O DESENVOLVIMENTO MORAL E O VALOR
RESPEITO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Priscila Caroline Miguel é mestra em
Educação (2021) pela UNESP – Faculda-
de de Filosoa e Ciências de Marília/SP.
Graduada em Psicologia pela UNIMAR
Universidade de Marília (2010). Atuou
por 10 anos na área clínica em consultó-
rio particular, quando decidiu se dedicar
à vida acadêmica, com ênfase na Psicolo-
gia da Educação. Vinculada desde 2018 ao
GEPPEI – Grupo de Estudos e Pesquisa
em Psicologia Moral e Educação Integral
da UNESP de Marília/SP, sob a lideran-
ça da Profa. Dra. Patrícia Unger Raphael
Bataglia.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0798/2018
Processo 23038.000985/2018-89
O livro aborda o desenvolvimento
moral de crianças, mais especicamente da
faixa etária de cinco anos, que segundo a
teoria piagetiana, provavelmente estão no
estádio pré-operatório e suas condutas são
comandadas pelo egocentrismo e o obje-
tivo é trabalhar a descentração que implica
na tomada de consciência de si, ou seja,
a superação desse egocentrismo. Propo-
mos um trabalho com o valor respeito e a
descentração através de uma sequência di-
dática elaborada pela autora, que foi ava-
liada por professores da Educação Infantil
quanto a sua viabilidade e ecácia. Visa-
mos também propiciar a adesão ao valor
respeito de modo reversível, trabalhando
o reconhecimento do outro e o méto-
do utilizado foi uma pesquisa descritiva
com um delineamento de levantamen-
to através de levantamento bibliográco,
análise documental e contatos com edu-
cadores. Como resultado da pesquisa, foi
construída uma sequência didática que foi
avaliada por dez professores da Educação
Infantil e pudemos perceber a relevância
da proposta de acordo com a fala dos pro-
fessores e, também o que nos possibilitou
mudanças sugeridas pelos educadores, que
contribuíram para a ampliação dela. Dis-
cute-se na atualidade a importância de se
trabalhar com valores sociomorais ainda
na Educação Infantil, o que entendemos
ser relevante e reiteramos a necessidade de
mais pesquisas na área. O livro é destina-
do a todos os interessados na Psicologia do
Desenvolvimento Moral sob o enfoque da
teoria construtivista, a professores da Edu-
cação Infantil e para prossionais das re-
des de ensino envolvidos com orientação
técnico-pedagógica e formação inicial e
continuada de educadores.
O DESENVOLVIMENTO MORAL E O VALOR RESPEITO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Priscila Caroline Miguel
Priscila Caroline Miguel
O tema desse livro é a busca de estratégias para o fortalecimento da
descentração, superação do egocentrismo e o encaminhamento de
perspectiva reversível na tomada de decisões. O objetivo principal
é a criação de uma sequência didática que trabalhe o desenvolvi-
mento moral, especicamente a adesão ao valor respeito de modo
reversível, ou seja, trabalhando a superação do egocentrismo e o
reconhecimento do outro, que é possível com a reversibilidade.
Como resultados, além da denição dos pressupostos teóricos que
envolvem a discussão sobre o desenvolvimento moral e, em parti-
cular do valor respeito, construímos uma Sequência Didática para
ser aplicada junto a crianças na faixa etária de cinco anos, buscando
o desenvolvimento moral que implica na superação do egocentris-
mo e na tomada de consciência de si, que o egocentrismo seria
justamente a falta de tal consciência. Acreditamos que um trabalho
com valores sociomorais pode auxiliar nesse processo e escolhemos
o valor respeito sendo que o unilateral é a primeira forma de respei-
to que aparece no desenvolvimento moral do ser humano e surge
nas relações de coação social, em especial, as construídas entre a
criança e seus pais ou com outros adultos signicativos para ela. Por
outro lado, o respeito mútuo surge da cooperação que impõe apenas
a reciprocidade que obriga cada um a se colocar no lugar do outro.
Boa leitura!
O DESENVOLVIMENTO MORAL
E O VALOR RESPEITO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Priscila Caroline Miguel
Priscila Caroline Miguel
O DESENVOLVIMENTO MORAL E O VALOR
RESPEITO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
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iretora
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Conselho Editorial
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Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
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Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
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Maria do Rosário Longo Mortatti
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Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
A
gradecimentos: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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xílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
F
icha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Miguel, Priscila Caroline.
M636d O desenvolvimento moral e o valor respeito na educação infantil / Priscila Caroline
Miguel. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2021.
208 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-088-4 (Digital)
ISBN 978-65-5954-087-7 (Impresso)
1. E
ducação de crianças. 2. Desenvolvimento moral. 3. Respeito. I. Título.
CDD 372.21
Copyright © 2020, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
C
ultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
DOI: https://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-088-
4
“A educação é o ponto em que decidimos
se amamos o mundo o bastante para
assumirmos a responsabilidade por ele e,
com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria
inevitável não fosse a renovação e a vinda
dos novos e dos jovens. A educação é,
também, onde decidimos se amamos
nossas crianças o bastante para não
expulsá-las de nosso mundo e abandoná-
las a seus próprios recursos, e tampouco
arrancar de suas mãos a oportunidade de
empreender alguma coisa nova e
imprevista para nós, preparando-as em
vez disso com antecedência para a tarefa
de renovar um mundo comum”.
Hannah Arendt
SUMÁRIO
Prefácio...................................................................................................9
Apresentação...........................................................................................13
Capítulo 1 O Desenvolvimento Cognitivo Sob a Perspectiva
Construtivista.........................................................................................17
1.1 Os estádios de desenvolvimento cognitivo
1.1.1 O estádio sensório-motor
1.1.2 O estádio pré-operatório....
1.1.3 O estádio de operações concretas.
1.1.4 O estádio de operações formais
1.2 Relações entre a afetividade e a inteligência
Capítulo 2 - O Desenvolvimento Moral: Contribuições de Jean Piaget....47
2.1 Os conceitos de moral e ética.
2.2 O desenvolvimento moral para Jean Piaget..
2.2.1 As análises de Piaget a respeito dos jogos de regras
2.2.2 Os juízos morais
2.2.3 As noções de justiça.
2.3 A Ética na Educação Infantil.
Capítulo 3 – A Educação Infantil no Contexto Brasileiro.......................85
3.1 A legislação e as diretrizes.
3.1.1 A identidade da Educação Infantil.
3.2 A Base Nacional Comum Curricular
3.2.1 A BNCC e a Educação Infantil
3.2.2 Os campos de experiências.
3.3 A formação moral e o cuidado na Educação Infantil: algumas
considerações
Capítulo 4 – Valores Sociomorais.........................................................111
4.1 O que são valores sociomorais?
4.2 O valor respeito
4.3 O respeito: contribuições de Jean Piaget
Capítulo 5 - O Percurso Metodológico da Pesquisa e Resultados do
Trabalho de Campo..............................................................................133
5.1 O problema.
5.2 A hipótese..
5.3 Os objetivos: geral e específicos..
5.4 O delineamento da pesquisa
5.5 Elaboração de uma sequência didática
5.6 Instrumento de avaliação
5.6.1 Roteiro de Avaliação do Egocentrismo
5.7 Resultados
5.7.1 Caracterização dos professores avaliadores.
5.7.2 Avaliação
5.7.3 Considerações sobre a Sequência Didática a partir das
avaliações dos professores.
Considerações Finais.............................................................................161
Referências............................................................................................165
Apêndice - Roteiro de Avaliação do Egocentrismo...............................173
Encarte Sequência Didática...............................................................184
Anexo Sinopse dos livros....................................................................201
Sobre a autora.......................................................................................205
9
Prefácio
No trabalho que apresentamos aqui, destacaremos quatro aspectos
dentre outros tão relevantes. O primeiro diz respeito à jovem pesquisadora
que transforma em livro seu trabalho de mestrado. Priscila Caroline
Miguel reúne algumas qualidades que fazem dela uma pesquisadora séria
e dedicada que com disciplina e competência investiga e realiza um
trabalho que muito pode contribuir com os educadores da educação
infantil.
Desde a proposta inicial da pesquisa, e mesmo antes, durante os
créditos do mestrado chamou atenção dos professores em função de sua
dedicação e pela qualidade dos trabalhos produzidos. Foi merecedora da
bolsa CAPES que subsidiou sua pesquisa, a quem agradecemos, eu, como
orientadora do trabalho e Priscila como autora, pelo suporte que permitiu
com que cumprisse seus propósitos com excelência.
Um segundo aspecto, bastante relacionado ao primeiro, é o tema
do trabalho. Trabalhar com a construção de valores na educação é algo
necessário e ainda pouco explorado em nosso contexto nacional. O
privilégio para o conteúdo no lugar da forma, das relações hierarquizadas
no lugar da valorização da cooperação, do mando no lugar do diálogo,
como se sabe leva ao fortalecimento da heteronomia e não à possibilidade
da autonomia moral, portanto escolher trabalhar com valores na educação
é algo meritório e que deve ser destacado.
Mas, qual valor? A autora escolhe o valor. Respeito. Talvez, o mais
básico de todos os valores. Sem ele, não há possibilidade de nomear outros
10
valores. Respeitar a pessoa humana é o que subsidia a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, o imperativo categórico. Kantiano, os direitos da
criança, enfim, é o valor a partir do qual podemos elaborar planos de
convivência e trabalhos de educação moral nas escolas.
O terceiro aspecto é o trabalho com valores a partir da educação
infantil. Alguns poderiam questionar se crianças tão pequenas conseguem
compreender o que são valores e especialmente o valor respeito. Nesse
ponto a autora traz uma contribuição muito importante: para se
compreender e vivenciar o respeito pelo outro, Piaget já mostrou a
importância de reconhecer o outro e de haver uma descentração, do ponto
de vista cognitivo. Pois bem, a reflexão e a proposta de trabalho são
exatamente na direção da promoção da descentração. Há uma proposta de
avaliação do egocentrismo/descentração que pode ser muito útil ao
educador.
DeVries e Zan (1998) trouxeram contribuições teórico-práticas
muito importantes no que se refere à educação rumo à autonomia a partir
da educação infantil. Percebemos no presente trabalho uma continuidade
do citado, refletindo mais profundamente nas condições necessárias para
que a possibilidade de autonomia possa se efetivar.
Por fim, destacamos a produção de uma Sequência Didática. Um
produto técnico não é exigido no mestrado acadêmico. Mesmo assim, a
autora produziu essa contribuição que foi inclusive avaliada por dez
professores de educação infantil. A Sequência Didática apresentada como
um Encarte deste livro poderá ser utilizada por educadores, o que expressa
uma outra contribuição deste trabalho. As atividades são bem explicadas,
não exigem grandes custos para sua confecção e são bem acessíveis aos
educadores.
11
Esses aspectos foram destacados dentre outros, mas gostaria de
ressaltar ainda a qualidade do texto teórico. Abrange de uma forma que
não é blindada, os principais aspectos teóricos do desenvolvimento
cognitivo, moral e sobre educação infantil. Apresenta passo a passo como
o trabalho foi elaborado, as avaliações dos educadores e por fim o Encarte
com a Sequência Didática.
Desejo aos leitores, um ótimo proveito!
Patricia Unger Raphael Bataglia
Marília, outono de 2021.
12
13
Apresentação
Partindo de um encantamento da autora pelo universo infantil, ao
ingressar no Mestrado em Educação, na linha de Psicologia da Educação:
Processos Educativos e Desenvolvimento Humano, começaram a surgir as
seguintes inquietações: como se dá o desenvolvimento da moralidade na
criança? Depois da anomia, em que a criança carece de todo o sentido de
obrigação para com as regras, como será esse processo de construção da
moralidade? E se pensarmos no valor respeito, o que os pequenos da
Educação Infantil entendem? Como a escola pode ou deve contribuir
nesse processo? Como pode ser o trabalho do professor na educação
infantil?
1
Enfim, são vários os questionamentos que nos levaram a esta
pesquisa, que com imenso prazer e realização de um sonho transformou-
se nesse livro, que mantém por ora o rigor acadêmico.
Escolhemos então buscar a compreensão de tais questões mais
detalhadamente na faixa etária de cinco anos, idade na qual, segundo
Piaget, provavelmente as crianças estão no estádio pré-operatório, fase em
que é característico o pensamento intuitivo e suas ações são comandadas
pelo egocentrismo (PIAGET; INHELDER, 2018 [1968]). Pode-se inferir
que nessa idade, a consciência e a prática das regras ainda são limitadas
pelo fato dos sujeitos serem heterônomos, mas não significa que não devam
ser trabalhadas condições que auxiliem no seu desenvolvimento moral, tais
como o ambiente no qual esse indivíduo está inserido e a cooperação, pois
é a partir das relações de cooperação que a criança pode vir a constituir
uma moralidade autônoma ao longo da vida.
1
Quando este livro mencionar “trabalho do educador na educação infantil” estará sempre se referindo ao
trabalho pedagógico especificamente.
14
Ao concebermos que são as relações de cooperação que
impulsionam o desenvolvimento da moralidade autônoma por possibilitar
a compreensão da perspectiva do outro e consequentemente, sua saída do
egocentrismo, salientamos que precisamos falar de valores, já que assim
como Piaget, no contexto do conjunto de sua obra, desejamos sujeitos
moralmente autônomos, ou seja, pessoas que assumem valores que, por si
mesmas, reconhecem como bons para si e para o outro.
Os valores sociomorais são aqueles que orientam como devemos
ser e viver, conosco e com os outros, de modo a estarmos de acordo com
costumes, normas e princípios estabelecidos em nossa sociedade. Nesse
livro, optamos por usar o termo valor sociomoral pelo desejo de enfatizar a
relação não só com o afeto, mas também com o social.
No primeiro capítulo, a partir da Epistemologia Genética de Jean
Piaget, abordaremos o desenvolvimento cognitivo das crianças, a formação
do símbolo bem como a construção do real, já que para o entendimento
do processo de descentração e a superação gradual do egocentrismo, é
necessário entender tanto do desenvolvimento moral quanto do
desenvolvimento cognitivo.
No segundo capítulo, abordaremos, em especial, as contribuições
de Piaget acerca do desenvolvimento moral, com enfoque nos conceitos de
moral e ética e as possibilidades de superação do egocentrismo, além da
ética na Educação Infantil.
No terceiro capítulo, apresentamos a Educação Infantil no
contexto educacional brasileiro, suas legislações e diretrizes e a Base
Nacional Comum Curricular, bem como algumas considerações acerca da
formação moral e o cuidado nessa etapa da Educação Básica.
No quarto capítulo, trataremos do valor respeito, que pode ser
compreendido como um conteúdo no qual a moral se manifesta. Para
15
Piaget (1994 [1932]), a primeira forma de respeito que a criança tem no
começo da moralidade é uma mistura de amor e medo que se dá pela fonte
da regra, ou seja, a uma autoridade. Esse amor advém da admiração que a
criança tem por essa autoridade ou por uma pessoa importante para ela.
Por outro lado, o medo se refere justamente ao medo de perder esse amor
e, consequentemente o sentimento de desproteção sentido pela criança em
relação ao castigo. Isso explica porque as crianças heterônomas acatam as
regras, pelo apego e medo da autoridade e não pelo fato de que elas
compreendem.
Logo depois, no quinto capítulo, descrevemos o percurso
metodológico utilizado no desenvolvimento dessa pesquisa, que envolve
aspectos, como contato com os professores sobre o projeto de intervenção
do modo de adesão ao respeito, de forma que vislumbrem o respeito ao
outro como princípio e não apenas como regra externa, os resultados e
discussões da avaliação da Sequência Didática e as conclusões a que
chegamos após o desenvolvimento do trabalho.
Para a práxis pedagógica, no encarte que acompanha esse livro,
trazemos a sequência didática, que passou pela avaliação de professores da
Educação Infantil que analisaram a viabilidade e eficácia da proposta.
Buscamos colocar atividades que propiciem o reconhecimento das
emoções com o objetivo de reconhecer as dos outros colegas também, a
descentração que implica na tomada de consciência de si e por conseguinte,
na saída do egocentrismo, a afetividade, a empatia etc.
Desejo uma boa leitura e que esse livro instigue a produção de mais
pesquisas na área de Desenvolvimento Moral na Educação Infantil.
Priscila Caroline Miguel
16
17
Capítulo 1
O desenvolvimento cognitivo sob a
perspectiva construtivista
Consideramos que para o entendimento do processo de
descentração e a superação gradual do egocentrismo é necessário tratar
tanto do desenvolvimento moral quanto do desenvolvimento cognitivo.
Assim, neste capítulo abordamos o desenvolvimento cognitivo das
crianças a partir da epistemologia genética de Jean Piaget, interessado na
psicogênese do conhecimento, com implicações para pensarmos a
construção das estruturas mentais, a construção do real e a formação do
símbolo. No intuito de discutir a formação e o desenvolvimento da
inteligência na criança, Piaget escreveu três obras sobre o sensório motor:
O nascimento da inteligência na criança em 1936, A construção do real na
criança em 1937 e A formação do símbolo na criança em 1945. Trataremos
do desenvolvimento nessa fase inicial e depois no pré-operatório, buscando
com isso evidenciar as condições para a descentração.
Devido ao fato de estar interessado pela gênese do conhecimento,
Piaget passou a se dedicar pelo início da construção dele, o que o levou a
elaborar a teoria psicogenética de construção do conhecimento.
Kawashima (2013, p. 58) assim menciona:
18
Para Piaget (1936/1987), a inteligência é uma adaptação e sua função
consiste em estruturar o universo, quer dizer, a função da inteligência
reside na adaptação do sujeito a uma situação nova, modificando-o
para melhor sobreviver nele. Sendo assim, com o desenvolvimento da
inteligência, o sujeito se torna cada vez mais adaptado ao meio,
podendo inclusive transformar este meio através de suas ações
(KAWASHIMA, 2013, p. 58).
De acordo com Piaget (2018 [1936], p. 18-19), o sujeito modifica
o mundo exterior, e, com isso, ele estrutura o universo e a adaptação só é
considerada pronta quando atinge um sistema estável, ou seja, quando
existe equilíbrio entre a acomodação e a assimilação. E isto nos conduz à
função de organização. Sendo assim, ele define organização como:
Do ponto de vista biológico, a organização é inseparável da adaptação:
são os dois processos complementares de um mecanismo único, sendo
o primeiro o aspecto interno do ciclo do qual a adaptação constitui o
aspecto exterior. Ora, no tocante à inteligência, tanto sob a sua forma
reflexiva como prática, vamos reencontrar esse duplo fenômeno da
totalidade funcional e da interdependência entre a organização e a
adaptação. [...] Ora, esses dois aspectos do pensamento são
indissociáveis: é adaptando-se às coisas que o pensamento se organiza
e é organizando-se que estrutura as coisas (PIAGET, 2018 [1936], p.
18-19).
Segundo Kawashima (2013), a inteligência é, portanto, uma
organização de processos internos e seu desenvolvimento se dá através de
uma construção que depende da interação do indivíduo com o meio e de
suas estruturas mentais, ressaltando que não são inatas enquanto
possibilidades próprias da espécie humana. Isto é, para que o
desenvolvimento da inteligência se dê de forma saudável, o indivíduo
19
precisa dessas estruturas, que são específicas para o ato do conhecimento e
da interação necessária com o meio.
De acordo com Ramozzi-Chiarottino (1988), o conhecimento só
é possível por conta do funcionamento das estruturas mentais, que são
estruturas orgânicas, específicas para o ato de conhecer. Isso não significa
que sejam estruturas inatas, já que o ser humano tem possibilidades dadas
no genoma, as quais poderão ou não ser concretizadas. Para que essas
possibilidades se realizem, é necessário que ocorra a interação entre o
organismo e o meio. A noção de interação em Piaget traz consigo uma
nova concepção de organismo: as estruturas mentais, sendo orgânicas,
aparecem como fruto da interação entre o meio e o organismo, contudo,
no que se refere às estruturas mentais, o orgânico já pressupõe o meio.
Ainda Kawashima (2013, p. 58-59) defende que:
Assim, Piaget, com sua teoria sobre o desenvolvimento cognitivo,
explicou o funcionamento (caracterizado pela adaptação ao meio) e o
caminho (caracterizado pela organização das informações) que o
organismo constrói as estruturas mentais nas trocas que estabelece com
o meio, tanto físico quanto social (FREITAS, 2003). A análise dessas
estruturas mentais que marca as diferenças ou oposições de uma
tendência de conduta para outra, desde os comportamentos
elementares até a adolescência, é evidenciado pelos momentos de
desenvolvimento cognitivo: sensório-motor, pré-operatório,
operatório-concreto e operatório-formal. A distinção desses momentos
de desenvolvimento marca o aparecimento dessas estruturas
sucessivamente construídas (PIAGET, 2011 [1964]) e mostram o
caminho percorrido por qualquer indivíduo da espécie humana, sem
lesão orgânica, na construção das estruturas mentais [...]
(KAWASHIMA, 2013, p. 58-59).
20
Para Kawashima (2013), a importância de se definir as tendências
de desenvolvimento da inteligência se dá pelo fato de que, em cada
momento, o indivíduo adquire novos conhecimentos e novas formas de
compreensão e interpretação da realidade. Segundo Piaget (1999 [1964]),
a cada momento, existem funções que são comuns a todas as idades e em
cada uma delas há um interesse que a inteligência tenta compreender e
explicar. Tal compreensão do processo é fundamental em sua teoria, pois
mostra o modo de funcionamento das estruturas mentais.
Assim, em cada momento de desenvolvimento da inteligência, há
uma lógica que será superada de forma radical por uma organização
superior, que representa outra lógica do conhecimento. Isto significa
ponderar que a inteligência muda de qualidade em cada estádio e que cada
um deles é caracterizado pela aparição de estruturas originais, cuja
construção o distingue de estádios anteriores e a cada uma delas uma forma
única de equilíbrio, e a evolução mental vai se consolidando cada vez mais
no sentido de uma equilibração sempre mais completa (PIAGET, 1999
[1964]).
Para o autor existem algumas condições para o indivíduo receber
um determinado conhecimento: ele precisa estar preparado para recebê-lo;
agir sobre o objeto desse conhecimento e inseri-lo num sistema de relações.
Para isso, são utilizados os esquemas de ação, que são definidos como
mecanismos para a aquisição do conhecimento e, por conta deles, o sujeito
organiza o mundo (KAWASHIMA, 2013). Os esquemas de ação podem
ser compreendidos como “o que há de comum às diversas repetições ou
aplicações da mesma ação” (FREITAS, 2003, p. 20).
Kawashima assim se posiciona:
21
É por meio dos esquemas de ações que as crianças entram em contato
com o meio, e, a cada novo objeto, as crianças tentam encaixá-las em
seus esquemas, interpretando e significando o meio, o que torna
possível apreendê-lo. Por exemplo, mamar, sugar, puxar e prender são
esquemas comuns no desenvolvimento da inteligência sensório-motora
(em média, até 2 anos de idade). Imitar, representar e classificar são
típicos da inteligência pré-operatória (aproximadamente de 2 a 7 anos),
assim como ordenar, relacionar e abstrair caracterizam a tendência
operatório-concreta (de 7 a 11 anos). Já argumentar, deduzir e inferir
aparecem na estruturação da inteligência operatória formal (a partir dos
11 anos) (KAWASHIMA, 2013, p. 60).
Para a construção do conhecimento, é necessário o papel ativo e
construtivo do sujeito pensante no ato do conhecimento com relação à
aquisição do simples requisito das ações do objeto. Sendo assim, Piaget
(2014 [1954]) retrata que como Kant disse, todo conhecimento resulta de
uma síntese que depende de estruturas próprias ao sujeito, mas tais
estruturas, em lugar de serem dadas anteriormente, se constroem, pouco a
pouco, o que, aliás, reforça a parte das atividades do sujeito. O autor assim
retrata:
Da noção a priori elaborada por Kant, eliminamos, pois, seu caráter
prévio, mas retemos, e aí está o essencial, seu caráter necessário: ocorre
apenas que esta necessidade só é atingida por etapas e só se afirma
inteiramente ao termo das construções, quando do fechamento das
estruturas e não desde o icio (PIAGET, 2014 [1954], p. 24).
Segundo Piaget (1999 [1964]), para existir um novo
conhecimento é preciso que o organismo já tenha uma estrutura prévia
para poder assimilá-lo e transformá-lo. A assimilação e a acomodação são
22
implicações da atividade inteligente: é assimilação na medida em que o
sujeito incorpora, em uma estrutura prévia, todo o dado da experiência ou
da realidade exterior a formas diferentes à atividade do sujeito. Freitas
considera que:
[...] a assimilação não altera físico-quimicamente o objeto (como no
processo digestivo, por exemplo), mas apenas o incorpora às formas da
própria atividade. Um objeto adquire significação (aspecto cognitivo)
e interesse (aspecto afetivo) para o sujeito, porque ele é passível de ser
assimilado (FREITAS, 2003, p. 28).
De acordo com Battro (1978), podemos dizer que a assimilação é
integrar os objetos (ou as ligações exteriores) aos esquemas de ação e toda
ação que se apoia sobre um objeto será transformada em suas propriedades
ou em suas relações e é acomodação uma atividade que consiste em
diferenciar um esquema de assimilação, e com relação a esta não é senão
uma atividade derivada ou secundária. Portanto, dialeticamente
articuladas, assimilação e acomodação, constituem o mecanismo da
equilibração, que consiste em uma busca permanente de equilíbrio entre a
tendência dos esquemas para assimilar a realidade e a tendência contrária
para se acomodar e modificar-se para atender tanto as resistências bem
como às exigências. Para Piaget (1999 [1964]), a adaptação é o produto
final do funcionamento de todo organismo.
Desse modo, Piaget assim se refere sobre a temática:
Em resumo, a adaptação intelectual, como qualquer outra, é um
estabelecimento progressivo entre um mecanismo assimilador e uma
acomodação complementar. O espírito só pode encontrar-se adaptado
a uma realidade se houver uma acomodação perfeita, isto é, se nada
23
mais vier, nessa realidade, modificar os esquemas do sujeito. Mas,
inversamente, não há adaptação se a nova realidade tiver imposto
atitudes motoras ou mentais contrárias às que tinham sido adotadas no
contato com outros dados anteriores: só há adaptação se houver
coerência, logo, assimilação. Certo, no plano motor, a coerência
apresenta uma estrutura muito diversa da do plano reflexivo ou do
plano orgânico, e todas as sistematizações são possíveis. Mas, em todos
os casos, sem exceção, a adaptação só se considera realizada quando
atinge um sistema estável, isto é, quando existe equilíbrio entre a
acomodação e a assimilação (PIAGET, 2018 [1936], p. 18).
Como vimos na citação acima, existe adaptação quando há
equilíbrio entre assimilação e acomodação e isso só acontece quando o
objeto é passível de ser assimilado, mas resiste o suficiente para que haja
acomodação conforme aponta Piaget (2018 [1936]).
Em sua obra “Seis estudos de Psicologia”, Piaget (1999 [1964], p.
13), faz uma analogia do desenvolvimento psíquico com o crescimento
orgânico, já que ambos, são orientados para o equilíbrio, assim se
referindo:
Da mesma maneira que um corpo está em evolução até atingir um nível
relativamente estável caracterizado pela conclusão do crescimento e
pela maturidade dos órgãos -, também a vida mental pode ser
concebida como evoluindo na direção de uma forma de equilíbrio
final, representada pelo espírito adulto. O desenvolvimento, portanto,
é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua de um estado
de menor equilíbrio para um estádio de equilíbrio superior. Assim, do
ponto de vista da inteligência, é fácil se opor a instabilidade e
incoerência relativas das ideias infantis à sistematização de raciocínio
do adulto. No campo da vida afetiva, notou-se, muitas vezes, quanto o
equilíbrio dos sentimentos aumenta com a idade. E, finalmente,
24
também as relações sociais obedecem à mesma lei de estabilização
gradual (PIAGET, 1999 [1964], p. 13).
De acordo com Piaget (1999 [1964]), o desenvolvimento mental
é uma construção contínua (daí o nome de sua teoria ser construtivismo),
que pode ser comparada à edificação de um grande prédio que, à medida
que se acrescenta algo, ficará obviamente mais sólida, ou à montagem de
um mecanismo delicado, aonde fases gradativas de ajustamento
conduziriam tanto a uma flexibilidade bem como a uma mobilidade das
peças tanto maior quanto mais estável se tornasse o equilíbrio. Contudo,
o autor faz uma advertência de que é preciso introduzir uma importante
diferença entre dois aspectos complementares deste processo de
equilibração: as estruturas variáveis definindo as formas ou estados
sucessivos de equilíbrio e certo funcionamento constante que permitirá
a passagem de qualquer estádio para o nível seguinte.
Piaget (1978) pontua que tais estádios precisam obedecer às
seguintes características: uma ordem de sucessão constante, o caráter
integrativo entre as estruturas que compõem um estádio e aquelas que as
precederam/sucederam, o seu relacionamento às estruturas lógicas e os
momentos de preparação e acabamento que correspondem ao processo de
equilibração.
Em se tratando da ordem de sucessão, é preciso compreender que
não é possível alcançar um estádio ulterior sem ter passado pelo anterior.
Piaget é enfático em relação às idades de acesso aos estádios:
Podemos caracterizar os estágios numa população dada por uma
cronologia, mas essa cronologia é extremamente variável; ela depende
da experiência anterior dos indivíduos e não somente da maturação, e
depende principalmente do meio social que pode acelerar ou retardar
25
o aparecimento de um estágio, ou mesmo impedir sua manifestação
(PIAGET, 1978, p. 235).
De acordo com a citação acima, a ordem dos estádios é invariável,
mas a idade na qual são alcançados depende dos fatores de
desenvolvimento mencionados anteriormente. É preciso destacar a
importância do meio social no desenvolvimento da inteligência, como
vimos anteriormente, já que a teoria de Piaget é pautada na interação entre
sujeito e meio, ou seja, sem a fonte de interação (ou sempre as mesmas
interações), não existem condições para a ocorrência dos desequilíbrios e
todos os processos cognitivos deles decorrentes (PIAGET, 1978).
No que se refere ao caráter integrativo dos estádios, é importante
ressaltar que as construções realizadas participam e integram as próximas
construções do estádio seguinte. Não podemos dizer que um estádio é
melhor que o outro, já que cada um dos estádios oferece aos indivíduos
uma adaptação, como vimos no início desse capítulo, ainda que
momentânea, às situações propostas em momentos específicos do
desenvolvimento e o avanço só se torna possível devido às estruturas
anteriormente formuladas (PIAGET, 1978; MANO, 2017).
Mano pondera que:
[...] é preciso pormenorizar que, embora por meio das estruturas de
conjunto seja possível antecipar a forma de pensamento de um estádio,
devemos atentar que ele não se encontra em estado puro, pois existem
momentos de preparação e de acabamento do estádio. Por exemplo, na
preparação de um estádio novas formas de pensar já se encontram na
mente do sujeito, mas dúvidas inerentes à estrutura de pensamento do
estádio anterior podem aparecer; já no acabamento, existe a prevalência
das estruturas cognitivas do estádio que se vivencia, bem como se
26
percebem novas estruturas em construção características do estádio
seguinte, ainda que incompletas (MANO, 2017, p. 30).
É importante ressaltar que do ponto de vista funcional, isto é,
levando em conta as motivações gerais da conduta e do pensamento,
comparando-se a criança ao adulto, existem funções constantes e comuns
a todas as idades, como preconiza Piaget:
Em todos os níveis, a ação supõe sempre um interesse que a
desencadeia, podendo-se tratar de uma necessidade fisiológica, afetiva
ou intelectual (a necessidade apresenta-se neste último caso sob a forma
de uma pergunta ou de um problema). Em todos os níveis, a
inteligência procura compreender, explicar etc.; só que se as funções do
interesse, da explicação etc. são comuns a todos os estágios, isto é,
invariáveis, como funções, não é menos verdade que “os interesses”
(em oposição ao “interesse”) variam, consideravelmente, de um nível
mental a outro, e que as explicações particulares (em oposição à função
de explicar) assumem formas muito diferentes de acordo com o grau
de desenvolvimento intelectual. Ao lado das funções constantes, é
preciso distinguir as estruturas variáveis, e é precisamente a análise
dessas estruturas progressivas ou formas sucessíveis de equilíbrio que
marca as diferenças ou oposições de um nível da conduta para outro,
desde os comportamentos elementares do lactente até a adolescência
(PIAGET, 1999 [1964], p. 14-15).
Para Piaget:
Cada estágio
2
é caracterizado pela aparição de estruturas originais, cuja
construção o distingue dos estágios anteriores. O essencial dessas
2 Piaget na citação usa o termo “estágio”, mas nós adotaremos estádios. Piaget utiliza-se da palavra stade (estádio)
para explicar o seu modelo de evolução do pensamento, isto é, é o momento ou o lugar no qual existem
acontecimentos que integram ou caracterizam uma evolução. No entanto, também encontramos a palavra
estágio para designar os estádios da inteligência piagetianos. Resumindo, em Piaget estádio tem uma
27
construções sucessivas permanece no decorrer dos estágios ulteriores,
como subestruturas, sobre as quais se edificam as novas características.
Segue-se que, no adulto, cada um dos estágios passados corresponde a
um nível mais ou menos elementar ou elevado da hierarquia das
condutas. Mas a cada estágio correspondem também características
momentâneas e secundárias, que são modificadas pelo
desenvolvimento ulterior, em função da necessidade de melhor
organização. Cada estágio constitui então, pelas estruturas que o
definem, uma forma particular de equilíbrio, efetuando-se a evolução
mental no sentido de uma equilibração sempre mais completa
(PIAGET, 1999 [1964], p. 15).
Segundo Piaget (1999 [1964]), pode-se dizer de maneira geral
(pensando em cada estádio ao seguinte bem como cada conduta, no
interior de qualquer estágio, à conduta seguinte) que todo movimento,
pensamento ou sentimento corresponde a uma necessidade: a criança ou o
adulto só executam qualquer ação seja ela exterior ou interior motivados
por uma necessidade ou interesse. Quando a ação se finda já com a
satisfação das necessidades há um equilíbrio entre o fato novo, que
desencadeou a necessidade e a nossa organização mental, tal como se
apresentava anteriormente, volta ao normal.
