Amanda Valiengo
A discussão acerca da alfabetização e formação de alfabetizadores luso-
-brasileiros norteia os debates neste livro. Ao lançar um olhar atento às
realidades dos programas de Formação Continuada e seus impactos para
os processos de alfabetização, esse estudo oferece argumentações e retratos
que nascem das narrativas dos atores principais dessas práxis: os professores
alfabetizadores.
O pano de fundo dessa obra é a história da formação docente, seus modos
de preparo, reexos e intersecções que marcaram a formação docente nes-
ses dois países. Tudo isso narrado por aqueles que vivenciaram, na prática,
duas das iniciativas governamentais voltadas a esse m: o Programa Letra
e Vida (São Paulo/Brasil) e do Programa Nacional de Ensino do Português
(Portugal).
A partir das situações de acolhimento e escuta das narrativas dos partici-
pantes do estudo, o livro propõe uma discussão madura sobre a projeção e
a real efetividade desses programas formativos de professoras e professores,
cujo objetivo se refere à “humanização” desses educadores, mediante uma
instrumentalização teórica e metodológica.
Nesses processos, o desao posto é a criação de condições favoráveis para
estudos e reexões sobre o papel da educação escolar, evidenciando a ati-
vidade docente e a das jovens gerações.
A leitura de “Tornar-se alfabetiza-
dora: narrativas de professoras portuguesas
e brasileiras” convida a leitora e o leitor
a pensar sobre possibilidades de tessitu-
ras de os e movimentos dedicados a um
olhar crítico e mobilizador, em diferentes
frentes. E, assim, traz à baila o debate so-
bre o cenário de potencialidades e desa-
os da escola, como lugar para abalo das
certezas catalizadora de corpos e mentes.
A obra apresenta uma breve histó-
ria da escolarização, da alfabetização e da
formação de professores. O que escutamos
nas narrativas das professoras e do profes-
sor nos mostra que os tempos quase sem-
pre foram difíceis. Ao largo dessas ques-
tões estão avanços inegáveis, mas também
retrocessos. Esse estudo e tudo o que vi-
vemos nesta segunda década dos anos dois
mil explicitam o quão voláteis são as po-
líticas públicas para a educação. Nas prá-
ticas alfabetizadoras perduram, em mui-
tos casos, métodos tradicionais de ensino
que pouco contribuem para a formação.
Este livro remonta uma pesquisa
que foi realizada há quase dez anos, (re)
visitar modos de se alfabetizar, de se tor-
nar alfabetizadora, de se fazer formações
e de se transformar as práticas pedagógi-
cas pode se converter em um dispositivo
potente para pensarmos o agora e plane-
jarmos o futuro. Um convite para a es-
perança e novas ações teóricas e práticas.
Amanda Valiengo possui Graduação em Pe-
dagogia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho - Campus de Marí-
lia (2005). Concluiu Mestrado em Educação
(2008) e Doutorado em Educação, com es-
tágio em Portugal (2012) pela mesma Uni-
versidade. Pós-doutora pela Universidade
Federal do Espírito Santo (2018). Atualmen-
te, é professora Adjunta da Universidade
Federal de São João Del Rei, MG, no De-
partamento de Ciências da Educação e no
Mestrado em Educação. É pesquisadora na
área de Educação Infantil, brincadeira e lei-
tura para a infância. Líder do Grupo de Es-
tudo e Pesquisa CRIA - Centro de respeito
às infâncias e suas aprendizagens. Membro
do grupo de pesquisa: Grupo de Estudos e
de Pesquisa em Especicidades da docência
na Educação Infantil (GEPEDEI, Unesp -
Marília). Coordenadora de área no PIBID
-Pedagogia. Desenvolve um projeto de ex-
tensão: CRIAÇÃO, envolvendo a educação
infantil e as artes. Foi professora na Univer-
sidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri, MG, nos Curso de Licenciatura em
Pedagogia e Bacharelado em Humanidades
(2013-2016). Atuou como Vice-coordena-
dora da Licenciatura em Pedagogia (2013-
2015). Coordenou o subprojeto PIBID In-
terdisciplinar Ler e Ser (UFVJM-Campus
JK), envolvendo três áreas de conhecimento:
Educação Física, Letras e Pedagogia (2014-
2016). Exerceu atividades de docência nas
séries iniciais do Ensino Fundamental na
Prefeitura de Mogi das Cruzes, SP, de Vera
Cruz, SP e na rede estadual de Ensino do es-
tado de São Paulo. Foi professora universitá-
ria na Faculdade UNISUZ (Suzano) (2008-
2013) e Universidade Brás Cubas (Mogi das
Cruzes) (2012-2013).
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
TORNAR-SE ALFABETIZADORA
Amanda Valiengo
narrativas de professoras
portuguesas e brasileiras
TORNAR-SE
ALFABETIZADORA
TORNAR-SE ALFABETIZADORA
narrativas de professoras portuguesas e brasileiras
Amanda Valiengo
TORNAR-SE ALFABETIZADORA
narrativas de professoras portuguesas e brasileiras
Amanda Valiengo
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Imagem da capa: https://unsplash.com/s/photos/free
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Valiengo, Amanda.
V172t Tornar-se alfabetizadora: narrativas de professoras brasileiras e portuguesas / Amanda
Valiengo. – Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2021.
259 p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-111-9 (Digital)
ISBN 978-65-5954-110-2 (Impresso)
1. Educação. 2. Alfabetização. 3. Formação de professores - Brasil. 4. Formação de
professores - Portugal. I. Título.
CDD 370.71
Copyright © 2021, Faculdade de Filosofia e Cncias
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
DOI: https://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-111-9
Às minhas queridas tias Nete e Mema. Aos meus pais.
A todas as Professoras (da escola e da vida) e às
crianças que foram e ainda serão alfabetizadas.
Agradecimentos
Se eu perdesse a vontade de agradecer,
me sentiria derrotado”.
(Valter Hugo Mãe)
Especialmente durante a feitura desta pesquisa até nos dias atuais,
talvez, o que eu mais tenho aprendido é a ser grata. Sou imensamente
grata a todo processo vivenciado durante esse trabalho e, agora, a essa
possibilidade de revisitá-lo, depois de quase dez anos, para elaborar, com
novos olhares, essa obra.
Agradeço:
A Deus, por estar em todos os lugares e situações, antes, durante e
depois da minha vida.
Aos meus pais, João e Arlene, pelo alicerce constate para tudo,
tudo.
À minha irmã, amiga e professora, Camila, por todos
compartilhamentos.
Ao Cassiano, à Lyra e ao Yuri, pelos sorrisos e desprendimento de
amor gratuito e sem hora marcada.
Ao meu Divino amor, pela família, pelas conversas, e pelas ajudas
específicas neste livro.
Ao Tuta, à Ruth, ao Calebe e à Dona Carmem, assim como a
todos mentores, pelos auxílios espirituais.
Aos meus queridos familiares e amigos, por me darem a
oportunidade dos cuidados.
A todos professores parceiros da pesquisa, direta e indiretamente,
aos gestores das escolas.
Ao Ministério da Educação de Portugal e à Secretaria de
Educação de Mogi das Cruzes, pela gentileza, disponibilidade e
paciência.
À Elieuza, minha amiga, parceira mais experiente e companheira
de escritas, por me instigar e apoiar no exercício de materialização de
grande parte de minhas produções acadêmicas.
À Edith e Dina, por serem o porto seguro onde me ancorei e me
permiti a leveza necessária para a concretização desse estudo apresentado,
dentre tantas relações para além da pesquisa.
À Doutora Raquel Lazzari Leite Barbosa, orientadora desse
estudo, por se tornar a “ponte” para muitas outras possibilidades de vida.
Ao Doutor Domingos Fernandes, coorientador dessa pesquisa,
por ratificar a necessidade da humildade nos processos da profissão.
À Capes, pela Bolsa concedida durante a realização do estágio no
exterior.
A todos que participaram e contribuíram para que esse momento
fosse melhor e mais produtivo.
Nunca estarei absolutamente derrotado na
convicção de que existir é um convite à
ternura, ao cuidado, ao outro”.
(Valter Hugo Mãe)
Lista de abreviaturas e siglas
BR Brasil
CEFAM Centro de Formação Profissional de Nível Médio
CENP Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria
da Educação do Estado de São Paulo
EAD Educação à distância
ECTS Eropean Credit Transfer and Accumulation System
FDE Fundação para o Desenvolvimento da Educação
INAF Indicador de Alfabetismo Funcional
LDB Segundo a Lei de Diretrizes e Bases
MEC Ministério da Educação
PEC Programa de Educação Continuada
PISA Programa Internacional de Avaliação de Alunos
PNEP _ Programa Nacional de Ensino do Português
PRODEP Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal
PUC/SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PT Portugal
SESI Serviço Social da Instria
UNOPAR Universidade Norte do Paraná
USP Universidade de São Paulo
UNESP Universidade Estadual Paulista
SARESP Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de
São Paulo
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
UFSJ/MG Universidade Federal de São João del Rei Minas Gerais
UFVJM/MG Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri Minas Gerais
UNESCO United Nations Educacional, Scientific and cultural
Organization
SP São Paulo
Surio
Prefácio..................................................................................
15
Apresentação do livro.............................................................
21
Introdução..............................................................................
23
Capítulo I Retomada histórico educacional: breve
panorama da escolarização e formação de professores
alfabetizadores em Portugal....................................................
35
Capítulo II - Sobre Cartilhas e a fortuna das palavras: as
narrativas de professores alfabetizadores portugueses............... 71
Capítulo III Retomada histórico educacional: breve
panorama da escolarização e formação de professores
alfabetizadores no Brasil.........................................................
131
Capítulo IV Sobre morosidade e amorosidades no aprender
a ler, escrever e ser: narrativas de professoras alfabetizadoras
brasileiras................................................................................
171
Um ponto final ou apenas reticências.....................................
225
Referências.............................................................................
237
15
Precio
Para bem criar passarinho é proveitoso ignorar as grades, as prisões, as
teias. É bom se desfazer das paredes, cercas, muros e soltar-se, deixar-se
vagar entre perfume e brisa. É melhor ainda não dispor de trilhas ou
veredas e ter o ar inteiro como um espaço pequeno para a ligeireza das
asas. (QUEIRÓS, 2009, página amarela).
A sensibilidade do poeta é inspiração para a tessitura deste texto
produzido em momento histórico tão catastrófico e intensificador das
desigualdades sociais e culturais. Estamos em contexto pandêmico
mais de um ano, período em que milhares de mortos compõem triste
estatística no Brasil e no mundo.
Especialmente em terras brasileiras, onde componho este
prefácio, vivemos palcos de lutas. Um deles se circunscreve no desafio
atual de manutenção da vida dos sobreviventes de uma doença
avassaladora provocada pelo SARS-CoV-2 (Coranavirus disease 2019,
conforme designação na língua inglesa). Outro, não menos letal e
sombrio, é desenhado e cultivado numa sociedade capitalista como a
nossa, onde milhares de famílias ultrapassam a linha da pobreza e
constituem lugares no cenário dos miseráveis lutadores pela subsistência,
palco ampliado pelos altos índices de desemprego e injustiças sociais.
Afetada pela dor das famílias que choram a perda de seus entes
queridos e das outras que vivem a morte lenta pela falta de condições
favoráveis para satisfação de necessidades básicas (alimentação, saúde e
DOI: https://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-111-9.p15-20
16
moradia), a riqueza poética de Queirós (2009) impulsiona exercícios de
reflexão e de ações políticas e sociais dirigidos à potencialização da
satisfação dessas necessidades vitais e da criação de novas necessidades
capazes de motivar o desenvolvimento de inteligências e personalidades
compositoras de uma sociedade com novos contornos e lugares, a partir
de seus voos plenos, como pessoas mais libertas e engajadas.
Um debate necessário nesse movimento de reflexões envolve o
papel social da escola e de seus agentes intelectuais (equipe, professoras e
professores e outros profissionais atuantes no ambiente escolar). Trata-se
do delineamento de discussões fundamentadas nos avanços científicos e
políticos sobre o valor desse espaço para a constituição humana em sua
inteireza e sua potencialidade para edificação de uma sociedade mais justa
e emancipada.
A escola contemporânea nos desafia, continuamente, a desfazer
suas cercas e muros revelados em suas constituições prediais, mas,
sobretudo, em proposições educativas pouco ou nada efetivas à
integralidade da educação da pessoa, conforme lindamente versa Queirós
(2009) no excerto logo acima.
Uma escola projetada para humanização rompe as grades e as
teias aprisionadoras dos corpos, constituindo-se ambiente com “ar
inteiro” para que seus atores principais (crianças, professores e demais
profissionais que ali atuam) possam cultivar a “ligeireza das asas”, em
encontros com elementos da cultura produzida pelas gerações que os
antecederam, cooperando para o alargamento das produções sociais por
meio de suas atividades. Além de se formarem como pessoas dirigentes e
conscientes de suas próprias histórias, eles podem contribuir ativamente
para guiarem revoluções vitais à criação de contextos de maior justiça
social e liberdade humana.
17
Queirós (2009) declara em tons poéticos uma escola
originalmente plural e aberta à atividade humana, para bem “criar”
crianças, jovens e adultos que aprendem a ser humanos em contextos
culturais, sociais e políticos propícios à harmonia do desenvolvimento de
suas inteligências e personalidades (VYGOTSKI, 1995; VIGOTSKI,
2010).
Ao encontro desses exercícios de consciência educacional, política
e social, as páginas do livro da professora e pesquisadora Amanda
Valiengo (com quem tenho o privilégio de conviver e aprender a ser mais
humana) convoca-nos a navegar “além mar”, com a responsabilidade e o
compromisso de (re)pensar o cultivo de cenários formativos de crianças e
dos profissionais que as educam, como possibilidades de mobilizão de
certezas e tradições que se perpetuam ao longo da história da
alfabetização no Brasil e em Portugal.
Em contextos luso-brasileiros são tecidas compreensões sobre
Programas de Formação Continuada com impactos para processos de
alfabetização, discutidas com rigor e profundidade pela autora. Os
estudos e argumentações científicas retratados por ela resultam de
vivências de pesquisa em dois países com histórias particulares e,
também, com pontos de intersecção. Trazem aspectos históricos e
pedagógicos referentes à formação docente e às repercussões do Programa
Letra e Vida (São Paulo/Brasil) e do Programa Nacional de Ensino do
Português (Portugal).
A partir das situações de acolhimento e escuta das narrativas
docentes, parceiras do estudo, o livro põe em debate a projeção e a
efetividade de programas formativos de professoras e professores, cujo
objetivo se direcione à humanização desses educadores, mediante sua
instrumentalização teórica e metodológica. Nesses processos, o desafio
18
posto é a criação de condições favoráveis para estudos e reflexões sobre o
papel da educação escolar, evidenciando a atividade docente e a das
jovens gerações.
Como argumentado ao longo das partes que compõem a obra, as
marcas de nossa humanidade são apropriadas mediante atividades nas
quais elas sejam necessárias, mobilizadas ao uso e façam sentido para
quem delas se apropria. Essencialmente essas capacidades tipicamente
culturais entram em movimento no seio de “práticas pedagógicas
humanizadoras” que “[...] [possam] ser caracterizadas como aquelas em
que os encaminhamentos teórico-metodológicos expressem a ideia de
capacidade plena das crianças no processo de ensino-aprendizagem”
(CHAVES, 2011, p. 98).
A experiência social é, desse ponto de vista, a fonte do
desenvolvimento psíquico da pessoa. No processo de apropriação dessa
experiência, a professora e o professor atuam como propositores de
situações educativas intencionalmente planejadas, vividas e avaliadas para
que a geração jovem se aproprie de bens culturais como base
fundamental para a constituição das qualidades psíquicas inerentes à sua
inteligência e personalidade.
Esse entendimento tem implicação pedagógica decisiva,
descaracterizando ações estéreis e esvaziadas de sentido, pouco capazes de
garantir aprendizados essenciais ao desenvolvimento amplo da criança e
tampouco de envol-la completa e inteiramente como pessoa ativa,
capaz de fazer, ser e se relacionar como protagonista das suas
aprendizagens.
A leitura da obra completa oferece à leitora e ao leitor
oportunidades de tessitura de fios e movimentos dedicados a
questionamentos, desconfianças e mobilizações em diferentes frentes, o
19
que inclui o cenário das potencialidades e desafios da escola, como lugar
para abalo de certezas muitas vezes mobilizadoras dos nossos corpos e
mentes:
Para bem criar passarinho é preciso ter ao alcance das mãos a linha do
horizonte para escrever poesia para passarinhos cantarem. E isso se torna
possível soltando o olhar para o bem depois das montanhas, dos mares,
deixando o carinho murmurar rascunho de poema (QUEIRÓS, 2009,
página lilás).
Elieuza Aparecida de Lima
Marília, SP.
(Em isolamento social, perspectivando encontros e diálogos)
Referências
CHAVES, Marta. Enlaces da Teoria Histórico-Cultural com a Literatura
Infantil. In: CHAVES, Marta (org.). Práticas Pedagógicas e Literatura
Infantil. Maringá: Eduem, 2011. p. 97-105.
QUEIS, Bartolomeu Campos de. Para criar passarinho. 2. ed. São
Paulo: Global, 2009.
VIGOTSKI, Lev Semionovitch. Quarta aula: a questão do meio na
pedologia. Tradução de Márcia Pileggi Vinha. Psicologia USP, São
Paulo, v. 21, n. 4, p. 681-701, 2010. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/psicousp/article/view/42022. Acesso em: 06
abr. 2021.
20
VYGOTSKI, Lev Semionovitch. Problemas del desarrollo de la psique.
Obras Escogidas. Vol. III. Madrid: Visor, 1995.
21
22
Apresentação do livro
Há uma felicidade para os tempos difíceis.
Sei que é importante seguir à procura.
(Valter Hugo Mãe)
A breve história da escolarização, da alfabetização e da formação
de professores apresentada neste livro, mostra que os tempos quase
sempre foram difíceis. Tivemos avanços inegáveis e também retrocessos.
As políticas públicas para a educação são voláteis e as práticas
alfabetizadoras mantém, em muitos casos,todos tradicionais de ensino
que pouco contribuem para a formação das pessoas que de fato usem a
leitura e a escrita para satisfazer usos sociais reais e às necessidades
humanas.
Os tempos atuais são difíceis, também pela experiência mundial
da Doença do Coronavírus, que, dentre tantas coisas, parece nos ajudar a
descortinar e atenuar a fome, a miséria, assim como os problemas da
escola. Dentre eles, o da alfabetização.
Apesar deste livro não tratar deste tempo, pois a pesquisa foi
realizada há quase dez anos, (re)visitar modos de se alfabetizar, de se
tornar alfabetizadora, de se fazer formações e de se transformar as práticas
pedagógicas pode, quiçá, ser incentivo para continuar a busca pela
felicidade, como diz Valter Hugo Mãe.
23
Intitulei este livro de “Tornar-se alfabetizadora: narrativas de
professoras portuguesas e brasileiras”. Usei as palavras no gênero
feminino, embora tenha um professor parceiro da pesquisa, porque a
grande maioria dos professores alfabetizadores, são mulheres, tanto em
Portugal, como no Brasil.
Espero que a leitura das páginas seguintes seja provocadora de
reflexões, de mudanças e de possibilidades reais para uma alfabetização
para além das letras, na esperança de termos dias e pessoas mais felizes.
24
Introdução
A força do pensamento haverá de criar coisas incríveis, científicas,
intuitivas, maravilhosas, profundas, necessárias, movedoras,
salvadoras, deslumbrantes ou amigas. Pensar é como fazer. Quem
só faz e não pensa só faz uma parte.
Para a beleza é imperioso acreditar. Quem não acredita não está
preparado para ser melhor do que já é. Até para ver a realidade é
importante acreditar. A minha mãe disse que eu virei um
sonhador. Para mudar o mundo, sei bem, é preciso sonhar
acordado. Apenas os que desistiram guardam o sonho para o
tempo de dormir.
(Valter Hugo Mãe)
Desde que estou enlaçada com a educação, há mais de 20 anos,
penso sobre a necessidade de se sonhar para promover mudanças no
mundo. Estudar, criar, fazer ciência e manter a intuição sempre atenta
são atributos que tento cultivar e viver com outras pessoas: desde as
vivências de alfabetização das crianças até no exercício de formação de
professores.
Este livro é parte da pesquisa Programas de Formação de
Alfabetizadores em Portugal e no Brasil: representações de professores
(VALIENGO, 2012), um marco em minha trajetória. O tema dessa
pesquisa realizada surgiu a partir de observações da minha própria prática
pedagógica, do meu olhar, enquanto professora de instituições de Ensino
Superior (das redes Pública e Privada), do Ensino Fundamental da Rede
25
Pública Estadual Paulista e de inúmeros Cursos de Formação, de
Professoras e de Professores, realizados em várias regiões do Brasil.
Após o rmino da pesquisa, ingressei como professora efetiva no
Ensino Superior, em 2013, na Universidade Federal dos Vales do
Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM/MG). Durante os quatro anos de
atuação nessa instituição, ministrei disciplinas relacionadas à Educação
Infantil e à alfabetização no Ensino Fundamental, o que me permitiu
articular ensino, pesquisa e extensão na formação de novos profissionais.
Em seguida, desde 2017, me tornei professora efetiva na Universidade
Federal de São João del Rei (UFSJ/MG). Nesses contextos, consegui
vivenciar mais intensamente as reflexões sobre as formações iniciais e
continuadas de professores.
Minha trajetória acadêmica como estudante tem início na Rede
Pública de Ensino, onde cursei a Educação Infantil e a primeira série.
Como muitas outras crianças brasileiras, fui alfabetizada mediante o uso
da cartilha e do exercício do treino motor para o aprendizado da língua
escrita e da decodificação da escrita, por meio da leitura. Nos anos
seguintes, nos ensinos Fundamental e Médio, meu percurso acadêmico
foi marcado por pontos negativos e positivos. Estes se referem,
especialmente, às artes, particularmente àquelas relacionadas ao teatro,
explico: embora as aulas de teatro fossem extracurriculares, elas me
estimulavam a frequentar as aulas diárias, onde o meu aprendizado era
cravado de conteúdos pouco motivadores. Mas, mesmo assim, ainda no
Ensino Fundamental, já sentia a necessidade, de ir além do Ensino
dio tradicional. Nascia em mim a semente do desejo de cursar o
Magistério.
A docência fazia parte do meu cotidiano. Muitos dos meus
familiares também eram e são professores. Tive o privilégio de fazer a
26
pré-escola e ser alfabetizada, na primeira série do Ensino Fundamental,
por minha tia, minha amada, dedicada e inquieta professora Nete. Dessa
forma, a docência ainda é e sempre será um motor que me impulsiona
rumo às muitas memórias afetivas de minha infância e primeira
juventude.
No Magistério, percebi o pragmatismo da formação docente:
faltavam-me subsídios teóricos para a formação e a posterior atuação
pedagógica. Aquela falha na minha formação era amenizada pelo diálogo
contínuo com minha irmã, Camila, que, na época, já cursava Pedagogia.
Daqueles estudos, emergiu a necessidade de ampliação das
referências teóricas em algum Curso de Graduação. Assim, no ano 2002,
ingressava no Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Paulista
(Unesp), em Marília/SP, onde fiz amizades para a vida toda. Antes disso,
porém, comecei a atuar como professora em uma Organização Não
Governamental dirigida ao trabalho com crianças de sete até quatorze
anos de idade, que, em período contrário, eram alunas da Rede Pública
de Ensino do Estado São Paulo.
Durante os anos da graduação, iniciei também a docência na
Prefeitura Municipal de Vera Cruz/SP. Nessa atuação, trabalhava com
crianças da quarta série, com aparentes dificuldades nos processos de
leitura e de escrita. Depois de dois anos nessa série, comecei um outro
trabalho com as crianças de primeira série. Agora, outras inquietações
começaram me tomar. Dentre elas, a questão de como essas crianças
eram e poderiam ser alfabetizadas.
No contato diário com crianças, eu percebia que,
independentemente da idade e/ou série, muitos alunos - mais da metade
- ao serem inseridos em situações provocadoras de produção e de leitura
27
de textos, revelaram dificuldades de comunicação na escrita. Isso, mesmo
sendo considerados alfabetizados pelos professores dos anos anteriores.
Ao mesmo tempo, como professora dos anos iniciais do Ensino
Fundamental e um curto tempo como coordenadora pedagógica,
conversava com muitas professoras alfabetizadoras. Nesses diálogos,
percebia, muitas vezes, uma falta de formação adequada (tanto vinda das
formações iniciais, como das continuadas) para ensinar as crianças a
aquisição da leitura e da escrita.
Como professora, cursei o Programa de Formação Continuada
Letra e Vida. Depois, como coordenadora pedagógica e professora,
vivenciei a formação e as propostas do Ler e Escrever, juntamente com as
professoras e crianças da escola onde atuava. E foi d que surgiu o
atravessamento das questões geradoras da pesquisa realizada: quais eram
as repercussões de um programa de formação continuada (mais
especificamente o Letra e Vida) na maneira de alfabetizar das professoras?
Existiam mudanças? Como as professoras alfabetizavam? Como foram
suas trajetórias de estudantes e de formação para atuação em turmas de
alfabetização? Em Portugal (país que auxiliou na oficialização da escola
no Brasil), as professoras alfabetizavam de maneira parecida com as
brasileiras? Utilizavam métodos? Cartilhas e/ou manuais? Tinham
formações continuadas? Que mudanças (ou não) tinham nas práticas
educativas depois que realizavam alguma formação continuada (mais
especificamente o Programa Nacional de Ensino do Português PNEP)?
Diante de todos esses enigmas, apresento aos leitores as narrativas
de dez professores alfabetizadores, portugueses e brasileiros, acerca de
suas trajetórias acadêmicas e profissionais, especialmente no que se refere
às formações continuadas Letra e Vida (BR) e Programa Nacional de
Ensino do Português (PT).
28
No desenrolar da pesquisa, o primeiro foco do estudo foi dirigido
à realidade brasileira, especificamente, na cidade de Mogi das Cruzes,
situada na região metropolitana de São Paulo. O Letra e Vida foi o
escolhido, estudado e apresentado na no estudo realizado, por ter sido a
última proposta de formação em nosso país, em níveis Federal e Estadual,
na época. Foram entrevistadas cinco professoras parceiras da pesquisa.
Por meio da pesquisa eletrônica, realizei as buscas por formações
análogas em Portugal. Neste intento, descobri um programa que tinha
sido realizado em nível nacional: o Programa Nacional de Ensino do
Português (PNEP). Fui conhecê-lo pessoalmente. Durante quatro meses,
tive a oportunidade de acessar todo o material do PNEP, conversei com
alguns de seus idealizadores e seus formadores e, da mesma maneira
como tinha feito no Brasil, entrevistei cinco professores portugueses.
O Programa Letra e Vida é uma formação continuada destinada
aos professores alfabetizadores. O material foi produzido no ano 2.000
pelo MEC (Ministério da Educação) e utilizado para a formação, a partir
de 2001. Ele foi adotado pelos Municípios, Estados e universidades, em
parceria com o MEC.
O Programa Nacional de Ensino do Português (PNEP) também
é um curso de formação continuada destinado aos professores
alfabetizadores do ensino público de Portugal. Foi criado pelo Ministério
da Educação daquele país, no ano letivo de 2006/2007, por meio do
despacho nº 546/2007.
O PNEP visa o aprimoramento do ensino e da aprendizagem da
leitura e da escrita, bem como a valorização das competências do
professor, pois os alunos apresentam baixa competência para ler e
29
escrever (PORTUGAL, 2007a). O principal objetivo do PNEP é a
melhoria dos níveis de compreensão de leitura e de expressão oral e
escrita nas escolas do 1º Ciclo, por intermédio da modificação das
práticas docentes do ensino da língua.
A formação dos professores para o aprimoramento da qualidade
da educação é uma das premissas dos Estados-nação. De maneira geral,
por meio da globalização, um dos objetivos desses é a educação das
pessoas como geradora de progresso, tanto individual como coletivo.
Assim, visam a formação de uma sociedade nacional desenvolvida e
integrada. Uma das consequências dessa política é que a educação fica
mundialmente
estandardizada”, pois, isso implica em dispositivos
comuns (MEYER, 2000).
Os sistemas educativos sofrem influências globais relativas à
expansão em massa do número de alunos. Há o princípio de escolaridade
obrigatória e a expansão do Ensino Universitário. No currículo, há
semelhanças e mudanças convergentes influenciadas por avaliações
internacionais de cunho comparativo e, embora existam diferentes
tradições de estrutura organizacional, a criação de configurações comuns
para a supervisão nacional provoca sua expansão de maneira isomórfica.
Uma de suas características é “[...] a configuração estandardizada da sala
de aulacom o
professor profissionalizado’” (MEYER, 2000, p. 19), com
ênfase no professor.
Os sistemas educativos têm algumas características em comum,
na contemporaneidade: a crescente influência das organizações
internacionais determinantes da educação, como é o caso da UNESCO
(United Nations Educacional, Scientific and cultural Organization) e do
30
Banco Mundial; o conhecimento, produzido com a ciência, com estatuto
de autoridade difundido por consultores espalhados pelo sistema
educativo, e as regras relativas aos direitos, ao desenvolvimento nacional
ou a aspectos da identidade (MAUÉS, 2009).
Os dois países pesquisados, Portugal e Brasil, apresentam as
características acima mencionadas, marcadas pela globalização, além de
outros pontos em comum, tais como: possuem a língua portuguesa como
idioma materno, pontos análogos na história da educação e a utilização
contínua de cartilhas na alfabetização (MORTATTI, 2000; MARCÍLIO,
2005).
A escolha metodológica para a pesquisa foi o método
denominado narrativo, ou história de vida, apresentado por Nóvoa
(1993), Catani; Bueno; Souza e Souza (1997), Josso (2006), Pineau
(2006a; 2006b) e Souza (2006). Tal decisão nos permite ouvir as vozes
do sujeito atuante/protagonista na alfabetização de crianças. Dessa
maneira, o indivíduo passa ao centro da discussão, como sujeito ativo,
criador e criatura de suas próprias representações, testemunha de um
momento histórico educacional e parte importante na engrenagem do
advento de uma educação. Sujeito que, assim, contribui para a
[...]
construção e re-construção de histórias pessoais, sociais, coletivas e
individuais dos atores que constroem o cotidiano, a cultura escolar”
(SOUZA, 2006, p. 136).
Segundo Josso (2006), o trabalho com as histórias de vida se
configura como uma revolução metodológica pautada em dois
paradigmas: a) no conhecimento com base na subjetividade explicitada
31
pelos sujeitos e b) no conhecimento experiencial valorizador da
reflexividade possível por meio da explicitação do sujeito.
Segundo Souza (2006), as histórias de vida adotam e comportam
várias fontes e procedimentos de recolha, tais como os diversos
documentos pessoais e as entrevistas biográficas. No caso da pesquisa
realizada (VALIENGO, 2012), a escolha recaiu sobre a entrevista. Esse
método nos permitiu a análise das representações dos professores sobre
processos educativos vivenciados por eles durante a formação e a atuação
dos mesmos.
Para a pesquisa, foram entrevistados cinco professores
alfabetizadores portugueses e cinco professoras brasileiras. Os critérios de
escolha dos dez sujeitos foram:
- Ser professor da Rede Pública, por esta atender à maioria da
população brasileira e portuguesa em idade escolar;
- Atuar preferencialmente como professor alfabetizador, desde a
metade da década de 1980;
- Ter feito o Magistério ou antigo Curso Normal;
- Ter realizado o Programa Letra e Vida (em São Paulo/Brasil) e o
Programa de Ensino de Português (em Portugal).
As cinco professoras brasileiras correspondem aos critérios
predeterminados, ou seja: atuam preferencialmente como professoras
alfabetizadoras na Rede Estadual de Ensino desde a década de 1980;
fizeram o Magistério e realizaram o Programa Letra e Vida. Além desses
critérios, todas foram alfabetizadas pela cartilha e realizaram a formação
para a docência em nível médio, sendo que quatro delas fizeram a
formação na mesma escola.
32
A escola em questão está situada em Mogi das Cruzes, SP. Na
época, em que as quatro professoras mais experientes estudaram, era a
única escola pública de formação para o Magistério, na cidade. Quando a
professora Rose cursou o Magistério, nessa mesma escola, já existiam
outras instituições blicas e particulares que ofereciam o curso, no
entanto, essa era tida como destaque. Atualmente, essa escola possui o
Ensino Fundamental e o dio, mas não realiza mais a formação do
professor, devido à extinção da mesma pelo Governo.
Todas as professoras agora possuem nível superior. Débora fez a
primeira graduação em Direito, em uma universidade particular, e,
depois, fez o PEC (Programa de Educação Continuada). Dora e a Maria
também fizeram o PEC. Paula fez UNOPAR (Universidade Norte do
Paraná), na modalidade virtual. Rose fez Pedagogia em uma universidade
particular chamada Universidade Braz Cubas.
Quatro delas fizeram a graduação depois do ano 2.000, por conta
da exigência da LDB-9394/96. E a fizeram à distância. Somente uma das
entrevistadas fez a graduação logo depois do Curso de Segundo Grau, em
uma universidade particular e de maneira presencial.
Os cinco professores portugueses tamm correspondem aos
critérios estabelecidos na pesquisa realizada. Somente um entrevistado é
do sexo masculino. Todos trabalham com alfabetização, no entanto, não
dedicaram a maior parte do trabalho ao primeiro ano, pois, em Portugal,
o professor deve acompanhar a mesma turma nos primeiros quatro anos.
A professora Joana trabalhou bastante tempo também no ensino
privado. Somente ela não cursou nível superior. O professor João se
formou em Sociologia. As outras três parceiras da pesquisa cursaram a
Licenciatura para Professores do Primeiro Ciclo, duas na Universidade de
Évora e outra em uma universidade privada, à distância.
33
Os professores foram envolvidos na pesquisa narrativa por meio
de entrevista, com roteiro previamente elaborado. As seguintes etapas
foram realizadas:
1. Escolha dos cinco participantes brasileiros. Essa escolha
ocorreu mediante os critérios estabelecidos e citados anteriormente.
A partir desses critérios, procurei professoras do meu
conhecimento ou apresentadas por outras pessoas conhecidas, pois,
segundo Bourdieu (1997, p. 697), A proximidade social e a
familiaridade asseguram efetivamente duas das condições principais de
uma comunicação
não violenta””.
2. A geração dos dados, no Brasil, das entrevistas se deu por
intermédio de um roteiro. As participantes responderam à entrevista, em
um ambiente escolhido por elas para que se sentissem mais confortáveis,
à vontade, e pudessem, dessa forma, narrar suas histórias com
tranquilidade.
Os lugares escolhidos foram diversos: a casa da entrevistadora, a
casa da entrevistada ou o local de trabalho da professora.
O roteiro foi elaborado de forma a suscitar a narrativa; por isso,
foram evitadas perguntas que previssem respostas exatas, objetivas e
pontuais. O objetivo das entrevistas foi a compreensão sobre: a formação
das professoras, suas trajetórias desde o início da escolarização até o nível
universitário, a concepção sobre educação, escola e alfabetização, seu
entendimento sobre o Programa de Formação Continuada e o impacto
desse programa no trabalho pedagógico realizado em sala de aula.
34
3. A escolha dos cinco participantes portugueses se deu a
partir dos mesmos critérios das brasileiras. A escolha foi possível graças à
mediação desta pesquisadora e do coorientador da pesquisa realizada,
Domingos Fernandes. Este que criou os elos entre alguns possíveis
parceiros portugueses e esta pesquisadora.
4. A geração de dados em Portugal ocorreu, como no Brasil,
com um roteiro adequado à realidade portuguesa, em local escolhido
pelos entrevistados. Todos escolheram a escola onde atuavam.
5. Sobre a transcrição dos dados, nos alinhamos ao que
preconiza Bourdieu (1997). Segundo ele, a transcrição dos dados está
submetida a dois conjuntos de obrigações difíceis de conciliar: por um
lado, as obrigações de fidelidade a tudo que se manifesta durante a
entrevista. Por outro, a legibilidade definida em relação ao possível leitor
impede a publicação de uma transcrição fonética acompanhada das notas
necessárias para restituir tudo o que foi perdido na passagem do oral para
o escrito.
Assim, transcrever é necessariamente escrever, no sentido de
reescrever” (BOURDIEU, 1997, p. 710).
Dessa forma, na transcrição tentei preservar ao máximo a ideia
narrada pelo sujeito pesquisado, as palavras e a ordem das perguntas e
respostas. No entanto, redundâncias verbais ou tiques de linguagem
foram excluídos, a fim de obter um texto mais fluido e compreensível.
Todas as transcrições foram devolvidas para os parceiros da pesquisa e
validadas para utilização na pesquisa realizada. Os nomes são todos
fictícios para preservar suas identidades.
As narrativas ofereceram a possibilidade de criar um diálogo
com o referencial teórico adotado. Especialmente sobre a formação
35
voltada para a alfabetização, a análise das narrativas parte de uma reflexão
inicial com os materiais oferecidos nos cursos de formação: PNEP
(BARBEIRO; PEREIRA, 2007; FREITAS; ALVES; COSTA, 2007;
DUARTE, 2008; SIM-SIM, 2007; 2009; VIANA, 2009) e Letra e Vida
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1999; BRASIL, 2003a; 2003b; 3003c).
Depois dessa reflexão, a análise é embasada em autores que
consideram o sentido e uso social da escrita, o texto como unidade de
sentido da linguagem (GERALDI, 1993; SMOLKA, 2003; JOLIBERT,
1994a; 1994b; MELLO, 2005 FOUCAMBERT, 1997; SMITH, 1999)
contrapondo tanto as ideias tradicionais de alfabetização como algumas
propostas das formações continuadas.
Especificamente sobre o contexto histórico, ideias de alguns
autores auxiliam a tessitura sobre a escolarização atrelada à alfabetização,
e sobre a formação de professores, tanto em Portugal como no Brasil
(MORTATTI, 2000; 2006; BAPTISTA, 2004; BARROSO, 2003;
BOTO, 2004; MARCÍLIO, 2005; DURAN; ALVES; PALMA FILHO,
2005; NÓVOA, 2005; LOUREIRO, 2006; CANDEIAS, 2010;).
Este livro está dividido em: esta introdução e mais quatro
capítulos, sendo os dois primeiros relativos aos dados de Portugal e os
dois últimos referentes aos dados coletados no Brasil, seguindo a mesma
estrutura.
Optei por começar por Portugal, porque o país ditou os rumos
da educação no Brasil por mais de trezentos anos. Assim, o capítulo I é
destinado a uma breve retomada histórica do contexto educacional de
Portugal e apresentação do Programa Nacional de Ensino do Português.
No capítulo II, são apresentadas e discutidas as narrativas dos professores
36
sobre como foram alfabetizados, realizaram o Magistério, a formação em
nível superior e as formações continuadas, focando especialmente nas
repercussões das formações ofertadas pelo PNEP.
No capítulo III, há um breve hisrico da educação no Brasil,
especificamente em São Paulo, e apresento o Programa Letra e Vida. No
capítulo IV, as narrativas das professoras parceiras da pesquisa entram em
cena. E concluindo, nas considerações finais teço uma breve retomada
que serve à contextualização para a infencia para alguns paralelos entre
as duas realidades estudadas.
37
Capítulo I
Retomada histórico educacional:
breve panorama da escolarização e formação de professores
alfabetizadores em Portugal
Escutar também é um jeito de ver.
Quando nós escutamos,
imaginamos distâncias,
construímos histórias,
desvendamos novas paisagens
Bartolomeu Campos de Queirós
Para a discussão de temas tratados neste livro, principalmente a
alfabetização e a formação do professor, faz-se necessária uma breve
apresentação do panorama histórico educacional de Portugal na tentativa
de escutarmos” histórias para construir outras e, assim, trazer à luz novas
possibilidades.
Contexto educacional de Portugal: breve histórico
Segundo Candeias (2010), as sociedades ocidentais, com o
decorrer do tempo, passam de uma cultura baseada na oralidade a uma
fundamentada na escrita, desde o século XVI. Essa mudança ocorre
38
devido a alguns fatores: os ciclos econômicos, estes marcados pela
expansão europeia e a Revolução Industrial, os elos entre a Reforma
Protestante e a Cultura das Luzes e a consolidação do conceito de
Estado-nação, nos séculos XVIII e XIX.
Esses fatos evidenciam também a necessidade do
empreendimento de esforços para uma inclusão étnico-social que nos leve
à nacionalização. O que só é possível por intermédio de uma malha
complexa de dispositivos determinada pela racionalização e laicização e
uma ideia de responsabilidade e protagonismo individual. Dessa forma,
há a necessidade da escrita, da criação e aperfeiçoamento de dispositivos
que tenham as funções de: (1) inculcação de uma função cultural
unificadora e geradora de consensos e (2) a imposição de uma ordem e
eficiência. Dentre esses dispositivos, a escola se estabelece.
A mudança da sociedade, de um modo de organização oral para o
escrito, tem como cerne dois processos: a alfabetização e a escolarização.
Sobre o processo de alfabetização Candeias (2010, p. 32) afirma:
A alfabetização no sentido social, ou seja, enquanto processo, pode ser
caracterizada como sendo um movimento no sentido da obtenção de
uma cultura letrada, dependendo essencialmente de estratégias
internas e grupos familiares ou mesmo de indivíduos, encontrando-se
directamente relacionadas com percursos de mobilidade ascendente
ou de adaptação a mudanças de contexto laboral ou social em geral.
O processo de alfabetização é dependente do contexto histórico e
social. Embora a expansão europeia, a Reforma Protestante, a Revolução
Industrial e a consolidação do Estado tenham propiciado um impulso à
alfabetização da população, esse processo ainda se está implementando. A
39
título de exemplificação: em 1878, o analfabetismo era de 78%, em
1930, de 62%, em 1960, de 30% (NÓVOA, 2005).
O processo de alfabetização depende diretamente do processo de
escolarização. É na escola, por excelência, que se alfabetiza. Candeias
(2005) conceitua a escolarização como um processo definido e aplicado
rigidamente pelo Estado moderno. As estratégias individuais e familiares
são substituídas pelas coletivas, determinadas pelo Estado.
A escolaridade obrigatória em Portugal foi instituída, pela
primeira vez, em 1835 e impôs aos pais a obrigação de levar seus filhos,
com idade a partir dos sete anos, à escola. Como afirma Nóvoa (2005, p.
25)
O princípio da escolaridade obrigatória está na origem de um ciclo
histórico que, incorporando a herança revolucionária, vê no Estado-
nação e no impulso industrial os elementos de progresso da
sociedade. Precisa-se de instrução, porque uma nação polida e
civilizada é mais fácil de governar do que um povo bárbaro e feroz”.
Apesar da escolarização ter sido proposta desde 1835, ela só passa
a ser assegurada na segunda metade do século XX e, mesmo assim, de
forma ainda imperfeita. Como ressalta Nóvoa (2005, p. 25),
Portugal
foi um dos primeiros países da Europa a legislar sobre a obrigatoriedade
escolar. Foi um dos últimos a cumpri-la”.
O modelo de escola começa a ser definido no século XVIII com o
trabalho dos jesuítas. Esse método proporcionava uma educação
direcionada às crianças e aos jovens, em um espaço espefico, fora da
família e do trabalho, por intermédio de um mestre que ensinava
40
matérias previamente estabelecidas e que eram aplicadas de acordo com
uma série diretrizes didáticas também predeterminadas (NÓVOA,
2005).
Com a expulsão dos jesuítas em 1759, a história da educação
portuguesa tem um avanço sob as mãos do Estado, que passa agora a ter
de assumi-la. As reformas pombalinas substituem a tutela religiosa pela a
do Estado, criando as condições para o processo histórico de expansão de
uma sociedade de
base escolar’” (NÓVOA, 2005, p. 23).
Dois aspectos merecem atenção a partir da Reforma Pombalina: a
definição de uma rede de escolas, com um plano elaborado por
corógrafos peritos”, que dividia em três níveis o processo de educar: o
primário, o secundário e o superior. Outro ponto foi a decretação de
impostos em benefício das escolas régias e dos pagamentos aos professores
(NÓVOA, 2005).
Marcílio (2005) explica que o modelo de ensino do final do
século XVIII era o mútuo, que consistia em ensinar a muitos discípulos,
ao mesmo tempo. Alguns adolescentes (monitores) instruídos
diretamente pelo mestre, com variedade de tarefas, ensinavam outros
adolescentes” (MARCÍLIO, 2005, p. 37-38). Com a adoção desse
método, a intenção era mudar radicalmente a educação, visando uma
possível expansão da escola. Para Nóvoa, o ensino mútuo foi interpretado
como a primeira tentativa oficial de
reforma dos métodos” (NÓVOA,
2005).
Em meados do século XIX, de acordo com Boto (2004, p. 497),
persistia a predominância do uso dos abecedários e de manuscritos para
o ensino da leitura e da escrita, tal como ditava a tradição herdada do
século XVIII”. Por volta da segunda metade do século XIX, Portugal,
41
cada vez mais, preconizava o ensino da leitura e escrita, embora não
conseguisse efetivá-los nas escolas e o livro escolar passa, nesse período, a
reinar” na escola.
Com a realidade da não aplicação do ensino mútuo, na segunda
metade do século XIX, António Feliciano Castilho apresenta o Método
Português de Leitura Repentina. Ele critica o método mútuo e propõe
um método pragmático que passa a ser do interesse das pessoas, uma vez
que apontava soluções rápidas para os problemas de instrução. A cartilha
é consagrada oficialmente em 1853 e é fortemente disseminada nos
Cursos de Formação de Professores nas escolas normais.
Paralelamente à proposta de Castilho, Boto (2004) destaca,
também, outra iniciativa que considerava pioneira, quanto ao método: a
Cartilha Nacional elaborada pelo professor Caldas Aulete (1823-1878),
da escola Normal de Marvila.
[...] havia ali assinalada uma nova forma de se proceder ao ensino das
primeiras letras. Abolia-se a soletração; o aprendizado viria pelo
sentido expresso na relação entre significante, signo e significado.
Aprendia-se a palavra, para em seguida decompô-la em suas partes. O
aprendizado do som das letras vinha como efeito correlato ao
aprendizado do sentido da palavra lida. Além disso, propunha-se
com ousadia para a época o ensino paralelo da leitura e da escrita;
propiciando, de tal maneira, procedimentos e técnicas capazes de
habilitar o professor para o ensino simultâneo mediante o qual
todos os alunos aprenderiam, em princípio, ao mesmo tempo
(BOTO, 2004, p. 505).
Após as propostas de Castilho e de Aulete, em 1876, João de
Deus escreve a Cartilha Maternal. Ele repudia os métodos antigos e
42
anuncia uma revolução pedagógica baseada nas mesmas ideias
relacionadas à eficácia e rapidez de aprendizagem de Castilho. A partir
dessas ideias, a batalha feroz que se trava entre os adeptos de Castilho e
de João de Deus [...] revela bem a importância social e política que o
campo educativo
começa a adquirir” (NÓVOA, 2005, p. 31). Segundo
voa (2005), apesar das muitas comparações sobre os dois autores,
ambos se preocupam com um ensino atraente, que suscite o interesse do
aluno e promova uma aprendizagem intuitiva e racional.
Mesmo com o aumento das escolas e das discussões sobre a
escolha da melhor cartilha e do método mais eficaz, um ponto do debate
permanece: a formação do professor. Iniciativa esta oficialmente
instituída com a inauguração da Escola Normal de Lisboa, em 1862. Este
é um marco importante, porque, apesar de retrocessos e avanços
relacionados à formação do professor primário, nos mostra que a ideia da
necessidade de formação desse profissional permanece (NÓVOA, 2005).
A legislação portuguesa (1835-1836) estabelece as bases do
sistema de ensino do país, mas é a política regeneradora que torna a
educação importante. Segundo Nóvoa (2005), depois dela, a história
pode ser dividida em três grandes ciclos, o que veremos a seguir:
01 - O primeiro ciclo, Optimismo Reformador, se inicia nas
décadas de 1860-1870 e perdura até 1923. “É um tempo de crenças
desmesuradas, e algo ingênuas, na possibilidade de uma regeneração
social através da escola” (NÓVOA, 2005, p. 35).
Conforme assevera o autor, a Reforma de 1901 torna obrigatória
a frequência do ensino normal para se habilitar ao magisrio. Durante
esse período, há dois aspectos que, segundo Nóvoa (2005), merecem
43
destaque: a aceitação da necessidade profissional e a consolidação da
Pedagogia como disciplina central na formação do professor.
Na segunda metade do século XIX, há a necessidade de formação
de professores do ensino secundário. Com o passar do tempo, ela
aumenta cada vez mais e, em 1901, é lançado o Curso de Habilitação
para o Magistério Secundário. Esse Curso se organiza em três anos de
preparação científica e o quarto ano de preparação pedagógica (NÓVOA,
2005).
