguesa e o aparato de Estado.
As mudanças impostas pelo agronecio, a partir da década de
1990, apresentaram uma reestruturação da exploração do campo.
Portanto, na reorientação do MST, há uma mudança significativa no
caráter da luta pela terra e por mudanças estruturais no campo, não se
tratando mais de enfrentar o latifúndio e seus métodos agressivos, mas de
propor um novo projeto para o campo, um projeto que vem sendo
denominado de Reforma Agrária Popular.
110
Essa proposta de reforma agrária reflete parte dos anseios da classe
trabalhadora brasileira para construir uma nova sociedade igualitária,
solidária, humanista e ecologicamente sustentável. Desta forma, as
propostas de medidas necessárias devem fazer parte de um amplo
processo de mudança na sociedade e, fundamentalmente, da alteração
da atual estrutura de organização da produção e da relação do ser
humano com a natureza, de modo que todo o processo de organização
e desenvolvimento da produção no campo aponte para a superação da
exploração, da dominação política, da alienação ideológica e da
destruição da natureza. Isso significa valorizar e garantir trabalho as
pessoas como condição à emancipação humana e a construção da
dignidade e da igualdade entre todos e no estabelecimento de relações
harmônicas do ser humano com a natureza (MST, 2013, p. 149).
Para a proposta da Reforma Agrária Popular a agroecologia é a
matriz tecnológica assumida como alternativa para a organização
socioprodutiva das famílias assentadas e acampadas, porque representa um
meio de aumentar a produtividade do trabalho e das áreas, em equilíbrio
com a natureza, com possibilidades de enfrentar e combater o agronegócio
e a propriedade privada e intelectual decorrente do registro das patentes de
sementes, animais, recursos naturais e biodiversidade (MST, 2013).
Para Gonçalves (2008) o que mobiliza o MST é a negação do
padrão de desenvolvimento agrícola existente no país, colocando em
evidência a necessidade da preservação e reconstrução da agricultura
camponesa pela via da reforma agrária, além de propor formas de gestão e
participação do campesinato em sistemas cooperativados e agroecológicos
de produção.
Toná e Guhur (2012) observam que se encontra em gestação uma
concepção mais recente e ampliada de agroecologia, que tem como pilar
político os movimentos sociais populares do campo. Essa vertente não vê
111
a agroecologia como uma solução meramente tecnológica para as crises
estruturais e conjunturais do modelo econômico e agrícola. A agroecologia,
como observado pela Via Campesina e pelo MST, é entendida como parte
da estratégia de luta e de enfrentamento ao agronegócio, à exploração dos
trabalhadores e à degradação da natureza. Nessa concepção a agroecologia
inclui o cuidado e a defesa da vida, a produção de alimentos, a consciência
política e organizacional (TONÁ; GUHUR, 2012, p. 66).
O MST considera que a mudança na racionalidade social,
ecológica e, sobretudo, política e técnica das famílias ajuda a superar a nova
dinâmica do capitalismo no campo, baseada em relações de dominação
extremamente severas, como a presença das sementes transgênicas e as
articulações entre os capitais transnacionais agrocomerciais (químico,
alimentar e financeiro) (GONÇALVES, 2008).
Apesar da ênfase que o programa Reforma Agrária Popular na
agroecologia, Luzzi (2007, p. 130) descreve que a incorporação desta
matriz produtiva
[...] pelos assentados não é uma questão simples, envolve vários fatores
e as mudanças nem sempre têm a rapidez desejada. A apropriação do
tema pelas lideranças do MST ocorre de forma muito mais acelerada
do que vem ocorrendo nos assentamentos, na prática dos assentados.
Embora o MST esteja investindo fortemente em formação e
capacitação em agroecologia, a mudança ainda é bastante lenta. A
ideologia modernizadora continua exercendo forte poder de influência
entre os assentados e, por que não dizer, em várias lideranças.
Entretanto, mesmo não tendo força suficiente para fazer a transição
radical para a agroecologia, o MST demonstra força para fazer a luta contra
o agronegócio, em especial, realizando campanhas permanentes contra o
112
uso de agrotóxicos e defendendo que as sementes, ao invés de serem
monopólio de poucas corporações
35
, sejam patrimônio dos povos a serviço
da humanidade.
A campanha permanente contra o uso de agrotóxicos, para além de
questionar as mazelas do uso dos defensivos químicos, seja para a saúde
humana (com inúmeros casos registrados de contaminação, tanto de
trabalhadores como de consumidores), seja pela poluição e depravação dos
recursos naturais, exige a adequação do sistema produtivo sobre bases mais
limpas, ligadas aos prinpios da agroecologia
36
.
Nessa empreitada em busca da democratização e não
mercantilização das sementes, como também da luta contra o uso de
agrotóxicos, destacamos as ações exercidas pelas mulheres que compõe a
Via Campesina. Pinassi e Manfort (2012) apresentam um trabalho com
várias ações de mulheres da Via Campesina que buscam denunciar os
efeitos nocivos do consumo de alimentos produzidos sob a base de
sementes geneticamente modificada e do uso de agrotóxicos.
O protagonismo que as mulheres vêm assumindo na reorientação
da organização socioprodutiva para a agroecologia, é tão importante
35
Machado e Machado Filho (2014) descreveram que a biotecnologia e a transgenia, tal qual vem
sendo utilizada na produção agrícola se desenvolve sobre bases técnicas reducionistas que
promovem monoculturas e produzem severa erosão genética e laminar. Destaca que além de
padronizar a produção de alimentos vegetais em 15 espécies que respondem por 90% dos alimentos
produzidos, sobre a base de quatro culturas (trigo, arroz, milho e soja), que respondem por 70% da
produção e do consumo mundial, assim, são procedimentos que eliminam a diversidade biológica,
impedindo o melhoramento genético natural das populações.
36
Os documentários O Veneno Está na Mesa 1 e 2 de Silvio Tendler nos apresentam uma bela crítica
à Revolução Verde. No primeiro filme, as estruturas e contradições do modelo convencional da
Revolução Verde” relata-se a base das sementes transgênicas e da necessidade do uso de defensivos
para esse modelo de produção coloca na mesa de cada brasileiro 5,4 litros de agrotóxicos. E no
segundo, apresenta as experiências de produção agroecológica como alternativa ao modelo
contaminante, apresenta ainda alguns avanços em relação as politicas públicas. Contudo chama a
atenção os desafios impostos pelas corporações que vem monopolizando a cadeia produtiva dos
alimentos.
113
quanto as ações de enfrentamento ao patriarcalismo nas estruturas internas
das organizações da classe trabalhadora. “Essas mulheres impõem, enfim
que pensemos urgentemente numa alternativa radical ao sistema, uma
alternativa que se constitua no reino da liberdade e da igualdade
substantiva”
37
(PINASSI; MAFORT, 2012, p. 155).
Pode-se levantar a hipótese de que a luta pela agroecologia se
relaciona ao que Mészáros (2011) chama de igualdade substantiva. Se o
capital promove a igualdade formal, os movimentos sociais anticapital
estão lutando pela construção da igualdade substantiva de gênero, etnia,
geração e, principalmente, pela superação da exploração de classe. Não é
por mero acaso que as mulheres do MST organizam lutas pela
independência econômica, não subordinação ao marido, envolvendo-se,
ao mesmo tempo, com questões de classe, de gênero e ambientais, numa
interessante imbricação (PINASSI; MAFORT, 2012).
Assim, observa-se que o papel da mulher no MST contribui no
avanço do debate sobre a agroecologia, somando-se à ação dos demais
produtores, técnicos extensionistas e mesmo de consumidores, que juntos
compõem uma parcela significativa de cidadãos que se articulam em defesa
da produção agroecológica, a exemplo da Articulação Nacional para
Agroecologia (ANA) e Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).
No campo de ação de luta, no âmbito do Estado, destaca-se a
Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), o
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE), que mais ou menos dentro dos limites do
37
Sobre o debate a respeito da subjetividade e gênero no MST ver: SILVA, Crístiani Bareta de.
Homens e Mulheres em Movimento: Relação de Gênero e Subjetividades no MST. Florianópolis:
Momento atual, 2004.
114
Estado capitalista vem reconhecendo a necessidade do desenvolvimento de
práticas orgânicas e agroecológicas.
Porém, em meio à complexidade e disputa pela matriz
agroecológica, não se pode ignorar que existem várias organizações que
seguem a cartilha eco desenvolvimentista de organizações internacionais
como o FMI e Banco Mundial, ligando-se à área de forma oportunista
e/ou reformista, com a finalidade de desenvolver mercados verdes, com
discurso de sustentabilidade e valoração do produto. Tal fato é ilustrativo
de que existem, pelo menos, duas vertentes ligadas à agroecologia, uma
relacionada aos mercados verdes, orientados pela lógica capitalista e outra
relacionada às bandeiras do MST, que visivelmente não dissociam as bases
estruturais da produção de uma reflexão sobre as questões sociais, tais
como: juventude campesina, gênero, luta de classes, dentre outros.
Neste contexto, a agroecologia não se restringe ao desenvolvimento de
experiências de agricultores de base ecológica, ressaltando processos de
organização social que se orientam pela luta política e transformação
social, indo além da luta econômica imediata e corporativa e das ações
localizadas, e por vezes assistencialistas, junto aos agricultores. De fato,
a agroecologia possui uma especificidade que referencia a construção
de outro projeto de campo. Entretanto, tal projeto de campo é
incompatível com o sistema capitalista e depende, em última instância,
de sua superação (TONÁ; GUHUR, 2012, p. 63).
O fato de a agroecologia ser construída e debatida em diálogo com
uma diversidade de atores vem gerando perspectivas críticas de
conhecimento e novas estratégias de mediação dos saberes, a exemplo da
tecnologia social (TS), que contribui, segundo Caldart et al. (2002),
Kolling, Nery; Molina (1999) e Almeida; Antonio; Zanella (2008) para
dinamizar a educação do campo.
115
A TS, ao questionar o mito da neutralidade da ciência e o
determinismo tecnológico, busca desconstruir a crença na solução dos
especialistas e coloca a tecnologia como construção coletiva com e pelos
atores, abrindo a possibilidade de gerar soluções sociotécnicas a partir das
relações sociais vivenciadas (FONSECA, 2009).
Em relação à educação do campo Caldart (2009, p. 44) descreve
que
Na reafirmação da importância da democratização do conhecimento,
do acesso da classe trabalhadora ao conhecimento historicamente
acumulado, ou produzido na luta de classes, a Educação do campo traz
junto uma problematização mais radical sobre o próprio modo de
produção do conhecimento, como crítica ao mito da ciência moderna,
ao cognitivismo, à racionalidade burguesa insensata; como exigência
de um vínculo mais orgânico entre conhecimentos e valores,
conhecimento e totalidade do processo formativo. A democratização
exigida, pois, não é somente do acesso, mas também da produção do
conhecimento, implicando outras lógicas de produção e superando a
visão hierarquizada do conhecimento própria da modernidade
capitalista. As questões hoje da construção de um novo projeto/modelo
de agricultura, por exemplo, não implicam somente o acesso dos
trabalhadores do campo a uma ciência e a tecnologias existentes.
Exatamente porque elas não são neutras. Foram produzidas desde uma
determinada lógica, que é a da reprodução do capital e não a do
trabalho. Esta ciência e estas tecnologias não devem ser ignoradas, mas
precisam ser superadas, o que requer outragica de pensamento, de
produção do conhecimento.
Enio Guterres (2006) explica que a agroecologia no Brasil se
desenvolve de forma restrita, ou mesmo não se desenvolve, porque a
maioria das instituições de ensino abordam a questão agroecológica de
116
forma restrita. O autor também salienta que não existe assistência técnica
suficiente para acompanhar todos os sujeitos que iniciam o processo de
transição agroecológica.
Cabe ressaltar que, entre os séculos XX e XXI, os cursos de
agroecologia começaram a surgir formalmente no cenário nacional. Até o
final de 2013, identificou-se 136 cursos em funcionamento, sendo 108 de
nível técnico, 24 de nível superior e 4 des-graduação stricto sensu, sendo
a grande maioria desses cursos, 44 localizados na região nordeste do país
(BALLA, 2014).
Considerando-se a existência de várias concepções sobre
agroecologia e tendo em vista que a opção por uma ou outra dimensão
depende dos arranjos da diversidade do território onde vai ser
desenvolvida, apresenta-se no próximo tópico algumas reflexões sobre as
várias dimensões da agroecologia.
As dimensões da agroecologia
A agroecologia segue uma vertente de crítica à Revolução Verde e
uma proposta alternativa sobre teorias e metodologias que tentam
reconstruir a matriz de organização socioprodutiva na agricultura, que
tanto pode se manifestar na concepção dos mercados verdes, quanto pode
se manifestar na crítica ao agronegócio, como já explicitamos no decorrer
deste texto.
Tendo em vista, que consideramos que o papel da agroecologia na
sociedade brasileira deve ir além da concepção dos mercados verdes,
passamos a discorrer sobre este campo teórico e prático do conhecimento.
Para isso, centramos nossas análises na concepção de que a agroecologia é
117
um campo do conhecimento que se articula com os processos históricos,
políticos, econômicos e culturais que estruturam a organização da
produção agrícola na sociedade brasileira, com nuances de integração entre
saberes científicos e populares na matriz organização da formão dos
trabalhadores e trabalhadoras agrícolas do MST.
Em virtude desta posição, utilizamos as categorias holística e
participativa para caracterizar que a agroecologia é uma matriz científico-
tecnológica, que não se desvincula das demais dimensões da vida humana,
sendo uma ação educacional
38
dos homens pelos homens, em articulação
com a natureza e a sociedade, conforme demonstramos na Figura 1.
Tendo em vista este pressuposto, dedicamo-nos a investigar em
que aspectos a matriz curricular do curso técnico em agroecologia no MST
38
Entre os trabalhos que buscam teorizar a agroecologia na perspectiva educacional destacamos:
Guhur (2010), Caporal e Azevedo [orgs.] (2011), Lima et al. (2012) e Mohr (2014).
118
aborda a metodologia holística, visto que a historicidade do movimento
em torno de um projeto coletivo de organização social constitui-se em
elemento central da luta pela terra, em defesa da natureza, da sociedade e
do homem.
Para argumentar sobre o fato, discorreremos no subtítulo a seguir
as características metodológicas e epistemológicas da educação
agroecológica a partir de uma concepção holística. Nosso objetivo é
apresentar as dimensões e prinpios que envolvem a abordagem holística,
para que no Capítulo III possamos explicitar como essa abordagem é
trabalhada no MST.
I) A abordagem holística
O conceito holístico é cunhado em meio à crítica ao discurso da
racionalidade, objetividade e quantificação enquanto meio unilinear de se
chegar ao conhecimento. Segundo Tristão (2004, p. 131), a abordagem
holística configura-se como uma resistência às abordagens não
integradoras e reducionistas que não conseguem “enxergar as atividades
integrativas entre os sistemas vivos e os sistemas sociais e suas interações
com o meio ambiente”.
Brian Swimme (s/d) citado por Teixeira (1996) explica que a
abordagem holística supera o reducionismo científico porque se
fundamenta nos seguintes princípios:
- Interação: a identidade e a existência dos elementos que
compõem o universo só possuem sentido na relação que estabelecem entre
si, num dinamismo de energia;
- Participação: nossos conhecimentos só atingem uma consciência
qualitativa, quando se põem em interação com outros conhecimentos;
119
- Análise e síntese: a produção e a interpretação do mundo
dependem de que compreendamos a origem e a finalidade do
conhecimento;
- Auto-organização: o universo só é compreensível a partir de uma
análise de totalidade e complexa do conhecimento.
Com base nesses princípios, podemos afirmar que a abordagem
holística propõe uma visão sistêmica, complexa e transdisciplinar do
conhecimento que tenta superar a visão atomicista do paradigma
newtoniano-cartesiano (TEIXEIRA, 1996).
A visão sistêmica, complexa e transdisciplinar compreende que o
todo não é constituído apenas da soma das partes, mas sim da
interdependência entre os fenômenos que constituem o contexto histórico
onde se dá a coevolução da vida humana.
A abordagem transdisciplinar estabelece o diálogo entre as mais
variadas formas de conhecimento científico e dos saberes construídos pelos
trabalhadores e trabalhadoras rurais, no caso da agroecologia. Crema
citado por Teixeira (1996, p. 287) salienta que os profissionais que
trabalham sobre a égide de uma abordagem holística devem ser cientistas,
pesquisadores e filósofos com disponibilidade para viver experncias
“inclusivas”.
Santomé (1998) descreve a transdisciplinaridade como uma forma
de estabelecer diálogos entre abordagens metodológicas e conceitos
epistemológicos de diversas disciplinas em que os limites entre elas
transcendem, desaparecendo para que se surja um sistema explicativo e
totalizante da vida humana, contribuindo para o nascimento de um
macrodisciplina capaz de servir como um meio de interpretar e intervir na
realidade de forma onicompreensiva.
120
A transdisciplinaridade, especialmente, no que concerne ao
conceito de complexidade, mantém relações com as orientações que
Moisey Pistrak apresentou aos professores do sistema educacional da
União Soviética, por meio de uma carta metodológica, na qual o educador
explica que
Por complexo deve-se se entender a complexidade concreta dos
fenômenos, tomada da realidade e unificados ao redor de um
determinado tema ou ideal. A complexidade concreta dos fenômenos
apreendida da realidade remete à vida, e está a questão do trabalho:
Desde este ponto de vista, o trabalho é a base da vida para as pessoas.
Disso segue-se que a atividade de trabalho das pessoas está no centro
de estudo (FREITAS, 2013, p. 35).
Para Luiz Freitas (2013, p. 35), a relação entre natureza, trabalho
e sociedade é indissociável, devendo ser estudada de forma articulada, pois
só assim reflete a complexidade da realidade, “sua dialética e sua atualidade
[...] suas contradições e lutas - seu desenvolvimento enquanto natureza e
enquanto sociedade, a partir do trabalho das pessoas”.
Nesse sentido, o pensamento sistêmico, complexo e
transdisciplinar são meios de caracterizar a abordagem holística, contudo,
essa abordagem não se restringe a estes conceitos. Para Capra (1995, p.
200), “uma abordagem holística [...] é crucial quando se quer compreender
como um determinado sistema está imerso em sistemas maiores”, pois
permite compreender como atividades econômicas, por exemplo, “estão
imersas nos processos cíclicos da natureza e no sistema de valores de uma
determinada cultura”.
Em virtude dessa consideração, podemos afirmar que a dimensão
holística da agroecologia não é uma simples junção das áreas de agricultura
121
e ecologia, mas uma forma de elucidar que esses sistemas se vinculam de
forma complexa com a economia, cultura, história, enfim, com todas as
dimensões que envolvem a produção humana.
Portanto, a agroecologia quando desenvolvida e estudada sob uma
abordagem holística, ao contrário das formas compartimentadas ou
isoladas de análise da realidade, deve estar atenta a uma análise ampla,
integrada e complexa, em que o trabalho agcola está para além do manejo
de técnicas.
Partindo do pressuposto da integração sismica entre as diferentes
dimensões da vida humana, Sevilla Guzmán e Otman (2004) afirmam que
a agroecologia é constituída de três dimensões: a) ecológica e técnica-
agronômica; b) socioeconômica e cultural; c) sociopolítica.
Para explicitar como essas três dimensões contribuem na
construção de teorias e práticas agroecológicas holísticas, apresentamos o
significado de cada uma delas, na próxima parte deste livro.
a) Dimensão ecológica e técnica-agronômica: Trazer a questão
ecológica para o centro do debate significa replanejar o processo de
coevolução dos seres humanos e seu meio. Não se trata de voltar aos modos
rudimentares de trabalho da sociedade primitiva, mas sim de reverter os
danos causados pelo capitalismo. A agroecologia não pode perder de vista
algumas dimensões essenciais quando se apresenta como matriz produtiva
alternativa para a produção de alimentos.
Nesse sentido, tendo como referência Machado e Machado Filho
(2014), compreendemos que a dimensão ecológica e técnica-agronômica
pode ser constituída por quatro subdimensões: a) de escala; b) ambiental;
c) energética; d) técnica.
122
A subdimensão de escala trata do comprometimento de fornecer
alimentos limpos em quantidade e qualidade para alimentar a humanidade
para ser alternativa ao agronegócio, “a escala tem que ser planetária, que é
a escala do agronegócio, que hoje controla o fornecimento de alimentos ao
mundo” (MACHADO; MACHADO FILHO, 2014, p. 191).
A matriz agroecológica como estratégia de resistência à prodão
agrícola capitalista não pode se eximir da sua tarefa de fornecer
alimentação, para além do microcosmo do agroecossistema, ou seja, do
autoconsumo, mas também fornecer alimento para a sociedade como um
todo.
A subdimensão ambiental busca uma forma de reverter o processo
de coevolução entre os sistemas sociais e os sistemas naturais, visando a
proteção do meio ambiente em toda sua amplitude. Não se trata de
processos neoliberais que propõem a valoração do meio ambiente com a
dimensão econômica (monetária) de forma determinista. Trata-se de ter as
ciências humanas e naturais como um processo histórico-científico
comprometido em superar a visão utilitarista do uso dos recursos naturais.
Assim, o desenvolvimento das técnicas de trabalho, de manejo e utilização
dos recursos naturais ganha sentido, quando têm o propósito de reverter
os impactos socioambientais negativos do modelo capitalista
39
.