Piaget (1999 [1964], p. 16) admite que “toda ão humana
consiste neste movimento contínuo e perpétuo de reajustamento ou de
equilibração”. Devido a esse motivo, nas fases de construção inicial,
podemos considerar que as estruturas mentais sucessivas produzem o
desenvolvimento como formas de equilíbrio, onde cada uma constitui um
progresso sobre as precedentes. É importante ressaltar que os interesses de
uma criança dependem, portanto, a cada momento de suas noções
característica positiva (é o melhor do que podemos ser em um determinado momento de um processo e estágio
neste sentido, tem um aspecto negativo por caracterizar alguém por aquilo que ele não é) (MANO, 2017, p.
29).
28
adquiridas e de suas disposições afetivas, já que estas tendem a serem
completas em se tratando de melhor equilíbrio.
Ainda Piaget esclarece que:
Pode-se dizer que toda necessidade tende: 1º. a incorporar as coisas e
pessoas à atividade própria do sujeito, isto é, “assinalar”
3
(sic) o mundo
exterior às estruturas já conhecidas, e 2º. a reajustar estas últimas em
função das transformações ocorridas, ou seja, “acomo-las” aos
objetos externos. Nesse ponto de vista, toda vida mental e orgânica
tende a assimilar progressivamente o meio ambiente, realizando esta
incorporação graças às estruturas ou órgãos psíquicos, cujo raio de ação
se torna cada vez mais amplo (PIAGET, 1999 [1964], p. 17).
Segundo Piaget (1999 [1964], p. 17) a percepção e movimentos
elementares (preensão, por exemplo) referem-se aos objetos próximos nos
seus estados momentâneos, já que a memória e a inteligência prática
possibilitam, concomitantemente, reconstituir o estado imediatamente
anterior e antecipar as próximas transformações. O pensamento intuitivo,
por sua vez, reforça essas duas capacidades. E esta evolução resulta na
inteligência lógica, sob a forma de operações concretas e de dedução
abstrata.
Para Piaget:
[...] Em cada um desses níveis, o espírito desempenha a mesma função,
isto é, incorporar o universo a si próprio; a estrutura de assimilação, no
entanto, vai variar desde as formas de incorporação sucessivas da
percepção e do movimento até às operações superiores. Ora,
assimilando assim os objetos, a ação e o pensamento são compelidos a
3 Acreditamos que o termo correto seja “assimilar”, por isso incluímos o “sic” na transcrição da citação.
29
se acomodarem a estes, isto é, a se reajustarem por ocasião de cada
variação exterior. Pode-se chamar “adaptação” ao equilíbrio destas
assimilações e acomodações. Esta é a forma geral de equilíbrio psíquico.
O desenvolvimento mental aparecerá então, em sua organização
progressiva com uma adaptação sempre mais precisa à realidade [...]
(PIAGET, 1999 [1964], p. 17).
Trataremos agora de definir melhor cada período, em especial o
pré-operatório, devido à faixa etária em que estão inseridos os sujeitos, uma
clientela cujas características socioculturais exige ações específicas,
justificando a construção da Sequência Didática, para a práxis pedagógica,
que está no encarte que acompanha esse livro.
1.1 Os estádios de desenvolvimento cognitivo
Como anunciado, veremos agora os estádios de desenvolvimento
cognitivo, que constituem o cerne da contribuição de Jean Piaget para a
Epistemologia Genética. Faz-se necessário ressaltar que as idades atribuídas
ao aparecimento dos estágios não devem ser entendidas de forma rígida e
que há grande variação individual.
De acordo com Biaggio (2015), Piaget esquematiza o
desenvolvimento cognitivo da seguinte forma:
I. Estádio sensório-motor (0 a 2 anos).
II. Estádio pré-operatório (2 a 6 anos).
III. Estádio de operações concretas (7 a 11 anos).
IV. Estádio de operações formais (12 anos em diante).
30
Veremos agora cada estádio e suas principais características, em
destaque o período pré-operatório, fase em que as crianças alvo da
Sequência Didática, aqui apresentada, estão.
1.1.1 O estádio sensório-motor
Cabe ressaltar que o estádio sensório-motor é um período anterior
à linguagem e segundo Piaget e Inhelder:
[...] Pode-se chamar-lhe período “sensório-motor” porque, à falta de
função simbólica, o bebê ainda não apresenta pensamento, nem
afetividade ligada a representações que permitam evocar pessoas ou
objetos na ausência deles. A despeito, porém, dessas lacunas, o
desenvolvimento mental no decorrer dos dezoito primeiros meses
4
da
existência é particularmente rápido e importante pois a criança elabora,
nesse nível o conjunto das subestruturas cognitivas, que servirão de
ponto de partida para as suas construções perceptivas e intelectuais
anteriores, assim como certo número de reações afetivas elementares,
que lhe determinarão, em parte, a afetividade subsequente (PIAGET;
INHELDER, 2018 [1968]).
A inteligência sensório-motora é essencialmente prática, ou seja,
tendente a resultados favoráveis e não ao enunciado de verdades, mas essa
inteligência nem por isso deixa de resolver um conjunto de problemas de
ação, como por exemplo alcançar objetos afastados, escondidos etc.,
construindo um sistema complexo de esquemas de assimilação, e de
organizar o real de acordo com um conjunto de estruturas espácio-
temporais e causais. Devido à falta de linguagem e de função simbólica,
4 É uma idade média e, ainda assim, aproximativa, segundo Piaget e Inhelder (2018 [1968]).
31
tais construções se efetuam apoiadas exclusivamente em percepções e
movimentos, isto é, através de uma coordenação sensório-motora das
ações, sem que intervenha a representação ou o pensamento (PIAGET;
INHELDER, 2018 [1968]).
De acordo com Piaget e Inhelder (2018 [1968]) o estádio sensório-
motor possui subestádios que são:
O estádio I: não se deve buscar o ponto de partida do desenvolvimento
nos reflexos concebidos como simples respostas isoladas, senão nas
atividades espontâneas e totais do organismo e no reflexo concebido,
concomitantemente, como diferenciação destas e como capaz, em alguns
casos (os dos reflexos que são desenvolvidos por exercício em lugar de se
atrofiarem ou permanecerem inalterados) de apresentar uma atividade
funcional que ocasiona a formação de esquemas de assimilação. Em relação
aos reflexos no recém-nascido, disso resulta que aqueles que apresentam
uma importância especial para o futuro (os reflexos de sucção ou o reflexo
palmar, que será integrado na preensão intencional ulterior) dão lugar ao
exercício reflexo”, ou seja, consolidação por exercício funcional
(PIAGET; INHELDER, 2018 [1968]).
O estádio II: segundo Piaget e Inhelder (2018 [1968]) é de acordo com
esse modelo que se iniciam os primeiros hábitos, os quais, estes sim,
dependem de uma atividade do sujeito, ou parecem impostos pelo exterior,
como no caso dos “condicionamentos”. Sendo assim, um reflexo
condicionado nunca é estável pelo simples jogo de suas associações e só se
torna tal através da constituição de um esquema de assimilação, ou seja,
quando o resultado alcançado satisfaz a necessidade inerente à assimilação
considerada.
32
O estádio III: para Piaget e Inhelder (2018 [1968]) o grande interesse do
desenvolvimento das ações sensório-motoras durante o primeiro ano da
criança está no fato de que não apenas conduz a aprendizagens
elementares, origens de simples hábitos, num nível em que ainda não
temos a inteligência propriamente dita, senão também fornece uma série
contínua de intermediários entre as duas variedades de reações. É
importante ressaltar que após o estádio dos reflexos (I) e o dos primeiros
hábitos (II), o terceiro estádio (III) apresenta as seguintes transições: a
partir dos 4 meses e meio aproximadamente, há a coordenação entre a
visão e a preensão (o bebê agarra e manipula tudo o que vê próximo de si)
e repete imediatamente várias vezes o mesmo movimento, o que constitui
uma “reação circular”, ou seja, um hábito em estado nascente, sem
finalidade prévia estremada dos meios empregados.
Os estádios IV e V: no quarto estádio, temos atos mais completos de
inteligência prática, pois impõe-se ao sujeito uma finalidade prévia,
independentemente dos meios que vai empregar, por exemplo, alcançar
um objeto bem distante ou que acaba de sumir debaixo de um travesseiro
ou de uma coberta. Só mais tarde é que esses meios são tentados ou
buscados, e na qualidade de meios: por exemplo, agarrar a mão do adulto
e coloca-la na direção do objeto que quer alcançar, ou erguer o anteparo
que esconde o objeto. Contudo, é no quarto estádio que a coordenação
dos meios e das finalidades é nova e se renova a cada imprevisto (sem o
qual não haveria inteligência), e os meios empregados são emprestados aos
esquemas conhecidos de assimilação (no caso do objeto escondido e
reencontrado, a combinação é igualmente nova) (PIAGET; INHELDER,
2018 [1968]).
33
Para Piaget e Inhelder (2018 [1968]), no curso do quinto estádio
que acontece por volta do 11º ou do 12º meses, é acrescentada às condutas
precedentes a procura de meios novos por diferenciação dos esquemas
conhecidos, como por exemplo, estando colocado sobre o tapete um objeto
distante, a criança, depois de ter tentado em vão atingir diretamente o
objetivo, pode agarrar um canto do tapete e observando uma relação entre
os movimentos do tapete e os do objeto, acaba, puxando o tapete para
alcançar o objeto.
O estádio VI: esse estádio marca o final do período sensório-motor e a
transição para o período seguinte: segundo os autores Piaget e Inhelder
(2018 [1968]) a criança torna-se capaz de encontrar meios novos, não mais
por simples tateios exteriores ou materiais, senão por combinações
interiorizadas, que redundam numa combinação mútua ou insight. Aqui,
por exemplo, colocada em presença de uma caixa de fósforos apenas
entreaberta, na qual se colocou um dado, a criança primeiramente tenta
por meio de tateios materiais, abrir a caixa (reação do quinto estádio), mas
depois, apresenta a nova reação de suspender a ação e examinar, atenta, a
situação (enquanto abre e fecha devagar a boca, ou, em outro sujeito, a
mão, como a imitar o resultado que há de ser alcançado, ou seja, o aumento
da abertura): depois, de forma improvisada, enfia o dedo pela fenda e
consegue assim, abrir a caixa.
Piaget e Inhelder (2018 [1968]) asseveram que no período
sensório-motor, a construção do real conta com a reversão dos esquemas
de assimilação sensório-motores numa espécie de lógica da ação, que
abrange o estabelecimento de relações e correspondências (funções)
encaixes de esquemas, de forma sintetizada, estruturas de ordens e reuniões
34
que constituem a subestrutura das operações futuras do pensamento.
Sendo assim, a inteligência sensório-motora conduz a um resultado
importante no que diz respeito à estrutura do universo do sujeito, por mais
restrito que seja: organiza o real construindo, pelo próprio funcionamento,
as grandes categorias da ação que são os esquemas do objeto permanente,
do tempo e da causalidade, subestruturas das futuras noções
correspondentes.
Em relação as categorias acima citadas, nenhuma delas existe no
princípio e o universo inicial está inteiramente centrado no corpo e na ação
próprios, em um egocentrismo tão total quanto inconsciente de si mesmo,
justamente por falta da consciência do eu. Piaget e Inhelder enfatizam que:
[...] No curso dos dezoito primeiros meses efetua-se, pelo contrário,
uma espécie de revolução coperniciana, ou mais simplesmente
chamada de descentração geral, de tal natureza que a criança acaba por
situar-se como um objeto entre os outros num universo formado de
objetos permanentes, estruturado de maneira espácio-temporal e sede
de uma causalidade ao mesmo tempo espacializada e objetivada nas
coisas (PIAGET; INHELDER, 2018 [1968], p. 19).
Tratando-se do espaço e do tempo, Piaget e Inhelder (2018
[1968]) reiteram que a começar pelas estruturas espácio-temporais, no
princípio, não existe espaço único nem ordem temporal que englobe os
objetos e acontecimentos como os continentes englobam os conteúdos.
Existe apenas um conjunto de espaços heterogêneos, todos centrados no
próprio corpo: espaço bucal, tátil, visual, auditivo, de postura; e algumas
impressões temporais, mas sem coordenações objetivas. As coordenações
desses espaços acontecem logo em seguida, mas tais coordenações
continuam parciais por muito tempo, enquanto a construção do esquema
35
do objeto permanente não conduz à distinção fundamental entre as
mudanças de estado, ou modificações físicas, e as mudanças de posição, ou
deslocamentos constitutivos do espaço.
A noção de causalidade acontece em paralelo com o
desenvolvimento dos esquemas precedentes e o sistema dos objetos
permanentes e de seus deslocamentos, por outro lado, não pode dissociar-
se de uma estruturação causal, pois o próprio do objeto é ser origem, sede
ou resultado de ações diversas, cujas ligações constituem a categoria da
causalidade (PIAGET; INHELDER, 2018 [1968]).
Ainda em relação à causalidade, Piaget e Inhelder assinalam que:
Tal causalidade inicial pode-se chamar mágico-fenomenista;
fenomenista porque qualquer coisa é capaz de produzir qualquer coisa
segundo as ligações anteriores observadas, e “mágica” porque está
centrada na ação do sujeito sem consideração dos contatos espaciais. O
primeiro dos dois aspectos recorda a interpretação da causalidade dada
por Hume, mas com centração exclusiva na ação própria. O segundo
lembra as concepções de Maine de Biran, mas não há aqui consciência
do eu nem delimitação entre este e o mundo exterior (PIAGET;
INHELDER, 2018 [1968], p. 23).
Conforme Piaget e Inhelder (2018 [1968]) em compensação, à
medida que o universo é estruturado pela inteligência sensório-motora de
acordo com uma organização espácio-temporal e pela constituição de
objetos permanentes, a causalidade é objetivada e espacializada, isto é, as
causas reconhecidas pelo sujeito já não estão situadas unicamente na ação
própria, senão em objetos quaisquer e as relações de causa e efeito entre
dois objetos ou suas ações supõem um contato físico e espacial.
36
1.1.2 O período p-operatório
O estádio pré-operatório, compreende o período que vai desde o
fim do subestádio VI do período sensório-motor (mais ou menos 2 anos)
até o início das operações concretas (mais ou menos 6 a 7 anos). Como
principal progresso desse estádio se comparado ao sensório-motor, temos
o desenvolvimento da capacidade simbólica, que para Piaget e Inhelder
(2018 [1968]) consiste em poder representar alguma coisa (um
“significado” qualquer: objeto, acontecimento, esquema conceptual etc.).
Os autores aqui referenciados (PIAGET; INHELDER, 2018 [1968], p.
51) fazem a seguinte distinção: chama-se em geral “simbólica” a essa
função geradora da representação, mas como os linguistas distinguem os
“símbolos” e os “sinais”, emprega-se então a expressão “função semiótica”
para designar os funcionamentos fundados no conjunto dos significantes
diferenciados.
Piaget e Inhelder (2018 [1968]) destacam que antes dos dois anos,
os mecanismos sensório-motores ignoram a representação e antes dessa
idade, não observamos conduta que implique a evocação de um objeto
ausente. Quando isso acontece, por volta dos 9-12 meses, temos a procura
de um objeto desaparecido, sendo que acaba de ser percebido e faz parte
de uma ação já em curso, e um conjunto de indícios atuais permite
encontrá-lo.
O aparecimento da função semiótica se consolida então em um
conjunto de condutas que supõe a evocação representativa de um objeto
ou de um acontecimento ausente que envolve a construção ou o emprego
de significantes diferenciados, haja vista que se referem não só a elementos
não atualmente perceptíveis mas também aos que se acham presentes,
conforme apontam Piaget e Inhelder (2018 [1968]).
37
De acordo com Ramozzi-Chiarottino:
Por volta de um ano e meio/ dois anos, a criança adquire a capacidade
de distinguir o significado do significante, ou seja, de representar,
através de uma imagem mental (visual), eventos ou coisas que estão
fora do seu campo visual. O aparecimento desta capacidade só é
percebido através de seus efeitos, ou seja, até aqui não havia nada no
comportamento da criança que indicasse a capacidade de representar o
mundo através de imagens. Nesse momento, no entanto, ela começa a
demonstrar, em suas ações, referência a eventos passados. Vemo-la
então imitando na ausência do modelo e brincando de faz-de-conta,
tipos de conduta que implicam a representação através de imagem.
Tudo isso ocorre antes da aquisição da linguagem e Piaget diz que essa
capacidade de representar é condição necessária para a própria
aquisição da linguagem (grifos da autora) (RAMOZZI-
CHIAROTTINO, 1988, p. 28).
Ramozzi-Chiarottino (1988, p. 28) afirma que ao adquirir a
capacidade de representar, a criança se torna capaz de evocar e de prever e,
evidentemente, os conteúdos de suas representações já são organizados nos
sistemas concretos de significação. Devido a capacidade de representar,
esses sistemas de significação são reconstruídos em forma de representação,
tornando-se muito mais ricos, já que são passíveis de se organizarem no
tempo, aparecendo como condição necessária da memória e da história.
Sendo assim, a autora esclarece que:
Com o aparecimento da linguagem, a criança enriquece
extraordinariamente os seus sistemas de significação. No entanto, estes
continuam sempre ligados às ações, pois tudo o que a criança ouve,
todas as mensagens recebidas no meio são decodificadas, antes de mais
nada, em função da ação que ela exerce no meio. Como já vimos, as
38
próprias imagens do mundo são construídas em função das ações,
como no caso das lembranças da nossa infância (RAMOZZI-
CHIAROTTINO, 1988, p. 28).
Devemos destacar que ao se tornar capaz de construir sistemas de
significação ao nível da representação (a partir de um ano e meio/dois
anos), a criança passa a assimilar o meio não só através de seus esquemas
de ações, mas também através de seus sistemas de significação que até aqui
independe da capacidade de operar, que é frequentemente confundida
com a capacidade de estabelecer relações, fruto do funcionamento das
estruturas mentais (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1988).
Por isso, parece-nos relevante fazer a descrição do egocentrismo,
característica presente nas crianças que estamos montando a Sequência
Didática; em seus trabalhos mais antigos, Piaget estudou exaustivamente
essa característica do pensamento infantil e a definiu como uma
incapacidade de se colocar no ponto de vista de outrem (BIAGGIO,
2015).
Para Battro (1978), o egocentrismo é caracterizado por uma
indiferenciação entre o sujeito e o mundo exterior e não por um
conhecimento exato que o sujeito adquira de si mesmo, ou seja, é uma
ignorância da vida interior e deformação do eu assim como ignorância das
relações objetivas e deformação das coisas. O egocentrismo, como já vimos,
significa então ao mesmo tempo ausência de consciência de si e ausência
de objetividade, enquanto que a tomada de posse do objeto como tal vai
de encontro com a tomada de consciência de si.
Vinha (2009) faz um alerta sobre a necessidade de não
confundirmos egocentrismo com egoísmo, já que o primeiro se diferencia
do segundo por ser espontâneo, inconsciente e mais complexo. O
egocentrismo, presente quando uma criança não divide objetos ou pessoas,
39
segundo a autora, é um obstáculo à coordenação de pontos de vista e ações
divergentes: para a criança egocêntrica, que ainda não coordena o seu
desejo com o do outro, essas simples situações constituem uma grande
dificuldade.
De acordo com Piaget (1967) para construir um espaço, um
tempo, um universo de causa e de objetos sensório-motores ou práticos, a
criança precisa se libertar de seu egocentrismo perceptivo e motor: por
meio de descentrações sucessivas, ela organiza um grupo de deslocamentos
materiais, situando seu corpo e seus próprios movimentos no conjunto dos
outros. A construção dos agrupamentos bem como a dos grupos
operatórios do pensamento requer uma inversão de sentido análogo, ou
seja, será preciso descentrar o pensamento em relação tanto à centração
perceptiva atual bem como à própria ação em sua totalidade. Pelo fato de
nascer da ação, o pensamento é a princípio egocêntrico, exatamente pela
mesma razão de a inteligência sensório-motora ser de início centrada nas
percepções ou nos movimentos presentes de que precede. Podemos dizer
que a construção das operações transitivas, associativas, irreversíveis,
pressupõe a conversão deste egocentrismo inicial num sistema de relações
e de classes descentradas em relação ao eu. O referido egocentrismo
intelectual ocupa toda a pequena infância.
O desenvolvimento do pensamento terá de repetir, por uma gama
de superações, a evolução que parecia terminada no plano sensório-motor,
antes de se desdobrar num campo infinitamente mais amplo no espaço e
mais móvel no tempo, até alcançar a estruturação das próprias operações
(PIAGET, 1967). Retomaremos esse conceito no capítulo seguinte ao
discorrermos sobre o desenvolvimento da moralidade na infância.
40
1.1.3 O estádio de operações concretas
Ramozzi-Chiarottino (1988) ressalta que para Piaget, a capacidade
de operar diz respeito a um momento particular em relação ao exercício da
capacidade de estabelecer relações e ao mesmo tempo organizar sistemas
de ações coordenadas a nível concreto ou abstrato, mas reitera que o autor
coloca que a operação implica necessariamente na capacidade de
estabelecer elos entre as ideias, mas o estabelecimento de tais conexões nem
sempre implica em operação.
A capacidade de operar aparece por volta dos sete anos em média
e pode ser entendida como a possibilidade de reunir elementos num todo,
formando um sistema de relações. A “noção de conservação da substância”
tem a ver com a compreensão do princípio de identidade das ações e dos
objetos, e aparece como conservação de um todo, apesar das
transformações aparentes. O reconhecimento da identidade, é condição
para que a ação se transforme em operação, porém é fruto de um longo
processo (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1988).
Ramozzi-Chiarottino assim se refere:
A operação, diz Piaget, não é a representação de uma ação: ela ainda é,
pode-se dizer, uma ação, mas que é reversível, ou seja, que conserva seu
objeto no decurso das transformações que são reversíveis. As operações
jamais estão isoladas; ao contrário, formam totalidades que obedecem
a leis de composição interna. A noção de conservação
5
da substância
[...] é o primeiro “sintoma” de que a criança está apta para operar,
5 A noção de conservação da substância pode ser observada, por exemplo, quando a criança compreende que
quando se tem duas bolas de plasticina iguais com a mesma quantidade de massa e uma delas é transformada
em salsicha, a quantidade de massa permanece a mesma, apesar da mudança na aparência (RAMOZZI-
CHIAROTTINO, 1988, p. 30).
41
justamente porque indica a presença do princípio de identidade no seu
raciocínio consciente (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1988, p. 30).
Em se tratando, mais especificamente, do estádio de operações
concretas, que compreende a faixa etária de aproximadamente 7 a 11 anos,
a característica do pensamento operatório-concreto demonstra que a
criança já possui uma organização assimilativa rica e integrada, em
equilíbrio com um mecanismo de acomodação. Biaggio (2015) assinala
que nesse período, a criança já parece ter a seu comando um sistema
cognitivo coerente e integrado com o qual organiza e manipula o mundo.
As operações em jogo nesse estádio podem ser chamadas de
“concretas” porque se baseiam diretamente nos objetos e não ainda nas
hipóteses enunciadas verbalmente, ou seja, as operações concretas
estabelecem a transição entre a ação e as estruturas lógicas mais gerais,
constituídas por uma “combinatória” e uma estrutura de “grupo” capazes
de coordenar as duas formas possíveis de reversibilidade (PIAGET;
INHELDER, 2018 [1968]).
Piaget e Inhelder (2018 [1968]) consideram a seriação como um
bom exemplo desse processo construtivo que é caracterizado pela
capacidade de ordenar os elementos segundo as grandezas de ordem
crescentes ou decrescentes. Tal seriação operatória, adquirida por volta dos
7 anos, derivam de correspondências seriais (como exemplo, fazer
corresponder bengalas igualmente diferentes e mochilas igualmente
seriáveis) ou seriações de duas dimensões (separar numa matriz folhas de
árvores que diferem, ao mesmo tempo, por conta do tamanho e da
tonalidade da cor, mais ou menos escura).
A classificação também constitui um agrupamento fundamental,
mas vale ressaltar que suas raízes se situam nas assimilações próprias dos
42
esquemas sensório-motores. De acordo com Piaget e Inhelder (2018
[1968]), quando damos às crianças de 3 a 12 anos objetos para classificar,
podemos observar três grandes etapas: a) os sujeitos mais novos iniciam
com “coleções figurais”, ou seja, os objetos são dispostos não apenas de
acordo com as suas semelhanças e diferenças individuais, mas fazendo a
justaposição em fileiras, quadrados, círculos etc.; b) a segunda etapa
engloba as coleções não figurais: os pequenos conjuntos sem forma espacial
podem diferenciar-se em subconjuntos e; c) o encaixe de classes em
extensão é conseguido geralmente por volta dos oito anos e caracteriza,
então, a classificação operatória.
Nesse período, encontramos uma lógica de pensamento, que a
então não era vivenciada pelos sujeitos e que modifica suas relações com os
objetos do mundo físico e social (MANO, 2017). E é por meio dessa
estrutura de pensamento do estádio operatório-concreto, que ocorre uma
estruturação gradual e a coordenação dos pontos de vista, seja no plano da
lógica ou no plano da vida social (PIAGET; INHELDER, 2018 [1968]).
1.1.4 O estádio de operações formais
Por volta dos 12 anos em diante, novas equilibrações possibilitam
a entrada do sujeito no estádio das operações formais. Biaggio assim
menciona:
No estágio anterior, de operações concretas, a criança é
capaz de entender relações que lhe são apresentadas
concretamente, ao passo que no estágio de operações
formais ela já é capaz de resolver problemas a respeito de
todas as relações possíveis entre eventos. O adolescente,
nessa fase, já é capaz de pensar em termos abstratos de
43
formular hipóteses e tes-las sistematicamente (BIAGGIO,
2015, p. 84).
Essa nova forma de pensamento caracteriza-se, sobretudo, pela
capacidade de desprender-se do concreto e pensar em termos de
possibilidades, conquistadas pela lógica das operações proposicionais.
Portanto, ampliam-se as possibilidades de pensamento, fato que só é
possível devido a atuação da combinatória, já que as operações formais
permitem construir ilimitadas relações, de ilimitadas classes (MANO,
2017; PIAGET; INHELDER, 2018 [1968]).
De acordo com Mano:
Em posse das operações formais, existe um importante desdobramento
revelado em um sujeito capaz de experimentar, algo que nos estádios
anteriores não se mostrava possível, posto que no sensório-motor a
inteligência era de caráter prático, no pré-operatório a inteligência era
intuitiva, deixando-se levar pelas aparências, e, no operatório concreto
ela estava a serviço do concreto, confinada no objeto não havia
espaço, até então, para que hipóteses fossem pensadas e testadas
(MANO, 2017, p. 35).
O processo evolutivo, cujo aspecto cognitivo estamos aqui
descrevendo, liga também as estruturas do nível sensório-motor inicial às
do nível de operações concretas, passando, por um período pré-operatório,
caracterizado pela assimilação sistemática à ação própria, que ao mesmo
tempo se constitui em obstáculo e preparação para a assimilação
operatória. Obviamente, a evolução afetiva e social da criança obedece às
leis desse mesmo processo geral, haja vista que os aspectos afetivos, sociais
e cognitivos da conduta são indissociáveis, isto é, a afetividade pode ser
44
considerada como energética das condutas cujas estruturas possuem
relações com as funções cognitivas, e, se a energética não explica a
estruturação nem o inverso, é possível concluir que nenhuma das duas
poderia funcionar sem a outra (PIAGET; INHELDER, 2018 [1968]).
1.2 Relações entre a afetividade e a inteligência
As relações entre a afetividade e a inteligência, segundo Piaget
(2014 [1954]) são inseparáveis (indissociáveis). Podemos dizer que a
afetividade interfere nas operações da inteligência, estimulando-as ou
perturbando-as, o que causa acelerações ou retardos no desenvolvimento
intelectual. É incontestável que a afetividade atua como acelerador ou
perturbador das operações da inteligência e um exemplo disso é quando
um aluno motivado em aula tem mais entusiasmo para estudar e
consequentemente, aprenderá com mais facilidade.
Autores como Wallon, por exemplo, defendem que a afetividade
intervém nas próprias estruturas da inteligência e que ela é fonte de
conhecimentos e de operações cognitivas originais. O teórico citado afirma
que a emoção desempenha em alguns momentos uma função excitante, no
sensório-motor, onde a satisfação é causa de progresso no desenvolvimento
(PIAGET, 2014 [1954]).
Piaget (2014 [1954]) entende a afetividade como os sentimentos
propriamente ditos e, em especial, as emoções; as diversas tendências,
incluindo as “tendências superiores” e, em particular, a vontade. Faz-se
necessário distinguir as funções cognitivas, que vão da percepção e das
funções sensório-motoras até a inteligência abstrata com as operações
formais das funções afetivas. Essa divisão é apenas para fins didáticos, pois
na conduta concreta do indivíduo, elas são indissociáveis. Piaget (2014
45
[1954], p. 39) afirma que: “é impossível encontrar condutas procedentes
somente da afetividade sem elementos cognitivos e vice-versa”.
Segundo Piaget (2014 [1954]) não há mecanismo cognitivo sem
elementos afetivos, mesmo nas formas mais abstratas da inteligência.
Exemplo disso é quando um aluno resolve um problema de álgebra, há no
início um interesse intrínseco ou extrínseco, uma necessidade e ao longo
do trabalho, podem intervir estados de prazer, de decepção, de ardor,
sentimentos de fadiga, de esforço, de desânimo entre outros. Com isso, nos
atos cotidianos da inteligência prática, a indissociação é ainda mais
evidente, já que sempre terá interesse, intrínseco ou extrínseco e na
percepção também acontece o mesmo: uma seleção perceptiva,
sentimentos agradáveis ou desagradáveis, sentimentos estéticos e outros.
É importante esclarecer que não existe um estado afetivo puro, sem
elementos cognitivos, pois de acordo com Piaget (2014 [1954]) os fatores
cognitivos desempenham um papel nos sentimentos primários e nos
sentimentos complexos mais evoluídos, onde são mesclados cada vez mais
com os elementos gerados pela inteligência. De forma sintetizada,
podemos afirmar que nunca se encontra estado afetivo sem elementos
cognitivos, nem o contrário. A afetividade desempenha então, o papel de
uma fonte energética, da qual dependeria o funcionamento da inteligência,
mas não suas estruturas; assim como o funcionamento de um automóvel,
que ao acionar o motor, não modifica a estrutura da máquina.
Conforme Piaget (2014 [1954], p. 43), se a afetividade pode ser
causa de condutas, se ela intervém sem cessar no funcionamento da
inteligência, se ela pode ser causa de acelerações ou atrasos no
desenvolvimento intelectual, “ela não gera estruturas cognitivas e não
modifica as estruturas no funcionamento das quais intervém”.
46
No próximo capítulo, abordaremos o desenvolvimento da
moralidade, que tem como necessidade o desenvolvimento da inteligência,
ainda que esta não seja condição de suficiência, sob a perspectiva de Jean
Piaget.
47
Capítulo 2
O desenvolvimento moral:
contribuições de Jean Piaget
Como vimos no capítulo anterior, de acordo com Piaget (1999
[1964]), o estádio da primeira infância, que compreende a faixa etária de
dois a sete anos é marcado por mudanças afetivas e intelectuais. Devido ao
aparecimento da linguagem, a criança torna-se capaz de reconstituir suas
ações passadas sob a forma de narrativas e de antecipar suas ações futuras
pela representação verbal, as quais resultam em três consequências
essenciais em se tratando do desenvolvimento mental, tendo em vista que
com a possível troca entre os indivíduos (início da socialização do
pensamento) ocorre uma interiorização da palavra (aparecimento do
pensamento propriamente dito) e uma interiorização da ação como tal,
que agora se reconstitui no plano intuitivo das imagens e das “experiências
mentais”; de forma paralela, no aspecto da afetividade, temos o
desenvolvimento de sentimentos interindividuais (simpatias e antipatias,
respeito etc.) e de uma organização dos aspectos afetivos de forma mais
estável do que no curso dos primeiros estádios.
Nossa proposta de intervenção envolve crianças de cinco anos e por
isso, para nós estudarmos detalhadamente essa fase é ainda mais
importante. Lembremos que nosso objetivo é o trabalho com o
egocentrismo, característica central nesse momento. Sasso e Morais assim
definem egocentrismo:
48
[...] dizer que um sujeito (seja ele criança, ou adulto) é “egocêntrico”,
na perspectiva piagetiana, é o mesmo que dizer que o mesmo sujeito
não consegue operar (no âmbito cognitivo) sendo que se entende como
“operação” o conjunto de ações internalizadas e reversíveis, inseridas e
coordenadas em um sistema de relações -, e, consequentemente,
cooperar ou seja, operar com o outro (no âmbito social). Desta forma,
a manifestação desse egocentrismo se dá tanto no âmbito cognitivo
quanto social, sendo o segundo um prolongamento (ou reflexo) do
primeiro (SASSO; MORAIS, 2013, p. 46).
De acordo com Sasso e Morais (2013), o processo de socialização
consiste no processo de superação do egocentrismo infantil e isso se deve
ao fato de as formas intelectuais e sociais do egocentrismo desaparecerem
à medida que as ações se coordenam entre si, porque vão ao mesmo tempo
sendo transformadas em operações pela composição reversível das ações e
pela reciprocidade interindividual que constitui a cooperação, sendo que
são esses dois processos que descentralizam o indivíduo em relação ao seu
egocentrismo individual.
A descentração, segundo Battro (1978) é progressiva da própria
ação, ou seja, uma eliminação do egocentrismo em benefício de as ações
iniciais se tornarem reversíveis e operatórias.
Destarte, consideramos que existem dimensões distintas
(cognitiva, afetiva e moral) inseparáveis no sujeito, porém trataremos
especificamente da moral, por ser esse o objeto de interesse no momento.