Em 1930, essas escolas são substituídas pelas ciências
pedagógicas” baseadas numa divisão entre a cultura e a prática
pedagógica (NÓVOA, 2005, p. 41). Para o autor, do período da Escola
Normal Superior restou apenas uma vantagem:
o reforço dos liceus
normais e o aparecimento de alguns notáveis professores-metodológicos”.
02 - O segundo ciclo é o do Pragmatismo Conservador (1930 -
1960) (NÓVOA, 2005). Neste período, há um rebaixamento da
educação, de forma a se oferecer o mínimo possível. Ao contrário do
primeiro ciclo, a educação, nesse momento, não nutre grandes ambições
de mobilidade social. Era o reflexo do período conservador e retrógrado
que Portugal começava a viver.
Em 1926, um golpe de Estado se instala no país e alça o
nacionalista António de Oliveira Salazar (1889 - 1970) ao posto de
Primeiro Ministro português. Assim, os tentáculos da ditadura de Salazar
alcançam também as escolas, imprimindo nas instituições escolares, de
forma incisiva, o conservadorismo e o autoritarismo, sob o manto de
disciplinarização, que marca toda a sociedade portuguesa por mais de 40
anos.
44
Benavente (1999) avalia que o movimento foi na contramão dos
direitos individuais, uma vez que a disciplina, a hierarquia e a obediência
são os valores e princípios de Salazar.
Após o golpe de Estado, algumas das medidas relativas às escolas
primárias e à formação de professores foram: dissolução das escolas
móveis (escolas idealizadas para o fim do analfabetismo); abolição da
coeducação; fechamento das escolas primárias, com menos de 40/50
crianças; expulsão das crianças que reprovassem mais de três vezes;
criação de
postos escolares”, onde se ensinavam as regentes escolares
(mulheres com quatro anos de estudo primário, que tinham que escrever
um certificado de bom comportamento moral e cívico); a escola passa a
ter um único livro, denominado O Livro da Primeira Classe; o Sindicato
dos professores foi fechado; as escolas de Magistério tiveram seus
currículos reduzidos gradativamente até que, entre os anos de 1936 e
1942, foram encerradas (BENAVENTE, 1999; LOUREIRO, 2006).
Conforme aponta Benavente (1999, p. 58), quando as Escolas
Normais reabriram, em 1942, tinham sido tão modificadas que estavam
irreconhecíveis: o corpo docente era adepto do salazarismo e o currículo
era uma mistura de doutrinas oficiais e de noções rudimentares sobre o
ensino das primeiras letras.
Enfim, ciclo do Pragmatismo Conservador, termo cunhado por
Nóvoa (2005), é marcado por essas e outras características vinculadas à
educação das primeiras décadas de Governo fascista.
03 - Ainda sob a sombra do fascismo, em 1960, nasce o ciclo da
Modernização Tecnocrática (NÓVOA, 2005). Esse período, juntamente
com o processo de democratização do ensino, irrompe o salazarismo e se
estende até os dias atuais. A sociedade portuguesa, então, passa viver um
45
período marcado pela valorização do humano, uma vez que este é
considerado fator essencial à industrialização.
Foi nesse contexto, das décadas de 1960 e 1970, que os
professores entrevistados neste livro foram alfabetizados e vivenciaram a
primeira formação, em nível Médio, para se tornarem docentes. Algumas
das características históricas apontadas aqui ganharão vida no relato
desses profissionais.
Sobre o terceiro ciclo, Benavente (1999) afirma ser nas décadas
entre 1950 e 1970, do século XX, que a industrialização e a emigração
determinam o essencial da evolução econômica portuguesa.
Principalmente a partir de 1960, esses determinantes conferem à
educação um novo papel: o preparo de uma mão de obra especializada.
Em 1968, com o afastamento de Salazar, por motivos de saúde,
Marcelo Caetano se torna o último presidente do Estado Novo
português. Começa então o período dito da libertação
, que tenta
ultrapassar a profunda crise da sociedade portuguesa envolvida numa
guerra colonial sem saída, isolada internacionalmente, a braços dados
com enormes problemas econômicos” (BENAVENTE, 1999, p. 60).
Com muitos problemas referentes à educação, principalmente
com alto número de analfabetos, no governo de Caetano, Veiga Simão
(Ministro que implantou a reforma) propõe uma reforma no ensino.
Segundo Benavente (1999), essa reforma previa a criação de Educação
Pré-escolar Oficial; diminuição da idade para ingressar no Ensino
Primário; alargamento da escolaridade obrigatória para oito anos;
aumento em um (01) ano de estudos no ensino secundário;
desaparecimento do exame de entrada no nível superior, e a criação de
um grau intermediário no ensino superior.
46
Conforme aponta Benavente (1999), essa reforma não se efetivou
cabalmente, uma vez que a Revolução de 1974 interrompeu o processo.
Segundo a autora, a principal efetivação da medida foi o alargamento da
escolaridade obrigatória. Assim, a reforma não mudou a situação do
ensino de maneira significativa. No entanto, marcou a vontade oficial de
investir na educação.
Nesse ínterim, apesar das mudanças entre os ciclos, Nóvoa (2005,
p. 35) aponta algumas marcas que permanecem:
Em primeiro lugar, a ilusão de uma reforma” desencadeada por
voluntarismo central (quase sempre legislativo”). Em segundo lugar,
a desatenção e o desfasamento em relação às práticas pedagógicas e às
realidades educativas concretas. Em terceiro lugar, a incapacidade de
romper com uma lógica burocrática, estimulando a emergência de
rotinas de inovação e de avaliação no dia a dia do trabalho escolar.
Em 25 de abril de 1974, a sociedade portuguesa está efervescente.
A Revolução dos Cravos decretou um fim para a ditadura de 48 anos e
trouxe consigo rupturas políticas, econômicas, sociais e culturais”
(BENAVENTE, 1999, p. 31). Após aquele Outono, com a democracia
reestabelecida, intensificam-se, ainda mais, as iniciativas para assegurar a
preparação cienfica relacionada à dimensão pedagógica e ptica e à
cultura do profissional docente. A democratização traz a afirmação dos
direitos individuais e a possibilidade de participação dos indivíduos na
definição dos destinos da sociedade.
Segundo Barroso (2003), a evolução das políticas educacionais
em Portugal, após o reestabelecimento do regime democrático, em 1974,
está marcada por ciclos de mudança:
A evolução recente do sistema
47
educativo portugs está indelevelmente marcada pela mudança do
regime político, em abril, de 1974, e pelas consequências que o
reestabelecimento da democracia e o processo histórico posterior
provocaram em todos os sectores da vida social” (BARROSO, 2003, p.
3).
O primeiro ciclo tem como marco inicial a revolução de 1974 e
vai até a posse do primeiro Governo Constitucional, em 1976. Nesse
período, há uma forte participação social empenhada na eliminação dos
vestígios do passado. Na área da Educação, o poder se desloca para as
escolas. As exigências do Ministério da Educação por mudanças
educacionais foi uma ação institucional no sentido de conceber e efetuar
mudanças efetivas que promovessem a ruptura total com a ideologia
fascista. Paralelamente, movimentos sociais diversificados realizavam
mudanças independentemente de qualquer alteração dos normativos
(BARROSO, 2003, p. 4).
Nesse cenário, com uma adequação à democracia socialista e a
oposição à situação política anterior, as opines dos estudiosos sobre o
assunto variam: de um lado, um balanço otimista apontador das
conquistas revolucionárias, de outro, um posicionamento pessimista,
com ênfase no caráter voluntarista, casuístico e pernicioso das mudanças.
Após 1974, até os finais da década de 1980, há uma ruptura com
a situação anterior. Nesse período, a formação do professor é voltada ao
seu preparo para uma intervenção social. A educação assume uma
dimensão transformadora, participativa, crítica e esclarecida. O
conhecimento é fator de emancipação social. Ocorrem mudanças no
recrutamento dos professores, dos alunos, nos planos de estudo e nos
processos de avaliação. A formação inicial tem um grande investimento:
48
o Ministério da Educação criou, em 1975, os Cursos de Magistério
Primário, com duração de três anos.
A mudança posterior inicia-se com a aprovação da Constituição
(1976) e a nomeação do primeiro Governo Constitucional e se estende
até 1986, com a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo
(BARROSO, 2003).
A Constituão de 1976 estabelece o direito ao ensino e à
igualdade de oportunidade na formação escolar a todos os cidadãos.
Algumas medidas práticas voltadas à formação dos professores foram: a
revalorização do estatuto econômico, com o aumento do salário; a
revalorização do estatuto profissional; a participação do professor na
gestão escolar; um apoio profissional e pedagógico maior; a reciclagem de
atualizações pedagógicas, por meio de dispositivos escritos e audiovisuais;
o aprimoramento da formação inicial dos professores: as escolas de
Magistério tiveram novos diretores e sofreram reformas de diferentes
níveis como a alteração curricular, a introdução às atividades de contato e
às disciplinas optativas (BENAVENTE, 1999; BAPTISTA, 2004).
O período de normalização foi marcado pela acentuada crise
financeira e pela intervenção do Fundo Monetário Internacional e do
Banco Mundial. Na educação se destacam dois movimentos:
[...] um primeiro por meio de intervenções negativas” destinadas a
afastar do Ministério da Educação os quadros que personalizavam” o
conjunto das principais orientações e reformas encetadas durante o
período da crise revolucionária” e a eliminar, ou atenuar, os efeitos
das medidas entretanto tomadas; em segundo movimento, destinado
a criar condições para enfrentar o desafio europeu, por intermédio
de medidas de política educativa orientadas essencialmente para a
49
contenção do acesso ao ensino superior universitário [...]. Essa
política se integra no que alguns autores designam por novo
vocacionalismo”, associando a oferta de recursos humanos
qualificados, segundo as exigências do mercado de trabalho, à
modernização da economia e atribuindo ao Estado a função de
disponibilizar um sistema educativo adequado a este desígnio [...]
(BARROSO, 2003, p. 6).
Esse segundo momento é marcado pela recuperação do poder e
do controle do Estado e sua administração da Educação. O terceiro ciclo,
denominado Reforma, é iniciado pela aprovação da Lei de Bases do
Sistema Educativo, em 1986, e estendido até o final do século XX.
Com a aprovação da Lei de Bases do sistema educativo,
algumas mudanças: a unificação do ensino secundário geral, o
prolongamento do ensino secundário complementar e do ensino superior
politécnico e a criação das escolas superiores de educação e dos modelos
de gestão democrática das escolas. A maior novidade é a ampliação do
Ensino Fundamental para nove anos (BARROSO, 2003).
O ciclo da reforma é financiado substancialmente pelo Programa
de Desenvolvimento Educativo para Portugal (PRODEP) e tem o
objetivo de preparar o sistema educativo português para as exigências
europeias. Para esse preparo, a formação continuada dos professores era
uma das exigências e prioridades. Para Barroso, esse ciclo se divide em
dois períodos: o primeiro, entre 1987 e 1991, e o segundo, entre 1996 e
2000.
No primeiro momento, algumas medidas adotadas para a prática
da Lei de Bases do Sistema Educativo são: a abertura de instituições de
ensino superior privadas e a criação de sistemas de avaliação.
50
No segundo momento do ciclo da reforma, no período entre
1996 e 2000, o novo ministro da educação, Marçal Grilo, apresenta um
documento chamado Parceiros Educativos: um Pacto para o Futuro, que
contém objetivos e compromissos de pacificação e diretrizes sobre os
rumos da educação. Embora o referido documento não tenha repercutido
e não tenha se firmado, algumas medidas permanecem: a revisão
curricular, a gestão escolar, a formação de professores, a avaliação dos
alunos e das escolas, a expansão da p-escola e a internet na escola
(BARROSO, 2003).
O último ciclo é denominado
Descontentamento”. Com o
início do século XXI, há diversas manifestações descontentes com a
situação educacional de Portugal. Por um lado, há avanços
impressionantes no crescimento de oferta de estudos, nos critérios de
qualidade, na qualificação dos professores, no crescimento do ensino
superior. Por outro lado, nas avaliações padronizadas, tanto internas
como externas, os alunos não atingem os níveis desejados. Cada nível de
ensino acusa o nível anterior pelo não cumprimento do dever na
preparação dos alunos em nível adequado à programação, ao curriculum
e à competência então exigida. Conforme aponta Barroso (2003), o
descontentamento ocorre por causa da constatação de que, apesar do
alargamento do número de alunos nas escolas, a qualidade desejada ainda
não foi atingida.
Nesse contexto, algumas iniciativas são propostas:
- O Currículo Nacional do Ensino Básico. Vale destacar que o
Ensino Básico em Portugal compreende o 1º Ciclo (do 1º ao 4º ano)
para crianças a partir de 6 anos; 2º Ciclo (5º e 6º anos) e 3º Ciclo (7º, 8º
e 9º anos).
51
- Competências Essenciais (PORTUGAL, 2001), publicado em
2001, trata da definição das competências gerais e específicas para o nível
de escolaridade e para o ensino do português.
- O Plano Nacional de Leitura (PORTUGAL, 2006), proposto
pelo Despacho número 86 de 2006, com o objetivo de melhorar o
desenvolvimento de competências para a leitura e escrita, tem algumas
ações previstas, tais como a promoção da leitura diária nos Ciclos 1 e 2
nas salas de aula, assim como no contexto familiar e a leitura em
bibliotecas públicas e em outros contextos.
Os objetivos do Plano Nacional de Leitura são: intervenção,
valorização e promoção de práticas pedagógicas estimulantes à leitura; a
criação de um ambiente favorável e de instrumentos definidores de
metas, cada vez mais precisas, para o desenvolvimento da leitura; o
enriquecimento das competências dos professores e de mediadores da
leitura; consolidação e ampliação do papel da rede de bibliotecas públicas
e da rede de bibliotecas escolares e alcance de resultados favoráveis em
estudos nacionais e internacionais de avaliação da alfabetização.
- Outra proposta promulgada em 2008, por intermédio do
despacho de número 143, é o Plano Tecnológico da Educação, que tem
o objetivo de situar Portugal entre os cinco países europeus mais
avançados em matéria de inovações.
Também são criadas algumas formações continuadas como o
Programa Nacional de Ensino do Português (PNEP) foco principal das
narrativas dos parceiros da pesquisa que tratarei no próximo item.
52
Programa Nacional de Ensino do Português
O Programa Nacional de Ensino do Português (PNEP) é criado
pelo Ministério da Educação de Portugal no ano letivo de 2006/2007,
por meio do despacho nº 546/2007 (https://www.dge.mec.pt/ programa-
nacional-do-ensino-do-portugues-pnep). Foi finalizado no ano letivo de
2009/2010. Ao mesmo tempo em que é criado, são propostos outros dois
programas: Ensino Básico das Ciências e o Programa de formação de
professores do 1º Ciclo do Ensino Básico em Matemática.
Esses três Programas compuseram a formação continuada
oferecida pelo Ministério da Educação aos professores das séries iniciais
do Ensino Básico, mas cada um teve uma organização diferenciada. Essa
prática de formação é anunciada pela conferência
Desenvolvimento de
Professores para a Qualidade e para a Equidade da Aprendizagem a longo
da Vida” e determinada pelo novo Estatuto da Carreira Docente, por
meio do Decreto Lei nº. 15/2007 de 19 de janeiro (ALVES, 2009).
Segundo o Ministério da Educação, o Programa Nacional de
Ensino do Português se torna necessário para a melhoria do ensino e da
aprendizagem da leitura e da escrita, bem como à valorização das
competências do professor, estas que são prioridades do Governo, pois os
resultados de exames internacionais como o Pisa, por exemplo, bem
como as aferições realizadas no próprio país atestam a baixa competência
dos alunos para ler e escrever (PORTUGAL, 2007a). Assim, a formação
continuada dos professores foi estabelecida, como aponta o despacho nº
546/2007:
53
A necessidade de melhorar o ensino do Português na educação básica
está solidamente fundamentada nos resultados de todos os projectos
internacionais em que Portugal participou [...] O Ministério da
Educação decidiu, para tal, e em articulação com as escolas de 1º
ciclo e os agrupamentos escolares e com os estabelecimentos de
ensino superior com responsabilidades na formação inicial de
professores, desenvolver um programa nacional de ensino do
português destinado aos professores de 1º ciclo e educadores de
infância (PORTUGAL, 2007a, p. 899).
O Programa Nacional de Ensino do Português tem como
objetivos:
1. a melhoria dos níveis de compreeno de leitura e de expressão oral e
escrita nas escolas do 1º ciclo do Ensino Básico, por meio da modificação
das práticas docentes do ensino da língua;
2. a criação de uma dinâmica interna de formação continuada, nas
escolas do 1º Ciclo;
3. o envolvimento das instituições de ensino superior num projeto de
formação contínua;
4. o estímulo à produção de investigação no ensino da língua em
instituições de ensino superior, e;
5. disponibilização de materiais de formação, materiais didáticos e
materiais de avaliação no domínio da aprendizagem da leitura, da
expressão escrita e do conhecimento explícito da língua em nível nacional
(PORTUGAL, 2006).
Esses objetivos são baseados em três princípios (PORTUGAL,
2007a): a formação centrada nas escolas do 1º Ciclo; a formação com a
54
utilização de metodologias sistemáticas e estratégias explícitas de ensino
da língua na sala de aula, e a formação regulada por processos de
avaliação das aprendizagens dos alunos, individualmente, em grupo e na
classe e da escola.
A Comissão Nacional de Acompanhamento, responsável pela
idealização, implementação e avaliação do Programa, em decorrência dos
princípios acima, propõe como viabilização prática: a) a assistência de um
formador na escola, um docente do 1º Ciclo da escola, candidatado e
selecionado para a formação; b) a disponibilização de materiais
pedagógicos de formação e de avaliação.
Na escola, o papel do docente formador é o de dinamização
regular de oficinas temáticas e fóruns de discussão, de assistir o docente
em sala de aula na construção, divulgação e análise de materiais para a
avaliação da leitura, da escrita, do desenvolvimento da oralidade e do
conhecimento explícito da língua (PORTUGAL, 2006).
Os documentos propostos pelo Programa Nacional de Ensino do
Português para a formação são denominados Brochuras. São escritos, em
sua maioria, por alguns dos idealizadores do Programa. Foram criados
para responder a algumas temáticas ancoradas no Currículo Nacional do
Ensino Básico (PORTUGAL, 2001).
Inicialmente, a proposta era a produção de 12 brochuras, mas
não foi o que de fato aconteceu. Quando os dados da pesquisa foram
gerados, em 2011, tinham seis Brochuras editadas e disponibilizadas nas
formações, duas nunca foram editadas e quatro foram editadas em 2011
por isso, não são o foco da formação dos professores parceiros da
pesquisa.
55
Relaciono, agora, todas as brochuras que foram propostas
inicialmente e quais foram ou não publicadas. Aquelas publicadas em
2011 serão abaixo indicadas, sinalizando que não são o foco de
apresentação e análise desta pesquisa. Elas estão organizadas da seguinte
forma: a) apresentação de uma discussão teórica; b) propostas práticas a
serem realizadas em sala de aula; e c) sugestões de sites auxiliadores do
desenvolvimento de atividades práticas. Abaixo, relacionarei as temáticas
e as brochuras correspondentes. Elas são independentes, mas se
relacionam:
A. A temática sobre o desenvolvimento da linguagem oral prévia
como materiais de apoio: O conhecimento da língua: percursos de
desenvolvimento; O conhecimento da língua: desenvolver a consciência
fonológica; O conhecimento da língua: desenvolver a consciência
linguística, e O conhecimento da língua: desenvolver a consciência
lexical. A primeira e a última brochura foram editadas em 2011.
A temática abrange parâmetros e determinantes do
desenvolvimento da linguagem oral, a relação entre a parte oral e escrita,
importância do ensino explícito do vocabulário, reflexão orientada sobre
o conhecimento da língua e os efeitos da consciência linguística na
aprendizagem e na sistematização dos usos secundários da língua.
B. A temática sobre o ensino da leitura propôs inicialmente
como material de apoio: O ensino da leitura: a decifração; O ensino da
leitura: a compreensão de textos; O ensino da leitura: a avaliação; A
formação de leitores: contextos de desenvolvimento da literacia, e A
formação de leitores: literatura para crianças. As duas últimas brochuras
não foram editadas.
Essa temática trata do ensino da leitura: de sua emergência, assim
como da escrita na pré-escola; da decifração e desenvolvimento da
56
consciência fonogica; da aprendizagem de estratégias de compreensão e
de interpretação textuais; da leitura orientada, recreativa e informativa e
de estudo; da utilização dos suportes digitais e em papel, e da leitura em
sala de aula, da biblioteca e da avaliação da leitura.
C. A temática do ensino da expressão escrita sugere as seguintes
brochuras: O ensino da escrita: dimensões gráficas e ortográficas e O
ensino da escrita: a dimensão textual. A primeira foi editada em 2011
A temática engloba as seguintes dimenes: o início da
aprendizagem formal da escrita e sua articulação com a leitura; o processo
de escrita, e as competências envolvidas na produção textual e a
construção de diferentes gêneros.
D. A temática da utilização do computador como recurso de
aprendizagem da língua por adultos e por crianças propõe como material
de apoio: As implicações das TIC - Tecnologia de Informação e
Comunicação - no ensino da língua. Essa brochura foi publicada em
2011.
As dimensões dessa temática são: dispositivos tecnológicos e
comunicativos; uso dos suportes de linguagem; arquitetura do hipertexto;
exploração de recursos da rede, e produção de materiais em meio
eletrônico.
Portanto, das doze brochuras propostas, seis foram editadas e
usadas pelos formandos do PNEP, enquanto o Programa estava vigente
no País. Tratarei, mais adiante, das bases teóricas apresentadas nessas seis
brochuras.
Os formadores do Programa Nacional de Ensino do Português
são professores universitários que trabalham com formação inicial de
57
professores. Esses professores formarão professores do 1º Ciclo
candidatados e selecionados para serem formadores residentes.
O formador residente coordena o grupo de professores da sua
escola. Ao mesmo tempo, forma e é formado. Ou seja, há dois
formadores: os professores universitários e os docentes da própria
unidade escolar candidatada.
Esse professor do Ciclo 1, chamado formador residente, precisa
obrigatoriamente ter os seguintes pré-requisitos: ser professor do Ciclo 1
em exercício, com titulação da licenciatura equivalente, e ser titular de
um Curso de pós-graduação que se refira às áreas de leitura e escrita, de
supervisão ou orientação educativa ou psicologia educacional.
Além desses requisitos, outros critérios são levados em
consideração: a experiência como professor cooperante, a experiência na
formação inicial ou contínua de professores do 1º ciclo, a experiência na
dinamização de bibliotecas, e a participação em projetos de investigação
ou de inovação no ensino das línguas.
O Programa Nacional de Ensino do Português é destinado aos
professores de infância e do 1º Ciclo, agrupados por escolas. Cada
professor e agrupamento fazem uma adesão voluntária e, ao final do
Curso, recebem um diploma de frequência e aproveitamento emitido
pela escola superior de educação ou universidade. Esse diploma pode ser
viabilizado em unidades de créditos por meio do sistema de
reconhecimento de créditos (ECTS Eropean Credit Transfer and
Accumulation System) em Curso de pós-graduação (PORTUGAL,
2006).
O PNEP possui uma estrutura organizada num total não inferior
a 120 horas por ano, abrange sessões temáticas e sessões tutoriais.
58
As sessões temáticas incluem: sessões plenárias regionais,
realizadas no núcleo regional (Universidade), na maioria dos casos, nas
Escolas Superiores de Ensino (ESE), com duração de 30 horas, destinadas
à atualização e ao aprofundamento científico; sessões de formação em
grupo, orientadas pelo professor residente na escola, com duração de 60
horas, destinadas à análise, aos debates, à apresentação de materiais
didáticos e de avaliação e à reflexão sobre as atividades de língua
portuguesa.
As sessões tutoriais, com duração de 30 horas anuais, orientadas
pelo formador residente, visam ao apoio direto da atividade desenvolvida
em sala de aula.
A formação se baseia em três pilares: a) sessões presenciais
conjuntas, momento das brochuras; b) experimentação de materiais
pedagógicos e de avaliação nas escolas, local de trabalho dos formandos;
c) trabalho autônomo de reflexão e aprofundamento nos domínios
visados.
Durante a realização do Programa, foram disponibilizadas seis
brochuras distribuídas nos eixos temáticos: a) o desenvolvimento da
linguagem oral; b) o ensino da leitura; c) o ensino da expressão escrita. A
seguir, apresento as bases teóricas localizadas nas brochuras, dentro de
cada eixo temático.
Os materiais analisados sobre a temática
desenvolvimento da
linguagem oral” serão: O conhecimento da língua: desenvolver a
consciência fonológica e O conhecimento da língua: desenvolver a
consciência linguística.
59
01 - O conhecimento da língua: desenvolver a consciência fonológica
A brochura intitulada O conhecimento da língua: desenvolver a
consciência fonológica (FREITAS; ALVES; COSTA, 2007) está dividida
em três seções: introdução, a necessidade da consciência fonológica pelos
professores e o treino com os alunos: propostas de atividades.
Na primeira e na segunda seção, o conceito de consciência
fonológica é discutido. A terceira seção trata do modo de ensino dessa
competência à criança.
A consciência fonológica é a capacidade de identificação e
manipulação das unidades orais de maneira consciente. Segundo Freitas;
Alves e Costa (2007), o aprendizado da leitura e da escrita não é um
processo natural como o da fala. Para o aprendizado daquelas é necessária
a reflexão sobre a oralidade e o treino da capacidade de segmentação da
cadeia de fala. Segundo apontam os autores (FREITAS; ALVES;
COSTA, 2007, p. 7):
Para aprender a ler e a escrever em função de um código alfabético, é
necessário saber que a língua, no seu modo oral, é formada por
unidades linguísticas mínimas os sons da fala ou os segmentos e
que os caracteres do alfabeto representam, nas escritas, essas unidades
mínimas. Se pensarmos na sequência de fala transcrita em (1),
sabemos hoje que a maior parte dos meninos à entrada na escola é
capaz de a segmentar oralmente de acordo com as partições em (2),
mas não de acordo com as partições segmentais em (3):
1 Falo com os colegas por computador.
2 Fa.lo.com.os.co.le.gas.por.com.pu.ta.dor.
3 F.a.l.o.c.om.o.s.c.o.l.e.g.a.s.p.o.r.c.om.p.u.t.a.d.o.r.
60
Ao entrar na escola, normalmente, as crianças conseguem
segmentar oralmente as frases em sílabas, como está na separação (2), mas
não conseguem fazer a separação como está no exemplo (3).
A escola tem o papel de estimular a consciência fonológica. Ela
parte da consciência silábica, depois transita pela intrassilábica
(capacidade de manipular grupos de sons dentro da sílaba) e, finalmente,
alcança a consciência fonêmica.
O professor deve ensinar aos seus alunos a autonomia existente
nos dois sistemas, oral e escrito, e também mostrar a relação entre eles
(FREITAS; ALVES; COSTA, 2007). Para o desenvolvimento da
consciência fonológica, para a compreensão dos sons de suas
representações gráficas, a realização de exercícios diários é necessária.
Tal como referido anteriormente, a par do reforço da prática
sobre o oral, tanto na percepção da fala como na sua produção, é de
extrema importância a natureza dos exercícios desenvolvidos. A
sistematicidade e a consistência são as palavras-chave de uma
metodologia para a estimulação da oralidade e para o desenvolvimento da
consciência fonológica.
A realização diária de exercícios com estruturas similares, mas
com conteúdos distintos, consistentes e promotores de um determinado
resultado, ajudam à indução, à instalação, à consolidação e, finalmente, à
automatização do processamento (meta) fonológico (funcionamento
explícito da consciência fonológica) (FREITAS; ALVES; COSTA,
2007).
Para a concretização da ação em sala de aula, a seção três
apresenta vários exercícios a serem desenvolvidos com as crianças. As
61
atividades são organizadas em três blocos: a) treino e discriminação
auditiva; b) treino da consciência fonológica; c) cronograma e avaliação.
02 - O conhecimento da língua: desenvolver a consciência linguística
A brochura intitulada O conhecimento da língua: desenvolver a
consciência linguística (DUARTE, 2008) está estruturada em nove
capítulos, subdivididos respectivamente em: o conhecimento explícito
como um objetivo curricular; os conceitos fundamentais sobre a
concepção de ensino da gramática como desenvolvimento da consciência
linguística; o conceito sobre o desenvolvimento da consciência linguística
nas diferentes áreas de conhecimento, e algumas atividades para alcançar
o desenvolvimento e algumas atividades exemplificadoras.
O objetivo é a sensibilização dos professores para a inserção do
desenvolvimento da consciência linguística no currículo.
Segundo Duarte (2008), o bom desempenho da leitura e da
escrita depende de um conhecimento extenso da língua, da interpretação
das pistas estruturais contidas no texto, do conhecimento explícito e do
papel da escola na ampliação dos conhecimentos intuitivos da criança
sobre a língua, na aprendizagem da leitura e da escrita e no
desenvolvimento da consciência linguística.
A consciência linguística desempenha um papel transversal nas
seguintes competências instrumentais de uso da língua: donio do
português padrão, domínio de estruturas linguísticas de desenvolvimento
tardio, aperfeiçoamento e diversificação do uso da língua,
desenvolvimento de competências de estudo e aprendizagem de línguas
estrangeiras.
O desenvolvimento da consciência linguística pode promover
atitudes positivas nas crianças de autoconfiança e tolerância cultural e
62
linguística. Além disso, cumpre objetivos cognitivos: aprendizagem do
método científico, treino do pensamento analítico e aprofundamento e
sistematização do conhecimento da língua.
A linguística está atrelada ao ensino da gramática conceituada por
um
estudo do conhecimento intuitivo da língua que têm os falantes de
uma dada comunidade como os princípios e regras que regulam o uso
oral e escrito desse conhecimento” (DUARTE, 2008, p. 17).
O conceito da consciência fonológica é exposto novamente.
Conforme Duarte (2008), "
a desempenha um papel determinante no
sucesso da leitura em ciclos de escolaridade mais avançados”. Assim, ao
final do primeiro Ciclo, a criança deve ter aprendido: a classificação dos
sons distintivos, a identificação de ditongos, a distinção entre sílabas
tônicas e átonas, a classificação das palavras, quanto à posição da sílaba
tônica o alfabeto, os tipos de letra, a corresponncia entre som e letra,
acentos, sinais de pontuação, regras ortográficas e regras de acentuação
gráfica, para ter sucesso na leitura posteriormente.
Para o autor, a consciência morfológica é outro aspecto
determinante para o sucesso na leitura, pois os processos morfológicos
flexionais e de formação de palavras têm como efeito tornar mais
transparentes as palavras lidas.
Então, ao término do primeiro Ciclo, a criança deve ter
aprendido os seguintes conteúdos: a distinção entre palavras variáveis e
invariáveis, a flexão nominal, a flexão em pessoa dos pronomes pessoais, a
flexão verbal em número e pessoa, a distinção entre palavras simples e
complexas e a distinção entre radical e afixos, prefixos e sufixos.
A autora explica que há uma relação entre a consciência
fonológica e o desenvolvimento lexical. Sobre esse assunto há uma
63
brochura específica: O conhecimento da língua: desenvolver a
consciência linguística, no qual são propostos exercícios para o
desenvolvimento da consciência lexical.
Ao término do primeiro Ciclo, a criança deve, então, saber: o
conceito de família de palavras; a associação entre palavras a partir do
som, dos constituintes morfológicos e do significado, e a sensibilização
para o papel da extensão semântica e da relação semântica entre palavras.
Segundo Duarte (2008), vale o desenvolvimento do trabalho com
a consciência sintática, pois os aspectos estruturais de um texto
funcionam como pistas para a sua compreensão.
Ao final do primeiro Ciclo, as crianças devem ter aprendido os
seguintes conteúdos: as unidades estruturais da frase, funções sintáticas,
classes de palavras, processos de concordância, distinção entre frases
simples e complexas e a sensibilização à ordem de palavras (DUARTE,
2008).
O desenvolvimento da consciência textual também tem sua
relevância para a leitura, pois o paralelismo entre a estrutura superficial
do texto e a estrutura conceitual da informação facilita a compreensão, de
acordo com a autora.
Ao final do primeiro Ciclo, a criança deve saber os seguintes
conteúdos relativos a textos descritivo, narrativo e expositivo: formas de
coesão textual, os sinais de pontuação e o seu papel desempenhado no
texto.
O discurso se caracteriza por um conjunto de enunciados e na sua
relação com o contexto situacional em que é produzido. O
desenvolvimento da consciência discursiva pode levar a criança à
64
percepção da existência de enunciados adequados a certos objetivos ou
situações.
Ao final do primeiro Ciclo, a criança deve saber os seguintes
conteúdos: formas de tratamento, formas gráficas de representação do
discurso próprio e do outro, tipos ilocutórios e formas da sua realização
linguística.
A brochura em questão aponta os exercícios, que devem ser
realizados em sala de aula, referentes à gramática, consciência fonológica,
morfológica, lexical, sintática, textual e discursiva.
Os materiais analisados sobre a temática
o ensino da leitura”
seo: O ensino da leitura: a decifração; O ensino da leitura: a
compreensão de textos, e O ensino da leitura: a avaliação.
01 - O ensino da leitura: a decifração
A brochura O ensino da leitura: a decifração (SIM-SIM, 2009)
está dividida em três seções. A primeira é denominada O que os
professores precisam saber sobre o processo de decifração; a segunda, O
que é necessário a criança conhecer antes de aprender formalmente a
decifrar, e, a terceira, O ensino da decifração. A brochura tem o objetivo
de responder às seguintes questões:
A. O que faz algumas crianças aprenderem a decifrar mais
facilmente do que as outras?
B. Se que a aprendizagem da decifração exige pré-requisitos
especiais?
C. Existe um método ideal para o ensino da decifração?
65
Segundo Sim-Sim (2009), para a realização da leitura de maneira
autônoma, a aprendizagem da decifração é um pré-requisito
fundamental. O ensino da decifração tem como objetivo atingir a
capacidade para o reconhecimento automático das palavras escritas. Para
ela, decifrar significa identificar palavras e relacionar as sequências das
letras com as sequências dos sons correspondentes. Depois dessa
identificação, as palavras passam a ser conhecidas pelo leitor. Sim-Sim
explica:
Um leitor fluente identifica automática, rápida e eficientemente o
significado das palavras lidas.
No processo de identificação da palavra, o leitor parece utilizar
estratégias diferentes, consoante o respectivo conhecimento da
palavra. Assim, quando a palavra lhe é familiar, o leitor usa estratégias
de acesso directo e automático ao léxico (estratégias lexicais), sendo o
reconhecimento da palavra rápido e global. No caso de palavras
desconhecidas ou menos frequentes, o leitor serve-se de estratégias
sublexicais, que privilegiam uma via indirecta, perceptiva e
ortográfica, baseada na correspondência grafema/som (SIM-SIM,
2009, p. 12).
Portanto, para a aprendizagem da decifração é preciso percorrer
um caminho de apropriação de estratégias, por meio de um ensino
explícito, consistente e sistematizado.
De acordo com Sim-Sim (2009), para a efetivação desse ensino
explícito, é necessário superar o conceito que considera opostos os
métodos de ensino que se apoiam respectivamente: a) na estratégia de
correspondência som/grafema, metodologias fônicas, e b) em estratégias
de reconhecimento global da palavra.
66
Segundo Duarte (2008), as duas estratégias didáticas são
importantes e necessárias. A questão está na forma como elas o
apresentadas ao aprendiz, que passa por fases de leitura, a saber: fase de
leitura p-alfabética, fase de leitura parcialmente alfabética e, finalmente,
fase de leitura totalmente alfabética.
Para Sim-Sim (2009), durante essas fases, as crianças precisam
estar em contato com diversos escritos, porque, a partir desse contato,
descobrem precocemente algumas características da escrita. A leitura é
um processo contínuo, iniciado antes da decifração.
Quanto maior o conhecimento fornecido à criança, em relação à
consciência linguística e, principalmente, fonológica, melhor é a
decifração. Dessa forma, o ensino deve combinar as estratégias do
método fônico e do método global, sempre orientado pelas seguintes
características: o ensino da decifração deve ocorrer em contexto real,
como sustentação às experiências e aos conhecimentos da criança sobre a
linguagem escrita e com base na correspondência som/grafema de forma
clara, direta e transparente. E também deve visar e regular o
reconhecimento de padrões ortográficos frequentes, estimular a leitura de
palavras frequentes e estar intimamente ligado a práticas de expressão
escrita (SIM-SIM, 2009).
02 - O ensino da leitura: a compreensão de textos
A brochura O ensino da leitura: a compreensão de textos está
dividida em três partes. A primeira é intitulada O que os professores
precisam saber sobre o processo de compreensão da leitura. Na segunda,
O ensino da compreensão de textos, encontram-se subdivisões sobre
textos informativos, narrativos, de teatro, poesias e instrucionais. A
67
terceira parte é constituída pelos anexos, textos usados como exemplo
para a realização de algumas atividades.
O objetivo dessa brochura é responder a duas questões:
como levar os alunos da decifração de palavras à
compreensão do texto?
quais as estratégias a serem ensinadas, explicitamente,
para o desenvolvimento da fluência de leitura?
Na introdução, Sim-Sim (2007) afirma que o conhecimento da
leitura é condição indispensável para todas as pessoas e para o melhor
desempenho dos países. Por essas razões, nos países mais ricos, as pessoas
o mais letradas, conclui.
A linguagem escrita é indispensável para a vida cotidiana, pois a
utilizamos em vários contextos. Para conseguirmos a proficiência
necessária, a escola tem papel fundamental na sistematização e ensino da
leitura.
A decifração é o primeiro passo, mas a leitura é mais do que o
reconhecimento de uma sequência de palavras, "
ler é compreender, obter
informação, aceder ao significado do texto” (SIM-SIM, 2007, p. 7).
Segundo Sim-Sim (2007, p. 6), para termos eficácia na leitura,
alguns requisitos são necessários:
A investigação das últimas décadas mostrou-nos que a eficácia da
aprendizagem da leitura depende do ensino eficiente da decifração,
do ensino explícito de estratégias para a compreensão de textos e do
contato frequente com boa leitura. O ensino da decifração assenta no
treino da consciência fonológica e na aprendizagem da
correspondência som/grafema, que preside à escrita alfabética da
68
língua portuguesa. Por sua vez, o ensino da compreensão de textos
deve visar à apropriação pelas crianças, de estratégias de
monitorização da leitura tais como prever, sintetizar, clarificar e
questionar a informação obtida.
Essas ideias apresentadas por Sim-Sim são pautadas nos estudos
de José Morais. Segundo esse autor, [...] para aprender a ler uma escrita
alfabética, é necessário, em prinpio, construir representações
conscientes de fonemas. Entretanto, a atividade de leitura em si não
comporta análise fonêmica.
Comporta a ativação de representações de
fonemas pelos grafemas correspondentes e a sua fusão” (MORAIS, 1996,
p. 198).
De acordo com Sim-Sim (2007), a eficácia da leitura é afetada
pelo conhecimento linguístico, pela rapidez da pessoa na identificação da
palavra e sua capacidade para automonitorizar a compreensão, ou seja,
para relacionar seus conhecimentos sobre o mundo com outros textos
lidos.
Na primeira parte do texto, a autora define o ato de ler como
compreender e vai além. Para ela, o ato de compreender se caracteriza
pela atribuição de significado ao lido, porém, fatores como a falta de
conhecimento prévio sobre o assunto e o desconhecimento do campo
lexical, podem dificultar a compreensão de um texto.
Com a premissa da necessidade de conhecimento prévio sobre o
assunto, algumas regras no ensino precisam ser preservadas: conversa
antecipada, com a criança, sobre o tema e desenvolvimento do seu léxico
(SIM-SIM, 2007).
Para Sim-Sim (2007), o objetivo da compreensão da leitura é o
desenvolvimento da capacidade de ler um texto fluentemente. Para tanto,
69
quatro pilares são necessários. E as estratégias utilizadas pelo professor
deverão se basear neles. A saber: a) rapidez e precisão da identificação de
palavras; b) o conhecimento da língua de escolarização; c) a experiência
individual de leitura, e d) as experiências de mundo do leitor.
Segundo Sim-Sim (2007) apresenta na brochura, o primeiro pilar
é praticamente o alicerce da leitura. Esse reconhecimento se estende além
do conhecimento consciente dos sons da língua de escolarização e sua
relação com os grafemas correspondentes, pois depende, também, da
capacidade de identificação das palavras como unidades gráficas de
significado.
Para a autora, a consciência fonológica e o reconhecimento global
de palavras estão ligados ao conhecimento linguístico.
Existe uma
relação profunda entre o domínio da língua que usamos para comunicar
as experiências que vivenciamos e o conhecimento que temos sobre o
Mundo e sobre a vida” (SIM-SIM, 2007, p. 11).
A segunda parte da brochura sobre o ensino da leitura e a
compreensão de textos, possui uma conceitualização de estratégia e da
abordagem a ser usada por professores e alunos antes, durante e depois da
leitura. Em seguida, o texto se subdivide em cinco partes, sendo que cada
uma delas se detém sobre o ensino da compreensão de um tipo de texto,
na seguinte ordem: informativo, narrativo, teatral, poético e instrucional.
Cada um desses itens está organizado da seguinte forma: a)
explicação conceitual sobre o tipo de texto apresentado; b) sugestões de
estratégias específicas para esse tipo de texto; e c) exemplos de atividades
para o desenvolvimento de competências específicas para sua
compreensão (SIM-SIM, 2007).
Segundo Sim- Sim (2007, p. 15):
70
Ensinar a compreender é ensinar explicitamente estratégias para
abordar um texto. Estratégias de compreensão são ferramentas” de
que os alunos se servem deliberadamente para melhor compreender o
que leem, quer se trate de ficção ou de não ficção. Essas estratégias
ocorrem antes, da leitura de textos, durante a leitura de textos e após
a leitura de textos.
De acordo com Sim-Sim (2007), algumas estratégias apontadas
pelo professor, antes da leitura, são: explicitação do objetivo, ativação do
conhecimento prévio sobre o tema, antecipação de conteúdos com base
no título e imagens. Ela, também, afirma que as estratégias utilizadas pelo
professor durante a leitura devem ser: leitura seletiva, criação de um mapa
mental, sintetização das ideias apresentadas no texto, adivinhação de
palavras desconhecidas.
Depois da leitura, as estratégias são: formulação de questões,
confrontação sobre as previsões feitas, discussão, releitura.
Ao longo das estratégias propostas pelo professor, o aluno é
levado a fazer questões metacognitivas. Para tanto, o professor realiza
interferências orais e fornece fichas a serem respondidas pelos alunos.
Para cada tipo de texto, há a necessidade de escolha de estratégias
diferentes para a sua compreensão.
03 - O ensino da leitura: a avaliação
A brochura O ensino da leitura: a avaliação (VIANA, 2009) está
dividida em introdução e mais três partes. A primeira se chama O que os
professores precisam saber sobre a avaliação de leitura, e apresenta os
objetivos da leitura. A segunda parte, Dimensões da avaliação de leitura,
71
expõe os processos de decifração e compreensão e sua avaliação por
intermédio de algumas atividades propostas. Por último, a terceira parte é
dedicada às Técnicas de avaliação e apresenta alguns testes.
Segundo Viana (2009, p. 7), a avaliação é essencial ao processo de
ensino, pois ela norteia o trabalho docente. Como afirma a autora:
A avaliação é, por isso, uma componente essencial do processo de
ensino, e o seu objetivo primeiro é o de fornecer ao professor
informação que fundamenta decisões pedagógicas no sentido de
ajudar os alunos a progredir.
Os objetivos da brochura são: a) esclarecimento da avaliação da
leitura em torno dos instrumentos e processos de avaliação; b) análise das
potencialidades e limitações de diferentes modalidades, instrumentos e
estratégias de avaliação da leitura; c) promoção de reflexão sobre os textos
(VIANA, 2009).
Alguns princípios são orientadores dessa avaliação: a) seus
procedimentos devem ser adequados aos objetivos; b) seu caráter
formativo; c) a avaliação formativa deve ser complementada com a
avaliação cumulativa.
Para Viana (2009), a partir desses princípios, os professores
precisam:
a) conhecer as competências a serem desenvolvidas pelos
alunos até o final do 1º ciclo em termos de leitura;
b) saber os procedimentos para uma avaliação centrada em
cada aluno;
72
c) conhecer a posição dos alunos e da turma em relação ao
esperado para todos.
A brochura apresenta, como pressuposto para a realização da
avaliação, o conhecimento do professor sobre o processo de ensino e
aprendizagem da leitura, embasado na dimensão da decifração e
compreensão, assim como vários modos e processos de avaliação da
leitura (VIANA, 2009).
A autora ressalta que os objetivos devem estar pautados no
conteúdo e na razão da avaliação, que deve, por sua vez, ser sobre o
produto e o processo. Nessa brochura, a avaliação recai sobre o processo,
pelo fato de a avaliação, no primeiro Ciclo, ter um caráter formativo e
pouco utilizada no contexto escolar.
04 - O ensino da escrita: a dimensão textual
Para o desenvolvimento da temática do ensino da expressão
escrita será analisada a brochura O ensino da escrita: a dimensão textual
(BARBEIRO; PEREIRA, 2007), que está dividida em introdução e três
seções. A primeira seção é intitulada Modos de acção no ensino da
escrita; a segunda, Complexidade do processo de escrita, e a terceira,
Práticas integradoras. Na primeira e segunda são apresentados alguns
princípios e estratégias utilizados na produção textual. Na terceira, são
sugeridas atividades práticas.
De acordo com o texto analisado, na sociedade atual, cada vez
mais, é reforçada a necessidade de as pessoas demonstrarem a capacidade
de escrita de vários gêneros textuais. Para tanto, a escola deve preparar
para as crianças. Esse preparo incide em suas competências compositiva,
ortográfica e gráfica.
73
A competência compositiva consiste em formas de combinação
de expressões linguísticas para a formação de um texto; a competência
ortográfica, em normas estabelecedoras da representação escrita das
palavras da língua e competência gráfica, na capacidade de inscrição dos
sinais da representação gráfica em um suporte material.
Essa brochura está centrada na competência compositiva. Nela é
abordada a complexidade do processo para a produção textual, assim
como os diversos modos de ação que podem ser adotados pelo professor.
Para a efetivação do domínio da escrita, alguns princípios são
referências. A produção textual é um processo lento e longo. Ele deve ser
realizado, de maneira intensiva, desde a entrada da criança na escola, o
que implica um amplo conhecimento de planejamento, registro e revisão.
É necessário o ensino de gêneros diversificados, por meio de
sequência de atividades, para permitir a regulação externa e interna da
produção, em uma gradual complexificação.
Para a realização dos princípios básicos da produção textual,
algumas estratégias devem ser privilegiadas em relação à ação sobre o
processo e à ação sobre o contexto. No processo, as estratégias utilizadas
são a facilitação processual, a escrita colaborativa e a reflexão sobre a
escrita. No contexto, as estratégias privilegiadas são a integração de
saberes e a realização de funções (BARBEIRO; PEREIRA, 2007).
A escrita deve ser realizada mediante alguns elementos: seu autor,
seu público-alvo; seus objetivos e conteúdos; sua maneira de escrever,
seus suportes e respostas prováveis.
O ensino da escrita deve objetivar uma dimensão integradora
entre o processo de ação e de contexto. Para tanto, o ciclo de escrita e as
74
sequências didáticas sugeridos são passíveis de registro em um caderno de
escrita individual.
Neste item sobre o Programa Nacional de Ensino do Português,
apresentei a idealização, objetivos, destinatários, formadores, materiais e
concepções embasadores do Programa. No próximo capítulo, apresento
e analiso as narrativas dos cinco professores alfabetizadoras acerca das suas
trajetórias na educação escolar.
75
Capítulo II
Sobre cartilhas e a fortuna das palavras:
as narrativas de professores alfabetizadores portugueses
Aceitei ir à escola, porque aceitei ser torturado em
troca da ciência deslumbrante de aprender a guardar
a fortuna das palavras.
(Valter Hugo Mãe)
A história e as narrativas dos professores, muitas vezes, revelam a
rigidez do ensino sob a ótica daquelas crianças que um dia foram. Porém,
ao que parece, aprender a desvelar os enredos, "a fortuna das palavras”,
valia mais (MÃE, 2020). E valeu. À parte isso, romantizar uma educação
parcial nunca foi o ideal. É preciso vislumbrar uma educação que seja
integral para os indivíduos, pois os modos de alfabetizar podem
influenciar o modo de pensar e, consequentemente, de viver de gerações.
Os cinco professores entrevistados em Portugal narraram suas
histórias e suas atividades docentes em diferentes espaços geográficos do
país. No momento da pesquisa moravam em Lisboa ou Évora. Neste
livro, estão registrados alguns momentos que a memória de cada um
selecionou durante as entrevistas e que, de alguma forma exemplificam as
transformações e mudanças constantes no ensino do país. Ou, para além
disso, revelam os modos como os entrevistados parceiros vão se tornando
professores alfabetizadores, como a formação do Programa Nacional do
Ensino de Português (PNEP) influenciou a atuação de cada um deles
76
como alfabetizadores e como suas histórias são atravessadas pela história
da alfabetização em Portugal.