A subdimensão energética é tratada por Machado e Machado Filho
(2014) como a pedra de toque da agroecologia, porque não se trata de
associar a agroecologia a uma baixa demanda de energia, mas de encontrar
fontes energéticas alternativas, como é o caso da solar. Nesse sentido, a
39
No caso do manejo agrícola, por exemplo, em vez de utilizar fertilizantes sintéticos e agrotóxicos,
através da dimensão ecológica é possível potencializar a manutenção e melhoria do nível de matéria
orgânica (MO) no solo, a MO além de ser o catalisador da vida no solo, é o principal reservatório
de CO2 na superfície terrestre; 1g de MO retém 3,65g de CO2; se o nível de MO dos solos do
mundo aumentasse em 1% o nível de CO2 da atmosfera voltaria a pré-Revolução Industrial
(MACAHADO; MACHADO FILHO, 2014).
123
parcela fóssil que entra no sistema produtivo deve ser menor do que a
energia produzida pela fotossíntese, por vezes, através de rotas não
diretamente fotossintéticas, como por exemplo, a matéria orgânica, que
alimenta uma parte importante da vida do solo, contudo, a fonte primária
dessa energia é sempre a solar (MACHADO; MACHADO FILHO,
2014).
A subdimensão técnica está intimamente ligada à questão do
trabalho e por extensão ao ensino e aprendizagem, ela diz respeito à forma
de desenvolver as técnicas de manejo e utilização dos recursos naturais, sem
perder de vista os princípios da agroecologia e os meios de desenvolvê-la.
Machado e Machado Filho (2014) apresentam as seguintes práticas
de manejo que estão diretamente relacionadas às técnicas de produção de
alimentos agroecológicos: a) não agredir o solo; b) não arar; c) não gradear;
d) não subsolar, ou seja, dispensar qualquer procedimento que movimente
o solo porque, caso contrário, os pilares, a base da agroecologia (trofobiose,
ciclo etileno no solo e transmutação dos elementos à baixa energia) não se
desencadeiam e ela não se realiza; e) respeito a biodiversidade; f) plantio
direto; g) rotação de culturas; h) plantas companheiras; i) alelopatia; j)
associação de culturas; l) associação criação/lavoura; m) controle perifocal
de parasitas; n) cobertura morta; o) sobressemeadura; p) adubação verde.
O processo técnico científico dessa dimensão não pode de forma
alguma abstrair os processos da práxis política de enfrentamento ao modelo
técnico convencional, como também das práticas e saberes de resistência
desenvolvidos por comunidades autóctones. Essas técnicas fazem
refencias à construção de uma base epistemológica com forte
consideração sobre uma variável ecológica que possa reverter a atual crise
socioambiental por meio de ações metabólicas menos degradantes.
124
b) Dimensão socioeconômica e cultural: A agroecologia também
é uma forma de se posicionar criticamente em relação aos currículos
escolares convencionais, estruturados sobre uma lógica de produtividade e
de padronização cultural, em especial, quando se trata da formação
técnico-profissional. Nessa perspectiva, a agroecologia se constitui como
uma forma de resistência aos currículos tradicionais e busca inserir na
estrutura de ensino convencional as práticas culturais construídas pelos
sujeitos históricos silenciados pela escola tradicional.
Assim, a dimensão socioeconômica e cultural busca incluir as
reivindicações e demandas de classe e dos povos tradicionais organizados,
que assim como já ressaltou Norgaard (1994) se consideram parte da
natureza e em processo de coevolução com ela, que resistem e se mostram
como alternativa a modernização da agricultura.
Não se trata exclusivamente de elevar ovel da produtividade,
claro que isso também é importante, até para conseguir atender à demanda
de alimentos no plano mundial. Mas, tamm se trata, em proporções
equitativas, de aperfeiçoar o potencial endógeno, de possibilitar condições
dignas de trabalho, se trata de uma proposta de “conhecimento-intensivo”
em contra posição a sistemas de “capitais-intensivo” (MACHADO;
MACHADO FILHO, 2014, p. 192).
A dimensão socioeconômica e cultural busca enfatizar a concepção
e execução dos processos sociais, dos processos de escolhas de ferramentas
de organização socioprodutiva, respeitando as particularidades
representadas nas manifestações sociocultural em cada agroecossistema.
c) Dimensão sociopolítica: A agroecologia, sendo uma matriz
produtiva alternativa e contrária à Revolução Verde, fundamenta-se numa
práxis menos degradante e potencialmente justa, justificando-se por uma
125
dialética de coevolução em várias perspectivas da relação metabólica
40
, entre
as quais os próprios procedimentos de construção do conhecimento. A
dimensão sociopolítica nos ajuda a explicitar como deveria estar
organizado o processo de formação de profissionais para atuarem no
âmbito da agroecologia.
Consideramos que a dimensão sociopolítica é imprescindível ao
processo de formação profissional, porque representa a possibilidade de
superação da visão unitária e/ou individual, incentivando os sujeitos a se
envolverem com a práxis política cotidiana, indicando que a ação do
homem com a natureza e com os outros homens se dá em torno da
coevolução com as demais vidas
41
. A práxis política dos atores sociais que
lançam mão da agroecologia deve estabelecer processos políticos que
respeitem e busquem atender todas as dimensões envolvidas no processo
produtivo agroecológico.
A dimensão sociopolítica envolve um compromisso ético com o
outro e com meio ambiente. Dessa forma, a ética “é a reflexão sobre as
atitudes e ações apropriadas com respeito aos seres e processos com
relevância, onde a relevância tem a ver com o fato de que estes seres e
processos têm importância em si mesmo” (HEYDE, 2003 apud
CAPORAL; AZEVEDO, 2011, p. 48).
40
Marx na definição do processo de trabalho tornou o conceito de metabolismo central em seu
sistema de análise, descreve que o trabalho é antes de outra coisa um processo entre o ser humano
e a natureza, em que o primeiro através de suas próprias ações, medeia, regula e controla o
metabolismo entre ele e a natureza. O ser humano põe em movimento as forças naturais do seu
próprio corpo, aos braços, perna, cabeça e mãos, a fim de apropriar os materiais da natureza de
forma a adaptá-la às suas próprias necessidades
41
Em um sentido mais restrito, a práxis social é a atividade de grupos ou classes sociais que leva a
transformar a organização e a direção da sociedade, ou a realizar certas mudanças mediante a
atividade do Estado. Essa forma de práxis é justamente a atividade política (VÁZQUEZ, 2011, p.
232). Como exemplo podemos citar a Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), fruto da
disputa de movimentos sociais do campo, pequenos agricultores, técnicos extensionistas por
melhores condições de escoamento da produção do campo.
126
A agroecologia não consubstancia com ações incorretas ou
moralmente problemáticas, tais como: jogar lixo tóxico no mar, poluir
nascentes ou leitos de rios com o uso de defensivos agrícolas, emissão de
gases que causam o aumento do aquecimento global, a contaminação do
solo e da água com resíduos químicos, utilização de trabalho escravo,
desigualdades sociais, etc.
Logo, a ética na agroecologia tem uma estreita ligação com o
princípio da precaução, de modo que seu desenvolvimento busca evitar o
aumento dos riscos, além dos que já existem, em relação ao
desenvolvimento e da aplicação de novos processos e tecnologias
(CAPORAL; AZEVEDO, 2011).
Também faz parte da dimensão sociopolítica na agroecologia, o
debate e ações concretas sobre gênero, que devem ser assumidas como um
meio de enfrentamento e emancipação política, social e econômica dos
sujeitos frente aos avanços das forças capitalistas. A questão de gênero, além
de ser a porta de entrada das mulheres no cenário sociopolítico, representa
uma possibilidade de romper com o trabalho produtivo e reprodutivo que
sustentam o capitalismo patriarcal, repensando não apenas o lugar das
mulheres, mas também as estruturas materiais da produção agrícola
convencional e sua substituição por agroecossistemas, alternativos.
A causa histórica da emancipação das mulheres não pode ser
atingida sem se afirmar a demanda pela igualdade substantiva que desafia
diretamente a autoridade do capital, prevalecente no macrocosmo
abrangente da sociedade e igualmente no microcosmo da família nuclear
(MÉSZÁROS, 2011).
Por isso, à questão de gênero se incluem as mais variadas categorias
oprimidas que lutam e resistem à sociedade centrada na exploração e na
opressão. Assim, estamos supondo a necessidade de superar a conceituação
127
de gênero para além da simples diferenciação entre homem e mulher, e sim
abranger o debate fazendo referência à superação de todos os tipos de
opressões, que vão desde a própria relação entre homem e mulher no
cleo familiar, mas também de outras categorias que são e foram
oprimidas na história de desenvolvimento da sociedade capitalista.
Em suma, as três dimensões (ecológica e técnica ambiental,
socioeconômica e cultural e sociopolítica) que constituem a base para uma
abordagem holística buscam representar uma base epistemológica para a
agroecologia que transcende a soma da ecologia com a agricultura.
II) A abordagem participativa
A agroecologia enquanto matriz cienfica e tecnológica deve estar
atenta para evitar que suas soluções para a crise não se encaminhem sob os
mesmos postulados epistêmicos dos paradigmas científicos que causaram
seu problema
42
(GOMES, 2011).
42
João Carlos Gomes (2011), ao tratar das bases epistemológicas da agroecologia, apresenta uma
contundente preocupação da agroecologia ao ser afirmada como novo paradigma. Destaca que
sendo uma alternativa para superar a crise imposta pelo paradigma da Revolução Verde. Ela tem de
evitar usar as mesmas ferramentas utilizadas por ela e num sentido mais amplo da ciência em geral.
Percorrendo o caminho histórico da filosofia da ciência faz uma análise passando pelo empirismo
britânico com Francis Bacon (1561-1626), pelo racionalismo em Descartes (1596-1650), o
positivismo de Comte (1798-1857), o neopositivismo do Círculo de Viena, o racionalismo crítico
de Karl Popper (1902-1994), chegando à nova filosofia da ciência e aos debates contemporâneos
sobre a ciência, defende o contexto da pesquisa e pluralidade na ciência, uma nova aliança entre os
seres humanos e natureza. Defende também características de um novo paradigma para a teoria do
conhecimento, englobando as bases da ecologia, da epistemologia natural, evolucionista, política,
da participação, chegando ao pluralismo epistemológico na Agroecologia. Assim, faz um breve
mapa “através da reconstrução crítica das concepções teóricas do conhecimento científico e técnico,
permitindo uma reflexão sobre o progresso da moderna ciência, chamando a atenção para que a
busca das bases epistemológicas da agroecologia não venha seguir por um caminho equivocado”
que demonstre o ciclo vicioso gerado na crise contemporânea. Preocupado com os desvios
ideológicos impostos pela lógica do capital, Mészáros (2011, p. 243), numa passagem sobre
pluralismo e legitimação, chama a atenção para a própria natureza do capital constituída para uma
irremovível pluralidade de capitais “que ideologicamente alardeado exclui radicalmente a
128
Considerando isso, propõe-se que as bases epistemológicas para a
agroecologia, desenvolvam-se num sentido de teoria crítica do
conhecimento, onde, tanto conhecimento científico quanto saberes
cotidianos, a exemplo da sabedoria dos trabalhadores do campo, também
denominado de conhecimento tradicional, local ou autóctone, sejam
considerados em coevolução (GOMES, 2011).
Os princípios da agroecologia reconhecem que existe nas
comunidades autóctones um potencialcnico-científico já conhecido e
que é capaz de impulsionar uma mudança substancial nos
agroecossistemas. Portanto, as ações de ensino, de pesquisa, aplicação
científica e tecnológica, devem ser desenvolvidos com base em uma
perspectiva que assegure uma reorientação do trabalho teórico e prático.
A agroecologia como matriz alternativa deve ser formulada numa
perspectiva crítica e de resistência ao receituário de transferência científica
e tecnológica, na qual os especialistas são tomados como donos do
conhecimento e os trabalhadores como desprovidos do conhecimento.
A abordagem participativa na agroecologia se aplica nas ações
conjuntas de pesquisadores/extensionistas ao lado dos trabalhadores e
povos tradicionais em resistência, reivindicando para o centro do debate o
diálogo entre as partes envolvidas no cotidiano dos agroecossistemas.
Tendo como centralidade a relação metabólica entre os seres humanos e a
natureza, a ação participativa deve superar a perspectiva de objetificação
dos atores (trabalhadores campesinos, comunidades nativas,
pesquisadores, extensionistas, técnicos, meio ambiente) incluindo-os como
sujeitos de seu processo histórico.
legitimidade de uma contestação feita do ponto de vista da classe hegemônica alternativa e
estruturalmente subordinada, nesse sentido, temos que tomar cuidado ao trazer a questão do
pluralismo para o debate, de não se cair num “falso pluralismo” cuja real substância de classes se
revela nas crises importantes”.
129
Segundo Minayo (2008, p. 163), o desenvolvimento de
procedimentos metodológicos participativos surgiu na década de 1960,
sob influência do pensamento crítico a respeito da realidade social na
América Latina, com o objetivo de combinar investigação, participação e
política. A abordagem participativa está fundamentada nas seguintes
concepções: a) a ideia de um sujeito popular; b) a ideia de um projeto
político encampado por uma frente popular; c) o privilégio do espaço local
como lócus político; d) o papel do investigador como ator político
transformador
43
.Os procedimentos metodológicos da participação tem
como objetivo orientar os camponeses e os grupos sociais mais relegados
da sociedade a se inserirem nos processos sociais e a se integrarem no debate
político, a fim de encontrarem solões para os problemas concretos da
vida em sociedade.
No âmbito das ciências agrárias as premissas do desenvolvimento
de ações participativas têm seu fundamento a partir da leitura sobre a teoria
de sistemas agrários
44
.
Moreira (2003) salienta que a teoria dos sistemas agrários foi
constituída como um meio de resolver os problemas vivenciados nos
agroecossistemas. Contudo, o autor afirma que esta teoria possui algumas
limitações, tais como: a) avanços restritos na independência dos produtores
43
Minayo (2008) salienta que tais princípios devem ser acompanhados dos seguintes pressupostos:
a) a inclusão social só se alcança se os setores econômicos e socialmente excluídos passarem a
incorporar a consciência de seus interesses, práticas de organização e real significado social e política;
b) a investigação social pode ser um potente veiculador dessas mudanças.
44
Nos anos 1970, certo contingente de pesquisadores começou o questionamento de que muitas
“verdades científicas laboratoriais” não eram realmente “verdadeiras” a campo, pois a condição
controlada das estações experimentais não era capaz de reproduzir os contextos físicos, naturais,
socioeconômicos e culturais onde as tecnologias eram aplicadas, não obtendo, portanto, os mesmos
resultados. Esses cientistas passaram a ouvir mais os agricultores e a realizar pesquisas nas
propriedades rurais, surgindo então a corrente dos Sistemas Agrários, principalmente entre ingleses
e franceses (On Farm Research, Farming Systems Research, On Farm Client Oriented Research e Farmer
Participatory Research) (MOREIRA, 2003, p. 22).
130
em relação às transnacionais e aos combustíveis fósseis; b) falhas em
concretizar processos agroecológicos baseados na coevolução; c) poucos
avanços na efetivação de práticas transdisciplinares; d) prevalência nas
relações de verticalização do saber entre pesquisadores e agricultores,
carecendo, portanto, de uma relação do tipo sujeito-sujeito (horizontal),
característica do movimento pela Investigação Ação Participativa; e) sua
abordagem tem uma grande aderência às premissas filosóficas da ciência
convencional (SEVILLA GUZMÁN; WOODGATE, 2013).
Além dos limites técnicos e metodológicos da teoria de sistemas
agrários que envolvem a participação não podemos deixar de chamar a
atenção para os limites impostos pelas políticas de ATER, pré-estabelecidas
pelo Estado, que legitimam a relação entre ensino, pesquisa e extensão sob
a perspectiva da modernização da agricultura, a partir da lógica de
transferência do conhecimento.
A ação participativa quando aplicada no âmbito da agroecologia,
por questões de prinpios e práticas, alinha-se à luta de resistências contra
o modelo socioprodutivo utilitarista do capital e busca uma real integração
entre o chamado conhecimento científico e conhecimento local,
autóctone, gerando soluções desde seu potencial endógeno para o desenho
de agroecossistemas (GOMES, 2011).
Gomes (2011, p. 34-35) com base em Campos (1990) afirma que
as metodologias de participação: a) superam a oposição entre o
conhecimento científico e tradicional, permitindo a integração de saberes
de forma não subordinada; b) integram os conhecimentos científicos com
o saber popular, visando a superação dos problemas metodológicos,
teóricos e técnicos, provocados pela mediação excessiva da racionalidade
científica; c) envolvem uma intrínseca relação entre o plano epistemológico
e o plano prático.
131
Portanto, os mecanismos de participação, sob a perspectiva da
agroecologia, segundo Casado; Sevilla Guzmán; Molina (2000) citando
Robert Chambers, devem: a) revalorizar o conhecimento popular do
agricultor, local ou indígena; b) desenvolver princípios da Investigação
Ação Participativa na pesquisa agrícola; c) criticar o desenvolvimento rural
empreendido pelos organismos internacionais de desenvolvimento; d)
desenvolver tecnologias agrárias participativas, aproximando-se
epistemológica e metodologicamente da Agroecologia (ROBERT
CHAMBERS apud CASADO; SEVILLA GUZMÁN; MOLINA, 2000).
Essas condições advogam para uma integração de saberes de forma
não subordinada. Contudo, não se trata de ignorar o acúmulo científico e
tecnológico desenvolvido ao longo da história, e tão pouco, subordinar o
conhecimento autóctone ou as ações de transferência de conhecimento
vinda dos especialistas. Trata-se de confrontá-los na tentativa de superar
problemas metodológicos, teóricos e técnicos, provocados pela mediação
racional científica que normalmente tende a filtrar e adaptar os demais
conhecimentos a seus esquemas, empobrecendo-os.
Na agroecologia a atividade científica não é uma atividade
independente e acima de qualquer suspeita, pois toda “construção
epistemológica é o resultado de uma situação sociocultural de natureza
histórica” e a produção científica não pode garantir “a separação entre
razão e paixão”. Assim, a ciência agroecológica é resultado do contexto e
práxis intelectual e política daqueles que a produzem desde onde produzem
(CASADO; SEVILLA GUZMÁN; MOLINA, 2000, p. 155).
Nessa perspectiva, a agroecologia por meio da interação
participativa, fundamenta-se na concepção de que não basta tomar o
conhecimento científico como axiomas fechados e isolados, pois tanto os
pesquisadores quanto os extensionistas e os produtores rurais possuem
132
conhecimentos sobre a produção agrícola que devem ser partilhados, em
direção à efetivação de uma abordagem holística da agroecologia.
III) Dimensão Educativa
Para além do manejo ecológico dos recursos naturais, a
agroecologia precisa ser pensada num viés holístico e complexo, a fim de
que possa contribuir e redirecionar o curso da coevolução entre natureza e
sociedade em suas múltiplas inter-relações na construção da realidade e do
conhecimento.
O processo de formação e educação sobre os princípios da
agroecologia são organizados de forma a proporcionar uma alternativa de
concepção de como os seres humanos modificam e transformam o mundo.
Nesse sentido, ela a) deve repensar e propor novas técnicas para o ser
humano se relacionar metabolicamente com a natureza, transformando-a
no sentido a atender as suas necessidades através do trabalho; b) deve
incentivar a práxis política como forma de inserção social nos processos de
planejamento, decisão e execução nos agroecossistemas; c) não deve cair
no reducionismo e utilitarismo do modelo educacional difundida pela
teoria do capital humano e das competências na sociedade.
O modelo de educação ofertado pelo estado capitalista brasileiro,
além de fornecer um ensino fragmentado e reducionista, funciona numa
dinâmica de preparação para o mercado de trabalho, isso sem entrar na sua
perversa dualidade, que pode ser sinteticamente apontado entre: a) ensino
privado voltado a burguesia e classe média, sendo os egressos desse ensino
a maioria nos cursos de ensino superior; b) ensino público, fornecido
precariamente pelo estado, com o objetivo de preparar mão de obra para o
133
mercado e/ou para compor o exército de reserva
45
. Contrapondo essa
proposta, consideramos que a dimensão educativa sobre os prinpios da
agroecologia é concebida sob uma perspectiva ontológica ou ontocriativa
mediada pela história da ação consciente do ser humano pelo trabalho, o
que não se restringe à atividade laborativa ou emprego, mas à totalidade da
vida humana em coevolução com a natureza (FRIGOTTO, 2010).
Segundo Caporal e Azevedo (2011), a agroecologia é uma ciência
para o futuro sustentável, que além de considerar os conhecimentos e
relações de trabalhos autóctones busca a integração e articulação de saberes
e técnicas referentes a diferentes disciplinas científicas
46
. Trata-se, como
descreveu Casado; Sevilla Guzmán e Molina (2000), de abordar os
conhecimentos de forma plural, em que os limites e juízos de autoridade
sejam democraticamente estabelecidos e integrados.
Ao contrário das formas compartimentadas de ver e estudar a realidade,
ou modos isolacionistas das ciências convencionais, baseados no
paradigma cartesiano, a Agroecologia integra e articula conhecimentos
de diferentes ciências, assim como o saber popular, permitindo tanto a
compreensão, análise e crítica do atual modelo do desenvolvimento da
agricultura industrial, como o desenho de novas estratégias para o
desenvolvimento rural e de estilos de agriculturas sustentáveis, desde
45
O processo de desenvolvimento do capitalismo dependente brasileiro, e consequentemente na
institucionalização do ensino mais ou menos teve como base um processo de educação que visava
atender as demandas de mercado, a ampla necessidade de adequação da mão de obra em êxodo para
a nova realidade instaurada e a ausência na produção de conhecimento endógenos (XAVIER,
2008).
46
Jurjo Santomé mesmo caindo numa visão pós-moderna, traz algumas contribuições para o nosso
debate. Ao analisar a estrutura dos currículos em disciplinas, descreve que o conhecimento
disciplinar refere-se a um conjunto de estruturas abstratas e a leis intrínsecas que permitem
classificações particulares de conceitos, problemas, dados e procedimentos de verificação de acordo
com modelos de coerência assumidos. Mediante esta via, seriam constituídas, na maioria dos casos,
as diversas disciplinas, com nomes concretos que pretendem representar as diferentes parcelas da
experiência e do conhecimento humano (SANTOMÉ, 1998, p. 103).