Antes de adentrarmos nas contribuições de Piaget para o desenvolvimento
moral, faz-se necessário definir moral e ética, conceitos que se articulam e
possibilitam condições para o seu estabelecimento.
49
2.1 Os conceitos de moral e ética
Para La Taille (2006) os termos moral e ética são comumente
empregados como sinônimos, ambos se referindo a um conjunto de regras
de conduta de caráter obrigatório, o que é até justificável, já que temos dois
vocábulos herdados, um do latim (moral) e outro do grego (ética), culturas
antigas que assim nomeavam o campo de reflexão sobre os “costumes” dos
homens, bem como sua validade, legitimidade, desejabilidade e
exigibilidade.
Vale ressaltar que alguns autores ainda insistem em deixar clara tal
sinonímia, porque de acordo com La Taille (2006), atualmente muitas
pessoas veem na palavra “ética” um conceito com promessas filosóficas,
um campo permeado de ricas reflexões, referência a atitudes “nobres”,
qualidades esta que o termo “moral” carece, pois alguns autores retratam
que moral lembra “moralismo”; “moralista”, ou seja, normatização
incessante, dogmática, cuja legitimidade seria suspeita e militante, embora
a palavra “moralista”
6
não tenha, em sua origem, a conotação tão negativa
que adquiriu ao longo do tempo. O autor também diz que: “enche-se a
boca para pronunciar ética, e olha-se de esguelha ao se fazer referência à
moral” (LA TAILLE, 2006, p. 26), mas diferenças podem existir, desde
que as expliquemos claramente e que se reconheça, que se trata de
convenções, assim como La Taille menciona:
A convenção mais adotada para diferenciar o sentido de moral do de
ética é reservar o primeiro conceito para o fenômeno social, e o segundo
6 O moralista é ou deveria ser, apenas a pessoa preocupada com questões morais, como por exemplo, Albert
Camus, escritor francês, que era moralista pois em suas obras nos apresenta temas como o julgamento de alguém
que cometeu um assassinato (O Estrangeiro) ou as reflexões de alguém surpreso com a sua própria covardia (A
queda) (LA TAILLE, 2006, p. 27).
50
para a reflexão filosófica ou científica sobre ele. O fenômeno a que
estou me referindo é o fato de todas as comunidades humanas serem
regidas por um conjunto de regras de conduta, por proibições de vários
tipos cuja transgressão acarreta sanções socialmente organizadas. Vale
dizer que toda organização social humana tem uma moral. [...] A moral
também pode ser objeto de um estudo científico: pode-se procurar
traçar a história dos diversos sistemas morais (trabalho da história),
pode-se procurar compreender as condições sociais que os tornam
possíveis ou até necessários (trabalho da sociologia), pode-se procurar
desvendar os processos mentais que fazem com que os homens os
legitimem (trabalho da psicologia), e assim por diante. A esse trabalho
de reflexão filosófica e científica costuma se dar o nome de ética (LA
TAILLE, 2006, p. 26).
Em se tratando de conceituar moral e ética, as definições tanto de
Piaget como de Kohlberg enfatizam a dimeno racional e assimilam a
moral, em específico, a princípios de equidade, reciprocidade e justiça.
Tognetta (2009) também entende a moral como sendo um conjunto de
regras prescritivas, e a ética, o conjunto de princípios que norteiam as
regras que embasam uma sociedade, sendo assim, a moral é um conjunto
de regras e valores de uma sociedade, e a ética, seria então uma reflexão
filosófica dessas regras e valores.
Ao diferenciarmos moral de ética, reencontramos uma oposição
entre heteronomia e autonomia, já que para o heterônomo, assim como
define Piaget, basta a obediência à autoridade, à tradição; e para o
autônomo, é necessária a reflexão, ou seja, a busca de princípios que
expliquem e legitimem a moral. Salientamos que a diferença de sentido
entre moral e ética, serve então para descrever níveis de desenvolvimento
moral (LA TAILLE, 2006).
51
2.2 O desenvolvimento moral para Jean Piaget
Autonomia é um poder que não se conquista
senão de dentro e que não se exerce
senão no seio da cooperação.
(Jean Piaget)
Em sua única obra destinada à investigação da moralidade, O juízo
moral na criança (PIAGET, 1994 [1932]), obra seminal no campo da
Psicologia do Desenvolvimento Moral, Piaget propôs um estudo sobre a
possibilidade de construção da autonomia e retrata a lei moral construída
gradativamente, tendo como necessidade o desenvolvimento da
inteligência, ainda que esta não seja condição de suficiência.
A referida obra está dividida em quatro partes: a primeira parte
trata do tema regras, estudando as respostas dos meninos num jogo de
bolinhas de gude, com regras bem estabelecidas e o pique/amarelinha das
meninas; a segunda parte trata do tema do realismo moral e sua relação
com a coação adulta; a terceira trata de temas como justiça e cooperação e
na quarta parte há a discussão de outras teses sobre a moralidade (MENIN;
BATAGLIA, 2017). O autor adverte logo no início que está se propondo
investigar a consciência moral no que diz respeito ao juízo e não aos
comportamentos ou sentimentos morais.
Assim sendo, a referida obra pode ser entendida como uma
tentativa de expor suas ideias sobre a moral a partir de uma verificão
empírica; diante de observações, entrevistas clínicas e até mesmo jogando
com as crianças, Piaget notou que existem mudanças na forma como as
crianças pensam e praticam as regras do jogo. O epistemólogo escolheu
estudar como as crianças jogam pelo fato dos jogos serem instituições
sociais, ou seja, por comportarem um sistema complexo de regras.
52
La Taille assim se posiciona:
A primeira ideia que Piaget nos apresenta pode hoje parecer banal, mas
era totalmente nova no início do século passado: há um
desenvolvimento do juízo moral infantil. Antes pensava-se (e alguns
ainda o pensam) que a moral era fruto de uma aprendizagem, esta
entendida como mera interiorização dos valores da sociedade e
memorização de suas regras (lembremos das abordagens de Durkheim
e Freud). Assim haveria, na trajetória moral da criança, apenas dois
momentos: aquele no qual ela ainda nada sabe da moral vigente, e em
seguida, aquele no qual a aprendizagem já ocorreu [...] (LA TAILLE,
2006, p. 96).
Entretanto, o que Piaget comprova, em suas pesquisas, é que a
moralidade infantil não se resume a uma interiorização passiva dos valores,
princípios e regras, já que ela é o produto de construções endógenas, isto
é, o produto de uma atividade da criança que, em contato com o meio
social, ressignifica os valores, os princípios e as regras que lhe apresentam.
Tal ressignificação, é claro, possui características que dependem das
estruturas mentais já construídas. Para Piaget, na história moral da criança
não haverá apenas dois momentos caracterizados pela ausência ou presença
da moral, mas sim momentos diferentes no modo como a criança assimila
as regras morais (LA TAILLE, 2006).
Conforme La Taille (2006), Piaget fala em três tendências do
desenvolvimento moral (anomia, heteronomia e autonomia) e não apenas
em uma, pois se assim fosse teríamos apenas a interiorização da moral
vigente na sociedade em que nascemos. É preciso falar então das
características dos três momentos do desenvolvimento do juízo moral.
Piaget considera que os períodos são definidos pela tendência dominante
por meio do qual a criança pensa moralmente, isto é, nenhuma criança é
53
totalmente heterônoma ou autônoma. A tendência heterônoma seria de
forma geral, pensar a legitimidade das regras morais tendo como referência
a obediência de uma autoridade e, no caso da tendência autônoma o
sujeito, em certas circunstâncias, demonstra a capacidade de levar em conta
a reciprocidade e construir regras baseadas em princípios universalizáveis
ao invés de simplesmente acatar a regra externa, característica da
autonomia moral (LA TAILLE, 2006).
Outra característica é referente ao método utilizado, pois quando
as crianças precisam pensar sobre situações ou histórias contadas
verbalmente a elas, as dificuldades de abstração podem conduzi-las a dar
respostas de nível inferior às que dariam se estivessem numa situação real,
mas isso não significa que o período no qual a criança se encontra desmente
o fato de ela ter sido heterônoma ou autônoma (LA TAILLE, 2006).
Para Piaget (1994 [1932]), como anunciamos logo acima, o
desenvolvimento moral pode adotar as seguintes formas: depois de uma
fase pré-moral ou anomia, é possível que o sujeito desenvolva uma
consciência heterônoma e depois disso, uma consciência autônoma. Na
anomia, como o próprio nome indica (a = não, nomia = regras, ou seja,
ausência de regras), a criança ainda não adentrou no universo moral e desde
o nascimento é inserida em um universo de regras sociais e convencionais:
hora de dormir, hora de comer, tempo de televisão etc., e outras de cunho
moral, tais como: não bater, não xingar etc. La Taille considera que:
[...] antes dos 4 anos, em média, as regras da moral ainda não estão
associadas, para a criança, a valores como o bem e o mal, o certo e o
errado. Seria melhor dizer que são hábitos de conduta: são apenas
coisas que se fazem. Por volta dos 4 anos, a criança começa a conceber
que há ações que devem ou não devem ser realizadas com referência a
ideia de que as regras apontam para ações que são boas ou más, certas
54
ou erradas. A apreensão da dimensão do dever, do bem e do mal,
significa que a moral começa a fazer parte do universo de valores da
criança. Da anomia, ela passa para a heteronomia (grifos do autor) (LA
TAILLE, 2006, p. 97-98).
A heteronomia é uma tendência segundo a qual a criança baseia
seus juízos em um respeito unilateral e os adultos são vistos como
autoridade e fonte de regras e proibições. Aqui, as origens da moralidade
estão no respeito que é dirigido aos adultos, levando a uma moral da
obediência, de adesão a regras fixas e determinadas por outrem. A moral
heterônoma é caracterizada por dois conjuntos de características: o
primeiro contempla a compreensão das regras e o segundo, a fonte de
legitimidade destas. Em relação à compreensão das regras, a criança tende
a uma interpretação ao pé da letra e privilegia as consequências da ação e
não a sua intencionalidade. Podemos dizer que a criança heterônoma ainda
está presa às regras porque não concebe o princípio moral que lhes dá
sentido. E devido ao fato de privilegiar as consequências da ação, trata-se
de um equacionamento moral típico dessa fase: a intenção é considerada
inferior, hierarquicamente falando (PIAGET, 1994 [1932]; LA TAILLE,
2006).
Para La Taille (2006), em se tratando da fonte de legitimação das
regras, a moral heterônoma caracteriza-se pela referência à autoridade e é
por isso que Piaget também a nomeia como moral da obediência, haja vista
que o moralmente correto é obedecer às regras impostas pelas pessoas
reconhecidas como autoridade, em geral, os pais. Na heteronomia, não há
exigência de reciprocidade, ou seja, o dever respeitar não é compensado
pela concepção do direito de ser respeitado. Diante disso, o autor observa
que:
55
Por volta dos 8, 9 anos, as concepções infantis a respeito da moral
começam a mudar: a criança torna-se moralmente autônoma ou, como
seria mais prudente dizer, ela começa a apresentar sinais de autonomia.
Do ponto de vista da compreensão das regras e de seu equacionamento,
a criança passa a poder julgar a partir de princípios e, assim, liberta-se
da obediência estrita às regras. Por exemplo, ela começa a conceber que
a regra “não mentir” não implica sempre dizer a verdade, mas sim não
violentar outrem com uma informação falsa. E, do ponto de vista do
equacionamento, a intencionalidade que preside as ações passa a ser
um critério necessário para julgar moralmente. Ainda do ponto de vista
do equacionamento moral, um novo princípio começa a inspirar os
juízos: o da igualdade. A criança moralmente autônoma pensa que um
dever moral primordial é tratar as pessoas sem privilegiar umas nem
desprezar outras (LA TAILLE, 2006, p. 98).
Na autonomia, as relações antes unilaterais são transformadas em
respeito mútuo, baseando-se na reciprocidade e justiça, sendo o princípio
da igualdade uma redefinição da fonte da legitimidade das regras e dos
princípios: a fonte não será mais a autoridade, mas sim o princípio moral
em si, que é o da equidade e da justiça. Enquanto na moral heterônoma,
temos os deveres como mais importantes que os direitos; na moral
autônoma, deveres e direitos complementam-se e se equilibram. De forma
sucinta, ao passo que na heteronomia uma regra é moralmente boa porque
a ela devemos obedecer, na autonomia deve-se obedecer a uma regra
porque ela é boa. Se a regra for ruim, a desobediência tem agora o caráter
de uma ação moralmente legítima algo impensável, na moral
heterônoma (LA TAILLE, 2006).
Podemos inferir então que as mudanças no nível cognitivo da
criança, desde o egocentrismo até o perspectivismo, junto com a alteração
das relações sociais, da coação à cooperação, culminam na base para
explicar a transposição dos juízos morais heterônomos aos autônomos.
56
De acordo com Freitas (2003) a moralidade fundamenta-se na
autonomia do sujeito, isto é, cada um está sujeito a uma lei, válida para
todo ser racional, e que, ao mesmo tempo, esta é admitida como sua
própria lei (princípio da autonomia). Sendo assim, a moralidade distingue-
se da religião e do direito, cujas regras são externas aos sujeitos aos quais
elas se aplicam (princípio da heteronomia).
No prefácio do livro O juízo moral na criança, (PIAGET, 1994
[1932]), La Taille menciona o egocentrismo como outro ponto central do
livro, alertando que fora interpretado erroneamente como um sujeito
plenamente consciente de si, que interpreta o mundo exclusivamente
através de seu ponto de vista, enquanto para Piaget o desenvolvimento se
dá do individual para o social (social como troca ou comunhão de pontos
de vista). O autor estabelece que:
É no momento em que o sujeito está o mais centrado em si que ele
menos se conhece; e é na medida em que descobre a si mesmo que o
sujeito se situa num universo e constitui este em razão desta descoberta.
Em outros termos, egocentrismo significa ao mesmo tempo ausência
de consciência de si e ausência de objetividade, enquanto a tomada de
consciência do objeto é inseparável da tomada de consciência de si (LA
TAILLE, 1994 [1932], p. 19).
Podemos inferir, então, que a descentração, ou seja, a superação do
egocentrismo, significa também tomada de consciência de si, já que o
egocentrismo seria então justamente a falta de tal consciência.
Piaget (1994 [1932], p. 23) afirma que: “toda moral consiste num
sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no
respeito que o indivíduo adquire por essas regras”. Para ele, as relações de
coação no caso das crianças, fortalece o egocentrismo que, entre outras
57
coisas, é justamente a dificuldade de se colocar no ponto de vista do outro
e consequentemente, estabelecer relações de reciprocidade. Em relação ao
desenvolvimento moral, na coação, há somente respeito unilateral, além
de uma assimilação deformante das razões de ser das diversas regras
(realismo moral). Resumindo, da coação deriva a heteronomia moral (LA
TAILLE, 1992).
O oposto da coação é a cooperação, sendo que La Taille esclarece
que:
As relações de cooperação (co-operação, como às vezes escreveu Piaget
para sublinhar a etimologia do termo) são simétricas; portanto, regidas
pela reciprocidade. São relações constituintes que pedem, pois, mútuos
acordos entre os participantes, uma vez que as regras não são dadas de
antemão. Somente com a cooperação, o desenvolvimento intelectual e
moral pode ocorrer, pois ele exige que os sujeitos se descentrem para
poder compreender o ponto de vista alheio. No que tange à moral, da
cooperação derivam o respeito mútuo e a autonomia [...] (LA TAILLE,
1992, p. 59, grifos do autor).
Pensando nos fatores que fortalecem na prática a heteronomia e a
consciência das regras e os que favorecem a autonomia, Piaget postula que
as relações sociais são formadoras” dos sentimentos morais. Temos de um
lado, o egocentrismo da criança pequena e o respeito unilateral nas suas
relações com os mais velhos que resultam em heteronomia ou em moral
do dever. De outro, a descentração oriunda das vivências de cooperação
com a prática da reciprocidade constroem a autonomia da prática e da
consciência das regras. São exatamente o respeito unilateral e egocentrismo
num extremo, e cooperação com reciprocidade, noutro extremo, que dão
conta de explicar a evolução dos juízos morais e das concepções de justiça
entre as crianças (MENIN, 2007).
58
De acordo com Freitas (2002, p. 305), o respeito unilateral é a
primeira forma de respeito que aparece no desenvolvimento do ser
humano e esse sentimento surge nas relações de coação social, em especial
as construídas entre a criança e seus pais ou com outros adultos
significativos para ela. Vale enfatizar que a obediência nasce nesse tipo de
relação:
[...] Todavia, Piaget (1932/1992) constatou que a obediência conduz
a uma atitude paradoxal: o sujeito considera a regra como sagrada e
imutável, mas, na prática, ele não a segue. Ele denominou “realismo
moral” a tendência da criança (e do adulto que permanece criança) a
considerar os deveres como exteriores ao indivíduo, a seguir as normas
ad litteram, sem compreender o seu espírito, e a julgar a gravidade de
uma falta em função do resultado do ato ou do caráter material do ato
e não em função da intenção do agente. O realismo moral é produzido
pela conjunção do egocentrismo com a coação social (grifos da autora)
(FREITAS, 2002, p. 305).
É válido destacar que o respeito unilateral é importante, mas não
suficiente, para que se construam outras formas de respeito e as pesquisas
de Piaget mostraram que graças a cooperação, um outro tipo de respeito
pode constituir-se: o respeito mútuo. É a relação de cooperação que impõe
apenas a norma de reciprocidade que obriga cada um a se colocar no lugar
do outro. Com esse tipo de relação, a atitude da criança em relação a regra
muda: a) ela deixa de ser sagrada e imutável, ou seja, agora ela é produto
de vontade coletiva; b) a criança compreende a diferença entre uma regra
e uma lei e que nem sempre a regra é justa; c) ela admite que modificar a
regra não é necessariamente uma transgressão, ou seja, a criança descobre
a sua capacidade de instituir normas, sendo essas condições um passo para
a conquista da consciência moral autônoma (FREITAS, 2002).
59
La Taille (2009) assegura que a moralidade autônoma, que começa
a ser construída por volta dos 9 anos, não se caracteriza mais pela referência
a figuras de autoridade para legitimar regras e princípios, assim como na
heteronomia, mas sim na busca de equilíbrio das relações sociais, equilíbrio
esse que só é possível se as regras morais forem acordadas de forma livre
entre pessoas que se consideram iguais. O autor assim descreve:
[...] é preciso sublinhar que Piaget nunca afirmou que as crianças, a
partir dos 9 anos, deixam de ser heterônomas para usufruir de plena
autonomia. Ele apenas disse que elas começam a pensar uma forma
alternativa de legitimação da moral, mas que, na maioria dos jovens e
adultos, essa nova forma não vai substituir por completo a anterior,
mas vai com ela conviver. Escreveu ele: “notemos que essas duas morais
se reencontram no adulto” [...] (LA TAILLE, 2009, p. 237).
Menin (2007) salienta que Piaget, na década de 1930, ao publicar
o livro O juízo moral na criança, partiu da consideração inicial de que a
moral depende do respeito a determinadas regras, que determinam o bom
agir, e a forma encontrada por ele foi investigar como surgem, em crianças,
as primeiras formas desse respeito às regras. Para tanto, o autor estudou a
evolução da prática e da consciência que as crianças têm a respeito das
regras em situações de jogos, algo que abordaremos no tópico seguinte.
2.2.1 As análises de Piaget a respeito dos jogos de regras
Para Vinha (2009) a opção de Piaget por utilizar o estudo de jogos
e de suas regras, como estratégia de pesquisa, foi por conta de que, apesar
de saber que as regras do jogo em si não são morais, existe uma certa
60
similaridade entre a construção do respeito às regras do jogo e o respeito
às normas morais. Ainda sobre tal similaridade, percebemos que na fala de
Araújo (1993 apud VINHA, 2009, p. 40) fica clara a relação entre regras
morais e outras regras: “[...] o valor moral de uma ação não está na mera
obediência às regras determinadas socialmente, mas no porque elas são
obedecidas: no princípio inerente a cada ação”.
Vemos assim, que ao investigar a obediência à quaisquer regras,
por exemplo as regras do jogo, Piaget se interessava mais pela disposição
para obedecer ou não, acatar ou não, construir ou não, regras de modo
geral, sejam elas, do jogo, sociais ou morais.
Ao construir uma teoria científica do desenvolvimento moral Piaget vê
na compreensão dos jogos de regras um campo propício para estudar
uma das dimensões do desenvolvimento moral: a heteronomia versus a
autonomia, uma vez que mantém a tese de Kant que há duas morais
[...] Para ambos os autores apenas a autonomia é efetivamente a lei
moral, mas enquanto para Kant a heteronomia contraria o princípio
da moralidade apresentando-se como uma falsa liberdade, pois a
vontade não se dá por ela mesma (Kant, 1788/2002), Piaget levanta a
hipótese de que a heteronomia é sucedida pela autonomia (Piaget,
1932/1994). [...] A escolha dos jogos de regras para esta investigação
justifica-se, segundo Piaget (1932/1994), já que estes possuem
complexos sistemas de regras e, além disso, são expressos em relações
sócio-culturais (destaque dos autores) (QUEIROZ; RONCHI;
TOKUMARU, 2009, p. 70).
Com relação às regras do jogo, primeira parte da obra de Piaget
(1994 [1932]), podemos destacar dois grupos de fenômenos: a) a prática
das regras, ou seja, o modo como as crianças usam as mesmas para si e para
os outros na situação de jogo e b) a consciência das regras, que deve ser
61
entendida pela compreensão que as crianças tem das mesmas regras, o que
elas são, para que servem, de onde vêm, quem as faz ou, se podem ser
modificadas (MENIN, 1996). Segundo Vinha (2009), em seus estudos
sobre a construção do valor das regras, Piaget estabeleceu que primeiro a
criança pratica as regras e, só depois vai conscientizando-se delas, alegando
que dessa forma, a razão provém da ação.
La Taille assim aborda a importância do uso dos jogos de regras:
[...] Para Piaget, os jogos coletivos de regras são paradigmáticos para a
moralidade humana. E isto por três razões, pelo menos. Em primeiro
lugar, representam uma atividade interindividual necessariamente
regulada por certas normas que, embora geralmente herdadas das
gerações anteriores, podem ser modificadas pelos membros de cada
grupo de jogadores, fato este que explicita a condição de “legislador” de
cada um deles. Em segundo lugar, embora tais normas não tenham em
si caráter moral, o respeito a elas devido é, ele sim, moral (e envolve
questões de justiça e honestidade). Finalmente, tal respeito provém de
mútuos acordos entre os jogadores, e não da mera aceitação de normas
impostas por autoridades estranhas à comunidade de jogadores. Vale
dizer que, ao optar pelo estudo do jogo de regras, Piaget deixa antever
sua interpretação contratual da moralidade humana (grifos do autor)
(LA TAILLE, 1992, p. 49).
Com o intuito de saber qual a compreensão que as crianças tinham
das regras que utilizavam para jogar, Piaget entrevistou e observou crianças
de diferentes idades ao jogarem bolinhas de gude (meninos) ou
amarelinha/pique (meninas) (PIAGET, 1994 [1932]; MENIN, 2007).
Os resultados obtidos a partir do interrogatório com os meninos
permitiram a Piaget (1994 [1932]) a distinção de quatro estádios
sucessivos com relação à prática das regras: 1) um primeiro estádio,
62
puramente motor e individual, caracterizado pelo fato da criança
manipular as bolinhas em função de seus próprios desejos e de seus hábitos
motores; 2) um segundo estádio, chamado de egocêntrico, em que a
criança recebe do exterior o exemplo de regras codificadas, mas mesmo
imitando esses exemplos, joga, seja sozinha sem se preocupar em encontrar
parceiros, seja com os colegas, mas sem procurar vencê-los e nem
uniformizar as diversas maneiras de jogar, além de não haver cuidado com
a codificação das regras; 3) um terceiro estádio o da cooperação nascente,
por volta dos sete ou oito anos, implica no jogador procurar vencer,
aparecendo a necessidade de controle mútuo e da unificação das regras,
mas pode-se observar ainda uma variação considerável no que se refere às
regras gerais do jogo. E finalmente, por volta dos onze ou doze anos,
aparece o estádio da codificação das regras, que as partidas e os pormenores
do procedimento são regulamentados detalhadamente e o código de regras
é conhecido por todos.
O quadro a seguir sintetiza, na construção de Menin (2007), essas
ideias:
63
Quadro 1 - As descobertas de Piaget no que se refere à prática das regras
Fonte: MENIN (2007, p. 46).
Em se tratando da consciência das regras, podemos destacar três
estádios, de acordo com Piaget (1994 [1932]): 1) durante o primeiro
estádio, a regra ainda não é coercitiva (início do estádio egocêntrico),
porque é puramente motora e suportada, como que inconscientemente; 2)
já, no segundo estádio (apogeu do egocentrismo e primeira metade do
estádio da cooperação), a regra é tida como sagrada e intangível e toda
modificação proposta é considerada como transgressão e 3) durante o
terceiro estádio, enfim, a regra é considerada como lei imposta pelo
consentimento mútuo, cujo respeito é obrigatório e a transformação delas
só é permitida se houver um consenso. Observe-se o quadro a seguir:
64
Quadro 2 - As descobertas de Piaget no que se refere à consciência das regras
Fonte: MENIN (2007, p. 47).
Fazendo um paralelo dos estádios da prática e da consciência das
regras, é possível estabelecer a relação de que a regra coletiva é inicialmente
exterior ao indivíduo e por isso, sagrada. Mas ao passo que a regra coletiva
está sendo interiorizada, há o aparecimento do consentimento mútuo e da
consciência autônoma. No que diz respeito à prática, o respeito místico
pelas leis corresponde a um conhecimento e uma rudimentar aplicação de
seu conteúdo e o respeito racional e motivado, diz respeito a uma
observação pormenorizada de cada uma das regras (PIAGET, 1994
[1932]).
Freitas (2002) retrata que mesmo antes da obra O juízo moral na
criança, Piaget defendia a existência de um paralelismo entre a lógica e a
65
moral no ser humano. Ele traçou um paralelo entre o desenvolvimento
intelectual e o desenvolvimento da afetividade e na referida obra temos a
ideia de que as relações afetivas que se estabelecem entre os seres humanos
estão na origem da ação moral.
Para Menin (2007), Piaget descobriu que há uma evolução na
prática e consciência das regras no sentido da heteronomia à autonomia e
uma dependência da segunda em relação à primeira. Sendo assim, após um
período em que não há consciência das regras, nem jogo propriamente
dito, as crianças começam a imitar os mais velhos, ao jogar, como se
respeitassem de fato as regras, mas, ao se observar mais de perto seu jogo,
dá para perceber que elas adaptam as regras aos seus interesses sempre que
necessário (prática imitativa e egocêntrica).
Ao jogar segundo uma regra, se a criança percebe que vai perder, a
regra é rapidamente esquecida ou modificada para seu benefício. Esse ato
não é intencional ou reconhecido pela criança, e sim fruto de seu
egocentrismo, que a impede de perceber a realidade em diferentes
perspectivas. Ao mesmo tempo, a criança afirma as regras como imutáveis,
isto é, toda modificação é vista como uma transgressão, de origem externa
ao grupo de crianças, como se as regras fossem criadas por Deus, pelos
próprios homens ou por alguma outra autoridade, o que evidencia também
um realismo moral (consciência heterônoma das regras). Nessa fase, é
interessante destacar a maneira como prática e consciência se contradizem,
sendo que a rigidez do discurso sobre as regras (a consciência) não garante
em nada a obediência a elas (a prática) (MENIN, 2007).
Enfocando a consciência das regras, temos no terceiro estádio uma
importante transformação: à heteronomia sucede a autonomia e a regra do
jogo se apresenta não mais como uma lei exterior, sagrada, enquanto
imposta pelos adultos, mas como o produto de uma livre decisão, e digna
de respeito se mutuamente consentida. Aqui, a criança não se volta mais à
66
sabedoria da tradição, como os menores. A regra eno não é mais
coercitiva nem exterior, pois pode ser modificada e adaptada às tendências
do grupo. Podemos concluir que é a partir do momento em que a regra de
cooperação, onde já temos o respeito mútuo operando, sucede à regra de
coação, que é marcada pelo respeito unilateral, que ela se torna uma lei
moral efetiva (PIAGET, 1994 [1932]).
E para analisar como se dá o desenvolvimento moral nas meninas,
Piaget utilizou-se do “pique” inicialmente e concluiu que as meninas têm
o espírito jurídico muito menos desenvolvido que os meninos, afirmação
esta que lhe rendeu críticas posteriores por estudiosos da temática de
gênero, dentre elas de Carol Gilligan em seu livro Uma voz diferente, de
1982. No jogo de “amarelinha”, sugere que as meninas se preocupam
muito mais com a habilidade do que com a estrutura jurídica envolvida,
ao contrário dos meninos. Devido ao extremo polimorfismo do jogo da
amarelinha, o que dificultou o interrogatório acerca da consciência das
regras, o “pique” foi escolhido para pesquisar até que ponto as meninas
consideram as regras como obrigatórias (PIAGET, 1994 [1932]).
Segundo Vinha (2009), a grande contribuição de Piaget com suas
pesquisas foi que assim como o desenvolvimento da inteligência, o
desenvolvimento moral é também um processo de construção interior, ou
seja, o conhecimento não é adquirido por absorção ou acumulação de
informações provenientes do mundo exterior, mas por um processo de
construção. A autora enfatiza que:
Para ele
7
, as regras externas tornam-se próprias da criança somente se
ela as constrói por sua livre vontade. Não adianta tentarmos ensinar a
moralidade, pois ela é construída a partir da interação do sujeito com
o meio em que vive. É constituída por experiências com as pessoas e
7 A autora se refere nesse trecho ao teórico Jean Piaget.
67
situações. Os traços da personalidade não podem ser ensinados
diretamente. Em concordância com esse processo de construção,
Ginnott (1974) afirma que ninguém pode ensinar honestidade em
palestras, lealdade com histórias, coragem por analogia ou maturidade
pelo correio. Para ela, a educação do caráter demanda presença que
demonstre, o contato que comunique. Assim sendo, não adianta
tentarmos ensinar os valores simplesmente com lições de moral,
sermões, ditados populares, censuras, e outros, como comumente
acredita-se. Uma criança aprende o que vive e se torna o que
experimenta (VINHA, 2009, p. 40).
De forma sucinta, podemos dizer que é somente a partir da troca
do sujeito com o meio no qual está inserido, que ele vai, de forma
gradativa, construindo os seus valores morais. Portanto, não há uma
internalização passiva dos valores, como acreditam os empiristas, ao
afirmar que a autonomia moral é produto da interiorização de regras,
normas e valores exteriores: para os piagetianos, o indivíduo é ativo na
construção de seu conhecimento, como já vimos anteriormente. Vinha
(2009, p. 41) assim resume: “[...] não é somente o sujeito, nem
simplesmente o ambiente: são os dois fatores que atuarão nesse processo
[...]”. Diante desse processo ativo de interação, os fatores mais importantes
que promovem o desenvolvimento moral são os tipos de experiências de
cada indivíduo, em concreto e a atmosfera moral de seu círculo familiar,
escolar e social. Sendo assim, a moralidade é o resultado das relações
estabelecidas pelo sujeito com esses ambientes, aliás, ambiente este que não
é inócuo e o sujeito, muito menos passivo.
68
2.2.2 Os juízos morais
Entendemos que agora se faz necessário descrever as conclusões de
Piaget (1994 [1932]) acerca da forma como as crianças concebem seus
deveres e valores morais, e como julgam situações que envolvem a
obediência ou a transgressão a diversas normas. Menin (2007) aponta três
características do realismo moral que estão presentes nas fases iniciais dos
julgamentos realizados pelas crianças: a) o dever é em sua essência
heterônomo, ou seja, bom é tudo aquilo que ocorre em obediência a uma
autoridade, e mau é qualquer ação que foge das regras conhecidas: as regras
são consideradas como acabadas, exteriores à consciência e evidentemente,
reveladas e impostas pelos adultos; b) a regra deve ser seguida ao pé da
letra, o que Piaget chamou de “realismo do texto” e, c) a responsabilidade
possui uma concepção objetiva, já que as crianças avaliam os resultados e
não a intencionalidade dos atos.
Piaget (1994 [1932]) encontrou em suas pesquisas duas tendências
de julgamento moral: os julgamentos por responsabilidade objetiva, que
predominam entre os pequenos, crianças com sete anos ou menos, nos
quais são analisadas apenas as consequências aparentes de uma ação e não
as suas intenções; nos julgamentos por responsabilidade subjetiva temos
então a análise das intenções, aparecendo entre crianças maiores de nove
anos, aproximadamente. Menin salienta que:
As mesmas tendências apareceram, quando as crianças julgam
diferentes formas de mentira: em média, predominam os julgamentos
objetivos do mentir em crianças de sete anos ou menos que tendem a
considerar a mentira como um erro, mais “feia” quanto mais aparente
e que deve ser evitada para não se ser punido; aos nove anos,
aproximadamente, predominam os julgamentos por responsabilidade
69
subjetiva, em que as crianças tendem a julgar a mentira pela sua
intenção, mais “feia” quanto mais enganar e que deve ser evitada para
não se quebrar o elo de confiança existente no grupo (MENIN, 2007,
p. 51).
Tais resultados foram explicados por Piaget (1994 [1932]) da
mesma forma como explicou os relativos à prática e a consciência das regras
do jogo.
[...] a coação adulta sobre a criança e o respeito unilateral
predominante nessa relação resultam no realismo da regra e na
exterioridade dos julgamentos; ao passo que a cooperação entre iguais
e o respeito mútuo são as condições necessárias para a consideração das
intenções. Além disso, o teórico retoma os fatores de heteronomia nos
julgamentos coação nas relações adulto-criança com consequente
respeito unilateral e egocentrismo do pensamento infantil e os fatores
da autonomia cooperação nas relações criança-criança com quebra
do egocentrismo e predomínio da reciprocidade (MENIN, 2007, p.
51).