Alguns temas se destacam nas falas dos professores entrevistados:
o uso de manuais de alfabetização; a rigidez docente na alfabetização dos
entrevistados; os métodos de alfabetização; a influência positiva do
formador do PNEP na formação continuada; as mudanças em relação ao
ensino da leitura e da produção, e o trabalho com a consciência
fonológica.
Alfabetização dos professores portugueses
Os cinco professores portugueses entrevistados abordam algumas
questões relacionadas às experiências no primeiro ano de escolaridade.
Nenhum deles fez pré-escola. Naquele tempo, as crianças, normalmente,
ficavam com os avós e entravam na escola quando tivessem ou fossem
completar 7 anos. Esse período coincide com o peodo do governo de
Salazar, momento em que não havia escolas públicas para crianças
menores de 7 anos.
Segundo Nóvoa (2005), a preocupação com o Ensino Infantil
oficial deu-se com a República. Até por volta de 1930, houve legislações
para essa faixa etária; no entanto, em 1936, o ensino oficial infantil foi
extinto,
construindo uma ideologia maternalista que valorizava o papel
das mães e das famílias” (NÓVOA, 2005, p. 109). Paralelamente a isso,
aconteceu um reforço da persistência assistencial, por meio das amas e de
creches, que cuidavam das crianças, enquanto as mães trabalhavam. Na
década de 1960, começou-se a valorizar a lógica educativa e as iniciativas
privadas para esse nível do ensino. Somente com a Reforma outorgada
77
pelo ministro Veiga Simão, em 1973, legislou-se sobre a
institucionalização da educação pré-escolar facultativa, principalmente,
por causa da entrada da mulher no mercado de trabalho (NÓVOA,
2005).
As entrevistas demonstram que alguns professores foram
educados na escola em turmas separadas por sexo as meninas, dos
meninos. Informaram também sobre o manual único utilizado, sobre a
rigidez de algumas professoras em sala de aula, e sobre como foram
alfabetizados.
Especificamente sobre o manual, segundo Santo (2006), os
manuais de caráter escolar possuem uma intenção explícita concretizada
por intermédio de um título, da indicação de nível e do público, da
apresentação de uma organização sequencial de conteúdos e de
progressão relativa ao processo de ensino e de aprendizagem do aluno.
Além dos manuais para os alunos, existem manuais para os professores,
denominados Guia Pedagógico ou Livro do Professor, que estão a serviço
do manual do aluno.
Segundo Loureiro (2006), a educação escolar para o ensino das
primeiras letras, no período de Salazar o Estado Novo, de 1933 a 1974
foi marcada pelo autoritarismo, baseado na trilogia: Deus, Pátria e
Família. A professora era a responsável por inculcar nos alunos a ordem
proposta pelo Estado. Algumas características desse período foram
determinadas um pouco antes na ditadura militar, como é o caso da
divisão espacial estipulada pelo sexo dos estudantes: meninas e meninos
aprendendo em ambientes distintos (LOUREIRO, 2006). Alguns
professores entrevistados, ainda que essa prática já estivesse quase no
final, estudaram em turmas separadas.
78
A educação separada existiu desde 1926 e se estendeu quase até o
final do período salazarista (LOUREIRO, 2006). Como narram algumas
professoras:
Eram turmas de meninos e meninas. Essa escola, era do lado direito
feminino e do lado esquerdo masculino. O pátio de cima das meninas e o
de baixo dos rapazes. Portanto, nunca nos juntávamos, as meninas
entravam numa porta, os rapazes entravam por outra (Professora
Amália).
Eu sou duma aldeia, e naquela época, as escolas eram separadas, os
meninos e as meninas. Tinha uma escola masculina e uma escola
feminina. Só na terceira classe, chamava-se classe, é que passávamos a
conviver todos dentro de um mesmo espaço e da mesma sala. Eram
turmas muito grandes, e a maior parte das vezes, estavam misturadas as
várias classes, tendo em conta que havia dois professores ou duas
professoras, uma para rapazes e uma para raparigas. Portanto, na
maioria das aldeias, aqui em Portugal, era assim que se fazia há 50 anos!
Só posteriormente, já muito próximo de 25 de abril é que as turmas
começaram a ser mistas (Professora Joana).
A narrativa dessas duas professoras explicita a divisão de turmas e
de professores; as meninas deveriam ter aulas com uma professora e os
meninos com um professor. No início do regime (nos anos de 1930), não
somente os homens ainda eram a maioria como professores, mas os
meninos, também, constituíam a maior fatia no número total de
estudantes nas escolas. Com o passar do tempo, e já na década de 1960
(década em que os entrevistados foram para a escola), o número de
mulheres na profissão já tinha passado o total de homens, sendo
necessário, não raro, que elas assumissem o ensino dos garotos. Fica aqui
79
evidente a inversão na carreira docente, que passou da grande maioria de
homens para o domínio das mulheres (RAMOS, 1988).
Outro ponto destacado pelos professores é em relação ao manual,
que era o livro usado. Além de ser o único para todo o país, era também
o único livro a que tinham acesso na escola:
Eu fui para a escola em 68 e havia o mesmo manual para o país inteiro.
O país todo tinha o manual do primeiro, segundo, terceiro e quarto. E
aprendíamos todos pelo mesmo manual. Não me lembro qual era, mas
ainda há à venda, são muito giros [legais]. Era um texto tipo João de
Deus, eram longos textos, muito grandes. Havia textos longos, não era
como os manuais de agora que são muito infantis, não, era tudo mais
crescido. Aprendíamos, toda a gente sabia ler! (Professora Maria João).
A professora afirma que o manual tinha textos parecidos aos
propostos por João de Deus. Segundo Mortatti (2006), João de Deus foi
um poeta que escreveu uma cartilha intitulada Cartilha Maternal ou Arte
da Leitura, em 1876. Nas palavras de Mortatti (2006, p. 6):
Diferentemente dos métodos até então habituais, o método João de
Deus ou método da palavração
baseava-se nos princípios da moderna
linguística da época e consistia em iniciar o ensino da leitura pela palavra,
para depois analisá-la a partir dos valores foticos das letras”.
Outros professores contam sobre o manual utilizado:
Usávamos só os manuais. Era mesmo, não me lembro doutro tipo de
livro, geralmente, só aqueles, e ela não nos contava histórias.... Não! Não
tinha necessidade, com certeza, nenhuma de nos contar. Parte de nós
motivávamo-nos só pelo fato de termos um livro. Era o primeiro livro que
80
tinha. Não tinha tido acesso a outro tipo de livro. Era aquele livro, o
meu livro. E aquele meu livro era extraordinário! Chamava O Meu
Primeiro Livro”, não, não! O Livro da Primeira Classe”. Eram
manuais oficiais. Eram todos iguais, norte a sul do país. Tenho-os cá,
guardo carinhosamente, pois eram livros extraordinários! (Professor João).
Tínhamos um manual. Não lembro qual era, mas tinha umas crianças
vestidas da mocidade portuguesa na capa. Sei que a capa era rígida, de
papel grosso e tinha muitos textos lá dentro... Tinham coisas do regime
Salazar, era uma sociedade muito fechada, tudo de acordo com isso.
(Professora Amália).
A professora Amália destaca as características presentes nas
cartilhas sobre o regime salazarista. Segundo Loureiro (2006, p. 70):
Ao abrirmos um livro escolar do período em questão, estamos
simultaneamente a consultar um manual de como ser socialmente
correcto” durante o Estado Novo. Através deles, não só instruíam as
crianças, como informavam de forma perspicaz os seus pais, das leis
que comandavam o país e o modo como tinham que ser obedecidas
sem contrariedades.
Loureiro (2006) ressalta que, além de as crianças serem educadas
nos moldes esperados pelo Governo, os pais indiretamente também
aprendiam como ser obedientes. Nóvoa (2005, p. 115) afirma que, desde
o início do Estado Novo, as práticas de doutrinação se manifestam, sendo
uma delas a imposição de um livro único. Outra narrativa que trata dos
manuais é a da professora Rita:
81
Tinha manual, aliás, era o manual, o manual e o manual. E só se
víamos o manual, não havia mais nada a não ser o manual. O manual,
caderno, quadro e uma régua ao lado. (Professora Rita).
Nesse trecho, a professora Rita ratifica a ideia de que o único
livro utilizado para aprender a ler e a escrever foi o manual. E, no ensino,
a prática era sempre a mesma: uso do caderno, quadro negro e uma
régua. A régua servia também para castigar os alunos. Aliás, a rigidez no
ensino é também um ponto ressaltado pelas entrevistadas:
Ainda há pouco estava a falar com os meus alunos, a escola naquela
altura era muito diferente, os professores eram muito exigentes, usavam
alguma palmada, quando não nos portávamos bem. Eu não me portava
mal, mas era cheia de vida, então ficar parada para mim era muito mal,
então, eu levava umas pauladas, mas não foi nada de traumático.
(Professora Amália).
Era mais rígido. O professor era visto com outros olhos, era o professor,
hoje o professor é um colega, um amigo, não há aquela distância entre
professor e aluno. A gente estava na escola, tudo sentadinho, caladinho a
espera que o professor abrisse a boca. (Professora Rita).
Tenho muitas memórias de a professora bater nos alunos e, portanto,
muitas das situações de aula eram resolvidas com reguadas. Nunca
apanhei nenhuma! Tenho esta memória também! E isto, quando eu me
refiro a situações, tem muito mais a ver com dificuldade de aprendizagem
do que propriamente com problemas de comportamento. (Professora
Joana).
82
A rigidez explicitada pelos professores também representa o
contexto histórico e social vivido. O professor era controlado pelo Estado
e, ao ingressar na carreira docente, escrevia de próprio punho que estava
integrado na ordem social estabelecida, com repúdio ao comunismo e às
ideias subversivas (LOUREIRO, 2006, p. 70).
Segundo Fernandes (2006, p. 20),
em 1955 era posição oficial
considerar que o recurso à palmatória fazia parte de um processo
pedagógico que a escola transpunha do meio social envolvente”. Nessa
época, começou-se a questionar a validade ou não dos castigos físicos,
mas eles ainda eram aceitos oficialmente. Como os professores
entrevistados foram alfabetizados na década de 1960, eles ainda
vivenciaram essa rigidez dos professores, proposta em nível oficial.
Vale retomar aqui a questão dos métodos, já que os professores
vão se referir a eles. Segundo Mortatti (2008, p. 94):
Os métodos de alfabetização, como se sabe, podem ser
classificados em dois tipos básicos: sintético (da parte” para o
todo”) e analítico (do todo” para a parte”). Dependendo do
que foi considerada a unidade linguística a partir da qual se
devia iniciar o ensino da leitura e escrita e do que se considerou
todo” ou
parte" [...].
Quando os entrevistados foram questionados sobre como a
professora que os ensinou a ler e a escrever na escola, relatam aspectos
similares. Vejamos:
83
A professora ensinava, tínhamos um livro e ela no primeiro dia de aula,
eu acho, colocava todas as letras no quadro a b, c, d.... pronto, e depois
era ir juntando letras, pronto era assim. Ela usava o método analítico.
Aprendiam os que tinham que aprender e os outros iam ficando para
trás. (Professora Amália).
Amália denomina o método utilizado por sua professora como
analítico. Porém, Mortatti (2000), situa a técnica no campo oposto, o do
método sintético. Isso, porque se inicia o ensino da leitura e escrita a
partir das letras. A professora parece dizer que o ensino ocorria somente
dessa forma; assim, quem não aprendia
ficava para trás”.
A professora Rita também narra sobre o ensino recebido. Em
relação à Alfabetização, ela diz:
Aprendi a ler e a escrever com o alfabeto, a professora chegava e dizia:
isso é o "a", vamos escrever o a"”. Antigamente com o método analítico-
sintético. Tinham grandes manuais, logo com grandes textos, com muitas
perguntas de interpretação. Naquela época. Hoje já não é mais assim,
nem eu trabalho assim, eu acho que aquilo já era um exagero. Nós
aprendíamos porque havia mais respeito, havia mais, como eu hei de
dizer... não era medo, mas nós sabíamos que estávamos ali e tínhamos
que ficar caladinhos para aprender. (Professora Rita).
Ao mesmo tempo em que indica que a professora dela começava
a ensinar com o alfabeto, Rita diz também que os manuais tinham
grandes textos, caracterizando o método como analítico-sintético.
Segundo Barbosa (1992), o método analítico-sintético é
caracterizado pela mistura dos métodos analítico e sintético. Parte-se das
palavras-chave destacadas de uma frase ou texto, para, logo, realizar-se a
84
decomposição em sílabas e, com as sílabas, a composição de novas
palavras.
Outro aspecto apresentado era relacionado ao respeito que os
alunos tinham pela professora. Para ela, esse respeito possibilitava uma
aprendizagem, provavelmente, porque deveriam ficar em silêncio, e isto
pode parecer condição fundamental para aprender.
É.… como muita gente se calhar fazia, mas era assim: logo nos primeiros
dias, deu-nos o alfabeto completo. E a partir daí nós líamos um livro
único que era um livro de leitura, na altura, um livro único e
começávamos a fazer leitura a partir dali. Ela não fazia como eu faço
agora, naturalmente, tentando motivar, olhar, fazer... não! Ela abria o
livro, dizia que aquilo era o a”, aquilo era o e”, aquilo era o i” e nós
sabíamos que aquilo era o "a", "e", i", na realidade. E era a partir daí
que líamos, e praticamente, que eu me lembro... eu suponho que só três
ou quatro é que não passaram de classe. E naquela altura, tinha-se que
passar, tinha-se que fazer as provas de passagem de classe. E todos fomos
bem-sucedidos, penso eu, no primeiro ano. Mas o método dela, se é que eu
posso chamar de método, era exatamente isso: através do alfabeto e
através do manual, na altura, nós tínhamos lição a lição. E quem ia
mais adiantado, com certeza, ela adiantava. Ela ia com aqueles naquela
altura, ia com outros mais atrás, com outros mais atrás, mas nós íamos
seguindo cada um o seu percurso. (Professor João).
A narrativa do professor revela novamente o ensino da leitura e da
escrita começando pelas letras do Alfabeto, fato normal de ser repetido,
que, na época (anos de 1960), o manual era único. Provavelmente, a
professora ensinava lição por lição. Assim, o aluno que não dominasse o
conteúdo, não conseguia seguir o manual juntamente com os outros.
Somente o fazia depois de dominar a lição proposta.
85
Vale, ainda, o destaque para as provas que os alunos precisavam
fazer para serem aprovados para o ano seguinte. O sistema de ensino
reprovava as crianças que não fossem aprovadas nas provas. Somente com
a Revolução dos Cravos, em 1974, é que a reprovação deixou de ser
anual e passou a ser organizada nas fases.
A professora Maria João também comenta sobre a maneira de sua
alfabetização:
Lembro-me perfeitamente do meu primeiro ano e da minha professora,
porque a professora do primeiro ano marca para a vida! Eram turmas
muito grandes. As turmas eram todas assim! Andei no ensino público. As
turmas eram de 40 e tal meninos! O ensino era dirigido a todos, não era
feito individualmente, era feito para todos: o b-a”, BA” e aprendíamos.
Mas lembro-me que era muito difícil porque a professora não tinha
aquele carinho que há nas turmas pequeninas. Lembro-me da professora,
mas ela não ia ter conosco individualmente, não havia tempo. (Professora
Maria João).
Sobre o momento de alfabetização, a professora destaca a grande
quantidade de alunos que tinha na sala de aula, a falta de carinho da
professora e a maneira que a alfabetização era realizada.
Assim, todos os professores entrevistados não tiveram uma
educação pré-escolar no ensino regular, por ainda não haver a proposta
do Governo, e foram alfabetizados por meio do manual único, baseado
principalmente no método sintético.
86
O Magistério: início da formação profissional
Os cinco professores entrevistados fizeram o Magistério em nível
dio para serem professores do Primeiro Ciclo. Dois deles relatam
terem entrado no Magistério, justamente, quando a duração do curso
mudou de dois para três anos.
Quando eu me matriculei, foi a primeira vez que o Magistério passou a
ser de três anos, porque eram só dois! Passou a ser três anos. E fiz então os
três anos... (Professora Joana).
Eu fiz, eu fiz, mas não fiz logo em seguida... eu fiquei um ano sem
estudar porque não tinha possibilidades financeiras para estudar, fiquei
trabalhando durante o ano, e depois assisti ao Magistério. Fui fazer
exame de admissão, fiquei, acabei por ficar lá. E tive um azar ou sorte,
nessa altura mudar, ou seja, o Magistério na altura, foi de dois anos, e
passou a três. E eu apanhei o primeiro curso de três anos... (Professor
João).
Os dois trechos acima mostram um dos aspectos da reforma de
1974-1975. Segundo Baptista (2004, p. 161):
O curso passa a ter a
duração de três anos, sendo o terceiro considerado de prática pedagógica
orientada, de modo a superar as lacunas de tempo e qualidade do estágio
que se vinha fazendo”.
Esse período foi marcado pela redemocratização do país. O
professor João comenta sobre isso:
87
Eu acho que preparou bastante para profissão. Foi interessante porque
tinha uma variedade de professores... eu não posso dizer que eram todos
bons, porque naquela altura também era uma altura revolucionária,
portanto eu fui, olha, eu fui em 75. E em 75, os professores tinham uma
consciência muito aguda dos problemas. Eu acho, eu posso dizer, era
linguagem política partidária, diria que eram todos muito de esquerda.
Pronto! Seria, penso eu, consciência seria mais essa e o próprio Magistério
estava também vocacionado para isso. Eu gostei dos anos que passei lá, foi
interessante! Eu aprendi bastante! Tive muitos bons professores também.
Foi em decorrência da Revolução. Nós tínhamos o Magistério, portanto
era dois anos, exatamente era dois anos, estava a se estruturar, é. com
as didáticas. Na altura, era didática a, didática b”, uma era da
matemática, outra era da Língua Portuguesa. E tinha outro tipo de
disciplina, mas muito vocacionada para primeiro Ciclo. Olha, quando
em 74, com essa Revolução, logo a estrutura foi modificada, ou seja,
começaram a introduzir disciplinas totalmente diferentes. Sociologia,
Linguística, Atividades de Contacto... (Professor João).
As atividades de contato se caracterizavam pela inserção dos
estudantes, futuros professores, em algumas realidades educativas
diferenciadas. Nesse processo, os alunos observavam e participavam
ativamente de propostas de mudanças na realidade com que estavam em
contato.
A Revolução dos Cravos afetou a educação também. Segundo
Baptista (2004), o currículo para a formão do professor era moldado
para formar um agente de mudança social e cultural.
O programa das actividades de contacto, com a finalidade de colocar
o futuro professor perante os problemas gerais da comunidade [...]
servia para mostrar ao futuro professor o papel que o educador
88
desempenhava como agente de intervenção na escola e na
comunidade (BAPTISTA, 2004, p. 161).
Ocorreram mudanças nas propostas de formação no magistério,
mas não foram fáceis pela instabilidade do governo e pelas dificuldades
decorrentes das exigências de níveis científico e pedagógico. O currículo
sofreu muitas alterações de forma, extensão e profundidade (BAPTISTA,
2004, p. 162). Outra professora, agora Maria João, relata a realização do
Magistério, não no momento de transição política, mas na década de
1980:
O Magistério primário eram os três anos. Nós fazíamos o magistério, era
um curso Médio, não era superior. Tínhamos que fazer uma prova na
Sede. Chamava-se magistério primário. Depois quando eu acabei o curso,
porque eu acabei o curso em 88, foi o último ano, depois começaram as
ESES [Escolas Superiores de Educação]. De qualquer modo, esse curso a
seguir a mim, esse curso continuou a ser um bacharelado. Durante alguns
anos continuou a ser bacharelado, depois virou licenciatura e agora até é
mestrado. (Professora Maria João).
Essas mudanças anunciadas pela professora encontram-se na Lei
de Bases do Sistema Educativo (PORTUGAL, 1986) e, depois, no
Decreto-Lei nº. 344/89 que estabelece que a formação dos professores do
Ciclo 1 do Ensino Básico poderia ocorrer nas ESEs (Escola Superior de
Ensino), ou em instituições de nível superior preparadas para realizar tal
formação. Portanto, a partir desse momento, as ESEs passaram a formar
em nível superior.
Sobre as leituras que faziam no Magistério, os professores relatam:
89
Se calhar líamos o Freinet, nessa altura, Piaget, eram as leituras mais ou
menos obrigatórias. (Professora Amália).
Não muito: didáticas, pedagogia, psicologia, muito psicologia, mas
leitura mesmo de livros de história, romances, não. Só tínhamos didática
do português, portanto não tínhamos nada dirigido para a leitura.
Líamos os autores com textos, não com livros, sei lá, Decroly... agora não
me lembro nenhum outro. Aqueles que se estudavam da psicologia, o
Piaget, aqueles que se estudam, as correntes pedagógicas e psicológicas.
amos isso com textos de apoio, com manuais que compravam na altura,
mas nada de muitas pesquisas. (Professora Maria João).
O que eu lia? Na base de didáticas, tudo relacionado com o primeiro
Ciclo. Vários métodos de trabalho, como trabalhar com os alunos, nessa
base. (Professora Rita).
As professoras lembram de ter realizado algumas leituras ligadas à
psicologia, como Piaget, à pedagogia e às didáticas. Maria João aborda os
manuais que serviam de apoio. Segundo Correia e Silva (2004, p. 626):
De modo geral, os manuais pedagógicos apresentam-se no intuito de
viabilizar o acesso dos normalistas e, evidentemente, de pessoas que
estão sendo iniciadas na área pedagógica, ao conteúdo da bibliografia
reconhecida entre os educadores. [...]. Ao mesmo tempo, tais livros
são entendidos como produtores de um discurso que será apropriado
por outro grupo de lectores, a saber, os alunos normalistas aos quais
se dirigem para intermediar o contato deste blico com as ideias dos
auctores referidas de maneira sumária e compreensível, divulgando-as
a leitores ainda não especializados na área. É essa dupla natureza de
produto e produtor de um discurso pedagógico que permite aos
90
manuais para professores ocuparem um lugar especial na cultura
escolar e pedagógica.
O manual serve para veicular um discurso e também formar os
professores. Outro aspecto abordado é sobre como foi o processo vivido
por esses professores, durante a formação no Magistério, quando o foco
foi a aprendizagem dos mesmos, no que se refere aos métodos utilizados
para ensinar o outro a ler e a escrever:
Eu estagiei num primeiro ano, porque ensinar a ler e escrever é uma coisa
que me preocupava muito. No meu curso de formação, eu tive a sorte de
me apresentarem vários métodos de leitura. Eu própria estagiei num
primeiro ano, com o método que é um método fonomímico, cada letra
tem.... Agora já não sei, mas na altura, lembro-me que depois do meu
curso, a primeira vez que tive um primeiro ano, apliquei esse método,
porque eu gostei imenso! Então havia uma professora que foi tirar a
formação na França mesmo, que ela é mesmo francesa.... Para cada letra,
há um método associado com as mãos. Então a imagem de todas as letras
que é uma menina que faz o gesto com nota, nós, à medida que vamos
dando uma letra, que é na verdade um método analítico sintético, tal
como o método normal que não apresenta o gesto associado. Nós dizemos:
isso é um p”, então vamos aprender o p”. Pronto”! E aquilo é a mesma
coisa! Tinha a menina com o p”. Primeiro eram as vogais e eles
aprendem a fazer os gestos com as vogais, quando dão os ditongos, juntam
os ditongos com os gestos e, portanto, as primeiras palavras até a metade
das letras, os miúdos associam os gestos às letras. (Professora Maria João).
Maria João relata sobre o método que aprendeu realizando o
estágio. Partia da letra, para cada uma havia um gesto que posteriormente
era representado graficamente. Nas falas dos professores, o estágio, como
91
um meio de estar em contato com um professor que aplicava um
método, foi apontado como um dos modos de aprendizado do ensinar a
ler e a escrever. Vejamos outro exemplo:
O analítico-sintético e mais nada, portanto era aquilo, era o único e
falaram muito por alto, o método das 28 palavras, mas que nunca me foi
explicado como é que se trabalhava e todo meu estágio, toda a parte
didática, foi com o método analítico-sintético. O global, não. Eu nem
sabia que existia algum método global. E eu também não o chamei
método global... Comecei a chamá-lo método global” quando vim a
conhecer o método global, eu disse: espera lá, mas aquele ano, eu acabei
por fazer algumas coisas que estão, de facto, previstas nele. Alguém já
tinha pensado, não é? Alguém já o tinha pensado. Mas eu o usei por uma
questão de necessidade, não porque eu soubesse o que estava a fazer.
(Professora Joana).
Na narrativa da professora Joana fica evidente que o método
analítico-sintético era o método mais difundido. Outros professores
também apontam esse mesmo método como central. Muitas vezes,
outros métodos foram comentados de maneira superficial, ou não foram
citados.
A professora Joana diz não ter aprendido o método global, que
parte da palavra ou frase, que é classificado por Barbosa (1992) como
analítico. Porém, ressalta que aplicou essa técnica intuitivamente, sem
saber que recebia um nome; aprendeu com a experiência e, depois,
associou esse procedimento ao conceito.
Outra narrativa sobre o mesmo assunto é a da professora Amália:
92
Eu na minha formação inicial, no magistério eu tinha aquelas didáticas,
didática da língua portuguesa e didática da matemática e daí nós
aprendíamos as técnicas para ensinar a ler a escrever, para ensinar a
contar. Eu por acaso não utilizo nenhum desses métodos que aprendi no
magistério, é engraçado.
Lembro do analítico-sintético, é o que a maioria das pessoas utiliza,
falamos assim a correr do método natural e falamos a correr do método
das 28 palavras que é o método que eu utilizo. Agora o método que nós
aprofundávamos e estudávamos era efetivamente o método analítico-
sintético que é o método da letra. Eu não utilizo, nos primeiros anos sim,
nos dois, três primeiros anos, como profissional, eu utilizei, depois comecei
a utilizar o método das 28 palavras. Efetivamente é o método onde eu me
sinto segura, tem dado resultados. (Professora Amália).
Apesar de os professores afirmarem que aprenderam o método
analítico-sintético, segundo a conceituação proposta por Mortatti (2000),
a técnica a qual se referem é a do método Sintético. Isso, porque se inicia
pela letra, depois pela junção das letras, formando sílabas, e assim por
diante. O método natural ao qual a professora se refere está relacionado a
Freinet (1973).
A professora Amália relata que, no início da sua carreira como
professora, utilizou o método aprendido na formação inicial, mas depois
passou a utilizar o método das 28 palavras. Ela diz utilizá-lo até os dias
atuais, por acreditar em sua eficácia e se sentir mais segura.
O método das 28 palavras foi criado por Yolanda Betim Paes
Leme de Kruel, que escreveu a cartilha Cartilha Moderna (KRUEL,
1970). Para realização desse método, são utilizadas 28 palavras. Cada
uma é dividida em sílabas e novas palavras são formadas.
93
Quando questionada se lhe ensinaram a prática de ensinar a ler e
escrever, no curso de formação de professores, a professora Rita responde:
Sim, davam uma ideia, daí o meu método Analítico-Sintético. Davam
uma ideia de como íamos trabalhar e depois no estágio, tínhamos
pouquinho estágio, mas tínhamos estágio nos orientávamos nessa base.
O método das 28 palavras, por exemplo, nem falavam, era praticamente
o analítico sintético. Esse é o que eu uso. Eu uso o analítico sintético, mas
não sigo à risca, depende depois dos alunos. Tive o ano passado um aluno
que comecei a trabalhar com ele com o método das 28 palavras, porque vi
que pelo analítico sintético ele não conseguia aprender a ler e escrever.
(Professora Rita).
A professora Rita parece ter tido uma formação voltada
essencialmente para o método Analítico-Sintético, já o professor João
narra que aprendeu métodos diferentes, ao longo de sua formação.
Era-nos dado o seguinte: Nós tínhamos uma cadeira não didática, mas
metodologia. E a metodologia, o que nos indicava? Dizia exatamente
como devíamos abordar e até que métodos.... Desde os fonéticos aos
linguais. E passávamos por todos os outros, as brochuras, totalmente
sintéticos, prós-analíticos aos sintéticos. Então o que que nos davam? Nos
davam teoricamente como se deveria abordar de determinada maneira!
O privilegiado era o método analítico-sintético. Ou seja, partir da
palavra para sílaba, para letra. E depois fazer todas as atividades
necessárias para isso. Via isso... E o que nos deu também? Fizeram-nos ir
a determinadas escolas específicas para ver como era trabalhado
determinado método. Vimos uma escola que trabalhava com o método
global e que a pessoa dominava isso muitíssimo bem. Então nós íamos
assistir, durante um dia ou dois, à forma como é que ela abordava as
questões, como ela fazia, como é que ela conseguia. (Professor João).
94
Enfim, o professor João chama a atenção para o fato de como o
estágio foi importante para a sua formação ao possibilitar o casamento
entre a teoria e a observação da prática, proporcionando uma formação
satisfatória.
Formação em nível superior
Neste item, abordarei a formação em nível superior realizada
pelos professores. Dos cinco entrevistados, um não fez o nível superior,
um fez o curso de Sociologia e depois o mestrado na mesma área, duas
fizeram um complemento na Universidade de Évora, que conferia o
diploma de curso superior, e a outra realizou o ensino superior na
Universidade Aberta, universidade à distância e privada, no entanto, paga
pelo Estado.
Conforme narram os entrevistados sobre o ensino superior:
Depois em 2002, tirei a licenciatura numa universidade privada,
Universidade Aberta. Foi dada a possibilidade dos professores que tinham
só o magistério primário tirarem a licenciatura. Era a distância. Não
pagávamos e tínhamos a vantagem de tirar.
Eu fiz dois anos, a maior parte de nós fez dois anos, nessa altura quase
todos os professores tiveram a possibilidade de fazer, portanto tiramos a
licenciatura, mas há muita gente que não tirou. Só que se dizia que o
Ministério da Educação queria que todos os professores fossem licenciados.
(Maria João).
95
A formação em nível superior para os professores do primeiro
Ciclo do Ensino Básico foi anunciada pela Lei de Bases do Sistema
Educativo (PORTUGAL, 1986) e no Decreto – Lei 344/89.
Muito mais tarde, fiz na universidade um complemento que deu acesso à
licenciatura, na universidade de Évora.
Fazia quem queria, não era obrigatório. Eu fiz porque, o que me levou a
fazer, primeiro aprendi imenso, gostei de voltar à escola, apesar de ter
feito muitas ações de formação, mas não era a mesma coisa, gostei de
frequentar durante dois anos e a tal universidade, porque foi muito bom
para mim, muito, muito bom. A par disso, também consegui chegar ao
topo de carreira. A nível de vencimento subi ao topo da carreira, décimo
escalão, coisa que se não tivesse feito a licenciatura, o topo de carreira
teria sido o nono escalão, portanto eu fazendo o complemento cheguei ao
topo da carreira. Gostei imenso. (Professora Amália).
Fiz licenciatura já aqui a trabalhar. Tirei o magistério primário, a
licenciatura fiz na universidade de Évora. (Professora Rita).
A professora Amália afirma ter realizado a formação superior e ter
gostado por duas razões: aprendeu muito e ficou no topo da carreira
como professora. Segundo a Lei de Bases do Sistema Educativo
(PORTUGAL, 1986), os professores das séries iniciais do Ensino Básico
devem ter ensino superior.
Ao contrário das professoras Amália e Rita, a professora Joana
não cursou o nível superior e relata os porquês dessa escolha, a perda
salarial e como não observou alterações na prática dos professores que
realizaram a formação em nível superior:
96
O curso de Magistério que eu fiz passou a ser considerado bacharelado e,
portanto, o complemento iria dar às pessoas a Licenciatura. Eu não fiz,
por isso não mudei de escalão.... Estou muito atrás da maioria de todas as
colegas que têm o mesmo tempo de serviço que eu e que fizeram este
complemento, estou pra aí dois escalões atrás, o que em termos práticos
deve significar qualquer coisa como quinhentos euros. Que é muitíssimo,
não é? Acontece que eu considerei sempre que primeiro estava a minha
família. E o fato de esse complemento me obrigar a sair de casa à noite
todos os dias para as aulas ou dispor dos sábados inteiros para ter aulas
era um sacrifício para mim, difícil, demasiado difícil de fazer. E,
portanto, isso logo a partida, condicionou-me. Depois, muito
sinceramente, eu fui conhecendo algumas pessoas que faziam este
complemento de formação e que estava a tal licenciatura e percebi que
esse complemento nessas pessoas que eu conhecia não tinha sido uma mais
valia. Portanto eu não achava que a pedagogia, o modo de trabalhar
tivesse mudado nessa pessoa porque tinha feito um complemento de
formação. Honestamente não senti em ninguém com quem tive
proximidade. E, portanto, fui adiando. (Professora Joana).
A professora Joana conta sobre a sua realidade e afirma não ter se
sentido motivada para realizar o nível superior, ainda que, por sua
escolha, ela receba um salário menor do que o dos outros professores.
Portanto, apesar de a Lei (PORTUGAL, 1986) afirmar sobre a
necessidade de formação em nível superior, nem todos os professores
entrevistados a realizaram.
97
Formação Continuada
A formação contínua tem reconhecido destaque a partir da
década de 1980. A Lei de Bases do Sistema Educativo Português (n°
46/86) propõe que a formação contínua seja diversificada, assegurando o
complemento, aprofundamento e atualização de conhecimentos e de
competências profissionais, possibilitando a modalidade e progressão na
carreira. Em 1996, um Decreto-Lei é publicado no Diário Oficial para
retomar as questões da formação contínua e sua certificação (Cf.
Decreto-lei nº. 207/96).
A respeito de outras formações continuadas, diferentes do
Programa Nacional do Ensino do Português, somente duas professoras
comentaram. Provavelmente, falaram pouco de outras formações pelas
raras oportunidades que tiveram de realizar um curso como o do PNEP.
Como aponta uma das professoras:
Antes do PNEP, não tinham outras formações em didáticas não, tinha
muito pouco. As formações eram: fazer Power Points na área das TICs;
mau comportamento na sala de aula, gerir conflitos, coisas mais no
âmbito da pedagogia, mas didáticas no nível do PNEP não. (Professora
Maria João).
Uma hipótese possível de se levantar é a de que há várias
especificidades da ação docente que podem estar em foco nas formações
contínuas. No entanto, embora pareça paradoxal, ao mesmo tempo em
que as maiores agências internacionais (Banco Mundial, Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a Comissão Europeia e a
Organização Mundial do Comércio) apontam para a necessidade de se
98
ensinar toda população a ler e a escrever e destacam, nesse âmbito, a
formação de professores (MAUÉS, 2009), alguns docentes relatam não
terem feito nenhuma. Outros afirmam não terem formação voltada para
a didática da língua portuguesa.
A professora Rita comenta sobre as outras formações que fez e diz
que a do PNEP foi a primeira na área de língua portuguesa:
Fiz nas outras áreas, na matemática, nas ciências experimentais, fiz dos
computadores, na área da língua portuguesa não. Tentei fazer formação
nas diversas áreas, pra já dos computadores que eu era zero à esquerda e
achei que era importante fazer alguma coisinha no computador, ajudar
os próprios meninos a fazer. A nível de ciências eram os manuais mesmo
que a gente lê. E ao nível da matemática, depois apareceu o novo
programa da matemática, mas eu fiz antes, porque matemática também
era adição, subtração, multiplicação, aprendia-se as tabuadas e não é
bem assim. O raciocínio, o cálculo mental nesse momento é o mais
importante. Eu tento fazer formação dentro daquilo que eu sinto que
tenho necessidade de aprofundar mais alguns conhecimentos para poder
transmitir aos meus meninos. (Professora Rita).
A professora Adelaide afirma que um dos meios de realizar uma
formação continuada era nos centros de formação; no entanto, os cursos
não eram voltados às especificidades do trabalho docente.
Antes da formação do PNEP, havia formação nos centros de formação,
mas não havia nenhuma de língua portuguesa. Nesses centros, havia
muito curso que não tinha nada a ver com o trabalho docente! Tinha
curso de pintura de azulejo, por exemplo. (Professora Adelaide).
99
Portanto, a formação contínua tem sido considerada importante,
mas, ao lermos essas narrativas, entende-se que ela não tem se efetivado
no que diz respeito à didática do ensino da língua portuguesa. Nesse
sentido, o PNEP se configurou uma iniciativa necessária e oportuna.
Modos de ser professor alfabetizador
Os entrevistados também relataram como foi a primeira
experiência como professores alfabetizadores. Vale destacar que eles
consideraram assumir um método de alfabetização o qual não acreditam
que tenha mudado depois da realização da formação do PNEP. Tal
programa de formação continuada não apresenta os métodos de
alfabetização considerados como tradicionais (MORTATTI, 2000).
Os professores vão nomeando e descrevendo os métodos
utilizados:
Comecei a utilizar o método das 28 palavras. Efetivamente é o método
onde eu me sinto segura, tem dado resultados.
Eu uso sempre e é um método brasileiro, nós depois adaptamos para o
português. Uma das coisas que estou a lembrar do brasileiro: mamãe,
papai”, não é? Nós aqui mãe e pai. Há colegas que utilizam mamãe e
papá, mas eu não: mãe e pai. E há outras palavras que agora não
ocorrem, mas que.... Eu tenho a versão brasileira.
O método das 28 palavras funciona assim: a primeira palavra é menina.
Eles próprios fazem o manual deles, eles próprios o fazem. Eu faço com
eles um dossiê e depois nesse dossiê eles vão colocando todos esses cartazes
que eles vão fazendo. A figura da menina, a palavra em imprensa e
manuscrito. Eu acho que tenho um para mostrar.
100
Eles trabalham a expressão plástica, a língua portuguesa, todas as áreas
estão juntas. Depois vamos trabalhando as famílias: ma, me mi, mo,
mu” já foi trabalhado na menina, porque isso depois, para eles separarem
sílabas, para fazerem a divisão silábica, para fazerem a translineação,
para depois mais tarde a classificação das palavras por sílabas, é muito
fácil, porque a medida que vão aprendendo as palavras, eles vão fazendo
a divisão silábica dessas palavras. menina” eu começo logo, vamos lá
partir a palavra em sílabas” e eles me, ni, na” “quantas sílabas têm a
palavra?” “Três sílabas” e a partir daí trabalhamos ma, me mi, mo mu
e a partir daí trabalhamos tudo. Os cartazes que vão ficando expostos
bem visíveis nas paredes, para quando eles tiverem alguma dificuldade,
daí na quarta palavra, que é menino, menina, sapato, bota, eles sabem
imensas já, porque já fazem. Não sei te explicar (vai até a lousa e escreve
com giz). Menina”, vamos agora separar e juntar, já temos Mena, nina,
assim sucessivamente, quando chega na quarta palavra, eles já sabem ler
imensas delas, devido a isso, isso dá uma ginástica mental muito, muito,
muito grande. Tudo isso que eles têm aqui fica expostos na parede: a
palavra menina” com a imagem da menina, a palavra menino...
qualquer palavra que se dá fica registrado no manual deles, porque isso
depois funciona como um manual, está na parede bem visível para
quando eles tiverem alguma dificuldade.
Depois vão logo escrevendo frases, vão fazendo e depois me mostram.
Às vezes eles escrevem as frases sozinhos, outras vezes eles copiam da lousa,
são eles que inventam as frases que querem e põem no seu caderninho.
Depois, isso serve para quê também... serve para ler e escrever, cada um
faz leitura, frases que escreveu, outras vezes, escrevo no quadro eles leem.
É uma coisa que eu faço, todos os dias a leitura nessa sala. Leitura seja do
que for, um texto que eles trouxeram, um texto... há sempre leitura
porque aprende-se a ler treinando então temos todos os dias um momento
para a leitura. (Professora Amália).
101
A descrição da professora sobre o método das 28 palavras revela
como ele é realizado. Segundo Marcelino (2008), este método está entre
os mais utilizados nas escolas do Ciclo 1 do ensino básico, em Portugal.
É um método de marcha analítica, que tem a palavra como início
da aprendizagem da leitura e da escrita. O professor João também explica
como alfabetiza:
Eu faço o seguinte: eu apresento uma história normalmente, e apresento
uma palavra, por exemplo a palavra foca” para o f”. E desenho no
quadro a foca, escrevo por baixo: foca”, e depois escrevo as famílias em
manuscrito e em imprensa: fa fe fi fo fu”, pronto. Depois tem
um cartaz com isso e coloco na parte superior do quadro, e quando eu
ponho, por exemplo, no quadro a palavra, uma palavra qualquer: fato
[terno] por exemplo. Escrevo a palavra fato, E os miúdos olham para
palavra e alguns deles fazem: fa-fe-fi-fo-fu, fa-to; e quando eles fazem
isso, eu já sei que eles sabem ler porque já aprenderam o mecanismo da
leitura e da escrita. E isto é extraordinário! Para um professor é
extraordinário! Quando eu vejo, é assim, antes de dizer, como eu venho
dizendo, eu tenho 25, eu tinha 24 a fazer isso, portanto estavam a ler!
Tinha um que não! E que eu... pronto! É assim:
Eu acho que é muito difícil um aluno não ter capacidade para ler e para
escrever. Eu batalho, eu não desisto. E então... E há um mês e tal, eu o
via olhar para cima e ele fazia como os outros, portanto agora eu só estou
a aperfeiçoar, estou a fazer o mecanismo do aperfeiçoamento. (Professor
João).
A escolha da professora pelo método analítico sintético se dá pela
segurança que ela sente em adotar essa técnica, e não outra, e, também,
pelo fato de não ser possível utilizar um método para cada aluno. Joana
explica como se desenvolve o método:
102
Neste método, partimos da letra, a letra passa para a palavra, para
sílaba, da sílaba para palavra. E depois fazemos o contrário. Depois é
descobrir na palavra aquela letra, identificar aquela letra, e o método
que vai expresso na maior parte dos manuais escolares que se utilizam em
Portugal, inicia-se com letra, sempre! Portanto, tem uma ordem, não
significa que aquela ordem tenha que ser respeitada. Por que não? Tem a
ver também da maneira como se trabalha dentro da sala. E se surgir uma
outra letra qualquer, mesmo que esta letra está lá mais para o meio, não
significa que eu não possa fazer. Mas este método que está ordenado por
letras, não segue a regra do alfabeto, começa pelas vogais, a primeira letra
que está é o i”, faz-se o treino gráfico do i”, portanto está associado à
visualização, leitura e a parte de escrita. Tem essas três vertentes. E
ficam, portanto, depois todos os casos de leitura, ficam para o final. Só
depois de se dar o abecedário todo, então aí, nesta altura, vamos dar os
casos de leitura. Todos! Os preá, os che, os lhe, os x, os dois SS, os dois RR,
o s que vale z, o r que sozinho vale rri”, no meio já vale só “ri”,
portanto, todos estes casos especiais de leitura são dados depois de se darem
as letras todas. (Professora Joana).
Das narrativas apresentadas, podemos notar que esses três
professores utilizam métodos específicos de alfabetização. Para tanto, há
influências dos manuais e da formação inicial que tiveram. Vale ressaltar
que, no momento das entrevistas (em 2011), o governo português
disponibilizava, às escolas interessadas, os manuais sem as concepções do
PNEP. Estes apresentam métodos de alfabetização. Sobre isso, Maria
João conta:
Os manuais também não têm as ideias do PNEP. Ainda não, mas se
calhar vão ter. Eu, para próxima semana, vou ter uma formação sobre os
novos programas do português. Portanto, se calhar, a partir do próximo
ano já vai começar a haver alguma alteração, porque com a matemática
aconteceu a mesma coisa. Com a matemática, mudaram-se os programas,
103
as estratégias, também houve a mesma formação, na ESE, da
matemática, que eu já fiz antes do PNEP e os manuais que eu tenho esse
ano são com os novos programas, completamente diferentes. A maior
parte dos professores não gosta, porque não fez a formação, se calhar com
o PNEP vai acontecer a mesma coisa, não sei... (Professora Maria João).
O trabalho com a Educação de Jovens e Adultos e com turmas
multisseriadas também influenciou os modos de ensinar da professora
Joana:
Eu fui uma das pessoas que acabei por ficar na alfabetização e porque,
nessa altura, estávamos muito perto do 25 de abril e também do
Ministério era alfabetizar o máximo de pessoas possível. Nossa
porcentagem de analfabetos é ainda hoje alta, na época era muito, muito,
elevada! Exemplo, nas aldeias todas do interior do país, a maior parte das
raparigas mais velhas do que eu nunca tinha ido à escola e os rapazes
faziam a primeira e segunda classe, mas os pais precisavam deles para
trabalhar no campo e, portanto, eram retirados da escola. Esses anos que
houve essa alfabetização, foi de fato necessário, porque nossa porcentagem
era altíssima. O primeiro ano foi muito mal e estive sempre convencida
que voltaria para a Faculdade porque meu primeiro ano fui colocada na
alfabetização de adultos. E fui colocada em uma aldeia, que faz fronteira
com a Espanha. E na alfabetização de adultos, eu tinha 23 anos e a
aluna mais nova que eu tinha, tinha 46. E eu não fazia ideia porque
nunca no Magistério, ninguém me explicou como é que se ensinava um
adulto a aprender a ler e a escrever. Nós tínhamos preparação para
crianças, não é? É com jogos, pedagogia, a didática era tudo virada para
crianças de seis anos. Para adultos.... Eu não fazia a mínima ideia como
é que se ensinavam adultos, de modo que tenho a perfeita noção que fui
uma péssima alfabetizadora de adultos porque eu o gostava, eu não
sabia como é que se fazia [...].
104
E foi conversando com eles, especialmente com elas, eram mais senhoras,
foi conversando com elas e partilhando com elas também muito... o meu
embaraço: O que nós vamos fazer?” “O que vocês querem?” “Vamos nos
ajudar umas às outras e vamos ver como é que fazemos...” Eu acho que
elas olhavam para mim quase como a uma neta e devem ter pensado
assim: Coitada, vamos ajudá-la! Juro que o que se vai fazer, é para
acreditar que no final alguma coisa que tenha, valha a pena... E então eu
comecei mesmo a ajudá-las a escrever cartas, a escrever cartas.... Eu
comecei pelo nome, depois o nome mais ou menos já iam fazendo. Depois
começamos mesmo, era eu que escrevia as cartas. Eu penso que elas não
aprenderam a ler e a escrever grande coisa, mais a ler do que a escrever.
Porque ler, nós sempre tínhamos alguns livros, algum material... Por
exemplo, uma coisa que era relativamente fácil, era a mercearia, por
exemplo, os rótulos das embalagens. Elas sabiam o que continham cada
embalagem, e, portanto, isso também percebi, enfim, também não é
preciso ser muito esperto, que é mais fácil com o método global, com
palavras inteiras, associá-las às coisas que usavam, e isso eu comecei a
fazer. Eu, sinceramente, naquela altura, eu nem sequer tinha ouvido
nunca falar no método global! Mas foi a maneira que eu arranjei porque
eram os interesses delas.... Tinha a ver com os interesses... (Professora
Joana).
Nesse trecho, Joana toca em alguns pontos importantes da
construção da sua prática como professora. Afirma ter começado
ensinando o nome, depois ter sido a escriba da turma. O processo de
alfabetização é questionado pela docente, de alguma maneira reflete-se
mais sobre sua função e usos sociais na cultura do que no método
propriamente dito.
A professora continua a entrevista contando sua experiência
seguinte, com o trabalho como professora. Mudou de cidade, porque se
casou. E começou a ministrar aulas em um colégio particular de grande
renome na cidade, onde esteve por doze anos. Em seguida, foi
105
reestruturar, como sócia de uma colega, um colégio particular. Esse
colégio começou sem alunos e, aos poucos, os alunos foram se
matriculando e, como eram poucos, a professora propôs uma turma
multisseriada. Joana trabalhava também como professora e conta sobre
sua prática:
No final do primeiro ano, eu tinha uma turma sensivelmente com 10 ou
12 miúdos, mas com os anos todos misturados! Nós íamos aceitando todos
os miúdos que iam chegando! E, entretanto, fomos sempre fazendo isso, e
quando cheguei ao quarto ano, começando do primeiro até chegar ao
quarto tinha um grupo de 37 alunos divididos em quatro grupos. [...].
Os meus alunos de quarto e terceiro ano ajudavam imenso os de primeiro
e de segundo. Era uma outra maneira que eu arranjei para haver uma
colaboração engraçada [boa]. Lembro-me de uma vez eu estar a dar uma
aula de história para o quarto ano e ter o segundo e o terceiro ano a fazer
outro tipo de trabalho, claro que quando se dá uma aula em voz alta, os
outros não podem estar a fazer um trabalho que exige muita
concentração, tem que estar a fazer trabalhos mais leves que os permita
ouvir e ao mesmo tempo fazer o seu trabalho e nunca mais me esqueço
que quando comecei a questionar, a fazer perguntas sobre aquilo que eu
tinha acabado de dizer, começo a ver um menino de primeiro ano sempre
com o dedo no ar, ele tinha percebido imensas coisas, imensas coisas, e
ficou completamente delirante quando percebeu que sabia responder. Eu
também fiquei entusiasmadíssima com ele. Lembro-me assim de pequenas
coisas que iam acontecendo nas aulas que eram muito engraçadas de
perceber que só com essa mistura é que se conseguia dar conta. (Professora
Joana).