134
uma abordagem transdisciplinar e holística (CAPORAL; AZEVEDO,
2011, p. 51).
Nesse sentido, a transdisciplinaridade pode ser entendida tal qual
Santomé (1998) descreveu, como um conceito transcendente no qual
desaparecem os limites entre as diversas disciplinas e se constitui num
sistema total que ultrapassa o plano das relações reducionistas, a integração
deve ocorrer dentro de um sistema onicompreensivo.
Na perseguição de objetivos comuns e de um ideal de unificação
epistemológica e cultural, a cooperação é tal que pode se considerar o
nascimento de uma formação mais complexa. Para tanto, o trabalho tem
papel fundamental na dimensão educativa, não meramente como
metodologia ou técnica didática do processo de aprendizagem, mas um
princípio ético-político, assim, ele é simultaneamente um dever e um
direito.
Um dever por ser justo que todos colaborem na produção dos bens
materiais, culturais e simbólicos, fundamentais à produção da vida
humana. Um direito pelo fato de o ser humano se constituir em um
ser da natureza que necessita estabelecer, por sua ação consciente, um
metabolismo com o meio natural, transformando em bens, para sua
produção e reprodução (FRIGOTTO, 2010, p. 61).
Enfim, a construção do conhecimento desde o agroecossistema e
de uma coevolução interdependente entre o ser social e o meio ambiente, a
agroecologia deve propor diretrizes de uma formação que busca estabelecer
o processo de manejo e transformação da natureza, a fim de superar a lógica
utilitarista e reducionista do modelo de produção agrícola capitalista.
135
Capítulo III
Os Centros/Escolas de Agroecologia do MST no Paraná:
a Proposta do Curso de Técnico e Ensino Médio Integrado
do Centro/Escola “José Gomes da Silva
Para desenvolver um projeto educativo agroecológico de
enfrentamento ao agronegócio, a formação humana, técnica e científica foi
considerada um elemento fundamental. Nesse sentido, o MST no estado
do Paraná criou Centros/Escolas de Agroecologia e cursos Técnicos em
Agroecologia para educar os assentados para o desenvolvimento de práticas
agrícolas sustentáveis.
Nesse sentido, este capítulo tem como objetivo analisar como se dá
a formação de técnico em agroecologia nos Centros/Escolas de
Agroecologia do MST no Paraná. Escolheu-se os Centros/Escolas de
Agroecologia do MST no Paraná como universo de pesquisa porque
consideramos que eles, aparentemente, demonstram assumir uma posição
política mais atuante dentro da organicidade do Movimento.
Para proceder nosso estudo utiliza-se a análise documental, com
destaque para os seguintes documentos: Projeto Metodológico (Promet),
Projeto Político Pedagógico (PPP), ementas de ensino e regimento interno
da Escola “José Gomes da Silva” (EJGS), nos quais buscamos aprender
como a Escola busca desenvolver a formação técnica em agroecologia. Para
tanto analisa-se as informações contidas nos documentos em torno das
seguintes categorias: a) da participação: que envolve tanto a relação com a
auto-organização da Escola bem como a relação com o perfil de técnico
136
que se pretende formar; b) da holística: que envolve a integração entre
aspectos ecológicos, culturais, econômicos e sociotécnicos.
Pelo fato de termos participado da Coordenação Política
Pedagógica (CPP) da EJGS durante quase todo o II curso técnico de
agroecologia e ensino médio integrado Turma Revolucionários da Terra,
também consta em nossa análise uma posição privilegiada que dá a
possibilidade de refletir e analisar para além dos documentos e resgatar
sistematizações de avaliações, reuniões e conversas que contribuem com o
estudo em questão.
O capítulo foi estruturado em 3picos. No primeiropico
buscamos resgatar o debate desenvolvido no último tópico do primeiro
capítulo e no tópico 4.1 do segundo capítulo e apresentamos como o
debate da educação foi compondo as ações do MST para desenvolver a
agroecologia. No segundo descrevemos os caminhos trilhados pelo Estado
do Paraná (PR) para desenvolver a agroecologia e uma análise sobre a
EJGS. No terceiro e último tópico apresentamos o histórico dos cursos
técnicos de agroecologia do MST/PR e a análise sobre a Turma
Revolucionários da Terra da EJGS.
O câmbio: muda-se a tática, mas a luta contínua
Não se pretende com esse tópico apresentar uma análise dual do
debate dentro do MST acerca da sua organização socioprodutiva, a
porque as mudanças ocorreram, mais em um processo evolutivo fruto de
discussões e conflitos internos do que oposições ideológicas. Tem-se por
finalidade expor algumas passagens que possam ajudar a compreender o
porquê dessa mudança.
137
O MST foi constituído em 1984
47
numa conjuntura de modelo
industrial dependente. Segundo Toná (2011), a luta, naquele momento,
era por Reforma Agrária Clássica (RAC), pois havia a compreensão por
parte das lideranças do Movimento do interesse da burguesia nacional em
inserir os camponeses no processo de produção agrícola capitalista, ou seja,
tornar as propriedades rentáveis do ponto de vista da competitividade e
lucratividade.
Ricardo Borsatto e Maristela do Carmo (2014) descrevem que o
MST via na cooperação o melhor caminho para viabilizar a economia
produtiva dos Sem Terra, baseando-se no conceito de superioridade da
produção coletiva de Kautsky, almejavam como resultado o
desenvolvimento econômico dos assentados.
Tendo como possibilidade a organização de forma cooperativada,
em 1986 teve início os primeiros estudos envolvendo o pensamento
clássico do associativismo e da legislação cooperativistas na busca de uma
proposta de cooperação para as áreas conquistadas, bem como a visita em
experiências de diversos países como: Honduras, México, Cuba, Nicarágua
e Peru (GUHUR, 2010).
Para Borsatto e Carmo (2014, p. 654)
[…] a proposta de cooperação agrícola do MST indicava um modelo
uniforme para os assentamentos, centrado numa ótica
predominantemente econômica. Isto permitiu a elaboração de um
projeto único em relação ao modo de organização social para
assentamentos rurais de todo o País. Este modelo se materializava pelo
47
Fundado na cidade de Cascavel na região oeste do Paraná, o MST nasceu no sul devido a um
conjunto de fatores, que tem suas raízes nas condições objetivas do desenvolvimento da agricultura,
porém, os representantes do MST se consideram herdeiros e seguidores das Ligas Camponesas,
tendo aprendido com sua experiência histórica e ressurgido com outras formas (STÉDILE;
FERNANDES, 1999).
138
incentivo à implantação de Cooperativas de Produção Agropecuária
(CPAs) nos assentamentos, considerada pelo Movimento como a mais
viável das alternativas.
Como já pontuado em outros lugares deste trabalho, almejava-se
avançar da produção de subsistência para a produção de mercadorias,
consubstanciado com a ideia de que essa forma de organização e trabalho
cooperativo seria um dos subsídios necessários para transformar a
“consciência camponesa” em “consciência operária” (GUHUR, 2010;
BERNARDO, 2012).
A experiência das CPAs propunha assentamentos completamente
coletivos, contudo, Christoffoli (2015, p. 178) aponta que a experiência
não obteve os êxitos almejados, entre outras coisas “pela inadequação da
estrutura organizacional em relação ao comportamento ideológico dos
associados”, como também pela debilidade e falta de financiamento e
apoio técnico por parte do Estado.
O ideário da modernização e a difusão da matriz da Revolução Verde
foi tão forte na organização produtiva do campo brasileiro que os Sem
Terra não estiveram imunes à influência desse processo de dependência e
capitalizão. Além do serviço de ATER que consubstanciava com a
difusão da matriz da Revolução Verde, Guhur (2010) também aponta como
causa, o fato da grande maioria das famílias sem-terra terem sido expulsa
do campo pelo processo de modernização, dessa forma, tanto lideranças
quanto as famílias assentadas buscavam no pacote da Revolução Verde um
caminho para não serem excluídas novamente.
Durante o Seminário de Avaliação dos Cursos de Agroecologia do
Paraná realizado na EJGS no ano de 2013, Nilciney Toná, membro da
CPP da Escola Milton Santos (EMS), ressaltou que, apesar de alguns
139
avanços, a ideia do MST em potencializar o desenvolvimento das forças
produtivas, criando Cooperativas de Produção Agropecuária (CPAs), não
conseguiu superar as contradições da lógica de mercado capitalista.
Em meio a esse contexto, nos debates para a construção do III
Congresso Nacional, que ocorreu entre os dias 24 e 27 de julho de 1995,
em Brasília, apareceu as primeiras críticas internas ao processo produtivo
desenvolvido pelo MST. Estas críticas abriram espaço para novas
discussões e proposições sobre a matriz de desenvolvimento agrícola do
MST.
Bernardo (2012); Borsatto e Carmo (2014) destacam que a
agroecologia apareceu, em 1993, no bojo do III Congresso Nacional do
MST, ainda de forma isolada. Contudo com o decorrer das ações e debates,
ela começou a ir tomando um corpo mais sólido e acabou por compor as
orientações gerais do Movimento no seu IV Congresso Nacional. Esse
processo envolveu uma crescente postura crítica e a noção de superioridade
técnica do grande empreendimento agropecuário que fundamentava a
proposta de cooperativa do MST.
A partir da segunda metade da década de 1990, o Movimento
também passou a identificar como maior inimigo da Reforma Agrária as
políticas neoliberais, levando-o a ampliar sua participação em lutas
conjuntas com outros movimentos sociais nacionais e internacionais.
Nesse contexto que o MST vai passar a integrar a Via Campesina, “uma
articulação internacional de movimentos camponeses que tem como uma
das suas preocupações afirmar a identidade e o papel do campesinato”
(GUHUR, 2010, p. 73).
Dessa forma, a concepção de camponês segundo a Via Campesina
(2009) citada por Dominique Guhur (2010, p. 73) engloba um conjunto
de sujeitos bastante amplo.
140
Una persona campesina es un hombre o una mujer de la tierra que
tiene una relación directa y especial con la tierra y la naturaleza a través
de la producción de alimentos y/o otros productos agrícolas. Las
campesinas y campesinos trabajan la tierra por sí mismos; dependen
sobre todo del trabajo en familia y otras formas a pequeña escala de
organización del trabajo. Las campesinas y campesinos están
tradicionalmente integrados en sus comunidades locales y cuidan el
entorno natural local y los sistemas agro-ecológicos. El término de
campesino o campesina puede aplicarse a cualquier persona que se
ocupa de la agricultura, ganadería, la transhumancia, las artesanías
relacionadas con la agricultura u otras ocupaciones similares. Esto
incluye a las personas indígenas que trabajan la tierra. El término
campesino tambien se aplica a las personas sin tierra
O MST ao compor a Via Campesina passa a fortalecer a sua
identidade camponesa, assim as discussões e articulações em torno de um
Projeto Popular para o Brasil também passam a demandar mudanças na
proposta de organização da produção, o discurso do MST vai cambiando
do discurso adotado no início dos anos de 1990, o conhecimento
camponês antes rejeitado passou assumir lugar central nas propostas, assim
como também a luta por reforma agrária começou a abarcar outras
temáticas como a questão ambiental, a cultura, a questão de gênero
48
(BORSATTO; CARMO, 2014).
Para compor essa perspectiva mais ampla da luta, fortalecer o saber
camponês, nos parece estratégico, até pelos seus desdobramentos, a luta
“Por Uma Educação do Campo”. Dessa forma, destacamos o I Encontro
48
Dominique Guhur (2010) destaca que nesse contexto que a SCA vai ser extinta e em seu lugar
vai ser criada a SPCMA, de forma que a agroecologia e o meio ambiente passam a ser questões
estratégicas e o debate da cooperação vai perdendo espaço sendo retomado apenas em 2006, mais
ainda sem uma proposta articulada.
141
Nacional de Educadores da Reforma Agrária - I ENERA
49
, realizado em
julho de 1997, e a Conferência Nacional de Educadores da Reforma
Agrária
50
(um ano depois), que acabou por estabelecer a defesa “Por Uma
Educação do Campo” (CALDART; CERIOLI; KOLLING, 2002).
Aparecida Lima et al. (2012) salientam que o ano de 1998
representou um marco histórico na luta pela educação do campo, em que os
sujeitos e as populões que produziam a vida no campo demarcaram que
os conceitos de educação rural ou para o meio rural
51
, fossem
reconceituados, direcionando-se pelo conceito de educação do campo. Isso
indicava que não se tratava mais de transferência de conhecimento, de
subordinação do campo à cidade, e sim uma postura de afirmação do
campo como espaço digno e legítimo de participações e reivindicações por
um projeto educativo no e do campo.
Caldart (2005, p. 27) esclarece a utilização dos termos No e Do das
seguintes formas, No: o povo tem o direito de se educar onde vive e Do: o
49
O I ENERA, em julho de 1997, foi resultado de uma parceria entre MST representado pelo seu
setor de formação, Grupo de Trabalho de apoio a Reforma Agrária da Universidade de Brasília
GT-RA/UnB, Unicef, UNESCO e CNBB. Esse encontro marca um estreitamento importante
entre o MST e as universidades. Estiveram presentes nesse evento mais de 20 universidades
brasileiras, que vinham desenvolvendo atividades de educação em áreas de projeto de assentamento
(BRASIL, 2004).
50
Pontua-se que a preocupação com a educação e formação políticas dos militantes antecede o I
ENERA, tendo sido iniciado nos diversos estados a criação de cursos como: o curso de
Administração e Contabilidade promovido pela Comissão Estadual dos Assentados e realizado em
Curitiba; o Laboratório Nacional Experimental em Palmeira das Mises no Rio Grande do Sul; o
Coletivo Nacional de Educação responsável por uma reflexão mais profunda em torno do trabalho
educacional; o curso de Magistério voltado às escolas de assentamento em 1990; o (TAC) Técnico
em Administração de Cooperativas; o projeto EJA (Educação de Jovens e Adultos) em 1991; o
Curso Nacional de Pedagogia para Professores de Assentamentos em 1994; o Instituto Técnico de
Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA) em 1995 em Veranópolis, entre outros
espaços, cursos e encontros (MORISSAWA, 2001); (STEDILE; FERNANDES, 1999). Contudo,
compreende-se que o I ENERA marca outro nível para o debate sobre a educação do campo.
51
Sobre a questão da educação rural Alex Verdério (2011), em sua dissertação de mestrado, faz uma
explanação interessante sobre o histórico do debate político institucional e sobre a educação rural
no Brasil.
142
povo tem o direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua
participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e
sociais. O conceito de Educação do Campo constitui-se, precisamente, na
tomada de posição “contra a lógica do campo como lugar de negócio e na
afirmação da lógica da produção para a sustentação da vida em suas
diferentes dimensões, necessidades e formas” (CALDART, 2008, p. 72).
O debate sobre a educação do campo não é uma simples revisão
conceitual, mas uma forma de “batalhar por algo que é indispensável para
a sua concretização, uma nova política para o campo no sentido de um
projeto popular de desenvolvimento nacional, […]” (CALDART;
CERIOLI; KOLLING, 2002, p. 11).
Dessa forma, o MST vai construindo um projeto diferente para o
campo brasileiro, e, gradativamente, assumindo a agroecologia como parte
fundamental do desafio de construção de outro projeto para o campo,
como parte de um projeto de uma nova sociedade, tendo como horizonte
uma Reforma Agrária Popular (TONÁ, 2011).
Sobre esse processo de luta e concepção de um projeto alternativo
para o campo, Caldart (2013, p. 9) salienta que:
[...] os camponeses cada vez mais encurralados pelo capital, estão sendo
dizimados, mas também emergem como sujeitos formuladores de uma
outra lógica, e o fazem tanto mais quanto se formam como classe
trabalhadora na luta contra o modelo de agricultura do capital que os
destrói. A nova matriz de agricultura não começa a ser criada agora e
essa talvez seja sua novidade principal. Ao mesmo tempo em que
recupera elementos de formas não capitalistas antigas de agricultura,
especialmente no que se refere ao conhecimento da natureza e o
respeito ao seu metabolismo, vai gestando um novo salto qualitativo
no desenvolvimento das forças produtivas. Salto feito a partir de outros
parâmetros que não a reprodução do capital e de novas conexões, por
143
exemplo, entre a luta pela desconcentração da propriedade da terra, o
trabalho associado e a matriz tecnológica da agroecologia. E aqui
também a ciência está sendo convocada para se religar à produção.
Note-se que é esse o fio que nos articula, no plano da formação, ao
raciocínio originário, em Marx, da concepção de educação politécnica.
As reflexões no MST entenderam que reforma agrária clássica no
Brasil foi inviabilizada pela própria forma particular do desenvolvimento
de um capitalismo dependente. Considerando isso, a luta pela reforma
agrária necessitava dar um salto de qualidade, superar o capital e construir
outra forma de organização das forças produtivas. Em meio a esse debate
o agronegócio é assumido como um inimigo a ser combatido e a matriz
produtiva da Revolução Verde ser extinta das áreas de assentamento e
acampamento da reforma agrária
Diversas são as ações deferidas e fomentadas pelo Movimento com
vistas a alavancar a Agroecologia dentro dos territórios conquistados e na
sociedade como um todo, porém, como pontuou Borsatto e Carmo (2014,
p. 656) “essas ações não foram realizadas com a mesma intensidade por
todo o território nacional; diferenças em nível estadual são facilmente
verificáveis”.
Os Centros/Escolas de Agroecologia
O Paraná se destaca por ser o Estado que mais possui Centros
Escolas de formação do MST, com 5 no total, sendo eles: Escola Iraci
Salete Strozak, localizada no município de Cantagalo; Escola Ireno Alves
dos Santos, em Rio Bonito do Iguaçu, ambas interligadas ao Centro de
Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia (Ceagro);
Escola Milton Santos (EMS) em Maringá; Escola Latino Americana de
144
Agroecologia (ELAA) no assentamento Contestado, localizado no
município da Lapa e a Escola José Gomes da Silva (EJGS) no
Assentamento Antonio Companheiro Tavares em São Miguel do Iguaçu.
Com base no documento do MST-PR (2004) citado por Lima
(2011, p. 87) os principais objetivos dos Centros/Escolas de Formação do
Movimento no Estado do Paraná são:
- Ser um espaço de formação para as organizações da classe
trabalhadora;
- Ser um espaço para os encontros do Movimento Sem Terra e outras
organizações, que buscam os mesmos objetivos de transformação
social;
- Ser uma referência no desenvolvimento de experiências na área de
produção agroecológica, apresentando resultados concretos para os
agricultores/as;
- Ser um espaço de desenvolvimento de valores humanistas socialistas,
desenvolvidos através da vida coletiva;
- Aperfeiçoar o método de formação técnica e política e escolarização
desde o ensino fundamental, como também no ensino médio e
superior;
- Ser espaços de desenvolvimento de experiências científicas e
tecnológicas, voltados à realidade camponesa;
- Ser um espaço de incentivo e vivência da cultura popular, resgatando
especialmente cultura camponesa;
- Ser um espaço onde as pessoas possam conviver, educando se,
trabalhando, divertindo-se e construindo perspectivas de futuro.
Lima et al. (2012, p. 194) argumenta que os Centros/Escolas do
Movimento “representam: a) um espaço importante, em construção, na
145
formação de quadro militante; b) a socialização do conhecimento histórico
e científico produzido pela humanidade; c) a aproximação dos
trabalhadores do campo e da cidade, apoiando a construção de ações
coletivas de comum interesse”.
Os Centros/Escolas de Formação não possuem reconhecimento
como instituição de ensino pelos órgãos do Estado brasileiro, esse
reconhecimento e concepção se dão no âmbito dos próprios sujeitos Sem
Terra devido à identidade e às atribuições que os mesmos dão e constroem
nesses espaços.
Nos Centros são realizados cursos não formais oferecidos aos
membros e simpatizantes do MST que englobam temas amplos
relacionados à formação da sociedade, reforma agrária, política,
cooperativismo, agroecologia, educação, trabalho, luta de classes,
encontros e seminários do MST e cursos formais que são aqueles
reconhecidos e certificados pelo Estado.
Na sequência apresentamos um breve histórico geral dos
Centros/Escolas.
Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia
(CEAGRO)
O Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em
Agroecologia (CEAGRO) foi o primeiro Centro de Formação constituído
pelos assentados de Reforma Agrária no estado do Paraná,
aproximadamente, entre os anos de 1988 e 1999, sendo composto por
duas unidades. Uma que está localizada no assentamento Jarau no
município de Cantagalo e outra (denominada de unidade Vila Velha)
146
localizada no assentamento Ireno Alves no município de Rio Bonito do
Iguaçu (GUHUR, 2010).
A partir de 1993 quando o território foi formalmente destinado à
reforma agrária, dedicou-se um espaço para a construção de um
Centro/Escola de Formação. No início, foram construídas infraestruturas
de barracos com lona preta, com o objetivo de desenvolver atividades de
formação e cursos que contemplassem as definições do MST na região
(LIMA, 2011).
Constatamos que no CEAGRO foram realizados diversos cursos
de formação para os militantes do MST, mas também para militantes de
outros movimentos sociais e organizações populares, entre as quais
destacamos: Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Movimentos
dos Atingidos por Barragem (MAB), Movimentos dos Pequenos
Agricultores (MPA).
Com os encaminhamentos advindos do IV Congresso Nacional do
MST, em 2003, uma das principais atividades formativas do CEAGRO
foram os cursos de Técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia,
que inicialmente foram desenvolvidos em parceria com a Escola Técnica
da Universidade Federal do Paraná (ET/UFPR) e com o Instituto Federal
do Paraná (IFPR).