Precisamos frisar que os fatores de heteronomia ocorrem mesmo
quando os adultos são muito cuidadosos no modo como educam seus
filhos: são as crianças, que por respeito e pelo egocentrismo, concebem os
pais como autoridades incontestáveis, cujas palavras além de leis, são
sagradas. Até mesmo as crianças que nunca sofreram algum tipo de
punição por transgressões cometidas apresentam sentimento de culpa, falta
desproporcional ao ato cometido. É a soma do egocentrismo com a coação
que explicam esse fato (MENIN, 2007).
70
Outra importante contribuição de Piaget para a Psicologia do
Desenvolvimento Moral, foi seus estudos sobre o desenvolvimento das
noções de justiça, assunto que abordaremos no tópico seguinte.
2.2.3 As noções de justiça
Como já abordamos nesse capítulo, os estudos das regras do jogo
realizados por Piaget (1994 [1932]) nos conduziram à hipótese da
existência de dois tipos de respeito e, consequentemente, duas morais, uma
moral da coação ou heteronomia e uma moral da cooperação ou da
autonomia. O autor em sua obra O juízo moral na criança (1994 [1932]),
entende a justiça como a mais racional das noções morais e que parece
resultar diretamente da cooperação. Sendo assim, Piaget retrata que:
[...] o sentimento de justiça embora podendo, naturalmente ser
reforçado pelos preceitos e exemplo prático do adulto -, é, em boa
parte, independente destas influências e não requer, para se
desenvolver, senão o respeito mútuo e a solidariedade entre crianças. É
quase sempre à custa e não por causa do adulto que se impõem à
consciência infantil as noções do justo e do injusto. Contrariamente a
essa regra, imposta primeiramente do exterior e por muito tempo não
compreendida pela justiça, como não mentir, a regra de justiça é uma
condição imanente ou de lei de equilíbrio das relações sociais; assim vê-
la-emos destacar-se quase em total autonomia, na medida em que
cresce a solidariedade entre crianças (PIAGET, 1994 [1932], p. 156-
157).
Segundo Menin (2007) duas noções de justiça foram as mais
investigadas: a retributiva e a distributiva. A retributiva diz respeito às
71
consequências de uma infração, às penas ou castigos atribuídos aos faltosos.
Nesse tipo de justiça, uma sanção é considerada injusta se pune um
inocente ou recompensa um culpado, ou quando não há uma dosagem da
proporção entre o mérito e a recompensa ou a falta e a punição. A
distributiva tem relação com a aplicação das leis a um grupo de sujeitos e
há injustiça, quando ocorre uma repartição que favorece uns à custa de
outros. Piaget (1994 [1932]) começou investigando a justiça retributiva
para depois compará-la com a distributiva, já que a primeira é a que está
mais ligada à coação adulta e é a mais primitiva dentre essas duas noções.
Na justiça retributiva podem existir dois tipos de sanções: as
expiatórias e as por reciprocidade. Chamamos de expiatórias as sanções que
implicam na ideia de castigo como atribuição de pena, de sofrimento ao
criminoso na tentativa de que ele não venha a cometer mais essa falta. Há
uma crença de que quanto maior o castigo, mais eficiente será na prevenção
ao crime e a relação entre o ato cometido e a pena é arbitrária, isto é, a
escolha da sanção é de acordo com as preferências da autoridade, não sendo
consequência natural do ato. Podemos citar como exemplo dessas sanções:
os castigos corporais, a retirada de atividades prazerosas ou de afeto, etc.
(MENIN, 2007; PIAGET, 1994 [1932]).
Em relação às sanções por reciprocidade, Piaget assim define:
Em segundo lugar, está o que denominaremos sanções de reciprocidade,
enquanto vão a par com a cooperação e as regras de igualdade. Seja
uma regra que a criança admite do interior, isto é, que compreendeu
que a liga a seus semelhantes por um elo de reciprocidade (por
exemplo, não mentir, porque a mentira torna impossível a confiança
mútua etc.). Se a regra for violada, não há absolutamente necessidade,
para recolocar as coisas em ordem, de uma repressão dolorosa, que
imponha, de fora, o respeito pela lei: basta que a ruptura do elo social,
provocada pelo culpado, faça sentir seus efeitos; em outras palavras,
72
basta pôr a funcionar a reciprocidade [...] (PIAGET, 1994 [1932], p.
161-162, grifos do autor).
Nas sanções por reciprocidade, não sendo mais a regra, como
anteriormente, uma realidade imposta de fora, tais sanções são
“motivadas”, ou seja, há uma relação de conteúdo e de natureza entre a
falta e a sanção, além da proporcionalidade entre a gravidade da falta e o
rigor da punição (PIAGET, 1994 [1932]). Menin (2007) cita como
exemplos de sanções por reciprocidade: consertar algo que se estragou;
pagar um prejuízo causado a outro; ficar por um tempo privado sem algo
que usou mal etc.
Como principais resultados de suas entrevistas, Piaget percebeu
uma tendência maior entre crianças de sete anos ou menos em preferir
sanções expiatórias, ou seja, foram bastante severas na escolha de punições
para outras crianças e entre os mais velhos, predominou a preferência por
sanções por reciprocidade, e estas podiam ser substituídas pela explicação,
não sendo uma obrigação ou até mesmo útil fazer uso da punição. Menin
salienta que:
O autor conclui, assim, que há duas influências que, conjuntas, levam
à adoção da sanção expiatória pelas crianças: uma individual, a
necessidade de vingança, e outra social, a autoridade adulta impondo
o respeito às ordens e à vingança em caso de infração. A sanção por
reciprocidade é um caso particular da evolução do respeito unilateral
para o mútuo. O primeiro implica a lei da autoridade e, em
consequência, implica a sanção expiatória (é lei de talião); o segundo
implica a lei da reciprocidade, a sanção por reciprocidade, para manter
a lei e a justiça distributiva acaba por se impor sobre a justiça retributiva
(é a moral do perdão) (MENIN, 2007, p. 53).
73
Em se tratando dos fatores de evolução da noção de justiça, Piaget
(1994 [1932]) descarta o inatismo e a influência dos ensinamentos dos
adultos. A regra coletiva é necessária para a justiça e esta só surge nas
relações dos indivíduos mais iguais entre si. A autoridade não poderia ser
fonte de justiça, pois esta requer a autonomia e sabemos que a autoridade
adulta é fonte apenas de dever, para o autor. E, apesar dos adultos poderem
ajudar na formação da criança, dando exemplos de reciprocidade, só os
progressos de cooperação e respeito mútuo entre iguais constroem noções
mais elaboradas de justiça (MENIN, 2007).
Piaget assim retrata:
Assim, a autoridade adulta, se bem que constituindo, talvez, um
momento necessário na evolução moral da criança, não basta para
constituir o senso de justiça. Este só se desenvolve na proporção dos
progressos da cooperação e do respeito mútuo, de início, cooperação
entre crianças, depois cooperação entre crianças e adultos, na medida
em que a criança caminha para a adolescência e se considera, pelo
menos em seu íntimo, como igual ao adulto (PIAGET, 1994 [1932],
p. 239).
De acordo com Menin (2007), as contribuições de Piaget podem
indicar implicações diversas para a educação moral em escolas, haja vista
que se educar moralmente significa buscar a autonomia, e por sua vez a
autonomia é a capacidade de construir valores e regras com os quais se
concorda, levando em conta os benefícios para o maior número de pessoas.
Os métodos dessa educação moral são fundamentais e não podem, de
forma alguma serem autoritários, mas sim ativos, para que de fato exista a
construção da autonomia moral.
74
O egocentrismo, fator que dificulta a autonomia, manifesta-se pela
ausência de relacionamento das perspectivas, como na experiência das três
montanhas que consiste em pedir à criança que diga o que veria, tendo
uma boneca colocada à direita de uma placa de um metro quadrado, de
forma quadrada, com três montanhas com seus vales, depois à esquerda,
depois atrás ou do lado oposto ao do sujeito. A criança, antes dos sete anos,
não é apenas incapaz de dizer o que a boneca veria, mas não sabe
reconhecer entre figuras qual seria sua perspectiva. Posto isso, é de suma
importância ressaltar que ela exprime sua perspectiva própria como se as
montanhas só pudessem ser vistas de seu próprio ponto de vista. E só após
7-8 anos que a diferenciação dos pontos de vista começa a operar e após os
9 anos que a coordenação de conjunto dos pontos de vista será efetiva
(DOLLE, 1987).
A experiência citada acima ilustra bem a descentração
indispensável para alcançar a coordenação dos pontos de vista
necessariamente diferentes, pois o egocentrismo para Dolle (1987)
manifesta-se na representação que a criança faz do mundo, já que esta é
baseada sobre o modelo do eu e repousa em uma assimilação deformante
da realidade: a criança concebe as coisas como sentido, tais como a elas se
mostram e dotadas de qualidades semelhantes às suas (finalismo
8
,
artificialismo e animismo).
Para Dolle (1987) o egocentrismo aparece no plano social onde é
a réplica das relações com o mundo físico, sendo que no plano da
linguagem, ele se exprime pela linguagem: parece que as crianças não se
comunicam entre si, ou seja, falam para si próprias e em presença de
outrem, os chamados “monólogos coletivos”. As condutas morais são
8 Entende-se por finalismo a busca do porquê na explicação dos fenômenos e dos acontecimentos e pela crença
segundo a qual tudo foi feito para os homens e para as crianças, segundo um plano cujo centro é constituído
pelo ser humano (DOLLE, 1987, p. 31).
75
oriundas da heteronomia moral, isto é, a criança recebe suas regras de
conduta do exterior, o que acarreta o respeito, ao pé da letra, da ordem.
Dolle assim menciona:
Para resumir, diremos que o egocentrismo é a manifestação de um
pensamento centrado em si próprio. Nesse sentido, ele não é
socializado, se o pensamento socializado é o que se funda na
reciprocidade dos pontos de vista e implica, no nível das condutas
sociais, a cooperação. Tal pensamento é essencialmente simbólico, vale
dizer “um começo, uma das formas primitivas, do pensamento lógico
[...] (DOLLE, 1987, p. 32).
Como podemos inferir a partir da citação acima, o pensamento é
ainda pré-lógico na perspectiva genética de Piaget, observamos que a partir
de 3-4 anos aparece o pensamento simbólico, do qual o egocentrismo
intelectual é um dos caracteres essenciais. O que lhe falta, como já vimos
no primeiro capítulo, do ponto de vista lógico é a reversibilidade. De
acordo com Dolle (1987) quando, depois dos sete anos, a reversibilidade
lógica estiver alcançada, serão notadas modificações radicais das condutas
intelectuais, sociais etc., no sentido da reversibilidade e da cooperação e
uma diminuição do pensamento simbólico. Portanto, a descentração
necessária para se ter um pensamento socializado, será efetuada quando
uma modificação de estrutura do pensamento, cujo indicador é a
reversibilidade, se operar.
Para Fonzar (1986), se dividíssemos o egocentrismo, segundo suas
diferenciações específicas, seria dividido da seguinte forma: Egocentrismo
intelectual e afetivo; primitivo e refinado; verbal e não verbal; lógico e
ontológico; individual e coletivo (sociocentrismo). As motivações para essa
divisão se encontram na diversidade das áreas psíquicas sobre as quais
76
incide mais acentuadamente o egocentrismo; às vezes no seu grau ou
intensidade ou no modo de se manifestar; ora na sua categoria lógica; ora
no número de indivíduos que o problema se manifesta. O autor admite
ainda que por ser concomitantemente de caráter psicológico e
comportamental e por ocorrer numa faixa etária em que a educação
encontra as condições mais propícias, o egocentrismo infantil é tema que
interessa igualmente à Psicologia e à Pedagogia.
Branco (2003) salienta que embora Piaget tenha concentrado seus
esforços na compreensão do desenvolvimento cognitivo, ele debruçou-se
também igualmente sobre os conceitos morais e sociais e segundo este
autor, o pensamento e os sentimentos desenvolvem-se de forma paralela,
constituindo o desenvolvimento cognitivo como parte do sentir e do juízo
moral. Da mesma forma que o desenvolvimento da inteligência, o
desenvolvimento do juízo moral processa-se da heteronomia para a
autonomia.
No plano moral, a heteronomia situa-se como o paralelo do
egocentrismo intelectual primitivo, pois a impossibilidade de compreender
as regras e os valores morais como o adulto, conduz a criança, nos estádios
sensório-motor e pré-operatório, a equacionar as regras como sagradas e
absolutas. A bondade de um comportamento implica na submissão às
regras estabelecidas por uma autoridade adulta e no fato de não acarretar
uma punição da mesma. Nessa fase, como já vimos anteriormente, o
castigo bem como sua ausência são os critérios que permitem distinguir o
bom e o mau, sendo este considerado como o nível da subjetividade mais
primitivo que não se interiorizou, pois, a confusão entre o subjetivo e o
objetivo, característica marcante do realismo conceitual próprio dos
estágios cognitivos menos elevados, prolonga-se no realismo moral, onde
as regras e os valores são concebidos como entidades absolutas, que são
77
provenientes de uma autoridade adulta aos quais é necessário obedecer
incondicionalmente (BRANCO, 2003).
Ainda Branco (2003) coloca que a cooperação entre pares é central
no desenvolvimento da autonomia entre pares, como já vimos mais acima,
e coincidente com o desenvolvimento das operações concretas. É nessa fase
que o sujeito começa a ser capaz de perspectivar as situações levando em
conta o ponto de vista dos outros, tendo então o início do declínio do
egocentrismo intelectual.
Essa cooperação proporciona a reciprocidade, onde a criança
interioriza as regras morais, compreendendo a sua necessidade e
percebendo de forma progressiva a sua relatividade. Por exemplo, o critério
de bondade de uma ação desloca-se das suas consequências materiais
(objetividade) para a intenção que lhe preside (subjetividade). Por fim, é
nesse momento que o respeito mútuo sucede ao respeito unilateral e a
experiência da igualdade e o exercício da cooperação são, então, os fatores
essenciais que permitem o acesso à autonomia.
2.3 A ética na Educação Infantil
Esse tema será baseado na obra A Ética na Educação Infantil, das
autoras Rheta DeVries e Betty Zan. Para DeVries e Zan (1998) o princípio
fundamental da educação construtivista é a construção de um ambiente
sociomoral, no qual o respeito pelos outros é praticado continuamente e
as autoras entendem como ambiente sociomoral toda a rede de relações
interpessoais em uma sala de aula, isto é, tais relações englobam todos os
aspectos da experiência da criança na escola e todas as interações têm um
impacto sobre a experiência e desenvolvimento social e moral das crianças.
78
Em relação ao ambiente sociomoral e desenvolvimento sociomoral,
DeVries e Zan (1998) salientam que o embasamento teórico de seus
estudos está alicerçada em três pilares na teoria de desenvolvimento
sociomoral e cognitivo de Piaget: o primeiro pilar é que, da mesma forma
que o conhecimento do mundo físico é construído pela criança, assim
também deve ser construído o desenvolvimento psicossocial; o segundo é
que, assim como o afeto é um elemento motivacional indissociável no
desenvolvimento intelectual, os vínculos socioafetivos (ou a falta deles)
motivam o desenvolvimento social e moral e o último pilar é que um
processo de equilíbrio (ou autorregulação) pode ser descrito tanto para o
desenvolvimento sociomoral quanto para o cognitivo. Nesse ponto, as
autoras asseveram que:
Em particular, salientamos como o descentramento para se tornar
consciente de diferentes pontos de vista é necessário para ajustes
recíprocos, compreensão mútua em sistemas compartilhados de
significado e coordenação social. Ademais, o conflito intra e
interpessoal exerce papéis cruciais no desenvolvimento da auto-
regulação nos domínios tanto intelectual quanto sócio-moral. Com
“auto-regulação”, Piaget referia-se a um sistema interno que regula o
pensamento e a ação [...] (DEVRIES; ZAN, 1998, p. 12).
Em relação a citação acima, podemos inferir que os pilares citados
sugerem que as condições para o desenvolvimento sociomoral são as
mesmas condições para o desenvolvimento intelectual. Infelizmente,
percebemos que o ambiente sociomoral da maioria das creches e escolas de
Educação Infantil enfatizam excessivamente o desenvolvimento
intelectual, negando a importância do desenvolvimento moral e afetivo.
Corroboramos com DeVries e Zan (1998) que entendem e levam em
conta a ideia do relacionamento construtivista entre professor-aluno como
79
sendo de respeito mútuo, onde o professor suaviza o exercício de
autoridade desnecessária em relação às crianças, ou seja, faz-se necessário
um relacionamento cooperativo entre professor e aluno.
Os alunos na teoria construtivista são vistos como “crianças
morais”, o que não quer dizer que são meramente obedientes ou que
simplesmente conhecem as regras morais de outros, agem de formas pró-
sociais, se conformam às convenções sociais da boa educação, tem certos
traços de caráter ou demonstram educação religiosa. Por fim, as “crianças
morais” são aquelas que lidam com questões interpessoais, que fazem parte
de suas vidas (DEVRIES; ZAN, 1998).
Segundo DeVries e Zan (1998) as salas de aula morais são salas de
aula onde o ambiente sociomoral é capaz de apoiar e promover o
desenvolvimento infantil, ou seja, é um ambiente no qual toda a rede de
relações interpessoais forma a experiência escolar da criança, incluindo o
relacionamento dela com o professor, com outras crianças, com os estudos
e com regras. Para a formação das crianças morais, é preciso um ambiente
que favoreça a cooperação, já que desejamos sujeitos moralmente
autônomos.
São componentes do ambiente sociomoral: a relação professor-
aluno, no qual o professor organiza a sala para atividades individuais e de
grupo, relacionando-se com as crianças de forma autoritária ou cooperativa
e as relações entre colegas que de acordo com DeVries e Zan (1998) exige
a interação do professor para melhorar a qualidade dessas interações,
inclusive oferecendo atividades que despertem na criança a necessidade e o
desejo de interagir e o apoio à cooperação de forma ativa e negociação entre
os alunos.
DeVries e Zan esclarecem que:
80
Algumas pessoas julgam que a escola não deveria se preocupar com a
educação social e moral, mas deveria centrar-se no ensino de temas
acadêmicos ou na promoção do desenvolvimento intelectual. O
problema com essa visão é que a escola influencia o desenvolvimento
social e moral quer pretenda fazer isso ou não. Os professores
comunicam continuamente mensagens sociais e morais enquanto
dissertam para as crianças sobre regras e comportamentos e enquanto
administram sanções para o comportamento das crianças. Portanto, a
escola ou a creche não são e não podem ser livres de valores ou neutros
quanto a esses. Por bem ou por mal, os professores estão engajados na
educação social e moral (DEVRIES; ZAN, 1998, p. 35).
De acordo com a citação acima, podemos inferir que o ambiente
sociomoral na sala de aula constitui-se em um currículo implícito e, muitas
vezes, desconhecido para professores que não estão cientes do ambiente
que oferecem. Isso posto, quando os professores dizem às crianças o que
elas devem ou não fazer, as crianças entendem o que é bom ou mau, certo
e errado. Infelizmente, na maioria das escolas o ambiente é coercitivo e
estimula as crianças a serem submissas e conformistas, deixando de lado a
iniciativa, a autonomia e o pensamento reflexivo. Alguns professores bem-
intencionados também pecam em sentir que é de sua responsabilidade ser
autoritário na sala de aula, estipular regras e expectativas para o
comportamento e reforçar essa atitude pelo uso de recompensas e punões
(DEVRIES; ZAN, 1998).
O termo “crianças morais”, conforme DeVries e Zan (1998), se
refere a crianças que enfrentam questões que fazem parte do seu cotidiano
e embora as questões morais das crianças possam diferir das dos adultos, as
questões básicas são as mesmas, já que as crianças se preocupam sobre
como as pessoas, muitas vezes, elas mesmas, são tratadas antes mesmo de
conhecerem a Regra de Ouro, que preconiza tratar os outros como
gostariam de ser tratados.
81
O desenvolvimento moral é um processo de construção e nesse
processo as crianças enfrentam questões sobre o que pensam ser bom ou
mau, certo e errado; haja vista, que elas formam as suas próprias opiniões
e ouvem as opiniões de outros a partir de suas próprias experiências,
formando o seu senso moral.
Como dissemos acima, quando abordamos o termo “crianças
morais”, não queremos que entendam como crianças que seguem regras
morais apenas por obediência à autoridade, pois a obediência que surge
por afeição e apego tem uma qualidade diferente, isto é, ao invés de ser
imposta por coerção, ela é resultado do apelo do adulto à cooperação da
criança e como diz DeVries e Zan (1998, p. 38): “[...] a criança que
continua obedecendo apenas para agradar ao adulto não construirá suas
próprias razões para seguir regras morais”.
As crianças morais compreendem o espírito da regra, a
necessidade moral de tratar as pessoas como gostariam de ser tratadas e
ensinar as crianças apenas a comportarem-se de determinada forma é
ignorar que elas precisam desejar ou sentirem a necessidade de comportar-
se de forma moral, já que se uma criança ajuda a outra apenas para obter
aprovação do professor, não está agindo moralmente, por exemplo. É
frequente crianças que se engajam em comportamentos socialmente
positivos sem sentimentos morais, ou seja, elas imitam a forma dos
comportamentos morais sem terem sentimentos morais em mente e essa
imitação pode ocorrer antes delas conseguirem assumir a perspectiva de
outra pessoa e pode oferecer a base para o desencadeamento de sentimentos
morais. DeVries e Zan assim se referem a essa imitação:
Por exemplo, uma criança que imita o professor consolando com
tapinhas nas costas um colega que chora pode descobrir que o colega
entristecido pára de chorar. O professor construtivista não elogia o
82
comportamento. Ao invés disso, ele pode mostrar que a criança fez o
outro sentir-se melhor. A partir dessa experiência, a criança pode
descentrar-se um pouco, para reconhecer os sentimentos da outra
criança. Este último é um objetivo construtivista. O comportamento
pró-social sem a intenção moral não é moral. É apenas vantajoso ou
obediente. Estamos preocupados com o desenvolvimento dos
sentimentos ou intenções morais pela criança, não apenas
comportamentos. Portanto, não ficamos com um objetivo limitado de
fazer com que as crianças simplesmente ajam de forma socialmente
positiva (DEVRIES; ZAN, 1998, p. 39).
Quando falam de crianças morais, DeVries e Zan (1998) alertam
que não tem a ver com crianças que tem hábitos de boa educação, que
dizem “obrigado”, “por favor” ou “desculpe-me”, pois as crianças podem
dizer isso porque são imposições de adultos e não sentimentos de fato
morais que signifiquem relacionamentos baseados na ética. Sendo assim,
os professores construtivistas não coagem as crianças a serem educadas,
pois ao contrário disso, modelam a gentileza sincera e trabalham para que
as crianças recebam tratamento gentil e polido.
Sobre como o ambiente sociomoral influencia no desenvolvimento
infantil, DeVries e Zan postulam que:
As relações interpessoais são o contexto para a construção do “self” pela
criança, com sua consciência de si mesmo e autoconhecimento
complexo. Na verdade, o ambiente sócio-moral colore cada aspecto do
desenvolvimento de uma criança. Ela é o contexto no qual as crianças
constroem suas ideias e sentimentos sobre si mesmas, sobre o mundo
das pessoas e o mundo dos objetos. Dependendo da natureza do
ambiente sócio-moral geral da vida de uma criança, ela aprende de que
forma o mundo das pessoas é seguro ou perigoso, carinhoso ou hostil,
coercivo ou cooperativo, satisfatório ou insatisfatório. No contexto das
83
atividades interpessoais, a criança aprende a pensar em si mesma como
tendo certas características em relação aos outros. Dentro do contexto
social envolvendo os objetos, a criança aprende de que forma o mundo
dos objetos é aberto ou fechado à exploração e experimentação,
descoberta e invenção (DEVRIES; ZAN, 1998, p. 51).
DeVries e Zan (1998) salientam que são os adultos que
determinam a natureza do ambiente sociomoral no qual a criança está
inserida, através das interações diárias. O ambiente sociomoral da criança,
é formado então, de incontáveis ações e reações do adulto para com ela. As
relações entre pares, ou seja, com outras crianças, também contribuem para
o ambiente sociomoral, apesar do fato de que o adulto frequentemente
estabelece os limites e possibilidades dessas relações. As autoras também
mencionam que os sentimentos, interesses e valores das crianças pequenas
são instáveis e tendem a não ser conservados em situações diferentes,
embora de forma gradativa a criança pequena construa um sistema afetivo
mais estável de sentimentos e interesses que adquire com o tempo alguma
permanência ou conservação.
Finalmente, para que a criança perceba as atitudes de outros em
relação a si mesmo exige descentração para conseguir pensar sobre si
mesmo sob o ponto de vista dos outros e tal descentração é necessária para
a reflexão sobre as relações sociais em toda a complexidade de pensamento
e sentimento envolvida na construção do mundo social e do lugar de cada
um neste momento (DEVRIES; ZAN, 1998).
As autoras complementam também que sentimentos elementares
de simpatia ou antipatia (por si mesmo e por outros), são para Piaget o
princípio dos sentimentos morais, onde as crianças começam a construir
uma hierarquia do que é valorizado ou não. Resumindo, os valores são
tanto afetivos bem como intelectuais, que podem se organizar em valores
84
permanentes regulados pela vontade, o aspecto afetivo dos valores. De
acordo com Piaget citado pelas autoras, a afetividade, moralidade e
inteligência desenvolvem-se e transformam-se de forma interligadas
(DEVRIES; ZAN, 1998).
No próximo capítulo, trataremos da Educação Infantil no contexto
educacional brasileiro, etapa da Educação Básica na qual os professores,
sujeitos da nossa pesquisa atuam.
85
Capítulo 3
A Educação Infantil no contexto
educacional brasileiro
É inegável que o acesso à Educação Infantil é um direito da criança,
mas nem sempre tivemos no Brasil uma legislação específica sobre a
infância e a educação desses sujeitos. Foi a partir da década de 1980 que
começou a se consolidar a consciência da necessidade de uma nova postura
em relação aos direitos das populações infantis e juvenis, especialmente
para a Educação, iniciando-se um período em que a sociedade civil
organizada começa a ter um novo olhar para a criança pequena e sua
educação em suas reivindicações (LEITE FILHO; NUNES, 2013).
Leite Filho e Nunes (2013) ressaltam que como nem sempre
tivemos no Brasil uma legislação específica sobre a infância e a educação
das crianças pequenas, por muitos séculos o acesso às instituições de
educação destinadas a p-escolares não foi tratado como um direito. Os
autores ainda afirmam que:
A década de 1980 foi decisiva na formulação de uma consciência e de
uma nova postura em relação aos direitos das populações infantis e
juvenis. No âmbito específico da educação, é um período no qual a
sociedade civil organizada pauta a criança pequena e sua educação em
suas reivindicações (LEITE FILHO; NUNES, 2013, p. 69).
86
Como um marco histórico e legal, parte de um conjunto de ações
voltadas à redemocratização da sociedade brasileira, a Constituição Federal
de 1988 reconheceu a criança como absoluta prioridade, passando a
“percebê-la” como sujeito de direitos e não mais como objeto de tutela.
Leite Filho e Nunes assim se referem:
Sendo dever do Estado, a educação infantil passa, pela primeira vez no
Brasil, a ser direito da criança e uma opção da família. Também a
educação básica no Brasil ganhou contornos bastante complexos após
a Constituição: muda a concepção de creche e pré-escola, que passam
a ser entendidas como instituições educativas e não de assistência social
(LEITE FILHO; NUNES, 2013, p. 71).
Como vimos na citação acima, a educação das crianças, antes
concebida como amparo e assistência, passa a ser entendida como direito
do cidadão e dever do Estado, uma instância de Direito Público Subjetivo,
portanto, em resposta a mobilizações e lutas em defesa da infância
brasileira. Para Leite Filho e Nunes (2013), a Constituição de 1988,
possibilitou que a Educação Infantil fosse um direito da criança, e a creche,
assim como a pré-escola, passaram a ser reconhecidas como instituições
educacionais. Além disso, a sociedade civil conquistou o direito de
participar da elaboração das políticas de Educação Infantil e do controle
das ações governamentais na área.
Devemos nos reportar também à importância do Estatuto da
Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), que no Brasil, em 1990,
regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal, inserindo as crianças
no mundo dos direitos e as reconhecendo como pessoas em condições
peculiares de desenvolvimento.
87
O artigo 54 do referido documento determina que é dever do
Estado garantir à criança de zero a seis anos de idade atendimento em
creche e pré-escola, sendo que o Estatuto traz, também, aspectos
importantes para a Educação Infantil: a definição e os critérios para
aplicação do princípio da prioridade absoluta; os conselhos de direito da
criança e do adolescente e o sistema de garantia desses direitos (LEITE
FILHO; NUNES, 2013).
3.1 A legislação e as Diretrizes
De antemão, reiteramos que a BNCC (Base Nacional Comum
Curricular) será tratada no próximo tópico, devido às suas especificidades.
De acordo com Leite Filho e Nunes (2013), é com o advento da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n. 9394/96 que
a Educação Infantil passa a ser considerada efetivamente como direito das
crianças até cinco anos de idade, como dever do Estado e como instância
da educação básica brasileira, isto é, a Educação Infantil é reconhecida
como primeira etapa da educação básica, dando reconhecimento ao
trabalho pedagógico e tendo a dimensão de que essa etapa deve atender às
especificidades da criança e promover a construção e o exercício da
cidadania desses sujeitos.
A Lei de Diretrizes e Bases de 1996 determina que a Educação
Infantil deve promover o desenvolvimento integral da criança até cinco
anos de idade, levando em consideração os aspectos físico, psicológico,
intelectual e social, em complemento à ação da família e da comunidade.
Leite Filho e Nunes reiteram que:
88
Para o desenvolvimento integral da criança na educação infantil é
imprescindível a indissociabilidade das funções de educar e cuidar. Ao
definir como deve ser a avaliação na educação infantil a lei assegura
identidade própria para a primeira etapa da educação básica,
distinguindo-a das demais. Isso pode ser confirmado com o texto legal:
“Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento
e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção,
mesmo para o acesso ao ensino fundamental”. Ao elucidar que a
avaliação na creche e na pré-escola não tem o objetivo de promoção e
não constitui pré-requisito para acesso ao ensino fundamental, a LDB
se posiciona contra práticas de sistemas e instituições que retenham as
crianças na pré-escola ou impeçam o seu acesso ao ensino fundamental
aos seis anos
9
(LEITE FILHO; NUNES, 2013, p. 75).
Desta forma, a atual LDB estabelece o dever do Estado na garantia
de educação escolar pública efetiva mediante a garantia de atendimento
gratuito em creches e pré-escolas a crianças de zero a cinco anos de idade.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI),
aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação em 1999, que foi revisada
em 2009, constituem a doutrina sobre princípios, fundamentos e
procedimentos da educação básica, definidos pela Câmara de Educação
Básica do Conselho Nacional de Educação, que tem como objetivo a
orientação das instituições de Educação Infantil dos sistemas brasileiros de
ensino, na organização, na articulação, no desenvolvimento e na avaliação
de suas propostas pedagógicas (LEITE FILHO; NUNES, 2013).
Para Leite Filho e Nunes, um aspecto relevante nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, de 17 de dezembro de
2009 é:
9 A Lei 1.114 de 16 de maio de 2005 estabeleceu como obrigação dos pais ou responsáveis a matrícula das
crianças a partir dos seis anos de idade no ensino fundamental. Sendo assim, a educação infantil passou a atender
a crianças de zero a cinco anos de idade (LEITE FILHO; NUNES, 2013, p. 75).
89
[...] a concepção de criança e de seu processo de desenvolvimento que
deve orientar as propostas pedagógicas. No artigo 4º, a criança, tida
como centro do planejamento curricular, é compreendida como um
sujeito histórico e de direitos que, por meio das interações, das relações
e das práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal
e coletiva, assim como constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade,
produzindo cultura. Esse processo de construção de sentido para o
mundo físico e social ocorre por meio de diversos comportamentos,
destacando-se: brincar, imaginar, fantasiar, desejar, aprender, observar,
experimentar, narrar, questionar (LEITE FILHO; NUNES, 2013, p.
77).
Outro aspecto importante apontado por Leite Filho e Nunes, com
o qual concordamos, é que as DCNEI (Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil) entendem como função sociopolítica e
pedagógica das unidades infantis:
a) oferecer condições e recursos para que as crianças usufruam seus
direitos civis, humanos e sociais; b) assumir a responsabilidade de
compartilhar e complementar a educação e o cuidado das crianças com
as famílias; c) possibilitar tanto a convivência entre crianças e entre
adultos e crianças quanto a ampliação de saberes e conhecimentos de
diferentes naturezas; d) promover a igualdade de oportunidades
educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se
refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da
infância; e) construir novas formas de sociabilidade e de subjetividade
comprometidas com a ludicidade, democracia, a sustentabilidade do
planeta e com o rompimento de relações de dominação etária,
socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e
religiosa (LEITE FILHO; NUNES, 2013, p. 78).
Desta forma, compreende-se que é a partir da educação infantil
que se inicia um trabalho de formação intelectual, de respeito e assunção
90
de valores com vistas à formação de uma consciência cidadã, o que tem
como base atitudes relativas à consideração pelo outro, pela natureza, pela
vida, enfim, constituem-se bases para o desenvolvimento do valor respeito.
O Parecer Homologado que revisa as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil assume que:
A ampliação das matrículas, a regularização do funcionamento das
instituições, a diminuição no número de docentes não-habilitados na
Educação Infantil e o aumento da pressão pelo atendimento colocam
novas demandas para a política de Educação Infantil, pautando
questões que dizem respeito às propostas pedagógicas, aos saberes e
fazeres dos professores, às práticas e projetos cotidianos desenvolvidos
junto às crianças, ou seja, às questões de orientação curricular.
Também a tramitação no Congresso Nacional da proposta de Emenda
Constitucional, que dentre outros pontos, amplia a obrigatoriedade na
Educação Básica, reforça a exigência de novos marcos normativos na
Educação Infantil (BRASIL, 2009, p. 2).