Nessa experiência com a sala multisseriada, a professora revela
outras aprendizagens que teve na prática, devido à mistura de idades e
anos. O fato de estar com crianças de idades e anos de escolaridade
106
diferentes, fez com que a professora percebesse que um aluno pode ajudar
o outro e que uma criança mais nova pode aprender o que a professora
ensina aos mais velhos.
Modos de ser professor alfabetizador depois da
formação do PNEP
Nas narrativas dos professores portugueses está evidenciada a
importância do relacionamento com os formadores do PNEP e o modo
como eles demostraram conhecimentos teóricos e práticos, envolvendo os
participantes da formação.
Nós tínhamos uma formadora que nos viciou naquilo, mas no bom
sentido evidentemente, portanto ela gosta tanto daquilo que nos fez gostar
também da língua portuguesa, e fez-nos ver a leitura, escrita, o
funcionamento da língua, a compreensão oral, a linguagem oral de outra
forma (Maria João).
Depois eu fiz o PNEP por uma outra razão, esta mais pessoal, conheço a
Belisanda [a formadora] há muitos anos. Portanto é uma profissional que
eu respeito, e não estou a fazer formação com pessoas que não tem
competência para dar-me e, portanto, houve assim um clima que
favoreceu aquilo que eu fosse fazer. (Professora Joana).
O colega que nos deu a formação vai muito ao encontro também da
minha maneira de estar no ensino. Eu penso que ele conseguiu abrir
algumas mentes e transmitir aos colegas que há outras maneiras de
trabalhar. A não ser tão dependente do manual. (Professora Amália).
107
O PNEP foi muito bom, tive muita sorte com o formador, isso tem muita
influência, porque há aqueles formadores que falam, falam, falam, dão,
dão, dão, dão e não há aquele acompanhamento. Nós tínhamos a parte
teórica, a parte prática e na parte prática eu tinha um colega não um
formador. Isso ajudou muito, muito, muito. (Professora Rita).
Uma parte do trabalho prático da formação era a visita à turma
do cursista. Sobre esse fato, a professora comenta:
A visita do formador era assim, havia uma preparação, eu combinava
com ele o que eu iria trabalhar, fazia a planificação: olha estou a pensar
em fazer isso, isso, isso” mostrava. Ele concordava ou dava sugestões: eu
achava melhor fizesse assim, assim, assim”. Preparava a aula e ia para
aula. Ele colaborava muito, não se punha como formador, sentadinho
numa cadeira, não. Eu iniciava a aula, ele ajudava-me a dar o material,
ajudava-me a orientar a aula, intervinha quando era preciso com os
meninos, eram duas pessoas a trabalharem ao mesmo tempo. (Professora
Rita).
O formador pode ser considerado um parceiro mais experiente
que auxilia a professora a refletir sobre sua prática, a planejar suas aulas e
a ministrá-las. Entrar na sala do professor e fazer uma formação baseada
no trabalho docente pode ser uma maneira oportuna de formar o
professor em serviço.
De acordo com Maldaner (2007), as salas de aulas comportam
situações práticas de grande complexidade que não são superadas por
meio de soluções genéricas. É o professor o responsável pela construção
das relações e da efetivação do ensino e aprendizagem. Para tanto,
Maldaner (2007) propõe que cada professor justifique suas ações e reflita
108
sobre elas de maneira consciente e pautada em teorias. A formação em
contexto pode ajudar nessa construção contínua do professor sobre a sua
prática. A professora Amália também comenta sobre a importância do
formador:
É assim, o que eu lhe conto é que tivemos a sorte de ter um colega nosso
como formador, um colega do primeiro Ciclo que conhece muito bem
toda a especificidade que é o primeiro Ciclo, porque não há dúvidas que é
diferente do primeiro Ciclo, primeiro as crianças são muito pequeninas,
de tenra idade e chegam-nos aqui com seis anos. É diferente, é
monodocência, os meninos estão todos os dias conosco e o colega é um
professor do primeiro Ciclo e um professor do primeiro Ciclo com muita
capacidade. Um professor competente, muito competente e conhecia
muito bem a nossa realidade. Foi realmente bom porque ele ia ao
encontro mesmo daquilo que estávamos precisando e nós entendíamos
muito bem aquilo que ele nos transmitia porque a linguagem era a
mesma. Foi muito produtivo, foi bom, gostei, o colega é um colega amigo.
O filho dele mais velho foi meu aluno, mas independente disso, foi ótimo,
gostei imenso, aprendi imenso e fiz sem sacrifício nenhum, portanto fiz
com gosto e muita vontade. (Professora Amália).
A professora demonstra ter uma relação afetiva com o formador e
afirma a importância de a formação acontecer mediada uma pessoa que
conhece a especificidade do trabalho com o primeiro Ciclo. Essa foi uma
das características do programa apontadas pela maioria das pessoas
entrevistas. A formação parece se configurar como fidedigna por ser
realizada por um formador que trabalha nas mesmas condições dos
professores cursistas.
Segundo Cachapuz (2009), em uma formação continuada, um
dos aspectos que devem ser levados em consideração é uma formação
109
contextualizada. Para o autor, o PNEP se encaixa nesse perfil. Conforme
assevera Cachapuz (2009, p. 82):
O importante é articular estratégias e processos de formação com
uma cultura de trabalho em que os professores possam ser parceiros
na concepção e desenvolvimento de programas de formação, crítico-
reflexivos do seu próprio ensino, em particular explorando percursos
de investigação acção, ou seja, desenvolvam uma atitude permanente
de indagação e busca de soluções.
O fato de o formador ser do contexto dos cursistas e estar nele
pode facilitar essa construção de um professor que reflete e idealiza o seu
trabalho prático. Embora tenha havido uma proposição de formação, por
meio das brochuras, os formadores tinham livre escolha de quais e como
seriam utilizados.
Um aspecto que foi modificado na prática dos professores
portugueses foi o trabalho com a leitura.
A maneira de abordar um livro, uma história é diferente. Eu sempre
contei histórias, não com a mesma frequência, muito menos! A história
era um rebuçado [bala]! Eles se comportavam bem, daí tinha uma
história, o que está errado! Nós temos que saber que fizemos mal, mas já
passou! De qualquer maneira, os meninos foram e agora estão formados,
mas contava uma história como um rebuçado, mas não! Só às vezes
contava uma história, ou a propósito de algum tema que estivéssemos a
estudar, contava a história. Depois, mais tarde, nos quartos anos, os
meninos também liam, havia sempre biblioteca de turma. Nos tempos
livres os miúdos podiam ler. Mas contava uma história por contar.
Contávamos! No fim sempre falávamos da história, tirávamos a moral e
pouco mais. Uma vez por outra, fazia o resumo da história, mas era mais
110
ou menos por aí. Depois do PNEP nós começamos a abordar as histórias
de uma maneira completamente diferente! Pra já, criamos nos alunos o
vício de ler, o que é fenomenal, não é? Depois, os miúdos gostam muito de
ler, leem muitas histórias e quando uma história é trabalhada em sala de
aula, faz-se um trabalho que eu aprendi no PNEP. (Professora Maria
João).
Quando eu estava no primeiro Ciclo tinha um manual único que era a
nossa única leitura. Hoje mudou muito, muito, até mesmo na sala de
aula eles têm acesso a muitos livros, têm acesso à internet, fazem pesquisa.
Eu hoje dou um tema, não dou um tema sem eles irem procurar coisas
sobre esse tema, ou mando para trabalho de casa, ou na sala encaminho.
(Professora Rita).
Aquela leitura que eu vejo os meus alunos hoje fazerem eu não fazia. Não
havia também tanto acesso ao livro como há hoje, os pais possivelmente
não estavam tão despertos para... e a escola também não, a escola.... Nós
líamos o que era obrigatório ler. Aquelas obras, muito mais tarde, muito
mais tarde, no sétimo, nono ano. No primeiro Ciclo não se lia muito,
não, não, não, não tenho ideia, se lemos alguma coisa não tenho ideia.
(Professora Amália).
As narrativas demonstram uma mudança nas práticas com a
leitura. Especificamente sobre a fala da professora Amália, percebemos a
falta de livros para o primeiro Ciclo quando ela era aluna. Segundo Balça
(2008), somente após a democratização, em 1974, é que aumentaram as
preocupações e edições de literatura infantil. O Plano Nacional de
Leitura (PORTUGAL, 2006) é uma iniciativa em vigor em Portugal que
objetiva elevar os níveis de literacia dos portugueses. Embora existam
hoje iniciativas governamentais, Arena (2008) aponta haver poucos livros
nas escolas portuguesas. Mas, ainda assim, provavelmente exista uma
111
diversidade maior do que quando a professora estudava no ensino básico,
não só na escola, mas no contexto social português.
Comparativamente ao tempo em que os professores cursaram o
Ensino Básico, a diversificação de materiais de leitura propostos na escola
ampliou. Como alunos vivenciaram a ditadura salazarista em que o livro
didático era único e, praticamente, o único também para o trabalho com
a leitura. Atualmente, há maior disponibilização do livro na escola, bem
como outras iniciativas de incentivo à leitura, como podemos verificar no
Plano Nacional de Leitura.
O Plano Nacional de Leitura é uma iniciativa do Ministério da
Educação que visa aumentar o nível de literacia dos portugueses, por
meio de várias ações e iniciativas: formação de professores, por exemplo,
bem como disponibilização de materiais acessíveis gratuitamente ou com
custos acessíveis.
Os professores relatam que depois da realização do PNEP
mudaram suas práticas do trabalho com a leitura e, para Maria João,
provavelmente por isso, os alunos se interessam mais pela leitura:
Agora faço um trabalho que eu não sabia. Um trabalho à volta o livro:
mostro o livro, se está no computador mostro a capa sempre e
normalmente eles têm que fazer a antecipação da história. É muito
giro[legal] fazer a antecipação oral ou escrita, portanto através da capa,
eles podem sempre dizer o que fala a história que normalmente, nunca é
aquilo que está na história, não é? É muito engraçado [bom] para eles
fazerem a comparação, então às vezes, tapa- se o título, outras vezes,
tapa-se a imagem, então eles podem fazer a antecipação contando as
imagens, então eles podem fazer a antecipação através da imagem, do
título, através da página completa. (Professora Maria João).
112
Esta questão, por exemplo, da abordagem de um livro na sala de aula.
Na forma tradicional, lia-se o livro, eventualmente mostravam-se as
imagens e faziam-se algumas perguntas de interpretação e, naturalmente
pedia-se a opinião dos alunos sobre o conteúdo do texto lido. Esta forma
não desafiava o aluno a pôr-se no papel de inventor”, de escritor do
livro; era um pouco limitada e pouco criativa. Este programa trouxe uma
abordagem diferente em que o aluno é constantemente desafiado a
inventar, criar, participar numa história que ele próprio pode ir
inventando. É claramente uma mais valia para a formação crítica e
criativa do aluno. O facto de os professores formandos procurarem a
participação dos alunos na reinvenção do texto através da capa, do título,
das imagens... leva a uma participação muito activa e muito mais
interventiva dos alunos, procurando novos caminhos para aquilo que
veem. (Professor João).
Outras estratégias que podem ser realizadas durante a leitura são
destacadas:
Depois, parar nos momentos de suspense, por exemplo, e perguntar: o
que vocês acham que vai acontecer?, ou seja, é a nova versão. É sempre
importante que isto aconteça para que os alunos não sejam apenas
ouvidores”, mas muito mais do que isso, sejam participantes da hisria.
(Professor João).
Depois, exploram-se todos os elementos paratextuais: capa, contracapa,
lombadas. Os elementos paratextuais, os miúdos sabem isso tudo. Os
alunos, antes do PNEP, falavam-se eventualmente, se calhasse, mas O
que interessa saber o que é a editora e o autor? ”. Agora não, todos eles
sabem quem é o autor, quem produz a história, quem imagina o
ilustrador, o ISBN, que eu acho giríssimo [muito legal] aquele número
que está atrás eles já perceberam, portanto, tudo isso à volta do livro....
Eu não falava antes. Faço então a antecipação da história, o que é
113
giríssimo, porque eles escrevem…. Os miúdos agora escrevem com
facilidade por causa de ser sobre uma história. (Professora Maria João).
Depois disso,-se a história, pode ser por partes, ou seguida, dependendo
se for grande ou não e depois se faz sempre um roteiro de releitura da
história, análise de texto ou ficha de leituras que é fazer uma espécie de
ficha de interpretação da história, que abarca quase tudo, até vai à
gramática se for preciso: caracterizam-se as personagens, fazem-se textos
descritivos, faz-se a continuação da história, imagina essa história com
outros personagens, enfim, uma panóplia de situações que se pode fazer a
volta da história. Criam-se textos para história, textos informativos... Se
a história for sobre os animais, podemos ir pesquisar sobre esse animal:
que tipo de animal é, em que classe de animal é que ele se situa, que raça
é, portanto faz-se uma imensidade de coisas à volta da história, vai-se à
gramática, classifica-se morfologicamente as palavras que estão ali,
fazem-se coisas que eu não fazia. (Professora Maria João).
Na brochura O ensino da leitura: a compreensão de textos”,
Sim-Sim (2007) apresenta estratégias a serem utilizadas antes, durante e
depois da leitura. O professor apresenta uma estratégia que usa para
envolver os alunos perguntando
O que vocês acham que vai acontecer?”
Para ele, esta estratégia possibilita a autoria do aluno. Além disso, pode
prever o que acontecerá.
Fazer a antecipação prévia do livro a ser lido, saber os propósitos
da leitura e levantar os conhecimentos prévios são algumas estratégias que
diferentes autores, inclusive com diferentes bases teóricas, apontam como
necessárias para a realização de uma leitura eficaz (FOUCAMBERT,
1997; SMITH, 1999; SOLÉ, 1998; LERNER, 2002). Parece ser um
avanço nas pesquisas e também em algumas práticas. Nota-se, ao longo
das análises, que a maioria dos professores entrevistados relata fazer isso
114
nas suas práticas e alguns deles dizem que fazem isso devido à formação
do PNEP.
Sim-Sim (2007) aponta como estratégias durante a leitura: fazer
uma leitura seletiva; criar uma imagem mental; sintetizar; adivinhar o
significado das palavras conhecidas; utilizar materiais de referência;
parafrasear partes do texto; sublinhar e tomar notas durante a leitura.
A autora afirma também que o aluno deve fazer alguns
autoquestionamentos durante a leitura, como, por exemplo: O que
preciso ler mais rápido? Quais imagens lembro ao ler esse texto? Qual a
informação mais importante desse parágrafo? Como posso dizer o mesmo
que o autor, em outras palavras?
Para as professoras Rita e Amália, a leitura serve de pretexto para
a realização de outras atividades e disciplinas:
A leitura é muito importante, começo com histórias sempre. Dou tudo a
partir de uma história, matemática, estudo do meio, todos os dias temos a
hora da leitura. Há sempre uma historiazinha para contar, claro que eu
escolho a história consoante aquilo que darei durante a aula. Se no estudo
do meio quero dar a casa, eu vou arranjar uma historiazinha que depois
possa dizer sobre a casa, os compartimentos da casa. Criar o gosto pela
leitura desde pequenininho é o essencial. Crio o gosto contando histórias,
pedindo a eles para inventarem uma história, por exemplo, eu pego num
livro, mostro a capa, sem contar a história, depois vão imaginar o que
essa história conta. A partir da capa eles vão imaginar o que vai
acontecer nessa história? Quem vai aparecer?” Eles ficam encantados.
(Professora Rita).
Leio todos os dias. Começo sempre a aula por ler qualquer coisinha. Há
uma história do dia, todos os dias o Antônio Torrado escreve uma
115
história que publica na net e eu quando não tenho pego um dele ou uma
adivinha, hoje tinha uma adivinha que a resposta era Terra, como
estamos a estudar os planetas. Eu por acaso achava que eles não chegavam
lá, mas chegaram lá. Então fazemos assim, pronto, fiz isso, lemos o
primeiro capítulo, depois exploramos, o que se passou nesse primeiro
capítulo? Ler só por ler não interessa, não é? Foi a apresentação dos
principais personagens, isso fala de uma nave que foi para outro sistema
solar, exploramos. No final da leitura exploramos e eu vejo se estão a
perceber o que estamos a ler. Entretanto, arranje-lhes esse textinho que
está musicado e como está musicado fui à net, ao youtube e coloquei a
música e eles ouviram a música e a letra. Como há duas versões, ouviram
uma que é a Amália Rodrigues e a outra que é de uma banda assim com
uma outra versão musical do mesmo texto, eles viram as diferenças.
(Professora Alia).
As professoras Rita e Amália, da mesma forma que a professora
Maria João e o professor João, utilizam algumas estratégias de leitura.
Um aspecto que não aparece nas brochuras, mas que a professora Rita
relata fazer, é a utilização da leitura relacionada às disciplinas e conteúdos
escolares das aulas que precisa fazer. A leitura pode servir de pretexto para
estudar um assunto ou para aprender um conteúdo; no entanto, há
outras funções destinadas para cada tipo de texto e o objetivo da leitura
deve estar claro para os leitores.
Segundo Kleiman (2007, p. 30),
o contexto escolar não favorece
a delineação de objetivos específicos em relação a essa atividade. Nele a
atividade de leitura é difusa e confusa, muitas vezes se constituindo
apenas em um pretexto para cópias, resumos, análise sintica, e outras
tarefas do ensino de língua”.
No próximo trecho da entrevista, Rita exemplifica como utiliza o
texto como pretexto para trabalhar algum assunto específico:
116
Nesse momento sim, agora já leem, partimos da história, contamos a
história, analisamos a história, até eles chegarem aquilo que quero, por
exemplo, hoje vou dar a letra x: retire uma palavrinha da história que
tenha a letra x” “vamos ver o que tem de novo nessa palavra” “ta ali uma
letra que nós não conhecemos”. Depois dou a família, xá, xe, xi, xô, xu.
vamos ver onde há mais palavras com esse som” “e os vossos nomes”.
Depois eles inventam uma série de palavras que escrevo no quadro.
Agora vamos lá escrever uma frase onde entra essa palavra”. Se eles já
sabem escrever, escrevem eles, se eles não sabem escrevo eu... (Professora
Rita).
No trecho exposto acima, a professora Rita narra como utiliza
uma história para trabalhar as famílias silábicas. A escolha do texto que
será lido pelos alunos mostra concepção da professora sobre o objetivo da
leitura. Nesse caso, o tipo de texto, o conteúdo nele tratado, suas
finalidades, dentre outros aspectos, pouco importam para a professora. O
único objetivo dela é mostrar às crianças que, no texto, aparece a letra
x”, para então trabalhar as famílias silábicas.
Outro aspecto destacado pela professora Rita é o trabalho com
vários tipos de texto:
Trabalhar os vários tipos de texto é importante para eles perceberem que
escrever uma carta não é igual a uma notícia no jornal, não é igual a
uma peça de teatro.
No primeiro ano fala-se, mas o trabalhar é mais a partir do segundo ano.
Trabalhar uma peça de teatro no primeiro ano é complicado. Fala-se, lê-
se, conta-se uma peça de teatro: esse texto é igual a esse? Faz-se
comparação, mas o trabalhar é mais a partir de quando começam a
escrever bem, embora no primeiro ano já se fale nos diferentes tipos de
texto. Um recado, é importantíssimo saber fazer um recado. Uma
117
entrevista ao presidente não é igual a uma entrevista ao colega, a
linguagem que se tem que utilizar para eles perceberem a diferença é
muito importante, que nossa linguagem... eu estou a falar com eles falo
com uma linguagem se for falar com outra pessoa, com o presidente, com
o juiz, com um diretor de qualquer coisa a linguagem já não é a mesma,
os termos que utilizam já não são os mesmos. (Professora Rita).
Na brochura intitulada O ensino da leitura: a compreensão de
textos (SIM-SIM, 2007), o ensino da compreensão de textos é proposto
por meio de alguns tipos de textos. Segundo Sim-Sim (2007, p. 15), o
ensino da compreensão de textos implica que as crianças sejam
familiarizadas com tipos variados de textos e lhes sejam ensinadas
estratégias gerais de automonitorização da leitura e estratégias específicas
para abordagem de cada tipo textual”.
Na brochura, são propostas atividades para aprender a ler textos
informativos, narrativos, poéticos, instrucionais e de teatro. A discussão
se apresenta em torno das especificidades de cada um, modificando sua
estrutura e as estratégias de leitura.
Na sua narrativa, a professora Rita explica que fala sobre os tipos
de texto no primeiro ano, mas que trabalha efetivamente com eles
somente a partir do segundo ano. Dessa afirmativa, pude inferir que
somente podemos ler e escrever depois de aprendermos a ler e escrever.
Parece estar implícito que, primeiro, a criança aprende a codificar e
decodificar os sons; depois, aprende a utilizá-los em contextos sociais. Na
brochura, acima citada, parece existir a mesma ideia de que, primeiro se
aprende a decifrar e, depois, a compreender o texto, sendo inclusive um
dos objetivos da brochura levar os alunos da decifração de palavras à
compreensão de textos.
118
No entanto, alguns autores brasileiros divergem dessa premissa,
afirmando que aprendemos a ler e escrever lendo e escrevendo em
contextos sociais reais (GERALDI, 1993; SMOLKA, 2003; SOARES,
2003). Nas palavras de Soares (2003, p.1):
o é preciso primeiro aprender a técnica para depois aprender a usá-
la. E isso se fez durante muito tempo na escola: primeiro você
aprende a ler e a escrever, depois você vai ler aqueles livrinhos lá”.
Esse é um engano sério, porque as duas aprendizagens se fazem ao
mesmo tempo, uma não é pré-requisito da outra.
Amália relata como propõe a autoavaliação da leitura:
Leem e depois fazem a avaliação da sua leitura: se ele acha que leu com
uma voz clara ou pouco clara, se o tom era expressivo ou inexpressivo, se o
ritmo era lento, rápido, adequado, inadequado, e se articulava bem,
porque é fundamental. Eles no terceiro ano têm que ler de maneira clara
e expressiva, tem que respeitar a pontuação, dar expressão aquilo que
estão a ler.
Tem uma grelha para a avaliação da leitura, tem uma grelha para a
avaliação da escrita, que eles próprios vão preenchendo e vão....
Normalmente no fim da semana eu digo: então, vamos lá ver? Vamos
avaliar. Como é que está vossa leitura? Como é que estão a ler?” Isso
também vos ensina a lerem tabela, pronto. Isso não é só língua
portuguesa, serve também para matemática, porque eles precisam estar
aqui e se orientar: no dia 14, no dia 15.... Tem que estarem a seguir e
depois também a leitura que eles fazem no final, a avaliação que fazem
eu penso que é importante para eles saberem como é que estão e o que
devem melhorar e eles se entusiasmam muito com isso. (Professora
Amália).
119
Sobre a avaliação da leitura, há uma brochura específica proposta
no PNEP, denominada
O ensino da leitura: a avaliação” (VIANA,
2009). Essa brochura tem o objetivo de conceituar a avaliação da leitura e
apontar os instrumentos e processos de avaliação.
A avaliação que a professora faz é referente à leitura em voz alta.
Assim, a criança deve avaliar se com clareza para o outro. A atitude de
avaliar é oportuna; no entanto, parece não estar claro para a professora
que há outros elementos a serem avaliados sobre a leitura. A brochura em
questão apresenta algumas propostas para o professor verificar na leitura
do aluno: começa com o reconhecimento de palavras e passa, depois, à
construção de significado.
Diante das duas propostas de avaliação, a da professora de propor
que a criança faça uma análise da própria leitura quando lê em voz alta, e
a da brochura, que pede para a professora analisar se a criança sabe
decifrar e, depois, compreender, há um pressuposto de entendimento do
que é ler.
No caso da concepção da professora, parece que ela entende que
ler significa oralizar. Avaliar a leitura em voz alta é um processo
importante, pois somos convidados a ler para outros em algumas
situações cotidianas; no entanto, oralizar o texto em voz alta não significa
que o leitor o compreende, condição básica para a leitura. Então, essa
avaliação que a professora propõe deve ser uma das avaliações e não a
única, nem a mais importante, se o professor quiser avaliar se o aluno
compreendeu o que leu.
A brochura
O ensino da leitura: a avaliação” (VIANA, 2009)
tem como pressuposto que ler, primeiro, é decifrar as palavras, depois,
120
compreender o texto e não leva em consideração a avaliação da leitura em
voz alta.
Além do trabalho com a leitura que foi reiterada vezes
apresentado pelos professores entrevistados como mudança no trabalho
pedagógico depois do PNEP, o trabalho com a escrita também foi
mencionado:
A escrita também tem que ser incentivada, não pode ser: escreve sobre o
inverno”, ou escreve…” “vamos inventar que são uma fada, escrevam
sobre isso”! Não! Também temos vários elementos que nos ajudam na
escrita. O PNEP também nos ajudou aí. (Professora Maria João).
A escrita pode vir a partir da história ou não, muitas vezes vai a partir
da história. Tem um caderno que escrevem sobre as histórias, então já
estão a escrever. A história, eles próprios dizem que lhes dá muitas ideias,
que aprendem palavras novas, que aprendem ideias novas, que aprendem
coisas novas! Pronto, a escrita vem por aí! Curiosamente, eles escrevem
sobre a história, mas quando escrevem textos livres, ou com tema, eles
usam muitas vezes na escrita, as ideias que tiraram da história, até
mesmo na linguagem oral, eles utilizam expressões, que viram numa
história, as quais acharam piada. (Professora Maria João).
Como observa a professora Maria João, a escrita precisa ser
incentivada, podemos ir além para escrever, precisamos saber aprender a
usar a escrita para a realização de funções” (BARBEIRO; PEREIRA,
2008, p.14). Ao escrever, devemos ter claro: Quem escreve? Para quem
escreve? Sobre o que escreve? Com que objetivos? Como escreve? Em que
meios ou suportes permanecerá o texto produzido? Que resposta pode
obter? (BARBEIRO; PEREIRA, 2008).
121
Maria João exemplifica uma das maneiras que utiliza para
incentivar alguns elementos no processo de escrita:
Nós temos vários instrumentos que cativam muito as crianças para a
escrita. Por exemplo, temos uns cubos, depois tenho aqui para lhe
mostrar. Temos um cubo com sequências certas para eles fazerem uma
história. Temos cubos, temos cartas, temos os quantos quer?”, aquele
jogo, sabe? Também fazemos assim. Temos "quantos quer?” Ordenados:
número 1) onde se passa a história? mero 2) quem é o herói da
história? Número 3) qual é a missão do herói? 4) o que o herói vai fazer?
5) quem vai ajudar o herói? Isso é apelativo para eles, né? Porque é a base
de um jogo, e eles fazem histórias maravilhosas. E o curioso e também
diferente entre os alunos, antes do PNEP e depois, é que os outros não
gostavam de escrever, eles escreviam, mas escreviam a história que logo
acabavam em três linhas ou quatro, e esses não. Eles escrevem páginas A4
inteiras e mais e mais e mais e quando fazemos textos coletivos, porque eu
começo sempre a fazer coletivamente a história, mesmo com esses
elementos que nos ajudam depois eles começam a fazer em pequenos
grupos, depois sozinhos em casa. Eles querem sempre escrever cada vez
mais. Porque apesar desses elementos que aparecem do cubo, por exemplo,
quem é o herói?Ou era uma vez uma fada”... E não pomos só “era
uma fada que queria ir à terra de não sei quê”, nós quando falamos da
fada, caracterizamos a fada, portanto, paramos e caracterizamos e eles
gostam de escrever tudo sobre a fada, tudo, tudo, tudo. Eu tinha até um
miúdo que uma vez me dizia assim, o João desta turma, este ano:
podíamos depois descrever fisicamente tudo: sobre as sobrancelhas,
pestanas... Tudo, tudo!”. Depois podíamos dizer que ela usava um
pensinho higiênico [absorvente]”. Imagine que ele até queria chegar a esse
pormenor. Eles fazem uma descrição pormenorizada espantosa. Pronto,
esses elementos ajudam! (Professora Maria João).
122
Os exemplos de atividades para escrever uma história, apontados
pela professora, são maneiras possíveis de propor às crianças que pensem
sobre elementos necessários para a escrita de qualquer história.
Na proposta da atividade para a escrita de uma história narrativa,
a professora, por meio de uma
brincadeira”, indica aos alunos os
elementos necessários para esse tipo de escrita. Assim, a criança já sabe,
por exemplo, que precisa haver um personagem principal, um local onde
ocorre a história e assim por diante.
Além disso, o fato de lerem histórias e refletirem sobre seus
elementos básicos, num possível trabalho epilinguístico, segundo a
professora, melhorou a produção escrita da criança.
Especificamente no trabalho com o epilinguístico, Miller (1998)
o considera como uma possibilidade de o escritor manifestar seus
conhecimentos sobre a linguagem e sua utilização, porém não de maneira
que os conceitos sejam explícitos, ou seja, ao escrever o aluno faz várias
descrições do personagem. Sabe que deve descrevê-lo e como fazê-lo; no
entanto não tem consciência explícita do conceito de descrição do
personagem. Para Miller (1998), o trabalho epilinguístico é fundamental
na formação de produtores de texto, sendo o professor o mediador
indispensável nesse processo.
Maria João e João comentam sobre o trabalho com planificação
da produção de texto:
Outros elementos que ajudam muito a planejar a escrita são os mapas
semânticos e quando não há mapas semânticos, eles em casa devem
planificar a escrita. Portanto, nós, ou fazemos chuva de ideias, ou então
planificamos e escrevemos: vou falar de qualquer coisa planificada,
porque é muito natural que crianças dessa idade tão pequeninas, numa
123
faixa de oito anos que se repita. Repetem ideias do princípio do texto e
isso. Eles não fazem uma introdução, o desenvolvimento, uma conclusão,
na maior parte dos textos, e eles próprios em casa já planificam a escrita.
(Professora Maria João).
Por exemplo, relativamente à questão da escrita. Dar mais importância à
planificação da escrita. A escrita deve ser pensada. Por isso, antes de
iniciar a tarefa é preciso explicar exactamente para que serve essa escrita.
Tudo deve ser pensado. Por isso antes da produção de um texto é preciso
saber para que serve o texto que se vai escrever. Daí a necessidade de fazer
uma planificação prévia do texto a escrever, fazer um esboço e rever o que
foi escrito. É preciso ter consciência das várias etapas para que as coisas
resultem. (Professor João).
A professora Maria João me mostrou alguns mapas semânticos
realizados na sala de aula. Essa proposta está na brochura sobre O ensino
da escrita: a dimensão textual (BARBEIRO; PEREIRA, 2008),
supracitada. Segundo os autores, o trabalho com os mapas semânticos
permite antever a relação que cada aluno estabelece com os conceitos que
registrou, ou por meio de
chuva de ideias”, ou pela leitura de um texto.
Esse trabalho pode fazer com que a escrita, inicialmente, resulte de frases
soltas, da combinação das palavras apresentadas no mapa semântico, mas,
depois, quando realizam a revisão do texto, o aperfeiçoamento se torna
possível (BARBEIRO; PEREIRA, 2008).
Na brochura proposta no programa sobre o ensino da escrita
(BARBEIRO; PEREIRA, 2008), há uma parte dedicada à explicação da
planificação. Os autores apontam
que o processo de escrita se inicia
antes de se começar a redigir o texto” (BARBEIRO; PEREIRA, 2008, p.
22). Conforme complementa o professor João
124
E muitas vezes, não damos esse tempo em sala, ou seja, muitas vezes,
dizemos o seguinte: Meninos leiam lá, vê se tem algum erro!”, mas isso
mais no aspecto ortográfico. E isso era notado. E quase todas as pessoas
faziam isso. Era assim, portanto, liam, Já leram?“Já releram?” É claro
que os alunos leem, mas leem apenas tentando apanhar o aspecto
ortográfico, nunca o aspecto estrutural. E quando se chama a atenção
para as várias fases que podem estar presentes na produção de um texto os
professores formadores já davam mais tempo e precisavam os aspectos a ter
em consideração para o aluno se lembrar que os aspectos a rever não são
exclusivamente ortográficos. Inclusivamente partindo de um texto
produzido para um outro, não é?
Não é só a questão ortográfica, mas eles querem saber mais do que isso: se
há repetições, se tem ou não coerência uma coisa com outra, se as frases
estão bem articuladas. Tudo isso. Isso foi uma das coisas de grande mais-
valia nesta formação. (Professor João).
A escrita de textos exige, portanto, pelo menos três fases: a
planificação antes da escrita, a escrita e a avaliação, não somente dos
aspectos ortográficos, como salientou o professor, mas também dos
aspectos estruturais.
No momento da planificação, os alunos devem refletir sobre qual
é o melhor tipo de texto que deve ser escolhido para o que se deseja
alcançar, para quem irá escrever, o que quer dizer, como pretende fazer
isso e para quê.
Jolibert (1994a) apresenta uma maneira de trabalhar a produção
textual baseada em canteiros (módulos de aprendizagem), sendo cada um
centrado em um tipo de texto. Propõe um trabalho com projetos.
Portanto, quando a turma necessita de escrever um texto para atingir
algum objetivo do projeto, realiza um canteiro do tipo de texto
escolhido.
125
Durante o processo da produção textual, os alunos determinam
os parâmetros da situação de produção (quem escreve, o que, para quem,
com quais objetivos); escrevem a primeira versão; resgatam as
características globais do texto comparando com outros textos e
percebendo a silhueta ideal; escolhem as melhores enunciações; fazem a
reescrita do texto, com atividades de sistematização linguística e, depois,
fazem a produção final, denominada por Jolibert (1994a) de obra-prima.
Diferente da proposta de Jolibert (1994a), a professora Rita narra
que os alunos leem para treinar a leitura e, a partir dessa leitura, já
trabalham a escrita também:
A escrita também trabalho nessa base, todos os dias há um bocadinho que
eu conto a história, mas depois arranjamos um texto que
individualmente eles vão ler, para treinar a leitura. Levam para casa.
Todos os dias levam um textozinho de quatro, cinco frases para treinar
em casa a leitura e a escrita. Depois leem, todos os dias eles leem
individualmente, pra treinar a leitura e depois fazemos um ditado.
Eles leem para mim e para os colegas deles em voz alta. A escrita a mesma
coisa, um vai ao quadro um e o outro continua, escreve e eu dito, ou
fazem individual, quando eu quero controlar quem está a escrever mais
ou menos faço, eu dito para todos. Quando é para o treino, mando um ao
quadro: agora escreves o início da frase”, outro continua a frase e eu dito
a frase. Nós vamos corrigindo em grupo. (Professora Rita).
Nessa narrativa da professora, as tarefas de leitura e escrita são
realizadas para treinar e para os alunos serem avaliados. A linguagem
escrita é destituída da função social, importando as técnicas para leitura e
escrita. A mecanização da escrita e da leitura se mostra presente. Ao
ensinar a escrita de uma forma mecanizada, o professor desconsidera
126
fatores imprescindíveis para formar o produtor de texto, tais como
trabalhar com a língua escrita ao invés de decorar o código escrito.
Nessa perspectiva, a escrita não é vista como um sistema
complexo com uma função social, mas sim como um conjunto de regras
e formas. De maneira diferente dessa, a escrita pode ser apropriada como
uma atividade da criança na produção efetiva de textos como unidades de
sentido (MELLO, 2005).
Outra atividade de escrita que a professora descreve é o texto
coletivo:
O texto coletivo, há miúdos que têm muita dificuldade em escrever, por
exemplo, eu ditar uma frase, depois fazer um texto coletivo, um começa, o
outro continua, o outro continua, no final temos um texto belíssimo.
Mandar fazer um texto qualquer, há crianças que têm muita dificuldade
na escrita, vamos corrigir em grupo. Eu leio o texto alto: o que se pode
emendar nesse texto? O que é que pode corrigir?” Aquela criança em
conjunto com os colegas fica com um texto bom. Porque se eu dissesse: ah,
este texto está muito mal escrito” ou não tem sentido” Para ele é
negativo, se calhar na próxima já não tem vontade de escrever porque
tem medo de escrever e se for em conjunto, com a ajuda dos colegas,
incentivam a escrever. (Professora Rita).
Na proposta de escrita de um texto coletivo várias são as
possibilidades de aprendizagem dos alunos. Na brochura
O ensino da
escrita: a dimensão textual” (BARBEIRO; PEREIRA, 2008), os autores
afirmam que, em momentos diferentes da escrita, os alunos podem ser
incentivados a trabalhar em grupo. A professora especificou a produção
coletiva de um texto; no entanto, além desse momento, os alunos podem
executar várias fases da planificação (ativação, seleção e organizações dos
127
conteúdos), de maneira coletiva também. Sobre a escrita coletiva, os
autores asseveram:
Ao elaborarem em pequeno grupo um único texto, da
responsabilidade de todos os participantes, os alunos têm de gerir a
diversidade de propostas que vão sendo feitas, a articulação entre as
diversas perspectivas, a escolha, negociação e conciliação entre os
diferentes pontos de vista (BARBEIRO; PEREIRA, 2008, p. 26).
A professora fala da escrita do texto coletivo, ressaltando as
vantagens dessa prática para uma criança que tem dificuldades na escrita.
Quando essa criança produz coletivamente, pode ser incentivada a
escrever mais porque, no texto coletivo, pode alcançar um resultado
positivo, além de ter a possibilidade de avaliar um texto escrito pelo
grupo, não correndo o risco de
errar” sozinho.
Outro aspecto apresentado pelos professores foi o trabalho com a
consciências fonológica:
A consciência fonológica é importantíssima para os miúdos que estão
sendo alfabetizados, porque as crianças com seis anos, não falam
corretamente, então é importante que essa consciência fonológica seja
desenvolvida muito bem, ao nível oral, primeiro e depois passe isso para
escrita. Todos os exemplos que os livros de consciência fonológica do
PNEP nos apontam, é nesse sentido. Nós temos que trabalhar muito bem
as palavras, muito bem os sons, para as crianças não terem dificuldade
em saber quais são os grafemas que estão associados ao fonema. A
consciência fonológica é o som, o som das palavras. As palavras são
divididas em sílabas, portanto, todos os jogos que há de consciência
fonológica que eu não fazia, agora vou fazer, porque todas as palavras
128
têm sons associados, portanto todos os exercícios de consciência
fonológica... Vou fazer! (Professora Maria João).
A consciência fonológica é um dos assuntos mais discutidos nas
brochuras do PNEP. Há uma específica intitulada O conhecimento da
língua: desenvolver a consciência fonológica” (FREITAS; ALVES;
COSTA, 2007). Além dela, a brochura
O conhecimento da língua:
desenvolver a consciência linguística” tem uma seção dedicada à
consciência fonológica e todas as outras brochuras se referem à brochura
da consciência fonológica como um dos processos primordiais para a
aquisição da leitura e da escrita. Aparentemente, a consciência fonológica
é o primeiro passo para uma alfabetização eficaz e consciente.
Essa proposta parte do pressuposto de que a escrita é o registro da
fala. Assim se soubermos falar bem, também escreveremos bem. Para
tanto, é necessário desenvolver exercícios todos os dias com as crianças,
de maneira sistemática e consistente, segundo uma aplicação gradual de
exercícios que estão apresentados na brochura (FREITAS; ALVES;
COSTA, 2007).
A professora fala do trabalho com os sons e da divisão em sílabas.
Segundo Freitas, Alves e Costa (2007), a divisão silábica é o que a criança
sabe quando entra no ensino básico; por isso, quando vai escrever atribui,
uma letra para cada sílaba. O professor deve partir desse conhecimento
que a criança já traz e fazer exercícios até o aluno ter a consciência
fonológica para isolar os sons das sílabas, das unidades dentro dalaba
(consciência intrassilábica) e os sons da fala (consciência fonêmica ou
segmental) (FREITAS; ALVES; COSTA, 2007, p. 11).
129
Entre os estudiosos do ensino das primeiras letras, há
divergências. Pode-se citar Capovilla e Capovilla (2004), por exemplo,
que propõe essa mesma teoria de que a criança precisa conhecer o som
das letras para aprender a escrever e ler. Geraldi (1993) e Smolka (2003)
apresentam ideias completamente opostas, sugerindo o texto como
unidade de sentido da linguagem.
Um exemplo calcado na consciência fonológica pode ser
verificado na narrativa da professora Rita:
Eu utilizo o método analítico: partimos da letra, está, eu partia da
letra, mas não do som, com o PNEP eu aprendi essas coisas. Era assim, é
o A, agora vamos escrever palavras com a letra a. A partir daí dávamos
palavras com o a, e, i, o, u, nesse sentido. Agora se partirmos do som e da
sílaba, nos leva a menos erros ortográficos. Portanto o som a, de uma série
de palavras, onde está o som a, por exemplo, do p, dou logo a família pa,
pe, pi, pó, pu. É mais fácil para eles, depois parto para letra individual.
Damos uma palavra, sei lá, casa: agora pensa na palavrinha, quais são
as letras que formam a palavrinha”, mas primeiro é o som das sílabas,
depois a letra individual.
A partir d fazemos jogos e as crianças gostam: vamos fechar os olhos,
vamos pensar nas palavras, vamos escolher outras palavras com esse som”.
Portanto, eles interagem mais e criam gosto. (Professora Rita).
Embora a professora denomine o método por ela utilizado de
analítico, segundo a conceituação de Mortatti (2008), os métodos que
partem da letra (da parte para o todo) são denominados sintéticos. O fato
de incluir na sua prática o som de cada letra de maneira isolada não
modifica, de maneira significativa, o método utilizado, nem a concepção
da linguagem escrita.
130
A professora mostra como incorporou o trabalho com a
consciência fonológica ao ensino do método que utiliza. Na brochura,
proposta pelo programa, sobre a consciência fonológica, não há relação
entre o ensino baseado na consciência fonológica e os métodos de
alfabetização. Especificamente com refencia ao trabalho com a
consciência fonológica, os autores da brochura apontam ser este
fundamental na alfabetização das crianças. Sobre o conceito, os autores
afirmam:
Ao falar de consciência fonológica, referimo-nos à capacidade
de explicitamente identificar e manipular as unidades do oral”
(FREITAS; ALVES; COSTA, 2007, p. 11).
A utilização da consciência fonológica na alfabetização é proposta
em vários países, como nos Estados Unidos da América, na França,
Inglaterra, Canadá (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2004). Segundo
Soares (2003, p. 21), o que os especialistas americanos defenderam é que
era necessário alfabetizar trabalhando-se as relações fonema/grafema. Eles
não estabelecem método, eles estabelecem princípios. A escola que
busque o método, desde que esse método trabalhe a aquisição do sistema
alfabético e ortográfico”.
Em Portugal, não há, por intermédio do Ministério da Educação,
uma proposta explícita de como alfabetizar. A formação do PNEP
propõe que o professor realize a conscientização fonológica, mas também
não indica um método de alfabetização específico. A professora Rita uniu
os conhecimentos que já tinha sobre o método analítico e observou uma
maneira de articulá-lo com a proposta do PNEP.
Ao refletir sobre a mudança da sua prática depois do PNEP, o
professor João comenta que a formação não mudou sua ação docente no
processo de alfabetização, mas o fez refletir sobre alguns aspectos,
tornando-o mais consciente:
131
Mudou exatamente essa minha consciência. Não que eu fizesse totalmente
diferente!
Portanto, eu vou ter mais consciência de que aquilo vai surtir mais efeito
exatamente por vir as questões teóricas. Eu uso o mesmo método, faço
exatamente a mesma coisa, continuo a obrigar a memorizar poesias aos
miúdos, eles memorizam poesias, e quando eu digo: Hoje vamos dizer a
poesia da, sei lá, da Maria Alberta Menéres, poesia X”. E eles dizem a
poesia da Maria Alberta Menéres porque a memorização, eu acho, o
ritmo da própria e a musicalidade da própria poesia influencia-os muito.
Eu gosto disso. Só que tenho muito mais consciência neste momento que
eles estão a fazer um desenvolvimento muito mais assertivo sobre a
consciência fonológica, neste caso. (Professor João).
No exemplo da atividade descrita pelo professor de decorar,
poder-se-ia questionar: Para que decorar poesias? Quais textos
decoramos? Quando? Por quê?
A brochura O ensino da leitura: a compreensão de textos” (SIM-
SIM, 2007) aponta algumas estratégias para a compreensão da leitura de
poemas, dentre elas está a memorização das poesias pela criança. O
trabalho com poesias pode estar relacionado com as rimas e, segundo
Freitas, Alves e Costa (2007, p. 49),
o desenvolvimento da sensibilidade
à rima constitui um bom precursor de formas mais elaboradas de
consciência fonológica, direccionando a atenção das crianças para a forma
das palavras”.
Em outro momento, o professor aponta o trabalho com a rima
como um dos conteúdos sobre o qual o PNEP ajudou a refletir:
E outras questões também. Por exemplo, a memorização da poesia. Eu
gosto muito e puxo muito os miúdos para as questões da poesia, primeiro
132
pela rima. A tal consciência fonológica. Uma das coisas que eu falava
com os colegas era relativa a que som tem?”, o som que escreve... quando
disser as letras exatamente que vai fazer se eu disser: Gato, como
escreve?” E ele vai me dizer: g-a-t-o”, por exemplo. Isso é como se diz no
inglês: How do you spell it?”, ou seja, se eles me disserem os sons de cada
uma das palavras. Se os alunos me perguntarem: “ó professor, a palavra
pato” como é que se escreve? Então diz lá como é que se escreve! p-a-t-
o”. Certíssimo! Ou seja, eles já sabem, eles não vão só dizer a palavra,
mas ao mesmo tempo eles têm consciência de como a palavra se escreve. E
isso é uma consciência muito forte e tem a ver com a consciência
fonológica. (Professor João).
Com relação ao trabalho com a poesia, pode-se refletir sobre a
narrativa do professor e sobre as propostas das brochuras do PNEP.
Contrapondo as ideias apresentadas, Jolibert (1994b) vai além da
utilização da poesia tendo-se como objetivos principais a sonoridade e a
consciência fonológica.
Jolibert (1994b) propõe um trabalho intencional para a leitura de
poesias. A criança é convidada a ler silenciosamente o texto, a observar o
contexto textual, se a poesia é de um livro de um único autor ou se
pertence a uma antologia, por exemplo; a discutir a situação
comunicacional, identificando o destinatário do texto; identificar que
tipo de texto é; discutir sobre a superestrutura e microestrutura do texto:
em quantas partes se divide a poesia, como é a silhueta do texto, a
organização das rimas. Enfim, a leitura, nesse sentido, se faz mais ampla e
possibilitadora de melhor compreensão pela criança, apresentando uma
possível ideia contrária do que é ler e como se faz.
Ao invés de propor que, primeiro, as crianças aprendam a decifrar
para, depois, observar outros elementos do texto, a criança é instigada a
133
observar todos os elementos que possam ajudá-la a perceber as
especificidades do texto lido (JOLIBERT, 1994b).
A questão de soletrar o som de cada letra como premissa para a
leitura e escrita fica aparente na fala do professor. Segundo Sim-Sim
(2009, p. 12),
decifrar, ou descodificar, significa identificar as palavras
escritas, relacionando a sequência de letras com a sequência de sons
correspondentes na respectiva língua”. Aponta, ainda, que, para
realizarmos a leitura, lemos letra por letra.
Contrapondo-se a essa premissa, apresentada também por outros
estudiosos (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2004; ADAMS, 2006), que se
coaduna com as ideias apresentadas na brochura acima citada, Smith
(1999, p. 52) observa que:
A leitura, às vezes, é considerada simplesmente como uma questão de
decodificar os sons”, de traduzir as letras da linguagem escrita para
sons da fala. Supõe-se então que o significado esteja instantaneamente
disponível nos sons da fala que o leitor imagina estar ouvindo [...].
Mas os ouvintes devem fornecer significado à fala tanto quanto os
leitores à escrita.
Segundo Smith (1999), o trabalho com a fonologia tal como é
proposto é uma falácia, visto que, aparentemente, a ideia de tratar as
combinações de letras como unidades básicas da linguagem escrita, com
as correspondências sonoras próprias, pode parecer vantajosa. No
entanto, saber o valor sonoro de cada letra se torna muito mais fácil
dentro do contexto da palavra, visto que, de maneira isolada, pode ter
muitos sons, sendo a leitura de letra a letra quase impossível, não
proporcionando as melhores condições para um leitor de textos.