No CEAGRO até o momento foram realizadas seis turmas do
curso Técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia, com um
total de 211 formandos. Estavam em andamento no momento em que
obtivemos acesso às informações: início da 7ª turma do curso de Técnico
em Agropecuária com ênfase em Agroecologia com 60 educandos; uma
turma de 34 educandos do curso de Técnico em Meio Ambiente e uma
turma de 54 educandos do curso de Especialização de Produção em Leite
Agroecológico.
147
Escola Milton Santos (EMS)
A Escola Milton Santos (EMS) é o único Centro/Escola de
Agroecologia do MST no Paraná que não está localizada em uma área de
assentamento ou de reforma agrária. Ela funciona desde julho 2002 em
uma antiga área abandonada do município de Marin, cedida ao MST
pela prefeitura. Cabe destacar que essa conquista se deu após quase 10 anos
de luta dos trabalhadores e trabalhadoras pelo espaço para a construção da
escola.
A concessão do uso do bem público a título gratuito concedendo
o direito de uso do terreno para a construção da escola foi dado ao Instituto
Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA), o qual se
manteve como representante legal da EMS até o ano de 2007. Desde
então, através de uma reorganização dos trabalhadores e trabalhadoras da
EMS e do MST, formalizou-se uma associação própria, a Associação de
Trabalhadores na Educação e Produção em Agroecologia Milton Santos
(ATEMIS), fundada em 10 de janeiro de 2007.
Constata-se que a concessão de uso da terra dado ao ITEPA recebe
constantes incursões por parte da administração pedindo a revogação da
concessão. A última informação que levantamos, foi quediante da
infundada insistência da Prefeitura Municipal em pedir a reintegração de
posse, o juiz federal extinguiu o processo, dando ganho de causa à EMS e
condenando o ente municipal a ressarcir o ITEPA em R$ 5.000,00, devido
as despesas judiciais”
52
.
Contudo a luta para manter a EMS ainda está longe de terminar,
claramente contrária aos interesses do agronegócio da região, as investidas
52
Disponível em: https://atemisems.wixsite.com/escolamiltonsantosvc/ems-nossa-historia. Acesso
em 15 nov. 2015.
148
contra o direito de uso para a EMS está longe de cessar, também “estão em
jogo interesses comerciais e imobiliários, pois no entorno da Escola há um
conjunto de projetos para a construção de parques industriais e a previsão,
inclusive, de um contorno rodoviário, que valoriza ainda mais o terreno”
53
.
Composta por trabalhadores e trabalhadoras do campo e da
educação no Estado do Paraná, o objetivo da EMS é estimular o
desenvolvimento agrícola, a agroecologia, o desenvolvimento sustentável e
o desenvolvimento comunitário e cultural. Ela atua com atividades de
educação, capacitação e pesquisa sobre a questão agrária e a agroecologia.
Constitui-se como um Centro de Educação do Campo em vista de elevar
o nível de formação política e cultural, educação e capacitação de jovens e
adultos do campo (GUHUR, 2010).
Desde a sua fundação a EMS vem realizando cursos de formação
na área técnica, com destaque para a realização de quatro turmas do curso
técnico em agroecologia, com a formação de 80 técnicos até o ano de 2011.
Atualmente a escola está realizando a 5ª turma do curso técnico de
agroecologia com previsão de finalizar em 2018. Em parceria com a UEM
está realizando o curso de Pedagogia em Educação do Campo, com
previsão de conclusão em 2017, e também o curso de Educação de Jovens
e Adultos (EJA) finalizando no ano de 2016.
Escola Latina Americana de Agroecologia (ELAA)
A Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA) não es
restrita ao âmbito do MST, articulando-se com outros movimentos sociais
53
Disponível em: https://atemisems.wixsite.com/escolamiltonsantosvc/ems-nossa-historia. Acesso
em 15 nov. 2015.
149
ligados à Via Campesina e constitui-se como um importante centro de
práticas e discussões a respeito da agroecologia e da questão agrária na
América Latina.
A ELAA surgiu como uma articulação dos movimentos sociais do
campo, em especial os da Via Campesina, com a necessidade de formar
técnicos de nível superior com vistas ao projeto estratégico de soberania
alimentar dos povos da América Latina. Nessa perspectiva, durante o V
Fórum Social Mundial realizado em 2005, na cidade de Porto Alegre, foi
estabelecido um protocolo de intenções entre Via Campesina
Internacional, Via Campesina Brasil, Governo da República Bolivariana da
Venezuela, Governo Paraná e a Universidade Federal do Paraná, que
previa a criação de cursos técnicos e profissionais voltados à realidade das
populações camponesas integrantes dos movimentos sociais (VALADÃO,
2011).
Em março de 2005, dentro do território do Assentamento
Contestado no município da Lapa, iniciam-se as atividades da ELAA, com
reflexões para construção das bases operacionais de um Centro/Escola de
Agroecologia internacional. Destaca-se que além da ELAA, foram criados
na mesma perspectiva, vinculado à Via Campesina, os Institutos de
Agroecologia Latino Americano (IALA) na Venezuela e no Paraguai. Nos
últimos anos, o Equador também está iniciando a proposta de criação de
um instituto com mesmo objetivo (BRABO; SABIA2014).
Segundo entrevista realizada com um membro da CPP da ELAA
em 2014, até aquele momento já tinham sido formadas duas turmas de
Tecnólogo em Agroecologia e estava em andamento a 3ª turma do curso,
além da 1ª turma do curso de licenciatura em Educação do Campo, com
foco em ciência da natureza.
150
Os cursos da ELAA, assim como nos demais Centros/Escolas do
Movimento no Estado, começam a ser desenvolvidos via PRONERA e em
parceria com a Escola Técnica da UFPR. Porém, com a criação dos
Institutos Federais, a parceria acadêmica dos cursos de tecnólogo passou a
ser realizado pelo IFPR
54
. Até o momento foram formados mais de 110
Tecnólogos em Agroecologia na ELAA.
Escola José Gomes da Silva (EJGS)
A EJGS é o Centro/Escola de Agroecologia onde se formou a
turma de técnico em agroecologia integrado ao ensino médio Turma
Revolucionários da Terra, objeto específico de nossa análise. Nesse sentido,
diferente da forma sintética como descrevemos os demais Centros, a EJGS
será apresentada de forma mais detalhada.
A EJGS está localizada dentro do Assentamento Antônio
Companheiro Tavares (AACT)
55
às margens da BR 277 (Rodovia Federal
que corta o estado do Paraná de leste a oeste), mais especificamente, na
altura do KM 703 no município de São Miguel do Iguaçu, a 25 Km de
Foz do Iguaçu extremo oeste do estado e fronteira com a Argentina e
Paraguai.
54
Através do PRONERA são desenvolvidos cursos formais que vão desde a educação infantil,
passando pela alfabetização de jovens e adultos chegando ao ensino superior. Guhur (2010, p. 104)
salienta que a expansão de atendimento do programa tem sido insuficiente pela escassez e
descontinuidade de recursos financeiros disponibilizados pelo governo federal e por ainda não ter
conquistado um status de política prioritária.
55
O nome do assentamento faz homenagem a Antônio Tavares, trabalhador Sem Terra morto no
dia 02 de maio de 2000 por uma ação truculenta da polícia na BR 277 próximo de Curitiba. Os
sem-terra se dirigiam à capital do estado para uma manifestação popular em referência ao dia do
trabalhador e também pelo fornecimento de crédito subsidiado para as famílias assentadas, sobre as
ordens do então governador Jaime Lerner a polícia reprimiu os trabalhadores e trabalhadoras, nessa
repressão Tavares foi assassinado.
151
Antes de ser o AACT uma conquista para a reforma agrária, a área
denominada de Fazenda Mitacoré pertencia ao extinto Grupo
Bamerindus, presidido por José Eduardo Andrade Vieira (ministro da
agricultura durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso)
e senador pelo Estado do Paraná entre 1991 e 1999.
Segundo relatos de famílias assentadas, em 1997 surgiram
denúncias de corruão contra o ex-senador e informações do
endividamento do Banco Bamerindus, essas denúncias abriram
possibilidade para o MST mobilizar as famílias que compõem a sua base e
estabeleceram acampamento nas proximidades do km 705 às margens da
BR 277, e ali ficaram acampadas como forma de pressionar o governo a
desapropriar a área e destiná-la à Reforma Agrária.
Isso foi em 6 de agosto de 1997, de madrugada. Eu não participei no
dia, eu vim à tarde. Sabia, mas aí tava chovendo muito e fiquei um
pouco pra trás, eu cheguei logo depois do meio-dia, mas o pessoal de
madrugada já tinha organizado, mas era na beira da BR, ninguém
falava em Mitacoré, 'Deus o livre invadir Mitacoré'. Então o pessoal
foi se reunindo, mas tudo já mobilizado e tinha bastante apoio das
entidades que ajudava a trazer o povo. E o povo se reunindo de
caminhão e tudo o que é jeito, aí foram se acampando na beira da BR
lá embaixo, onde tem aquela pontezinha no Rio Bonito, onde tinha
uma área assim que era um colonião. Se dizia que era beira da estrada,
mas já tava dentro da área aqui, mas nunca se...:' Não, Mitacoré não
vai sair de jeito nenhum!' Mas depois foi se criando várias dificuldades
no acampamento: imagina em dia de chuva e foi chegando gente. No
início foi em torno de 100 famílias no 1º dia e aí foi chegando gente
de Medianeira, São Miguel, Santa Helena, Capanema, Missal, Santa
Terezinha, a umas 350 famílias ali (MST, 2011).
152
Não desconsiderando todos os acontecimentos que ocorrerem
num acampamento sobre uma área em disputa, no decorrer das ações, os
Sem Terra adentraram a área e acamparam na parte interna da Fazenda,
ficando ali até os de setembro de 1998, quando o INCRA começa a
realizar o processo de imissão da área para a reforma agrária. Contudo,
conforme depoimento de alguns assentados, o INCRA só veio a fazer os
contratos em 2002 (MST, 2011).
Simone Pedron (2012), fazendo referência à entrevista realizada
com um assentado do AACT, descreve que no período de acampamento
ocorreu um enfrentamento importante entre o MST e a oligarquia local
sobre a Sede da Fazenda. Representantes da oligarquia local propunham
que a Sede fosse destinada para a construção de um centro de pesquisa para
a difusão de técnicas agrícolas.
Além da oligarquia agrária local, um grupo de professores
universitários e de políticos encabeçaram esse projeto, contudo, Pedron
(2012) aponta não ter conseguido encontrar nomes de pessoas envolvidas
a não ser a do professor Jair Kotz, então diretor do Centro de Ciências
Sociais aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)
campus de Foz do Iguaçu.
O nome do professor Jair Kotz apareceu como organizador do
grupo que levantou a proposta do Centro, chamado de Universidade do
Agricultor, entretanto, “não foram encontrados registros de reunião sobre
este assunto nos conselhos superiores (Conselho Universitário-COU,
Conselho de Administração-CAD, e Conselho de Ensino, Pesquisa e
Extensão CEPE) e documentos da referida instituição sobre o assunto
(PEDRON, 2012, p. 28).
Durante o tempo em que contribuímos na Coordenação Político
Pedagógica (CPP) da EJGS, contaram-nos que realmente existiu a
153
proposta de transformar a antiga sede da fazenda em um centro de pesquisa
e difusor de técnicas agrícolas (reforçaram que talvez essa ideia ainda seja
vigente)
56
.
Pelo que se constata das lideranças do MST, não questionaram a
proposta de imediato, porém, com os desdobramentos e o
amadurecimento do acampamento e com o Movimento em nível nacional
assumindo a agroecologia, passaram a questionar que o projeto, tal qual
estava sendo proposto, seria mais um centro de formação para atender a
burguesia agraria local e difundir técnicas ligada a Revolução Verde e ao
agronegócio, esse questionamento gerou um enfrentamento do MST com
essa proposta e levou a ocupação da antiga Sede pelo Movimento e a
decisão de construir naquela área um centro voltado aos interesses da classe
trabalhadora.
A gênese para a construção do Centro/Escola José Gomes da Silva
se deu durante o encontro estadual do MST realizado entre os dias 20 e 22
de dezembro de 1999 na antiga sede da Fazenda Mitacoré, ainda quando
acampamento. Nesse encontro, tomou-se a definição política de construir
ali um centro de formação educacional, potica e técnica, já com início no
próximo ano. Para tanto, foi criado o Instituto Técnico de Educação e
Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA), com o objetivo de promover a
formação dos trabalhadores e trabalhadoras jovens e adultos para o
trabalho e a vida no campo. Posterior à constituição do ITEPA o
Centro/Escola foi nomeado “José Gomes da Silva” pela coordenação do
56
Com a chegada da Universidade da Integração Latino Americana (UNILA) na região, lideranças
do MST tentaram avançar com a possibilidade de estabelecer parcerias com a UNILA, no sentido
de transformar o território onde foi a Sede da Fazenda Mitacoré e hoje abriga a EJGS em um Centro
de Pesquisa e Difusão de práticas agrícolas ligado à agroecologia e à agricultura orgânica, contudo,
parece que ambas as partes ainda não conseguiram estabelecer um acordo.
154
Movimento, uma homenagem ao fundador da Associação Brasileira de
Reforma Agrária (ABRA)
57
.
Dessa forma, consultando o regimento interno da Escola, observa-
se que ela é “uma conquista do MST e deve aplicar os princípios do
Movimento, fazendo parte de sua estrutura orgânica e colocando a sua
disposição todas suas instalações e espaço (MST, 2007, p. 04). Am do
MST, a Escola também estabelece vínculo com outros movimentos sociais,
entre os seus objetivos apresenta “ser um espaço de encontros, articulação
e intercâmbio com os movimentos populares, Via Campesina e
Coordenadora Latino-americana de Organizações do Campo (CLOC)”
(MST, 2007, p. 04).
Analisando os princípios pedagógicos da Escola, compreende-se
sua intencionalidade em desenvolver um trabalho específico de educação e
formação de seus sujeitos, conforme apresenta-se no Quadro 1:
57
O ITEPA é a instituição jurídica que representa a EJGS nos convênios com entidades parceiras,
inclusive o Estado, ele também foi o representante jurídico da EMS até o ano de 2007. Já o nome
da José Gomes da Silva faz homenagem ao agrônomo José Gomes da Silva, fundador da Associação
Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), Secretário de Agricultura e Abastecimento do estado de São
Paulo durante o governo de Franco Montoro (1983-1987), foi um dos principais membros da
equipe que elaborou o 1º Plano Nacional de Reforma Agria. Falecido em 1996, tem importantes
contribuições sobre a temática da reforma agrária, das quais destacamos: A Reforma Agrária no
Brasil: Frustração camponesa ou Instrumento de Desenvolvimento? (Zahar editores, 1971); Caindo por
Terra: Crises da reforma Agrária na Nova República. (Editora Busca Vida, 1987); Buraco Negro: A
Reforma Agrária na Constituinte 1987/1988 (Editora Paz e Terra, 1989).
155
Quadro 1 - Princípios Pedagógicos da EJGS
Princípios Descrição
Direção coletiva Todas as instâncias serão formadas por comissões de
trabalhadores/as com igual direito e poder. As decisões serão
tomadas, prioritariamente, por consenso político.
Divisão de tarefas
Estimular e aplicar a divisão de tarefas e funções entre os sujeitos
dos coletivos valorizando a participação de todos e evitando a
centralização e o personalismo.
Profissionalismo Todos os membros dos setores e coletivos devem encarar com
profissionalismo suas funções. Considerando profissionalismo sob
dois aspectos: a) transformar a luta pela terra e a organização do
Movimento como sua profissão militante. Ter amor e dedicar-se de
corpo e alma por ela; b) Ser um especialista, procurando
aperfeiçoar-se cada vez mais, naquelas funções e tarefas que lhe
forem designadas, tendo em vista o conjunto da organicidade do
Movimento.
Disciplina Aplicar o princípio de que a disciplina é o respeito às decisões do
coletivo, desde o cumprimento de horários, mas, sobretudo de
tarefas e missões.
Planejamento Aplicar o princípio de que nada acontece por acaso, mas tudo deve
ser avaliado, definido e planejado a partir da realidade e das
condições objetivas da organização.
Estudo Estimular e dedicar-se aos estudos de todos os aspectos que dizem
respeito às atividades do Movimento. A organização que não
formar seus próprios quadros políticos não terá autonomia para
conduzir as lutas.
Vinculação com
as Massas
A vinculação permanente com as massas de trabalhadores/as é a
garantia do avanço das lutas e da aplicação de uma linha política
correta. Das massas devemos aprender as aspirações, anseios e a
156
partir de sua experiência, corrigir nossas propostas e
encaminhamentos.
Crítica e
autocrítica
Aplicar sempre o princípio da avaliação crítica de nossos atos e,
sobretudo ter a humildade e grandeza de fazer a autocrítica,
procurando corrigir os erros e encaminhar soluções.
Fonte: Do autor, adaptado de MST (2007a).
Por meio desses princípios, a EJGS busca desenvolver um trabalho
pedagógico que exercita a tomada de decisões, o trabalho e o aprendizado
em uma dimensão coletiva e participativa, que tenha vínculos com a classe
trabalhadora, que seja crítica buscando avançar com a organicidade
58
e
demandas do MST.
Para aplicar esses princípios, todas(os) trabalhadoras(es) que
contribuem com a Escola se organizam em: a) Núcleo de Base (NB)
59
; b)
Setores: Pedagógico, Administrativo, Moradia, Infraestrutura e Produção.
Abaixo apresentamos um quadro com os setores, observa-se que cada setor
ainda abriga as unidades produtivas:
58
O termo organicidade é bastante usado nos debates internos do MST, seu significado e conteúdo
abrange: ampliar a participação, elevar o nível de consciência das famílias, formar militantes
quadros, ter o controle político do espaço geográfico, implantar os círculos orgânicos, manter-se
permanentemente vigilante, afastar os inimigos, acumular forças. Tudo isso ajudará na elaboração
da estratégia na luta política pela Reforma Agrária, dando condições de fazer a disputa política na
sociedade brasileira. Para maiores informações sobre a organicidade do MST ler: Método de
Trabalho e Organização Popular (Setor Nacional de Formação MST, 2005).
59
Os NBs são compostos por 10 famílias, representam a base da organização do MST. Cada NB
escolhe dois coordenadores, um do sexo masculino e outro do sexo feminino, esses coordenadores
exercem essa função durante um tempo preestabelecido, após esse tempo, o NB tem que escolher
outros dois coordenadores.
157
Quadro 2 - Demonstrativo dos setores que compõem a EJGS
Setores Unidades
Pedagógico Ensino; Ciranda Infantil; Telecentro; Sala de Vídeo; Biblioteca,
Instrumentos Musicais
Administrativo
Secretária-geral; Telefone; Recepção; Fotocopiadora.
Produção Suinocultura; Avicultura; Bovinocultura; Horticultura; Lavoura;
Agrofloresta
Moradia Alojamento; Plenárias; Jardinagem; Lavanderia; Saúde; Cozinha;
Padaria
Infraestrutura Infraestrutura Geral
Fonte: Do autor, adaptado de MST (2007).
A organização e funcionalidade dos NBs e setores envolve o
conjunto de trabalhadores (militantes) que contribuíram na EJGS, durante
o período da Turma Revolucionários da Terra o número de trabalhadores
militantes oscilou entre 30 e 15 trabalhadores, indicando que os NBs e
setores funcionavam conforme as necessidades e as condições humanas e
materiais. Assim, conforme a situação, o número de NBs diminuíam, bem
como setores ficavam inativos respeitando a demanda prioritária da EJGS.
Por se tratar de uma escola do MST, não há vínculos e
reconhecimento formal do Estado. A EJGS o possui um orçamento fixo
para executar suas atividades, seu sustento se dá por meio da produção que
os trabalhadores, incluindo educadores e educadoras, desenvolvem na
Escola. A mesma também não possui uma equipe contratada fixamente
para desenvolver as atividades pedagógicas, de autosserviço e de produção.
158
Os trabalhadores são voluntários e militantes do Movimento, que
contribuem para construir e manter os espaços da EJGS.
Essa lógica impõe limites para a qualificação funcional da Escola,
seja em nível de formação, seja em nível de autossustento. Por não possuir
uma equipe exclusiva, ocorre o constante deslocamento de trabalhadores e
trabalhadoras para outros espaços do MST ou até fora dele, conforme
ocorram mudanças na conjuntura do Movimento. Os motivos desses
deslocamentos são diversos, tais como: serem assentados, não se
adequarem aos prinpios organizativos da Escola, problemas familiares,
saúde, entre outros.
Isso acarreta uma diminuição no coletivo e faz com que seja
necessário recom-lo, o que quase sempre não se dá de forma rápida, pois
é necessário fazer um levantamento dos militantes que estão à disposição e
que se enquadram na tarefa a ser assumida, am do tempo para se adequar
e conhecer em que nível e processo a Escola está caminhando
60
.
Além das dificuldades já apontadas, essa oscilação gera defasagem
nos processos formativos, pois tendo uma diminuição no coletivo de
acompanhamento pedagógico, os trabalhadores que permanecem na
Escola precisam assumir mais tarefas, acarretando a sobrecarga de
atividades e a diminuição na qualidade do trabalho desenvolvido.
Ressalta-se que durante o tempo em que estivemos na EJGS,
conversamos com diferentes famílias e trabalhadores(as) que
contribuíram e ou contribuem na Escola, desde o início das suas atividades.
Nessas conversas foi possível observar que a organicidade da Escola se dá
conforme as possibilidades das condições políticas e materiais.
60
Essa defasagem pode ser observada na atual realidade da Escola, que desde a finalização do curso
de técnico em agroecologia e ensino médio integrado, turma Revolucionários da Terra no ano de
2013, até o presente momento ele não conseguiu se reorganizar para constituir um novo curso.