O Parecer citado salienta também que as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil orientam a formulação de políticas,
incluindo a de formação de professores e demais profissionais da Educação,
bem como o planejamento, desenvolvimento e avaliação pelas unidades de
seu Projeto Político-Pedagógico e servem também para informar as
famílias das crianças matriculadas na Educação Infantil em relação às
perspectivas de trabalho pedagógico que podem ocorrer (BRASIL, 2009).
91
3.1.1 A identidade da Educação Infantil
Podemos enfatizar que a identidade da Educação Infantil ainda
está em construção, pois vive um processo de revisão de concepções sobre
a educação das crianças. É certo que para o desenvolvimento da criança na
educação infantil é indispensável a indissociabilidade das funções de
educar e cuidar pelo fato de considerar os direitos e necessidades próprias
das crianças no que se refere à alimentação, à saúde, à higiene, à proteção
e ao acesso ao conhecimento conforme apontam Leite Filho e Nunes
(2013).
Do ponto de vista legal, a Educação Infantil é a primeira etapa da
Educação Básica e possui como finalidade o desenvolvimento integral da
criança de zero a cinco anos de idade; e tanto as creches bem como as pré-
escolas se constituem em estabelecimentos educacionais públicos ou
privados que educam e cuidam das crianças por meio de profissionais com
a formação específica legalmente determinada, a habilitação para o
magistério superior ou médio, refutando assim, como vimos no tópico
acima, funções de caráter meramente assistencialista, embora ainda se
mantenha a obrigação de assistir às necessidades básicas de todas as crianças
(BRASIL, 2009).
Em se tratando das funções da Educação Infantil, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil enfatizam que:
A função das instituições de Educação Infantil, a exemplo de todas as
instituições nacionais e principalmente, como o primeiro espaço de
educação coletiva fora do contexto familiar, ainda se inscreve no
projeto de sociedade democrática desenhado na Constituição Federal
de 1988 (art.3º, inciso I), com responsabilidades no desempenho de
92
um papel ativo na construção de uma sociedade livre, justa, solidária e
socioambientalmente orientada (BRASIL, 2009, p. 5).
Para cumprir tal função, o Estado necessita assumir sua
responsabilidade na educação coletiva das crianças, complementando a
ação das famílias; as creches e pré-escolas devem se constituir em estratégias
de promoção de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres,
permitindo às mulheres realizações além do âmbito doméstico; e cumprir
sua função sociopolítica e pedagógica das creches e pré-escolas que é a de
torná-las espaços privilegiados de convivência, que aqui já citamos
(BRASIL, 2009).
As instituições de Educação Infantil precisam, para cumprir suas
funções a contento, organizar um cotidiano de situações agradáveis,
estimulantes, que desafiem o que cada criança já sabe sem ameaçar sua
autoestima nem promover a competitividade, sempre buscando ampliar as
possibilidades infantis de cuidar e ser cuidada, de se expressar, comunicar
e criar, de organizar pensamentos e ideias, de conviver e trabalhar em
grupo, e ainda de ter iniciativa e de buscar soluções para os problemas e
conflitos entre os pares, pautadas pelo valor formativo que possuem em
relação aos objetivos definidos em seu Projeto Político-Pedagógico
(BRASIL, 2009).
Por fim, de acordo com o referido parecer que discute as Diretrizes
anteriormente estabelecidas (BRASIL, 2009), os princípios fundamentais
continuam atuais, sendo eles: a) princípios éticos: valorização da
autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem
comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e
singularidades; b) princípios políticos: dos direitos de cidadania, do
exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática e c) princípios
93
estéticos: valorização da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da
diversidade de manifestações artísticas e culturais.
3.2 A Base Nacional Comum Curricular
Outro documento importante para a Educação Básica é a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) que possui caráter normativo que
define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais
10
que
todos os alunos devem desenvolver, de modo que sejam assegurados seus
direitos de aprendizagem e desenvolvimento, de acordo com o PNE (Plano
Nacional de Educação). Assim como as Diretrizes Curriculares Nacionais
da Educação Básica, a BNCC também está orientada pelos princípios
éticos, políticos e estéticos que citamos no tópico anterior (BRASIL,
2017).
Tal documento é considerado como:
Referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das
redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das
propostas pedagógicas das instituições escolares, a BNCC integra a
política nacional da Educação Básica e vai contribuir para o
alinhamento de outras políticas e ações, em âmbito federal, estadual e
municipal, referentes à formação de professores, à avaliação, à
elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de
infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da educação
(BRASIL, 2017, p. 8).
10 As aprendizagens essenciais definidas na BNCC devem assegurar aos estudantes o desenvolvimento de dez
competências gerais, que asseguram os direitos de aprendizagem e desenvolvimento (BRASIL, 2017, p. 8).
94
Ao longo da Educação Básica, as aprendizagens essenciais definidas
pela BNCC devem então assegurar aos estudantes o desenvolvimento de
dez competências
11
gerais, que possuem como pressuposto a garantia, no
âmbito pedagógico, dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento e é
importante ressaltar que as competências gerais da Educação Básica, que
apresentaremos a seguir, se inter-relacionam e se desdobram no tratamento
didático proposto para as três etapas da Educação Básica (Educação
Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), que assim como na Lei de
Diretrizes e Bases (LDB) se articulam na construção de conhecimentos, no
desenvolvimento de habilidades e na formação de atitudes e valores
(BRASIL, 2017).
O Quadro 3 a seguir define as competências gerais da Educação
Básica, como podemos ver:
Quadro 3 - As competências gerais da Educação Básica
COMPETÊNCIAS GERAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
1.Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo
físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar
aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e
inclusiva.
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências,
incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para
investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar
soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às
mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
11 A BNCC define competência como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades
(práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para utilização na resolução das demandas da vida
cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2017, p. 8).
95
4. Utilizar diferentes linguagens verbal (oral ou visual-
motora, como Libras, e
escrita), corporal, visual, sonora e digital -, bem como conhecimentos das linguagens
artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações,
experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que
levem ao entendimento mútuo.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de
forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as
escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir
conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e
coletiva.
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-
se de
conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do
mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto
de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular,
negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e
promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo
responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação
ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
8. Conhecer-se, apropriar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-
se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e
as dos outros, com
autocrítica e capacidade para lidar com elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se
respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento
e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades,
culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade,
resiliência e
determinação, tomando decisões com base em princípios éticos,
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
Fonte: BRASIL (2017, p. 9-10).
96
Destaca-se, então, que a BNCC não pode ser compreendida como
uma proposta curricular, mas como um conjunto de pressupostos e
princípios que devem reger a elaboração de propostas curriculares pelas
Secretarias de Educação. É importante ressaltar que a BNCC é uma versão
mais empobrecida se comparada às Diretrizes Curriculares, além de propor
uma ação para o desenvolvimento de competências e habilidades quando
a tendência das últimas reformas curriculares encaminhavam para a
perspectiva de letramento.
Consideramos necessário abordar as competências gerais da
Educação Básica, da qual a Educação Infantil faz parte, e também porque
existem algumas competências essenciais que fazem alusão ao
desenvolvimento moral, tema de nossos estudos. Desse modo, no tópico
seguinte abordaremos a Educação Infantil, especificamente, no contexto
da Educação Básica, com o intuito de mostrar suas especificidades na Base
Nacional Comum Curricular.
3.2.1 A BNCC e a Educação Infantil
Assim como na Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 2009), a Base
Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) entende a Educação
Infantil como primeira etapa da Educação Básica, ou seja, o início e o
fundamento do processo educacional. O documento aborda também que
a entrada na creche ou na pré-escola é, na maioria das vezes, a primeira
separação das crianças dos seus vínculos afetivos familiares para uma
situação de socialização estruturada.
A BNCC ainda ressalta que:
97
Nas últimas décadas, vem se consolidando, na Educação Infantil, a
concepção que vincula educar e cuidar, entendendo o cuidado como
algo indissociável do processo educativo. Nesse contexto, as creches e
pré-escolas, ao acolher as vivências e os conhecimentos construídos
pelas crianças no ambiente da família e no contexto de sua
comunidade, e articulá-los em suas propostas pedagógicas, têm o
objetivo de ampliar o universo de experiências, conhecimentos e
habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas
aprendizagens, atuando de maneira complementar à educação familiar-
especialmente quando se trata da educação dos bebês e das crianças
bem pequenas, que envolve aprendizagens muito próximas aos dois
contextos (familiar e escolar), como a socialização, a autonomia e a
comunicação (grifos dos autores) (BRASIL, 2017, p. 36).
Levando em consideração a citação acima, a BNCC (BRASIL,
2017) complementa que para potencializar os processos de aprendizagens
e o desenvolvimento das crianças, são essenciais à prática do diálogo e o
compartilhamento de responsabilidades entre a instituição de Educação
Infantil e a família. Para tanto, é necessário que a instituição conheça e
trabalhe com as culturas plurais, dialogando com a riqueza/diversidade
cultural das famílias e da comunidade.
Em consonância com a DCNEI (BRASIL, 2009), a BNCC
(BRASIL, 2017), considera como eixos estruturantes das práticas
pedagógicas dessa etapa da Educação Básica as interações e a brincadeira,
que são definidas como experiências que possibilitam a construção bem
como a apropriação de conhecimentos por meio de ações e interações das
crianças com seus pares e com os adultos, auxiliando nas aprendizagens,
desenvolvimento e socialização.
Considerando tais eixos estruturantes das práticas pedagógicas e as
competências gerais da Educação Básica propostas pela BNCC, temos seis
98
direitos de aprendizagem e desenvolvimento, que estão dispostos no
Quadro 4:
Quadro 4 - Direitos de aprendizagem e desenvolvimento na Educação Infantil
DIREITOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NA ED.
INFANTIL
1. Conviver com outras crianças e adultos, em pequenos grupos e grandes grupos,
utilizando diferentes linguagens, ampliando o conhecimento de si e do outro, o
respeito em relação à cultura e às diferenças entre as pessoas.
2. Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com
diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a
produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas
experiências emocionais, corporais
, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e
relacionais.
3. Participar ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento da
gestão da escola e das atividades propostas pelo educador quanto da realização das
atividades da vida cotidiana, tais como a escolha das brincadeiras, dos materiais e dos
ambientes, desenvolvendo diferentes linguagens e elaborando conhecimentos,
decidindo e se posicionando.
4. Explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções,
transformações, relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola
e fora dela, ampliando seus saberes sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as
artes, a escrita, a ciência e a tecnologia.
5. Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades, emoções,
sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de
diferentes linguagens.
6. Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma
imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento, nas diversas experiências de
cuidados, interações, brincadeiras e linguagens vivenciadas na instituição escolar e em
seu contexto familiar e comunitário.
Fonte: BRASIL (2017, p. 38).
99
Nota-se claramente no documento a preocupação com a
constituição de sujeitos de aprendizagem, valorizando-se a identidade
cultural, as histórias de vida, as experiências e o convívio como forma de
construção de ideias e valores a respeito de si, dos outros e da natureza.
Sem essas perspectivas de desenvolvimento pessoal e coletivo as crianças
terão o seu processo de formação moral e intelectual prejudicado e com
poucas perspectivas de consolidação das noções de respeito e
desenvolvimento moral.
A BNCC (2017) coloca que para assegurar os direitos de
aprendizagem na Educação Infantil, impõe-se a necessidade de uma
intencionalidade educativa
12
às práticas pedagógicas, tanto na creche
quanto na pré-escola. Dessa forma, o documento se refere a parte do
trabalho do educador como o de refletir, selecionar, organizar, planejar,
mediar e monitorar o conjunto das práticas e interações, além de observar
a trajetória de desenvolvimento de cada criança e de todo o grupo, isto é,
as conquistas, avanços, possibilidades e aprendizagens; sem intenção de
selecionar, promover ou classificar as crianças em “aptas” e “não aptas”,
“prontas” ou “não prontas”, “maduras” ou “imaturas”. Tais elementos
observados pelos educadores na Educação Infantil possuem a finalidade de
reunir elementos para reorganizar tempos, espaços e situações visando
sempre a garantia dos direitos de aprendizagem de todas as crianças.
Pudemos observar que na BNCC não há uma definição clara de
currículo como tem nas Diretrizes e por isso, traz um esvaziamento de
argumentos para pensar o currículo da Educação Infantil e a parte que cabe
a esse segmento é muito singela se comparada aos do Ensino Fundamental
e Médio. Também é importante ressaltar que não fica clara a função social
12 Essa intencionalidade, de acordo com a BNCC, consiste na organização e proposição, por parte do educador,
de experiências que permitam às crianças o conhecimento de si e do outro, conhecer e compreender as relações
com a natureza, com a cultura e a produção científica, através de práticas de cuidados pessoais, nas brincadeiras,
nas experimentações com materiais variados etc. (BRASIL, 2017, p. 39).
100
da Educação Infantil e nem o papel do professor, já que o documento traz
os direitos de aprendizagens das crianças, mas não aborda o papel do
professor que é quem medeia as relações dentro das escolas de Educação
Infantil.
3.2.2 Os campos de experiências
Como já abordado nesse capítulo, na Educação Infantil, as
aprendizagens e o desenvolvimento das crianças tem como eixos
estruturantes as interações e a brincadeira, que visam assegurar os seis
direitos de aprendizagens e desenvolvimento (Quadro 4). Sendo assim, a
organização curricular da BNCC (BRASIL, 2017) está estruturada em
cinco campos de experiências
13
, nos quais são definidos os objetivos de
aprendizagens e desenvolvimento.
A BNCC (2017, p. 40) estabelece que: “a definição e a
denominação dos campos de experiências também se baseiam no que
dispõem as DCNEI em relação aos saberes e conhecimentos fundamentais
a ser propiciados às crianças e associados às suas experiências” (BRASIL,
2017). Levando isso em conta, os campos de experiências em que se
organiza a BNCC são:
O eu, o outro e o nós: de acordo com a BNCC (2017) é na interação
com os pares e com os adultos que as crianças constroem um modo
peculiar de agir, sentir e pensar e começam a descobrir que existem outros
modos de vida, pessoas diferentes que por sua vez, possuem outros pontos
de vista. Concomitante à sua participação em relações sociais e de cuidados
13 Entende-se por campos de experiências arranjos curriculares que acolhem as situações e experiências
concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, atrelados aos conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural (BRASIL, 2017, p. 40).
101
pessoais, as crianças constroem sua autonomia e senso de autocuidado, de
reciprocidade e de interdependência com o meio. Por isso, é preciso que
na Educação Infantil haja a criação de oportunidades para que as crianças
entrem em contato com outros grupos sociais e culturais, outros modos de
vida, diferentes atitudes etc., pois a partir dessas experiências, elas podem
ampliar o modo como percebem a si mesmo e aos outros, valorizar sua
identidade, respeitar ao outro e reconhecer as diferenças que possuímos
enquanto seres humanos.
Por se tratar de um livro em que abordamos o desenvolvimento da
moralidade infantil, em especial a construção do valor respeito,
consideramos importante reproduzir aqui quais o os objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento dentro desse campo de experiências,
antes de adentrarmos nos demais, conforme podemos ver no Quadro 5:
Quadro 5 - Objetivos de aprendizagens e desenvolvimento no campo de experiências:
“O eu, o outro e o nós
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO
Bebês (zero a 1 ano e
6 meses)
Crianças bem pequenas (1
ano e 7 meses a 3 anos e 11
meses)
Crianças pequenas (4 anos a 5 anos
e 11 meses)
(EI01O01)
Perceber que suas
ações têm efeitos nas
outras crianças e nos
adultos.
(EI02O01)
Demonstrar atitudes de
cuidado e solidariedade na
interação com crianças e
adultos.
(EI03O01)
Demonstrar empatia pelos outros,
percebendo que as pessoas têm
diferentes sentimentos, necessidades
e maneiras de pensar e agir.
102
(EI01EO02)
Perceber as possibilidades e
os limites de seu corpo nas
brincadeiras e interações das
quais participa.
(EI02EO02)
Demonstrar imagem
positiva de si e confiança em
sua capacidade para
enfrentar dificuldades e
desafios.
(EI03EO02)
Agir de maneira
independente, com confiança
em suas capacidades,
reconhecendo suas conquistas
e limitações.
(EI01EO03)
Interagir com crianças da
mesma faixa etária e adultos
ao explorar espaços,
materiais, objetos,
brinquedos.
(EI02EO03)
Compartilhar os objetos e os
espaços com crianças da
mesma faixa etária e adultos.
(EI03EO03)
Ampliar as relações
interpessoais, desenvolvendo
atitudes de participação e
cooperação.
(EI01EO04)
Comunicar necessidades,
desejos e emoções,
utilizando gestos, balbucios,
palavras.
(EI02EO04)
Comunicar-se com os
colegas e os adultos,
buscando compreendê-los e
fazendo-se compreender.
(EI03EO04)
Comunicar suas ideias e
sentimentos das pessoas e
grupos diversos.
(EI01EO06)
Interagir com outras crianças
da mesma faixa etária e
adultos, adaptando-se ao
convívio social.
(EI02EO06)
Respeitar regras básicas de
convívio social nas
interações e brincadeiras.
(EI03EO06)
Manifestar interesse e respeito
por diferentes culturas e
modos de vida.
(EI02EO07)
Resolver conflitos nas
interações e brincadeiras,
com a orientação de um
adulto.
(EI03EO07)
Usar estratégias pautadas no
respeito mútuo para lidar com
conflitos nas interações com
crianças e adultos.
Fonte: BRASIL (2017, p. 45-46).
103
Corpo, gestos e movimentos: é com o corpo (através dos gestos,
sentidos, movimentos impulsivos ou intencionais, coordenados ou
espontâneos) que desde cedo, as crianças exploram o mundo, o espaço e os
objetos, estabelecendo relações, expressando-se, brincando e produzindo
conhecimentos sobre si e o outro, além do universo social e cultural. A
BNCC assim menciona:
[...] Na Educação Infantil, o corpo das crianças ganha centralidade,
pois ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado
físico, orientadas para a emancipação e a liberdade, e não para a
submissão. Assim, a instituição escolar precisa promover
oportunidades ricas para que as crianças possam, sempre animadas pelo
espírito lúdico e na interação com seus pares, explorar e vivenciar um
amplo repertório de movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com
o corpo, para descobrir variados modos de ocupação e uso do espaço
com o corpo [...] (BRASIL, 2017, p. 41).
Nesse campo de experiência, a BNCC sugere que as crianças ao
conhecerem e reconhecerem as sensações e funções de seu corpo, elas
identificam suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo ao mesmo
tempo, a consciência sobre o que é seguro e o que pode apresentar riscos à
sua integridade física. Salienta também a importância de um trabalho por
meio de diferentes linguagens, como a música, a dança, o teatro, as
brincadeiras de faz de conta, que permitem o entrelaçamento entre corpo,
emoção e linguagem (BRASIL, 2017).
Traços, sons, cores e formas: conforme a BNCC (2017), a
convivência com diferentes manifestações artísticas, culturais e científicas,
no cotidiano da instituição escolar, possibilita que as crianças se expressem
por várias linguagens, criando suas produções artísticas ou culturais com
104
sons, traços, gestos, danças, mímicas, encenações, canções, desenhos,
modelagens, etc.
A BNCC revela que:
[...] A Educação Infantil precisa promover a participação das crianças
em tempos e espaços para a produção, manifestação e apreciação
artística, de modo a favorecer o desenvolvimento da sensibilidade, da
criatividade e da expressão pessoal das crianças, permitindo que se
apropriem e reconfigurem, permanentemente, a cultura e
potencializem suas singularidades, ao ampliar repertórios e interpretar
suas experiências e vivências artísticas [...] (BRASIL, 2017, p. 41).
Essas experiências deste campo permitem que as crianças, desde
muito pequenas, desenvolvam senso estético e crítico, o conhecimento de
si mesmas, do outro bem como da realidade que os cercam (BRASIL,
2017).
Escuta, fala, pensamento e imaginação: partindo da premissa de
que desde o nascimento, as crianças participam de situações comunicativas
com as pessoas com as quais interagem, a BNCC coloca que:
[...] Na Educação Infantil, é importante promover experiências nas
quais as crianças possam falar e ouvir, potencializando sua participação
na cultura oral, pois é na escuta de histórias, na participação em
conversas, nas descrições, nas narrativas elaboradas individualmente ou
em grupo e nas implicações com as múltiplas linguagens que a criança
se constitui ativamente como sujeito singular e pertencente a um grupo
social (BRASIL, 2017, p. 42).
105
A BNCC (BRASIL, 2017) orienta que nessa etapa da Educação
Básica, a imersão na cultura escrita deve partir do que as crianças já sabem
e das curiosidades delas e as experiências com a literatura infantil, propostas
pelo educador, que é o mediador entre os textos e as crianças, contribuem
para o desenvolvimento do gosto pela leitura, o estímulo à imaginação e a
ampliação de seus conhecimentos de mundo.
O documento destaca também que é no convívio com textos
escritos, que as crianças vão construindo hipóteses sobre a escrita, que
inicialmente são rabiscos e garatujas e, conforme vão conhecendo as letras
surgem as escritas espontâneas, não convencionais, mas que já indicam o
entendimento da compreensão da escrita como sistema de representação
da língua.
Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações: pelo fato
de que as crianças vivem em espaços e tempos de diferentes dimensões,
desde muito pequenas, elas procuram se situar em diversos espaços (rua,
bairro, cidade etc.) e tempos (dia e noite; hoje, ontem e amanhã, etc.);
demonstrando também curiosidade sobre o mundo físico (seu próprio
corpo, os fenômenos atmosféricos, os animais, as plantas, as
transformações da natureza, os diferentes tipos de materiais e as
possibilidades de sua manipulação, etc.) e o mundo sociocultural (as
relações de parentesco e sociais entre as pessoas de sua convivência; como
vivem e onde trabalham; suas tradições e costumes, etc.) e além disso,
nessas experiências bem como em outras, as crianças se deparam com
conhecimentos matemáticos (contagem, ordenação, relações entre
quantidades, dimensões, medidas, reconhecimento de formas geométricas
etc.), que obviamente também aguçam sua curiosidade (BRASIL, 2017).
Posto isso, a BNCC retrata que:
106
[...] A Educação Infantil precisa promover experiências nas quais as
crianças possam fazer observações, manipular objetos, investigar e
explorar seu entorno, levantar hipóteses e consultar fontes de
informação para buscar respostas às suas curiosidades e indagações.
Assim, a instituição escolar está criando oportunidades para que as
crianças ampliem seus conhecimentos do mundo físico e sociocultural
e possam utilizá-los em seu cotidiano (BRASIL, 2017, p. 43).
Depois de mostrarmos um pouco das legislações e políticas que
regulamentam a Educação Infantil no contexto brasileiro, faz-se necessário
falarmos sobre o cuidado e a formação moral nessa etapa da Educação
Básica.
3.3 A formação moral e o cuidado na Educação Infantil:
algumas considerações
Como vimos no presente capítulo, o educar e o cuidar são aspectos
indissociáveis na Educação Infantil sendo que no capítulo anterior quando
tratamos do desenvolvimento moral, citamos Carol Gilligan (1982) que
propõe que haja dois grandes eixos da moral: uma ética da justiça e uma
ética do cuidado, que segundo a autora, as duas têm igual importância,
sendo os homens mais inclinados a pensar a moral pelo lado da justiça
enquanto as mulheres pelo lado do cuidado. Montenegro (2001) concorda
com a formulação de uma ética do cuidado e associa a centralidade do
cuidado na teoria de Gilligan a uma das funções essenciais do educador
infantil, geralmente mulheres, e ainda faz a proposta de pensarmos tal
cuidado em termos morais.
Montenegro (2001) chama a atenção para algumas especificidades
do campo da Educação Infantil, que devem ser consideradas antes de se
107
definir o que seria a formação de educadores para o cuidado: a Educação
Infantil como uma atividade de cuidado, envolve posturas éticas mediadas
pela prestação de um serviço e por se tratar de crianças muito pequenas,
aumenta a responsabilidade de uma formação afetiva e outra
especificidade, não menos importante, é que as pessoas que cuidam das
crianças pequenas em creches e pré-escolas são principalmente mulheres.
Sendo assim, a autora menciona que:
Dada sua peculiaridade, de uma ocupação em busca de
reconhecimento, com sua origem vinculada a prescrições sociais
dirigidas às mulheres, a educação infantil ilustra bem as contradições
advindas da polarização entre mundo profissional, racional, masculino
versus informal, irracional, emocional, feminino. Busco uma
abordagem do cuidado que rompa com essa lógica dualista que
impregna as análises e transparece nas práticas profissionais,
evidenciando-se nas interpretações parciais da ação de homens e
mulheres, e evite os labirintos reducionistas que valorizam ora a
racionalidade, ora a afetividade (grifos da autora) (MONTENEGRO,
2001, p. 107).
De acordo com Montenegro (2001) é preciso romper com a ideia
do cuidado como categoria teórica ou de considerar peculiaridades de
gênero para explicá-lo, o que leva a inserir o conceito num sistema teórico
psicológico mais amplo. Entender porque as mulheres recorrem a essas
áreas para as teorias maternalistas advindas do feminismo implica na ideia
de que as mulheres transferem habilidades e funções de cuidar, que
aprendem em casa e na comunidade, para as funções que exercem.
Montenegro assim se refere quanto à questão:
108
Além das teorias maternalistas, o significado da dedicação maciça de
mulheres às ocupações de cuidado tem proporcionado o
desenvolvimento de diferentes interpretações teóricas. Nessas, os
fatores que determinam o exercício dessa atividade variam de acordo
com motivações próprias, que podem ser vivenciadas com conflito e
não se restringem ao altruísmo. Nancy Folbre (1995), por exemplo,
identifica três possibilidades que levariam pessoas a se dedicarem às
profissões de cuidado: altruísmo, reciprocidade duradoura e realização
de uma obrigação ou responsabilidade (MONTENEGRO, 2001, p.
109).
Levando em consideração agora uma vertente essencialista,
Montenegro (2001) alerta que foram feitas também análises que explicam
o fato de as mulheres exercerem predominantemente profissões de
cuidado, que muitas vezes usufruem de pequeno prestígio social e
econômico, tendo a ver com uma tendência delas a privilegiar motivações
altruístas, enquanto os homens seriam motivados pelas possibilidades de
ganhos materiais e de carreira, pensamento esse muito influenciado pela
concepção da ética do cuidado, elaborada por Gilligan (1982).
Na Educação Infantil, a discussão sobre o cuidado passa a ser de
ordem moral quando consideramos que a afetividade é direcionada,
portanto, da atenção para o cuidado, seguindo um rumo valorativo, como
por exemplo, as crianças entre 0 a 3 anos, que não necessariamente
expressam objetivos e princípios, por meio de suas características
individuais como cor da pele, beleza, maneira de se expressar, etc., mas
transmitem mensagens valorativas para as educadoras e podem ou não ser
cuidadas de formas diferentes (MONTENEGRO, 2001).
Para finalizar, salientamos que embora a nossa pesquisa tenha
como foco as crianças e não a formação moral das educadoras,
consideramos que é de suma importância a formação dessas educadoras
109
quanto à moralidade, pois acreditamos que a modificação de suas práticas
docentes, pode favorecer o desenvolvimento moral das crianças.
Montenegro considera que:
No entanto, para que essa formação moral contribua para o processo
de desenvolvimento de pessoas não apenas autônomas, mas também
sensíveis às necessidades do outro, esse modelo de educação moral deve
pautar-se num paradigma teórico do desenvolvimento moral e em uma
revisão crítica dos modelos comumente utilizados na educação moral.
Isso porque a inserção do tema cuidado implica a necessidade de adotar
uma concepção de moralidade que não se limite à noção de justiça
como direito universal, portanto impessoal o deixando de
reconhecer sua importância -, mas que inclua situações específicas, em
que os dilemas morais ocorrem, considerando os vínculos relacionais
entre os indivíduos envolvidos, e reconheça, com isso, o caráter pessoal
na resolução de conflitos morais [...] (MONTENEGRO, 2001, p.
129).
Complementando a citação acima, a inclusão desses aspectos
pessoais e relacionais num corpo teórico, traz necessariamente a discussão
de valores individuais, assunto que trataremos no próximo capítulo, em
especial o respeito, que foi escolhido para ser utilizado na sequência
didática que os professores, participantes de nossa pesquisa, avaliaram.
110
111
Capítulo 4
Valores sociomorais
Para a presente pesquisa, selecionamos o valor respeito para
trabalhar com as crianças e como elas entendem e aderem a ele. Em
concordância com Tognetta (2009), acreditamos que pensar a educação
moral atualmente exige muito mais do que uma adequação do currículo
escolar, já que necessitamos formar os sujeitos para a autonomia.
Começamos por explicar o que são valores sociomorais.
4. 1 O que são valores sociomorais?
Segundo Marques, Tavares e Menin (2019) a palavra valor exprime
a ideia daquilo que vale alguma qualidade atribuída por alguém a algo. Ele
não existe como coisa concreta, mas sempre como resultado das interações
das pessoas com as coisas, os atos e os fenômenos que são avaliados de
diferentes formas, revestindo de qualidade as coisas, as pessoas, os atos, as
intenções; são também as razões que justificam ou motivam nossas ações,
tornando-as preferíveis a outras. Os autores ressaltam também que há
componentes afetivos e cognitivos no ato de atribuir valores e que alguns
teóricos priorizam o papel dos sentimentos; outros, da cognição para a
construção deles.
112
Para Araújo (2007), valores são projeções de sentimentos positivos
dos sujeitos sobre objetos, ações, pessoas e sobre si mesmo, ou seja, aquilo
que gostamos, que valorizamos e que pertencem à dimensão afetiva do
psiquismo humano e o autor coloca que assim como Piaget preconizou,
devemos recusar tanto as teses aprioristas que defendem os valores como
algo inato, como também as empiristas que os entendem como resultado
das pressões do meio social sobre as pessoas. Sendo assim, é a ação do
sujeito que está atrelada ao princípio de projeção afetiva que nos ajuda a
compreender o porquê pessoas que convivem em um mesmo “ambiente”
possuem valores tão diferentes.
Marques, Tavares e Menin assim se referem:
[...] entendemos valores sociomorais como aqueles que orientam como
devemos ser e viver, com nós mesmos e com os outros, de modo a
estarmos de acordo com costumes, normas e princípios estabelecidos
em nossa sociedade, cultura ou crenças, e que nos apregoam o que é
certo, bom ou justo. Estamos falando, portanto, de valores ligados ao
dever moral e que vão além da obediência às leis (grifos dos autores)
(MARQUES; TAVARES; MENIN, 2019, p. 9).
Se partirmos do pressuposto de que o valor se refere àquilo de que
a pessoa gosta e que valoriza, há uma valência positiva dos sentimentos,
isto é, uma ideia ou uma pessoa se torna um valor para o sujeito se ele
projetar sobre ela sentimentos positivos. Se os sujeitos também projetam
sentimentos negativos sobre objetos, pessoas, relações ou sobre si mesmas,
temos os contravalores que estabelecem então, relação com aquilo de que
não gostamos, de que temos raiva, que odiamos por exemplo (ARAÚJO,
2007).
Marques, Tavares e Menin consideram que:
113
Os valores morais se referem àqueles que qualificam o bem ou o mal
nas ações humanas e regulam os costumes das pessoas num
determinado grupo, cultura, etnia. Eles dizem às pessoas como devem
viver. A palavra latina mor, ou mores, no plural, refere-se ao conjunto
de normas, princípios, leis, costumes. Para Cortina (2005), valores se
constituem como parte inevitável da vida humana: impossível imaginar
uma vida sem eles. Assim são também os valores morais: ninguém
consegue se situar além do bem e do mal, pois “todos somos
inevitavelmente morais. Toda pessoa humana é inevitavelmente
moral”. [...] (MARQUES; TAVARES; MENIN, 2019, p. 22).
DeVries e Zan (1998) também ressaltam que a construção dos
valores morais é um processo que ocorre de forma gradativa a partir do
respeito por outros. No âmbito escolar, a expressão de respeito do professor
pelas crianças faz muito sentido, pois é a base para a formação do
autorrespeito e respeito pelos pares. Sendo assim, o respeito por outros está
estritamente relacionado a descentração tanto intelectual bem como
emocional, para que assim o indivíduo possa levar em conta os pontos de
vista diferentes dos seus. As autoras acrescentam ainda que por meio de
incontáveis situações nas quais as crianças experienciam simpatia,
comunhão e conflitos com outros, elas constroem ideias de reciprocidade
entre as pessoas.
De acordo com Marques, Tavares e Menin (2019), além das
posições pró ou contra os valores, existem níveis de perspectivas sociais que
evidenciam modos diferentes de as pessoas aderirem aos valores. Kohlberg
(1992) referenciado por Marques, Tavares e Menin (2019, p. 89), define
perspectiva social ou percepção social, “como as pessoas veem as outras,
interpretam seus pensamentos e sentimentos e consideram o papel e o
lugar que ocupam em sociedade”. O autor ainda sublinhou que o
“desenvolvimento da percepção social de um estágio, ocorre antes, ou é
114
mais fácil que o desenvolvimento do estágio paralelo de juízo moral”.
Sendo assim, as crianças podem primeiramente se perceber como seres que
fazem parte de um conjunto de outras pessoas, e sentem que precisam levar
em conta o que os outros necessitam, dizem ou pensam, para, depois serem
capazes de fazer raciocínios mais elaborados, operatórios, usando e
justificando com argumentos gicos suas escolhas em valores.
Conforme as etapas de desenvolvimento social e moral, os
indivíduos podem partir de uma posição social muito autocentrada ao
aderir a um valor, usando-o apenas em função das próprias necessidades e
pontos de vista (perspectiva social egocêntrica). Isso é muito comum em
crianças pequenas (com menos de 7 ou 8 anos aproximadamente), ainda
que também possa comparecer em adolescentes e em adultos.