134
Smith (2003) assevera que não lemos letra por letra; quanto
maior for a capacidade do indivíduo de atribuir sentido, mais fácil e
possível se torna a leitura e, quando lemos as letras isoladas, é quase
impossível e mais difícil atribuir sentido. Ao lermos um conjunto de
letras que juntas não formam uma palavra, lembramos de poucas, se
tivermos que enumerá-la depois; ao contrário, se atribuirmos um sentido
ao lido, somos capazes de lembrar um número maior de letras. Quando o
professor acredita que a leitura é a junção de letra por letra, ensina uma
leitura difícil, nomeada por Smith (2003) de visão túnel. Como o autor
assevera:
Você não pode ler se somente enxergar umas poucas letras de
cada vez. A visão em túnel torna a leitura impossível” (SIMITH, 2003, p.
94).
Somente o professor João destacou o trabalho com a oralidade
realizado depois do PNEP.
E a questão da oralidade.... Se eu deixo mais o falar, se eu exploro um
pouco mais a oralidade, eu estou com a consciência de que estou a fazer
aula de oralidade. Não estou a falar por falar. Estou exatamente com o
sentido de poder puxar por eles naquele aspecto e obrigá-los a justicar-se,
por exemplo. Ou contradizer-se, muitas vezes, e perguntar o porquê, para
darem opiniões e isso é importante. Despertou para este aspecto. (Professor
João).
Conforme apontam Freitas, Alves e Costa (2007), na brochura
sobre consciência fonológica, a oralidade tem autonomia sobre a escrita
devido à maior frequência de enunciados orais no nosso cotidiano; à
precedência da oralidade relativamente a escrita, a maior existência de
comunidades que utilizam somente a comunicação oral e não a escrita; à
135
presença de analfabetos em comunidades linguísticas que consideram a
escrita como registro das propriedades do oral. Portanto, a oralidade tem
primazia sobre a escrita e, segundo os autores, deve-se ter a oralidade
como ponto de partida e a escrita como ponto de chegada.
136
Capítulo III
Retomada histórico educacional:
breve panorama da escolarização e formão de professores
alfabetizadores no Brasil
E eu, imparável, expliquei que as palavras se mexiam e que se
as puséssemos a dizer coisas baralhadas podia nascer o que
nunca existira antes. E talvez aquilo tivesse criado uma
história e fosse tão louco quanto divertido de ouvir. Era, disso
lembro, um modo de esperança. Para encontrar outros
futuros, eventualmente até já um outro dia de amanhã.
(Valter Hugo Mãe)
Assim como as literárias, a história da educação no Brasil, se lida
com olhares atentos” pode revelar sua loucura” e diversão”. Ainda que
num pensamento utópico, nos convida pensar em outros futuros
possíveis. No Brasil, a história da escolarização formal, desde a
colonização até parte do século XVIII, teve como marco e
responsabilidade dos padres da Companhia de Jesus. Essa educação é
elitista e atende a uma pequena parcela da sociedade de jovens brancos de
famílias da elite colonial e introduz o catecismo e as primeiras letras às
crianças indígenas (MARCÍLIO, 2005).
É nesse contexto que a educação vai transitando de uma cultura
oral para a escrita, como será apresentado no primeiro item, logo a seguir.
137
Neste capítulo, essa história culmina nas formações continuadas,
especialmente no Programa Letra e Vida, foco do segundo item.
Contexto Educacional do Brasil: breve histórico
Como já citado anteriormente, segundo Candeias (2010), é a
partir do século XVI que as sociedades ocidentais passam de uma cultura
oral para uma cultura baseada na escrita. Assim, no Brasil, esse processo
também ocorre, mas lentamente, com as determinações da metrópole.
Nesse período, de acordo com Marcílio (2005), ler e escrever não eram
condições generalizadas de vida social.
A colonização portuguesa do Brasil foi realizada sob fortes
influências da Reforma Protestante liderada pelo monge agostiniano e
professor Martinho Lutero. Foi difundida em toda a Europa no c. XVI.
Ela nasce como uma reação à imposição dos dogmas pela Igreja Católica
que, entre outras, proibia os fiéis de lerem a Bíblia Sagrada. Privilégio
este resguardado aos "homens santos".
Para frear o avanço da Reforma de Lutero, a Igreja Católica
realiza a sua Contrarreforma Protestante que censura os livros,
interditando edões de publicações, a venda e a leitura de traduções
francesas da Bíblia Sagrada. Mais tarde, por intermédio do Conlio de
Trento, a Igreja Católica decide
combater a Reforma com as armas da
própria Reforma” (MARCÍLIO, 2005). Nesses dois movimentos, a
difusão, a leitura e a escrita são temas principais.
Durante o tempo em que os jesuítas estiveram no comando da
educação no Brasil, apesar do foco no Ensino Secundário, houve a
138
monopolização de todos os níveis de ensino, sem a intervenção do
governo português nos planos de ensino (MARCÍLIO, 2005).
Em 1759, os jesuítas são expulsos, de Portugal e do Brasil, pela
Reforma Pombalina. Segundo Marcílio (2005), essa Reforma se constitui
como expressão do Iluminismo português determinado pelas ideias
nacionalistas e humanistas do Iluminismo italiano de base cristã e
católica.
No lugar da pedagogia dos jesuítas, Pombal cria as aulas régias de
latim, grego e retórica, com novos métodos de ensino. Nesse momento,
os professores ingressam no magistério por meio de concursos e são
denominados Professores Régios. Especificamente sobre o ensino das
primeiras letras,
Portugal expediu, no mesmo ano de 1759, para todas as capitanias,
uma cartilha manuscrita e um manual de ensino das primeiras etapas
de alfabetização silábica, seguidos do ensino da gramática latina
elementar, para servir de guia aos professores que se improvisariam
(MARCÍLIO, 2005, p. 20).
Embora Portugal tivesse expedido até uma cartilha destinada à
alfabetização, a escola primária não é regulamentada no Alvará de 1759.
Fica, assim, improvisada durante 13 anos, até a Reforma de 1772.
Em 1722, regulamentou Pombal a instrução primária e secundária
leiga e gratuita, disseminando aulas de ler, escrever e contar, junto
com elementos da doutrina cristã, por toda parte, no Reino e nas
colônias. Para a concretização da lei de 6 de novembro de 1772. D.
139
José I criou o imposto chamado Subsídio Literário, pelo qual o povo
pagava para manter o ensino público (MARCÍLIO, 2005, p. 21).
No contexto da regulamentação de Pombal, as aulas de primeiras
letras devem ser ministradas de manhã e à tarde, com duração de três
horas por período. O processo de alfabetização varia de meses até anos.
O método começava pelo ensino do alfabeto, passando às sílabas
simples, depois às de três letras, para só então chegar às palavras. E o á-
bê-cê começava a ser praticado na lousa ou pedra
de ardósia individual
(o papel era caro e raro)” (MARCÍLIO, 2005, p. 27).
No Brasil, a educação das primeiras letras tinha carência de
professores com formação. Nasce a primeira Escola Normal Paulista, em
1846, em condições precárias, exclusiva para o sexo masculino. Há um
único professor, sem preparo para a função, vindo da Faculdade de
Direito. Marcílio (2005, p. 291) afirma sobre a formão de professores:
A formação de professor em todos os níveis nunca constituiu em
verdadeira e concreta preocupação das autoridades, do governo e das
universidades em geral no Brasil. Discursos bem articulados e bem-
intencionados nunca faltaram; houve uma avalanche de normas e
decretos desde os anos de 1930. Multiplicaram-se os debates,
congressos, fóruns, comissões, propostas de reformas, particularmente
nestas duas últimas décadas. Experiências inovadoras começaram a ser
implantadas mais recentemente; poucas, pontuais e restritas a
algumas raras universidades.
Em 1879, a Reforma Leôncio de Carvalho cria as Escolas
Normais nas províncias e amplia o currículo das Escolas Normais. O
140
século XX é considerado o século da escola. Durante esse período ocorre
um aumento demográfico altíssimo, que faz uma barreira à
universalização da Educação Fundamental.
Atrelado ao movimento de escolarização está o de alfabetização.
O final do século XX foi escolhido como objeto de estudo de Mortatti
(2006), que o considera como o primeiro momento da história dos
métodos de alfabetização. Cada momento é considerado pela
pesquisadora como a ruptura do método de alfabetização utilizado
anteriormente e a apresentação de outro modelo considerado melhor e
mais eficaz do que o anterior. Isso não significa, porém, que a proposição
de um novo método exclua a utilização do anterior.
Segundo a pesquisadora (MORTATTI, 2006), o método
Sintético foi o primeiro a ser utilizado; consistia na apresentação das
letras e seus nomes, sons, ou famílias silábicas, fazendo, posteriormente, a
junção das sílabas em palavras e em frases. O ensino da escrita se
restringia a caligrafia, ortografia, cópia e desenho correto das letras. Nesse
contexto, as primeiras cartilhas brasileiras foram produzidas com base no
método Sintético.
Em 1876, foi publicada a Cartilha Maternal ou Arte da Leitura,
escrita por João de Deus. A partir de 1880, o método João de Deus foi
disseminado nas províncias de São Paulo e Espírito Santo (MORTATTI,
2006). Esse primeiro momento foi determinado pela disputa entre
aqueles que consideravam melhor o método Sintético e os defensores da
cartilha de João de Deus. Este método se diferenciava daquele outro, pois
era o método da
palavração”, ou seja, o ensino da leitura se iniciava pelas
palavras que, mais tarde, eram analisadas.
141
Segundo Mortatti (2006), o segundo momento foi determinado
pela reforma da instrução pública no Estado de São Paulo, em 1890.
Nesse momento, o método Analítico é proposto como a solução dos
problemas. Esse método consistia em iniciar o ensino da leitura do
todo” para a parte”. A parte” poderia ser a palavra, a frase ou uma
historieta” (um pequeno texto inventado para fins de estudo). Em São
Paulo, a historieta foi proposta como
todo”. Esse momento se estende
até meados de 1920.
Nesse período, há aumento da imigração em São Paulo,
diminuição da composição por religião católica (menos pessoas se
consideram católicas), entrada da mulher no mercado de trabalho.
Especificamente em São Paulo, entre 1870 e 1930, há um arranque da
economia regional baseada na prodão do café. Nos séculos XIX e XX,
houve muitas reformas educacionais, com tentativas de transplantação de
ideias europeias ou norte-americanas.
Segundo Mate (2002), a Reforma Sampaio Dória foi uma
reforma com uma dimensão moral/nacionalizante que tinha como lema a
defesa da soberania nacional e a erradicação do analfabetismo. Conforme
aponta Mate (2002), essa reforma trouxe um caráter padronizante, com
medidas como a obrigatoriedade do ensino e inspeção escolar tanto dos
alunos como dos professores. Em relação aos professores, essa inspeção os
impedia de se responsabilizar pela gestão de assuntos educacionais. Isso
fez com que muitos professores ficassem insatisfeitos, elevando-se o
número de exonerações.
Mate (2002, p. 44-45) afirma:
142
Isso significa dizer que as intervenções e a reorganização operadas nos
espaços escolares se fizeram com ambiguidades. Por um lado, novas
condições para viabilização do ensino eram criadas: remodelação,
higienização e ampliação dos espaços escolares, assistência pedagógica
ao professor, organização de novos materiais didáticos, reorganização
de programas e currículos mais adequados para a compreensão e
intervenção no desenvolvimento do educando. Por outro, esses
mesmos dispositivos de inovação traziam, também, formas de
regulação social que, contraditoriamente, negavam experiências e
saberes dos agentes da educação, dificultando e desqualificando
grande parte de suas iniciativas nos processos de ensino-
aprendizagem.
Conforme apresenta Marcílio (2005), em 1926, há cerca de
1.500 vagas sem professor. Essa crise do magistério é a motivadora do
Decreto – Lei 2.269 de 1927. Esse decreto promulga a redução do Curso
Normal para três anos e a equiparação entre as Escolas Normais
municipais e particulares para a formação rápida e em grande quantidade
de professores.
Com a entrada de Lourenço Filho, como diretor geral do Ensino
em São Paulo, um de seus primeiros atos é a suspensão da equiparação de
todas as Escolas Normais Livres, mas isso não persiste por muito tempo.
Eleva-se novamente a duração do Curso para quatro anos, precedido de
Curso complementar de três anos.
O Código de Educação de 1933 da Diretoria Geral do
Departamento da Educação do Estado de São Paulo substitui a
organização da formação do Magistério que passa a ser de dois anos de
profissionalização, antes, porém, o aluno deve cursar a escola secundária
de cinco anos.
Nesse momento, o Instituto de Educação passa a formar
professores primários e secundários, diretores e inspetores. O Instituto
143
possui escolas e anexos. As escolas primárias, o jardim-de-infância e as
classes maternais são os anexos colocados e ficam sob o controle da
Prática de Ensino (MARCÍLIO, 2005).
Especificamente sobre a história dos métodos de alfabetização, já
apontei os dois primeiros momentos. Conforme aponta Mortatti (2000):
o terceiro momento ocorre, em meados da década de 1920. O período
foi marcado pelos defensores dos métodos mistos ou ecléticos,
considerados mais rápidos e eficientes. Também foi diminuída a
importância dada aos métodos, principalmente pela disseminação e
repercussão das bases psicológicas de alfabetização difundidas pelo livro
Testes ABC para a verificação da maturidade, de autoria de Lourenço
Filho (MORTATTI, 2000).
Desse ponto de vista, a importância do
método de alfabetizão passou a ser relativizada, secundarizada e
considerada tradicional” (MORTATTI, 2006, p. 9). Com essa nova
teoria, foi disseminada a ideia de período preparatório para alfabetização.
Sobre a formação docente em nível superior, Lima (2002) afirma
que o Curso de Pedagogia no Brasil, no Rio de Janeiro, tem sua trajetória
marcada por três fases. A primeira compreende o nascimento do Curso,
em 1939, na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil,
até a Reforma Universitária instituída pela Lei 5.540, em 1968.
Na primeira fase, o Curso é composto por quatro anos de
duração, os três primeiros anos são destinados à formação do bacharel e o
quarto à formação didática. Essa organização ficou conhecida como
Esquema 3+1”.
A segunda fase se inicia com a Reforma Universitária,
regulamentada pelo Parecer 252/69 e pela Resolução 2/69. São
instituídas as habilitações profissionais: Administrão Escolar,
144
Supervisão Escolar, Inspeção Escolar e Ensino das Disciplinas e
Atividades Práticas dos Cursos Normais. Lima (2002, p. 210) aponta
sobre esse momento:
Percebe-se, assim, claramente, o retalhamento” da realidade,
inviabilizando a visão de conjunto da situação educacional e escolar e
fazendo valer a ideia de que o técnico em Educação se tornava um
profissional indispensável à realização da educação como fator de
desenvolvimento.
Depois da Reforma Universitária, dentro desse mesmo momento,
inicia-se um período de movimentação, comandado pela Comissão
Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador, em
1983, indicador de alguns princípios norteadores da formação docente
até os dias atuais. Dentre esses princípios, está a formação do professor
para qualquer modalidade de ensino, com base em um núcleo comum de
estudos sobre a educação, com a docência como base de formação do
educador (LIMA, 2002).
A terceira fase é marcada pela promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação 9.394/96. Tal lei piora a situação do Curso de
Pedagogia, pois, por meio do Decreto 3.276/99, há a proibição da
formação de professores no Curso de Pedagogia, e o Parecer 133/01 cria
Institutos Superiores de Educação e Cursos Normais Superiores para
formar professores para Educação Infantil e séries iniciais do Ensino
Fundamental.
Segundo Lima (2002, p. 213):
145
São graves as implicações dessa decisão. A partir dela fica estabelecido
um sistema dual: cursos normais superiores, vinculados a institutos
superiores de educação (ISEs) e desvinculados da estrutura das
universidades e dos centros universitários (pelo menos o
obrigatoriamente a eles vinculados) e cursos de Pedagogia dentro
dessas instituições. Mesmo título concedido a profissionais oriundos
de tão diferentes formações.
Além da criação de Institutos e Cursos Normais Superiores, outra
iniciativa decorrente da LDB é a parceria estabelecida entre a USP,
UNESP e PUC-SP na realização de um projeto intitulado Programa de
Educação Continuada PEC Formação Universitária Estado. No
período de 18 meses, de 2001-2002, 7.000 professores efetivos da Rede
Estadual de São Paulo foram formados.
Acima apresentei brevemente a proposta de formação de
professores em nível universitário; em seguida, retorno à formação do
professor das séries iniciais do Ensino Fundamental em nível Médio.
No período entre 1937 e 1945, quando de Adhemar de Barros
foi nomeado interventor de São Paulo, multiplicam-se as Escolas
Normais, sem nenhum critério.
Começava aí o crescimento irracional e
desordenado da rede de Escolas Normais Livres no Estado de São Paulo”
(MARCÍLIO, 2005, p. 294). Com a ação de Barros, aumenta o número
de professores malformados.
A Lei de Diretrizes e Bases de 1961 não acrescenta novidades ao
ensino normal. A Ditadura Militar procura tornar a escola operacional,
destinada à preparação para o trabalho, para o desenvolvimento
econômico do país e para a segurança nacional.
146
Em 1968, por meio do Decreto 50.133/68, o Estado alterou a
duração do Curso para quatro anos.
O próximo passo dado em relação à formação de professores foi
proposto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1971. Segundo
Marcílio (2005, p. 299):
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1971, para
o 1º e o 2º graus, rebaixou a Escola Normal ao nível de uma das
habilitações do ensino médio. Na realidade, essa lei liquidou com a
Escola Normal: foi um desastre para a formação específica do
professor do curso primário.
O magistério mantém a tradição de escola fraca, desprovida do
devido preparo para os professores. Ao mesmo tempo, apesar das
reformas, o índice de reprovação continua altíssimo e, cada vez mais, com
professores despreparados.
Na década de 1980, o contexto político e histórico é marcado
pelo fim da ditadura militar, com a eleição direta do governador André
Franco Montoro (1983-87), que apresentou para a educação um
Programa que priorizou a
descentralização administrativa e a
participação dos agentes educacionais no processo de tomada de
decisões” (DURAN; ALVES; PALMA FILHO, 2005, p. 87).
No momento de transição entre a ditadura militar e a
democracia, os mais variados segmentos da sociedade tentaram retomar a
democracia. Segundo Riqueti (2008, p. 7), mudanças e resistência
ocorriam aqui e ali, revelando, tanto no macro como no micro, a
efervescência que tão fortemente marcou o período em questão”.
147
A formação de professores estava em um estado deplorável e
ocorriam algumas movimentações da Secretaria do Estado de São Paulo
para a melhoria da Habilitação Específica para o Magistério.
Em 1982, o CEFAM Centro de Formação Profissional de
Nível Médio é criado pela Coordenadoria do Ensino Regular de
grau com o objetivo de reformular as Escolas Normais para a formação
de professores competentes.
Há pesquisas (CAVALCANTE, 1994; LOPES, 2000; SANTOS,
2004) que asseguram os ganhos para a formação docente com a proposta
do CEFAM, que foi criado num momento de efervescência política e
educacional, devido à redemocratização do país. Segundo Santos (2004),
o CEFAM preparou bem os seus egressos em sua formação
metodológica, embora não os tenha preparado tão bem na formação
teórica. Essa formação despertou nos professores formados nesse curso
uma prática que demonstrou que eles tinham consciência da
responsabilidade de promoverem o envolvimento do aluno com o
trabalho escolar e com o despertar do gosto pelo estudo.
No governo Franco Montoro, há uma série de ações que
culminam com a reforma da Habilitação Específica para o Magistério,
em 1987 e 1988. O Curso é organizado em um único bloco destinado à
preparação do professor da pré-escola à 4ª série do primeiro grau, com
aumento da instrumentalização pedagógica. Ainda que algumas
iniciativas como o CEFAM tenham sido inovadoras e com destaque
apontado por algumas pesquisas (CAVALCANTE, 1994; LOPES, 2000;
SANTOS, 2004), Marcílio (2005, p. 309) comenta que a situação ainda
era crítica:
148
Na década de 1980, a formação do professor permanecia crítica. Não
havia solução à vista. Ressurgiam defensores da restauração da Escola
Normal como local por excelência da formação do professor
primário”. Outros defendiam que este deveria ter formação em nível
superior. A defesa da educação continuada dos profissionais do
ensino tornava-se clara, desde essa década. O curso de pedagogia
deveria incluir entre suas funções a de proporcionar atualização e
aperfeiçoamento aos profissionais da educão que atuavam nas
escolas.
A falta de formação adequada e os elevados índices de reprovação
e de taxas de analfabetismo constroem o cenário brasileiro. Com o
discurso voltado para a tentativa de melhorar a alfabetização e as taxas de
aprovação, ocorre a implementação do Ciclo Básico em 1983, por meio
do Decreto Estadual n. 21.833, de 28.12.1983, no governo Franco
Montoro. Montoro apresenta o seguinte diagnóstico do setor
educacional: baixa qualidade, elevadas taxas de evasão escolar, falta de
formação aos professores, dentre outro
Entre as causas apontadas por ele estão: o baixo rendimento
financeiro do sistema estadual de ensino, a utilização governamental do
sistema de ensino de forma inadequada, pois há corrupção, e o fato de as
reformas educacionais serem impostas de cima para baixo.
Com essa realidade, a implementação do Ciclo Básico é proposta
e, segundo afirma Duran (1995), na realização de uma análise
documental, há, no período de implementação do Ciclo Básico, pelo
menos quatro momentos: construção da proposta política (1983-1985); a
proposta pedagógica (1985-1988); a jornada única no Ciclo Básico
(1988-1991) e a reorganização do ensino (1991-1994).
149
Segundo Marsiglia e Duarte (2009), a década de 1980 é
determinada pela mundialização da economia, marcada pelas condições
neoliberais, ou seja, a redução do papel social do Estado em função dos
ditames do capital:
Com isso, o ensino é mercantilizado e a escola se
ajusta para responder aos conceitos de eficiência e flexibilização nas
relações de trabalho, preparar mão de obra (barata) e controlar o ensino e
a produção do conhecimento científico” (MARSIGLIA; DUARTE,
2009, p. 3).
Nesse momento histórico e social marcado pela troca do governo
pela oposição, uma das bandeiras erguida por Franco Montoro foi a
melhoria da escola pública (SILVA, 1990).
Os acadêmicos se unem aos discursos oficiais da Secretaria da
Educação e o
eixo das discussões é deslocado para o processo de
aprendizagem do sujeito cognoscente e ativo, em detrimento dos
métodos de alfabetização e da relevância do papel da escola e do professor
nesse processo” (MORTATTI, 2000, p. 253-254).
Nesse clima, a crítica é sobre as reformas realizadas de cima para
baixo; a Secretaria da Educação aponta para uma abertura ao diálogo,
mas, ao mesmo tempo, a oposição exige uma medida para acabar com a
reprovação.
Na Secretaria Estadual de Educação havia um embate de forças
políticas divergentes. De um lado, os que defendiam uma ampla
discussão com a rede sobre que rumos dar à escola pública, de outro,
os que insistiam numa interferência imediata para conter os altos
índices de retenção. Durante o primeiro ano de governo, prevaleceu a
disposição para discutir com a Rede Estadual. Ao final desse ano, no
entanto, a implantação do Ciclo Básico tomou de surpresa os
150
professores sabidamente contrários à promoção automática (SILVA,
1990, p. 12).
Nesse clima de retomada da democracia, se encontram várias
iniciativas para a autonomia na educação. Essa proposta de implantação
do Ciclo Básico é apresentada sem o caráter de imposição, como forma
de superação do antigo, por meio de articulação entre produção e
aplicação, com a utilização das teorias mais avançadas do momento
(MORTATTI, 2000).
Entre 1983 e 1987, no primeiro momento, algumas das medidas
assumidas em relação à educação são: implantação do Estatuto do
Magistério, realização de um Fórum Estadual de Educação;
implementação do Programa de Formação Integral da Criança
(PROFIC); início do processo de municipalização do ensino e
implementação do Ciclo sico (MARSIGLIA; DUARTE, 2009).
A implementação do Ciclo Básico objetiva a resolução do
problema do fracasso escolar, com a desseriação, fato que impossibilitaria
a criança de ficar retida na primeirarie do Ensino Fundamental, já que
a retenção costumava ser muito alta nesse período.
Outra medida proposta pela Secretaria da Educação do Estado de
São Paulo, iniciada em 1984, é a implementação do Projeto
Ipê”, com o
objetivo de aperfeiçoamento dos professores e especialistas da educação
por meio de multimeios: televisão, rádio, textos impressos e telepostos
(AMBROSETTI, 1989).
Nesse momento, há discussões voltadas também para
alfabetização, imbuída, então, pela história dos métodos e não métodos.
Mortatti (2000), como já apresentado anteriormente neste livro, trata
151
dessa questão e divide a história dos métodos e não métodos em quatro
momentos marcados, sempre, por embates relativos a algumas propostas
de alfabetização tornadas hegemônicas em detrimento de outras, em
determinado momento histórico e social.
De acordo com Mortatti (2000), o quarto momento é marcado
pelo embate entre o construtivismo e os defensores da cartilha e do
diagnóstico do nível de maturidade, como assevera:
O quarto momento se caracteriza por uma disputa que passa a se
destacar a partir, aproximadamente, do final da década de 1970: entre
partidários da revolução conceitual” proposta pela pesquisadora
argentina Emília Ferreiro, de que resulta o chamado construtivismo, e
entre os defensores velados e muitas vezes silenciosos, mas
persistentes e atuantes dos tradicionais métodos (sobretudo misto),
das tradicionais cartilhas e do tradicional diagnóstico do nível de
maturidade com fins de classificação dos alfabetizandos.
(MORTATTI, 2000, p. 26-27).
Mesmo nesse contexto de mudanças, a proposta de alfabetização
é, primeiro, calcada nos Guias Curriculares e nos Subsídios de
Alfabetização dos anos de 1970, o que não significava mudanças
significativas. Segundo Duran, Alves, Palma Filho, (2005, p.9), os
subsídios eram receituários controladores da distribuição dos conteúdos e
dos tempos, fundamentados em uma concepção de escrita como
codificação do oral.
Entre 1985 e 1988, segundo momento, a construção de novas
orientações construídas é proposta pela Secretaria da Educação, do
Estado de São Paulo, com base no referencial teórico de Ferreiro e
152
Teberosky (1999). Nessa construção, há uma nova forma de conceber a
alfabetização.
Na construção das orientações objetivadoras de uma mudança do
paradigma até então vigente de uma educação tradicional para outra
calcada na construção da criança, propostas pela Secretaria da Educação,
o próximo governo foi de Orestes Quércia, entre 1987 e 1991; é o
terceiro momento. Nesse mandato, consolidam-se as bases da gestão
anterior, defende-se a municipalização do ensino, iniciam-se as
negociações com o Banco Mundial para financiamentos da educação, o
Programa de Ciclo Básico é mantido e é ampliada a jornada do professor
para 40 horas semanais, dedicadas exclusivamente a uma classe
(DURAN; ALVES; PALMA FILHO, 2005, p. 94).
Essas medidas propostas pelo governo ampliação da carga
horária do professor, Curso de Capacitação, inclusão do professor
coordenador trazem alguns problemas como a falta de espaço e de
professor qualificado para ser coordenador.
Na década de 1990, as políticas públicas educacionais se
preocupam com o processo de participação ativa, institucionalização do
processo democrático, avaliações internas e externas. Para reforço da
autonomia da escola, são criados e desenvolvidos alguns Programas:
Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Projeto de Melhoria da
Escola, Programa Nacional do Livro Didático, Programa Nacional de
Alimentação Escolar, Censo Escolar.
Segundo Duran, Alves e Palma Filho (2005), o próximo
momento proposto na gestão de Fernando de Moraes (1991-1994) é o
Programa de Reforma do Ensino Público de São Paulo, com a proposta
da Escola Padrão (DURAN; ALVES; PALMA FILHO, 2005).
153
Esse programa continua com a premissa do Ciclo Básico da
permanência do aluno na escola e a garantia da continuidade nos
estudos, bem como o prosseguimento atento ao processo de ensino-
aprendizagem e a formação contínua dos professores (DURAN; ALVES;
PALMA FILHO, 2005; MARCÍLIO, 2005). Nesse contexto, é proposta
a Escola Padrão.
Ela recebe esse nome devido à sua tentativa de padronização e
qualidade. A característica da escola Padrão é a negação da escola
uniforme, burocrática, rígida e anônima. Para sua implementação, a
Secretaria da Educação produziu manuais e estabeleceu algumas diretrizes
e normas legais. Todas as escolas deveriam ser Padrão; no entanto, esse
projeto existiu somente durante três anos, sem atingir a totalidade das
escolas, nem obter um resultado possível de avaliação significativa
(DURAN; ALVES; PALMA FILHO, 2005).
Segundo Marques (1997), a escola Padrão teve uma importância
destacada, pois previu a coordenação pedagógica, tempo e condições para
estudo e reflexão pelo professor no horário de trabalho. Essas mudanças
possibilitaram o desenvolvimento da construção do projeto autônomo da
escola. No entanto, o governo teve uma visão imediatista de resultados
quantitativos em curto prazo e, por isso, essa iniciativa foi extinta.
No período entre 1995 e 2002, Mário Covas Júnior governa o
Estado de São Paulo, a escola Padrão é desativada e o Programa
Reorganização das Escolas de Rede Pública estrutura a reforma em três
eixos: a racionalização da rede administrativa (reorganização e
informatização da rede), a mudança no padrão de gestão (delegação de
competências administrativas e financeiras às delegacias de ensino) e a
melhoria da qualidade do ensino.
154
Com a mesma política e as mesmas diretrizes neoliberais, Geraldo
Alckmin assume (2003-2006) o governo e elabora um documento
Política Educacional da Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo, em 2004, pautado nas Diretrizes Curriculares Nacionais e nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (MARSIGLIA; DUARTE, 2009).
Acima, apresentei brevemente algumas passagens da história da
educação brasileira e paulista. A seguir, vamos às narrativas das
professoras, parceiras da pesquisa.
O Programa Letra e Vida no Estado de São Paulo/Brasil
Neste item apresento o Programa de Formação Continuada Letra
e Vida, proposto pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
Este programa deriva do PROFA (Programa de Formação de
Alfabetizadores). O PROFA é um curso de formação para professores
alfabetizadores criado em 1999, no fim de um diálogo institucional entre
a SEF (Secretaria de Estado da Fazenda) e a TV Escola. Participa dessa
conversa Telma Weisz (BRASIL, 2003c), que, depois, se torna a
supervisora pedagógica do programa.
Nesse mesmo ano, algumas professoras são convidadas a
integrarem o grupo de referência (são as professoras filmadas na
confecção dos vídeos) e é realizada uma versão preliminar do projeto
(BRASIL, 2003c). O material é produzido em 2000 pelo MEC
(Ministério da Educação) e proposto à Formação Continuada a partir de
2001. É utilizado pelas Prefeituras, Governos Estaduais e universidades,
em parceria com o MEC.
155
Depois de ser utilizado em âmbito nacional, foi adotado no
Estado de São Paulo. Foi concebido e organizado pela Secretaria de
Ensino Fundamental do MEC na gestão do Ministro Paulo Renato
Souza (HERNANDES, 2008). Apesar de algumas mudaas na carga
horária, que passou de 200 para 180 horas, a concepção, o material e o
desenvolvimento do programa continuam iguais.
O Programa Letra e Vida (SP) tem como objetivo desenvolver as
competências profissionais necessárias a todo professor que ensina a ler e
escrever” (BRASIL, 2003c, p. 5). A justificativa é da necessidade
de
oferecer aos professores brasileiros o conhecimento didático de
alfabetização que vem sendo construído nos últimos vinte anos”
(BRASIL, 2003c), conhecimento que é o proposto por Emília Ferreiro.
Segundo Weisz (2010), é uma formação adequada e de muito
boa qualidade, mas,
apesar de seus excelentes resultados, ainda não
conseguiu afetar a maioria dos professores e muito menos as nossas tristes
estatísticas”.
Essa formação se baseia na metodologia de resolução de
problemas pautada em dois conteúdos que perpassam toda a formação: a
ocorrência dos processos de aprendizagem da leitura e da escrita e a
organização das situações didáticas.
A formação deve se basear no direito de aprendizagem e ensino.
Segundo afirma o documento de apresentação do programa:
Cabe às instituições formadoras a responsabilidade de preparar
todo professor que alfabetiza crianças, jovens e adultos para:
- encarar os alunos como pessoas que precisam ter sucesso em suas
aprendizagens para se desenvolverem pessoalmente e para terem
156
uma imagem positiva de si mesmos, orientando-se por esse
pressuposto;
- desenvolver um trabalho de alfabetização adequado às
necessidades de aprendizagem dos alunos acreditando que todos
são capazes de aprender;
- reconhecer-se como modelo de referência para os alunos: como
leitor; como usuário da escrita e como parceiros durante as
atividades;
- utilizar o conhecimento disponível sobre os processos de
aprendizagem, dos quais depende a alfabetização, para planejar as
atividades de leitura e escrita;
- observar o desempenho dos alunos durante as atividades, bem
como as suas interações nas situações de parceria, para fazer
intervenções pedagógicas adequadas;
- planejar atividades de alfabetização desafiadoras, considerando o
nível de conhecimento real dos alunos;
- formar agrupamentos produtivos de alunos, considerando seus
conhecimentos e suas características pessoais;
- selecionar diferentes tipos de texto, que sejam apropriados para o
trabalho;
- utilizar instrumentos funcionais de registro do desempenho e da
evolução dos alunos, de planejamento e de documentação do
trabalho pedagógico;
- responsabilizar-se pelos resultados obtidos em relação às
aprendizagens dos alunos (BRASIL, 2003c).
157
Essas competências precisam ser desenvolvidas durante a
formação, pois são condições para os professores ensinarem a todos os
seus alunos a leitura e a escrita. Segundo o documento de apresentação, o
Programa Letra e Vida (SP) se diferencia dos outros, porque seus
objetivos são voltados à prática relacionada à teoria. Os demais se
baseiam somente na teoria, privilegiam o texto escrito como meio de
acesso à informação, desvalorizam a prática como conteúdo de formação,
priorizam modalidades convencionais de comunicação, não se organizam
o ensino a partir de uma avaliação diagnóstica e não dispõem de
instrumentos eficazes de avaliação.
Segundo o texto de apresentação (BRASIL, 2003c), ao contrário
do modelo convencional de formação inicial e continuada, o Programa
Letra e Vida (SP) tem como objetivo auxiliar na construção de um
conjunto de saberes profissionais que permitam ao professor agir em cada
situação de acordo com o contexto.
Sobre os documentos disponíveis para a formação do programa,
foram preparados materiais destinados aos formadores e cursistas:
documento de apresentação (BRASIL, 2003c); Guia de Orientações
Metodológicas Gerais; Guia do Formador (BRASIL, 2001a, 2001b,
2001c); Coletânea de Textos (BRASIL, 2003a, 2003b; BRASIL, 2006), e
30 programas de vídeo. A Saber:
O documento de apresentação expõe os objetivos, a história da
alfabetização, a caracterização do programa e seus materiais componentes.
O Guia de Orientações Metodológicas Gerais expõe sobre as
metodologias e concepções adotadas na formação desse programa.
propostas e depoimentos de formadores com a representação de suas práticas.
158
O Guia do Formador é composto por sequências orientadas de
atividades de formação destinadas a serem desenvolvidas nas 40 semanas do
curso. Possui um anexo com textos de subsídios para o formador.
A Coletânea de Textos reúne textos literários, textos de estudo, folhas
de tarefa, propostas didáticas descritas e comentadas.
Os 30 programas são organizados em cinco vídeos do Módulo 1,
quatro do módulo 2 e quatro do módulo 3.
As pessoas responsáveis pela formação são, normalmente,
professores coordenadores. No entanto, o próprio documento do
programa afirma que essa pessoa pode não estar apta para a realização
dessa atividade:
Nesse programa, optamos por chamar de formador o coordenador
dos grupos de formação de professores: a razão não é o fato de
considerarmos que todos os profissionais que assumem essa função
estarão, de imediato, completamente preparados para desempenhar o
papel de formadores, mas sim que, dada a natureza do Curso, se trata
de uma função que coloca ao formador esse papel (BRASIL, 2001a,
p. 4).
Os formadores recebem todo o material, previamente elaborado e
organizado, para aplicarem durante os encontros com a justificativa de
que o problema do fracasso escolar se deve a duas causas: falta de
formação adequada do professor e de seus formadores (BRASIL, 2001a).
Dessa forma, segundo a política vigente, o problema do fracasso escolar é
resolvido ao se proporcionar formação tanto ao formador quanto ao
professor.
159
A tarefa do formador é sua contribuição para o desenvolvimento
profissional dos professores alfabetizadores. Nessa tarefa, ele aprende ao
mesmo tempo em que ensina.
Dentre as tarefas elencadas pelo guia estão: a leitura de todos os
materiais do programa; o estudo completo indicado na coletânea de
textos do professor e no
Para Saber Mais” (textos complementares);
presença em todos os programas, antes de apresentá-los aos professores;
providência, e preparo do espaço físico e dos equipamentos necessários,
coordenação dos encontros, apresentação dos objetivos do programa. As
tarefas o para todo o desenvolvimento do programa. Além delas, cada
módulo apresenta outras também julgadas importantes.
O Programa Letra e Vida (SP) destina-se especialmente aos
professores alfabetizadores. Além desses, o Professor Coordenador,
Professores de Recuperação e de Reforço, Assistentes Técnicos
Pedagógicos, Supervisores de Ensino, Diretor e Professor Coordenador
da Oficina Pedagógica também podem participar.
Seu objetivo é a formação de Professores Coordenadores do
Programa Letra e Vida (SP) e daqueles que trabalham diretamente com
as crianças.
Cada Diretoria de Ensino proporcionou o curso para esse público
à medida do possível. Por isso, há discrepâncias entre elas, por exemplos:
algumas conseguiram atingir mais os professores de primeira e segunda
série; em outras foi possível a participação do Diretor de escola e do
Coordenador, entre outras. Assim, não há uma homogeneidade entre as
diretorias.
Cursar esse programa não é obrigatório para o seu público, mas é
utilizado como evolução funcional na carreira do cursista, além de ser
160
solicitado preferencialmente em vários momentos, como se pode verificar
na escrita do Decreto nº 55.146 de 10/12/2009: “[...] d) indicar um
coordenador geral que será o responvel pelas ações do Programa Ler e
Escrever e que preferencialmente tenha participado da formação do
Programa Letra e Vida”.
Em vários momentos, pode-se destacar esse pedido. Isso significa
que, enquanto durou a formação no estado de São Paulo, para ser
professor de primeira e segunda série, Coordenador Pedagógico,
Coordenador do Ler e Escrever, preferencialmente, a pessoa deve ter
cursado o Programa Letra e Vida.
O curso tem a carga horária de 180 horas, a ser cumprida
presencialmente pelo professor inscrito na sua Diretoria de Ensino. Os
encontros ocorrem semanalmente, com duração de 3 horas.
O programa está organizado em três módulos compostos por
unidades de quantidades variadas, sendo a última sempre destinada à
avaliação individual dos professores (BRASIL, 2001a):
O Módulo 1 é sobre a fundamentação utilizada para os
processos de aprendizagem da leitura e da escrita e sobre a
didática de alfabetização. O objetivo desse módulo é a
demonstração da fundamentação relacionada ao aprendizado
da leitura e da escrita e à didática da alfabetização.
O Módulo 2 discute situações didáticas de alfabetização e visa
à demonstração desta como parte de um processo mais amplo
de aprendizagens, de usos da linguagem escrita em situações de
leitura e produção de texto.
O Módulo 3 tem o seu foco voltado para as situações
didáticas, com o objetivo de apresentação e discussão de
161
outros conteúdos da língua portuguesa necessários ao período
de alfabetização.
Os Módulos têm relações entre si e, para cada um, são definidas
as competências a serem desenvolvidas. Cada Módulo é composto por
unidades (sequência de atividades de formação tematizadoras,
especificamente, de situações de ensino e aprendizagem inicial da leitura
e da escrita, todas documentadas em vídeo e utilizadas com outros
recursos). Cada unidade tem duração de três horas e um padrão
determinado.
No Guia do Formador, é especificado o desenvolvimento da
unidade. Para tanto, possui objetivos, conteúdos e atividades (seus
desenvolvimentos e duração).
Durante os encontros, são realizadas atividades permanentes:
A. Leitura Compartilhada realização da leitura de textos
indicados de diferentes gêneros, em voz alta, pelo formador. O
professor possui os textos na coletânea de textos;
B. Rede de Ideias socialização realizada pelo grupo sobre as
ideias do trabalho pessoal, e
C. Trabalho Pessoal realização de uma atividade proposta
pelo formador em toda unidade.
Há outras atividades, como: levantamento dos conhecimentos
prévios; atividades com o objetivo de ampliação de conhecimentos;
aplicação de conhecimentos. A síntese de assunto estudado é
desenvolvida conforme a necessidade.
162
Os programas de vídeo são também baseados nos módulos: o
primeiro é denominado Série Processos de Aprendizagem; o segundo,
Série Propostas Didáticas 1, e o terceiro, Série Propostas Didáticas 2.
Esses programas foram gravados com professoras da escola
pública formadoras do grupo referência. Elas documentam o
planejamento das atividades, a realização das atividades planejadas em
aula e a tematização em reuniões de formação.
O Programa Letra e Vida (SP) está centrado em uma cultura
escolar baseada no direito à aprendizagem. Pressupõe que seus processos,
tanto na leitura como na escrita, ocorrem por meio da reflexão sobre esses
processos e não por meio da memorização de sílabas.
A concepção de alfabetização, proposta no curso, se opõe à
concepção empirista. Segundo Weisz (BRASIL, 2003a), o modelo
empirista, típico da cartilha, [...] define a aprendizagem como
a
substituição de respostas erradas por respostas certas’”. A hipótese
subjacente a essa concepção é a de que o aluno precisa memorizar e fixar
informações, que devem ser as mais simples e parciais possíveis, e ir se
acumulando com o tempo.
A teoria construtivista, ao contrário da empirista, não considera o
aluno como uma tábula rasa, que chega à escola sem nenhum
conhecimento prévio, mas afirma que:
O aprendiz é um sujeito, protagonista do seu próprio processo de
aprendizagem, alguém que vai produzir a transformação que converte
informação em conhecimento próprio. Essa construção, pelo
aprendiz, não se dá por si mesma e no vazio, mas a partir de situações
nas quais ele possa agir sobre o que é objeto de seu conhecimento,
163
pensar sobre ele, recebendo ajuda, sendo desafiado a refletir,
interagindo com outras pessoas (BRASIL, 2003a).
Conforme aponta Weisz (BRASIL, 2003a), essa concepção de
alfabetização embasa a prática pedagógica de forma diferente da
empirista, pois, ao considerar a criança como protagonista de suas
aprendizagens, a professora oferece atividades diferentes da cartilha, de
forma a ser informante de alguns elementos que a criança não pode
construir sozinha, como é o caso do nome das letras. E ela lhe oferece
espaço e materiais oportunos para a construção do conhecimento
infantil.
Como apontado, o curso está baseado no construtivismo e,
especificamente, nos trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky sobre
a psicogênese da língua escrita.
[...] as bases teóricas que o fundamentam que são de natureza
construtivista, compatíveis com a literatura utilizada para a
compreensão de como o professor aprende a ensinar”. Sobre como as
pessoas aprendem, os estudos da psicogênese genética de Piaget
(1966) serviram como base no Programa. A psicogênese da língua
escrita, de Ferreiro e Teberosky (1985, 1990) propõe uma
aproximação entre as teorias de Piaget e a construção psicogenética da
aquisição da língua escrita, que é recorrente em todo este Programa
(CASTELHANO, 2008, p. 40).
Segundo Ferreiro e Teberosky (1999), baseadas nas ideias de
Piaget e Chomsky, a criança, ao estar em contato com o objeto de
conhecimento, constrói sozinha o sistema de escrita.
164
A instituição é importante, desde que parta desse pressuposto e
compreenda seu papel de oferecer a fuão da escrita, bem como
momentos para a criança continuar sua construção. Assim, a autora
finaliza seu artigo:
Em vez de nos perguntarmos se devemos ou não devemos ensinar”
temos de nos preocupar em DAR ÀS CRIANÇAS OCASIÕES DE
APRENDER. A língua escrita é muito mais que um conjunto de
formas gráficas. É um modo de a língua existir, é um objeto social, é
parte de nosso patrimônio cultural (FERREIRO, 1995, p. 103,
destaque da autora).
Com esses pressupostos, estudiosos brasileiros propõem várias
ações para o Estado de São Paulo. Como é o caso do Programa Ler e
Escrever, tratado logo abaixo. Weisz (2010), criadora e supervisora do
PROFA e, agora, do programa Letra e Vida (SP), por meio da
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo, em seu texto, disponibilizado no site
da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo,
Didática da leitura e
da escrita: questões teóricas”, afirma:
A metodologia proposta pelo PROFA concebe o aprendiz como
sujeito ativo, construtor de conhecimento. Como alguém que pensa
sobre a escrita presente no mundo em que se vive, desde que deste
mundo também façam parte leitores que possam interpre-la para
ele.
165
Um exemplo elucidativo dos embasamentos teóricos do programa
são as sugestões bibliográficas do site da Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo para as escolas montarem seus planos de ensino em
2008. São por volta de 40 sugestões, das quais mais da metade tem um
enfoque construtivista.
A concepção de escrita, alicerçada por Ferreiro (1995),
compreende um sistema de representação a ser construído pelo
indivíduo. As concepções da criança sobre o sistema de escrita são
estudadas por intermédio de suas produções espontâneas. Na evolução
psicogenética, a escrita evolui em três grandes períodos:
Distinção entre o modo de representação icônico e o não icônico;
A construção de formas de diferenciação (controle progressivo das
variações sobre os eixos qualitativo e quantitativo);
A fonetização da escrita (que se inicia com um período silábico e
culmina no período alfabético) (FERREIRO, 1995, p. 19).
No processo construtivo da criança, o professor precisa de
aceitação e compreensão da evolução da escrita, de forma a não
preconceber o que é o mais fácil ou mais difícil ao aluno. Ele também
não deve trabalhar com base na cópia e sonorização de grafemas, mas,
sim, como um criador de condições de descoberta do sistema de escrita
pelo próprio aprendiz.
Segundo Ferreiro e Teberosky (1995, p. 43):
A escrita não é um produto escolar, mas sim um objeto cultural,
resultado do esforço coletivo da humanidade. Como objeto cultural,
166
a escrita cumpre diversas funções sociais e tem meios concretos de
existência (especialmente nas concentrações urbanas). O escrito
aparece para a criança como objeto com propriedades específicas e
como suporte de ações e intercâmbios sociais.
Se a criança construirá seu conhecimento sobre o sistema de
escrita, então, qual é o papel do professor?
Para Ferreiro (1995), o professor tem a responsabilidade de
informar conhecimentos específicos que não afetam a estrutura do
sistema de escrita dos alunos. Alguns deles são: nome das letras;
diferenciação entre números e letras; a escrita de cima para baixo; dentre
outras convenções.
O processo de aquisição da lecto-escritura segue uma série de
passos ordenados, caracterizados por esquemas conceituais específicos,
anteriores à escrita convencional.
Esses esquemas implicam sempre um
processo construtivo no qual as crianças levam em conta parte da
informação dada, e introduzem sempre, ao mesmo tempo, algo de
pessoal” (FERREIRO, 1995, p. 70).
Quando o professor percebe que o processo de aprendizagem da
escrita ocorre por fases e a criança paulatinamente reconhece a escrita
como um sistema de representação, o seu trabalho se norteia por essas
premissas. Para tanto, se faz necessário o conhecimento do
desenvolvimento das fases da escrita.
Algumas características formais da escrita são percebidas pela
criança que, no início do processo, apresenta duas hipóteses: a
necessidade de um número mínimo de letras (entre duas e quatro) e um
mínimo de variedade de caracteres.
167
Na primeira fase, denominada pré-silábica, a criança pode
desenhar para representar o objeto, realizar alguma garatuja, inventar
letras, ou colocar letras conhecidas, mas sem fazer relação com o som,
respeitando a qualidade e quantidade, ou ainda utilizar somente as letras
do próprio nome para escrever qualquer palavra.
Na segunda fase, silábica, a criança realiza a correspondência do
som com a grafia. Para cada sílaba, ela registra uma letra. Essa fase pode
ser de dois tipos: silábica sem valor sonoro convencional, pois a criança
coloca uma letra, mas sem correspondência sonora com nenhuma das
letras representadas; ou silábica com valor sonoro convencional, pois uma
das letras representa um dos sons da sílaba. Às vezes, a criança coloca
somente as vogais, em outras, apenas a consoante, ou, em alguns casos,
mistura as duas.
A fase de escrita silábico-alfabética ocorre no início da percepção
da criança de que, para escrever uma sílaba, é necessário escrever mais de
uma letra. Ocorre uma oscilação, ora escreve uma letra para cada sílaba,
ora duas.
A escrita alfabética se caracteriza pela compreensão do sistema de
escrita, por parte da criança, ainda que ela possa apresentar problemas de
ortografia.
Para a compreensão do professor sobre as hipóteses de escrita é
necessário o estudo da psicogênese da escrita (BRASIL, 2003a). Segundo
Weisz (2003a), os estudos de Ferreiro concluem que há uma evolução no
aprendizado da leitura.