159
Contudo, mesmo enfrentando seus limites e dificuldades,
constata-se que desde a sua fundação, vários cursos de formação foram
desenvolvidos na Escola. Entre os anos de 2000 a 2003 ocorreram quatro
Cursos Prolongados em Agroecologia em parceria com a ONG
Desenvolvimento e Paz do Canadá. Cada curso durou em média 75 dias, e
mesmo não sendo formais contaram com a participação de
aproximadamente 100 pessoas por curso.
Em convênio com o Minisrio de Desenvolvimento Agrário
(MDA), Ministério de Meio Ambiente (MMA) e Fundo Nacional de
Meio Ambiente (FNMA), foi desenvolvido pela Escola nos assentamentos
da Brigada José Martí
61
o projeto intitulado de Centro de Irradiação e
Manejo da Agrobiodiversidade (CIMA), com perspectiva de resgate,
valorização e disseminação de práticas agroecológicas nos assentamentos
da reforma agrária
62
.
Também foram realizados pequenos cursos e oficinas, tais como:
reconhecimento e cultivo de plantas medicinais, preparo de produtos de
limpeza, compostos orgânicos para horticultura ecológica, transformação
do leite em derivados (queijos variados, manteiga, doce), derivado de cana-
de-açúcar (melado, açúcar mascavo, etc), oficinas e cursos de
geoprocessamento de GPS e Teodolito Estação Total.
Via Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária
(Pronera), a Escola realizou dois cursos técnicos: cnico em Agroecologia,
em que se formaram 46 educandos(as) em parceria com ET/UFPR, e curso
de Saúde Comunitária, onde foram formados 21 educandos(as) filhos e
61
Antônio Companheiro Tavares, 16 de Maio, Santa Izabel, Ander Rodolfo Henrique e Nova
União.
62
Convênio ITEPA/MMA/FNMA nº 069/2004, através do CIMA foi desenvolvido tecnologias
como Patoreiro Racional Voisin-PRV, produção de snos ao ar livre (SISCAL), barracão de
classificação e armazenamento de sementes e implantação de árvores frutíferas.
160
filhas de trabalhadores e trabalhadoras acampados e assentados da reforma
agrária, em parceria com o IFPR.
Os cursos formais foram trabalhados seguindo a Pedagogia do
Movimento e no regime de alternância, sendo dividido em tempo escola
(70%) e tempo comunidade (30%), nesse método, o curso é ministrado
em etapas, com carga horária presencial durante o tempo escola e
atividades direcionadas/orientadas durante o tempo comunidade pelos
educadores e pela CPP.
Em relação ao Regime de Alternância Lima et al. (2012, p. 195)
descreve que
A opção pelo regime de alternância, que combina dois momentos
que são, ao mesmo tempo, distintos e articulados entre si
denominados tempo escola (TE) e de tempo comunidade (TC), se
funda na concepção de que as práticas educativas em agroecologia na
formação profissional devem priorizar a construção do vínculo com as
comunidades de origem dos educandos e educandas com os processos
produtivos e formativos ali desenvolvidos.
Tendo em consideração que nosso objeto de pesquisa é analisar
como se dá a proposta de formação técnica em agroecologia nos
Centros/Escolas do MST no Paraná, especificamente, a última turma
formada pela EJGS, acha-se interessante, antes de entrar no nosso objeto
específico de análise, apresentar uma concepção geral da formação técnica
em agroecologia no tópico seguinte.
161
Os cursos Técnicos em Agroecologia
A gênese dos cursos técnicos em agroecologia se deu através de
debates e reflexões entre os coletivos e setores do MST, tais reflexões
consideraram importante, além do reconhecimento do percurso formativo
dos futuros técnicos, a possibilidade desses técnicos formados pelo
Movimento poderem ingressar nos convênios de assistência técnica para
assessorar os assentamentos (GUHUR, 2010).
Dominique Guhur (2010, p. 147), membro da CPP da EMS
fazendo referência ao Nilciney Toná (2007), militante do MST e também
membro da CPP da EMS, descreve:
Essas reflexões, que culminaram na criação dos cursos técnicos em
agroecologia, a partir das demandas concretas na base do Movimento
Social, foram amadurecendo a partir dos anos finais da década de 1990
e início dos anos 2000. Nesse período ocorreram, no estado do Paraná,
algumas iniciativas que constituem-se nos antecedentes dos atuais
cursos técnicos em agroecologia, e que sinalizam a existência de uma
“vontade coletiva”. A experiência mais significativa foi, sem dúvida, o
cursoo-formal “Prolongado em Agroecologia”, realizado na Escola
José Gomes da Silva, em 2001, com duração de 60 dias, e que contou
com a participação de educandos/as de todo o estado.
Os cursos surgem com o objetivo de formar “técnicos militantes”,
com conhecimento teórico-prático para efetivar uma matriz produtiva
fundamentada na agroecologia, com conhecimento sobre o MST, sobre o
modelo orgânico dos assentamentos, mas principalmente, sobre a postura
e visão política filosófica da agroecologia, em termos internos esses técnicos
foram chamados de “técnicos de pés no chão” (TONÁ, 2011).
162
Para Hernandez e Araújo (2010, p. 315).
No contexto da discussão de um projeto sustentável para o campo,
nasceram os primeiros cursos técnicos profissionalizantes vinculados à
área agronômica e ao gerenciamento de cooperativas. Era preciso
avançar na formação e educação dos assentados para impulsionar novas
experiências nas áreas conquistadas pela reforma agrária, deixando para
trás o uso de defensivos e adubos químicos, a devastação de florestas e
a compra de alimentos na cidade.
Entre as modalidades de técnico em agroecologia, ensino médio
integrado, técnico em agroecologia/jovens e adultos, técnico em
agropecuária com ênfase em agroecologia, tecnólogo em agroecologia,
técnico em agroecologia com ênfase em sistemas agroflorestais e com
habilitação na prodão de leite, mais de 400 técnicos já se formaram pelos
Centros/Escolas do MST no estado do Paraná.
O projeto curricular do curso técnico em agroecologia e ensino
médio integrado (nosso objeto de análise), foi construído com base num
intenso debate que envolveu diversos parceiros e atores (MST, professores,
técnicos, instituições de ensino, Estado)
63
que culminou com uma
proposta de curso que por ser integrado ao ensino médio possui uma carga
horária total de 3.400 horas
64
.
63
Para saber mais sobre a construção da política curricular dos cursos de agroecologia do MST no
Paraná ver Lima (2011).
64
Segundo o parecer do Conselho Nacional de Educação (CEB): “Os cursos técnicos podem ser
realizados concomitantemente com o ensino médio ou após a conclusão deste, sendo oferecidos
pela mesma instituição ou não. Há que se ressaltar, finalmente, que só farão jus ao diploma de
técnico, os alunos que comprovarem a conclusão do ensino médio” (BRASIL, 1998, p. 5).
163
O curso foi concebido em 5 áreas do conhecimento, compostas por
bases tecnológicas e conteúdos de competência específicas, conforme
apresentamos no quadro seguinte:
Quadro 3 - Organização curricular da EJGS
ÁREA DO
CONHECIMENTO
CARGA
HORÁRIA
BASES
TECNOLÓGICAS
COMPETÊNCIAS
LINGUAGEM,
DIGOS E SUAS
TECNOLOGIAS
750 horas Literatura,
comunicação e
expressão.
Comunicação rural
Língua estrangeira
Artes e cultura
Educação Física
Cultura Brasileira
Desenvolver a capacidade
de comunicação e
expressão oral, corporal e
escrita; troca e construção
de conhecimentos úteis
dentre os agricultores e
agricultoras e destes com
os profissionais; resgatar e
valorizar as diferentes
manifestações culturais e
artísticas do campo, do
Brasil e América Latina;
promover atividades
físicas que contribuam
para o desenvolvimento
humano.
CIÊNCIAS DA
NATUREZA,
MATEMÁTICA E
SUAS
TECNOLOGIAS.
750 horas Física
Química
Matemática
Biologia
Ecologia e
ecossistemas
Meteorologia e
climatologia
Ter conhecimentos
básicos de física; possuir
conhecimentos básicos da
química; compreender os
princípios fundamentais
da matemática; conhecer
os fundamentos da
biologia; ter noções de
meteorologia e
climatologia, meio
ambiente e ecossistemas.
164
CIÊNCIAS
HUMANAS E SUAS
TECNOLOGIAS
500 horas Filosofia
Ética
História
Geografia
Sociologia
Psicologia social
Economia Política
Direito e legislação
Ter conhecimentos gerais
sobre as ciências humanas
e sociais; conhecer a
história e o espaço
geográfico relativo à
agricultura e à sociedade;
conhecer direito e
legislação relacionados à
agricultura e ao meio
ambiente.
CIÊNCIAS
AGRÁRIAS
770 horas Introdução a
agroecologia
Agricultura geral
Dimensão Biológica
da Agricultura
Planejamento e
gestão de sistemas
agrários
Uso e manejo de
solo
Manejo dos recursos
naturais e
conservação da
biodiversidade
Grandes culturas
regionais
Olericultura e
plantas medicinais
Fruticultura
Garantir a
sustentabilidade dos
recursos naturais
renováveis e não
renováveis para as gerações
futuras; garantir um
relacionamento humano
solidário; compreender e
trabalhar em harmonia
com a dinâmica do meio
ambiente; compreender as
tecnologias básicas
existentes e necessárias
para o desenvolvimento
da classe trabalhadora;
conhecer métodos e
técnicas de planejamento,
administração e
comercialização da
produção agropecuária.
165
Produção e manejo
florestal
Engenharia agrícola
Cooperação agrícola
e processamento da
produção
Administração rural
Métodos e técnicas
de pesquisa
ENSINO: PRÁTICA
PROFISSIONAL
TEMPO
COMUNIDADE
630 horas Prática de campo
Ler e elaborar
resenha de quatro
livros
Elaborar relatórios
Elaborar projetos
Desenvolver a
comunicação rural
Vivenciar a realidade das
famílias dos trabalhadores
rurais; oportunizar o
exercício da práxis (teoria
e prática); manter o
vínculo com a
comunidade e com o
trabalho prático; resgatar
os conhecimentos e
técnicas populares
construídas e acumuladas
ao longo da história;
realizar diagnóstico,
elaborar projetos,
programas e pesquisas
junto à comunidade.
TOTAL
3400 horas
Fonte: Instituto Federal do Paraná (2009) apud LIMA (2011).
Essa organização curricular permite que os cursos ofertados pelo
MST sejam reconhecidos pelo MEC, indicando a necessidade de
mobilização para que os Centros/Escolas de Agroecologia do Movimento
166
tenham participação ativa na construção política pedagógica dos cursos, a
fim de que estes respeitem as concepções do Movimento. Lima (2011, p.
19) descreve que “os processos formativos em Agroecologia resultam da
luta social e organização coletiva que objetiva a reorganização das relações
sociais e econômicas nos espaços-territórios conquistados na luta pela
Reforma Agrária”.
Os fundamentos teóricos metodológicos que norteiam o Projeto
Político-Pedagógico (PPP) dos cursos do MST estão fundamentados na
práxis política e educativa dos prinpios da pedagogia socialista, da
educação popular, do materialismo histórico-dialético e da Pedagogia do
Movimento Sem Terra (LIMA et al., 2012).
Consultando a obra de Caldart (2004, p. 315), constamos que a
formação do sem-terra tem o próprio MST como o principal sujeito
pedagógico, ou seja, “como uma coletividade em movimento, que é
educativa e que atua intencionalmente no processo de formação das
pessoas que o constituem”. Dentro disso, a Pedagogia do Movimento tem
sua matriz formativa desenvolvida sob cinco dimensões: a) pedagogia da
luta social; b) pedagogia da organização coletiva; c) pedagogia da terra; d)
pedagogia da cultura; e) pedagogia da história.
Quadro 4 - Dimensões da Pedagogia do Movimento Sem Terra
DIMENES DESCRIÇÃO
Luta social
O MST considera que tudo se conquista com a luta e a luta educa as
pessoas, nesse sentido, a luta social, a luta pela terra, a luta
permanente para mudar o atual estado de coisa são componentes
pedagógicos essências para a formação de um novo sujeito. Os sem-
terra se educam a medida em que se organizam para lutar.
167
Organização
coletiva
A organização coletiva figura como princípio educativo à medida que
se vai construindo uma identidade coletiva intencional através e em
cada pessoa pela organização de um objetivo em comum, no caso do
MST a luta pela terra e a luta pelo socialismo.
Terra
Essa dimensão faz referência ao trabalho como princípio educativo. A
terra de cultivo é também a terra que educa quem nela trabalha. “O
trabalho na terra, que companha o dia-a-dia do processo que faz uma
semente se transformar em planta e planta alimento ensina de um
jeito próprio (também cultural e simbólico) que as coisas não nascem
prontas mais precisam ser cultivadas.
Cultura
Essa dimensão se realiza necessariamente misturada às demais: a luta,
a organização coletiva, o trabalho na terra e a história constitui um
modo de vida que articula costumes, objetos, comportamentos,
convicções, valores e saberes. Trata-se de compreender a
intencionalidade do Movimento no processo através do qual ele
próprio vai se transformando em cultura, em um movimento
cultural, que vai atravessando o conjunto de vivências dos sem-terra e
constituindo-se como um movimento que também é cultural, nesse
sentido, de ir produzindo um modo de vida, primeiro como
afirmação de uma condição social: sem-terra e aos poucos não mais
como uma circunstância a ser superada, mais como uma identidade
de cultivo: Sem Terra, sim senhor!
História
Olhar para a realidade com uma perspectiva histórica,
particularmente para os sujeitos que participam de um movimento
social com objetivos e características como o do MST, é um
aprendizado que requer uma intencionalidade pedagógica específica,
principalmente pelo formato presenteísta da sociedade atual. Para
tanto, dois pontos específicos pode ser descrito na atuação do MST
em relação a sua história: “o cultivo de sua memória e o
conhecimento da história mais ampla, que significa situar a sua
experiência em uma história maior
Fonte: Do autor adaptado de Caldart (2004, p. 331-377).
168
Os cursos do MST possuem uma proposta educativa que articulam
dialeticamente o trabalho, a educação e a escola, tendo como referência
além da Pedagogia do Movimento Sem Terra, o conceito de “trabalho
socialmente necessário” desenvolvido pela pedagogia socialista de Viktor
Shulgin (2013).
Na Pedagogia do Movimento, começamos a refletir sobre a importância
da educação politécnica (especialmente como politecnismo) como
chave fundamental para o salto de qualidade que precisamos dar nas
relações entre trabalho, educação e escola. E não apenas para pensar na
matriz específica do trabalho (embora com uma incidência especial ali),
mas para compreensão do trabalho (no sentido genérico de atividade
humana criativa) como método geral de educação que permite instituir
a práxis necessária à apropriação e à produção do conhecimento
científico, desde a concepção marxista. E para isso o conceito de
Shulgin de “trabalho socialmente necessário”, bem como a noção de
“complexos” de estudo, conjugadas com nossa reflexão sobre as
matrizes pedagógicas (trabalho, luta social, organização coletiva,
cultura e história) podem ser ferramentas muito importantes
(CALDART, 2013, p. 22).
Shulgin (2013) entende que a escola e o ensino devem ser
concebidos em consonância com a vida social do local onde es inserida,
contribuindo com a transformação da realidade não só em palavras, mas
em atos, considerando o interesse dos estudantes e da comunidade local,
nessa perspectiva o trabalho é base fundamental de ensino.
Considerando a especificidade do momento histórico dos escritos
de Shulgin e sua contribuição na busca por uma concepção marxiana da
pedagogia, cabe-nos pontuar que na literatura marxiana o trabalho é
definido como uma atividade, sobretudo, humana. O ser humano, para se
169
produzir e reproduzir, age sobre a natureza a transformando para satisfazer
as suas necessidades por meio do trabalho, nesse sentido, o trabalho
representa a forma como o ser humano produz sua existência
65
.
O trabalho é um processo entre o homem e a natureza um processo em
que o homem, por sua própria ação, media, regula o seu metabolismo
com a natureza. Ele mesmo defronta com a matéria natural como uma
força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a
sua corporeidade, braços e pernas, cabeças e mão, a fim de apropriar-
se da matéria natural em força útil para sua própria vida. Ao atuar, por
meio deste movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la,
ele se modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve
as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de forças ao seu próprio
domínio (SAVIANI, 2007, p. 81).
O trabalho é essencialmente humano, por isso, -lo como
princípio educativo implica em posicionar o ensino a serviço da vida,
possibilitando que todo o corpo social tenha uma participação ativa e
sistêmica na vida e no trabalho da comunidade, a fim de superar,
gradualmente, as dificuldades e as exigências surgidas das necessidades
essenciais da vida coletiva (SHULGIN, 2013).
O “trabalho socialmente necessário” requer não apenas
conhecimentos e habilidades, não só o treino, mas uma formação específica
para a auto-organização, ele exige capacidade de ação, engenhosidade,
desenvoltura, capacidade de observação, interesse, trabalho inteligente; e
não individual, mas o coletivo, não só no seu canto, mas com o povo, na
65
É celebre a descrição de Marx (1985, p. 149) sobre a aranha que executa suas operações
semelhantes à do tecelão, e da abelha que envergonha mais de um arquiteto humano com a
construção dos favos de suas colmeias. Porém, o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da
melhor abelha é que ele concebe sua obra em sua cabeça antes de construí-lo.
170
rua, “exige, portanto, a organização. E isso é muito importante”
(SHULGIN, 2013, p. 113).
Analisando os princípios pedagógicos e filosóficos do PPP da
EJGS, observa-se uma preocupação em estabelecer dialeticamente a relação
entre a teoria e a prática, bem como utilizar conteúdos formativos
socialmente úteis e uma educação para o trabalho e pelo trabalho. O
trabalho como algo socialmente útil ganha destaque no intuito de formar
sujeitos de ação, “trabalhadores/trabalhadoras militantes, portadores de
uma cultura da mudança e de um projeto de transformação” (MST,
2007a, p. 9).
Sobre o trabalho como princípio educativo, Lima (2011) nos
apresenta a concepção do “trabalho como formador”, uma dimensão de
ensino trabalhada nos Centros/Escolas que é para além da sala de aula, com
participação e interferência nos espaços sociais do Movimento e da
sociedade como um todo.
O trabalho como elemento formativo representa que a formação
deve ser para além de uma leitura da realidade, mas também de ação sobre
essa realidade. Nesse sentido ao se inserir nos espaços sociais o educando
vai tendo clareza de “como” e “porque” fazer isso, deve respeitar e saber
trabalhar com as diferenças culturais tornando sujeitos da sua própria
transformação, tendo como horizonte a emancipação da classe
trabalhadora (LIMA, 2011).
Os cursos técnicos de agroecologia realizados nos Centros/Escolas
do MST no Paraná buscam desenvolver uma proposta alternativa de
ensino, coerente com os novos objetivos de formação de seus sujeitos,
capazes de participar ativamente do processo de construção dos
assentamentos e acampamentos e de transição agroecológica.
171
Para tanto, considera-se que a organização dos cursos técnicos em
regime de alternância contribua para que o trabalho como algo social e útil
seja desenvolvido na formação dos futuros técnicos. Sobre o regime de
alternância, além dos educandos(as) se inserirem no cotidiano da Escola
durante o TE, também possibilita sua inserção no cotidiano de sua
comunidade através do NB, setores, equipes de trabalho e cooperativas,
bem como do próprio MST se inserindo na organização de uma Jornada
de Agroecologia, de um Encontro Estadual, de uma Marcha, de ocupações
e atos públicos.
Dessa forma, assim como propôs Shulgin (2013) o “trabalho
socialmente necessário” compõe a base da vida escolar, não como uma
mera adaptação, adestramento das mãos e/ou método de ensino, deve ser
“ligado organicamente e estreitamente com o ensino”. Tornando-se cada
vez mais complexo, deve ser a luz que supera os limites da situação
imediata, possibilitando o conhecimento da vida e das mais diversas formas
de produção.
Aqui nos parece importante também ressaltar o significado da
noção de complexo. Em Pistrak (2005) o ensino em complexo não se reduz
a um simples método que pode proporcionar melhor forma de assimilação
de conteúdo, para ele, se trata de algo mais profundo, que está relacionado
à essência do problema pedagógico e com o conhecimento dos fenômenos
reais e suas relações, isto é, a concepção marxista da pedagogia.
A noção de complexo tem como proposta o estudo da sociedade e
da natureza em conexão com o trabalho, nesse sentido, o trabalho é
considerado a base da vida. O trabalho está no centro do estudo, de tal
forma que ele estabelece a conexão entre sociedade e natureza (FREITAS,
2013).
O professor Luiz Carlos Freitas (2013) aponta que se trata de
172
[…] uma tentativa de superar o conteúdo verbalista da escola clássica,
a partir do olhar do materialismo histórico dialético, rompendo com a
visão dicotômica entre teoria e prática (o que se obtêm a partir da
centralidade do trabalho das pessoas no complexo. Ele não é um
método de ensino em si, embora demande, em associação a ele, o
ensino a partir do trabalho: o método geral do ensino para o trabalho.
Para Pistrak, e também para Shulgin, o trabalho socialmente útil é o
elo, a conexão segura, entre teoria e prática, dada sua materialidade.
[…] o complexo é uma construção teórica da didática socialista como
um espaço onde se prática a tão desejada articulação entre teoria e a
prática, pela via do trabalho socialmente útil
66
.
Em Pistrak (2005) a organização do ensino na escola desenvolve-
se alicerçada em princípios pautados nas relações com a realidade e na auto-
organização dos jovens. Para tanto, deve estar ligada ao trabalho social, à
produção real e à atividade concreta socialmente útil, sem isso ela acaba
por perder seu valor essencial.