Posteriormente, os indivíduos podem passar a considerar os mais
próximos, como as pessoas afetivamente importantes, e às autoridades,
regras e convenções sociais (perspectiva social sociocêntrica). Finalmente,
as pessoas podem passar a aderir os valores admitindo que eles podem ser
necessários, bons ou justos, para qualquer pessoa, em função de um
princípio maior relacionado à dignidade humana como meio e fim de
qualquer princípio moral (perspectiva para além da sociedade ou
propriamente moral). Ou seja, pensam em princípios que se pretendem
universais todos os querem e que justificam as ações ou decisões para
o maior número de pessoas possível, e não apenas em regras,
recomendações ou leis ditas por outras (MARQUES; TAVARES;
MENIN, 2019).
É interessante a definição de Comte-Sponville (2009, p. 7) a
respeito do termo virtude como “uma força que age, ou que pode agir” e
que tais virtudes podem ser ensinadas, inclusive no âmbito escolar. O
filósofo francês defende também que no desenvolvimento da moralidade
humana, não basta a razão: também é necessário o desejo, a educação, o
115
hábito e a memória. Resumindo: é a virtude de um homem que o faz
humano, ou seja, é o seu poder específico de afirmar sua própria excelência,
isto é, a sua humanidade que o torna um sujeito moral.
Ainda Comte-Sponville assume que:
[...] Toda virtude é, pois, histórica, como toda humanidade, e ambas,
no homem virtuoso, sempre coincidem: a virtude de um homem é o
que faz humano, ou antes, é o poder específico que tem o homem de
afirmar sua excelência própria, isto é, sua humanidade (no sentido
normativo da palavra). Humano, nunca humano demais... A virtude é
uma maneira de ser, explicava Aristóteles, mas adquirida e duradoura,
é o que somos (logo o que podemos fazer, porque assim nos tornamos
[...] (COMTE-SPONVILLE, 2009, p. 8).
A virtude acontece quando há o encontro da hominização (como
fato biológico) e da humanização (como exigência cultural), isto é,
corresponde à nossa maneira de agir humanamente e tem a ver com a nossa
necessidade de agir bem, sendo que desde Aristóteles, a virtude continua
sendo uma disposição de fazer o bem. As virtudes (porque são várias), são
nossos valores morais sempre singulares, como cada um de nós, sempre
plurais, como as fraquezas que elas combatem e corrigem. São exemplos
de virtudes: a polidez, a fidelidade, a prudência, a temperança, a coragem,
a justiça e a generosidade (COMTE-SPONVILLE, 2009).
Kawashima e Martins (2013) salientam que a virtude consiste em
uma disposição e que requer esforço, ou seja, ela não é obrigatória, e,
consequentemente não é dever buscar a excelência ou querer ser melhor;
faz-se necessário querer ser virtuoso. Sendo assim, a pessoa virtuosa é uma
pessoa boa que age e quer o bem para si e para os outros. Os autores
salientam que:
116
Das muitas virtudes, é consenso entre estudiosos, sobretudo na
psicologia moral, como em Piaget (1994) e Kohlberg (1992), que o
valor moral mais importante é a justiça. Para Comte-Sponville (1995),
a justiça é a virtude mais completa, a mais geral: ele lembra Aristóteles,
que a considera a mais perfeita das virtudes, pois supõe a igualdade dos
direitos, sejam eles juridicamente estabelecidos ou moralmente
exigidos. [...] (KAWASHIMA; MARTINS, 2013, p. 53).
Nesse livro, optamos por usar o termo valor sociomoral pelo desejo
de enfatizar a relação não só com o afeto, mas também com o social. Posto
isso, concordamos com Tognetta, Martinez e Daud (2017) quando
salientam que o respeito é um valor, pois é algo que se estima, que se
investe, sendo compreendido como um conteúdo no qual a moral se
manifesta.
Abordaremos agora o valor respeito, que foi escolhido para a
pesquisa com as crianças na faixa etária de cinco anos.
4. 2 O valor respeito
Como vimos no tópico acima, para que um indivíduo respeite o
outro e aja moralmente, é preciso que as representações de si tenham valor,
haja vista que só valorizamos o outro e passamos a respeitá-lo quando
damos valor a nós mesmos. Para Kawashima e Martins (2013, p. 52): “as
representações de si são sempre valorativas e, portanto, são investimentos
afetivos” e vale ressaltar que La Taille (2006), associa esses valores morais
às representações de si, as denominando de virtudes morais.
Tognetta, Martinez e Daud consideram que:
117
[...] para entendermos de fato o quanto é verdadeiro o nosso desejo de
que em nossas escolas as crianças, possam, mediante o respeitar, ser
melhores, será preciso compreender o respeito não como um valor em
si (que também o é), mas como o próprio investimento para algo. Em
uma palavra, podemos dizer que, quando pensamos em uma ação para
ser melhor, os verbos, respeitar, admirar, se arrepender, se orgulhar...
nos servem. Todas essas ações correspondem, na verdade, àquilo que
nos move, àquilo em que investimos: o que eu respeito, ou, quem eu
respeito, o que admiro, do que me envergonho, do que me orgulho,
do que me arrependo [...] (TOGNETTA; MARTINEZ; DAUD,
2017, p. 14, grifos dos autores).
Levando em consideração a citação acima, Tognetta, Martinez e
Daud (2017) ressaltam que o respeito é de fato um sentimento moral,
porque aponta o quanto o dever está legitimado pela pessoa que sente e
não seria apenas a razão quem aprova ou não uma ação enquanto moral,
mas também o que sentimos deve ser considerado e sendo assim, não bater
no outro, por exemplo, não é apenas pela consciência da regra, mas
também por sentir que o bem a si é tão importante que se desejará o mesmo
ao outro, isto é, por se comover com a dor do outro que não o desprezo,
essa seria uma capacidade anterior até a própria reciprocidade.
Os autores acima referenciados ressaltam também que é por esse
motivo que as crianças pequenas são mais generosas do que justas, devido
ao fato de que conseguem ajudar o outro ainda que não tenham um
pensamento lógico que coordene o seu ponto de vista com o outro.
Para respeitar o outro é preciso inicialmente um esforço, uma
vontade que é determinada pelo equilíbrio entre o bem a mim e o bem ao
outro. Um exemplo dado pelos autores seria uma vontade que me faz não
bater mesmo que eu tenha um “desejo”, exatamente porque “vontade”,
para Piaget é uma força que busca o equilíbrio e não o “desejo”,
118
considerado como uma vontade passageira. Sendo assim, o respeito ao
outro que queremos depende do autorrespeito, ou seja, o valor de si para
investir valor no outro (TOGNETTA; MARTINEZ; DAUD, 2017).
Ainda Tognetta, Martinez e Daud (2017) concordam com Ricouer
(1993) quando ele coloca que a estima de si depende de três pilares, sendo
eles: a) o amor de si (tem a ver com a nossa capacidade de resistir aos
fracassos e à diversidade); b) a visão de si (teria relação com o nosso próprio
autoconhecimento, ou seja, no conhecimento das qualidades, desejos e
imperfeições) e; c) a confiança de si (este seria uma consequência imediata
dos anteriores, isto é, a forma do indivíduo garantir a sua própria decisão).
Devido a esses três pilares, Tognetta; Martinez e Daud (2017) asseveram
que o estimar a si depende de uma busca em ser uma pessoa melhor, ou
seja, buscar por uma imagem de si diante da hierarquia de valores pelos
quais dou importância. Sendo assim, para respeitar o outro é preciso que
eu tenha por mim uma autoestima e o sentimento de que os meus desejos
são levados em conta e que agregam valor à minha identidade.
Quando asseguramos que o ato de se atribuir valor é ter a
oportunidade de ser o melhor que se pode, seja no pensar e sentir, analisar,
comparar, reconstituir, antecipar ações em plano mental e controlar o que
sente, reconhecer os próprios sentimentos e manifestá-los, ações humanas
que nos tornam melhores, Tognetta, Martinez e Daud assim mencionam:
É por esta razão que, quando precisamos fazer com que uma criança
respeite a outra, ativamos nela duas capacidades notadamente
humanas: pensar e sentir. O fato é que o verbo “pensar” tem sido
utilizado sempre como algo pouco elaborado, cuja capacidade na
criança ou de um sujeito que age heteronomamente já estaria posta,
visto a sua condição humana. E professores têm colocado crianças e
adolescentes para pensar como se isso fosse simples. Ou, tão ruim
quanto, resolvido os problemas eles mesmos para que a solução seja
119
dada rapidamente (TOGNETTA; MARTINEZ; DAUD, 2017, p.
20).
Segundo Tognetta, Martinez e Daud (2017), Piaget, em sua obra
A tomada de consciência (1977), estabelece que há um longo percurso que
se deve tomar a partir da generalização de uma aprendizagem até a tomada
de consciência: para ele, não é possível chegar à referida tomada de
consciência se a ação não for do sujeito e é essa ação que chamamos de
pensar, que implica em três especificidades: a reconstituição, a antecipação
e a comparação.
É por essa razão que, quando existe um conflito, deve-se pedir a
criança ou ao adolescente que ele reconte tudo o que aconteceu, pois assim
o que era ação torna-se representação. Logo depois, ao invés de propor
soluções, pedimos que nos diga o que poderia ter feito para que isso não
tivesse ocorrido, ou o que pode ser feito de uma próxima vez, fazendo-a
sair do presente para antecipar novos fatos. E assim, damos à criança a
oportunidade de comparar possibilidades de ação, ou seja, de fazer
escolhas, pois quem faz escolhas está muito mais próximo de se
responsabilizar por elas e é somente passando pelo crivo do pensamento
que a criança ou adolescente poderá generalizar uma mesma ação em
outras situações e de fato tomar consciência do acontecido.
Para Piaget (1945) retomado por Tognetta, Martinez e Daud
(2017), a estrutura da inteligência é única e universal em seu
funcionamento e a afetividade é a energia que faz o motor funcionar.
Entende-se por afetividade o conjunto de interesses, emoções e sobretudo,
os sentimentos que seriam categorias mais elevadas dessa afetividade por se
tratarem de investimentos que exigem a presença da consciência. Os
autores assim explicam a relação da formação do valor respeito e a
afetividade:
120
[...] se falamos que duas qualidades humanas têm de ser acionadas para
que uma ação moral aconteça, e tratada a questão do pensar sobre o
ocorrido, a maneira pela qual um professor deverá intervir segue todo
o princípio da autorregulação proposta por Piaget (1945) também para
os afetos: é preciso permitir que aquele que age manifeste em palavras
o que sente. Nomear sentimentos e tê-los reconhecidos como aqueles
que, junto à consciência, regulam a ação moral é permitir que o sujeito
se sinta respeitado, proporcionando-lhe o que de melhor um humano
pode vir a ser (TOGNETTA; MARTINEZ; DAUD, 2017, p. 23).
Em termos de gênese, o autorrespeito começa entre os bebês pelo
egocentrismo cognitivo e afetivo, de achar-se o centro das atenções, de
olhar por uma mesma perspectiva: a sua e nessa vertente, há um grande
avanço quando nos processos de representação o bebê consegue evocar um
objeto ausente sem que ele seja visto, tal como vimos no capítulo 1 quando
tratamos do desenvolvimento cognitivo. Sendo assim, tal representação
possibilita o reconhecimento do outro, separado de si.
É importante ressaltar que, se antes dos dois anos de idade, de certa
forma, as valorizações eram restritas à própria ação, elas se estendem agora
às pessoas, que passam a serem reconhecidas como o outro que é separado
dele. É assim que começa a socialização, devido ao fato dele e do outro
coexistirem e, portanto, os investimentos agora também são ao outro. A
experiência que o bebê tem com esse outro, é tida então, de duas maneiras:
a criança percebe que há um outro que é próximo, um par e há um outro
que representará para ele a função de autoridade (PIAGET 1994 [1932]),
assunto que abordaremos no tópico seguinte quando enfocaremos as
contribuições de Piaget na construção do valor respeito.
121
4. 3 O respeito: contribuições de Jean Piaget
Como começamos a abordar no segundo capítulo quando
tratamos do desenvolvimento moral, Piaget (1996 [1930]), assevera que
podemos distinguir ao menos dois tipos de respeito: em primeiro lugar, há
o que chamamos de unilateral, porque ele implica em uma desigualdade
entre aquele que respeita e aquele que é respeitado: é o respeito do pequeno
pelo grande, da criaa pelo adulto, do caçula pelo irmão mais velho. Esse
respeito implica uma coação inevitável do superior sobre o inferior; é
característico de uma primeira forma de relação social, a relação de coação.
Mas devemos ressaltar que existe também, o respeito que podemos chamar
de mútuo, porque os indivíduos que estão em contato se consideram como
iguais e se respeitam reciprocamente. Esse respeito não implica, assim, em
nenhuma coação e caracteriza um segundo tipo de relação social, a relação
de cooperação. Enquanto para Kant o respeito é um resultado da lei e para
Durkheim um reflexo da sociedade, para Piaget o respeito pelas pessoas
constitui um fato primário do qual deriva a lei (LIMA, 2003).
Piaget assim se posiciona:
São esses dois tipos de respeito que parecem nos explicar a existência
de duas morais cuja oposição se observa sem cessar nas crianças. De
modo geral se pode afirmar que o respeito unilateral fazendo par com
a relação de coação moral conduz, como Bovet bem notou, a um
resultado específico que é o sentimento de dever. Mas o dever primitivo
assim resultante da pressão do adulto sobre a criança permanece
essencialmente heterônomo. Ao contrário, a moral resultante do
respeito mútuo e das relações de cooperação pode caracterizar-se por
um sentimento diferente, o sentimento do bem, mais interior à
consciência e, então, o ideal da reciprocidade tende a tornar-se
inteiramente autônomo (PIAGET, 1996 [1930], p. 5, grifos do autor).
122
De acordo com Tognetta, Martinez e Daud (2017), Piaget foi
quem, inspirado por grandes filósofos, estendeu à Psicologia a ideia de que
a moral dependeria sim da razão, mas também da afetividade ou o que
chamou de energia e com isso, colocou o respeito como um sentimento
normativo e não uma emoção que pode sofrer variações, ou seja, o respeito
é um valor que, quando considerado como um investimento afetivo, nos
torna cada vez mais evoluídos e assim, o indivíduo quando atinge o auge
da moral que é a autonomia, temos o valor e a disposição para o bem
conservados. Os autores colocam ainda que o respeito, a admiração, o
orgulho na medida em que levam em conta a si mesmo e ao outro, formam
o caráter de uma pessoa.
Freitas (2003) ressalta também que Piaget entende o respeito como
um sentimento essencialmente pessoal e que seria composto, ao mesmo
tempo, de afeição (ou simpatia) e de medo e que a fusão desses dois
sentimentos seria insuficiente para explicar a obediência das crianças às
consignes
14
de seus pais, reforçando a ideia de que o respeito é um
sentimento que se constitui em função das trocas que a criança estabelece
com o meio social e que os sentimentos de amor e temor são os sentimentos
componentes tanto do respeito unilateral bem como do respeito mútuo.
Porém, a autora (FREITAS, 2003, p. 78) faz a ressalva de que o respeito
mútuo não deriva do respeito unilateral, mas sim da relação estabelecida
entre iguais.
Em outras palavras, o início da moralidade na criança, é um misto
de amor e medo e se dá a uma fonte da regra, a autoridade: o amor seria
um apego ou até mesmo uma admiração que a criança sente por essa
autoridade ou por uma pessoa significativa e consoante a isso, o medo se
14 Piaget utiliza esse termo com o mesmo significado de Bovet, que são ordens por prazo indeterminado, válidas
em todas as situações, de maneira permanente enquanto não houver uma contra-ordem (FREITAS, 2003, p.
75).
123
daria exatamente por conta da retirada desse amor e consequentemente
uma desproteção sentida pela criança e também a possibilidade de um
castigo (PIAGET, 1994 [1932]). Tognetta, Martinez e Daud explicam
que:
Amor e medo, assim, fazem com que a criança respeite a fonte das
regras, como pressupunha Bovet, e não a regra em si e o porquê dela.
Isso explica o fato de crianças, jovens e adultos heterônomos tomarem
a regra ao pé da letra, pelo apego e medo da autoridade superior e não
ao princípio pelo qual uma regra existe (TOGNETTA, MARTINEZ;
DAUD, 2017, p. 25).
Lima (2003), destaca que Piaget percebeu que um ambiente onde
a autonomia é privilegiada, o respeito unilateral da criança pelo adulto vai
dando lugar ao respeito mútuo, isto é, uma relação entre iguais, onde a
ideia de autoridade vai perdendo sua força: se na moral heterônoma, a
criança obedecia de forma “cega” ou pelo egocentrismo, como já vimos
pelo medo de perder o amor do adulto, a partir das interações sociais a
visão que ela tinha do adulto vai se desmistificando e consequentemente,
diminui nela o medo de perder o amor da figura que exercia até então
autoridade e ela começa a exigir para si o respeito, mas como já ressaltamos,
essa rejeição vem acompanhada de afeição e medo. Seria o que a teoria
piagetiana entende como decair aos olhos dos outros. Piaget afirma que:
O elemento quase material de medo, que intervém no respeito
unilateral, desaparece então progressivamente em favor do medo
totalmente moral de decair aos olhos do indivíduo respeitado: a
necessidade de ser respeitado equilibra, por conseguinte, a de respeitar,
e a reciprocidade que resulta desta nova relação basta para aniquilar
qualquer elemento de coação. A ordem desaparece no mesmo tempo
124
para tornar-se acordo mútuo, e as regras livremente consentidas
perdem seu caráter de obrigação externa (PIAGET, 1994 [1932], p.
284).
O mesmo sentimento chamado respeito, de forma evoluída, passa
a ser produto de outros dois sentimentos no desenvolvimento moral:
vergonha e admiração. O primeiro é um autojuízo negativo, decorrente de
uma falha real ou antecipada; já, a admiração pode ser entendida a partir
do fato de que o indivíduo pode respeitar alguém como “alguém que quero
ser igual’ ou alguém que me atribui valor e, por isso, o considero como
merecedor de confiança, outro sentimento relacionado ao respeito.
Tognetta, Martinez e Daud (2017, p. 25) salientam que: “é pela admiração
que se respeita autonomamente alguém como forma de se sentir também
respeitado” e que no caso do amor e medo, coexistem o medo da punição
e o apego e se caso esses sejam passageiros, na falta de autoridade,
evidentemente teríamos a falta de respeito.
Se o respeito é um sentimento que se desenvolve na criança
justamente por conta da interação que ela estabelece com o seu meio social,
Piaget sabiamente se interessou pelo tipo de relação social estabelecida,
distinguindo dois tipos: a coação social e a cooperação. Na coação social,
toda relação intervém um elemento de autoridade e prestígio. Já, na
cooperação, toda relação social não tem a intervenção de tais elementos
(FREITAS, 2002).
La Taille (1992) define a relação de coação como uma relação
assimétrica, na qual um dos polos impõe ao outro suas formas de pensar,
seus critérios e suas verdades. Ou seja, é uma relação em que não existe
reciprocidade e é uma relação constituída, no sentido de que suas regras
são dadas de antemão, e não podem nem devem ser construídas pelos
diferentes participantes.
125
Para Menin (1996), a moral defendida por Kant, um dos
influenciadores dos estudos de Piaget, pede um princípio universal, ou ao
menos, “universalizante”, isto é, válido por si mesmo e universal e essa
“máxima” seria então um prinpio de ação, um motivo racional para
agirmos e esse “imperativo categórico” significa que para sermos
moralmente corretos é só agirmos de acordo com “motivos racionais” que
concordamos que sejam motivos para toda e qualquer pessoa, ou seja, o
que vale para mim deve valer para qualquer pessoa. Ainda Menin (1996)
assinala que a “universalização” na moral começa, portanto, com a
reciprocidade no grupo, isto é, aprendendo a fazer em grupos, cada vez
maiores, aquilo que é bom para nós, começamos a aprender a fazer, o que
é bom para a humanidade.
Para Freitas, se agir moralmente é agir por dever, como preconiza
Kant, é preciso saber a que regras nós temos o dever de nos conformar:
Dentre as regras adotadas pelos homens, Kant (1785/1951)
diferenciou as máximas e as leis práticas: as máximas, princípios
segundo os quais o sujeito age, são subjetivas, porque são consideradas,
por aquele que as adota, válidas por sua própria vontade; as leis práticas
são objetivas, isto é, consideradas válidas para a vontade de qualquer
ser racional. Se eu posso querer que minha máxima se torne uma lei
universal, então ela é uma lei moral [...] (FREITAS, 2003, p. 63).
Segundo Tognetta, Martinez e Daud:
Kant (1974), aquele que defendia o imperativo categórico de que o
bem deve ser feito indistintamente, como o que “você faria a você”,
conforme a consciência do dever pelo qual deve agir, e não segundo o
dever convencionado socialmente (somente se há alguém que manda,
126
se há uma regra escrita que orienta a ação), interessantemente diria que
na “vida prática” há uma força maior: a vontade. Retomada por Piaget
(1994), a vontade pressupõe mais do que a consciência da regra, ela
implica um investimento. Em Shaftesbury (TAYLOR, 1998), é com a
“afeição natural” que amamos o bem ou queremos a moral, porque
temos “inclinações” ou motivações. (TOGNETTA; MARTINEZ;
DAUD, 2017, p. 15-16).
A filosofia moral kantiana influencia toda a obra de Piaget,
sobretudo nos elementos que elege no seu trabalho sobre a moral, tais
como: a noção de justiça, os deveres e as obrigações morais e a razão como
aspecto principal da moralidade. Lemos de Souza e Vasconcelos partem
desses constructos e ressaltam que:
[...] Assim como Kant, ele
15
afirma a origem do respeito à regra como
uma necessidade racional, lógica. A razão daria a liberdade (autonomia)
em relação às pressões sociais e grupais. Liberdade esta necessária para
o sujeito usar sua consciência moral. Porém, Piaget opõe-se ao filósofo,
quando considera que essa razão é construída na experiência, na ação e
na interação do sujeito, e não a priori. Portanto, as normas e regras
decorrentes da utilização da razão são oriundas da cooperação, da
elaboração conjunta das mesmas pelos indivíduos, sendolidas se
todos as respeitarem (LEMOS DE SOUZA; VASCONCELOS, 2009,
p. 344-345).
Ainda sobre as influências de outros pesquisadores na obra O Juízo
Moral na Criança, Freitas (2002) admite que Piaget se atentou para o fato
de que havia um acordo entre autores de orientações teóricas diferentes em
relação ao fato do respeito ser um sentimento fundamental da vida moral,
15 Aqui os autores se referem ao epistemólogo suíço Jean Piaget.
127
mas que o autor em vários textos, contrapõe Kant e Durkheim e, de outro
lado, também Bovet, já que tanto para Kant quanto para Durkheim, o
respeito é consequência da lei moral, isto é, o indivíduo é respeitado ao
passo que ele obedece à essa lei e de acordo com Bovet, o respeito às pessoas
é condição prévia da lei moral, haja vista que o indivíduo atinge o respeito
à Lei através das pessoas e a autora acrescenta que para atenuar as
divergências em torno dessa questão, Piaget se submete ao método
genético, o que, segundo a autora referenciada, a obra pode ser
compreendida como um estudo psicogenético sobre as relações entre o
respeito e a lei moral.
Segundo Lemos de Souza e Vasconcelos (2009), Piaget procura em
suas obras unir razão prática e razão teórica, cuja divisão foi realizada por
Kant e afirma a possibilidade do desenvolvimento hipotético dedutivo que
visa orientar e esclarecer decisões no âmbito da moral, não negando o
conteúdo como indispensável à construção da moralidade na criança, mas
sim que as relações de coação e cooperação, agregam valores, sentimentos
e outros fatores próprios à cultura e que determinam a qualidade da
experiência moral dos indivíduos.
Como vimos logo acima, tanto em Kant bem como em Piaget a
autonomia é o princípio da lei moral efetiva e, para Piaget (1994 [1932])
não tem como o indivíduo ser autônomo sem a cooperação e o respeito
mútuo e que este só é verdadeiro enquanto respeito mútuo de duas
“personalidades”, visto que a personalidade é a própria consciência moral
(QUEIROZ; RONCHI; TOKUMARU, 2009).
Para Queiroz, Ronchi e Tokumaru:
De acordo com Piaget (1932/1994, 1954/2001) a personalidade se
constitui na vida social, é algo externo. Assim, e isso é fundamental
128
para a compreensão da importância do respeito no desenvolvimento
moral, há uma grande diferença entre consentimento mútuo e respeito
mútuo. O primeiro, segundo Piaget (1932/1994), basta para justificar
o motivo da construção das regras do jogo. No entanto, quando se fala
em regras morais, há que se falar em respeito mútuo, pois o respeito se
mostra como "...admiração por uma personalidade, enquanto,
justamente essa personalidade se submete a regras”. [...] (QUEIROZ;
RONCHI; TOKUMARU, 2009, p. 74).
Como aponta Freitas (2002, p. 304), o livro O juízo moral na
criança pode ser compreendido “... como um estudo psicogenético sobre
as relações entre o respeito e a lei moral”, já que Piaget “[...] atenta para o
fato de que havia um acordo entre autores de diferentes orientações
teóricas quanto ao fato de que o respeito é o sentimento fundamental da
vida moral”.
Ainda Queiroz, Ronchi e Tokumaru assim mencionam:
Para Kant (1788/2002) o respeito nunca estará relacionado aos
objetos, mas somente às pessoas, pois se trata de um reconhecimento a
moralidade do outro que se apresenta a mim. O sentimento moral que
o respeito pela lei moral incita, inspira o dever, em que a ação é
determinada pela vontade. Destarte, Kant (1788/2002) nos fala de
duas maneiras de relação com a lei moral, uma de dever e uma de
obrigação, nesta age-se de acordo com o dever (heteronomia falsa
liberdade), naquela age-se pelo dever (autonomia moral efetiva)
(QUEIROZ; RONCHI; TOKUMARU, 2009, p. 74).
Piaget (1994 [1932]) estabelece relação entre autonomia e o
respeito mútuo e a heteronomia e o respeito unilateral. No respeito
unilateral, a ação acontece em conformidade com o dever, ou seja, é uma
129
obrigação. A criança age da forma como foi ordenada, geralmente pelo
adulto; a regra está pronta e ainda é considerada como sagrada. Por outro
lado, quando há respeito mútuo a ação não ocorre por dever (obrigação),
mas sim pela vontade como determinante da ação.
Sendo assim, só há lei moral efetiva quando não há obrigação e
quando a determinação da ação da criança acontece mediante o respeito
que ela apresenta pela lei e pelo dever moral, ou seja, a criança é o sujeito
da lei moral. Para Piaget, um indivíduo autônomo entende a regra como
uma decisão do próprio sujeito, podendo ser modificada e adaptada às
tendências do grupo, como o autor afirma em sua obra O juízo moral na
criança (1994 [1932]):
Reconhecemos com efeito, a existência de duas morais na criança, a da
coação e a da cooperação. A moral da coação é a moral do dever puro
e da heteronomia: a criança aceita do adulto um certo número de
ordens às quais deve submeter-se, quaisquer que sejam as
circunstâncias. O bem é o que está de acordo, o mal o que não está de
acordo com estas ordens: a intenção só desempenha pequeno papel
nesta concepção, e a responsabilidade é objetiva. Mas, à margem desta
moral, depois em oposição a ela, desenvolvese, pouco a pouco, uma
moral da cooperação, que tem por princípio a solidariedade, que
acentua a autonomia da consciência, a intencionalidade e, por
consequência, a responsabilidade subjetiva (PIAGET, [1932]1994, p.
250).
Sempre que uma lei moral for exterior à criança, não haverá
consciência autônoma. Apenas quando a criança pode legislar sobre as
regras de acordo com sua própria vontade é que ela entende o porquê
daquela regra e pode ser considerada um indivíduo autonomamente moral,
já que suas regras são princípios construídos por ela mesma. Devemos
130
ressaltar que o respeito mútuo leva a criança à prática da cooperação, por
reciprocidade nas relações com outras crianças, condição que efetiva a
consciência da lei moral (PIAGET, 1994 [1932]; LIMA, 2003).
Lima (2003) considera que quando as crianças são continuamente
governadas pelos valores, crenças e ideias de outros, elas desenvolvem uma
submissão que pode levar a um conformismo isento de reflexão na vida
moral e intelectual. Piaget postula que:
Toda relação com outrem, na qual intervém um respeito unilateral,
conduz à heteronomia. A autonomia só aparece com a reciprocidade,
quando o respeito mútuo é bastante forte, para que o indivíduo
experimente interiormente a necessidade de tratar os outros como
gostaria de ser tratado (PIAGET, 1994 [1932], p. 105).
De forma sucinta, segundo Piaget (1994 [1932]), ser autônomo
está longe de ser aquela pessoa que simplesmente obedece às regras, mas
sim respeita aquelas que visam um bom convívio, privilegiando a
cooperação e a reciprocidade. De acordo com Lima na heteronomia:
A criança centra-se nas consequências materiais da ação
desconsiderando a intenção e as circunstâncias, fato que conduz a uma
visão de punição justa como “olho por olho, dente por dente”. Crê na
existência de sanções automáticas que emanam das coisas e “expiam” o
erro. Para ela é como se existisse entre ação censurada e castigo uma
relação de causalidade física. Trata-se de uma incapacidade para
diferenciar o psíquico do físico, pois examina o significado moral de
uma situação como uma qualidade física inerente à própria ação.
Considera a regra ao pé da letra e não em seu espírito, contudo as regras
morais parecem arbitrárias quando não consegue compreender suas
razões (LIMA, 2003, p. 101).
131
A criança possui uma unilateralidade, pois parte do princípio de
que todas as pessoas envolvidas na situação possuem a mesma percepção
que ela, não diferenciando os interesses opostos. Como já vimos, é guiada
por um respeito unilateral, seguindo as regras preestabelecidas pelos
adultos, respeitando-os, mas não sendo necessariamente respeitada por
eles. Portanto, a unilateralidade implica em uma desigualdade entre aquele
que respeita e aquele que é respeitado.
Nessa fase, as crianças são egocêntricas, isto é, não conseguem
considerar os sentimentos, os desejos e os pontos de vista do outro. Piaget
chamou essa característica de indiferenciação. Com o passar do tempo, a
criança, vai aos poucos, descentrando-se, percebendo que os outros
possuem opiniões diferentes das suas e com isso seu pensamento vai
tornando-se reversível, possibilitando-lhe a coordenação de diferentes
perspectivas (LIMA, 2003). Quando o adulto, utiliza-se de ameaças,
sanções, punições físicas ou psicológicas, no intuito de que a criança aja
em obediência às regras, o adulto alimenta as relações de respeito unilateral
e, consequentemente, a heteronomia.
A partir do momento que a criança começa a fazer menos uso de
sua moral heterônoma (por volta dos seis ou sete anos), a socialização deve
favorecer a constituição gradativa da autonomia. Segundo Lima uma regra
que a criança tenha ajudado a construir, ela segue com boa vontade, pois:
“representa a reflexão consciente do que a experiência permitiu descobrir,
portanto, a consistência entre o juízo e a conduta só acontece a partir de
um certo nível de autonomia” (LIMA, 2003, p. 103). Para desenvolver a
autonomia na criança, é de suma importância o convívio ente pessoas da
mesma idade, ou seja, entre pares.
Piaget (1996 [1930]) referenciado por Lima (2003) defende como
um procedimento da Educação Moral, a criação de uma escola ativa, onde
a criança possa vivenciar experiências morais, contudo, a autoridade do
132
professor não pode ser entendida como fonte única de inspiração moral.
Nessa escola, a educação moral não é uma disciplina, mas a colaboração
no trabalho coletivo torna-se fundamental e, tal escola deve se esforçar em
proporcionar às crianças situações nas quais tenha de experimentar as
relações morais e que pouco a pouco, vá descobrindo por si mesma, as leis
constitucionais, o que facilitará o aprendizado pela experiência, inclusive o
que é a obediência a uma norma, a adesão ao grupo e a responsabilidade
individual.
No próximo capítulo, abordamos o percurso metodológico da
pesquisa realizada com professores da Educação Infantil.
133
Capítulo 5
O percurso metodológico da pesquisa
e resultados do trabalho de campo
Tendo procedido à revisão da literatura produzida e construído um
referencial teórico para abordagem do problema de estudo, descreveremos
agora o percurso metodológico da nossa pesquisa de Mestrado, já que o
presente livro é resultado desse trabalho. Destacamos o problema, a
hipótese e os objetivos, logo abaixo.
5.1 O problema
A problemática central desse estudo é elaborar uma proposta para
professores da Educação Infantil criando uma Sequência Didática que
pode ser eficaz na promoção da descentração de crianças na faixa etária de
cinco anos.
5.2 A hipótese
Em virtude do problema levantado anteriormente, tomou-se como
hipótese que a Sequência Didática elaborada pode auxiliar na descentração
das crianças de cinco anos.
134
5.3 Os Objetivos
Geral
Temos como objetivo principal a criação de uma Sequência
Didática que trabalhe o desenvolvimento moral, especificamente a adesão
ao valor respeito de modo reversível, ou seja, trabalhando a superação do
egocentrismo.
Específicos
A pesquisa teve como objetivos específicos: compreender como as
crianças desenvolvem a noção de respeito a partir de revisão da literatura
especializada sobre a temática; proceder à análise documental acerca da
temática do desenvolvimento moral e do valor respeito e verificar com base
em contatos com professores da Educação Infantil a viabilidade do
processo de intervenção elaborado com vistas à descentração e
desenvolvimento moral das crianças na educação infantil.
5.4 O delineamento da pesquisa
Para abordagem da temática de pesquisa nos valemos de amplo
levantamento bibliográfico e de análise documental sobre a forma como a
literatura produzida e a legislação brasileira de ensino tratam da questão
do desenvolvimento moral e do respeito na formação das crianças na
educação infantil.
135
A pesquisa foi classificada inicialmente como descritiva, pois
segundo Campos (2015) ela responde questões do tipo “o que ocorre” no
sentido que propõe a partir da teoria uma técnica de trabalho e submete
tal técnica (Sequência Didática) para uma amostra de professores da
Educação Infantil através de um roteiro de perguntas enviados a eles por
meio eletrônico.