A ideia de que se escreve tudo o que se fala não é
prévia à alfabetização. Pelo contrário, descobrir que é necessário escrever
tudo, sem omitir nada, requer bastante experiência com a língua escrita”
(BRASIL, 2003a, p. 1, M1U6T5).
168
Por volta dos quatro anos, a criança, já em contato com o mundo
da escrita, considera que somente os substantivos precisam estar escritos.
Essa hipótese evolui para a corresponncia, termo a termo, entre o
falado e o escrito. As evidências mostram que essa evolução ocorre por
meio das oportunidades da criança de entrar em contato com a escrita.
Leitura é mais do que simplesmente o conhecimento da relação
fonema-grafema.
Como afirma Ferreiro (1995, p. 55):
Escrever não é transformar o que se ouve em formas gráficas, assim
como ler também não equivale a reproduzir com a boca o que o olho
reconhece visualmente. A tão famosa correspondência fonema-
grafema deixa de ser simples quando se passa a analisar a
complexidade do sistema alfabético.
A leitura é um meio e não um fim. Meio para uma resposta a um
objetivo ou necessidade pessoal. Por essa razão, a escola deve substituir a
leitura como decodificação, com seu treino exaustivo e o preenchimento
de fichas, por uma prática motivadora, com diversas modalidades e textos
estimulantes para uma prática de leitura de fato.
Lerner (BRASIL, 2003b) aponta que, por muitas vezes, a escola
torna impossível o ensino da leitura. Isso, porque distancia a criança do
ato de ler, devido a vários fatores, dentre eles: o distanciamento realizado
pela escola entre a proposta de atividade de leitura com o uso social dela.
Com efeito, normalmente se lê para a aprendizagem, para a escolha de
textos específicos e para o ensino. A realização da leitura em voz alta é
169
apenas um meio de avaliação e, finalmente, se apresenta aos alunos uma
única interpretação de texto como válida.
Em síntese: uma teoria de aprendizagem que não se ocupa do sentido
que a leitura possa ter para as crianças e concebe a aquisição de
conhecimento como um processo cumulativo e graduado, como uma
decomposição do conteúdo em elementos supostamente mais
simples; uma distribuição do tempo escolar que predetermina os
períodos destinados à aprendizagem de cada um desses elementos;
um controle estrito da aprendizagem de cada componente; e um
conjunto de regras que dão ao professor certos direitos e deveres que
só ele pode exercer enquanto o aluno exerce outras
complementares. Esses são os fatores que, articulados, tornam
impossível ler na escola (LERNER, 2003, p. 5).
Para a reversão desse quadro de impossibilidade da leitura na
escola, Lerner (BRASIL, 2003b) sugere alguns propósitos didáticos. Cada
situação de leitura deverá responder a um duplo propósito: o ensino e a
aprendizagem de algo sobre a prática social da leitura e o cumprimento
de um objetivo com sentido para o aluno. Para o desfecho desse duplo
propósito, há algumas possibilidades didáticas, como a realização de
projetos, as atividades permanentes e as sequências didáticas.
Segundo Soligo (BRASIL, 2003a), baseada nos pressupostos de
Smith (1999), a compreensão leitora depende da relação entre os olhos e
o cérebro. O último determinante do que e como vemos. No momento
da leitura, os olhos não deslizam linearmente, mas, sim, saltam
rapidamente e acontece uma
adivinhação”, pois os olhos não captam
tudo.
170
Dois fatores determinam a leitura: o texto impresso e o
conhecimento prévio do leitor. Quanto maior o contato das crianças com
a leitura e com outros leitores, maiores são as possibilidades de aprender.
Não é necessário ter sete anos, nem estar na escola para começar a ler.
Como já apontado, a leitura depende do conhecimento prévio do
sujeito sobre o assunto e é mais rápida se for silenciosa. Segundo Soligo
(BRASIL, 2003a),
o processo de leitura depende de várias condições: a
habilidade e o estilo do leitor, o objetivo de leitura, o nível de
conhecimento prévio do assunto tratado e o nível de complexidade
oferecido pelo texto”.
Para ter-se uma leitura fluente, algumas estratégias de leitura são
necessárias. Por estratégia de leitura, Soligo (BRASIL, 2003a) conceitua
um amplo esquema para obtenção, avaliação e utilização de informações.
Essas estratégias podem ser de seleção, antecipação, inferência e
verificação:
As estratégias de seleção permitem ao leitor o encontro
somente do relevante na leitura. Essa escolha nos permite
encontrar, por exemplo, um nome em uma lista telefônica.
As estratégias de antecipação possibilitam prever o
desconhecido, o que está por vir. Podemos antecipar as palavras,
sílabas e significados.
Por meio das estratégias de inferência podemos perceber e
entender as entrelinhas não implícitas no texto. Podemos notá-
las por meio de pistas no próprio texto, ou por meio de
conhecimento prévio sobre o assunto.
As estratégias de verificação permitem o controle das
demais estratégias. Todas elas ocorrem mais ou menos
171
simultaneamente, sem a necessidade de serem evidentes para o
leitor.
Para ter êxito na sua prática docente, o professor precisa ir além
do conhecimento da teoria embasadora da sua prática. Ele necessita da
construção de boas soluções práticas.
Aponto, a seguir, algumas modalidades organizadoras para a
obtenção de situações de aprendizagem consideradas eficientes, segundo
propõe o curso do Letra e Vida (BRASIL, 2003a; 2003b; BRASIL,
2006). Elas são: os projetos, as atividades permanentes e a sequência de
atividades. Vejamos:
Os projetos podem ser elaborados de diversas formas, mas
alguns aspectos precisam ser levados em consideração para a
existência de um bom projeto: seu objetivo necessita ser claro,
tanto para o professor como para o aluno, e, consonante com a
justificativa; o professor deve dominar o conteúdo; o
relacionamento entre as crianças precisa ser favorável; o conteúdo
ser significativo por si só; as atividades devem ser encadeadas
umas nas outras, e o produto final precisa de visibilidade
(BRASIL, 2006).
Algumas atividades precisam ser: permanentes, como é o
caso da escrita reflexiva; em duplas produtivas; a avaliação deve
ser por meio das sondagens e leitura. Essas atividades se repetem
de forma sistemática, previsível, e a frequência é estabelecida
conforme a necessidade. A leitura, especificamente, deve ser uma
atividade permanente do professor, que deve realizá-la todos os
dias, tornando-se um modelo de leitor.
172
As sequências de atividades preveem um produto tangível,
por exemplo, o conhecimento de um determinado gênero textual.
Para a obtenção desse conhecimento, o professor propõe uma
série de atividades sequenciais: os alunos são organizados ora
individualmente, ora em duplas produtivas, para alcançarem o
objetivo.
Todos os conteúdos podem estar organizados nessas modalidades
e a forma de organização das crianças também facilita a aprendizagem.
Uma delas, ressaltada no curso, é a dupla produtiva.
A organização da turma em duplas produtivas é uma solução para
lidar com a heterogeneidade da turma e favorece, ao mesmo tempo, uma
melhor aprendizagem, pois um pode ajudar o outro por meio da
interação estabelecida. A formação da dupla produtiva deve ser
intencional, criteriosa e planejada (BRASIL, 2003b). Durante o curso, há
algumas sugestões de agrupamentos produtivos (BRASIL, 2003b).
As modalidades organizativas devem ser planejadas com apoio
nos materiais propostos pela Secretaria da Educação, no caso do
Programa Letra e Vida (SP), em formas de rotinas, elaboradas pelo
professor.
As rotinas se referem ao plano das atividades a serem
desenvolvidas. Há propostas de como as modalidades organizativas
devem estar presentes na rotina, um exemplo encontra-se no módulo 2
(BRASIL, 2003b).
Portanto, o Letra e Vida (SP) é um curso de formação
continuada, com base teórica no construtivismo. Ele é formulado com
materiais prontos para o formador aplicar e tem o objetivo de sensibilizar
os professores alfabetizadores e, assim, melhorar o nível da alfabetização.
173
As evidências (mesmo grupo idealizador, mesma base teórica e as
narrativas de professores) apontam que o Programa Ler e Escrever surge
como uma evolução histórica do Letra e Vida (SP). Acredita-se o
Programa Letra e Vida (SP) foi proposto tendo como norte a formação
do professor alfabetizador. Mas, as circunstâncias mostram a necessidade
de se ter materiais para professores e alunos, de se formar a equipe da
escola proporcionando uma formação no ambiente da escola. Por isso, é
criado o Ler e Escrever.
Com a mesma base teórica do Programa Letra e Vida (SP), a
Secretaria do Estado de São Paulo criou o Programa Ler e Escrever (SP).
Ressalto a seguir brevemente algumas ações desse programa, pois, como
afirma a secretária da educação Maria Helena Guimarães (SÃO PAULO,
2008) ao retratar o programa Ler e Escrever, “[...] [trata-se de] uma
decorrência natural do programa Letra e Vida”.
O Programa Ler e Escrever tem como objetivo a garantia de
alfabetização plena de todas as crianças de até oito anos da rede estadual
de ensino de São Paulo. Diz o texto da proposta:
[...] ao implementar o programa, a Secretaria de Estado da Educação
age efetivamente na consolidação de soluções que permitirão a
melhoria das condições de ensino em toda a rede estadual. Então,
para garantir que até 2010 todas as crianças de até 8 anos
matriculadas na rede pública estadual de ensino de São Paulo estejam
plenamente alfabetizadas e para que haja recuperação da
aprendizagem de leitura e escrita dos alunos de todas as séries do
Ciclo I do Ensino Fundamental (EF), a Secretaria da Educação criou
o Programa Ler e Escrever [...] (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO,
[20--]).
174
A justificativa apresentada para a implantação do Programa Ler e
Escrever se deu pela constatação do decréscimo de aproximadamente
20% no número de crianças alfabetizadas ao final do Ciclo I, segundo
dados obtidos no SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar
do Estado de São Paulo) de 2005. Houve, ainda, outros indicadores,
como INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional) e PISA (Programa
Internacional de Avaliação de Alunos), também utilizados como
justificativas.
O objetivo do Programa Ler e Escrever é “romper com a cultura
escolar que aceita o fato de que os alunos percorrem os anos dos ciclos
sem conseguir aprender a ler e a escrever” (SECRETARIA DA
EDUCAÇÃO, [20--]) e, dessa forma, ele desenvolve projetos destinados
à interferência direta no cotidiano da sala de aula e na gestão da escola.
O Ler e Escrever é um programa para as séries iniciais do Ensino
Fundamental, que proe diferentes maneiras de atuação nas escolas:
produz materiais didáticos, seleciona materiais e dinamiza a entrega
desses nas escolas, e propõe a formação centrada na escola, proposta pelo
professor coordenador de cada unidade escolar.
Esse programa tem várias ações iniciadas em 2007: adoção da
Bolsa Alfabetização; distribuição de guias aos professores e materiais aos
alunos, Projeto Intensivo no Ciclo I (PIC) para terceiras e quartas séries.
O Projeto “Bolsa Escola Pública” e “Universidade na
Alfabetização”, Escola Pública e Universidade, também conhecido como
“Bolsa Alfabetização”, tem como objetivo a atuação de um aluno
pesquisador nas turmas de primeiro ano do ensino fundamental. Esse
aluno é um estudante universitário dos cursos de Graduação ou Pós-
graduação de Pedagogia ou Letras, indicado por instituições de ensino
superior conveniadas ao Projeto.
175
Ele colabora com o professor regente das classes de 1ª série:
auxilia no atendimento à criança e na organização das aulas. Ao mesmo
tempo em que contribui com a formação das crianças, esse projeto
também se constitui como uma interação entre o âmbito universitário e a
prática em sala de aula. “Assim, o projeto, além de atuar efetivamente na
melhoria das condições de alfabetização oferecidas às crianças do Estado
de São Paulo, contribui para a formação dos futuros professores do
Ensino Fundamental” (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO, [20--]).
Além de contar com o apoio de um estudante na primeira série, o
Programa Ler e Escrever tem a pretensão de distribuir materiais a todos
os alunos de primeira à quarta-rie. Esse material, uma parte
desenvolvida e outra parte em desenvolvimento, foi elaborado pela
equipe técnica da CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo), baseado
em materiais da Prefeitura Municipal do Estado de São Paulo.
Outros materiais complementares são entregues constantemente
às escolas: Kit de livros paradidáticos, em cada momento destinado para
uma série, assinatura da revista Recreio, do Almanaque Cascão e Mônica,
conjunto de letras móveis para primeira série, calculadoras para as 4ª
séries participantes do Projeto Intensivo (PIC) e globos terrestres
destinados à primeira série.
A ação do governo estadual de construir um acervo de livros
dentro das salas de aula se coaduna com a ideia apontada por
Nascimento e Soligo (2006) no texto “Leitura e leitores”, disponível na
coletânea de textos do módulo 3. As autoras propõem uma forma de
organização do acervo, de utilização dos materiais e espaços disponíveis
na escola, bem como as ações didáticas envolvidas no processo de leitura.
176
Outra ação do Programa Ler e Escrever é a formulação de classes
especiais de terceira e quarta série com alunos ainda não alfabetizados. O
projeto tem como objetivo “impedir que as crianças prossigam em seus
estudos sem ter desenvolvido adequadamente as competências de leitura
e escrita” (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO, [20--]).
O curso Letra e Vida (SP) propõe, como apontado
anteriormente, algumas situações de aprendizagem consideradas ideais
para o bom desempenho dos alunos; da mesma forma, essas situações
estão organizadas nos materiais do Ler e Escrever destinados ao professor.
É nesse contexto que as professoras parceiras na pesquisa,
vivenciaram a formação do Letra e Vida e, depois receberam os materiais
do Ler e Escrever para trabalhar com as crianças nas escolas.
177
Capítulo IV
Sobre morosidade e amorosidades no aprender a ler, escrever
e ser: narrativas de professoras alfabetizadoras brasileiras
No dia seguinte em que as aulas começaram, almocei rápido e
fiquei apressando minha mãe: tinha medo de me atrasar para a
escola e, chegando lá, descobri que todos haviam aprendido a ler
e escrever, menos eu. Ao entender a razão da minha ansiedade,
ela riu, explicou que a alfabetização era um processo complexo e
demorado e não seria arruinado por sua sobremesa.
(António Prata)
Na crônica de António Prata, a vontade de aprender a ler e a
escrever é marcante. Porém, esse processo pode ser moroso quando são
utilizados os métodos tradicionais de alfabetização. Essas e outras
questões serão discutidas tendo como pano de fundo as narrativas das
professoras parceiras da pesquisa exposta neste livro. Tais relatos foram
permeados pelas trajetórias de cada uma delas, especialmente em relação
ao modo como foram alfabetizadas, formadas e se tornaram professoras
alfabetizadoras. No caso desta pesquisa, as professoras e suas histórias
estão localizadas geograficamente no Estado de São Paulo, na cidade de
Mogi das Cruzes, região metropolitana da capital paulista.
A seguir, assim como na primeira parte deste livro, darei espaço
para as narrativas das cinco professoras parceiras da pesquisa. Elas nos
178
contam sobre como foram alfabetizadas, sobre como olham para os
próprios anos de formação inicial e sobre como se deu o processo de se
tornarem professoras, por meio de exemplos observados e partilhados
com outras professoras mais experientes, pelo contato com livros
didáticos. Os relatos mostram que
com o curso Letra e Vida, elas
evidenciam a mudança no trabalho com a leitura, com a classificação da
escrita da criança, conforme aponta Ferreiro e Teberosky (1999). Dessa
forma, evidenciam-se impasses entre um ensino tradicional da
alfabetização e o construtivismo.
Alfabetização das professoras brasileiras
As cinco professoras entrevistadas narram sobre como foram
alfabetizadas. Quatro delas estudaram em escolas públicas e uma no SESI
Serviço Social da Indústria. Todas elas tiveram como material didático
a cartilha Caminho Suave e três delas dizem ter feito exercícios de
coordenação motora.
Na primeira série, no meu primeiro dia de aula, eu me lembro até hoje!
A professora mandou eu fazer uma folha de letra a”. Eu não fui
alfabetizada na Educação Infantil, não, mas quando eu entrei no
primeiro ano, no primeiro dia, uma folha de letra a”, a mão doeu! Fui
alfabetizada pela Caminho Suave, a cartilha Caminho Suave. Eu olhava
a Caminho Suave e eu queria aprender lá na frente, né? A letrinha v”,
mas a professora dizia:
Não, você tem que esperar. Tem que seguir direitinho as lições, até
chegar na lição da vaca, para poder aprender alguma palavra com a letra
v”. Fazia muita leitura, todo dia fazia a leitura.
179
Fazia da Cartilha, mas eu acho que era mais memorização, porque até
hoje eu sei aquela cartilha de cor.
Eu não gostava porque eu queria começar no fim, eu não queria aquela
sequência, queria aprender as palavrinhas.
A professora era um amor, paciente..., mas era tradicional. Dava
bastante produção de texto com gravuras, ditado, cópia. (Professora Rose).
A professora Rose narra alguns aspectos que lembra sobre o seu
processo de alfabetização: o uso da cartilha, a coordenação motora, a
leitura por memorização, o ditado e a produção do texto por meio de
gravuras.
Especificamente sobre a leitura, a professora explicita que se
restringia à leitura da cartilha e que, de tanto repetir, acabava decorando.
O que a professora diz sobre
fazer a leitura” significa decodificar e
sonorizar o código escrito.
Desde o tempo em que essa professora foi alfabetizada até os dias
atuais, as pesquisas ampliaram-se e alguns estudiosos da área (SMITH,
1999; FOUCAMBERT, 1997; BARBOSA, 2009) afirmam que ler é
muito mais do que decodificar, ler significa compreender, atribuir
sentido. Para ser um leitor, vários fatores são necessários, como, por
exemplo, o conhecimento prévio do indivíduo sobre o assunto e o
conhecimento sobre a estrutura do texto. Ler compreende a atribuição de
sentido ao lido, a relação do sujeito com o objeto escrito, o conhecimento
prévio possuído pelo sujeito sobre o assunto, sua historicidade.
A concepção acima pareceo estar aparente no processo de
aquisição da leitura da professora citada. Ao considerar que essas
professoras foram alfabetizadas aproximadamente entre as décadas de
1965 e 1975, pode-se inferir sobre algumas concepções de leitura
180
existentes, seja por meio do relato, ou por intermédio dos materiais
disponibilizados, que também se restringiam à cartilha.
Ainda nessa narrativa, destacam-se as ações consideradas
tradicionais: a cópia, a produção de texto, a partir de uma figura, o
trabalho com a coordenação motora, a memorização e o ditado.
No próximo excerto, a professora Maria também fala sobre a
leitura que era
tomada” pelo professor. Ou seja, a criança ia até a mesa
do professor e decodificava em voz alta, assim era a forma de ser avaliada.
Vejamos:
Olha, eu fui alfabetizada na cartilha Caminho Suave (…). Eu lembro
da leitura. A gente tinha que chegar na mesa do professor, ele tomava a
leitura da cartilha. Eu lembro das atividades que eram todas
relacionadas. Eu acho que foi isso. Não tenho muito o que falar, não foi
uma série que me chamou muita atenção. (Professora Maria).
A professora Maria comenta que não lembra muito da sua
entrada na escola, no que se refere àquilo que aprendia, pois diz ter
mudado cinco vezes de professora ao longo do ano. Mas, ainda assim,
lembra de ter sido alfabetizada pela cartilha Caminho Suave.
O fato de Maria verbalizar que teve várias professoras ao longo de
um ano nos chama a atenção para a possível falta de vínculo afetivo da
entrevistada com o primeiro ano. O que se converte em uma importante
questão, pois a afetividade modifica a forma de aprendermos, segundo o
que Gomes (2008, p. 145) ressalta:
[...] o trabalho do professor incide
sobre os processos afetivos interferindo na construção do sentido pessoal
da aprendizagem escolar de seus alunos”.
181
Os professores são os responsáveis pelo ensino intencional da
leitura e da escrita; no entanto, outras pessoas podem desempenhar
função semelhante fora da escola, de maneira intencional ou não, sendo a
afetividade presente, também, nessas situações. Um exemplo é o que
podemos constatar na narrativa da professora Paula que conta o início da
sua alfabetização ocorrida em casa.
Moradora de uma zona rural, o seu relato aponta para o que
parece fazer diferença nas relações com a escola, com os livros e com a
importância de se aprender. A medição exercida com as afetividades
positivas do pai. Ela relembra:
Na verdade, eu até fiz o início da alfabetização na minha casa. Com a
minha família: o meu pai e minha mãe, principalmente o meu pai. E eu
queria e aprendi escrever o nome. Aí, eu queria muito ler e escrever,
queria demais. E isso, na escola, eu gostava muito de brincar de
escolinha, e foi quando meu pai comprou para mim a cartilha Caminho
Suave, que foi muita emoção! Nossa, muita emoção! Porque eu sentia o
cheiro da cartilha, eu ficava agarrada com a cartilha e eu fingia que lia!
Sabia? Mas eu folheava a cartilha, eu lembro muito bem.... Eu fingia
que lia. As figuras, as historinhas, eu ficava inventando. Até tem um
detalhe interessante, que a minha mãe lia muito, tinha uma senhorinha
na cartilha, na lição do nha”, do nh”, e era escrito Nha Maria”, e eu
lembro que na minha linguagem, na minha cabeça eu lia Nha Veia”, e
eu falava:
Nha Veia”. E ficava inventando a história da mulher, porque a
mulher carregava lenha, e eu via essas pessoas lá no sítio, porque naquela
época, eu morava no sítio, e eu via aquelas pessoas. Eu a tinha como uma
personagem. Aí eu ficava pensando… aí foi isso! (Professora Paula).
182
A professora Paula conta como foi seu contato com a cartilha,
presente do pai. Ela se lembra da emoção e da vontade que tinha de ler e
escrever. A mãe, materializando o que Vygotski (1995) disse, exerceu o
papel de parceiro mais experiente ao ler e apresentar a ela a cartilha, um
dos únicos livros a que tinha acesso. Segundo o autor, o aprender estar
implicado no relacionamento com um outro mais experiente.
Além disso, o contexto apresentado na cartilha se assemelhava ao
contexto vivenciado por Paula: sítio, animais, personagens… A partir de
suas vivências, inventava histórias para as figuras estampadas na cartilha;
isso, sem ela saber, intuitivamente era o início de sua inserção à leitura.
Fazer inferências e relacionar o visto com os conhecimentos prévios
fazem parte desse processo.
Quando foi à escola, já tinha tido, portanto, contato com a
cartilha, material que seria utilizado. No entanto, antes ela deveria fazer
os exercícios de coordenação motora:
Eu lembro até hoje daquela coordenação motora que eu tinha que fazer!
E eu queria lição, mas aquilo não era lição, e eu chorava.
Entrevistadora: Você já sabia ler e escrever?
Paula: Sabia.
Entrevistadora: E a professora nem se deu conta?!
Paula: Nem se deu conta. Porque tinha todo mundo que fazer aquilo. E
eu pedia, quando é que eu vou fazer lição? E ela chamava a minha
atenção. Porque aquilo era a lição. E eu tinha medo e vergonha da
professora, de ela chamar a atenção na frente dos outros alunos.
183
A formação da professora Paula também foi a partir da cartilha e
com exercícios de coordenação motora. Ela percebe que começou a ler
quando o pai lhe oferece outro livro didático, também com o título
Caminho Suave, mas, mais avançado, com textos:
Paula: Deixa eu ver... Foi quando o meu pai comprou um outro livro
para mim, que era o segundo Caminho Suave. Tinha um outro livro
Caminho Suave. E ele tinha textinhos maiores. E eu lia todos os
textinhos, e entendia o que estava escrito. E eu lembro da família, falava
muito da família, eu achava muito bonito. E outra coisa: também
quando eu lia e eu via o desenho e eu, parece que, estava dentro daquela
história.
Entrevistadora: Tinha a ver com a sua realidade? Ou não?
Paula: Tinha, muita coisa tinha. O sítio, pomar, os bichos... sabe?
Contava dos animais da família. Tinha muito a ver comigo. Então eu
gostava demais, eu lia várias vezes a mesma história, tinha histórias
repetidas...
Entrevistadora: Você lia outras coisas encontradas na sua casa ou não?
Paula: Eram esses dois livros primeiro que eu tive mais contato. O que
tinha do meu pai que trabalhava com lavoura e ele tinha os livros.
Caderneta, livros em que ele registrava outros nomes das pessoas que
trabalhavam, que dia que trabalhou, até que horas... para depois, no
final de semana, aquelas pessoas iam lá em casa para receber. Então eu
fiquei em contato com a escrita. E eles davam para mim as cadernetas
quando acabava, chamavam de cadernetas, grandes, e eu juntava todas
para mim. E eu lia, de noite, quantas horas tinham trabalhado, sem
184
entender muito o que estava acontecendo, mas eu lia, e eu vivia com
aquelas cadernetinhas na mão. Eram de arame, e eu ficava folheando, e
aquilo para mim era um livrinho... E eu gostava muito de escola, então
eu queria estudar, eu queria brincar de escola. Então eu juntava tudo isso
e mais a criançada e brincava de escolinha. Tinha um pé de pêssego na
minha casa, muito grande, e eu coloquei, pedi para o meu pai colocar
uma tábua naquele pé de pêssego e ali eu ficava com um carvão... eu
pegava no fogão de lenha e ficava escrevendo. (Professora Paula).
Pode-se ampliar essa discussão, utilizando a teoria histórico-
cultural que propõe que aprendemos com o outro, com a mediação do
meio. Assim, o professor tem uma função maior. Ele é o responsável por
ensinar, preferencialmente, partindo dos conhecimentos que a criança já
domina, atuando na zona de desenvolvimento proximal, ou seja, daquilo
que a criança consegue fazer com o outro mais experiente, mas ainda não
consegue fazer sozinha.
Na narrativa de Paula, parece que o ensino escolar era intencional
e com passos determinados, observando o exemplo da obrigatoriedade
dos exercícios de coordenação motora antes das lições da cartilha. Nas
entrelinhas, fica aparente que a criança não sabe nada e que precisa estar
preparada para aprender a ler e escrever, realizando a coordenação motora
e, depois, para seguir os passos ordenados da cartilha. Da mesma forma, é
o comportamento da professora Dora, como aparece no texto a seguir:
Eu comecei no primeiro ano, naquela época era o primeiro ano. O que eu
aprendi, eu não lembro muito bem, mas eu entrei, eu acho que em maio.
No primeiro dia eu fiz a bolinha, uma folha inteirinha.... Eu sempre fui
apressadinha. Inclusive, até repeti, não consegui ser alfabetizada e,
quando eu entrei, todo mundo sabia ler e escrever, no mês de maio, e eu
fazendo bolinha, aquilo ficou assim, marcado. Por isso eu sempre tive
185
medo de pegar uma primeira série. Porque aquilo ficou, até hoje, até
pouco tempo, eu não sabia fazer leitura na frente dos outros, porque eu
ficava gaguejando.
Além das bolinhas.... Eu lembro que a minha tia tentava me ensinar.
Ela falava assim: AAAA, a letra é A”, por exemplo, eu não sei
exatamente que letra, agora. Mas ela falava assim: AAAA”, depois eu
chegava, e eu tinha que ler alguma coisa. E eu esquecia, não falava mais.
Eu acho que aquilo lá ficou... eu não conseguia, eu não memorizava,o
sei o que acontecia. No segundo ano, eu comecei a ler, escrever,
normalmente. (Professora. Dora).
Ela [a professora] usava a cartilha, e a gente tinha que fazer a leitura
para passar para a lição seguinte. Se não soubesse ler aquilo, e fizesse a
cópia, você não passava para a lição seguinte. E a minha tia sempre me
ajudou em casa também. Não me lembro assim se no primeiro ano, mas
ela sempre me ajudou. Agora, na segunda série, eu já tive uma professora,
dona Odete Carrasco, muito boazinha, aí eu já me sentia mais à vontade
na escola, eu lembro... mesmo no dia das provas, que na época tinha
prova... e eu via que ela sempre me passava umas provas mais fáceis e eu
sempre contente, acho que eu ficava mais à vontade. (Professora Dora).
Algumas atitudes parecem se repetir na narrativa das professoras:
o uso da cartilha Caminho Suave; a leitura para o professor avaliar se os
alunos sabiam ler; e o trabalho com a coordenação motora. No caso de
Dora, a relação emocional que tinha com a professora fica evidente,
porque, quando teve uma professora
mais boazinha”, ela se sentiu mais
à vontade e, conforme relata, superou as dificuldades.
Da mesma forma, a professora Débora narra sua história de como
foi alfabetizada:
186
Eu entrei no primeiro ano em 1965, no SESI, eu estudei no SESI, então
eu entrei com a mãozinha bem dura mesmo. Eu lembro no primeiro dia,
a professora colocou o a” na lousa de mão:
Hoje nós vamos aprender a letrinha a”, eu me lembro como se fosse
hoje. Do meu lado tinha uma menininha que já escrevia bem. Demorou
para eu ficar com a mãozinha mais mole, fui alfabetizada pela Caminho
Suave, que era pela imagem, em casa você tinha que ler as carrerinhas,
era mais decoreba, então tinha os cartazes, a Caminho Suave é pela
imagem, você conhece? Então a barriga era a barriga do bebê. O
cachorro, o rabinho, não sei se tem ainda, então a gente... nós
memorizávamos aquilo, e era tudo assim, tudo na decoreba mesmo.
(Professora Débora).
Sobre o conteúdo da cartilha, Mortatti (2000) afirma que, a
partir da análise desse livro didático, sempre há uma mesma sequência:
primeiro vem uma gravura, com a letra de estudo destacada; depois a
laba inicial da palavra-chave; sentenças com as palavras-chave estudadas;
lista de palavras, com a sílaba estudada em diferentes lugares; e sílaba em
destaque acompanhada das cinco vogais.
Vale o destaque para o uso da cartilha Caminho Suave, já que
todas as entrevistadas a utilizaram. Essa cartilha foi escrita por Branca
Alves de Lima, em 1948. Branca foi professora alfabetizadora e, por
conta de seu êxito, escreveu a cartilha (MORTATTI, 2000). O livro foi
reformulado na década de 1970, segundo Mortatti (2000, p. 207):
“época em que chegou a vender 1 milhão de exemplares por ano, a
cartilha continua a ser editada até os dias atuais e distribuída às escolas
públicas pelo Programa Nacional do Livro Didático”.
Antes disso, a partir de 1930, o livro didático é encarado como
material fundamental para o ensino das escolas regulares e, por isso, passa
187
a ser avaliado por uma equipe do Ministério da Educação e sua tiragem
aumenta. E foi justamente nas décadas entre 1960 e 1970 que todas as
professoras entrevistadas foram alfabetizadas. Mesmo período em que a
cartilha vendeu aproximadamente um milhão de exemplares em todo o
país, ganhando uma projeção de venda, por intermédio das
distribuidoras.
Essas distribuidoras estavam localizadas em 14 Estados, além do
Distrito Federal. Apenas no Estado de São Paulo, havia quatro
(MORTATTI, 2000). Segundo Barbosa (1992), uma pesquisa realizada
pela Fundação para o Livro Escolar revelou que, no Estado de São Paulo,
a cartilha mais utilizada na década de 1960 era a Caminho Suave.
Mortatti (2000) avalia que, no Estado de São Paulo, três cartilhas
tiveram destaque: Cartilha do Povo e Upa, Cavalinho!; Cartilha Sodré; e
Caminho Suave. No caso das professoras entrevistadas, todas usaram a
Caminho Suave, talvez porque tenha sido uma escolha de grande parte
das escolas dos municípios naquele período.
Neste subitem apresentei como as professoras foram alfabetizadas;
no próximo, me deterei na formação no magistério.
O Magistério: início da formação profissional
Conforme propunha a Lei de Diretrizes e Bases (5.692/71), todas
as entrevistadas cursaram a habilitação específica no segundo grau, como
pré-requisito para serem professoras dos primeiros anos do Ensino
Fundamental, naquela época, ensino primário.
188
Com relação à formação em nível Médio, as professoras foram
questionadas sobre como aprenderam a alfabetizar, sobre o que mais
chamou sua atenção no curso, como eram realizadas e propostas as
leituras teóricas e como os professores relacionavam a teoria com a
prática.
As cinco professoras entrevistadas foram formadas na mesma
cidade e escola, portanto falam sobre alguns aspectos em comum e outros
que as marcaram pessoalmente.
Apesar de estudarem em momentos históricos diferentes, há
vários traços em comum. Especificamente sobre o estágio, aspecto
ressaltado por todas, algumas narrativas fazem os seguintes comentários:
No estágio, também na sala de aula, a gente tinha que ficar lá no fundo
só escutando o que a professora falava e ficar copiando. (Professora Rose).
Era assim, a gente fazia o estágio na própria escola, nas salas de 1ª a 4ª
série. Tinha a dona Vanda que era até interessante. Ela, já era antigona
na escola e ela deixava a gente dar aula, ela falava: Tem que dar isso,
isso, isso”, e ela deixava a gente assumir a sala dela em certos momentos,
lógico, né? (Professora Maria).
Do meu magistério, eu lembro muito que eu gostava demais de fazer
estágio. Que eu gostava da prática. A teoria não me chamava muito a
atenção. (Professora Paula).
Meu magistério foi ótimo, eu tive excelentes professores, nós fazíamos
estágio, eu ficava praticamente o dia inteiro na escola. Além do estágio na
escola, porque a gente fazia no pré, e na escola tinha o pré na época,
189
então nós fazíamos lá e depois eu fui fazer numa escola particular que é o
NEC. Eu fiz porque eu quis ver uma outra realidade, porque era escola
particular, na estância, e realmente, era uma outra realidade. (Professora
Débora).
Eu fiz o Magistério e gostei. Eu fiz no Washington. A gente fazia o
estágio lá mesmo, eu gostava de fazer. Tinha o relatório das aulas.
(Professora Rose).
O estágio, portanto, era a oportunidade de ver a prática de outras
professoras e, eventualmente, de ministrar aulas. No caso dessas
professoras, elas tinham oportunidade de fazer o estágio na mesma escola
onde eram alunas, o que talvez, pudesse facilitar o acesso, pois, como
assevera Pimenta (2001), nessa época, o número de escolas de 1°grau
interessadas em receber estagiários era insuficiente.
Embora as professoras salientem gostar do esgio, não
apresentam nenhuma relação entre o estágio observado e os estudos
teóricos. Segundo Pimenta (2001, p. 68):
O estágio de observação, pelo simples fato de introduzir o aluno na
escola para observar o seu funcionamento, não o capacita para
desvendar a complexidade desta. É fundamental que ele seja levado a
conhecer e a refletir sobre o modo como tal realidade foi gerada,
condição esta fundamental, mas não única para que venha a
transformá-la pelo seu trabalho.
Todas as professoras disseram se identificar com a formação
realizada e duas delas apontam que era opção mesmo cursar o magistério:
190
Eu fui fazer o magistério no Washington Luiz. Daí eu vim para cá. O
meu sonho era ser professora. Porque na época não falava magistério”,
falava normal”. Nessa mudaa, mudou o nome, não era mais
normal”. Passou a ser magistério”. (Professora Paula).
Eu fui para o magistério desde o primeiro ano, no Washington Luiz. Foi
opção mesmo. Eu lembro que eu estava na sala, a gente tinha que prestar
um vestibulinho. Naquele tempo, o Washington, a gente tinha que
prestar o vestibulinho para entrar lá, para ver se a gente tinha condições
de ficar lá naquela escola. Uma escola de elite, na época, e eu lembro que
passou alguém perguntando quem queria fazer o magistério, e eu fui a
primeira a levantar a mão. Eu queria fazer o magistério, então eu fiz
desde o primeiro ano. Foi bom, foi ótimo. (Professora Débora).
Outra entrevistada comenta que, apesar de não saber se queria
mesmo realizar o curso, foi se identificando ao longo do tempo:
Fiz magistério no Washington. Gostei bastante do magistério, porque eu
fui me identificando mesmo. Era isso que eu gostava mesmo, que eu gosto
de fazer. Porque até então eu não sabia o que eu queria fazer.
A escola, em si, eu ficava quase o dia inteiro. Eu entrava de manhã, dava
aula de reforço para a criançada, mesmo as crianças do Washington. Eu
ficava lá o dia inteiro. Por eu ficar o dia inteiro, eu e minhas outras
colegas, tínhamos uma liberdade tão grande com a secretária, que a gente
mexia no mimeógrafo, fuçava a secretaria. (Professora Dora).
A professora gostou da formação por duas razões: foi se
identificando com a profissão e gostava do contexto de sua escola, que
191
oferecia liberdade para se relacionar, acolhendo as alunas que ficavam o
dia todo na escola.
As outras duas entrevistadas não mencionaram os motivos da
escolha pelo magistério. A esse respeito, vale ressaltar que a vontade de
fazer o magistério nem sempre existia, mas como, na época, isto é, finais
da década de 1970 e início de 1980, a escola se torna para todos e há
uma ampliação do ensino formal e, por consequência, aumento da
formação profissional em nível Médio, à mulher é confiada a função de
ser professora, principalmente das crianças. A razão dessa escolha era
pautada na crença de que a mulher poderia conciliar os afazeres
domésticos com as aulas, tinha o instinto maternal e podia receber um
salário menor do que o dos homens (BRUSCHINI; AMADO, 1988).
A mulher poderia, assim, ter um emprego público que oferecia
algumas vantagens, pois, apesar do salário pequeno, era um serviço
estável, que não previa constantes avaliações (BRUSCHINI; AMADO,
1988).
Sobre os conteúdos do magistério, as leituras e atividades
realizadas, as professoras relatam:
No magistério a gente estudava muito aqueles subsídios de língua
portuguesa, de matemática. Era muita cópia, muito seminário. Eu
lembro mais desses subsídios, era subsídio da Educação Infantil... A gente
fazia muita cópia. Copiava. Novidade não tinha nenhuma. (Professora
Rose).
Eu lia livros de autores famosos, nós tínhamos que fazer biografia,
resumos, nós tínhamos que prestar muita atenção nas aulas porque tinha
que fazer o estágio. (Professora Débora).
192
A gente estudava aquela lei 9000 e pouco [provavelmente a professora
está se referindo a Lei de Diretrizes e Bases 5692 de 1971 (BRASIL,
1971)], eu não lembro o número da lei. (Professora Dora).
E a nossa teoria da época era muito.... Como que eu posso falar? Era
assim: textos, textos e textos enormes, e na hora tinha que responder, e
tinha que ser com as mesmas palavras do texto. Líamos sobre o Piaget,
Rousseau, Montessori... (Professora Paula).
Tudo o que o aluno fosse responder numa prova ou num exercício tinha
que ser exatamente com as mesmas palavras que estavam no texto. Não
podia mudar nada, não podia pôr com as suas palavras, do jeito que o
aluno tinha entendido (Professora Paula).
As professoras dizem ter estudado os subsídios, a lei que,
provavelmente, é a Lei de Diretrizes e Bases. Vale destacar como era
proposto o aprendizado na formação: cópia, respostas iguais às do texto,
usando até as mesmas palavras.
Ao serem questionadas sobre o que estudavam e quais leituras
faziam, as professoras relataram a discrepância entre o que aprendiam na
teoria com o que aprendiam na prática, principalmente em relação à
alfabetização. A professora Rose conta, quando questionada, se aprendeu
a alfabetizar no magistério:
193
Não, não aprendi nada, fui aprender na prática. (Professora. Rose).
Agora eu vou dizer uma coisa para você, o que eu aprendi foi na prática.
O magistério me deu base, mas pouca base. O que você vai aprender
mesmo é na prática. (Professora Débora).
Eu acho que tive muito pouco. O magistério, na minha época, você ia
adquirir prática mesmo era dentro da sala de aula, porque o conteúdo
não tinha muito a ver, como você trabalhar na sala de aula. (Professora
Maria).
Como eu aprendi a dar aula? Dando aula mesmo!
É aqui! Na prática! (Professora Paula).
Nessas narrativas, as professoras dizem ter aprendido muito
pouco no magistério. Não apresentam nenhuma teoria aprendida, nem
referências à prática. Apesar disso, Paula afirma, em outro momento,
como aprendeu a alfabetizar no magistério:
No magistério eu aprendi a alfabetizar a forma que... de ficar repetindo,
sempre repetindo as coisas.
Falavam da cartilha Caminho Suave. Cantar musiquinhas. Contar
história. Fazer desenhos, associar desenhos às letras, ao alfabeto, mas não
dizia trabalhe o alfabeto”. Pegava uma letra do alfabeto, ilustrava
aquela letra, contava uma história. Mas nunca assim, o nome das letras.
Eu me lembro que não aprendi o nome do alfabeto e os nomes das letras.
Era assim mais, como eu posso falar, não era o m”, era o ma” do
macaco. Era assim, sempre tinha história... (Professora Paula).
194
A professora Paula comenta que aprendeu a ensinar associando os
desenhos às letras, mas não ensinando o nome da letra, mas o da palavra
correspondente. Em outro momento, a professora afirma que não gosta
de ensinar dizendo para a criança
esse é o m do macaco”, que é o modo
como a ensinaram no magistério, mas que prefere ensinar o nome das
letras, sem fazer associação com uma palavra e imagem. De uma maneira
ou de outra, o que está no cerne da questão é o ensino da letra.
Assim, a formão das professoras em nível Médio não foi
considerada como relevante para aprender a alfabetizar; no entanto, o
estágio foi lembrado por todas como uma maneira de estar em contato
com o trabalho docente.
A seguir apresento algumas narrativas sobre a formação em nível
superior.
Formação em Nível Superior
A formação em nível superior foi diversificada para as cinco
entrevistadas. A diferença de momento histórico vivido por elas parece
ter influenciado nas variadas formações.
Rose se graduou numa faculdade presencial e privada. Maria,
Dora e Débora em faculdades à distância oferecidas pelo Governo, o
PEC. Paula também completou o ensino superior na modalidade EAD,
porém, em uma instituição privada. Em relação a uma segunda
graduação, Maria também cursou a faculdade de Direito.
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96), todos os
professores das séries iniciais do Ensino Fundamental devem possuir
195
nível superior. Essa é uma exigência que nunca havia sido proposta;
portanto, os professores desse nível, na sua grande maioria, eram
formados somente em nível Médio. Como havia (e ainda há) muitos
professores sem a graduação, foram necessárias diversas ações para suprir
essa demanda.
Nesse contexto, cursos propostos pelo Estado e, principalmente,
pela iniciativa privada se alargaram. A modalidade à distância também foi
possibilitada pela LDB e, assim, foram criados muitos cursos tendo como
foco o ensino da Pedagogia (GIOLO, 2008).
A professora Rose ingressou na faculdade de Pedagogia logo após
o término do seu magistério. Provavelmente, por ser a professora mais
nova das entrevistadas, ela viveu em uma época (final da década de 1980)
em que se começava a se disseminar os cursos de nível universitário. Nas
palavras dela:
Eu terminei o magistério e fui fazer a faculdade de Pedagogia, logo em
seguida. Eu saí. E já fui.... Eu achei muito cansativo! Tive professores
bons, a dona Aparecida Poso, era de Didática. Eu gostava mais da parte
de didática. E a gente leu bastante também, sobre Vygotski... Wallom,
Então, na aula da Cida, que era didática, ela dava os tópicos para a
gente e ia falando, falando e eu anotava tudo a fala dela, porque daí na
prova ela deixava consultar o caderno e quem tinha os tópicos, quem
anotava a fala dela ia bem na prova. Mas também falava sobre as
teorias. (Professora Rose).
Além de narrar sua entrada na faculdade, a professora Rose conta
que esse foi um período cansativo e considera a didática como matéria de
destaque.
196
A professora Maria narra que, apesar de ter iniciado na faculdade
presencial e particular, mudou mais tarde para o PEC (Programa de
Educação Continuada, validado como nível superior), assim não
precisava pagar:
Eu cheguei a fazer a faculdade na Braz Cubas, a Pedagogia, aí o governo
lançou a faculdade para os professores que não tinham, que é essa que eu
fiz, o PEC. Então eu pensei:
Por que eu vou pagar uma faculdade se eu vou ganhar uma do
governo? Daí eu parei na Brás Cubas e fiz a faculdade do PEC, que o
governo deu de graça, e eu estudei na UNESP, que era por lá. Daí sim, o
conteúdo foi maravilhoso, foi rico! Em comparação com a Pedagogia que
eu estava tendo em uma universidade particular foi totalmente diferente,
muito diferente. Eu achei interessante é que eles trabalharam história da
educação, que vem de lá... como eram os professores antigos, como era
vista a educação antigamente. Depois que você estudou toda parte de
história da educação, eles foram desenvolvendo por matéria, começaram,
português, tudo sobre a área de português até como ensinar. Matemática,
como você pode ensinar a matemática. História, geografia, arte, educação
física, eles abrangiam todas as matérias, que eu acho que devia ser em
todas as faculdades de Pedagogia. (Professora Maria).
O PEC foi um programa especial do Governo do Estado de São
Paulo para a formação de professores das séries iniciais do Ensino
Fundamental que, até então, tinham o Ensino Médio como formação
única na área (ALMEIDA, 2005; GATTI, 2008). Ele foi criado como
um programa de formação continuada, pois foi oferecido somente aos
professores que já atuavam na rede pública estadual, e conferiu um
diploma em nível superior para suprimir a exigência da LDB 9.394/96.
197
Desenvolvido em 2001 e 2002 por três universidades, USP,
UNESP e PUC, o PEC ofereceu formação universitária para 7.000
professores efetivos de 2.000 escolas (ALMEIDA, 2005). Essa formação
era semipresencial, ou seja, parte dela foi oferecida pela educação à
distância.
Além da professora Maria, as professoras Dora e Débora também
participaram do PEC:
Eu só fiz o PEC em 2002, 2001. Pelo Governo, aí eu voltei a estudar. A
aula não era bem presencial, era com a tutora, tinha tutora.
Videoconferência. Era através de videoconferência. (Professora Dora).
Ah, eu fiz porque tinha que fazer. Eu fiz o PEC, comecei em 2000...
2001. O PEC me deu uma base, mas eu acho assim que o Letra e Vida
me aprofundou mais. O pessoal mete o pau, mas eu gostei. (Professora
Débora).
Podemos observar que, em seu relato, a professora Débora vai
além em sua percepção do PEC ao contrapor o mesmo, embora não haja
uma ponte direta entre os dois programas, em relação ao Letra e Vida
(SP), no qual ela afirma ter aprofundado mais os seus conhecimentos.
Fato este que nos aponta para a possibilidade de que, provavelmente, essa
percepção tenha sido despertada na professora por conta dos conteúdos
voltados para o construtivismo, linha de pensamento guia do Letra e
Vida (SP), que deve ter sido trabalhado na universidade e,
posteriormente, no programa.
A professora Paula foi a única que fez a faculdade privada e à
distância. Segundo Giolo (2008), o ensino superior se efetiva no Brasil
198
em 2000, primeiro pelas universidades públicas e, depois, pelas privadas.
Atualmente, o modelo de ensino é largamente oferecido pelo setor
privado, principalmente para os cursos de Pedagogia, Normal Superior e
Administração.
Esse acontecimento foi proposto e assegurado pela LDB 9394/96
no artigo 80, que propõe o incentivo do Poder Público à educação de
todos os níveis e às modalidades de ensino, incluindo a educação
continuada. Mais tarde, outros Decretos foram propostos para guiar o
ensino EAD (Decreto nº. 5.622, de 19 de dezembro de 2005 e o Decreto
nº. 6.303, de 12 de dezembro de 2007).
Giolo (2008) critica esse aumento exacerbado da educação à
distância, pois afirma que um professor aprende a lidar com aspectos
inerentes a sua prática no ambiente da sua formação. Por exemplo, a
autonomia e a desinibição só podem ser apreendidas pelas relações
pessoais. Isso significa que o professor pode aprender conteúdos, por
intermédio das tecnologias à distância, mas não pode aprender aspectos
fundamentais para ser professor.
Paula narra sua experiência:
Fui fazer faculdade tarde na UNOPAR a distância, porque é aquilo que
eu volto a falar. Todo mundo sempre cobrou de mim:
- Vai fazer faculdade.
- Mas escuta, eu não quero fazer faculdade porque eu quero dar aula
aqui. Do jeito que eu estou, para mim está muito bom. Para que fazer
uma faculdade, o que eu vou aprender? Ainda tinha que viajar todo dia
para Mogi (SP). Até que municipalizou, acabou a nossa alegria, fechou
tudo. Depois eu fui para Mogi. Nessa vida de ir para Mogi todo mundo
ficou me falando:
199
- É, porque tem que fazer faculdade, porque tem que fazer.
- Já que eu estou em Mogi mesmo, vou fazer então... Mas,
sinceramente, tem coisas interessantes, mas ainda não mudou para mim
quanto ao trabalho na sala de aula. Porque o que eu aprendi na
faculdade é o mesmo que eu aprendi com o Letra e Vida. Eu aprendi
muita coisa com o Letra e Vida, e vi de novo na faculdade. (Professora
Paula).