Assim, os cursos técnicos de agroecologia do MST, além de ter
como referência a Pedagogia do Movimento Sem Terra, também tem em
seus princípios conceitos desenvolvidos pelos pedagogos soviéticos, entre
eles Pistrak e Shulgin. Nessa perspectiva o trabalho, a auto-organização, a
relação com a comunidade, são princípios que compõem seu PPP e seu
Projeto Metodológico (Promet).
Os cursos técnicos funcionam no regime de alternância, que
combinam a formação em dois tempos complementares: o tempo escola
(TE) e o tempo comunidade (TC), que até certo ponto, podem ser
compreendidos como uma organicidade intencional com respeito a
superar as formas de ensino que Shulgin (2013) denominou de “complexos
66
Na primeira tradução de Freitas aparece Trabalho Socialmente Útil. Em revisões posteriores
aparece como Trabalho Socialmente Necessário
173
sentados”. Os complexos sentados são a formação promovida pelas
instituições de ensino baseando-se unicamente no ensino teórico e livros
didáticos, faz referência a uma leitura da realidade, contudo, não se
inserem numa vivência prática da realidade estudada (SHULGIN, 2013).
Nesse sentido, Guhur (2010), sobre os cursos do MST, salienta
que
Os cursos formais do MST são organizados no regime ou sistema de
alternância, combinando períodos de atividades na escola (e também
atividades de campo promovidas pela escola), o Tempo Escola (TE),
que é um tempo/espaço presencial; e períodos nas comunidades de
origem dos(as) educandos(as), o Tempo Comunidade (TC), que pode
ser entendido como um tempo/espaço semi-presencial. Importante
salientar que “comunidade de origem” está aqui diretamente vinculada
ao movimento social ao qual o educando pertence; é no TC que a
Pedagogia do Movimento, (...), atua com mais força. Assim, “para os
Sem Terra, o MST é o pedagogo do TC” (ITERRA apud GUHUR,
2010, p. 156).
No TE o processo formativo é planejado de acordo com os tempos
educativos, que buscam articular a dinâmica de formação dos educandos e
educandas. Os tempos educativos são: tempo mística, tempo leitura,
tempo aula, tempo trabalho, jornada socialista, noite cultural, tempo auto-
organização, tempo reflexão escrita, tempo esporte e lazer e tempo notícia,
sendo que cada um desses tempos busca contribuir com o processo de
formação dos educandos e educandas.
Além das atividades que compõem o tempo escola, destaca-se o
conceito de organicidade, caracterizado como a participação orgânica e
colaborativa entre a Coordenão Política Pedagógica, as famílias que
residem no Centro e os próprios estudantes na condução dos processos
174
pedagógicos de manutenção, produção e auto-organização da escola e do
ensino
67
.
Embasando-se nos princípios políticos e na estrutura orgânica do
MST, a escola em período integral durante tempo/espaço Escola,
organiza as pessoas que participam do seu projeto educativo em
coletivos. Trata-se de um processo articulado com a gestão/auto-
organização, em que a organicidade interna dos cursos cleo de
base, equipes, coordenação da turma, coordenação do dia etc.
compreende simultaneamente a auto-organização dos educandos e
educandas e a organicidade do MST (LIMA et al., 2012, p. 197).
Sobre o TC, Guhur (2010, p. 156) diz:
No TC, os (as) educandos (as) desenvolvem trabalhos dirigidos pela
escola, tais como: leituras, registros, pesquisas de campo, estágios,
experimentações e cursos complementares. Além disso, devem
participar ativamente na organicidade e nas lutas do Movimento Social
de que fazem parte, e manter o enraizamento na comunidade ou
coletivo de origem, participando de suas atividades (às vezes, o
Movimento Social responsável pode enviar os educandos a outra
comunidade em determinados TC, ou os educandos podem
permanecer na escola, contribuindo para sua construção ou
manutenção).
Pode-se compreender que o TC é o tempo em que os educandos e
educandas seguindo orientações da escola, dos educadores e das demandas
67
Para uma leitura mais centrada na questão da gestão participativa dos Centros/Escolas de
Agroecologia do MST no Paraná ver a dissertação da pesquisadora e colega do Programa de Pós-
Graduação em Educação da FFF/Unesp Laís dos Santos (2015).
175
locais, inserem-se em sua localidade com a intenção de desenvolver os
conhecimentos adquiridos durante o TE, fazendo o enfrentamento entre
a contradição do real com o ideal, ou seja, as possibilidades da transição do
paradigma da Revolução Verde ao agroecológico.
Na articulação do processo formativo entre o TE e TC está a
importância dos espaços de formação vivenciados e sistematizados, como
oportunidade da classe trabalhadora se apoderar do conhecimento que lhe
foi retirado, mas, também, do conhecimento gerado no local, na ótica de
quem está vivendo as contradições do capitalismo.
De maneira geral, os cursos formais de educação profissional tomada
aqui em sentido alargado representa o lócus (...) onde mais o MST,
como um conjunto, expressa sua concepção de escola, nas suas tensões,
contradições e reafirmação de princípios, geralmente no contraponto
com a lógica de suas instituições parceiras (MST apud LIMA et al.
2012, p. 193-194).
Assim, utilizando a Pedagogia do Movimento Sem Terra, princípios
da pedagogia socialista, da educação popular e do materialismo histórico-
dialético, o Centros/Escolas e os cursos técnicos em agroecologia do MST
almejam materializar outra matriz de desenvolvimento para a agricultura,
fundamentada em uma base tecnocientífica denominada de Reforma
Agrária Popular.
A experiência da Turma Revolucionários da Terra
A Turma Revolucionários da Terra foi constituída entre os anos de
2008 e 2009 via Pronera. Essa turma iniciou o curso no final de 2009,
176
com 50 educandos(as) de diferentes assentamentos e acampamentos do
Estado do Paraná e foi concluído em 2013, com 21 formandos(as) em
técnico em agroecologia.
A escolha da Turma Revolucionários da Terra se deu por constatar-
se que ela foi, até o momento de elaboração do projeto, a última turma de
curso técnico em agroecologia formada por um Centro/Escola do MST no
Paraná. Também se constatou que foi uma turma que iniciou o curso, em
sua maioria com educando(as) adolescentes, diferenciando-se do público
dos demais cursos de agroecologia no Estado, que trabalharam com
público de educandos(as) em sua maioria com idade superior a 18 anos.
Para proceder o estudo, utilizou-se a análise documental, tendo
como objeto empírico os seguintes documentos: Promet, PPP, ementas de
ensino e regimento interno, nos quais buscou-se investigar como a Escola
propõe a formação técnica em agroecologia. Para tanto, analisou-se as
informações contidas nos documentos em torno das seguintes dimensões:
a) da participação, que envolve tanto a relação com a auto-organização da
Escola, bem como a relação com o perfil de técnico que se pretende formar
e b) da holística, que envolve a integração entre aspectos ecológicos,
culturais, econômicos e sociotécnicos.
No caso da Turma Revolucionários da Terra, por ser formada em
sua maioria por adolescentes que ainda não tinham um conhecimento
profundo das instâncias organizativas do MST, a definição dos NBs no
início do curso e de cada etapa foi feita pela CPP tendo como base “os
seguintes critérios: Gênero, região, brigada e processo histórico de
formação” (MST, 2010).
A participação através da auto-organização e o trabalho como
princípio educativo, na turma Revolucionários da Terra, são incentivados
desde a primeira atribuição que foi a auto-organização em seus devidos
177
NBs, em que foram estimulados a “escolher um coordenador, uma
coordenadora e um membro para compor cada equipe de trabalho” (MST,
2010).
A escolha dos coordenadores e membros de cada NB é feita
durante a primeira reunião, com o acompanhamento de um membro da
CPP. A coordenação de NB é renovada a cada etapa, respeitando-se a
questão de gênero e a rotatividade, para que educandos(as) que ainda não
tenham exercido a tarefa de coordenação possam experimentar e vivenciar
o que é coordenar um coletivo.
A escolha dos educandos(as) que vão coordenar e compor as
equipes de trabalho também é feita em todas as etapas, respeita igualmente
a rotatividade e a questão de gênero, para que todos possam participar e
aprender o trabalho desenvolvido em todas as equipes e para que todas as
equipes tenham a maior simetria possível de membros homens e mulheres.
Os coordenadores escolhidos, além de coordenar o NB, também
vão compor a Coordenação Geral da Turma, que ainda é composta pelos
coordenadores de cada equipe e pela CPP. A Coordenação Geral se reúne
semanalmente para discutir, analisar e tirar encaminhamentos sobre o
andamento do curso.
A intencionalidade é que desde o primeiro momento os
educandos(as) exercitem a participação em ambientes de tomadas de
decisões no processo de auto-organização da escola, de forma a respeite as
discussões e as tomadas de decisões nos coletivos. Os encaminhamentos
tirados nos coletivos de NBs e nas equipes são levados para a Coordenação
Geral, onde são discutidos, analisados e encaminhados, e trazidos
novamente aos NBs e equipes, que vão continuar o processo de análise,
propostas e encaminhamentos nas suas devidas instâncias.
178
A estrutura auto-organizativa dos educandos propõe envolver
todos os membros (do assentamento e da Escola), para participar das
discussões e dos encaminhamentos nas instâncias de decisão, permitindo
que tenham a possibilidade de compreender que é possível organizar um
espaço coletivo de forma complexa, sem haver necessidade de estratificação
social política, econômica e cultural entre os diversos membros da
comunidade.
Ao analisar o PPP e a PROMET, constata-se que a dimensão
holística e participativa está em consonância com os princípios
pedagógicos do curso, tendo a intencionalidade de formar “técnicos
militantes”, ao estruturar o TE como uma atividade pedagógica que
incentiva a vivência e a participação dos educandos(as) nas diversas
instâncias de decisão da escola, nas unidades produtivas e nos tempos
educativos.
A dimensão holística pode ser reforçada quando se entende que o
tempo de estudo e o tempo de ação concreta e prática são integralmente
complementares. Portanto, quando os educandos(as) estão mobilizados no
estudo, na manutenção das atividades, nos debates sobre o cotidiano e na
gestão institucional, estão, indissociavelmente, sendo educados na e para a
prática, ou seja, estão sendo educados pelo “trabalho socialmente
necessário”.
Constata-se, pela descrição do MST (2007a, p. 7), que a intenção
pedagógica da auto-organização da Escola e da Turma visa ensinar aos
educandos(as) que “não basta [...] estudarem ou discutirem, é preciso
vivenciar um espaço de participação democrática”, para tanto, “todos
devem aprender a tomar decisões, a respeitar as decisões tomadas no
coletivo, executar o que foi definido e avaliar o que está sendo feito”.
179
Essa estrutura auto-organizativa pode ser compreendida como uma
das bases da dimensão holística, porque sua práxis política busca
desenvolver o processo educativo com base no conceito de “trabalho
socialmente necessário”, visto que, ele não existe desvinculado da dimensão
participativa. Partindo da auto-organização da EJGS e da função das
equipes do curso, o trabalho aparece “como provocador de novas
aprendizagens, com o paradigma prática-teoria-prática, produzindo
conhecimento sobre a realidade” (MST, 2010, p. 11).
Para uma compreensão mais detalhada do papel das equipes no
processo educativo da Turma Revolucionários da Terra, apresenta-se no
quadro abaixo todas as equipes da turma e a descrição de cada uma:
Quadro 5 - As equipes de trabalho na Turma Revolucionários da Terra
EQUIPES DESCRIÇÃO
Saúde/Esporte/Lazer
Tem a tarefa de organizar as atividades relacionadas à saúde,
preparando remédios naturais, em casos de
encaminhamentos ao médico (hospital ou posto) somente em
casos urgentes, encaminhar com a equipe pedagógica.
Planejar atividades que contribuam para a melhoria da
higiene e limpeza como parte da saúde preventiva, bem como
realizar seminários de temas relacionados à saúde. Também
se responsabilizará pela escala de limpeza e acompanhamento
dos espaços de uso coletivo garantindo limpeza,
organização e
embelezamento. Também terá que coordenar o uso dos
materiais e produtos de limpeza utilizados. Organizar o
tempo esporte e lazer com atividades recreativas para o bem-
estar do grupo. Deverá planejar atividades diversificadas que
envolvam a participação de todos os educandos/as e realizar
exercícios físicos para que todos preservem a saúde física e
mental.
180
Relações Humanas
Esta equipe tem a responsabilidade de orientar e zelar pela
disciplina consciente entre todos os integrantes. Em casos de
indisciplinas deverão ser encaminhadas atividades educativas
com o intuito de conscientizar sobre seus limites perante o
coletivo buscando assim a superação. Também terá a tarefa
de zelar pelo cumprimento de acordos coletivos no que se
refere a horários, normas do Curso e Escola, assim como pela
boa conduta e relacionamento entre todos militantes.
Comunicação/Cultura
e Mística
Realizar atividades de animação da turma, especialmente nos
tempos aulas; Acompanhar e desenvolver atividades culturais
nos tempos destinados a isto. Também será responsável para
a preparação dos tempos notícias e organização do mural
informativo, e a ornamentação dos espaços educativos. Será
responsável pelo uso dos equipamentos eletrônicos de som e
vídeo com o coordenador da unidade pela EJGS/ITEPA.
Relatoria e
Sistematização
Se responsabilizar pela memória do curso, realizando e
sistematizando relatórios diários sobre o desenvolvimento das
atividades que acontecem cotidianamente. Os avanços e
desafios a serem superados pela turma nos aspectos
organizativos, de aprendizagem, participação e práticas.
Produção e
Infraestrutura
Ajudar no planejamento e acompanhamento do tempo
trabalho, como também monitorar e encaminhar alguém
para arrumar as estruturas físicas da escola quando for
preciso. A equipe também ficará com a responsabilidade de
planejar a jardinagem da Escola.
Fonte: Do autor, adaptado de MST (2010).
Os educandos(as) inseridos nas equipes de trabalho vão
conhecendo os limites e avanços da realidade local e do próprio curso. Por
meio do autosserviço, em que os educandos são fundamentais no processo
181
de limpeza, manutenção e cuidados com as pessoas e com as estruturas e
equipamentos da Escola, e também com os processos educativos do tempo
escola, onde os mesmos são responsáveis pela disciplina,
comprometimento e respeito da turma com os educadores e com os demais
tempos educativos.
Participando nas unidades produtivas da Escola, a inserção nas
unidades produtivas é feita com o acompanhamento do responsável pelo
setor e pela CPP. O objetivo da participação nessas atividades é possibilitar
aos educandos(as) os conhecimentos práticos, que devem ser analisados
criticamente e aperfeiçoados, além de contribuir com o autossustento
econômico da escola e do curso.
Aqui, pode-se fazer uma ponte com os apontamentos de Shulgin
(2013) sobre o “trabalho socialmente necessário” na escola, quando ele
destaca três pontos básicos: 1) orientado para melhoria econômica e da
vida; 2) pedagogicamente valioso; 3) estar em conformidade com as forças
e particularidades dos adolescentes.
Durante o curso esse processo é justificado num dos objetivos
específicos da MST (2010, p. 2), em que se afirma o objetivo de
“contribuir para o desenvolvimento da capacidade dos educandos/as de
realizar leitura crítica da realidade e intervenção na mesma, tendo em vista
a sua transformação”, bem como a possibilidade de o futuro técnico
conhecer e vivenciar a forma de organização do Movimento.
Cabe destacar que apesar de o trabalho ser um princípio na
formação dos futuros técnicos, quando desenvolvido por meio das
unidades produtivas, enfrenta alguns limites. Esses limites aparecem
principalmente por algumas questões que foram pontuadas no subtítulo
em que se descreveu a oscilação na organicidade da EJGS. Essa oscilação
limita a qualificação do desenvolvimento do trabalho como prinpio
182
educativo, particularmente pela falta de acompanhamento qualificado para
desenvolver as atividades com os educandos(as), isso muitas vezes acarreta
que os educandos(as) não consigam entender aquele momento,
interpretando-o não como uma atividade educativa, mas como uma
atividade penosa.
Além da participação e vivência nas equipes de trabalho
(autosserviço) do curso e nas unidades produtivas da Escola
(autossustento), os educandos(as) também tem participação ativa nos
demais tempos educativos, conforme apresentamos no Quadro 6:
Quadro 6 - Descrição dos tempos educativos da Turma Revolucionários da Terra
TEMPO
EDUCATIVO
DESCRIÇÃO
Tempo aula
É o tempo em que são desenvolvidas as disciplinas e eixos temáticos
nas áreas do conhecimento do currículo do curso. Os eixos
temáticos referem-se a: disciplinas do momento de escolarização dos
educandos, temas do caráter técnico entre outros.
Tempo leitura
Atividade destinada à leitura e estudos dirigidos individuais,
orientados pela necessidade de cada educando se apropriar de
determinados assuntos, com objetivo de construir um método
adequado do estudo e desenvolvimento do hábito de leitura, da
pesquisa e desenvolvimento intelectual, proporcionando momentos
de socialização das mesmas no conjunto da turma.
Tempo trabalho
É definido em vista às demandas internas da EJGS, contribuindo
para a produção e manutenção nos diversos setores/ unidades do
Centro/escola e atividades necessárias ao bem estar da comunidade
e a formação de valores sociais e humanistas. Nesse sentido o tempo
trabalho deve acontecer como elemento formativo que desenvolve a
183
coletividade, a organização e a cooperação. A inserção dos
educandos/as também cumpre papel de realizar pesquisas
produtivas contribuindo no planejamento das atividades e na
construção orgânica dos setores
Tempo oficina e
seminário
Destinado ao aprendizado e desenvolvimento de habilidades
específicas aos focos de capacitação da turma. É o tempo previsto
para que os educandos dominem novas atividades. Também pode
ser usado para qualificação do trabalho nas unidades de produção.
Tempo mística
A mística é a alma da identidade Sem Terra. A EJGS tem a tarefa de
resgatar o amor ao trabalho e a pertença do educando e da
comunidade Sem Terra à classe trabalhadora. A mística é mais do
que um tempo, é uma energia que perpassa o cotidiano. Por isso
precisa-se dela no início de grandes atividades e, resgata-la em vários
momentos do dia. Esta atividade é de responsabilidade dos NB's.
Deve-se aprender a trabalhar e vivenciar a mística, cultivar a luta
dos trabalhadores, datas importantes e conquistas. Também é o
tempo de conferência dos núcleos de base e de informações.
Tempo reflexão
escrita
Destinado ao registro das vivências e experiências que cada
educando extrai do processo educativo do Centro e do curso, que
contribuirão na sua militância. É o momento que o educando tem
para refletir sobre sua prática cotidiana e os desafios a serem
superados. Para isto cada um terá um caderno específico, esta tarefa
será feita cotidianamente, a partir da organização de cada sujeito. O
mesmo será solicitado pela coordenação pedagógica para
acompanhamento semanalmente.
Tempo cultura e
lazer
Destinado para atividades culturais, teatros, danças, visitas, músicas,
cultura camponesa entre outras. A equipe de comunicação e cultura
terá a responsabilidade de coordenar este tempo.
Este tempo será organizado conforme as demandas apresentadas
pela turma.
184
Tempo núcleo
de base
Destinado à discussão e encaminhamentos gerais da turma e do
curso, sendo também um espaço de estudo e debate para a auto-
organização dos educandos nos processos de organicidade da EJGS
e do MST
Tempo notícia
É o momento destinado para acompanhar os noticiários através da
televisão, jornais, revistas, fazendo uma reflexão crítica sobre os
fatos que são noticiados pela mídia. Incluem-se também vídeos,
documentários e palestras. Esta atividade será de inteira
responsabilidade da unidade de cultura junto a equipe de
comunicação e com orientações da CPP.
Tempo estudo
complementar
A intenção deste momento é proporcionar aos estudantes espaço de
auto-organização para os estudos individuais e/ou coletivos,
realizações de trabalhos das disciplinas e outras atividades.
Tempo mutirão
Visa contribuir com o cuidado da Escola, com a valorização das
pequenas tarefas, com embelezamento do espaço público coletivo.
Também é usado para fazer uma limpeza geral nas dependências da
escola.
É discutido conforme a dinâmica e demanda da EJGS.
Tempo
comunidade
Os objetivos deste tempo são: Realizar atividades delegadas pela
organização no qual o educando faz parte; comprometer-se com a
execução das linhas de produção alternativa; desenvolver atividades
orientadas pelos educadores das disciplinas e pela coordenação
pedagógica, desenvolver práticas de campo.
A cada etapa esse trabalho será avaliado e reencaminhado. Os
educandos desenvolverão as atividades que serão acompanhadas
pela CPP do curso, técnicos, coletivos dos setores do MST e
direções das brigadas.
Fonte: Do autor, adaptado de MST (2010).
185
Os tempos educativos, descritos no Quadro 6, reforçam os
princípios de que a “escola é um lugar de formação humana, e por isso as
várias dimensões da vida devem ter lugar nela, sendo trabalhada
pedagogicamente”. Dessa forma, “os tempos educativos contribuem no
processo de organização dos educandos levando-os a gerir interesses,
estabelecer prioridades e assumir responsabilidade” (MST, 2007a, p. 12).
Cada tempo educativo além de ser parte estruturante da formação
do futuro técnico, tem a característica de ser holístico, quando apresenta a
intencionalidade de fazer com que eles vivenciem e compreendam a Escola
e o curso como um todo, acreditando-se que se materializar por meio do
princípio prático do “trabalho socialmente necessário
Portanto, quando o PPP explicita que a formação da Turma
Revolucionários da Terra tem como objetivo “formar profissionais
comprometidos com a implantação de modelos de desenvolvimento rural
sustentável, na sua forma muldimensional”, ou seja, profissionais que
tenham uma compreensão de uma variedade de dimensões do
conhecimento como a “agricultura orgânica, biodinâmica, permacultura,
entre outros”, está indicando a estrutura de um projeto pedagógico que
segue uma abordagem holística (MST, 2010, p. 1).