Também trata-se de um delineamento de levantamento que de
acordo com Campos (2015) visa apenas identificar quais são as variáveis
que constituem tal realidade. Por ser uma pesquisa descritiva, como
indicamos logo acima, esse tipo de delineamento não tem o objetivo de
estabelecer relações causais, mas apenas descrever os componentes dos
fenômenos.
O informante teve a possibilidade de discorrer sobre a Sequência
Didática e esse material permitiu uma análise qualitativa e assim,
procuramos estabelecer articulações entre as informações coletadas, por
intermédio dos contatos com os professores e do referencial teórico do
estudo, respondendo assim às questões da investigação, com base nos
objetivos estabelecidos no projeto.
Na presente pesquisa, nos valemos de levantamento bibliográfico
sobre as seguintes temáticas: desenvolvimento cognitivo sob a perspectiva
construtivista, desenvolvimento moral da criança para Piaget, das análises
das Diretrizes Curriculares Nacionais e da Base Nacional Comum
Curricular (análise documental da Educação Infantil) e discussão sobre os
valores sociomorais, em especial, o respeito, que foi escolhido para a
elaboração da sequência didática.
Vale ressaltar que após levantamento do material teórico
elaboramos a Sequência Didática e adaptamos os materiais de avaliação
para submetê-los aos educadores para avalião e levantamento de
136
sugestões. Descreveremos a seguir a Sequência Didática e os instrumentos
de avaliação.
5.5. Elaboração de uma sequência didática
Segundo Almeida (2015) a Sequência Didática na Educação
Infantil além de ser uma forma organizada sequencialmente para
desenvolver saberes no universo infantil, ela tem a tendência de estruturar
um trabalho mais organizado e mais pertinente à criança de hoje que tem
contato com inúmeras fontes, “mas que não tem trabalho estruturativo no
sentido de dar organicidade a tudo que ela vê, consome, sente e faz o dia
inteiro” (ALMEIDA, 2015, p. 72). Isso posto, a sequência didática é uma
forma de organizar o planejamento semanal da rotina das crianças, assim
como de organizar o desenvolvimento delas a partir de conhecimentos que
se ampliam empiricamente e, paulatinamente, vão se tornando grandes
fontes de percepções múltiplas.
O planejamento por Sequência Didática se dá através da
sistematização do trabalho docente com o objetivo de ajudar a criança a
desenvolver competências e habilidades que deem sentido para a efetivação
do seu processo de aprendizagem. Sob o olhar de crescimento pedagógico,
a orientação para o uso do termo “Sequência Didática” nos planejamentos
de aulas dos professores torna-se um ganho, porque tem a premissa de
garantir uma maciça participação dos alunos durante as aulas (ALMEIDA,
2015).
Conforme Almeida (2015), a Sequência Didática é formada por
atividades que podem ser definidas como os “meios” usados pelo professor
com o objetivo de que o aluno vivencie as experiências necessárias ao
desenvolvimento de competências e habilidades, fazendo com que a
137
aprendizagem seja significativa por valorizar a investigação, a integração, a
cooperação e incentivar a ação do aluno. Estimula a cooperação entre o
grupo (alunos e professor) e busca o desenvolvimento de habilidades como
características básicas do processo de aprendizagem.
Por fim, a Sequência Didática deve ser planejada pelo professor, de
forma que trate cada conteúdo de maneira específica e singular, dando
oportunidades ao aluno de desenvolver sua autonomia para que empregue
seus próprios mecanismos na construção e reconstrução do seu
conhecimento e arquitetar formas para a resolução e formulação criativa
de problemas. Para Almeida (2015, p. 73) “criar uma sequência didática é
programar situações e circunstâncias em que o estudante realmente
construa seu conhecimento”. Sendo assim, a finalidade é possibilitar ao
aluno a construção de seu conhecimento articulando diversas teorias
didáticas.
A Sequência Didática elaborada por nós (Apêndice A) foi
distribuída em 12 encontros de 2 horas cada um. Detalharemos os
encontros bem como os objetivos e as atividades propostas:
138
Quadro 6 - Construção de uma sequência didática
ENCONTROS OBJETIVOS ATIVIDADES
1 e 2 “Conhecendo o grupo e o semáforo das
emoçõesestabelecer os primeiros
contatos com o grupo, proporcionar um
ambiente acolhedor, propor um olhar para
o que cada um sente e como cada um vê a
si próprio.
Autorretrato pedir para que cada
criança se desenhe para que seja colado
no prendedor de roupa para utilizar na
atividade “Semáforo das emoções”.
Semáforo das emoções atividade que
propõe que cada criança perceba o que
sente e pensa e como se percebe
naquele momento. O Semáforo é
confeccionado nos primeiros encontros
e é usado em todos os demais.
Como eu me sinto quando essa
situação acontece pedir para a
criança desenhar a expressão do seu
rosto quando cada uma das situações
acontecem: a) quando a minha mãe
chama minha atenção na frente dos
outros ou alguém briga comigo; b)
quando ganho um presente ou recebo
uma notícia boa e c) quando um
adulto grita comigo.
Leitura do livro “Pinote, o fracote e
Janjão, o fortão” fazer a leitura do
livro e trabalhar a importância das
relações de respeito entre os colegas de
sala.
139
ENCONTROS OBJETIVOS ATIVIDADES
3 e 4 “O que estou sentindo e
pensando como os meus
coleguinhas se sentem”
trabalhar a descentração, a
afetividade e a empatia.
Semáforo das emoções
Jogo dos dilemas ler as cartinhas que envolvem o
valor respeito e deixar que as crianças opinem sobre o
que fariam diante do que foi lido (por serem crianças
da Educação Infantil, trabalharemos apenas a
clarificação dos valores que consistem em deixar que
elas falem sobre os valores que estão por trás de suas
decisões) e depois pedir para que as crianças desenhem
as situações dos dilemas discutidos que elas mais
gostaram.
5 e 6 “O reizinho e ele mesmo” e
“O que a nossa turma
pensa sobre respeito” os
objetivos são estimular as
crianças para a reflexão de
como o outro se sente
quando é maltratado,
percepção e valorização dos
sentimentos dos
coleguinhas e a afetividade,
além de trabalhar o
conceito do valor respeito
de cada criança envolvida
na pesquisa.
Semáforo das emoções
Leitura do livro “O reizinho e ele mesmo” ler para
as crianças e propiciar uma discussão sobre o
sentimento do coleguinha e de si próprio quando é
maltratado, enfocando a valorização dos sentimentos
de cada um bem como do grupo.
Cartaz “O que a nossa turma pensa sobre respeito”
pedir para que as crianças falem o que entendem por
“respeito” e escrever em uma cartolina o que disseram,
colocando entre aspas para enfatizar/valorizar a fala
deles e o nome de cada um que falou entre parênteses.
7 e 8 “Reconhecendo nossas
emoções e o que é empatia”
trabalhar a descentração, a
afetividade e o
reconhecimento das
próprias emoções.
Semáforo das emoções
Leitura do livro “O monstro das cores” e
dramatização com os personagens mostrar para as
crianças os personagens feitos em EVA e convidar uma
criança que queira ajudar a contar a história de um
monstro que está com dificuldades de distinguir suas
emoções e conversar com as crianças sobre as emoções
que representam cada cor: verde (alegria); azul
(tristeza); vermelho (raiva) e o preto (medo).
Urna dos sentimentos a urna será um espaço para as
crianças “depositarem” seus sentimentos através de
desenhos e colagens. Avisar as crianças que a urna será
aberta no último encontro.
140
ENCONTROS OBJETIVOS ATIVIDADES
9 e 10 “Discutindo histórias sobre
respeito” trabalhar a
identificação de situações
que envolvem respeito, a
importância do respeito
com os colegas e a
capacidade de se colocar no
lugar do outro.
Semáforo das emoções
Histórias da Escala de Valores Sociomorais contar
as histórias para as crianças e questioná-las de acordo
com as questões do Roteiro de Avaliação do
Egocentrismo por nós elaborado, mostrando as
pranchetas com os desenhos de cada história.
11 e 12 “A empatia e o nosso cartaz
sobre respeito” trabalhar
a identificação de situações
que envolvem respeito, a
importância do
autorrespeito, o conceito de
empatia, a aceitação das
diferenças e encerramento
das atividades com a turma.
Semáforo das emoções
Leitura do livro “Isso se chama empatia” e pintura do
desenho de uma centopeia antes de contar a história
da centopeia, pedir para as crianças pintarem o
desenho dela para certificarmos de que todos sabem
como é esse bicho e pedir para que elas pintem as
patinhas de preto para assegurar que é um animal de
muitas patas e que a Bia, a centopeia da história, é
considerada diferente por não ter o mesmo número de
patas que as demais. Depois disso, conversar sobre o
que cada criança entendeu da história e trabalhar o
conceito de empatia abordado no livro.
Confecção de um cartaz coletivo sobre o que é
respeito propor para as crianças a confecção de um
cartaz com a turma toda envolvendo colagens e
desenhos sobre situações que demonstram relações de
respeito e trabalhar o porquê de cada uma das imagens
escolhidas e no que pensaram quando as escolheram.
Retomada da atividade “Urna dos Sentimentos” e
agradecimento a turma pelos momentos que
passamos juntos durante a intervenção.
Leitura do livro “Maria vai com as outrasprimeiro
perguntar se as crianças conhecem a expressão “Maria
vai com as outras” e contar a história, trabalhando o
autorrespeito e valorizando as potencialidades de cada
um, mas ao mesmo tempo demonstrando a
importância do respeito mútuo.
Fonte: Do autor.
141
5.6 Instrumento de avaliação
Agora descreveremos o Roteiro de Avaliação do Egocentrismo,
criado com o objetivo de avaliar a eficácia da sequência didática.
5.6.1 Roteiro de Avaliação do Egocentrismo
Para cada uma das cinco histórias adaptadas da Escala de Valores
Sociomorais construímos, com base nas competências socioemocionais da
Base Nacional Comum Curricular (2017), questões que envolvem
algumas dimensões como, por exemplo: autoconhecimento e autocuidado,
alteridade, empatia, valorização da diversidade, etc.
Esse roteiro deve ser aplicado antes do primeiro encontro e depois
do décimo segundo encontro visando a avaliar se houve progresso na
descentração. Incluímos o Roteiro como apêndice do livro.
5.7 Resultados
Seguem-se logo abaixo os resultados das avaliações dos professores
que contatamos em relação a Sequência Didática que propomos.
Começamos por caracterizar os professores avaliadores, a avaliação deles e
o que aceitamos ou não das sugestões dadas por eles.
142
5.7.1 Caracterização dos professores avaliadores
Realizamos dez contatos com professores da educação infantil de
escolas de um município do interior paulista e da região metropolitana de
São Paulo, através do Google Forms, com um roteiro elaborado com o
objetivo de conhecer melhor a opinião dos educadores sobre o trabalho na
Educação Infantil e se eles consideram importante trabalhar a educação
moral e o valor respeito com vistas a avaliação do processo. Para tanto,
utilizamos um roteiro de perguntas (Apêndice C). Inicialmente, fizemos as
questões para a caracterização dos professores e depois de uma semana
apresentamos a Sequência Didática (Apêndice A) e pedimos para que os
professores avaliassem e fizessem críticas e/ou sugestões.
Em relação aos resultados das entrevistas, tivemos a participação de
um professor do gênero masculino e nove professoras do gênero feminino,
todos que trabalham na Educação Infantil. Desse montante, quatro
trabalham em uma escola municipal do interior paulista de Educação
Infantil numa região periférica, com o total de 300 alunos, divididos em
Berçário, Maternal, Infantil I e Infantil II, com creche (período integral)
em todos os níveis para as famílias que não têm com quem deixar a criança.
Dois professores atuam em uma escola da região metropolitana de
São Paulo, sendo que a escola está localizada na área rural e possui cerca de
220 alunos, incluindo a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino
Fundamental, divididos nos seguintes níveis: Jardim, Pré-Escola, 1º Ano,
2º Ano, 3º Ano, 4º Ano e 5º Ano. Essa escola passa por um Projeto de
Ressignificação.
Bidóia (2020) relata a implantação e desenvolvimento do Projeto
de Ressignificação em escolas da região metropolitana de São Paulo,
idealizada pelo educador Marcos Rogério Pinto e colocado em prática
143
através da colaboração da Secretaria Municipal de Educação do município
e da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP Campus de Marília,
com o grupo de pesquisadoras e pesquisadores do GEPPEI (Grupo de
Estudos e Pesquisas em Psicologia Moral e Educação Integral).
Bidóia ressalta que:
O projeto de ressignificação está dividido em quatro passos:
acolhimento e amorização; construção da utopia, assumindo a
responsabilidade pelo processo e constituindo o núcleo de
ressignificação. Cada passo representa a síntese teórica de todo o
processo, ou seja, a amorização é o fortalecimento das relações
interpessoais (passo 1); a busca de objetivos comuns (passo 2); a
cientifização da ação pedagógica (passo 3) e a ação de reformulação de
ressignificação do modelo (BIDÓIA, 2020, p. 63-64).
Os outros professores atuam também na região metropolitana de
São Paulo, em zonas periféricas, em escolas de Educação Infantil e não foi
possível colher mais dados pelo fato do contato ter sido apenas via Google
Forms e Whatsapp.
5.7.2 Avaliação
Agora vamos detalhar as respostas dos dez professores em cada uma
das perguntas iniciais que foram enviadas pelo Google Forms:
144
Quadro 7 - Idade dos professores
Fonte: Do autor.
O Quadro 7 mostra as faixas etárias dos professores participantes
da pesquisa. Observamos que 5 deles estão na faixa de 40 a 49 anos, 4 não
declararam idade e 1 na faixa de 50-59 anos.
Quadro 8 – Formação dos professores
Fonte: Do autor.
Obs.: incluímos como “outros” os professores que responderam que possuem
Formação Superior, mas não especificaram o curso.
0 0
5
1 0
4
0
1
2
3
4
5
6
de 20 a 29
anos
de 30 a 39
anos
de 40 a 49
anos
de 50 a 59
anos
mais de 59
anos
não resp.
Nº DE PROFESSORES
Idade dos professores
1 1
6
2
0
2
4
6
8
C. Sociais Letras Pedagogia Outros
Formação dos professores
145
Como podemos ver, a maior parte dos professores entrevistados
são formados em Pedagogia.
Quadro 9 - Religião dos professores
Fonte: Do autor.
As religiões dos professores variam, mas temos o mesmo número
de entrevistados das religiões católica e evangélica.
Quadro 10 – Formação específica sobre Educação Infantil
Fonte: Do autor.
3 3
2 2
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
Católica Evangélica Espírita Não possui
Nº DE PROFESSORES
Religião dos professores
5 5
0
2
4
6
Sim Não
Nº DE PROFESSORES
Cursos específicos na Ed. Infantil
146
Em relação aos cursos específicos sobre Educação Infantil, tivemos
uma professora que relatou ter feito um curso de Alfabetização e
Letramento, outra Habilitação para Educação Infantil no último ano de
Pedagogia, outras duas formações continuadas sobre a área e uma Pós-
Graduação.
Quadro 11 - Tempo de atuação como professor(a)
Fonte: Do autor.
Os tempos de atuação dos professores variam bastante, sendo o de
menor tempo um professor ou professora que atua há 8 anos como
educador (a). São portanto, educadores com bastante experiência na
atividade de educação.
2
3
2
1 1 1
0
1
2
3
4
8 anos 16 anos 18 anos 20 anos 21 anos 25 anos
Nº DE PROFESSORES
Tempo de atuação como professor
(a)
147
Quadro 12 - Tempo de atuação na Educação Infantil
Fonte: Do autor.
O profissional que atua há menos tempo na Educação infantil é
um de dois anos e o de maior tempo vinte e cinco anos. Ainda que 3
professores sejam ingressantes, os demais possuem acima de 16 anos na
Educação Infantil.
1) O que você entende por educação moral?
Quadro 13 - O que você entende por educação moral?
Professor
1
“Entendo que seja a socialização do conhecimento e a formação dos nossos
alunos”.
Professor
2
“Desenvolver valores morais que promovam a humanização”.
Professor
3
“São regras vinculadas a vida cotidiana, considerando o grupo e a sociedade”.
Professor
4
“A educação moral envolve o aprender e o ensinar valores morais como ações que
promovem a humanização do homem, tanto no sentido moral como no sentido
ético”.
1 1 1
2
1 1 1
2
0
0,5
1
1,5
2
2,5
2 anos 3 anos 4 anos 16 anos 18 anos 20 anos 25 anos não
resp.
Nº DE PROFESSORES
Tempo de atuação na Ed. Infantil
148
Professor
5
“Tudo o que está relacionado ao que consideramos ser bons costumes, como
respeito”.
Professor
6
“Vejo como o ensino de valores e princípios que consideramos importantes para
uma boa convivência em sociedade”.
Professor
7
“Uma educação voltada para o ensino de valores morais, éticos”.
Professor
8
“Uma educação fundamentada nos valores que uma sociedade acredita ser o ideal
para uma boa convivência”.
Professor
9
Não respondeu.
Professor
10
Não respondeu.
Fonte: Do autor.
A análise das respostas revela que 5 professores associam a educação
moral a valores que segundo eles, promovem a humanização do sujeito e o
advento de regras que regulam o comportamento humano, considerando
o grupo e a sociedade. Um dos entrevistados acredita que a educação moral
é fundamentada nos valores que a sociedade acredita ser o ideal para uma
boa convivência.
2) Você acha que é papel da escola educar moralmente?
Quadro 14 - Você acha que é papel da escola educar moralmente?
Professor
1
“Sim”.
Professor
2
“Sim, pois a moral se desenvolve por meio das relações”.
Professor
3
“Sim”.
149
Professor
4
“Sim, a educação moral está intrínseca às relações humanas, tanto na escola
quanto em casa, devendo ser trabalhada no convívio diário”.
Professor
5
“Tudo o que está relacionado ao que consideramos ser bons costumes, como
respeito”.
Professor
6
“A escola deve apenas auxiliar nessa educação. Espera-se que a família seja a
primeira a dar essa educação”.
Professor
7
“Acredito que a educação moral começa no seio familiar, mas a escola tem um
papel de suma importância no intuito de promover e valorizar esses conceitos
morais”.
Professor
8
“Acho que é papel da escola ensinar o respeito ao próximo e isso inclui as
diferenças em todos os sentidos”.
Professor
9
“Acho que o papel da escola é educar de forma integral, atingindo todas as
dimensões que compreender o ser. Dessa forma, sim também é papel da escola”.
Professor
10
Não respondeu.
Fonte: Do autor.
Os dados revelam que 9 professores acreditam que também é papel
da escola educar moralmente, tendo um entrevistado citado que esse papel
é em primeiro lugar da família, sendo a escola secundária nesse papel.
3) O que você entende por respeito?
Quadro 15 - O que você entende por respeito?
Professor
1
“Deveres e direitos”.
Professor
2
É um valor que nos auxilia em nosso agir com o outro”.
Professor
3
Entendo que seja um sentimento positivo em relação às pessoas”.
150
Professor
4
É um dos valores fundamentais para vivermos em sociedade. É saber ver que
determinada atitude pode prejudicar o outro”.
Professor
5
Lidar com o que não é igual a nós e conviver harmoniosamente com a
diversidade”.
Professor
6
O respeito é um valor que faz com que alguém evite agir de maneira perigosa,
mesquinha ou condenável contra outro indivíduo, considerando as diferenças
entre todo ser humano, independentemente de sua origem social, etnia, religião,
sexo e cultura”.
Professor
7
Não ultrapassar o limite alheio”.
Professor
8
É a forma como tratamos o outro. São através de atitudes que demonstramos
respeito a alguém, que o consideramos com suas características únicas e peculiares”.
Professor
9
Respeito para mim quer dizer tolerância, consideração para com o outro”.
Professor
10
Não respondeu.
Fonte: Do autor.
Para 9 professores contatados, o respeito é um valor que envolve
noções de direitos e deveres, empatia e afetividade, ou seja, colocar-se sob
o ponto de vista do outro, mantendo um sentimento positivo em relação
às pessoas. Ressaltaram também a importância de se respeitar e lidar com
as diferenças e, além disso não ultrapassar o limite alheio.
151
4) É papel da escola desenvolver a noção de respeito junto às
crianças?
Quadro 16 - É papel da escola desenvolver a noção de respeito junto às crianças?
Professor
1
“Sim”.
Professor
2
“Sim, é muito importante”.
Professor
3
“Sim”.
Professor
4
“Sim”.
Professor
5
“É papel da escola contribuir para o desenvolvimento da noção de respeito junto
às crianças. Ao propor situações em que esse valor seja valorizado e visto como
essencial a promoção da integração das crianças ao ambiente escolar”.
Professor
6
Sim, também”.
Professor
7
Sim. Como disse anteriormente, esse papel começa na família e se complementa
no ambiente escolar. É nesse ambiente que muitas crianças vivenciam
oportunidades para praticar o respeito”.
Professor
8
Com certeza”.
Professor
9
O respeito deve estar integrado com as práticas escolares, dessa forma se tornará
natural para a criança praticá-lo também em qualquer ambiente e em qualquer
situação”.
Professor
10
Não respondeu.
Fonte: Do autor.
152
Na pergunta acima, 9 professores acreditam que é papel da escola
desenvolver a noção de respeito junto às crianças e propor situações que
evidenciem esse valor através da promoção da integração das crianças às
pessoas do ambiente escolar.
Aqui percebemos uma contradição, já que nem sempre concordam
que é papel da escola a educação moral, (primeiro família e depois escola)
mas consideram que trabalhar o valor respeito seja papel da escola.
5) É possível trabalhar o respeito na educação infantil?
Quadro 17 - É possível trabalhar o respeito na educação infantil?
Professor
1
“Sim”.
Professor
2
“Com certeza”.
Professor
3
“Com certeza”.
Professor
4
“Sim, é na educação infantil que a criança aprende sobre valores, respeito entre
outros”.
Professor
5
“Sim”.
Professor
6
É possível trabalhar o respeito na educação infantil ao observar nossas próprias
atitudes, dar o exemplo, conversar com as crianças, expor para as crianças o que é
diferente, mostrar o respeito à diversidade, propor atividades que estimulem a
integração entre as crianças, buscar exemplos de representatividade, etc.”.
Professor
7
Sim. As vivências na educação infantil são grandes oportunidades para explorar
esse tema”.
Professor
8
Acredito que trabalhamos isso o tempo todo, quando ensinamos as crianças a
ouvir o outro, a compartilhar, a trabalhar em grupo e socializar com todos”.
153
Professor
9
É possível trabalhar o respeito desde o primeiro dia de vida, pois isso dependerá
da forma como você tratará esse ser, como conduziem suas atividades, como
mediará nas situações propostas etc.”.
Professor
10
Não respondeu.
Fonte: Do autor.
Nessa pergunta, 9 professores acreditam que é possível trabalhar o
respeito na Educação Infantil e que é possível trabalhar esse valor o tempo
todo, através de práticas pedagógicas que incluem o relacionamento
respeitoso entre os pares, professores e funcionários da escola.
6) Como você trabalharia a noção de respeito na educação infantil?
Quadro 18 - Como você trabalharia a noção de respeito na educação infantil?
Professor
1
“Principalmente no saber esperar a vez, nas brincadeiras e outros”.
Professor
2
“Com o estabelecimento de regras de convivência”.
Professor
3
“Em momentos de brincadeiras, ajuda muito”.
Professor
4
“Na relação entre os pares, com grupos cooperativos, rodas de conversa”.
Professor
5
“Por meio de diálogo e demonstrações práticas”.
Professor
6
“Eu trabalho propondo dinâmicas de integração, utilizando os exemplo
s de
personagens da literatura infantil, propondo atividades que estimulem a educação
com valores e fortaleçam a autoestima com figuras representativas”.
154
Professor
7
“Através de histórias lúdicas, brincadeiras e conversas com as crianças a respeito de
situações apresentadas nas atividades que envolvam este assunto. Também a partir
de rodas de conversas com a turma sobre atitudes que possam ter sido tomadas ao
longo do dia, como um momento reflexivo”.
Professor
8
“Primeiramente sendo exemplo para as crianças, respeitando-
as em suas
singularidades. Depois demonstrando em atitudes práticas no dia-a-dia como
podemos agir com respeito ao próximo, ou a algo. Muitas histórias infantis
também auxiliam o professor a trabalhar esse tema”.
Professor
9
“A roda de conversa é um bom momento, as atividades em grupo, jogos e outros
momentos lúdicos onde as crianças necessitem compartilhar brinquedos ou outros
objetos”.
Professor
10
No dia-a-dia, através do diálogo, da rotina pedagógica, desde da hora de entrada
até o momento da saída. O respeito se dá na forma como se fala com a criança,
como media os conflitos, como acolhe, como dá espaço para protagonizar, como
recepciona suas angústias”.
Fonte: Do autor.
Todos os entrevistados deram vários exemplos de se trabalhar o
respeito na educação infantil, tais como: estabelecimento de regras de
convivência, roda de conversa, histórias infantis, diálogo e o exemplo do
professor para com seus alunos. Acreditamos que o estabelecimento de
regras de convivência possa ser de grande valia se combinadas junto com
as crianças e não impostas pelo professor ou professora e acordadas
conforme os acontecimentos.
155
7) Quais as dificuldades que você identifica para fazer esse trabalho
com o respeito na educação infantil?
Quadro 19 - Quais as dificuldades que você identifica para fazer esse trabalho com o
respeito na educação infantil?
Professor
1
“O egocentrismo”.
Professor
2
“A concepção intrínseca na criança de como se comportar diante de desafios”.
Professor
3
“Com os pais, pois eles ainda têm uma visão antiga em relação e a escola e a
educação infantil. Mas estamos melhorando bastante em relação a isso”.
Professor
4
“Acredito que a falta de formação”.
Professor
5
“Quando a criança não teve uma orientação em seu ambiente familiar já que por
sua vez a família não demonstra preocupação com valores por serem muito
pequenos”.
Professor
6
“A principal dificuldade enfrentada é obter o apoio e o reforço positivo para os
valores trabalhados com algumas famílias”.
Professor
7
Acredito que a maior dificuldade está quando escola e família “falam línguas
diferentes”.
Professor
8
Acredito que a dificuldade maior seja ainda a vivência que a criança traz de casa,
os conceitos que ele já tem e que foram formados por sua família e que nem sempre
estão permeados com valores morais que envolvem o respeito. Mas a escola tem
grande potencial para transformar e construir esses valores na criança”.
Professor
9
Não respondeu.
Professor
10
Não respondeu.
Fonte: Do autor.
156
Salientamos que uma professora apenas apontou o egocentrismo
das crianças como uma dificuldade para se trabalhar o respeito com
crianças da Educação Infantil. Cinco professores apontam a influência da
família que pode ensinar/ter valores diferentes dos da escola e uma
professora aponta a falta de formação como um fator que dificulta o
trabalho com o valor respeito.
Agora vamos abordar as sugestões e/ou críticas dos professores e
professoras que fizemos contato em uma segunda etapa, ou seja, depois de
uma semana que mandamos essas questões que acabamos de descrever.
5.7.3 Considerações sobre a Sequência Didática
a partir das avaliações dos professores
- Todos os professores conseguiram entender bem cada atividade e
não teriam dúvidas se fossem aplicar;
- Todos consideram a sequência didática apropriada a crianças de
5 anos;
- Todos disseram que o material é fácil de ser elaborado.
Sugestões de melhoria de cada uma das atividades
a) Semáforo das Emoções: - atividade interessante, mas não usaria
em todos os encontros porque ficaria cansativo para as crianças (2
professores fizeram a mesma observação);
Consideramos de grande valia manter a atividade em todos os encon-
tros, haja vista que é notória a importância da mesma.
157
- atividade proposta corresponde ao tema sentimentos/emoções e não
ao valor respeito (2 professores fizeram a mesma observação);
Após avaliar a explicação dos professores, dada a importância que
tal atividade tem para a autoconsciência e autorregulação, já que para se
ter respeito por si mesmo e pelo o outro, é preciso que o indivíduo reco-
nheça quais são os seus sentimentos e emoções; decidimos manter a ati-
vidade.
b) Jogo dos dilemas: - jogo abstrato demais para a faixa etária de 5
anos;
Considerando essa observação de um dos professores que conta-
tamos, decidimos aplicar em 2 crianças e percebemos que a linguagem
das cartinhas escolhidas precisava ser adaptada para facilitar o entendi-
mento das crianças, o que fizemos e já colocamos na Sequência Didática.
c) Cartaz “O que a nossa turma pensa sobre respeito” (conceitos das
crianças): - não tivemos sugestões.
d) Urna dos sentimentos: - a urna deve ser aberta no encontro se-
guinte, pois normalmente as crianças esquecem a ideia de seus de-
senhos ou colagens (crianças alfabetizadas nesta faixa etária estão
bem raras);
Levando em consideração a sugestão acima, resolvemos fazer a
atividade da urna pedindo para que cada criança faça um desenho, cha-
coalhe-a e mostre os sentimentos que surgiram e depois trabalhar a ex-
pressão de sentimentos, montando o quadro de sentimentos do dia.
- o ideal seria uma urna sobre o valor respeito e não sentimentos;
158
Consideramos importante que a urna seja sobre sentimentos,
pois para se ter respeito é preciso reconhecer quais são os sentimentos e
emoções que mobilizam em cada uma das crianças.
e) “Nosso cartaz sobre respeito” (colagens)
- não tivemos sugestões.
Sugestões de outras atividades
- uso de jogos cooperativos;
Essa sugestão pode ser aproveitada na Sequência Didática.
- leitura do livro “Bom dia todas as cores” da Ruth Rocha, teatri-
nho de fantoches e roda de conversa, pois o livro aborda o respeito frente
aos desejos do camaleão;
Consideramos a sugestão interessante, que poderia ser utilizada
na sequência didática.
- uso de atividades mais físicas e ativas em grupos também pode-
riam ser exploradas, levando as crianças a refletirem sobre suas atitudes
durante a execução das mesmas;
A sugestão acima poderia ser utilizada na sequência didática.
- uso da apresentação de um desenho animado relacionado ao
tema, vídeos na TV ou data-show, fantoches de mãos e músicas para pre-
parar o clima para a atividade;
A sugestão poderia ser utilizada na sequência didática.
159
Outras observações
- todos acham que essa sequência didática seria eficiente para o tra-
balho com a noção respeito;
- uma professora sugeriu que a sequência didática seja aplicada nos
primeiros dias de aula com avaliações pedagógicas periódicas com apoio
nos relatos dos alunos referente ao tema durante o ano;
- nas leituras dos livrinhos, dramatizar usando as próprias crianças
e explorar o uso de músicas (2 professores fizeram a mesma sugestão).
160
161
Considerações Finais
Considerando que os sujeitos para os quais construímos uma se-
quência didática têm cinco anos de idade e para Piaget e Inhelder (2018
[1968]) estão no período pré-operatório, fase característica do pensamento
intuitivo, sendo que suas ações são comandadas pelo egocentrismo, o de-
senvolvimento moral ainda é permeado pela heteronomia. Assim, acredi-
tamos que devem ser trabalhadas as condições que auxiliem em sua cons-
trução, bem como o ambiente sociomoral que deve ser cooperativo já na
Educação Infantil, pois é a partir das relações de cooperação que a criança
constitui sua moralidade autônoma.
O estudo indica que para o desenvolvimento do valor respeito é
fundamental o fortalecimento da descentração, que implica na superação
do egocentrismo e o encaminhamento da perspectiva reversível na tomada
de decisões. O egocentrismo significa ausência da consciência de si e au-
sência de objetividade e a presença de obstáculos à coordenação de pontos
de vista e ações diferentes das suas, devido ao fato da criança ainda não
coordenar o seu ponto de vista com o do outro.
Entendemos então, por descentração a superação desse egocen-
trismo que possibilita a tomada de consciência de si; graças ao processo de
socialização que implica em tal superação ao passo que as ações se coorde-
nam dialeticamente, já que vão ao mesmo tempo sendo transformadas em
operações de reversibilidade e reciprocidade interindividual que constitui
a cooperação, processos estes que culminam na descentração e, consequen-
temente, na superação do egocentrismo.
162
Acreditamos que um trabalho que pode ser eficaz na descentração
é o trabalho com valores sociomorais que são aqueles que orientam como
devemos ser e viver, conosco e com os outros e para essa pesquisa, escolhe-
mos o valor respeito cuja primeira tenncia é o unilateral que surge nas
relações de coação social, em especial as construídas entre a criança e seus
pais ou com outros adultos significativos para ela. Já, o respeito mútuo
surge da cooperação, que também atua na descentração, valor este que im-
põe apenas a reciprocidade que obriga cada um a se colocar no lugar do
outro.
Vale ressaltar que a moralidade não é coincidente com a estrutura
cognitiva, mas tem nela condição de necessidade, porém não de suficiên-
cia. Em se tratando do desenvolvimento moral, a criança em um primeiro
momento está na anomia, ou seja, ainda não adentrou no universo moral,
depois ela pode ser considerada heterônoma, onde a legitimidade das re-
gras morais é pensada como referência a obediência de uma autoridade e
predominam as relações de coação (moral da obediência). O indivíduo au-
tônomo é aquele capaz de levar em conta a reciprocidade e construir regras
baseadas em princípios universalizáveis e as relações que antes eram unila-
terais são transformadas em respeito mútuo, baseando-se na cooperação e
como já dissemos, na reciprocidade e na justiça.
Na nossa revisão de literatura, estudamos também a Educação In-
fantil no contexto educacional brasileiro e pudemos ver que como nem
sempre tivemos no Brasil uma legislação específica sobre a infância e a edu-
cação das crianças pequenas, por muitos séculos, o acesso à Educação In-
fantil não foi tratado como um direito. Até a Constituição em 1988, a
Educaçãoo era um direito da criança e a partir desse ordenamento jurí-
dico, a pré-escola e a creche passaram a serem reconhecidas como institui-
163
ções educacionais e só com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Naci-
onal, em 1996, que a Educação Infantil passa a ser considerada direito das
crianças de até cinco anos de idade e primeira etapa da educação básica.