Portanto, apesar da formação em diferentes perfis de instituições,
as entrevistadas materializam as diretrizes educacionais de um contexto
social e histórico marcado por uma formão à distância, da qual, apesar
dos estudos já apresentados, ainda há poucos indícios da repercussão no
ensino.
Sobre os conteúdos estudados e, especificamente, sobre a
alfabetização, as professoras comentam:
Eu estudei história da educação, Português mesmo, tipos de texto,
Literatura, Matemática... aprendi bastante coisa de Matemática. Como
que a criança pode pensar, como desenvolve o raciocínio, a parte
pedagógica também.
Sobre alfabetização, na época quando eu já fiz, estavam falando do Letra
e Vida. Não era bem o nome Letra e Vida, era PROFA. Falavam muito
pouco. Falavam que existia, já pegavam como é que a criança aprende,
como é que a criança vai desenvolvendo a escrita, o sistema da escrita...,
mas era muito superficial. (Professora Dora).
A professora Dora comenta o que estudou na faculdade e faz
menção ao Letra e Vida (SP), evidenciando uma das premissas do
construtivismo que faz, segundo Mortatti (2000, p. 266-267):
200
[...] uma revolução conceitual” em relação às concepções
tradicionais sobre alfabetização, passando a demandar, por um lado,
conceber-se: a língua escrita como um sistema de representação e
objeto cultural [...] e não como código de transcrição de unidades
sonoras nem como objeto escolar; sua aprendizagem como conceitual
e não como aquisição de uma técnica, ou seja, como um processo
interno e individual de compreensão do modo de construção desse
sistema, sem separação entre leitura e escrita e mediante a interação
do sujeito com o objeto de conhecimento; [...]. Por outro lado,
demanda abandonar-se a visão adultocêntrica do processo e a falsa
ideia de que é o método de ensino que alfabetiza e cria conhecimento
e que o professor é o único informante autorizado.
Na continuação de sua narrativa sobre a graduação, a professora
nos conta:
Tive que estudar o Piaget, tive que estudar a Emília Ferreiro, Vygotski.
Vygotski. Eu me baseei bastante no meu TCC sobre isso. O TCC era
sobre aprendizagem, mesmo porque eu sempre fui buscar como que a
criança aprende, como é que a criança sente, o que fazer com a criança
que tem dificuldade de aprendizagem. Estudei Vygotski, Emília Ferreiro,
Piaget, fui buscar isso, mas eu me baseei mais em Vygotski. Sobre
Vygotski, eu aprendi assim, que a criança tem que experimentar...
(Professora Dora).
Sobre as expectativas ao ingressa no ensino superior, a professora
Paula admite que eram grandes. Ela esperava que o curso oferecesse
condições para que o professor atuasse de forma adequada a atender as
necessidades do aluno que apresenta dificuldades na aprendizagem.
201
Na faculdade, eu fiquei meio assustada. Eu esperava mais. Eu fui mais
cheia de coisas, eu achei... Não sei o que eu esperava... A coisa pronta.
Acho que tem que ter coisas mais práticas, se estuda, estuda e estuda
muita teoria, mas eu queria a prática. Queria ver, assim, pegar um
aluno, com muita dificuldade e fazer ele aprender. (Professora Paula).
Por outro lado, a professora Maria, diferentemente de Paula,
considerou a faculdade
interessante", pois conseguiu trocar muitas
experiências, aprendeu a ficar mais responsável e recebeu muito incentivo
para a leitura, segundo diz:
O PEC foi legal, me ensinou muita coisa, muita troca de experiência, a
gente viajou, fomos até a UNESP.
A minha coordenadora era de Marília, ela era muito exigente. Eu acho
que foi bom, porque eu era assim muito.... Me fez ficar mais responsável
com as coisas. Eu acho que me ensinou muita coisa. E a troca, você vê as
experiências de outros professores.
Eles incentivavam muito a gente a fazer leitura, como compreender a
escrita da criança. Esse é um dos materiais que eu tenho dó de jogar fora,
é um material todinho do PEC. Não é jogar fora, é que eu estou fazendo
uma limpeza nas minhas coisas que eu estou aposentando, e eu olho para
aquele material do PEC e falo não, esse é muito rico, um dia alguém vai
precisar”. Porque tem coisas pequenas que eu acho que não tem
necessidade, eu jogo fora. Mas esse é um material que eu guardo com
carinho. (Professora Maria).
Ela destaca a qualidade dos materiais oferecidos na universidade.
Apesar de não ser um curso presencial, a professora afirma ter
202
aproveitado a oportunidade para conhecer mais e trocar vivências de
ensino.
Como pode-se notar, as percepções dos docentes são múltiplas e
apontam para diversos aspectos que promovem um exercício de revisão
da própria vivência escolar, sempre indicando para a realidade presente
vivida nas salas de aulas. Neste item foram apresentadas algumas
narrativas sobre a formação em nível superior das professoras. Agora
abordo, no próximo item, a Formação Continuada das professoras
participantes.
Formação Continuada
Considero Formação Continuada os cursos voltados para algum
dos aspectos da educação realizados pelos professores enquanto estavam
em serviço. Somente duas das cinco professoras entrevistadas
comentaram sobre outras formações continuadas que tiveram, além do
Letra e Vida (SP), ao longo da carreira do magistério para as séries iniciais
do Ensino Fundamental. Essas formações foram propostas pela Secretaria
de Educação do Estado de São Paulo ou pela Diretoria de Ensino, à qual
estavam vinculadas.
Por intermédio das narrativas, percebi como as professoras
representam a utilização do construtivismo proposto no ensino estadual
de São Paulo, desde a década de 1980, e, ao mesmo tempo, o que ocorria
- paralelamente - na Diretoria de Ensino.
O Projeto Ipê foi uma das formações elencadas pelas duas
professoras:
203
Ah, tinha o Projeto Ipê também que a gente fez. O Projeto Ipê era mais,
como é que fala, não era prática, era só leitura de texto, só teoria, do
construtivismo. Tinha teleaula, no Deodato. Liamos textos, discutíamos
ali, e pronto, na escola nada. Achei cansativo, porque só tinha leitura.
(Professora Rose).
Ninguém sabia o que era esse Projeto Ipê, e eu não entendia nada do que
eles passavam lá, para eu passar aquilo na prática.
O Projeto Ipê era uma formação. Uma formação que eu não vi sentido
nenhum.
É meio complicado, viu? Era muita coisa que eles falavam, falavam,
falavam e a gente ouvia, ouvia, ouvia… A gente não tinha como pegar
aquilo e passar para o concreto. Trazer aquilo tudo o que eles falavam
para nossa realidade! (Professora Paula).
As duas professoras apontam a formação do Projeto Ipê como
inadequada, principalmente, porque havia leitura e discussão, mas pouca
relação com a prática. Segundo Ambrosetti (1989), o Projeto Ipê foi
proposto dentro de um clima de redemocratizão do país e os
professores procuraram muito essa formação, pois acreditavam que
poderiam ter maiores relações com a área técnico-pedagógica. No
entanto, a representação da memória das professoras relata justamente a
falta de relação com a parte pedagógica.
O Projeto Ipê foi proposto em 1984 com o objetivo de atualizar e
aperfeiçoar os professores e especialistas em educação, por intermédio de
um sistema de multimeios, televisão, rádio, textos impressos e telepostos
(AMBROSETTI, 1989). Propósito este fundamentado em diferentes
estudiosos da educação. Conforme aponta Souza (2006, p. 209-10):
204
Esse material buscou apresentar, em linhas gerais, as concepções
principais sobre a concepção de alfabetização, os problemas ou mitos
em torno do fracasso escolar e as novas perspectivas de trabalho com a
alfabetização. O projeto priorizou também a produção de textos de
fundamentação voltados para a discussão de problemas gerais da
educação brasileira: seletividade da escolablica, fracasso escolar,
democratização e qualidade do ensino, função social da escola
pública, elaboração da Constituinte e democratização da sociedade
brasileira, entre outros. Tais publicações reuniram textos de autores
de renome no campo educacional, reconhecidos como educadores
progressistas”, tais como: Celso Rui Beisiegel, Dermeval Saviani, Luiz
Antônio Cunha, Neidson Rodrigues, Maria Helena de Souza Patto,
Elba Siqueira de Sá Barretto, Luiz Carlos Cagliari, Telma Weisz,
Terezinha Nunes Carraher, entre outros. O material do Projeto Ipê
revela uma forte orientação teórica mediante a difusão de textos de
autoria de pesquisadores. [...] A Cenp valeu-se, nesse primeiro
momento, do discurso e do modelo usados na formação acadêmica,
reproduzindo até mesmo textos já publicados em livros e periódicos
educacionais. Os textos produzidos nesse período (meados dos anos
80) buscam também difundir o ideário de reestruturação curricular
implementado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Segundo estes autores, o Ipê apresenta uma nova estrutura e
organização dos materiais produzidos pela Cenp, pois há uma abertura
maior para as discussões da academia. No entanto, na prática, não se
relaciona com as bases construtivistas como apontam as professoras.
A professora Paula conta que, depois do Projeto Ipê, foi proposto
o Proleste:
Depois de um tempo, mudou. Não falavam do Projeto Ipê, daí veio o
Proleste. Proleste sim, tinha material para o aluno. Foi em 87, 86? Eu
205
me lembro que o Proleste tinha material para os alunos. Eram três livros.
O número um, eu me lembro que não era mais a, e, i, o, u”. Era ba”,
depois o i”, depois o o”, o “e”, o u”...
Eu achei bom, por já vir pronto aquele material para os alunos. Então,
cada criança tinha sua apostila, como se fosse uma cartilha. Um material
feio, não era nada sofisticado. Material simples, mas cada criança tinha o
seu. Tinha o três, que eram sílabas complexas, como eles chamavam, era
mais avançado. E a gente ia trabalhando com eles. Só depois de um
tempo, que eu achei que eu não precisava ficar só nisso. Eu comecei a
tomar um outro rumo, a dar um outro rumo para o meu trabalho.
(Professora Paula).
O PROLESTE (Projeto de Alfabetização da Zona Leste) foi uma
proposição da Diretoria de Ensino, em conjunto com a equipe de
psicólogos da Universidade de Mogi das Cruzes (LEITE, 1985). Esse
projeto se desenvolveu na década de 1970, dentre algumas características
apontadas por Leite (1985), ele tinha:
Caráter cumulativo, ou seja, os conteúdos eram
ordenados dos mais simples para os mais complexos.
Assim, o projeto foi dividido em três fases: (1)
treinamento das sílabas simples, (2) casos de dificuldade e
(3) homofonias.
Respeito ao ritmo de cada criança. Os alunos
passavam por uma fase prepararia e, depois, eram
avaliados, segundo o Instrumento de Avaliação de
Repertório. Dessa forma, logo no início do ano, eram
remanejados conforme o nível de dificuldade.
206
Avaliação constante em cada etapa, de forma que
o professor acompanhava o que o aluno sabia e voltava a
treinar os conteúdos não assimilados.
Feedback constante. O professor deveria corrigir e
devolver cada atividade realizada, com incentivos para o
aluno continuar estudando.
Procedimento básico. De acordo com o qual, os
professores deveriam seguir três etapas básicas: (1)
apresentação de estímulos novos, (2) fixação das novas
respostas e (3) avaliação.
Para que tal projeto se concretizasse deveria haver pelo menos um
encontro semanal dos educadores com a coordenação de um profissional
para desempenhar tal função (LEITE, 1985).
Embora Paula aponte o PROLESTE como sendo realizado
depois do Projeto Ipê, Leite (1985), um dos idealizadores e
implementadores do PROLESTE, afirma que o projeto foi
implementado anteriormente, o que podemos constatar em suas
produções. Como pude observar, também não há relações com as bases
teóricas do construtivismo, como ocorreu com o Projeto Ipê.
Outra formação narrada pelas duas professoras foi o curso
Alfabetizão: teoria e prática, proposta pela Secretaria de Educação do
Estado de São Paulo realizado depois do Projeto Ipê, com os mesmos
pressupostos teóricos embasados no construtivismo de Emília Ferreiro.
207
Eu comecei a fazer Cursos na Diretoria de Ensino daqui, o primeiro foi
Alfabetização Teoria e Prática, que era uma vez por semana aqui na
diretoria e uma vez por mês na PUC. Muito bom!
Era com a base em Wallon, Piaget, Vygotsky. Eu não conseguia trabalhar
com o silabário, eu comecei a trabalhar no construtivismo. Fui a São
Paulo assistir a uma palestra com a Emília Ferreiro, que ela veio para cá,
e aí começou.... Eu fiz o PROFA, o Letra e Vida (Professora Rose).
Eu fiz Alfabetização, Teoria e Prática”. Um ano e meio, não, um ano.
Alfabetização, Teoria e Prática. Nós fizemos com a Mariana, sabe a
Mariana, diretora de escola, uma senhora muito bacana. Eu fiz o Curso,
quando eu estava na Escola Padrão. A Escola Padrão exigia que você
fizesse o Curso. Eu vou fazer então, mais um... Sábado, eu tinha que ir
para Mogi e fazer o Alfabetização, Teoria e Prática. Um Curso muito
bom, muito, muito bom e interessante. Ele trabalhava muito assim
mesmo o concreto. Ele trabalhava com o concreto, e a gente dividia
experiências, ouvia os outros professores, tinha professora que alfabetizava
com uma caixa. Ela ia com uma caixa na escola, e colocava as letras na
caixa, umas histórias bonitas, era um negócio bonito.... Eu lembro que
foi bem interessante, mas ainda assim, ficava naquilo, nesse caminho que
a gente.... Eu acho que estava indo. Abriu a minha cabeça. Com o
tempo, porque antes a gente ficava só naquele fechadinho, naquela coisa,
não podia sair daquilo.
Era falando sobre como um alfabetiza, como o outro alfabetiza, sobre o
que aconteceu, o que não aconteceu.
Paula: Uma troca de experiências! Passou o ano inteiro assim. Também
não veio nada que Opa!” Chamasse a atenção. Porque eu procuro, até
hoje. Eu queria muito achar. Eu queria muito, se tivesse algo só para
alfabetizar, eu queria muito. (Professora Paula).
Diferente do Projeto Ipê, as professoras mostram gostar da
formação proposta pelo curso Alfabetização: teoria e prática, por ele não
208
ter sido teórico, mas sim relacionado à prática. Ainda assim, a professora
Paula pondera que não houve nada que despertasse tanto a atenção da
mesmo que permitisse resolver os problemas da alfabetização. Segundo
Mortatti (2000), essa formação foi posterior ao Projeto Ipê e foi proposta
pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE),
objetivando o esclarecimento e o convencimento dos professores, que se
mostravam resistentes em razão tanto da brusca implantação do Ciclo
Básico, quanto da nova e difícil teoria que o embasa” (MORTATTI,
2000, p. 268).
Conforme apresentado, duas professoras citaram esses cursos de
formação continuada, mas as cinco professoras parceiras da pesquisa
cursaram o programa Letra e Vida.
Modos de ser professora alfabetizadora
Considerando, especialmente, o início da carreira de
alfabetizadoras, as professoras contam como aprendiam com outras
professoras e com o livro didático.
Ninguém me ensinou a alfabetizar, eu acho que fui vendo as experiências
de um e outro, tirando as minhas próprias... eu fui tirando aquilo que
não era legal, que não funcionava e fui adaptando. (Professora Débora).
Eu vi os cadernos. Tinha alunos da escola que não estavam alfabetizados
que ela tinha conseguido alfabetizar. Então eu vi no concreto, eu vi, só
que eu não tinha, ela disse eu te ensino”, mas eu não tinha segurança,
porque você tem que ter segurança. (Professora Débora).
209
Eu dava aula do jeito que eu sabia. Do jeito que eu aprendi com a outra
professora. O primeiro ano, quando eu peguei a 1ª série, eu seguia essa
professora, Maria Aparecida, que era professora do meu filho mais velho.
O que ela fazia, eu fazia na minha sala. E assim eu fui. Inclusive,
naquele ano, eu não consegui trabalhar todas as letras. As palavras
compostas, sílabas compostas, como a turma falava. (Professora Dora).
Quando eu fui como estagiária, lá em Suzano (SP), eu via as outras
professoras ensinando, através do nome, com letra de forma. Eu ia
pegando uma coisinha de cada uma, mas não tive a informação [sobre o
construtivismo] nem no magistério, nem na faculdade. (Professora Rose).
[...] tinha uma professora lá na escola, a Regina, uma excelente
professora, que ela também me ajudava. Ela passava as atividades para
mim, eu me dediquei tanto que nesse ano, era uma hora da manhã e eu
estava fazendo estêncil, na época do estêncil. (Professora Maria).
Fui tradicional durante muitos anos e eu me vi à frente com o
construtivismo, em 1995, só que eu já conhecia alguma coisa, mas uma
professora foi trabalhar na escola, inclusive, ela era daqui, se aposentou
aqui, Roberta. Ela é uma professora construtivista pura, então, eu vi o
construtivismo puro, puro, puro. Então, eu olhava aquilo, via os
cadernos, eu vi que deu resultado, então, foi uma coisa que começou a me
chamar atenção naquela época. Ela deitava as crianças na sala para
ensinar as partes do corpo, desenhando, trabalhando só com a letra de
forma maiúscula. E uma professora veio para mim e disse: como é que
uma criança aprende desse jeito?” E a gente lá no a” “e” “i” “o” “u”. ba,
be, bi, bo, bu. Continuei com o método tradicional, mas aquilo ficou na
minha cabeça. (Professora Débora).
210
Rose, Maria e Débora explicam como aprenderam observando
outras professoras mais experientes. Rose comenta algumas ações que as
professoras denominadas construtivistas faziam: ensinavam a partir do
nome e com letra de forma. O ensino da escrita com letra de forma
maiúscula é proposto na coletânea de textos do módulo 1. Como aponta
a equipe Pedagógica do Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores (BRASIL, 2003a, p. 2),
o uso da letra de forma
maiúscula é o mais recomendado, pois suas características permitem que
eles analisem as letras separadamente, distinguindo-as umas das outras
com facilidade”.
Eu fiquei três anos naquela escola com primeira série. Meu primeiro ano
de primeira série foi assim muito legal, porque eu fui estudando de que
maneira que eu ia apresentar, que jeito que eu tinha que começar. Então,
eu fui buscando, fui me moldando:
Agora eu quero aprender a alfabetizar. Ia lendo os livros didáticos
porque na época era o que a gente tinha.
Eu sabia que o início para alfabetizar era a apresentação do alfabeto.
Então eu lia lá toda a parte do objetivo, o que você ia alcançar com
aquilo. Eu ia lendo, porque o livro do professor vem todos aqueles
esquemas aonde ele vai explicando para você. (Professora Maria).
Sobre o livro didático, Geraldi (1993) assevera que, por meio da
difusão em larga escala do material didático, foi possível a mudança de
condições de trabalho docente: facilitou a tarefa do professor; diminuiu a
responsabilidade pela definição do conteúdo de ensino, ofereceu até as
respostas, a partir do guia do professor; permitiu a esse profissional elevar
o número de horas trabalhadas; já que parte do seu trabalho é realizada
pelo livro didático.
211
Geraldi (1993) conclui que as condições do trabalho em sala de
aula são imprevistas, mas, apesar dessas condições, com a difusão do uso
em larga escala do material didático, muitos professores o utilizam como
se fosse a única verdade e possibilidade existente.
A professora Maria comenta que sabia que a alfabetização
começava pela apresentação do alfabeto. Segundo Cagliari (1998), o
ensino da alfabetização a partir do alfabeto é o mais antigo, denominado
método sintético. No entanto, há outras maneiras de iniciar a
alfabetização, tendo em conta a palavra, por exemplo, ou até mesmo o
texto.
Para alfabetizar, as professoras narram os diferentes modos:
De todos esses anos, 19 anos só com primeira série, eu alfabetizei de
várias maneiras. Tudo assim, eu enfrentei, olha, alfabetizei tudo com a,
naquele método tudo com a. Esse tipo de alfabetização ele é muito bom
para classe com muita dificuldade para aprender. Alfabetizar com o
normal ba”, be”, bi”, bo”, bu”, mas de diferentes formas porque
tinha ano que eu começava pela ordem alfabética, tinha ano que não,
não quero começar pelo ba” porque é muito difícil, vou pegar uma
letra lá do l”, do m””. Eu buscava letras variadas e iniciava e depois eu
ia, eu achei esse aí muito bom. Tudo dependia, eu mudava minha
alfabetização, de acordo com os alunos. Quando eu entrava na sala, que
eu conhecia o aluno e via a necessidade, de que eles precisavam, era a
maneira como eu ia trabalhar com a classe. (Professora Maria).
Eu acho que o alfabeto é a base de tudo. Eu começo nele, primeiro tem
que oferecer material para a criança, e estimular. Contar historinhas que
agradem, escolher as histórias muito bem. Acho que não pode ler por ler.
Tem que escolher histórias que interessem, tem que começar a sentir
212
vontade. Eles sentem vontade de saber o que é aquilo que você está lendo,
dar aquele livro na mão do aluno, para ele folhear, ver as figuras:
Olha quanta coisa tem aqui para você! Basta você aprender a ler. - Eu,
na sala de aula, sempre uso como base o alfabeto. O alfabeto, e o som de
cada letra. Eu gosto muito de trabalhar o som, que cada letra tem o nome
e o som. Eu ensino o nome da letra e o som daquela letra. Se eu pegar
aquela letra, juntar, e pego as vogais:
As vogais são as meninas. As meninas falantes, barulhentas! Elas vão
ajudar os meninos, irmãos, que só falam, que tentam falar, eles têm som,
eles querem falar e não conseguem. As meninas ajudam os meninos a
falar. As meninas que têm que ajudar. - Vem a menina, eu passo o que
são vogais, mas eu trato elas como meninas. Então são as meninas
barulhentas, que é o A”, o E” e o I”, mas não o A, E, I, O, U”, não.
É o A”, eu vou com o O”, eu vou com o U”, nada de A, E, I, O, U”!
Não! Isso, não funciona! Tem que conhecer quem é um, distinguir um do
outro, depois disso vem juntando com as consoantes. E essas consoantes eu
falo com os meninos. Meninos que querem falar e precisam de ajuda, às
vezes. E vamos juntar: Como é que vai ficar? - A criança começa a
perceber que tem o som e que vai juntando. Três sílabas, três, quatro
letras do alfabeto que a criança começa a entender que juntar como uma
vogal para ir formar alguma coisa, o resto vai sozinho. Ele vai sozinho.
Tem que entender direitinho, tem que entender de verdade. E outra, não
precisa ser na ordem, é a letra que eu acho interessante para aquele
grupo. Eu gosto de pegar muito, por exemplo, os nomes das salas. Teve
uma época, que eu trabalhei em uma sala, em zona rural, bem em bairro
rural, tinha muita criança com R”, então vamos lá no R”. Era
Robson”, Rogério”, era bastante gente com R”. Pegando esse R”,
juntando e vamos lá. Eles foram fazendo essa associação. Já comecei com
X” da Xuxa. E nossa! Por que começar pelo X” da Xuxa? As crianças
adoravam a Xuxa. E era muito fácil, o X” é muito fácil. O F” é muito
fácil. O X” é muito fácil. Difícil, é o C, G. Como que você vai dizer que
ele não é “C”, que ele é “Ca”. Como que você vai dizer que o G” não é
“G”, que é “Ga”. A nossa língua portuguesa é muito complicada. Eu acho
muito complicada! Então porque não tira o C” e deixa o C” como C”
213
e o K” como K”, já que tem o K”, não é? Mas não! Eu acho muito
complicada! Mas eu percebo que a criança, ela vai entendendo que a letra
tem som, e eu preciso fazer esse movimento com a minha boca, esse
movimento, aquele som, aquela letra, eles vão olhando o alfabeto, vão
juntando... (Professora Paula).
Eu comecei, depois que eu comecei a alfabetizar, cada ano, eu comecei a
pesquisar, mudar a minha metodologia, eu achava que, seguir igual ao
primeiro ano não dava certo. Acho que eu fiz isso uns dois anos, depois a
minha filha entrou na escola, a professora Maura começou a ensinar só
assim ba”, ca” “ta, na”
Que nem daquela pata nada. Mas eu nunca segui uma cartilha.
Comecei a ensinar isso. Nossa, isso funciona. Em 04 meses, minhas
crianças estavam lendo. Lendo e escrevendo com letra de fôrma, não, com
letra de mão, manuscrita. Eu falei: - Nossa, tem coisa mais gostosa de
ensinar?
Aí eu comecei a ensinar isso. Quando a criançada começou a aprender,
entender o sistema de escrita, aí introduzia as familinhas” o da” “de”
di do du... daí eu já dava tudo desde o ba” até o za”, mesmo as sílabas
compostas.
Trabalhava o carreirão. Mas eu nunca fiquei falando para eles fazerem
todos os dias o ba, be”, bi”, bo”, bu”. ca” “co “cu”, eu sempre
deixei um cartaz com esse carreirão que a turma fala. E ali, eu ditava, eu
não ensinava assim as famílias semânticas, as palavras semânticas, da
mesma espécie. Eu sempre usei assim, poucas palavras, algumas palavras,
ou alguma coisa, não sei. Por exemplo, só usava palavras com a letra B”.
É, usava bela”, aí eu mostrava no carreirão:
- Ó o be” aqui, o la” lá. eu juntava as sílabas e assim a criançada ia
aprendendo rapidinho. (Professora Dora).
214
Todas as formas de ensinar que a professora mencionou, partiam
do mesmo pressuposto, ou seja, do ensino baseado na sílaba das palavras,
na crença de que, para ler e escrever, basta saber as sílabas simples e
complexas e jun-las, formando, assim, palavras, frases e textos.
Para Weisz (BRASIL, 2003a), esse tipo de trabalho, organizado
em cartilha, está baseado em uma concepção empirista de ensino (de
estímulo-resposta). Para a autora:
A função do material escrito numa
cartilha é apenas ajudar o aluno a desentranhar a regra de geração do
sistema alfabético: que b com a dá ba, e por aí afora” (BRASIL, 2003a, p.
1).
Smolka (2003, p. 35-36) amplia a discussão ao fazer a análise de
uma professora que alfabetiza por meio das sílabas: quando se refere
especificamente à linguagem escrita, a professora revela uma concepção
de linguagem e uma concepção de aprendizagem que vão influir
diretamente no seu modo de ensinar: ela apresenta a escrita como uma
mera transcrição da fala”. A professora acredita que basta ensinar a
família silábica para que o aluno aprenda. O contexto social da escrita
não é levado em consideração: primeiro, se aprende a escrever para,
depois, escrever
de verdade”.
Outra narrativa sobre o modo de alfabetizar utilizado é da
professora Débora:
Quando comecei a alfabetizar eu era tradicional. Usava uma cartilha
Convite à Leitura”. Eu usei várias. Mas eu lembro da Convite à
Leitura. Ela tem uns textinhos mais curtos. Eu era bem tradicional
mesmo, eu achava que tinha que ser com a, e, i, o, u, ba, be, bi, bo, bu.
Para formar o bebê era o b. B da babá. Bo do bolo, bu do bule, era
assim, desse jeito.
215
Esse jeito de ensinar funcionava sim. É uma coisa que a gente fala hoje,
só que naquele tempo não eram todas as crianças que iam para a escola.
Tinha isso também. Eu fui alfabetizada pela Caminho Suave. O pessoal
hoje mete o pau na Caminho Suave, não tem que meter, foi a primeira
cartilha. A maioria dos brasileiros foi alfabetizado pela Caminho Suave,
da Branca Alves de Lima. Até fizeram uma homenagem faz pouco
tempo. Eu tinha a cartilha, depois acabei até dando, podia ter guardado
porque hoje ela é até cara para comprar. Mas eu usei várias. Tinha uma
que não começava com a lição do ba, começava com a lição do pa, qual
que era? Me foge o nome agora.... Mundo Mágico. A cartilha do Mundo
Mágico. Usei todas, todas que você pode imaginar, eu usei. (Professora
Débora).
Débora narra sua forma de alfabetizar centrada na cartilha, no
método tradicional. Da mesma forma como foi alfabetizada pela cartilha
Caminho Suave. Como ela mesma afirma, usou todas” e considera que
os alunos aprendem com esse método tradicional, mas, como a professora
também observa, não eram todos que iam à escola e, consequentemente,
nem todos eram alfabetizados.
Sobre o não uso da cartilha como livro didático, Smolka (2003)
faz algumas observações interessantes. Para ela, o livro didático é
apresentado ao aluno como uma
fonte de conhecimento do mundo”,
em lugar de ser apresentado como um dos objetos de conhecimento no
mundo.
As atividades de leitura e escrita baseadas no livro didático são
totalmente desprovidas de sentido e alheias ao funcionamento da língua,
contrastando violentamente com as condições de leitura e escrita das
sociedades letradas e da indústria cultural do final de século XX
(SMOLKA, 2003, p. 17).
216
Quando questionadas sobre qual é a melhor maneira de
alfabetizar, as professoras relatam:
O melhor jeito de alfabetizar é através de textos, parlendas, textos que a
criança já sabe de cor, com o alfabeto móvel, não só dentro da sala de
aula, leitura diária, dramatizações, usar todos os recursos que a gente tem
na escola, ouvir histórias. (Professora Rose).
Pela narrativa, parece que ela não concebe e não tem em sua
prática uma atividade de alfabetização com uma cartilha e as famílias
silábicas. Um exemplo de uma atividade realizada pela professora em
uma turma de alfabetização é mostrado no trecho a seguir:
Essa semana das mães eu dei para o primeiro ano uma quadrinha: Sou
pequenininha do tamanho de um botão, levo o papai no bolso e a mamãe
no coração, - e perguntei para as crianças se elas sabiam o que estava
escrito na lousa. Uma delas falou que aquela primeira palavrinha sou”,
ela não falou sou”, mas ela falou que parece com a palavra sol que eu
coloco no calendário. Faz o desenho do sol e escreve sol embaixo, então ela
associou a palavra sou e sol e daí eu falei para eles:
Vocês conhecem alguma palavrinha que está aqui? Alguns conheceram a
palavra mamãe, papai. Eu falei: É uma quadrinha, a gente vai ler e
acompanhei com eles:
Sou pequenininha... Pedi para eles circularem a palavra papai,
mamãe, coração. Falei do til. Perguntei: O que é aquilo em cima da
letra? Uns falavam:
É uma cobrinha Uma menina, a Jéssica, falou que era o til. Eu
expliquei que era o til, não irmão da mãe, mas um acento. Depois eu
peguei tiras da quadrinha e coloquei na mesinha para eles montarem, eu
217
apaguei da lousa. Eles conseguiram montar, pela primeira letra, eles
foram montando. (Professora Rose).
Algumas práticas vão para além da crença que para se alfabetizar
basta ensinar as letras e seus sons, a junção das letras… e consideram os
contextos locais e sociais, os materiais disponibilizados, as possibilidades
concretas de educação e que ler e escrever fazem parte da sociedade. A
professora Paula, por exemplo, incentivava as suas colegas a fazerem
atividades mais complexas com as crianças, pois tinha percebido que os
alunos aprendiam além do esperado por ela:
Elas [as crianças] iam além daquilo que eu ensinava. Talvez por ser sala
multiseriada, ter muito mais coisas, eu percebi que a criança, elas tinham
condições de aprender mais coisas, que eu não precisava ficar naquela
coisa fechada. Eu falei:
Não gente, preste atenção, a criança pode muito mais, ela tem
condições de muita coisa. É só dar muita coisa. Davam coisa muito
simples. Foi quando começamos a fazer ficha de leitura, pegamos os livros
velhos:
Vamos fazer ficha de leitura! - Porque não tinha livros. Eu ficava
doida, imagina pegar um livro de leitura que nem a gente tem hoje no
acervo. A gente começou a fazer fichas de leitura. Recortava dos livros,
colava em folha de cartolina, e eram as fichas de leitura. A criança
pegava aquela ficha de leitura.... Acontecia o seguinte: tinha professor que
não entendia:
O meu aluno não sabe ler isso daqui. Por que eu vou dar uma ficha
dessa para ele?
Eu falei:
218
Gente, nós não podemos pensar assim, que a criaa vai ler aquilo que eu
dou para ela e pronto acabou, fechou, guardou! Não! Nós temos que abrir
e dar outras coisas. Vamos ver o que essa criança pode fazer, qual será a
resposta! (Professora Paula).
Com isso, apesar da professora afirmar, em outro momento da
entrevista, que ensina a ler e escrever as letras e sílabas, ela proporciona
outros momentos em que a criança pode ter contato com os textos
escritos. Na oportunidade, criou as fichas de leitura, recortando e
colando textos: na época da entrevista, utilizava-se a variedade de livros
oferecidos pelo Governo estadual, por intermédio do programa Ler e
Escrever.
A crença, nascida da própria experiência, de que os alunos eram
capazes fez com que a professora proporcionasse atividades variadas com
a leitura e a escrita. Da narrativa, é possível inferir a concepção da
professora sobre a capacidade da criança.
Aparentemente, a percepção que Paula teve da sua própria prática
fez com que mudasse seu modo de ser: de uma professora que entrou
reproduzindo o que propunha um projeto (no caso citado, o Proleste) a
uma professora autônoma, responsável pelas estratégias de ensino que
considera como seu jeito de ensinar. Ao responder como trabalha com a
leitura, a professora afirma:
Era interessante o trabalho com a leitura. Porque na escola rural, a gente
tinha muito espaço. Quase não ia na sala de aula. Ia lá fora, então cada
um ia aonde queria. Era um sentado no barranco, outro sentado no
tronco de árvore, cada um ficava onde queria, pegando essa ficha. A gente
colocava essas fichas num balaio, num balainho que eu ganhei! O homem
219
fez de palha, eu achava lindo aquele balaio! Colocava todas as fichas no
balaio e:
Vamos sair! Saía nos arredores da escola, cada um ficava lendo. E um
lia para o outro. O que sabia ler, lia para o que não sabia. Eu via a
carinha dele ouvindo a leitura do outro:
Vamos trocar. Tenta você ler, também. Vou acompanhar. O que você
sabe ler?
A gente já começava... Eu sentia que podia estar puxando. Entendeu?
Esse processo de leitura foi.... Eu via que o processo de leitura acontecia.
Eu percebia que a criança tinha primeiro autonomia na leitura para
depois ter na escrita. (Professora Paula).
Modos de ser professora depois da formação do Letra e Vida
As professoras entrevistadas foram convidadas a narrarem suas
considerações sobre o Letra e Vida.
Quando comecei a alfabetizar seguia os livros didáticos, mas eu gostava
de fazer algumas coisas diferentes, não ficava só dentro da sala de aula!
Quando eu fiz o Letra e Vida é que eu comecei a aplicar mais o
construtivismo. Trabalhar com parlendas, trabalhar com os textos, dos
textos a gente tira as palavras, a gente trabalhava a palavra, que nem eu
faço agora, trabalho com o alfabeto, com o nome deles. (Professora Rose).
Veja bem! Eu vejo assim: eu fiz o Letra e Vida e acho que enriqueceu
meu trabalho, mas eu acho que não existe o novo, sem o tradicional.
Porque eu acho que o tradicional é tudo na nossa vida, é tudo. A nossa
escrita vem, ela tem uma norma: você reconhecer as letras, juntar elas;
mostrar a sílaba; da sílaba a palavra; da palavra a frase, e assim vai para
220
o texto e vai... assim é uma consequência, vai indo! Agora, do jeito que eu
vejo hoje, eu me decepciono. (Professora Maria).
Na época que eu trabalhava com a dona Cidinha Soligo, que a filha
dela, a Isaura, trabalhava no Letra e Vida, ela passava muita experiência
para gente de como trabalhar com a sala e tinham professores que o dia
que ela não aparecia na escola, eles davam o carreirão, o silabário. Um
dia ela veio sem anunciar e a professora virou o cartaz para ela não ver,
mas ela percebeu, então ela falava que ela mesclava. Eu acho que não
tem essa de mesclar! Porque esse carreirão não tem significado para
criança, ele só vai robotizar, e eles teimam em falar que aprende sim, mas
eu não acho que aprende, a criança memoriza. E foi muito engraçada
essa situação dela virar o cartaz! Mandava para casa também. Quando a
diretora estava, ela dava atividade do Letra e Vida que eram de
completar, colocar a letrinha, as iniciais, finais, com o alfabeto móvel. E
quando a diretora não estava, ela mandava o silabário para a criançada
copiar, o ba” “be” “bi” “bo” “bu” para casa que assim a diretora não ia
ver. Ela estava enganando ela mesma. (Professora Rose).
Algumas narrativas relevam que nem sempre basta ter uma
formação para que a concepção e a ação docente mudem. Apesar de ser
justificado no programa Letra e Vida (SP) que o professor não deve
trabalhar com as famílias silábicas e apesar da cobrança da escola para que
os professores assumam as propostas do Letra e Vida (SP) e Ler e
Escrever (SP), nem todos os professores deixarem de ensinar usando as
famílias silábicas.
Parece que, para essas pessoas que partem da premissa de que a
melhor maneira para alfabetizar é a partir das sílabas, o construtivismo
não faz sentido e, como “é imposto” que trabalhem a partir dele, alguns
221
professores mentem sobre o seu trabalho, realizando de maneira velada o
que acreditam.
Rose fala do início da sua profissão e do uso do livro didático,
mas propondo outras atividades também. Afirma ter sido com o Letra e
Vida (SP) que começou a mudar mesmo sua prática e a trabalhar com
parlendas, textos, alfabeto e o nome das crianças. De fato, todas essas
atividades são propostas nas coletâneas de texto. Apesar de considerar ter
uma prática diferente depois do Letra e Vida (SP), a professora não
justificou a razão de realizar essas atividades e não outras, mas afirma que
as crianças constroem a escrita.
Uma das questões mais comentadas sobre as práticas depois da
formação do Letra e Vida e do Ler e Escrever foi o trabalho com a leitura:
Eu leio para eles todos os dias, e a gente conversa sobre o texto. Esses dias
eu li uma historinha do Joelho Juvenal. Quando o joelho ficou adulto, o
menino ficou adulto e o menino usou calça, eu perguntei para eles:
Por que será que o joelho do menino ficou escondido? Agora ele não
mais nada!...
Daí um deles lá falou:
Porque ele cresceu!
Então a criançada é esperta, não dá para a gente ficar com uma coisa
sistemática, eles têm que estar em atividade.
Quando eu fiz o Letra e Vida que eu comecei a aplicar mais, porque eu
tinha medo, a maioria dos professores que eu via tinham medo de
trabalhar com o construtivismo, porque era uma coisa nova, então
acabava sempre misturando; mas eu não, eu acho que não tem
significado nenhum as sílabas soltas. (Professora Rose).
222
No início, eu trabalhava pouco com a leitura... como eu trabalhava com
a leitura, era a apresentação da escrita. Uma das coisas que você não
tinha na época, que hoje eu vejo que está mais diferente, é o incentivo à
leitura, sem ser a parte da alfabetização, naquela época não! Você até lia
uma historinha ou outra para a criança, mas era assim uma vez por
semana, uma horinha ou outra. Hoje não, hoje você procura fazer a
criança entender que ela precisa aprender a escrever e que ela precisa ler,
buscar a leitura de outras coisas. No começo, quando eu comecei a
alfabetizar não tinha isso, então a leitura era baseada na alfabetização,
era o que eu punha na lousa, fazia ler bastante, mas não como hoje, de
uns anos para cá, eu mudei. (Professora Maria).
Eu mudei bastante depois do Letra e Vida. O Curso do Letra e Vida foi
bom! Eu acho assim: que ele inovou muita coisa na leitura, ele abrangeu
mais esse lado da leitura. Começou a valorizar muito a leitura de antes
de começar a aula, fazer uma leitura para a criança, para a criança ter
vontade, procurar livro. Isso ajudou muito. Ainda por cima, enriqueceu,
porque foi assim eu tinha acabado de fazer a faculdade então enriqueceu
mais ainda. Fora a faculdade que já tinha sido maravilhosa, ele trouxe
algumas coisinhas a mais. (Professora Maria).
Uso o material do Ler e Escrever e eu adoro. Eu acho um material
riquíssimo. Tem gente que não gosta, mas eu gosto. Eu uso, e uso
bastante. Fora o Ler e Escrever eu tenho uma caixa de livros, com livros
paradidáticos. Aqui é feita uma leitura todos os dias, que eu faço junto
com eles. Depois eu ponho livros e revistas aqui na frente e eles ficam
lendo. Então eles têm o momento de leitura todo o tempo. Depois do
Letra e Vida tenho essa prática. (Professora Débora).
O Letra e Vida (SP) tem, nos seus materiais e nas propostas de
formação, uma proposição voltada à leitura diária realizada pelo
professor. Quando um professor cursa o Letra e Vida (SP), deve ter
223
contato, em todos os encontros, com a leitura do formador. Por isso, no
material do programa, há vários textos que devem ser lidos ao longo da
formação.
Da mesma forma que o cursista escuta a leitura do formador em
todos os encontros, as propostas do Letra e Vida (SP) sugerem que o
professor realize a leitura em voz alta para seus alunos, todos os dias.
Alguns relatos mostraram indignações com as propostas do
trabalho com a leitura:
O que eu vejo assim é que: várias pessoas estão pensando de jeito
diferente. Eles querem que seja uma coisa unificada, mas não está sendo,
por que onde já se viu eles se preocuparem só com o que a criança quer
ler? A criança tem que ler, ela tem que ler, ler, ler, como só ler? Então ela
faz um treino para criança de conhecer as letras e aprender a ler. Eles não
estão se preocupando com a parte de escrita. Não estão se preocupando
mais com a parte da escrita. O erro de ortografia, que é colocado hoje não
tem tanta importância, porque eles acham que a criança, no decorrer dos
seus anos de escolaridade, ela vai melhorar a ortografia. Isso é uma
grande mentira. (Professora Maria).
Nos materiais do programa Ler e Escrever, as questões
ortográficas são discutidas no terceiro livro. A premissa que perpassa o
construtivismo é que o primeiro passo é a criança compreender o sistema
de escrita, o que a possibilita, por exemplo, escrever a palavra caza” com
a letra z” e não
s”. Quando a criança consegue escrever sozinha, mas
com erros ortográficos, ela é considerada no nível alfabético, que é o
último nível proposto por Ferreiro (1999). Quando está nesse nível, para
a pesquisadora (FERREIRO, 1999) a criança compreendeu o sistema de
escrita.
224
Lerner (2003) afirma que o professor deve assumir uma posição
de leitor. Segundo a autora (LERNER, 2003, p. 18),
a leitura do
professor é particularmente importante no início da escolaridade, quando
as crianças ainda não leem, por si próprias, de forma eficaz. Durante esse
período, o professor cria muitas e variadas situações nas quais lê
diferentes tipos de texto”.
A professora Dora comenta sobre a quantidade de leitura ter
aumentado depois do Letra e Vida
Depois do Letra e Vida, acho que a quantidade de leitura para eles, como
modelo, para eles lerem e entenderem, acho que é . Ah, mudou sim que
eu sei: o que é leitura, atividade de leitura, atividade de escrita, o que é
atividade de escrita, para revisar o texto, como corrigir o texto...
Corrijo um texto revisando com as crianças de forma coletiva. Mostrando
para elas.
Hoje, muito, eu vejo assim: se eu ficar só no Letra e Vida, do jeito que eu
aprendi, que a criança precisa construir o seu conhecimento sozinha, e
descobrir como é o sistema de escrita, eu acho que é muito demorado. Só
tem um ano para ser alfabetizada, e ficar esperando a criançada todo dia
fazer letra móvel:
Vamos lá, vai, escreve, tenta construir.
Não condeno, mas acho que demora muito. (Professora Dora).
A professora comenta que realiza a leitura para as crianças, mais
do que antes, sendo um modelo de leitor. Como assevera Lerner (2003),
essa é uma atividade que precisa ser realizada todos os dias pelo professor.
O professor deve ler diferentes tipos de texto e com diferentes propósitos.
225
Outra atividade elencada pela professora é a revisão de textos,
que, conforme afirma, realiza de maneira coletiva. Na coletânea de textos
do professor, oferecida no curso Letra e Vida, há um texto intitulado
Revisão de texto” (BRASIL, 2003b); nele são comentadas algumas
oportunidades de aprendizagem para quem revisa textos. Com crianças
na fase inicial de escrita, é sugerido um trabalho de revisão textual de
maneira coletiva, sendo que o professor desempenha um papel de modelo
de revisor.
Dora finaliza sua narrativa afirmando que não condena, mas não
adota a proposta construtivista, tal como aprendeu com o Letra e Vida,
porque esperar a criança construir demora muito; então, segundo
assevera a professora, o é melhor é ensinar as famílias silábicas para a
criança, porque o processo de aquisição da escrita ocorre mais
rapidamente.
Sobre a construção da escrita pela criança e suas hipóteses de
escrita. Rose afirma que aprendeu no Letra e Vida (SP) que a criança
constrói a escrita:
Aprendi no Letra e Vida que a criança constrói a escrita, depois que ela
constrói, ela não esquece mais, e a gente tem que dar liberdade para ela
construir.
Tem que dar atividades para a criança levantar hipóteses, avançar...
O Letra e Vida acrescentou, porque dá maior liberdade para a gente
trabalhar com a criança, a gente não fica presa só no caderno, você pode
trabalhar com o alfabeto móvel, você pode trabalhar com.… várias
coisas. (Professora Rose).
226
Rose parece concordar com algumas afirmações de Ferreiro
(1995; 1999) e afirma que, para o construtivismo, a criança constrói a
escrita. Como considera Ferreiro (1995), o professor tem a função de
proporcionar momentos para a aprendizagem da leitura e escrita,
oferecendo à criança momentos de contato com os materiais escritos.
Também é sua função o ensino do nome das letras, mas a aquisição da
leitura e escrita é um processo individual que segue passos ordenados
(hipóteses de escrita).
Contrapondo esse pressuposto, Smolka (2003) propõe um
trabalho baseado na teoria da Enunciação e na Análise do Discurso. Ela
mesma aponta o porquê dessas escolhas. Segundo a autora, a
alfabetização implica leitura e escrita em momentos discursivos, sendo o
próprio processo de aquisição uma sucessão de momentos discursivos, de
interação e de interlocução. Para a pesquisadora, a Teoria da Enunciação:
[...] aponta para a consideração do fenômeno social da interação
verbal nas suas formas orais e escritas, procurando situar essas formas
em relação às condições concretas de vida, levando em conta o
processo de evolução da língua, isto é, sua elaboração e transformação
ciohistórica (SMOLKA, 2003, p. 29).
Smolka (2003) utiliza a análise do discurso para a realização de
reflexões sobre princípios teóricos e metodológicos para pensar as relações
pedagógicas.
Esses pressupostos mudam o foco central da atividade docente em
relação à alfabetização. Na concepção empirista, a criança é vista como
um sujeito que não sabe e precisa aprender exatamente o que o professor
ensina (WEISZa, 2003). Para o construtivismo, a criança, interagindo
227
com o objeto socialmente criado, a escrita, constrói sozinha, com o
auxílio do professor em alguns poucos aspectos da escrita, suas hipóteses
de escrita até alcançar a escrita convencional. Diferentemente dessas duas
crenças, para Smolka (2003), a criança aprende a ler e escrever num
processo discursivo. A criança precisa estar em contato com o outro, em
um contexto socialmente construído para ter a necessidade de ler e
escrever e saber para quem escreve, o que escreve e assim por diante.
Uma das propostas do Programa Letra e Vida (SP) é a utilização
de quadrinhas na prática docente. O trabalho com elementos da cultura
popular é interessante, mas cada lugar tem características próprias,
inclusive quadrinhas diferentes, e ainda há locais que não costumam ter
esse tipo de texto. Certamente uma das funções do professor é ampliar a
cultura da criança com textos desconhecidos por ela. No entanto, parece
que o Letra e Vida (SP) propõe o uso das quadrinhas justamente por
entender que é um texto que as crianças têm de memória e por ser um
texto curto. Nada impede o uso das quadrinhas, mas não significa que
seja oportuno em todas as escolas.
Maria narra sobre ter mudado com a realização do Letra e Vida é
o conhecimento da hipótese de escrita da criança:
Uma das coisas, que eu não sabia, é a hipótese da criança, comparando
quando eu comecei. Depois eu aprendi a olhar quando a criança chega
na escola, e ela escreve do jeitinho dela e saber se ela é pré-silábica,
silábica com valor sonoro. Isso foi o que eu mais aprendi!
A partir daí você desenvolve o que ela está precisando para melhorar. Se
ela é pré-silábica, então eu vou lá no comecinho. Tem que começar do
início: o que é a letra do alfabeto, que ela vai reconhecer as letras do
alfabeto, tentar fazer com que ela escreva as letras, mas eu não dispenso o
tradicional. De jeito nenhum. (Professora Maria).