Na formação da Turma Revolucionários da Terra também há o
objetivo de “desenvolver o hábito da leitura, da pesquisa, do estudo e da
elaboração escrita”, esse objetivo é desenvolvido nos tempos educativos,
com o intuito de “promover a integração entre os diferentes níveis de
conhecimento”. Na mesma vertente, aponta a intencionalidade de formar
profissionais pesquisadores com “visão humanista, valores éticos e
holísticos, conscientes e socialmente comprometidos, além de inseridos
como sujeitos ativos nas lutas dos movimentos sociais” (MST, 2010).
186
No que concerne à organização da matriz curricular do curso
técnico em agroecologia da Turma Revolucionários da Terra, as ementas
das disciplinas não diferem dos modelos convencionais de ensino ligados
à pedagogia convencional. Contudo, isso não significa que não haja
abertura para o desenvolvimento de atividades autônomas e adequadas às
ideologias do MST, visto que há a orientação para que os conteúdos sejam
trabalhados dentro dos conceitos gerais da área, porém, com as respectivas
adaptações. Por exemplo, que a Matemática represente a realidade do
campo e da pequena agricultura, com a aplicação da geometria ao desenho
e ao planejamento de um galpão, estrebaria, dentre outras estruturas que
compõe uma agroecossistema num assentamento.
Porém, analisando a sistematização de avaliação dos processos
pedagógicos na formação Turma Revolucionários da Terra, feita pela CPP
em 2013 durante a última etapa do curso, observa-se que apesar de alguns
avanços os tempos educativos apresentaram muitos limites que
prejudicaram a qualificação dos processos educativos (MST, 2013).
Isso é decorrente, em parte, do problema de que nem todos os
educadores são diretamente vinculados ao MST, revelando os desafios da
CPP estruturar equipes de trabalho que tenham uma ligação e simpatia
pela luta do Movimento. Nesse sentido, no processo de seleção dos
educadores, busca encontrar, nas instituições parceiras, aqueles
profissionais que trabalham dentro da teoria ctica e da luta de classes,
além de solicitar uma adequação do conteúdo para a realidade da vida no
campo.
No caso dos avanços, aponta-se, particularmente, a maturidade
adquirida pela Turma Revolucionários da Terra na questão da organicidade,
visto que bastante jovens conseguiram superar as dificuldades do início do
curso quando apresentavam problemas em compreender e colocar em
187
prática os tempos educativos e instâncias de organização e trabalho (MST,
2013).
No início a Turma apresentou plena dependência da CPP,
entretanto, a CPP através de orientações e direcionamentos foi
possibilitando que a turma fosse tomando maturidade, autonomia,
política, orgânica e pedagógica, fato que gerou um relaxamento das
intervenções da CPP em consequência do grau de auto-organização que a
Turma passou a ter sobre suas responsabilidades e decisões.
No mesmo documento de avaliação da Turma, constata-se que a
qualidade dos tempos educativos enfrentou uma variedade de desafios que
dificultou a sua aplicação com qualidade. Entre os desafios aparece a falta
de comprometimento das instituições parceiras - em particular do IFPR -
que não disponibilizou material didático adequado e nem educadores para
suprir carências de várias disciplinas (MST, 2013).
A falta de um quadro de educadores permanente gerou uma grande
rotatividade de educadores para uma mesma disciplina e
consequentemente a perda da qualidade no planejamento dos tempos
educativos. Isso trouxe algumas dificuldades para o desenvolvimento de
um processo pedagógico que fizesse a integração entre as diferentes
disciplinas e tempos educativos.
As próprias dificuldades internas da Escola e do MST aparecem
como desafios para a qualificação do curso. No caso do acompanhamento
do TC, o qual se trata de um tempo em que os educandos(as) tenham a
possibilidade de serem inseridos nos espaços do Movimento e de
desenvolver atividades práticas e formativas em suas comunidades.
Constatou-se, durante o Seminário de Avaliação do Curso (2013), que
existe certa falta de compromisso nas bases com os educandos(as), por
exemplo, problemas orgânicos em algumas brigadas geraram limites para
188
a qualificação dos acompanhamentos dos educandos(as) durante o TC,
sobrecarregando as responsabilidades para a Escola e sobre os próprios
educandos(as) (MST, 2013).
Apesar das dificuldades em articular os tempos educativos de forma
que possibilitasse uma formação mais ampla e integral na Turma
Revolucionários da Terra, observa-se que tanto a participação e
particularmente a concepção holística foram trabalhadas de forma mais
plena durante a atividade intitulada Diálogo de Saberes no Encontro de
Culturas (DS).
O Diálogo de Saberes começa a ser trabalhado nas escolas técnicas do
MST, no Paraná, como uma unidade didática, que apesar dos diversos
nomes assumidos (Desenho e Manejo da Paisagem, Diagnóstico e
Desenho de Agroecossistemas, Manejo e Desenho de Agroecos-
sistemas), manteve características mais ou menos uniformes nas
diversas escolas, sendo conduzida essencialmente por seu principal
idealizador, José Maria Tardin […] (GUHUR, 2010, p. 211).
Analisando as ementas das disciplinas da Turma Revolucionários da
Terra, o DS foi trabalhado por José Maria Tardin
68
, desde a segunda etapa
do curso até a última etapa, com o objetivo de estabelecer
68
José Maria Tadin formou-se em Técnico agropecuário pelo Colégio Agrícola de Penápolis em
1979. Na década 1980, foi extensionista da EMATER/PR, na região sul do Paraná (sendo demitido
por razões políticas). Entre 1989-1992 foi prefeito municipal de União da Vitória (PR), pelo
Partido dos Trabalhadores. Em 1993 ingressou na AS-PTA, desenvolvendo trabalhos de promoção
da agroecologia entre os camponeses da região. Desde 2005 é militante do MST. No Setor de
Produção, Cooperação e Meio Ambiente-SPCMA, trabalhou em um programa de formação em
agroecologia para dirigentes e técnicos. Faz parte da coordenação da Escola Latino-Americana de
Agroecologia - ELAA, atua como educador nas escolas técnicas de agroecologia do MST no Paraná,
no Instituto de Agroecologia Latino Americano Paulo Freire - IALA (Barinas, Venezuela), e na
Escola Nacional de Agroecologia do Equador (GUHUR, 2010, p. 173). Além de militante do MST
também compõe a militância da Via Campesina. Foi coordenador da ELAA até 2014.
189
[...] um sistema de compreensão e planejamento dos agroecossistemas
familiares ou coletivos, partindo-se dos conhecimentos e da história
dos indivíduos-sujeitos envolvidos e o ambiente que gestionam, de
modo a valorizar seus processos históricos e correlacioná-los e
problematizá-los a luz da história da agricultura e dos movimentos
sociais a que pertençam e das potencialidades e limitações ecológicas e
agrícolas do ambiente local, de modo a alcançar avanços na ação
político-militante e o desencadeamento da experimentação em
agroecologia, a implementação da transição agroecológica e o
estabelecimento de agroecossistemas sustentáveis (TARDIN, 2010, p.
1).
O DS tem por orientação a “integração dos conhecimentos de
modo a orientar a vivência do educando - educador com as famílias
camponesas e suas organizações com vistas a uma visão e ação holística no
contexto antropossociológico e natural” (TARDIN, 2010, p. 1). O DS
pretende orientar as relações entre técnico e camponês e destes entre si,
com objetivo de potencializar as práticas no campo visando a agroecologia
como uma nova matriz tecnológica para o campo.
Para Guhur (2010) o DS pode contribuir como eixo organizador
dos cursos de agroecologia, pois oferece a possibilidade de integrar diversas
áreas do conhecimento em diversos níveis de tempo e espaço tendo como
fundamento a articulação teórico-prático desses tempos
69
. Assim, “seu
objetivo é a busca de um sistema de compreensão e planejamento dos
agroecossistemas familiares ou coletivos, [...] fundamenta-se na produção
científica em três campos: na Pedagogia Freiriana, na Agroecologia e no
Materialismo Histórico-Dialético” (GUHUR; TARDIN, 2012, p. 05).
Apresenta-se no Quadro 7 uma descrição pormenorizada das três
formulações teóricas que representam a base para conformar o DS:
69
Para uma leitura mais aprofundada sobre o DS ver: Dominique Guhur (2010 e Tardin (2010).
190
Quadro 7 – Formulações teóricas que fundamentam o Diálogo de Saberes no
Encontro de Culturas
Campos do
conhecimento
DESCRIÇÃO
Pedagogia
Freiriana
Dentre a vasta produção de Paulo Freire, duas se destacam na
contribuição para conformar o DS: “A Pedagogia do Oprimido” de
1969 e “Extensão e comunicação também de 1969. A partir destas
duas obras principalmente, desenvolve se 5 abordagens que
contribui com a conformação do DS:
a) Diálogo: representa o encontro dos seres humanos “mediatizados
pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na
relação eu-tu” (FREIRE, 2003, p. 78). Em Paulo Freire, pronunciar
o mundo atras do diálogo representa transforma lo e a
transformação do mundo representa a própria existência do ser
humano envolvendo ação e reflexão
b) Invasão cultural: é uma característica fundamental da ação
antidialógica; é “[...] a penetração que fazem os invasores no
contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do
mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua
expansão” (FREIRE, 2003, p. 149), retirando-lhes todo poder de
decisão. A invasão cultural supõe que os invadidos
se reconheçam como “inferiores” e, ao mesmo tempo, vejam os
invasores como “superiores”; pressupõe também a conquista, a
manipulação e o messianismo de que invade. Para superar a invasão
cultural, é preciso “[...] existenciar uma ação dialógica. Significa, por
isso mesmo, deixar de estar sobre ou ‘dentro’, como ‘estrangeiros’,
para estar com, como companheiros” (FREIRE, 2003, p. 154)
c) Síntese cultura: [...] na síntese cultural se resolve
e somente nela
a contradição entre a visão de mundo da liderança e a do povo,
com o enriquecimento de ambos. A síntese cultural não nega as
diferenças entre uma visão de mundo e outra, pelo contrário, se
funda nela. O que ela nega é a invasão de uma pela outra. O que ela
afirma é o indiscutível subsídio que uma dá à outra (FREIRE, 2003,
191
p. 181). Para tanto é indispensável a ação dialógica de forma que
““[...] a problematização é a reflexão que alguém exerce sobre um
conteúdo, fruto de um conteúdo, fruto de um ato, ou sobre o
próprio ato, para agir melhor, com os demais, na realidade. […]
implica num retorno crítico à ação. Parte dela e à ela volta”
(FREIRE, 2002, p. 82-83).
d) Tema gerador: O tema gerador é um caminho metodológico que
permite organizar o conteúdo programático da educação (ou da
ação política, ou da formação “técnica”, como no nosso caso) como
ação dialógica, e não como invasão cultural, partindo da situação
real, existencial, em que se encontra o povo. Parte-se do pressuposto
de que “O que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo, através
de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta,
presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe
exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível da ação”
(FREIRE, 2003, p. 86). “Investigar o tema gerador é investigar,
repitamos, o pensar dos homens referido à realidade, é investigar seu
atuar sobre a realidade, que é sua práxis” (FREIRE, 2003, p. 98).
Nesse sentido, esses temas são “geradores” porque podem se
desdobrar em outros temas.
e) Codificação e decodificação: a compreensão da realidade como
totalidade exige um movimento do pensamento, do abstrato ao
concreto e do concreto ao abstrato. Ele explica que a codificação de
uma situação existencial, como representação dessa situação (por
meio de fotos, desenhos, textos, falas e outros) e, em seguida, a
descodificação (análise crítica da situação codificada), têm a
capacidade de provocar esse movimento do pensar. “Esse
movimento de ida e volta, do abstrato ao concreto, que se dá na
análise de uma situação codificada, se bem-feita a descodificação,
conduz à superação da abstração com a percepção crítica do
concreto, já agora não mais realidade espessa e pouco vislumbrada”
(FREIRE, 2003, p. 97).
192
Agroecologia Pode ser desenvolvida enqua
nto um paradigma científico que dedica
se aos estudos e técnicas de ação sobre os sistemas agrícolas desde
uma perspectiva ecológica. Ela é uma proposta alternativa ao atual
modelo de desenvolvimento rural e da agricultura “convencional”.
Diferente do modelo “convencional”, na
agroecologia não se busca a
maximização de uma única atividade produtiva, mais sim a
otimização do agroecossistema como um todo. Tendo o
agroecossistema como uma unidade de análise, os ciclos minerais, as
transformações de energia, os processos biológicos e as relações
socioeconômicas são investigadas e analisadas em coevolução, como
um todo, de tal forma que possibilita estabelecer um enfoque
comum entre várias disciplinas científicas. Essa abordagem tem sido
chamada de enfoque sistêmico ou holístico.
Materialismo
Histórico
De acordo com Tardin (2009), o Diálogo de Saberes se fundamenta
também no materialismo histórico-dialético. Nesse sentido,
trabalhar sob a égide do materialismo histórico, representa fortalecer
o vínculo enquanto classe trabalhadora e principalmente estabelecer
uma abordagem crítica sobre as mazelas do desenvolvimento
capitalista. Nessa perspectiva, uma abordagem crítica sobre os
rumos tomados pela evolução da ciência e da tecnologia sob o
capitalismo é essencial, pois como já afirmaram Marx e Engels na
Ideologia Alemã (2007, p. 41) “no desenvolvimento das forças
produtivas advém uma fase em que surgem forças produtivas e
meios de intercâmbio que, no marco das relações existentes, causam
somente malecios e não são mais forças de produção, mas forças de
destruição [...]”. Essa afirmação pode ser analisada quando se
observa as técnicas agrícolas tidas como “modernas” e “avançadas”,
mais que na realidade são, portanto, aquelas que permitem um
aumento nos lucros, mesmo que os danos ambientais (e humanos)
sejam imensos, quiçá irreversíveis. Caso mais grave ainda é o dos
Organismos Geneticamente Modificados-OGM, que são objeto de
grande controvérsia no meio científico. Nesse sentido “[...] o único
meio viável de enfrentar os problemas crescentemente graves de
nossa ecologia global se quisermos enfrentar de modo responsável
193
o agravamento dos problemas e contradições de nosso lar planetário,
desde o impacto direto sobre questões vitais como o aquecimento
global até demandas elementares por fontes de água limpa e ar
respirável é mudar da ordem existente da quantificação fetichista
da administração perdulária para uma genuína ordem
qualitativamente orientada. A ecologia, quanto a isto, é um aspecto
importante, mas subordinado, da necessária redefinição qualitativa
da utilização dos bens e servos produzidos, sem a qual a defesa de
uma ecologia permanentemente sustentável para a humanidade
um dever absoluto não pode ser mais que uma vã esperança”
(MÉSZÁROS, 2007, p. 21)
Fonte: Do autor, adaptado de Guhur (2010, p. 177-201).
Sobre a perspectiva teórica descrita no Quadro 7, o DS começou a
ser trabalhado enquanto atividade didática na Turma Revolucionários da
Terra a partir da segunda etapa, e desde então, foi sendo desenvolvido
progressivamente pelo educador José Maria Tardin durante as outras
etapas de TE e com atividades orientadas pelo mesmo educador e pela CPP
para o TC.
No TE as atividades são desenvolvidas em grupos, assim os
educandos(as) são iniciados nas teorias e nas práticas que envolvem o DS.
No TC, são direcionados leituras e trabalhos para que os educandos(as)
possam compreender e aprofundar o DS. Por meio dos fichamentos das
leituras indicadas e dos relatórios das atividades orientadas o educador vai
acompanhando e analisando o nível de compreensão de cada educando(a).
Na próxima etapa, começa a se aprofundar o DS enquanto
metodologia de intervenção. Nesse momento, observa-se uma certa
inflncia da pesquisa-ação, “enquanto uma linha de pesquisa associada a
diversas formas de ação coletiva que é orientada em função da resolução de
194
problemas ou de objetivos de transformação” (THIOLLENT, 2000, p.
07).
Nesse sentido, reunidos em grupo e sob a orientação e
acompanhamento do educador, após uma revisão dos debates que
ocorreram na etapa anterior e de sanar as dúvidas sobre atividades
orientadas e desenvolvidas durante o TC, os grupos vão para o trabalho de
campo. Cada grupo trabalhou com 03 famílias do AACT escolhidas pela
CPP e pelo educador.
O processo de intervenção a campo do DS
[...] tem como ponto de partida a história de vida da família ou do
coletivo camponês, correlacionando-a à história da agricultura, dos
camponeses e da luta pela terra, do movimento social a que pertencem
os sujeitos e da classe trabalhadora. Busca-se também os “conteúdos
significativos”, que permitem compreender a visão de mundo dos
sujeitos, e como explicam e interpretam suas experiências de vida. Em
seguida, faz se o reconhecimento conjunto do ambiente/espaço
manejado pela família ou coletivo (o agroecossistema). O terceiro passo
é a sistematização e análise dos dados levantados, para se planejar então
a intervenção qualificada no agroecossistema, a partir de uma “síntese
cultural” entre os participantes (GUHUR, 2010, p. 06).
No trabalho de campo, foi realizado o resgate histórico-cultural da
família, em que cada membro relatou tudo o que lembrou de sua história,
desde as vivências da infância até as recordações transmitidas por seus
antepassados. Aqui são destacadas as experiências e fatos que mais
marcaram a vida de cada sujeito, considera-se que desse resgate vão surgir
os temas geradores para futuros debates.
195
A próxima ação se constitui na construção de um croqui do
agroecossistema, planejado de comum acordo com a família,
proporcionando o exercício interdisciplinar, pois se trabalha com desenhos
geométricos, geração de renda, técnicas de manejos existentes e com
organização do trabalho dentro do agroecossistema.
Fazendo um paralelo do DS com a concepção de Shulgin (2013,
p. 170) sobre escola do trabalho, podemos afirmar que essa atividade
contribui para “incluir rapidamente tudo o que seja possível na esfera da
pedagogia e pensar, desenvolver, resolver a questão de como, com base
nisso, ajudar os estudantes a obter o máximo de conhecimentos,
habilidades, além do mais, precisos e reais”.
Fazendo uma articulação entre o tema gerador de Paulo Freire e a
noção de complexo desenvolvido por Pistrak, mesmo que Freire e Pistrak
não confabulem de uma mesma perspectiva de construção teórica, pois o
primeiro tem uma leitura localista e o segundo internacionalista,
consideramos que ambas têm como princípio o trabalho e a complexidade
apreendida na realidade histórica dos sujeitos.
Dentro disso, a influência de Alexander Chayanov ressaltada por
Borsatto e Carmo (2014) na concepção do arcabouço teórico da
agroecologia pelo MST parece estar contemplada na proposta do DS em
propor ao técnico uma abordagem de baixo para cima, considerando o
trabalhador “camponês” como sujeito de sua história, as análises
multidisciplinares da agronomia social, o subjetivo camponês, a
compreensão entre trabalho e consumo.
Portanto, o ensino, a instrução e a educação não são dimensões
restritas ao ambiente escolar e separados da vida. O aprendizado não ocorre
somente nos livros, poisfatos que nenhum livro pode ensinar se forem
desvinculados da experiência. Por isso, uma escola holística e participativa
196
é a escola do trabalho necessário, caracterizada por Shulgin (2013), como
aquela em que a teoria e a experiência se articulam com o intuito de
aprofundar, consolidar, expandir, sistematizar, os conhecimentos dos
educandos(as), dando-lhes possibilidades de se transformarem em
participantes da luta pela libertação dos exploradores (SHULGIN, 2013).
O desenvolvimento do DS avança da sistematização dos dados
coletados para a ação concreta de desenvolvimento de um projeto agrícola
baseado no agroecossistema e fundamentado em três dimensões:
econômica, ecológica e sociocultural. Para cada dimensão se utiliza quatro
categorias: potencialidade, limites, perdas e contradições e destas categorias
avaliam-se cinco atributos do agroecossistema: produtividade, estabilidade,
flexibilidade, capacidade de recuperação, autonomia e equidade.
A partir dos trabalhos em grupo durante o TE, no TC são
desenvolvidos trabalhos individuais, ao passo que cada educando(a)
trabalha com 03 famílias da comunidade que pertence, além de outras
tarefas como leituras e fichamentos. Como já pontuado anteriormente, os
trabalhos do TC são acompanhados e avaliadas pelo educador através de
relatórios e da entrega dos trabalhos orientados.
O DS enquanto uma atividade didática e prática, tem a
intencionalidade de proporcionar que o educando(a) possa exercitar uma
maneira alternativa para a intervenção que “supõe uma forma de ação
planejada de caráter social, educacional e técnica” (THIOLLENT, 2000,
p. 07), para agir como um ator da transição agroecológica nas áreas de
assentamento da reforma agrária.
Assim, a proposta pedagógica na EJGS integra teoria e prática, com
a intencionalidade de formar um profissional pesquisador e socialmente
comprometido, como propõe a Projeto Metodológico (PROMET) do
197
curso (MST, 2010). O DS também vai ser a base metodológica para a
elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) dos educandos(as).
Em contato com os TCCs, observa-se o grau de complexidade e
envolvimento das várias disciplinas do conhecimento que o(a)
educando(a) teve que lidar para elaboração de seu TCC. Ali se apresentam
temas referentes a história, sociologia, matemática, economia, desenho,
química, física, dentre outras disciplinas que estão inclusas na análise de
um agroecossistema aberto. Portanto, o TCC é uma forma de abordar a
complexidade social, política e econômica, fazendo com que os
educandos(as) além de realizar um itinerário técnico quase que completo,
também sejam iniciados no exercício de realizar um trabalho científico.
O DS propicia uma integração curricular do curso técnico de
agroecologia, com os problemas da realidade da agricultura brasileira,
promovendoa integração curricular e a possibilidade de organizar o
conhecimento e desenvolver processos de ensino-aprendizagem de forma
que os conceitos sejam apreendidos como sistema de relações de uma
totalidade concreta que se pretende explicar/compreender
Para tanto, com referência em Guhur (2010, p. 228) citando
Ciavatta (2005, p. 02) aponta-se que tipo de integração se trata.
A formação integrada sugere tornar íntegro, inteiro, o ser humano
dividido pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a
ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da
preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado,
escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico-
tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Como formação
humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto
trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do
mundo, [...] formação que, neste sentido, supõe a compreensão das
relações sociais subjacentes a todos os fenômenos.
198
Por meio do DS, a EJGS tenta superar a fragmentação do
conhecimento que é proposta pelo currículo convencional demandado
pelo Estado, sendo a partir dessa atividade didática que se constata o
esforço da Escola em desenvolver uma formação integrada ou politécnica,
num sentido ontológico tendo a dimensão holística e participativa como
elementos em seus princípios pedagógicos.
Contudo, devido as dificuldades que já relatamos anteriormente
sobre os processos educativos também identificamos na pesquisa desafios
a serem superados pela EJGS, tais como: as dificuldades de aprendizagem
dos estudantes, aperfeiçoamento dos planos de trabalho, melhoria nas
parcerias entre as instituições que certificam os cursos, etc.
Outros elementos como a própria concepção da agroecologia
enquanto ciência e o estágio inicial de seus estudos também corroboram
com essas dificuldades. Pontua-se também o momento histórico de
ofensiva do capital e avanço da divisão do trabalho, bem como da
fragmentação do conhecimento científico como fatores contingentes do
desenvolvido do DS de forma mais plena.
Apesar do esforço em formar um técnico diferenciado, com
ideologia e práxis voltado às demandas do MST, para agir como técnico
militante e para alavancar o processo de transição agroecológica nas áreas
da reforma agrária, observa-se que existem muitos desafios e dificuldades
internas do próprio MST, que se depara com o ambiente inóspito de
avanço do capital e regressão dos direitos da classe trabalhadora.
199
Conclusão
Este trabalho abordou a formação de técnico em agroecologia dos
Centros/Escolas de Agroecologia do MST no Paraná, no sentido de
compreender como o MST vem propondo a formação de técnicos
militantes para atuarem nas áreas de assentamento e acampamento da
reforma agrária sob sua hegemonia. Nosso objeto concreto de análise foi o
Centro Escola José Gomes da Silva e a formação da II Turma de técnicos
em agroecologia Revolucionários da Terra, no sentido de compreender
como foi proposto a formação dos cnicos do MST para atuarem no
processo de transição agroecológica.
Para tanto, resgatou-se o debate sobre a questão agrária brasileira e
a consolidação da ATER a partir da década de 1950 até o momento
(2015). Na década de 1950 havia uma efervescência das lutas sociais no
Brasil e particularmente no campo, a questão da reforma agrária começava
a ganhar força nos debates políticos acadêmicos e nas reivindicações dos
trabalhadores do campo. Contudo, apesar do intenso debate a respeito da
questão agrária e da mobilização organizada dos trabalhadores do campo
em volta das Ligas Camponesas, do MASTER e da ULTAB, a reforma
agrária foi duramente abortada pelo golpe militar de 1964.
Com o golpe militar de 1964, os movimentos sociais foram
colocados na clandestinidade e grande parte dos intelectuais de esquerda,
quando não presos e torturados, foram exilados fora do país, a partir de
então, intensificou-se o processo de modernização dependente da
agricultura brasileira, via implantação da chamada Revolução Verde.
200
A ATER ocupou posição estratégica na difusão do modelo agrícola
que passou a ser aplicado no país. Constituída a partir de acordos bilaterais
e políticas de ajudas com organizações estrangeiras, e particularmente com
o governo dos EUA, o modelo de ATER contribuiu com a difusão de
análises socioeconômicas que caracterizaram a situação agrária brasileira
como atrasada, e seguiram um processo de modernização via aquisição
tecnológica e implantação da Revolução Verde.
A não realização de uma reforma agrária de fato e o processo de
“modernização do atraso”, assim como descreveu Florestan Fernandes,
manifestou-se como uma das bases do desenvolvimento dependente do
capitalismo brasileiro, que entre outras coisas manteve um grande
contingente de trabalhadores em condições precárias de sobrevivência, seja
pela substituição dos trabalhadores por maquinários, seja pela falta de
oportunidade de emprego e qualificação dos trabalhadores expulsos das
áreas rurais nas zonas urbanas.
Frente a essa situação, em meio às mobilizações pela
redemocratização do país, no final da década de 1970 e início da década
de 1980, emerge em 1984 o MST, lutando pelo acesso à terra, pela reforma
agrária e por condições dignas de vida no campo e na sociedade. O MST
se estruturou em torno de três caractesticas principais: a) ser um
movimento popular massivo, com livre acesso a todos os interessados em
lutar pela reforma agrária; b) de componente sindical, no sentido
corporativo, que interessa a classe trabalhadora; c) político, não se
restringindo ao aspecto corporativo, de modo que a luta pela reforma
agrária se come como elemento constituinte da luta de classes.
Constatou-se que o MST em seus primeiros 15 anos de atuação,
apesar de uma postura crítica à lógica capitalista de produção, de iniciativas
com referencias nas experiências cubanas, nicaraguenses e soviéticas,
organização alternativa para os trabalhadores com assentamentos
201
completamente coletivos, não conseguiu superar a influência produtiva do
capital representado na Revolução Verde na produção agrícola.
Nessa conjuntura, o MST em um processo de autocrítica e
dialogando com outros movimentos sociais, passa a conceber a necessidade
de enfrentar o modelo produtivo da Revolução Verde. Nessa concepção, a
agroecologia passa a ocupar um espaço estratégico enquanto base
epistemológica para propor uma matriz produtiva alternativa na
organicidade do MST.
Apesar de assumida formalmente pelo MST no ano 2000, as bases
epistemológicas da agroecologia têm suas primeiras manifestações na
década de 1930, a partir da aproximação entre os estudos da ecologia e da
agronomia. Contudo, o avanço da lógica capitalista, com base nas grandes
propriedades, do monocultivo, na intensificação do uso do solo, na
utilização de insumos químicos e de agrotóxicos, acarretou marginalidade
aos estudos sobre a égide da agroecologia.
A partir do final da década de 1970 e início da década de 1980 as
contradições da lógica capitalista sobre o ambiente rural, bem como, sobre
o meio ambiente como um todo, abriu a possibilidade da agroecologia se
fortalecer como campo de estudo e pesquisa alternativo para o
desenvolvimento socioprodutivo da agricultura.
Dentro desta dinâmica, destaca-se duas escolas de agroecologia que
nos parece ter mais destaque nos estudos e difusão da agroecologia. Uma
escola é a norte-americana, tem suas referências em estudos ligados às
comunidades agrárias mexicanas, contribui de forma considerável com o
levantamento, análise e sistematizações sobre práticas produtivas menos
degradante para o meio ambiente.
A outra escola é a espanhola, com destaque ao ISEC. Essa escola
tem como referência comunidades rurais que ainda não se desenvolve
202
completamente sobre a lógica capitalista, dessa forma, além de considerar
as práticas agrícolas menos degradantes presentes na concepção da escola
norte-americana, a escola espanhola incorpora questões sobre a
subjetividade camponesa e uma forte crítica ao modelo hegemônico de
capitalização da agricultura.
Constatou-se que essas duas escolas, bem como a articulação com
outros movimentos sociais, com destaque a Via Campesina, contribuíram
com concepção de agroecologia proposta pelo MST, uma agroecologia que
represente uma base epistemológica alternativa à matriz produtiva da
Revolução Verde, de enfrentamento ao agronegócio e menos degradante.
Nesse sentido, considerando a necessidade de potencializar ações
e referências sob a base epistemológica da agroecologia, o MST no Paraná
tomou a educação e a formação dos seus sujeitos como uns dos caminhos
fundamentais para o desenvolvimento da agroecologia nas áreas da reforma
agrária. Para desenvolver e formar os trabalhadores para o manejo
agroecológico dos agroecossistemas foram criados os Centros/Escolas de
Agroecologia e os cursos técnicos de agroecologia.
Identificou-se que para o MST no Paraná a formação de seus
militantes ocupa posição estratégica no processo para a transição
agroecológica. Tanto os Centros/Escolas quanto os cursos de agroecologia
m a intencionalidade de formar técnicos militantes para atuarem na
transição e difusão da agroecologia, nas estruturas organizativas do
Movimento e nos territórios de assentamento e acampamento sob sua
inflncia.
Analisando como se deu a proposta de formação da Turma
Revolucionários da Terra no Centro/Escola “José Gomes da Silva”,
constatou-se que o processo formativo tem uma intencionalidade
203
específica que busca formar sujeitos vinculados ao Movimento, com o
conhecimento sobre a luta pela terra e os princípios da agroecologia.
Destaca-se que a amplitude da proposta do curso, bem como as
dificuldades para organizar e realizar o processo seletivo, feito por meio da
indicação das Brigadas, fez com que o curso recebesse pessoas com diversos
interesses (militância, técnico, certificado) e com pouco conhecimento
sobre a organicidade do Movimento.
Considera-se que esse baixo conhecimento sobre a organicidade do
Movimento é consequência da composição da Turma Revolucionários da
Terra, composta por educandos bastante jovens. Na autoavaliação da
Turma realizado em 2013, ela foi apontada como a turma mais jovem a
ser formada pelos Centros de Agroecologia do MST no PR. Formada por
jovens com a faixa etária entre 14 e 20 anos, muitos desses jovens moravam
com os pais, alguns de assentamentos mais antigos, que não tiveram
experiências de ações coletivas e de auto-organização antes de iniciar o
curso.
O PPP e a PROMET seguem os princípios ligados à Pedagogia do
Movimento Sem Terra, a pedagogia freiriana, a agroecologia e o
Materialismo histórico-dialético. Dentro dessa proposta, identifica-se a
presença da dimensão holística e participativa, bem como aspirações na
educação politécnica (especialmente como politecnismo) como chave
fundamental para o salto de qualidade nas relações entre trabalho,
educação e escola. Assim, o trabalho, a luta social, a organização coletiva,
a cultura Sem Terra e a história são elementos que permeiam todos os
tempos educativos da Turma.
Importante destacar sobre a dimensão holística e participativa nos
projetos (pedagógico e metodológico) proposto para a Turma, foram as
preocupações apontadas pela banca de arguição na defesa da dissertação.
204
Apontou-se que as discussões teóricas metodológicas do holismo
apresentados no segundo capítulo, segue uma vertente do sistemismo e do
funcionalismo. Se considerarmos isso como verdade, temos uma
contradição com o terceiro capítulo, em que o PPP e a PROMET são
analisados com uma perspectiva dialética, que integra saberes populares e
saberes codificados.
O PPP e a PROMET da Turma Revolucionários da Terra
trabalharam o regime de alternância, dessa maneira, o curso articulava o
processo formativo entre tempo escola (TE) e tempo comunidade (TC). A
proposta do regime de alternância se funda na concepção de uma educação
politécnica que prioriza a construção do vínculo entre conhecimento
codificado adquirido no TE articulado com o conhecimento tácito vivido
no TC.
A proposta da alternância, dependendo da Brigada, enfrentou
(maiores ou menores) dificuldades para articular os dois tempos.
Considera-se que uma baixa compreensão da complementaridade e
articulação entre TE e TC gerou lacunas no exercício da teoria na prática.
Por mais que se tenha desenvolvido uma base teórica da realidade
constituída desde uma perspectiva do materialismo histórico, da
agroecologia e da pedagogia freiriana, as contradições que se apresenta para
o educando(a) durante o TC, bem como, dificuldades de
acompanhamento e de sua inserção nas estruturas organizativas do
Movimento, acabam por gerar limites tanto para a formação teórica
quanto prática do futuro técnico.
Durante o Seminário de Avaliação dos cursos Técnico em
agroecologia (2013), questionou-se se os técnicos formados pelos Centros
estão inseridos e desenvolvendo atividades nas instâncias internas do
Movimento. Constata-se que após a formação de mais de 300 técnicos em
agroecologia pelos Centros/Escolas do MST no PR, não há informações
205
precisas sobre os egressos dos cursos. A hipótese que defendemos é que
num país que bloqueou a reforma agrária e não cria as condições gerais de
produção e reprodução agroecológica, é bem provável que eles estejam
trabalhando no mercado informal ou sobrevivendo a duras penas nos
assentamentos e acampamentos.
Dificuldades como a descrita no parágrafo anterior, foi apontado
pela CPP do curso como algo problemático, demonstra mais um desafio
para o MST em avaliar a intencionalidade de cada momento, os sujeitos
pedagógicos de cada momento, os sujeitos educadores(as) que vão auxiliar
na formação de cada educando(a), observar e analisar os limites e avanços
da proposta pedagógica.
Além das dificuldades internas, outros fatores contribuem para as
variações do paradigma tecnológico na organização socioprodutiva dos
Sem Terra, questões bem mais amplas, como: a) o avanço do capital sobre
o trabalho; b) a paralisação da reforma agrária nos últimos anos; c) a
apropriação da agroecologia pelo o capitalismo verde; d) o nítido
favorecimento do governo pelo agronegócio.
Esse quadro acarreta dificuldades de nível macro para se avançar
com um projeto educativo alternativo. A lógica da empregabilidade e das
competências, hegemônica nas políticas de educação do Estado, dificulta
a construção de propostas educativas alternativas, fato comprovado nas
reclamações sobre a inconstância do PRONERA, por exemplo, com o
atraso no repasse dos recursos para operacionalizar o curso. A inconstância
do orçamento do PRONERA dificulta, por exemplo, formar, manter e
qualificar um corpo pedagógico que contribua na totalidade do curso.
As dificuldades apontadas com o PRONERA comprovam o
desinteresse do governo nos últimos anos em caminhar com uma política
de reforma agrária. Dados apontados sobre o número de famílias
206
assentadas nos últimos anos acusam a morosidade do governo em assentar
famílias. Segundo reportagem de Rodrigo Martins (2015) para Carta
Capital, apesar de alguns avanços com programas sociais, os anos entre
2011 e 2014 teve a menor média anual de assentamentos desde o governo
FHC. A petista Dilma Rousseff assentou 26,8 mil famílias a cada ano,
contra 76,7 mil no período Lula e 67,5 mil nos mandatos de FHC.
Apesar de tentar mostrar uma posição que se liga a pauta dos
movimentos sociais ao eleger como Ministro do Desenvolvimento Agrário
o senador Patrus Ananias, que possui uma relação com a luta da classe
trabalhadora, a morosidade destinada a reforma agrária e o favorecimento
do agronegócio pelo governo pode ser constatado pela atual Ministra da
Agricultura, senadora Kátia Abreu, representante declarada do
agronegócio no Brasil.
A presença de uma latifundiária como Ministra da Agricultura,
além de representar um cenário de correlação de forças favorável ao capital
sobre o trabalho, aprofunda um desenvolvimento predatório, pautado na
transgenia, no monocultivo, no uso de agrotóxicos e coloca a questão dos
recursos naturais sobre a especulação e monopólio do capital financeiro.
Essa estrutura que sustenta as bases do agronegócio, impacta
diretamente a agroecologia enquanto base epistemológica e matriz
produtiva alternativa. A famigerada ganância do capital não mede esforço
em tentar se apropriar da agroecologia com uma perspectiva
mercadológica, camuflada com conceitos como “verde” e “sustentável”.
Dificuldades relacionadas ao momento histórico atual, a
fragmentação dos conhecimentos e a dissociação de interesse de classes no
atual debate científico e tecnológico, também acarreta dificuldades para o
desenvolvimento da agroecologia enquanto base epistemológica
alternativa.
207
Tanto a agroecologia, quando a proposta de uma formação técnica
alternativa, são questões que se encontram em disputa. Se faz necessário,
que o debate e estudos sobre experiências de produção e de formação
alternativas como a que vem sendo desenvolvida pelo MST e por outros
movimentos sociais, avance, buscando cada vez mais denunciar e enfrentar
as contradições do capital e a lógica mercantil imposta a tudo e a todos.
Assim, estudos ligados à luta e à resistência da classe trabalhadora,
pela agroecologia, por uma proposta de educação com caráter de
emancipação, vinculado a realidade de cada local, nos parece uma
obrigação para que, além de estabelecer a crítica necessária às contradições
do capital, possa também sistematizar e apresentar alternativas para superá-
lo, desde uma perspectiva da práxis material e subjetiva da classe
trabalhadora.
209
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SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Revisão e Normalização
Livia Mendes Pereira
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
ESTUDO, TRABALHO E AGROECOLOGIA
apontamentos sobre a formação técnica
do MST (PR)
João Henrique Souza Pires
O livro de João Henrique Souza Pires é fruto de uma rica combinação entre
seus estudos no mestrado em educação, na Universidade Estadual Paulista,
e sua trajetória de militância no interior do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST).
Leitoras e leitores encontrarão, aqui, uma análise das práticas de formação de
técnicos em agroecologia desenvolvida nos centros/escolas controlados pelo
MST. Especicamente, das práticas pedagógicas e metodológicas do curso
de técnico em agroecologia integrado ao ensino médio, realizado na Escola
José Gomes da Silva (Paraná). O contexto em que se realiza a análise também
deve ser destacado, pois refere-se à uma mudança que ocorre na tentativa de
superação da matriz dominante sobre a questão agrária no Brasil, construída
desde o período da Ditadura Civil-Militar sob a famigerada “revolução ver-
de”.
Como contraponto a essa matriz conservadora, o estudo de Pires tem como
eixo estruturante o que denomina de “transição” à agroecologia, cujas con-
cepções e histórico no Brasil são analisados. No âmbito das atividades educa-
cionais do MST, a relevância dessa transição encontra na análise da constru-
ção dos Centros/Escolas de Agroecologia do Paraná um momento decisivo.
Pode-se dizer, assim, que uma das principais contribuições deste livro está na
forma como ele nos ajuda a compreender as razões pelas quais a transição para
a matriz agroecológica e as atividades educacionais autônomas do MST con-
formam um único e mesmo processo, ainda que esse não seja hegemônico no
interior do movimento.
As profundas contradições que vêm marcando o avanço do “agronegócio”
no campo brasileiro, inexoravelmente acompanhado de avanços destrutivos
sobre os ecossistemas ainda existentes e relativamente preservados, tornam
redundante falar da atualidade dessas temáticas. Que a leitura do livro seja,
portanto, um convite ao engajamento nas lutas do nosso tempo, em todos
campos, mas especialmente neste que emerge da fusão entre agroecologia e
educação.
O livro de João Henrique Souza
Pires intitulado Estudo, trabalho e agroe-
cologia: apontamentos sobre a formação téc-
nica do MST (PR) apresenta os resultados
de pesquisa muito relevante. A relevân-
cia encontra-se no fato de que o texto
coloca em destaque um tipo de forma-
ção técnico-educacional diferenciada
implantada por um movimento social.
Além disso, esse tipo de formação arti-
cula ensino e trabalho produtivo, em es-
pecial na agroecologia.
O MST é um dos maiores e mais
conhecidos movimentos sociais da Amé-
rica Latina. Desde sua fundação, que
ocorreu no ano de 1984, buscou concre-
tizar três de seus principais objetivos: ob-
ter a terra; forjar uma educação segundo
as necessidades e interesses dos povos do
campo; e organizar o trabalho sem a ex-
ploração típica do capitalismo.
A agroecologia foi adotada pelo
MST nos anos de 2000. A partir da crí-
tica à denominada revolução verde e ao
agronegócio, que trouxeram sérias con-
sequências para a reforma agrária, como,
por exemplo, o uso intensivo de agrotó-
xico, sementes transgênicas e contami-
nação da terra e da água, o MST passou a
desenvolver a matriz sócio-produtiva da
agroecologia. Ao adotar a agroecologia,
o MST se confrontou com os interesses
do agronegócio e, ao mesmo tempo, as-
sumiu uma proposta cientíca e tecno-
lógica de produção no campo, que tenta
utilizar técnicas menos degradantes do
meio ambiente, e resgatar os saberes tra-
dicionais dos povos, progressivamente
destruídos pelo modelo agrícola hege-
mônico.
Para desenvolver a agroecologia
em seus assentamentos e acampamen-
tos, o MST, em especial no Estado do
Paraná, observou que a educação geral
e a formação técnico-cientíca de seus
militantes era um elemento fundamen-
tal. Desse modo, dentre as ações adota-
das, o MST-PR criou Centros e Escolas
de Agroecologia, dos quais destacamos
a Escola Latina Americana de Agroe-
cologia, o Centro de Desenvolvimento
Sustentável e Capacitação em Agroeco-
logia, a Escola José Gomes da Silva e a
Escola Milton Santos.
Neste trabalho, o autor analisa a
formação técnico-cientíca e as práti-
cas pedagógicas e metodológicas do
Curso Técnico em Agroecologia e En-
sino Médio Integrado desenvolvido na
Escola José Gomes da Silva (EJGS), de
2010 a 2013. Para tanto, Pires analisa a
proposta de formação técnica em agro-
ecologia, o Projeto Político Pedagógi-
co (PPP) e o Projeto Metodológico da
EJGS, tomando por base o processo de
ensino e aprendizagem da Turma Revo-
lucionários da Terra. A qualidade des-
te texto oferecido aos leitores faz com
que os interessados na temática possam
compreender o que é a agroecologia e
acompanhar a implantação e o desenvol-
vimento de um Curso do MST.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
ESTUDO, TRABALHO E AGROECOLOGIA
João Henrique Souza Pires
NEUSA MARIA DAL RI | UNESP
LALO WATANABE MINTO | UNICAMP