228
Não acho que mudou minha prática depois do Letra e Vida, o que eu
Achei interessante no Letra e Vida, eu nunca soube avaliar um aluno. Eu
nunca soube daquela forma que eu queria. Hoje em dia, eu bato o olho
num escrito da criança, eu sei avaliar, a hipótese de escrita. Coisa que eu
não sabia.
Essa avaliação muda minha prática, com certeza, porque eu vou
avançar, vou dar continuidade, eu vejo que o meu trabalho está dando
certo. É uma avaliação para mim também. Eu vejo que está dando certo
o que eu já estou fazendo, e eu continuo. Ou, eu mudo, ainda que precise
fazer tudo de novo.
Depois do Letra e Vida, para mim, uma coisa interessante, que eu achei
legal é trabalhar com o campo semântico. Talvez eu até já fizesse isso.
Quando por exemplo, eu fazia uma história dessa, com a criança, muitas
vezes, você pegava, fazia as palavras, tirava as palavras daí. Mas eu não
sabia que tinha esse nome, porque já aconteceu de eu fazer coisa sem
nada a ver. Sabe quando a gente põe coisas sem nada a ver. (Professora
Paula).
Depois do Letra e Vida, eu aprendi a classificar, a ver o nível de
aprendizagem das crianças.... As hipóteses. Eu comecei a aprender. Eu
aprendi que tenho que trabalhar as palavras da mesma semântica que a
criança aprende mais fácil, porque na verdade, ela lembra daquilo que a
gente fala... só vai lembrar de frutas, por exemplo. Não importa se tem
palavras compostas, sílabas compostas, nem nada. Mas eu sempre
trabalhei em sílabas. Mesmo depois do Letra e Vida, eu achei que é mais
fácil alfabetizar as crianças quando a criança percebe cada sílaba que
forma a palavra. Quando a criança chega no sem valor sonoro, com o
valor sonoro.... Quando a criança começa a colocar cada letra para uma
laba, eu começo a trabalhar com sílaba. Eu faço mesmo o carreirão
ainda, deixo ele lá e vou mostrando. Olha, B” com A” fica ba”, mas
eu não fico falando para fazer, nem nada. Eu quero escrever banana”, ó
o ba-nana”... eles falam que não pode ficar soletrando, mas se você não
soletrar, eu acho que as crianças não conseguem perceber rápido. Senão
229
demora muito. Até a criança conseguir, eu acho que demora muito.
(Professora Dora).
As professoras, agora, sabem avaliar em que nível de escrita a
criança se encontra, segundo os estudos de Ferreiro (1999). No entanto,
não mudaram suas práticas para ensinar a criança a escrever. Saber
classificar o nível de escrita da criaa, segundo a professora Dora, é bom,
porque é um modo de identificar se ela precisa exercitar a letra, para
depois aprender a sílaba e a palavra. Se a criança tem um nível menos
avançado, de acordo com a avaliação, é porque não decorou ainda o jeito
certo de escrever e, por isso, precisa treinar mais.
A professora Dora narra que, com a realização do Programa Letra
e Vida, aprendeu a classificar a escrita das crianças e a trabalhar com
ditados de palavras no mesmo campo semântico. Adquiriu esse
conhecimento, que, como afirma, incluiu na prática, mas continua
utilizando as famílias silábicas. Quando percebe que a criança está na
hipótese silábica com valor sonoro, isto é, quando a criança escreve uma
letra para cada sílaba, sendo sempre uma das letras da sílaba, a professora
introduz o trabalho com as sílabas, sempre com o
carreirão” das sílabas
exposto para as crianças consultarem.
Smolka (2003) faz uma crítica à utilização das classificações das
hipóteses de escrita da criança. Segundo a pesquisadora, as incorporações
nas redes de ensino da teoria proposta por Ferreiro (1999) têm sido
adequadas e adaptadas à realidade brasileira sem, necessariamente,
transformá-la. A partir dessas incorporações, ao invés de utilizar o
conceito de maturidade e de prontidão, ouve-se dizer: ‘“
Essa criança é
pré-silábica’ ‘Quantos silábicos você tem na sua classe? Em suma, os
230
rótulos se mantêm e se continua a culpar a criança pela não
aprendizagem, pela não compreensão” (SMOLKA, 2003, p. 59).
Parece que a ideia apresentada por Smolka (2003) coaduna com a
realidade expressa pela professora Maria. A concepção da professora sobre
o que é alfabetizar continua igual a quando iniciou sua atividade docente,
como ela mesma afirma.
Mais uma vez, a professora ratifica sua concepção e ressalta que o
melhor é ser tradicional, como se não precisasse refletir sobre assuntos já
dados e determinados pela história e sociedade, como se sempre fosse
assim e devesse continuar sendo.
A formação deveria incidir justamente nesse aspecto para levar o
professor a questionar sua própria prática, rever seus conceitos, não lhe
impondo teoria ou dando ordens: Não pode usar cartilha”,
Tem que
usar o material x”. Parece que a maneira como o professor considera as
proposições feitas na formação depende da pessoa que realiza essa
formação. No caso da professora Maria, ela não fez comentários a
respeito do formador do Letra e Vida, mas se referiu à sua coordenadora
pedagógica (que atualmente é a responsável pela formação em serviço dos
professores, por meio do programa Ler e Escrever). Sobre as formações
continuadas, valem alguns destaques para finalizar essa parte do livro.
Segundo Imbernón (2009); Cachapuz (2009) e Shulman (2005),
a formação deve estar centrada na escola. Imbernón (2009) afirma que a
formação dos professores deve estar baseada em cinco linhas de atuação:
na reflexão prática e teórica sobre a própria prática, mediante análise da
realidade; na troca de experiências entre os pares; na articulação da
formação a um projeto institucional da escola; no posicionamento crítico
diante das práticas do trabalho e no desenvolvimento profissional do
231
centro educativo, transformando inovações práticas isoladas em inovações
institucionais.
Destaco a linha de atuação, proposta por Imbernón (2009), sobre
a troca entre os pares, já que as professoras brasileiras ressaltaram que
uma das aprendizagens para serem professoras foi a que tiveram com
outros e com os próprios professores. Os professores portugueses
caminham neste mesmo sentido ao afirmarem que o PNEP
proporcionou momentos de encontros que permitiram a troca entre os
pares. Esses momentos de trocas precisam ser potencializados pelas
reflexões mediadas pelo formador, permitindo, assim, uma união entre
teoria e prática, de forma que uma sustente a outra.
Outro fator merecedor de destaque é que a mudança de
concepção não ocorre de maneira rápida e pontual, pois, como afirma
Marcelo (2009), os professores entram nos programas de formação com
crenças pessoais acerca do ensino e, geralmente, não mudam ao longo
dessas formações.
232
Um ponto final ou apenas reticências
O meu avô dizia que as evidências eram todas
sustentadas por mistérios. Criava jogos para
inventarmos perguntas só para ver se todas as
perguntas teriam uma solução. As mais absurdas
talvez estejam adiadas, só o futuro lhes saberá
responder. Inventar perguntas é aprender.
(Valter Hugo Mãe)
As perguntas que motivaram a pesquisa, ora apresentada neste
livro, sobre quais eram as repercussões de programas de formação
continuada nas práticas docentes, como os professores alfabetizam,
mudam ou mantém suas concepções e práticas suscitam inventarmos
outras perguntas e apresentar algumas respostas provisórias e outras que,
talvez, somente o futuro nos ajudará a responder. O que estas
considerações, que não têm a pretensão de serem as finais, podem fazer é
apenas apontar reflexões.
Retomemos, para tanto, de maneira sintética, o percurso até aqui
para de traçarmos alguns paralelos entre as duas realidades (portuguesa e
brasileira) apresentadas: a história da educação, a formação acadêmica dos
parceiros da pesquisa, e as narrativas das trajetórias escolares desses
parceiros, como alunos e como professores alfabetizadores. Sempre
ressaltando as formações continuadas e os reflexos dessas na prática
docente.
233
Síntese histórica…
Alguns acontecimentos, tais como a Revolução Industrial e a
Reforma Protestante, impulsionaram as sociedades ocidentais desde o
século XVI, para a transição de uma sociedade oral para uma sociedade
baseada na escrita. Nesse contexto, a alfabetização da população se
tornou necessária e a escola foi a principal responsável por esse processo.
Assim, durante a história da escolarização, foi necessário pensar
nos processos de ensino, bem como na formação dos professores. Ao
remeter-se a esses aspectos, mais detidamente a partir das décadas de
1970 e 1980 (décadas em que os entrevistados nesta pesquisa foram
formados e começaram a atuar como professores), podem-se verificar
pontos análogos entre as duas realidades estudadas, embora o objetivo
não seja o de fazer uma comparação, mas, sim, uma construção do
panorama histórico desses contextos lusófonos.
Os dois países utilizaram os métodos de alfabetização, sendo a
cartilha o principal suporte material. As primeiras cartilhas utilizadas no
Brasil foram as portuguesas (MORTATTI, 2000). Os métodos de
alfabetização foram apoiados nos sintéticos, analíticos e sintético-
analíticos. No Brasil, especificamente no Estado de São Paulo, desde a
cada de 1980, tem se propagado a teoria construtivista, fato não
presente na realidade observada em Portugal (ARENA, 2008).
Nas duas realidades, a formação de professores se deu em nível
Médio; depois, a partir da década de 1990, houve uma movimentação,
por meio das legislações e globalização, para a formação dos professores
ser em nível superior.
Os dois pses viveram um regime ditatorial. Em Portugal, na
década de 1970, e o Brasil, na década de 1980, voltaram a ser países
234
democráticos. Juntamente com a redemocratização, essas nações também
elaboraram novas Constituições: Constituição Portuguesa, em 1976, e
Constituição Federal, no Brasil, em 1988, e, especificamente para a
educação, a Lei de Bases do Sistema Educativo (PORTUGAL, 1986) e a
Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996).
A globalização auxilia na homogeneização da educação por meio
das avaliações externas das agências internacionais e, assim, a formação
do professor fica em foco (MAUÉS, 2009). Nos dois contextos
estudados, há propostas de formação continuada de professores, sendo
que o foco das narrativas foi acerca de dois Programas de Formação
Continuada (o mais recente realizado por todos entrevistados na época da
geração dos dados da pesquisa): o Programa Nacional de Ensino do
Português e o Programa Letra e Vida (SP).
Síntese do que aprendemos com as narrativas.
A escolha metodológica, que privilegia a narrativa de professores,
se deu na tentativa de apresentar um breve espaço de tempo da história
da educação, ouvindo os protagonistas da educação (os professores). Para,
assim, possibilitar a compreensão dos fatos históricos a partir das
narrativas desses atores e não somente em documentos oficiais. Dessa
forma, pretende-se uma aproximação da realidade educacional desses
países e a construção de subsídios para se pensar projetos futuros que
abracem a educação nos mesmos.
Dessa apresentação, elencamos algumas características comuns e
divergentes entre os professores entrevistados, além daquelas exigidas
como pré-requisitos para serem parceiros da pesquisa:
235
- de todos os professores entrevistados, somente um fez pré-
escola;
- todos os professores portugueses foram alfabetizados mediante
ao uso de um manual único, pois ainda viviam sob a ditadura de Salazar;
- as professoras brasileiras foram alfabetizadas por meio da
cartilha Caminho Suave;
- na formação do Magistério, dois professores portugueses
viveram a mudança de Governo e, consequentemente, da duração do
curso, que passou de dois para três anos;
- todas as professoras brasileiras foram formadas no Magistério na
mesma escola, mas em épocas diferentes;
- a maioria dos professores entrevistados confere ao estágio uma
oportunidade de aprendizagens para ser professor;
- somente uma das entrevistadas cursou o nível superior logo as
o magistério; os outros cursaram em serviço; uma professora portuguesa
não se graduou, e o professor cursou sociologia;
- poucos foram os professores que relataram outras formações
continuadas, dando a entender que, principalmente em Portugal,
praticamente não houve formações continuadas que tratassem da didática
da língua portuguesa.
Algumas considerações finais podem ser destacadas sobre os
programas e sobre as práticas dos professores com base nas narrativas:
- em relação ao Programa Nacional do Ensino do Português, os
professores destacaram como positivo que a formação proposta foi
realizada por um professor das séries iniciais do Ensino Básico;
236
- tanto os professores portugueses como os brasileiros ressaltam as
propostas de leitura dos programas, afirmando que hoje leem mais e com
estratégias diversificadas;
- as duas entrevistadas (Joana e Paula), que tiveram experiências
em turmas multisseriadas e em contextos mais diversificados, se
mostraram mais autônomas na construção das escolhas de estratégias
pedagógicas. No entanto, continuam até os dias atuais alfabetizando por
intermédio de letra e sílabas;
- no contexto português estudado, não há uma polemização dos
métodos (ARENA, 2008); no entanto, todos os professores afirmam
explicitamente que o método utilizado para alfabetizar não foi
influenciado pela formação do programa;
- no contexto brasileiro investigado, a questão dos métodos e de
propostas de alfabetização está presente nos materiais do programa,
ressaltando-se que o construtivismo prega a não utilização de métodos,
devendo professor proporcionar ambientes e materiais para a criança
construir sua escrita;
- Para aprender a alfabetizar, a recorrência mais citada,
principalmente nas entrevistas brasileiras, foi a influência de um outro
professor mais experiente que os ensinou na prática, como os professores
parceiros desta pesquisa deveriam ensinar;
- Nenhum dos programas apresenta métodos de alfabetização, o
PNEP, aparentemente, porque essa questão não é considerada o
problema” da alfabetização, e o Letra e Vida, porque apresenta a crença
de que o
problema” da alfabetização está justamente na utilização dos
métodos tradicionais;
237
- de acordo com as narrativas e observações dos contextos
pesquisados, a circulação de livros na escola é maior hoje, em relação ao
tempo em que os professores foram alfabetizados;
- nas escolas brasileiras, onde foram realizadas as entrevistas,
depois do programa Ler e Escrever, há materiais diversificados de
literatura oferecidos na sala de aula e na sala de leitura;
- os professores brasileiros afirmam conhecer e utilizar nas suas
práticas, depois da realização do curso Letra e Vida, a avaliação da escrita
das crianças. No entanto, todos, a partir dos resultados da avaliação,
retomam os conteúdos dados, mas não modificam suas práticas de
ensino;
- alguns professores portugueses narram sobre a utilização maior
da planificação e avaliação da escrita depois do PNEP;
- os professores que relatam terem mudado a prática, dizem que o
fizeram porque estavam mesmo em busca de uma mudança, por se
sentirem inseguros, e insatisfeitos com o próprio trabalho, ou, porque
tiveram a oportunidade de vivenciar de perto um exemplo de outro
professor que
provou”, por meio dos resultados das crianças, que outra
prática é possível, e se disponibilizou a ajudar;
- os métodos tradicionais de ensino parecem oferecer ao professor
a segurança de que está fazendo
a coisa certa”, já que é uma prática
existente há séculos e, ainda, realizada por professores mais experientes.
Concluindo este livro, mas não a pesquisa e a ânsia por
professores mais bem formados e capazes de serem os protagonistas da
educação (me incluindo tanto quanto professora como formadora),
considero que a maior contribuição dos programas é em relação à
maneira e à quantidade de leituras que os professores realizam com os
238
seus alunos depois de cursarem os mesmos. Há mudanças de práticas, ou
poderia dizer, adaptações e modificações e/ou ampliações de algumas
atividades docentes. Porém, não mudam algumas concepções mais
enraizadas, como é o caso da crença ainda existente de que, para aprender
a ler e escrever, é preciso que o indivíduo aprenda aos poucos, de maneira
cumulativa, o que Weisz (2003a) denomina método empirista.
No momento da realização da pesquisa, houve iniciativas
governamentais em ambos os países acerca de propostas de formação
inicial e continuada de professores, por meio de financiamentos públicos
e privados. Do ponto de vista do conhecimento científico, a produção
intelectual de pesquisadores avança na elaboração de estudos sobre a
prática docente e o modo como o sujeito aprende e como o professor
pode atuar nesse processo de aprendizagem. No entanto, essas ações
parecem insuficientes para a modificação qualitativa de práticas
educativas envolvendo processos de ensino e aprendizagem da leitura e da
escrita. Algumas proposições que considero mais eficientes revelam o
texto como unidade básica do ensino, em situações reais de leitura e
escrita, mas ainda estão, aparentemente, longe de serem colocadas em
prática.
As ideias anteriores parecem revelar, portanto, a carência de
estudos sobre as melhores maneiras de se realizar uma formação
continuada, já que é notória a necessidade de tê-la no processo em que o
profissional se torna professor alfabetizador ou de outros anos da
escolaridade. Essa formação deve ser baseada na prática e, ao mesmo
tempo, ir além dela para o aprofundamento teórico e retornar a ela para
ressignificá-la.
No caso de Portugal, a iniciativa do PNEP de indicar um
professor que trabalha com as séries iniciais do ensino básico para ser o
239
formador de outros professores atuantes em escolas governamentais
revela-se como uma conquista. Mas ainda faltam subsídios teóricos,
como esta pesquisa revelou, para o formador ser capaz de mudar a si
próprio e proporcionar momentos de reflexão para os outros professores
com os quais trabalha nesse programa.
Outro aspecto realizado no PNEP foi a formação do professor
residente na universidade. Essa prática, porém, precisa ser mais contínua,
não feita em uma formação pontual, porque, para rever a prática, é
preciso tempo e, também, devem ocorrer mudanças de concepções
enraizadas, o que não acontece de uma hora para outra.
No Brasil, o Programa Ler e Escrever parece dar uma resposta
parcial para essas reflexões referentes à formação continuada de
professores. Ele vem em decorrência do Letra e Vida; no entanto, é
proposto com várias modificações, dentre elas, quem é o formador e
onde atua (talvez, porque tenham percebido que a melhor maneira de
formar o professor não era tirando-o da escola, mas inserindo o formador
no contexto da escola). No Letra e Vida, a proposta é de que o formador
seja o coordenador pedagógico da escola e faça a formação no ambiente
escolar, atuando no horário de HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico
Coletivo), nas quatro horas destinadas para estudo (que atualmente o
professor pode escolher fazer ou não, sendo que recebe por elas) e nas
salas de aula.
Essas horas também podem ser ampliadas e potencializadas com
as reflexões sobre a prática dos professores, já que esta pesquisa revelou,
por meio das narrativas, que uma das maneiras de o professor aprender
sua profissão é observando e tendo a prática de outro professor como
exemplo.
240
Apesar de o Ler e Escrever visar à formação dos professores em
serviço, há vários empecilhos que impossibilitam essa proposta de
eficiência do programa: em muitas escolas falta o espaço físico para
comportar os professores por mais tempo na escola e falta também o
coordenador, em determinadas escolas.
Este livro não serve ao propósito de enumerar esses problemas,
mas, sim, de tentar ampliar a discussão envolvendo as políticas públicas
que, ainda, parecem desconsiderar que formações continuadas eficazes
exigem mudanças conceituais (didático-pedagógicas) e organizacionais
para que, de fato, se efetivem como momentos de reflexão com
implicações pedagógicas dos modos de ser e de atuar dos professores no
Brasil e em qualquer outro lugar.
Com essa perspectiva, a proposição de uma formação centrada na
escola deveria, dentre outros elementos fundamentais, envolver: uma
formação centrada na escola (IMBERNÓN, 2009; CACHAPUZ, 2009 e
SHULMAN, 2005). Imbernón (2009) afirma que a formação dos
professores deve estar baseada em cinco linhas de atuação: na reflexão
prática e teórica sobre a própria prática, mediante análise da realidade; na
troca de experiências entre os pares; na articulação da formação a um
projeto institucional da escola; no posicionamento crítico diante das
práticas do trabalho e no desenvolvimento profissional do centro
educativo, transformando inovações práticas isoladas em inovações
institucionais.
Destaco a linha de atuação, proposta por Imbernón (2009), sobre
a troca entre os pares, já que as professoras brasileiras realçaram que uma
das aprendizagens para serem professoras foi a aprendizagem com outros
professores e os professores portugueses afirmaram que o PNEP
proporcionou momentos de encontros que permitiram a troca entre os
241
pares. Esses momentos de troca precisam ser potencializados pelas
reflexões, mediadas pelo formador, permitindo, assim, uma união entre
teoria e prática, de forma que uma sustente a outra.
Outro fator merecedor de destaque é que a mudança de
concepção não ocorre de maneira rápida e pontual, pois, como afirma
Marcelo (2009), os professores entram nos programas de formação com
crenças pessoais acerca do ensino e, geralmente, não mudam ao longo
dessas formações.
A partir das narrativas e das reflexões realizadas sobre a formação
dos professores, é possível destacar:
- a realização dessa formação por uma pessoa que conhece o
contexto, como foi possível aprender da discussão do contexto de
Portugal;
- o domínio dos conhecimentos teóricos e práticos capazes de
mobilizar reflexões e efetivas ações pedagógicas promotoras de
aprendizagem formadores de leitores e produtores (autores);
- o acesso desse formador à sala de aula, não como inimigo” ou
alguém que supervisiona e aponta erros”, mas como parceiro e sujeito
capaz de contribuir com as possibilidades de formação de si e do outro
(no caso, o professor da sala de aula);
- uma gestão democrática e participativa a partir da qual todos os
envolvidos (diretores, coordenadores, professores, alunos, servidores e
comunidade) possam formar um grupo de trabalho voltado para a
formação cultural e humana de todos (adultos e crianças), o que envolve
repensar o modo (ou os modos) de se aprender a ler e a escrever.
242
A partir das constatações dos professores, sobre a formação
continuada, vale destacar:
1. a mudança de uma concepção teórica normalmente não
ocorre mediante uma formação pontual (MARCELO, 2009);
2. a relação entre teoria e prática deve ser o foco da formação
continuada para a melhor construção da praxis docente
(PIMENTA, 2001);
3. a formação em contexto pode ser favorecedora de melhores
aprendizagens (IMBERNÓN, 2009; CACHAPUZ, 2009);
4. os programas de formação deveriam ser capazes de centrar-se
nas ações docentes para, a partir delas, refletir, propor, rever,
alterar (VEIGA, 2009; IMBERNÓN, 2009);
5. o professor deveria participar de todo o processo de formação
como protagonista, como alguém que tem contribuições, capaz
de construir seu
próprio” modo de ensinar (CACHAPUZ,
2009).
Por fim, sem cessar as discussões ora apresentadas, vale retomar o
valor das defesas teóricas dos programas. Mas sem torná-las dogmas,
verdades absolutas, uma vez que, como qualquer outro documento, tais
propostas deveriam assinalar indicações de leitura capazes de ampliar os
referenciais teórico-metodológicos dos professores. Assim, dando-lhes a
oportunidade de irem além do que está posto, por intermédio de escolhas
conscientes de seus fundamentos teóricos essenciais para alicerçar sua
prática cada vez mais intencional e qualitativa.
244
Referências
ADAMS, Marilyn Jafer et al. Consciência fonológica em crianças
pequenas. Porto Alegre: Artmed, 2006.
ALMEIDA, Djanira Soares de Oliveira. Educação a distância: formação
de educadores. In: CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE
FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 6, 2005, São Paulo. Anais [...].
Franca: Universidade Estadual Paulista, UNESP, 2005.
ALVES, Silvia Maria Alvadia. Formação contínua de professores no
contexto do programa Nacional de Ensino do Português: a reflexão
colaborativa como dispositivo de mudança. 2009. Dissertação
(Mestrado em Ciências da Educação) - Faculdade de Psicologia e
Ciências da Universidade do Porto, Porto, 2009. 112p.
AMBROSETTI, Neusa Banhara. Ciclo básico: o professor da escola
pública paulista e uma proposta de mudança. 1989. Dissertação
(Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo-PUC, São Paulo, 1989.
ARENA, Dagoberto Buim. O pai é o papá: a versão de o bebê baba em
Portugal. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, Constituição Brasileira,
Direitos Humanos e Educação, 31, 2008, Minas Gerais. Anais [...].
Caxambu: ANPEd, 2008. v. 1. p. 1-17.
BALÇA, Ângela. Literatura infantil portuguesa: de temas emergentes a
temas consolidados. E-F@BULAÇÕES, p. 1-9, 2008. Disponível
em: ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4668.pdf. Acesso em: maio 2011.
BAPTISTA, Maria Isabel Alves. O ensino primário: currículo, práticas e
políticas de formação. Lisboa: Educa e Autora, 2004.
245
BARBEIRO, Luís Filipe; PEREIRA, Luísa Álvares. O ensino da escrita:
a dimensão textual. Lisboa: Ministério da Educação, Direcção-Geral de
Inovações e de Desenvolvimento Curricular, 2007.
BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. 2.ed. São Paulo:
Cortez, 1992.
BARBOSA, Raquel Lazzari Leite. Práticas de leitura e conceitos sócio-
ambientais: livros didáticos (1997-2003). São Paulo: Arte & Ciência,
2009.
BARROSO, João. Organização e regulação dos ensinos básico e
secundário, em Portugal: sentidos de uma evolução. Educação e
Sociedade, Campinas, v. 24, n. 82, abr. 2003.
BENAVENTE, Ana. Escola, professoras e processos de mudança.
Lisboa: Livros Horizonte, 1999.
BOTO, Carlota. Aprender a ler entre cartilhas: civilidade, civilização e
civismo e pelas lentes do livro didático. Educação e Pesquisa, São Paulo,
v. 30, n. 3, p. 493-511, set./dez. 2004.
BOURDIEU, Pierre Félix. A miséria do mundo. 4. ed. Vários
tradutores. Petrópolis: Vozes, 1997.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases
para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em:
www.mec.gov.br. Acesso em: 26 maio 2021.
_____. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em:
246
portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf. Acesso em: 26 maio 2021.
_____. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental.
Programa de Formão de Professores Alfabetizadores. Guia do
Formador, módulo 1. Brasília: Ministério da Educação, 2001a.
_____. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental.
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Guia do
Formador, módulo 2. Brasília: Ministério da Educação, 2001b.
______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental.
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Guia do
Formador, módulo 3. Brasília: Ministério da Educação, 2001c.
______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental.
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de
textos: módulo 1. Brasília, DF, 2003a. (Contribuições à prática
pedagógica-1- M1U3T10).
______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental.
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de
textos, módulo 2. Brasília, DF, 2003b. (Contribuições à prática
pedagógica – 2 M1U4T9).
______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental.
Documento de Apresentação. São Paulo: Ministério da Educação,
2003c.
______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental.
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de
textos, módulo 3. Brasília, DF, 2006. (Biografia do Programa).
247
______. Ministério da Educação. Decreto 5.622/95 de 20 de dez 2005.
Regulamenta o Art. 80 da lei 9.394/96. Disponível em:
http://legialação.planalto.gov.br. Acesso em: 20 maio 2021.
BRASÍLIA. PISA 2000. Relatório Nacional, 2001. Disponível em:
www.oecd.org/dataoecd/30/19/33683964.pdf. Acesso em: 20 maio
2021.
BRUSCHINI, Cristina; AMADO, Tina. Estudos sobre mulher e
educação: algumas questões sobre o magistério. Cadernos de Pesquisa,
São Paulo, v. 64, p. 4-13, fev. 1988.
CACHAPUZ, António Francisco. Ensino, qualidade e formação de
professores: necessidades actuais. In: BONITO, Jorge (Org.). Ensino,
qualidade e formação de professores. Évora: Departamento de Pedagogia
e Educação da Universidade de Évora, 2009.
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização sem o Bá--Bi-Bo-Bu. São
Paulo: Scipione, 1998.
CANDEIAS, António. Modernidade, educação, criação de riqueza e
legitimação política nos séculos XIX e XX em Portugal. Análise Social. v.
81 n. 176, p. 477-498, 2005.
CANDEIAS, António. Educação, Estado e Mercado no século XX:
apontamentos sobre o caso português numa perspectiva comparada.
Lisboa: Edições Colibri, 2010.
CAPOVILLA, Alessandra Gotuzo Seabra; CAPOVILLA, Fernando C
Alfabetização: método fônico. São Paulo: Memnon. 2004.
CASTELHANO, Valdete Júlio de Carvalho. Professores alfabetizadores
da rede pública estadual e o Programa Letra e Vida. Dissertação
248
(Mestrado em Educação) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São
Paulo, 2008.
CATANI, Denice Barbara; BUENO, Belmira Oliveira; SOUSA,
Cynthia Pereira; SOUSA, M. Cecília C. C. História, memória e
autobiografia na pesquisa educacional e na formação. In: CATANI,
Denice (Org.). Docência, memória e gênero: estudos sobre formação.
São Paulo: Escrituras, 1997.
CAVALCANTE, Margarida Jardim. Cefam: uma alternativa pedagógica
para a formação do professor. São Paulo: Cortez Editora, 1994.
CORREIA, António Carlos da Luz; SILVA, Vivian Batista da. Manuais
pedagógicos Portugal e Brasil 1930 a 1971: produção e circulação
internacional de saberes pedagógicos. Lisboa: Educa, 2004. (Cadernos
Prestige 13).
DUARTE, Inês. O conhecimento da língua: desenvolver a consciência
linguística. Lisboa: Ministério da Educação, Direcção-Geral de Inovações
e de Desenvolvimento Curricular, 2008.
DURAN, Marília Claret Geraes. Alfabetização rede pública de São
Paulo: a história de caminhos e descaminhos do Ciclo Básico. 1995.
Tese (Doutorado em Educação) Pontifícia Universidade Católica,
PUC, São Paulo, 1995.
DURAN, Marília Claret Geraes; ALVES, Maria Leite; PALMA FILHO,
João Cardoso. Vinte anos da prática do ciclo básico na rede estadual
Paulista. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 124, 2005.
FERNANDES, Rogério. Da palmatória à internet: uma revisão da
profissão docente. Revista Brasileira de História da Educação, n. 11, p.
11-39, 2006.
249
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. 24 ed. São Paulo:
Cortez, 1995.
FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita.
Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
FOUCAMBERT, Jean. A criança, o professor e a leitura. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1997.
FREINET, Célestin. As técnicas Freinet da escola moderna. São Paulo:
Editorial Estampa, 1973.
FREITAS, Maria João; ALVES, Dina; COSTA, Teresa. O
conhecimento da língua: desenvolver a consciência fonológica. Lisboa:
Ministério da Educação, Direção-Geral de Inovações e de
Desenvolvimento Curricular, 2007.
GATTI, Bernadete. Análise das políticas públicas para formação
continuada no Brasil, na última década. Revista Brasileira de Educação,
v.13, n.37 jan. /abr. 2008.
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 2.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1993.
GIOLO, Jaime. A educação a distância e a formação de professores.
Educação e Sociedade. Campinas, vol.29, n. 105, p. 1211-1234. set/dez,
2008.
GOMES, Cláudia Aparecida Valderramas. O afetivo para a psicologia
históricocultural: considerações sobre o papel da educação escolar. Tese
(Doutorado em Educação) - Universidade Estadual Paulista, UNESP,
Marília, 2008.
250
HERNANDES, Elianeth Dias Kanthach. Formação de professores
alfabetizadores: efeitos do programa “Letra e Vida” em escolas da Região
de Assis. 2008. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual
Paulista-UNESP, Marília, 2008.
IMBERNÓN, Francisco. Una nueva formación permanente del
profesorado para un nuevo desarrolo profesional y colectivo. Revista
Brasileira de Formação de Professores, v. 1, n. 1, p. 31-42, maio 2009.
JOLIBERT, Josette (Coord.). Formando crianças produtoras de texto.
Porto Alegre. Artes Médicas, 1994a.
______. Formando crianças leitora de texto. Porto Alegre. Artes
Médicas, 1994b.
JOSSO, Marie Christine. Os relatos de histórias de vida como
desvelamento dos desafios existenciais da formação e do conhecimento:
destinos sócio-culturais e projetos de vida programados na invenção de si.
In: SOUZA, E. C., ABRAHÃO, M. H. M. B. (Orgs.). Tempos,
narrativas e ficções: a invenção de si. Porto Alegre:
EDIPUCRS/EDUNEB, 2006.
KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos da Leitura. 10 ed.
Campinas: Pontes, 2007.
KRUEL, Yolanda Betim Paes Leme de. Cartilha Moderna. Porto Alegre:
Editora Globo, 1970.
LEITE, Sérgio Antonio da Silva. Alfabetização: uma proposta para a
escola pública. Cadernos de Pesquisa, São Paulo. v. 52, p. 25-33, fev.
1985.
251
LERNER, Délia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o
necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.
______. É possível ler na escola?. In: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.
Secretaria da Educação Fundamental. Programa de Formação de
Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos, módulo 2. Brasília, DF,
2003, p. 1-23. (M2UET2).
LIMA, Emília Freitas de. O curso de pedagogia e a nova LDB. In:
MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti; REALI, Maria de Mederiros
Rodrigues (Orgs.). Formação de professores: práticas pedagógicas e
escola. 2. ed. São Carlos: UFSCAR, 2002. p. 205216.
LOPES, Valéria Virginia. Egressos do Cefam: representações da
formação inicial e da prática docente. Dissertação (Mestrado em
Educação) - Faculdade de Educação, USP, São Paulo, 2000.
LOUREIRO, Paula Cristina de Rocha. 1º ciclo do Ensino Básico:
velhos - novos actores (Estudo de caso). Dissertação (Mestrado em
Administração e planificação da Educação) - Universidade Portucalense
Infante D. Henrique, Porto, Portugal, 2006.
MÃE, Valter Hugo. As mais belas coisas do mundo. Rio de Janeiro:
Biblioteca Azul, 2019.
_____. Contra Mim. Rio de Janeiro: Biblioteca Azul, 2020.
MALDANER, Otavio Aloisio. Princípios e práticas de formação de
professores para a educação básica. In: NUNES, Clarice et al. Formação
de professores para a educação básica: dez anos da LDB. Belo
Horizonte: Autêntica, 2007.
252
MARCELINO, Celine Isabel Monteiro. Método de iniciação à leitura:
concepções e práticas de professores. 2008. Tese (Doutorado em
Educação) Universidade do Minho, Instituto de Educação e Psicologia,
Braga, Portugal, 2008.
MARCELO, Carlos. A identidade docente: constantes e desafios. Revista
brasileira de pesquisa sobre formação docente, v. 01, p. 109-131,
ago./dez. 2009. Disponível em:
http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br. Acesso em: 15 maio
2011.
MARCÍLIO, Maria Luiza. Hisria da escola em São Paulo e no Brasil.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto Fernand
Braduel, 2005.
MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão; DUARTE, Newton. O discurso
pedagógico construtivista na rede estadual de ensino paulista no período
de 1983 aos dias atuais. In: SAVIANI, D.; LOMBARDI, J. C. (Orgs).
SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS
“HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL, 8, 2009.
Anais [...]. 2009.
MARQUES, Waldemar. Escola-Padrão: acertos e equívocos de uma
política educacional. 1997. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade
de Educação, Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, 1997.
MATE, Cecília Hanna. Tempos modernos na escola: os anos 30 e a
racionalização da educação brasileira. Bauru, SP: EDUSC; Brasília, DF:
INEP, 2002.
MAUÉS, Olgaíses Cabral. Regulação educacional, formação e trabalho
docente. Estudos em Avaliação Educacional, v. 20, p. 473-492, 2009.
253
MELLO, Sueli Amaral. O processo de aquisição da escrita na educação
infantil: contribuições de Vygotsky. In: GOULART, Ana Luiza;
MELLO, Sueli Amaral (Orgs.). Linguagens infantis: outras formas de
linguagens. Campinas: Autores Associados, 2005. p. 23-40.
MEYER, John W. Globalização e currículo: problemas para a teoria em
sociologia da educação. In: NÓVOA, A; SCHRIEWER, J. A difusão
mundial da escola: alunos, professores, currículo, pedagogia. Lisboa:
Educa, 2000.
MILLER, Stela. O epilinguístico: uma ponte entre o linguístico e o
metalingüístico. Trabalho com narrativas. 1998. 185p. Tese
(Doutorado em Educação) Universidade Estadual Paulista-UNESP,
Marília, 1998.
MORAIS, José. A arte de ler. São Paulo: Editora UNESP, 1996.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização
(São Paulo 1877/1994). São Paulo: Editora UNESP; Brasília MEC
CONPED, 2000.
______. Hisria dostodos de alfabetização no Brasil. Conferência
proferida durante o seminário “Alfabetização e letramento em debate”,
promovido pelo Departamento de Políticas de Educação Infantil e
Ensino Fundamental da Secretaria de Educação Básica do Ministério da
Educação, realizado em Brasília, em 27/04/2006. Disponível em:
portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/alf_mortattihisttextalfbbr.p
df. Acesso em: 20 nov. 2011.
______. A “querela dos métodos” de alfabetização no Brasil:
contribuições para metodizar o debate. ACOALFA: Acolhendo a
alfabetização nos Países de Língua Portuguesa, São Paulo, ano 3, n. 5,
2008. Disponível em: http://www.acoalfaplp.net. Acesso em: 9 set. 2008.
254
NASCIMENTO, Célia Regina; SOLIGO, Rosaura. Leituras e leitores.
In: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de
textos, módulo 3. Brasília, DF: Ministério da Educação. Secretaria da
Educação Fundamental, 2006. p. 1-7 (M3U4T7).
NÓVOA, António. História de vida: perspectivas metodológicas. In:
NÓVOA, António (Org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora,
1993.
____. Evidentemente. Lisboa: Asa Editores SA, 2005.
PIMENTA, Selma Garrido. O estágio na formação de professores:
unidade teoria e prática?. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
PINEAU, Gaston. As histórias de vida em formação: gênese de uma
corrente de pesquisa-açãoformação existencial. Educação e Pesquisa, v.
32, 2006a.
______. As histórias de vida como artes formadoras da existência. In:
SOUZA, E. C.; ABRAHÃO, M. H. M. B. (Orgs.). Tempos, narrativas e
ficções: a invenção de si. Porto Alegre: EDIPUCRS/EDNEB, 2006b.
PORTUGAL. Programa Nacional de Ensino do Português no 1º ciclo
do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação, 2006.
_____. Lei de Bases do Sistema Educativo Português. N. 46/86. Diário
da República – Série I, n. 237, p. de 16 de outubro de 1986. Disponível
em: http://diario.vlex.pt/vid/leioutubro-33086737. Acesso em: 9 set.
2010.
_____. Ministério da Educação. Decreto-Lei nº 207/96. Diário da
República - I SÉRIE-A, n. 254, p. 3879-93, 2 nov. 1996.
255
_____. Ministério da Educação. Currículo Nacional do Ensino Básico:
competências essenciais, 2001.
_____. Resolução do Conselho de Ministros nº. 86/2006. Dispõe sobre
o Plano Nacional de Leitura. Diário da República. nº. 133, p.4856-61,
12 jul. 2006.
_____. Despacho nº. 546/2007. Diário da República. 2ª série – nº. 8, p.
899-900, 11 jan. 2007a.
_____. Ministério da Educação. Despacho nº. 2143/2007b. Programa
de Formação em Ensino Experimental das Ciências para Professores do
1º Ciclo. Disponível em: http://sitio.dgidc.min-edu.pt. Acesso em: jul.
2010.
_____. Ministério da Educação. Decreto Lei nº. 15/2007c de 19 de
janeiro. Diário da República, n. 14, 19 janeiro de 2007. Dispõe sobre
Carreira Docente. Disponível em: http://diario.vlex.pt/vid/decreto-lei-
janeio. Acesso em: abr. 2011.
_____. Ministério da Educação. Despacho nº. 6754/2008. Dispõe sobre
Formação Continuada em Matemática. Disponível em:
http://sitio.dgidc.min-edu.pt. Acesso em: jul. 2010.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Os sentidos. São Paulo: Global,
2009.
RIQUETI, Carlos Eduardo. Uma experiência de auto-gestão de
professores e alunos da E.E.S.G. Prof. Ayres de Moura 1984 a 1994.
2008. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação,
USP, São Paulo, 2008.
256
SANTO, Esmeralda Maria. Os manuais escolares, a construção de
saberes e a autonomia do aluno. Auscultação a alunos e professores.
Revista Lusófona de Educação, n. 8, p. 103-115, 2006.
SANTOS, Marisa Aparecida Pereira. Cefam: que tipo de prática docente
produziu. 2004. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de
Educação, USP, São Paulo, 2004.
SÃO PAULO. Secretaria da Educação. Saresp 2008: Relatório
Pedagógico: Língua Portuguesa. Secretaria da Educação. Coordenação
geral Maria Inês Fini. São Paulo: SEE, 2009. v. 1.
______. Secretaria da Educação. Ler e escrever: guia de planejamento e
orientações didáticas; professor alfabetizador série. São Paulo:
FDE, 2008.
______. Secretaria da Educação. Ler e escrever: coletânea de atividades
1ª série. Seleção e adaptação de atividades Cláudia Rosenberg
Aratangy. São Paulo: FDE, 2010.
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. Governo do Estado de São Paulo.
Ler e Escrever. São Paulo: [20--]. Disponível em:
http://lereescrever.fde.sp.gov.br/site/Programa.aspx. Acesso em: 27 jul.
2009.
SHULMAN, Lee S. Conocimento y enseñanza: fundamentos de la nueva
reforma. Revista de currículum y formación del profesorado, 2005, p. 1-
30. Disponívem em: http://www.gr.es/local/recfpro/Rev. 92art1.pdf.
Acesso em: ago. 2011.
SILVA, Zoraide Inês Faustioni da. Ciclo básico de alfabetização nas
escolas estaduais da cidade de São Paulo: um estudo em quatro escolas.
257
1990. Dissertação (Mestrado em Educação) Pontifícia Universidade
Católica-USP, São Paulo, 1990.
SIM-SIM, Inês. O ensino da Leitura: A Compreensão de textos. Lisboa:
Ministério da Educação, Direção-Geral de Inovações e de
Desenvolvimento Curricular, 2007.
_____. O ensino da leitura: a decifração. Lisboa: Ministério da
Educação, Direcção Geral de Inovações e de Desenvolvimento
Curricular, 2009.
_____. Comissão Nacional de Coordenação e Acompanhamento.
Programa Nacional de Ensino do Português. Ensino do Português. 1º
Ciclo do Ensino Básico. Doc.1. 2007/2008.
SMITH, Frank. Leitura significativa. 3. ed. Porto Alegre: Editora Artes
Médicas Sul LTDA, 1999.
_____. Compreendendo a leitura: uma análise psicolinguística da leitura
e do aprender a ler. 4. ed. Tradução Daise Batista. Porto Alegre: Artmed,
2003.
SMOLKA, Ana Luiza. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização
como processo discursivo. 11 ed. São Paulo: Cortez, 2003.
SOARES, Magda. A reinvenção da alfabetização. Presença Pedagógica,
v. 9, n.52, p. 1-21, 2003.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.
SOUZA, Elizeu Clementino Pesquisa narrativa escrita (auto)biográfica:
interfaces metodológicas e formativas. In: SOUZA, E. C., ABRAHÃO,
258
M. H. M. B. (Orgs.). Tempos, narrativas e ficções: a invenção de si.
Porto Alegre: EDIPUCRS/EDUNEB, 2006.
VALIENGO, Amanda. Programas de formação de alfabetizadores em
Portugal e no Brasil: representações de professores. 2012. Tese
(Doutorado em Educação) Universidade Estadual Paulista, UNESP,
Marília, 2012.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. A aventura de formar professores.
Campinas: Papirus, 2009.
VIANA, Fernanda Leopoldina. O ensino da Leitura: a avaliação. Lisboa:
Ministério da Educação, Direcção Geral de Inovações e de
Desenvolvimento Curricular, 2009.
VYGOTSKI, Lev Semionovitch. Obras escolhidas. v. III. Madrid: Visor,
1995.
WEISZ, Telma. Ideias, concepções e teorias que sustentam a prática de
qualquer professor, mesmo quando ele não tem consciência delas. In:
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental.
Programa de formação de professores alfabetizadores. Coletânea de
textos: módulo 1. Brasília, DF, 2003a. p. 1-5. (M1U2T5).
_____. O que está escrito e o que se pode ler: as relações entre o texto,
como totalidade, e suas partes. In: BRASIL. Ministério da Educação.
Secretaria da Educação Fundamental. Programa de formação de
professores alfabetizadores. Coletânea de textos: módulo 1. Brasília, DF,
2003b. p. 1-5. (M1U6T5).
_____. Didática da leitura e da escrita: questões teóricas. Pátio, Artemd,
p. 1-5, 2010. Disponível em: www.revistapatio.com.br. Acesso em: jan.
2011.
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Lívia Pereira Mendes
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Amanda Valiengo
A discussão acerca da alfabetização e formação de alfabetizadores luso-
-brasileiros norteia os debates neste livro. Ao lançar um olhar atento às
realidades dos programas de Formação Continuada e seus impactos para
os processos de alfabetização, esse estudo oferece argumentações e retratos
que nascem das narrativas dos atores principais dessas práxis: os professores
alfabetizadores.
O pano de fundo dessa obra é a história da formação docente, seus modos
de preparo, reexos e intersecções que marcaram a formação docente nes-
ses dois países. Tudo isso narrado por aqueles que vivenciaram, na prática,
duas das iniciativas governamentais voltadas a esse m: o Programa Letra
e Vida (São Paulo/Brasil) e do Programa Nacional de Ensino do Português
(Portugal).
A partir das situações de acolhimento e escuta das narrativas dos partici-
pantes do estudo, o livro propõe uma discussão madura sobre a projeção e
a real efetividade desses programas formativos de professoras e professores,
cujo objetivo se refere à “humanização” desses educadores, mediante uma
instrumentalização teórica e metodológica.
Nesses processos, o desao posto é a criação de condições favoráveis para
estudos e reexões sobre o papel da educação escolar, evidenciando a ati-
vidade docente e a das jovens gerações.
A leitura de “Tornar-se alfabetiza-
dora: narrativas de professoras portuguesas
e brasileiras” convida a leitora e o leitor
a pensar sobre possibilidades de tessitu-
ras de os e movimentos dedicados a um
olhar crítico e mobilizador, em diferentes
frentes. E, assim, traz à baila o debate so-
bre o cenário de potencialidades e desa-
os da escola, como lugar para abalo das
certezas catalizadora de corpos e mentes.
A obra apresenta uma breve histó-
ria da escolarização, da alfabetização e da
formação de professores. O que escutamos
nas narrativas das professoras e do profes-
sor nos mostra que os tempos quase sem-
pre foram difíceis. Ao largo dessas ques-
tões estão avanços inegáveis, mas também
retrocessos. Esse estudo e tudo o que vi-
vemos nesta segunda década dos anos dois
mil explicitam o quão voláteis são as po-
líticas públicas para a educação. Nas prá-
ticas alfabetizadoras perduram, em mui-
tos casos, métodos tradicionais de ensino
que pouco contribuem para a formação.
Este livro remonta uma pesquisa
que foi realizada há quase dez anos, (re)
visitar modos de se alfabetizar, de se tor-
nar alfabetizadora, de se fazer formações
e de se transformar as práticas pedagógi-
cas pode se converter em um dispositivo
potente para pensarmos o agora e plane-
jarmos o futuro. Um convite para a es-
perança e novas ações teóricas e práticas.
Amanda Valiengo possui Graduação em Pe-
dagogia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho - Campus de Marí-
lia (2005). Concluiu Mestrado em Educação
(2008) e Doutorado em Educação, com es-
tágio em Portugal (2012) pela mesma Uni-
versidade. Pós-doutora pela Universidade
Federal do Espírito Santo (2018). Atualmen-
te, é professora Adjunta da Universidade
Federal de São João Del Rei, MG, no De-
partamento de Ciências da Educação e no
Mestrado em Educação. É pesquisadora na
área de Educação Infantil, brincadeira e lei-
tura para a infância. Líder do Grupo de Es-
tudo e Pesquisa CRIA - Centro de respeito
às infâncias e suas aprendizagens. Membro
do grupo de pesquisa: Grupo de Estudos e
de Pesquisa em Especicidades da docência
na Educação Infantil (GEPEDEI, Unesp -
Marília). Coordenadora de área no PIBID
-Pedagogia. Desenvolve um projeto de ex-
tensão: CRIAÇÃO, envolvendo a educação
infantil e as artes. Foi professora na Univer-
sidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri, MG, nos Curso de Licenciatura em
Pedagogia e Bacharelado em Humanidades
(2013-2016). Atuou como Vice-coordena-
dora da Licenciatura em Pedagogia (2013-
2015). Coordenou o subprojeto PIBID In-
terdisciplinar Ler e Ser (UFVJM-Campus
JK), envolvendo três áreas de conhecimento:
Educação Física, Letras e Pedagogia (2014-
2016). Exerceu atividades de docência nas
séries iniciais do Ensino Fundamental na
Prefeitura de Mogi das Cruzes, SP, de Vera
Cruz, SP e na rede estadual de Ensino do es-
tado de São Paulo. Foi professora universitá-
ria na Faculdade UNISUZ (Suzano) (2008-
2013) e Universidade Brás Cubas (Mogi das
Cruzes) (2012-2013).
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
TORNAR-SE ALFABETIZADORA
Amanda Valiengo
narrativas de professoras
portuguesas e brasileiras
TORNAR-SE
ALFABETIZADORA