Por fim, outro documento aqui analisado foi a BNCC (Base Na-
cional Comum Curricular) que tem uma preocupação com a constituição
de sujeitos de aprendizagem, valorizando-se a identidade cultural, as his-
tórias de vida, as experiências e o convívio como forma de construção de
ideias e valores a respeito de si, dos outros e da natureza. Sem essas pers-
pectivas de desenvolvimento pessoal e coletivo as crianças terão o seu pro-
cesso de formação moral e intelectual prejudicado e com poucas perspec-
tivas de consolidação das noções de respeito e desenvolvimento moral.
Ao observarmos o resultado das avaliações que foram feitas sobre a
sequência didática, percebemos uma contradição quando alguns professo-
res e professoras dizem que a formação moral da criança deve ser papel da
família e depois afirmam que a escola deve atuar nesse processo. Comun-
gamos da ideia de que tanto a família bem como a escola podem e devem
se preocupar com o desenvolvimento moral das crianças.
Outro dado coletado que nos chamou a atenção é o relato de uma
professora de que falta formação continuada para se trabalhar o desenvol-
vimento moral das crianças, uma queixa comum quando conversamos com
profissionais da área da Educação, mas não podemos deixar de relatar que
existem pesquisadores trabalhando nisso, como o GEPPEI (Grupo de Es-
tudos e Pesquisas em Psicologia Moral e Educação Integral) que realiza
uma formação com educadores de uma escola da região metropolitana de
São Paulo, como já abordamos no último capítulo.
Trabalhar o valor respeito com crianças da Educação Infantil foi
considerado importante por todos os educadores e educadoras que manti-
vemos contato quando pedimos para que avaliassem a Sequência Didática,
164
o que concordamos pois as crianças de 5 anos, estão ou deveriam estar
passando por um processo de descentração que requer a superação do ego-
centrismo e exige o reconhecimento de seus sentimentos e emoções para
que possa reconhecer ou não os dos coleguinhas, por isso também tivemos
a preocupação de manter na Sequência Didática as atividades que envol-
vem essa temática.
Uma fala que merece atenção é a de um(a) educador(a) que acre-
dita que a dificuldade ao se trabalhar o valor respeito é maior ainda devido
as vivências que a criança traz de casa, os conceitos que a criança já traz de
seu seio familiar e por isso, enfatizamos a importância da escola e da família
trabalharem juntas.
Devemos levar em conta a relevância de se ter nos currículos dos
cursos de Pedagogia, disciplinas que abordem o desenvolvimento moral,
pois percebemos nos contatos com os professores a necessidade de se ter
uma formação inicial na área, além da formação continuada quando o pe-
dagogo já está atuando.
165
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173
Andice
Roteiro de avaliação do egocentrismo
História 1
Na classe de Amanda alguns alunos chamam Luciana de “bruxa”,
porque ela vive com os cabelos sujos e embaraçados. O que Amanda deve
fazer?
a) Ajudar a Luciana ensinando-a a se cuidar melhor, pois assim não
será mais alvo de gozações.
b) Ignorar, porque se ela defender Luciana provavelmente os colegas
também implicarão com ela.
c) Conversar com os colegas deixando claro que não se pode
discriminar ninguém dessa forma.
d) Contar para a professora o que estes alunos estão fazendo para
que sejam advertidos.
e) Ignorar, porque Luciana não pode vir para a escola com aquela
aparência.
174
Competência da BNCC
Dimensões/subdimensões
da BNCC
Tipos de perguntas
Autoconhecimento e
autocuidado
Autoconhecimento e
autocuidado
Autoestima
1.Você consegue imaginar
como a Luciana se sentiu
quando falaram dos cabelos
dela?
Empatia e cooperação
Empatia e Cooperação
Valorização da
diversidade
2.Como você acha que
Luciana deveria se sentir por
ter os cabelos diferentes dos
colegas da turma?
3.O que você acha dos
colegas terem chamado
Luciana de “bruxa”?
Alteridade
(reconhecimento do
outro)
4.O que você acha que os
colegas pensaram quando
ouviram as piadas sobre o
cabelo da Luciana?
5.E a Amanda? Conseguiu
perceber que a Luciana pode
ter ficado triste com a
situação?
6.Você consegue imaginar
como você ficaria no lugar da
Luciana, ou seja, com seus
colegas rindo do seu cabelo?
Acolhimento da
perspectiva do outro
7. Você acha que os colegas
da turma da Luciana
perceberam que rir do cabelo
dela e chamá-la de “bruxa”
pode ter a deixado magoada?
Diálogo e Cooperação
8. Você acha que a Amanda
deveria conversar com os
colegas da sala em relação ao
comportamento deles com
Luciana?
175
História 2
João contou a Mateus um segredo e pediu para ele não contar
para ninguém. Porém, Mateus contou para três amigos. Você acha que
Mateus deveria ter
a) Não deveria ter contado para que o amigo não brigue.
b) Guardado segredo para que os outros não contem.
c) Guardado segredo porque o amigo confiou nele.
d) Contado mesmo porque todos ficariam sabendo mesmo.
e) Contado porque os outros tamm eram amigos e deveriam
saber.
176
Competência da
BNCC
Dimensões/subdimensões
da BNCC
Tipos de perguntas
Autoconhecimento e
autocuidado
Autoconhecimento e
autocuidado
Autoconfiança
Equilíbrio
Emocional
Acolhimento da
perspectiva do outro
1.Você consegue imaginar
como João ficou quando
Mateus contou seu segredo
para as outras crianças?
Atenção plena e
capacidade de
reflexão
2.O que você acha que João
deveria fazer depois que
todo mundo da escola ficou
sabendo do seu segredo?
Empatia e
cooperação
Empatia
Alteridade
(reconhecimento do
outro)
3. Você acha que Mateus
sabia que João ficaria
chateado por conta de ele ter
espalhado o seu segredo?
4.Você acha que os colegas
de Mateus perceberam que
João deve ter ficado
magoado com o fato do
Mateus contar o segredo do
amigo?
Diálogo e
convivência
5.Você acha que João
deveria conversar com
Mateus sobre o fato dele ter
contado o seu segredo?
177
História 3
A mãe de Gabriel pediu algumas vezes que ele separasse quais
brinquedos poderia doar, mas ele acabou se esquecendo. Então,
enquanto ele estava na escola, ela doou alguns brinquedos que ele não
brincava mais sem a permissão dele, e isso o deixou triste. A mãe de
Gabriel deveria ter
a) Doado porque ela tinha pedido para que ele separasse os
brinquedos, mas ele não obedeceu.
b) Separado os brinquedos junto com o filho, pois o ensinaria a ser
generoso com os pobres.
c) Doado porque ele não brincava com os brinquedos que ficavam
largados ocupando espaço.
178
d) Separado os brinquedos, mostrado ao filho e, como eram dele,
ele decidiria o que doar.
e) Mostrado ao filho os brinquedos que iria doar, pois com esta
atitude ele não brigaria com ela.
Competência da
BNCC
Dimensões/subdimensões da
BNCC
Tipos de perguntas
Autoconhecimento e
autocuidado
Autoconhecimento e
autocuidado
Atenção plena e
capacidade de
reflexão
Equilíbrio
Emocional
1.O que você acha que Gabriel
sentiu e pensou ao ver que sua mãe
doou seus brinquedos sem a sua
permissão?
Empatia e cooperação
Empatia
Alteridade
(reconhecimento do
outro)
Acolhimento da
perspectiva do outro
2.Você acha que a mãe de Gabriel
pensou que ele poderia ter ficado
chateado pelo fato dela ter doado
os brinquedos sem a sua permissão?
Diálogo e cooperação
3.Como você acha que Gabriel
deveria conversar com a sua mãe
sobre o fato dela ter doado seus
brinquedos?
179
História 4
Junior estava na fila do refeitório e Bruno cortou a fila na frente
dele, sem que ele percebesse. Betina, amiga de Junior e de Bruno, viu o
que aconteceu. O que ela deveria fazer?
a) Ela deveria ter contado porque é amiga de Junior.
b) Ela deveria ter contado porque foi errado furar fila.
c) Ela deveria ter falado para o Bruno respeitar.
d) Ela não deveria ter falado nada porque iria ficar com medo da
reação de Junior.
e) Ela não deveria ter falado nada porque não era problema dela.
180
Competência da
BNCC
Dimensões/subdimensões da
BNCC
Tipos de perguntas
Autoconhecimento e
autocuidado
Autoconhecimento e
autocuidado
Autoconsciência
1.O que Junior pensou quando
Bruno cortou a fila?
2.O que Betina pensou quando
viu que Bruno cortou a frente de
Junior na fila sendo que ela é
amiga dos dois?
3.Será que foi difícil para a Betina
decidir o que deveria fazer?
Equilíbrio emocional
4.O que Junior sentiu quando
Bruno cortou a sua frente na fila?
5.O que Betina sentiu quando viu
Bruno cortando a fila do
refeitório?
Empatia e cooperação
Empatia
Alteridade
(reconhecimento do
outro)
6.Você acha que Bruno pensou
que Junior pode ter ficado
chateado quando ele “furou” a
fila?
7.Você acha que a Betina
conseguiu perceber que Junior
ficou chateado com a atitude de
Bruno?
Acolhimento da
perspectiva do outro
8.Você consegue imaginar como
Junior ficou quando Bruno
entrou na sua frente na fila?
9.O que você acha do que o
Bruno fez?
Diálogo e cooperação
Mediação de conflitos
Diálogo e
convivência
10.Se você estivesse no lugar de
Betina, como resolveria a situação
entre Junior e Bruno?
11.Você acha que Betina deveria
tentar conversar com os dois
amigos sobre a situação?
181
História 5
Otávio é um menino muito quieto que não fala com ninguém. A
professora sempre diz que ele é um pouco diferente dos outros e que
precisamos ter paciência com ele. Um dia Ana resolve zoar Otávio
dizendo que ele não tem língua. Ele fica muito triste. O que Ana fez foi:
a) Tudo bem porque ela não liga para o que o Otávio sente.
b) Tudo bem porque a professora não viu.
c) Está errado porque ele era forte e poderia ter batido nela.
d) Está errado porque a professora poderia brigar.
e) Está errado porque ela deveria respeitar o amigo.
182
Competência da
BNCC
Dimensões/subdimensões da
BNCC
Tipos de perguntas
Autoconhecimento e
autocuidado
Autoconhecimento e
autocuidado
Autoconsciência
Autoestima
Equilíbrio emocional
1.O que Otávio pensou quando
Ana disse que ele não tem língua?
2.Como você acha que Otávio
ficou se sentindo quando Ana disse
que ele não tem língua?
Empatia e cooperação
Empatia
Alteridade
(reconhecimento do
outro)
3.Você acha que Ana pensou que
Otávio pode ter ficado chateado
com o comentário dela?
5.Você acha que a professora
consegue perceber que Otávio fica
chateado quando ela comenta que
ele é diferente dos outros?
Acolhimento da
perspectiva do outro
6.O que você acha do que Ana fez?
Diálogo e cooperação
Mediação de
conflitos
Diálogo e
convivência
7.Se você estivesse no lugar da
professora, como resolveria a
situação entre Ana e Otávio?
8.Você acha que Ana deveria
tentar conversar com Otávio para
se desculpar do que ela falou dele?
Fonte: Do autor.
183
Ilustrador: Guilherme Nascimento Villa
184
Encarte
Sequência Didática
Figura 1
Fonte: https://www.mestredosaber.com.br/wp-content/uploads/Infantil-1.jpg
185
1º momento: Apresentação do projeto que será realizado. Logo
depois, pedir que cada criança faça seu autorretrato, ou seja, que elas se
desenhem em folhas sulfites que serão coladas em papel cartão,
posteriormente, junto com elas. O desenho será colado nos prendedores
de roupa para facilitar a identificação de cada um deles no “Semáforo das
Emoções”. Depois de terminados os desenhos, pedir que cada um fale seu
nome e mostre aos coleguinhas o seu autorretrato. Observar as relações de
respeito no momento em que o colega fala e apresenta o seu desenho.
2º momento: Mostrar para as crianças o “Semáforo das Emoções
e trabalhar com elas o conceito, para que serve, o significado de cada cor
no Código de Trânsito e para nós na atividade, já que cada cor representa
uma emoção diferente (o vermelho seria bravo, o amarelo triste e por fim,
a cor verde representa a alegria). Explicar para a turma de que algumas
pessoas não chamam de semáforo, mas sim de farol, sinaleiro, sinal etc.
Conversar com as crianças de que todos nós temos emoções, que
são sentimentos que podem ser bons ou ruins e podem até nos gerar
1º e 2º Encontro: “Conhecendo o grupo e o semáforo das emoções
Objetivo: Autorretrato e o início da atividade “Semáforo das Emoções” que estará
presente em todos os encontros.
Materiais: - “Semáforo das Emoções” feito em papel cartão
- 1 prendedor de roupa para cada criança que será colado nele o autorretrato de cada
criança (realizado por elas) e o nome delas a fim de facilitar a identificação deles;
- 1 Folha 1 (em anexo) para cada criança e lápis de cor.
- Caneta de retroprojetor
- Livro: “Pinote, o fracote e Janjão, o fortão” Fernanda Lopes de Almeida (Atividade-
extra)
186
sensações físicas, por exemplo: quando estamos com medo, o nosso corpo
treme ou até mesmo começamos a chorar. Mas também existem
sentimentos bons, como ganhar um presente que tanto queria e chorar de
alegria, ou seja, é preciso mostrar que as emoções são boas ou ruins e que
isso varia conforme a situação.
Combinar com eles de que esta atividade será utilizada em todos
os nossos encontros e que antes de começar as atividades cada um deverá
colocar seu prendedor na cor correspondente à como está se sentindo
naquele dia e que conversaremos um pouco sobre como estão se sentindo,
caso se sintam à vontade para tanto.
Figura 2
Fonte: Do autor.
187
3º momento: Entregar para as crianças a folha 1 (em anexo) e pedir
que eles desenhem as expressões que a gente sente para cada uma das
situações apresentadas e após isso conversar mais um pouco sobre as nossas
emoções e sentimentos e também a importância de se respeitar os colegas
justamente porque eles também têm emoções e sentimentos como nós.
4º momento: Pedir às crianças que falem o que acharam das
atividades e se eles sugerem alguma atividade que eles gostam muito de
fazer e que poderia ser utilizada no projeto, se possível for.
Atividade-extra
16
: Fazer a leitura do livro “Pinote, o fracote e
Janjão, o fortão” que conta a história de Pinote, o menino mais fraquinho
da turma, que tenta vencer de todas as formas Janjão que gosta de mandar
e até mesmo judiar dos amigos que ele considera mais fraco e conversar
com as crianças sobre a importância das relações de respeito entre os
colegas de sala.
16 As atividades-extra serão utilizadas na intervenção apenas se sobrar tempo nos encontros.
188
FOLHA 1
Vamos brincar de desenhar como a gente se sente em cada uma das
situações que já aconteceram ou podem acontecer ainda? cada círculo
representa o nosso rosto e nele devemos desenhar a nossa expressão.
189
1º momento: Atividade “Semáforo das Emoções”.
2º momento: Dizer para as crianças que serão lidas algumas
cartinhas que possuem algumas situações (dilemas morais), que envolvem
respeito, e que elas devem opinar sobre o que fariam diante do que foi lido.
O jogo a ser utilizado foi elaborado por Viviani Zumpano e se chama “O
Jogo dos dilemas” que contém 40 cartas (serão selecionadas apenas 3 que
foram adaptadas e que envolvem o valor respeito) com situações que
objetivam fazer a criança refletir, questionar e discutir sobre o que fazer
para resolver o dilema contido na carta.
Por se tratar de crianças da Educação Infantil, usaremos apenas a
técnica de clarificação de valores, que consiste em propiciar condições para
que elas deixem vir à tona os valores que estão por trás de suas decisões e
que para tanto, é necessário nos certificarmos de que elas realmente
entenderam a história, o problema a ser resolvido, fazer o levantamento de
hipóteses para a solução do dilema e dar oportunidade para todos falarem,
mas deixar claro que embora seja interessante ouvir a opinião de cada um
deles, ninguém é obrigado se não se sentir à vontade. Com o objetivo de
trabalhar também a afetividade e a empatia, questioná-los sempre que
3º e 4º Encontro: O que estou sentindo e pensando como os meus coleguinhas se
sentem”
Objetivo: trabalhar a descentração e a afetividade.
Materiais: - Histórias adaptadas do jogo: “O jogo dos dilemas
40 cartas para
trabalhar valores éticos com as crianças” da autora Viviani Zumpano
- 1 folha 2 (em anexo) para cada criança e material para desenho: lápis de cor, giz de
cera, lápis preto etc.
190
possível: “e se fosse o seu coleguinha ou uma pessoa muito próxima
passando por essa situação, o que você faria? ”.
Dilemas adaptados:
1. Você está na fila da lanchonete da escola esperando a sua vez
para comprar um lanche. A fila está longa, há muitas pessoas na sua frente
e atrás de você. Faltam menos de cinco minutos para tocar o sinal de tér-
mino do recreio. Um colega que está bem no começo da fila chama você
para ocupar o lugar à frente dele. Ao ouvir o convite, você...
2. Em uma brincadeira, você nota que as calças do seu colega ras-
garam e ele não percebeu. Sua atitude nessa hora é...
3. Você é um colecionador de figurinhas. Um dos seus colegas lhe
oferece uma coleção rara de figurinhas que você não teria condições de
comprar, mas, em troca, ele pede que você pare de conversar com um dos
seus melhores amigos. A sua decisão nesse momento é...
3º momento: Pedir para que as crianças desenharem as situações
dos dilemas discutidos que elas mais gostaram. Após o desenho, permitir
que as crianças que se sintam à vontade para tanto, contem-nos o que quis
representar através do desenho e por que foi aquele dilema que mais
chamou sua atenção.
191
FOLHA 2
Agora é a vez de cada um desenhar uma situação que acabamos de discutir que
mais gostou. depois teremos a oportunidade de conversar sobre elas, se quiserem.
192
5º e 6º Encontro: “O reizinho e ele mesmo” e “O que a nossa turma pensa sobre
respeito”
Objetivo: estimular as crianças para a reflexão de como o outro se sente quando é
maltratado, percepção e valorização dos sentimentos dos coleguinhas e a afetividade,
além de trabalhar o conceito do valor respeito de cada criança envolvida na pesquisa.
Materiais: - livro: “O reizinho e ele mesmo” Luciene Regina Paulino Tognetta
- Cartolinas
- Canetinhas hidrocor
1º momento: Atividade “Semáforo das Emoções”.
2º momento: Ler para as crianças o livro “O reizinho e ele mesmo”
que é a história de um reizinho que achava ser poderoso e que mandava
em todo mundo, mas descobriu que nem mesmo nele ele mandava, porque
nem se conhecia de verdade, não sabia quem era, do que gostava ou quais
os sentimentos ele tinha quando as situações aconteciam.
Perguntar às crianças o que elas acharam da história e trabalhar os
seguintes questionamentos com eles:
- Na historinha que acabamos de ouvir, ouvimos várias vezes “ser
rei” e “ser súdito”. O rei é aquele que manda e o súdito é aquele que
obedece às ordens do rei. A ideia é que a gente converse e pense um
pouquinho nas nossas vidas. A primeira pergunta é: “vocês já se sentiram
reizinhos, querendo mandar nos outros, alguma vez? Como foi?
- Já se sentiram “súditos” algum dia, tendo alguém mandado vocês
calarem a boca, xingado vocês? Como foi?
- O que vocês pensam da atitude do reizinho no começo do livro
de achar que mandava em todo mundo e que podia fazer o que quisesse
193
com as pessoas? É uma atitude correta? Agindo assim ele respeitava as
outras pessoas?
3º momento: Pedir para as crianças falarem o que elas entendem
pela palavra “respeito” e conforme eles vão falando, a pesquisadora escreve
em um cartaz o que disseram, colocando entre aspas para
enfatizar/valorizar a fala deles e o nome de cada um que falou entre
parênteses. Observar se um coleguinha respeita enquanto o outro fala,
aguarda a sua vez de falar etc., pois os dados observados durante essa
atividade: “O que a nossa turma pensa sobre respeito”, podem ser
utilizados para a continuidade da intervenção e até mesmo no
desenvolvimento da própria atividade aqui sugerida.
7º e 8º Encontro: “Reconhecendo nossas emoções e o que é empatia”
Objetivo: trabalhar a descentração, a afetividade e o reconhecimento das próprias
emoções.
Materiais: - livro: “O monstro das cores” Anna Llenas
- Personagens do livro “O monstro das cores” confeccionados em EVA
- 1 Urna que fará parte da atividade “Urna dos sentimentos”
1º momento: Atividade: “Semáforo das Emoções”.
2º momento: Mostrar para as crianças os personagens do livro “O
Monstro das Cores” e explicar que cada um deles representa uma emoção,
o verde por exemplo, representa a alegria; o preto (medo); o azul (tristeza);
o vermelho (raiva) e o colorido, assim como na história, um personagens
confuso em relação aos seus sentimentos.
194
Figura 3
Fonte: Do autor.
Ler para as crianças o livro que conta a história do monstro das
cores que não sabendo muito bem o que se passa com ele, fez uma bagunça
com suas emoções e agora sua tarefa é desembolar tudo e definir o que é a
alegria, a tristeza, a raiva, o medo e a calma. A história será lida e
“dramatizada” com uma criança que queira ajudar, mostrando os monstros
das cores conforme o desenrolar da história.
Ao final, deixar as crianças manipularem os personagens e contar
com qual dos “monstros” eles mais se identificam, se também se sentem
confusos como o monstro em alguns momentos etc. É importante permitir
também que as crianças construam suas próprias histórias com os
personagens.
195
3º momento: Mostrar para a turma a “Urna dos Sentimentos”, que
será utilizada como um espaço para demonstrar os sentimentos através de
desenhos, colagens e/ou de forma escrita, caso haja na sala alguma criança
alfabetizada. Depois chacoalhar a urna e mostrar os sentimentos que
surgiram. Pode-se trabalhar a expressão dos sentimentos e confeccionar um
quadro de sentimentos do dia.
1º momento: Atividades “Semáforo das Emoções”.
2º momento: Contar as histórias para as crianças e questio-las de
acordo com as questões abaixo para a avaliação do egocentrismo.
História 1
Na classe de Amanda alguns alunos chamam Luciana de “bruxa”,
porque ela vive com os cabelos sujos e embaraçados. O que Amanda deve
fazer?
f) Ajudar a Luciana ensinando-a a se cuidar melhor, pois assim não
será mais alvo de gozações.
g) Ignorar, porque se ela defender Luciana provavelmente os colegas
também implicarão com ela.
h) Conversar com os colegas deixando claro que não se pode discri-
minar ninguém dessa forma.
196
i) Contar para a professora o que estes alunos estão fazendo para
que sejam advertidos.
j) Ignorar, porque Luciana não pode vir para a escola com aquela
aparência.
Competência da
BNCC
Dimensões/subdimensões da
BNCC
Tipos de perguntas
Autoconhecimento e
autocuidado
Autoconhecimento e autocuidado
Autoestima
1.Vocês conseguem imaginar como a
Luciana se sentiu quando falaram dos
cabelos dela?
Empatia e cooperação
Empatia e Cooperação
Valorização da
diversidade
2.Como vocês acham que Luciana deveria
se sentir por ter os cabelos diferentes dos
colegas da turma?
3.O que vocês acham dos colegas terem
chamado Luciana de “bruxa”?
Alteridade
(reconhecimento do
outro)
4.O que vocês acham que os colegas
pensaram quando ouviram as piadas sobre o
cabelo da Luciana?
5.E a Amanda? Conseguiu perceber que a
Luciana pode ter ficado triste com a
situação?
6.Vocês conseguem imaginar como ficariam
no lugar da Luciana, ou seja, com seus
colegas rindo dos seus cabelos?
Acolhimento da
perspectiva do outro
7. Vocês acham que os colegas da turma da
Luciana perceberam que rir do cabelo dela e
chamá-la de “bruxa” pode ter a deixado
magoada?
Diálogo e
Cooperação
8. Vocês acham que a Amanda deveria
conversar com os colegas da sala em relação
ao comportamento deles com Luciana?
197
História 2
A mãe de Gabriel pediu algumas vezes que ele separasse quais
brinquedos poderia doar, mas ele acabou se esquecendo. Então,
enquanto ele estava na escola, ela doou alguns brinquedos que ele não
brincava mais sem a permissão dele, e isso o deixou triste. A mãe de
Gabriel deveria ter
f) Doado porque ela tinha pedido para que ele separasse os brinque-
dos, mas ele não obedeceu.
g) Separado os brinquedos junto com o filho, pois o ensinaria a ser
generoso com os pobres.
h) Doado porque ele não brincava com os brinquedos que ficavam
largados ocupando espaço.
i) Separado os brinquedos, mostrado ao filho e, como eram dele,
ele decidiria o que doar.
j) Mostrado ao filho os brinquedos que iria doar, pois com esta ati-
tude ele não brigaria com ela.
Competência da
BNCC
Dimensões/subdimensões da
BNCC
Tipos de perguntas
Autoconhecimento e
autocuidado
Autoconhecimento e
autocuidado
Atenção plena e
capacidade de
reflexão
Equilíbrio
Emocional
1.O que vocês acham que Gabriel
sentiu e pensou ao ver que sua mãe
doou seus brinquedos sem a sua
permissão?
198
Empatia e
cooperação
Empatia
Alteridade
(reconhecimento do
outro)
Acolhimento da
perspectiva do outro
2.Vocês acham que a mãe de
Gabriel pensou que ele poderia ter
ficado chateado pelo fato dela ter
doado os brinquedos sem a sua
permissão?
Diálogo e cooperação
3.Como vocês acham que Gabriel
deveria conversar com a sua mãe
sobre o fato dela ter doado seus
brinquedos?
11º e 12º Encontro: “A empatia e o nosso cartaz sobre respeito”
Objetivo: trabalhar a identificação de situações que envolvem respeito, a importância
do autorrespeito, o conceito de empatia, a aceitação das diferenças e encerramento das
atividades com a turma.
Materiais: - revistas velhas para recorte;
- 1folha de papel pardo;
- Materiais gráficos (tesouras sem
ponta, cola, barbante, lápis de cor, canetinhas
hidrocor, papéis coloridos, barbante etc.);
- 1livro: “Isso se chama empatia” Nati Alonso e Luciene Tognetta
- 1folha 3 (em anexo) para cada criança e lápis de cor.
- 1livro: “Maria vai com as outras” Sylvia Orthof
1º momento: Atividades “Semáforo das Emoções”.
2º momento: Dizer para as crianças que será lido para elas um livro
que conta a história de uma centopeia que se sente diferente por não ter o
mesmo número de patas que os demais colegas e que por conta disso,
sentia-se perdida e desanimada. Ao ganhar uma roda, ela percebe que pode
199
se sentir tão bem como os colegas e até rolar. Mas antes da leitura, iremos
apresentar o desenho de uma centopeia (folha 3 em anexo) e pedir que elas
pintem a figura, mas as patas devem ser pintadas na cor preta (o objetivo
é enfatizar que a centopeia é um bichinho de muitas patas e que a da
história se considera “diferente” por ter menos que os colegas).
Na história, a centopeia Bia encontra um amigo que se coloca no
lugar dela e a faz não se sentir mais tão triste como antes e os demais amigos
começam a andar como ela ao ver seu amigo fazendo isso e a deixando
mais feliz. Trabalhar aqui o conceito de empatia abordado no livro, a
aceitação das diferenças, o respeito pelo colega através de questionamentos
como:
- O que vocês acharam do amigo de Bia que resolve andar como ela ao
perceber que ela fica muito triste por não andar como os colegas?
- Vocês ajudariam ou já ajudaram um coleguinha com alguma dificuldade
a se sentir melhor?
- O que mais chamou a atenção de vocês na história que acabamos de
ouvir?
- Como é para vocês perceberem que os amigos são diferentes uns dos
outros?
3º momento: Propor para as crianças a confecção de um cartaz com
a turma toda envolvendo colagens e desenhos sobre situações que
demonstram relações de respeito. A ideia é que eles fiquem à vontade para
criar e trabalhar em grupo, onde será possível também a observação de
como a turma se envolve ou não quando precisa desenvolver uma atividade
em grupo. Em caso de conflitos, a pesquisadora tentará administrar tais
situações de forma que as crianças conversem e resolvam entre si, na
medida do possível.
200
Trabalhar o porquê de cada uma das imagens escolhidas e no que
pensaram quando as escolheram. Ouvir deles o que eles acharam das
atividades propostas e o que mais gostaram.
momento: Atividade “Urna dos Sentimentos” e agradecimento
a turma pelos momentos que passamos juntos durante a intervenção.
Atividade-extra: Antes de iniciar a leitura do livro “Maria vai com
as outras” da autora Sylvia Orthof, ouvir das crianças se elas conhecem essa
expressão popular ou se imaginam o que seja uma pessoa “Maria vai com
as outras”. Se as crianças não conhecerem a expressão, explicar que após a
leitura do livro eles poderão entender melhor.
A história do livro tem como personagem central a ovelha Maria
que sempre seguia as outras ovelhas: se o rebanho passava frio, ela também
passava, mesmo detestando essa estação do ano; se todas as ovelhas,
comiam jiló, Maria comia jiló, embora não gostasse nenhum pouco desse
prato etc. Com essa obra literária, é possível trabalhar questões relacionadas
a como cada um se respeita, que cada um tem seus gostos e qualidades e
que não vale a pena fazer tanta coisa contra a própria vontade só para ser
igual às outras pessoas. Será um momento de trabalhar o autorrespeito e
valorizar as potencialidades de cada um, mas ao mesmo demonstrar a
importância do respeito mútuo, que “nasce” das relações de reciprocidade,
ou seja, entre iguais.
201
Anexo
Sinopses dos livros
Sinopse do livro “Pinote, o Fracote e Janjão, o Fortão”
Fernanda Lopes de Almeida
O livro “Pinote, o fracote e Janjão, o fortão” conta a história de Pinote, o
menino mais fraquinho da turma, que tenta vencer de todas as formas
Janjão que gosta de mandar e até mesmo judiar dos amigos que ele
considera mais fraco e também dos animais, ou seja, ele acaba impondo-se
aos colegas pela força, até ser confrontado pelo mais “fracote” e ser vencido
pela inteligência dele.
Sinopse do livro “O Reizinho e Ele Mesmo
Luciene Regina Paulina Tognetta
“O reizinho e ele mesmo” é a história de um reizinho que achava ser
poderoso e que mandava em todo mundo, mas descobriu que nem mesmo
nele ele mandava, porque nem se conhecia de verdade, não sabia quem era,
do que gostava ou quais os sentimentos ele tinha quando as situações
aconteciam.
202
Sinopse do livro “O Monstro das Cores
Anna Llenas
No livro “O Monstro das Cores”, cada um deles representa uma emoção,
o verde por exemplo, representa a alegria; o preto (medo); o azul (tristeza);
o vermelho (raiva) e o colorido, um personagem confuso em relação aos
seus sentimentos. Sendo assim, o livro conta a história do monstro das
cores que não sabendo muito bem o que se passa com ele, faz uma bagunça
com suas emoções e agora sua tarefa é desembolar tudo e definir o que é a
alegria, a tristeza, a raiva, o medo e a calma.
Sinopse do livro “Isso se Chama Empatia
Nati Alonso e Luciene Tognetta
O livro conta a história de uma centopeia que se sente diferente por não
ter o mesmo número de patas que os demais colegas e que por conta disso,
sentia-se perdida e desanimada. Ao ganhar uma roda, ela percebe que pode
se sentir tão bem como os colegas e até rolar. Na história, a centopeia Bia
encontra um amigo que se coloca no lugar dela e a faz não se sentir mais
tão triste como antes e os demais amigos começam a andar como ela ao ver
seu amigo fazendo isso e a deixando mais feliz.
203
Sinopse do livro “Maria vai com as Outras
Sylvia Orthof
A história do livro tem como personagem central a ovelha Maria que
sempre seguia as outras ovelhas: se o rebanho passava frio, ela também
passava, mesmo detestando essa estação do ano; se todas as ovelhas,
comiam jiló, Maria comia jiló, embora não gostasse nenhum pouco desse
prato etc. Com essa obra literária, é possível trabalhar questões relacionadas
a como cada um se respeita, que cada um tem seus gostos e qualidades e
que não vale a pena fazer tanta coisa contra a própria vontade só para ser
igual às outras pessoas.
Outras Sugestões de Atividades
- jogos cooperativos;
- leitura do livro “Bom dia todas as cores” da Ruth Rocha, teatrinho de
fantoches e roda de conversa, pois o livro aborda o respeito frente aos de-
sejos do camaleão;
- uso de atividades mais físicas e ativas em grupos também poderiam ser
exploradas, levando as crianças a refletirem sobre suas atitudes durante a
execução das mesmas;
- uso da apresentação de um desenho animado relacionado ao tema, vídeos
na TV ou Datashow, fantoches de mãos e músicas para preparar o clima
para a atividade.
204
205
Sobre a Autora
Priscila Caroline Miguel é Mestra em Educação (2021) pela UNESP
Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília/SP. Graduada em Psicologia
pela UNIMAR Universidade de Marília (2010). Atuou por 10 anos na
área clínica em consultório particular, quando decidiu se dedicar à vida
acadêmica, com ênfase na Psicologia da Educação. Vinculada desde 2018
ao GEPPEI Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicologia Moral e Educa-
ção Integral da UNESP de Marília/SP, sob a liderança da Profa. Dra. Pa-
trícia Unger Raphael Bataglia.
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Lívia Pereira Mendes
Diagramação e Capa
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
O DESENVOLVIMENTO MORAL E O VALOR
RESPEITO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Priscila Caroline Miguel é mestra em
Educação (2021) pela UNESP – Faculda-
de de Filosoa e Ciências de Marília/SP.
Graduada em Psicologia pela UNIMAR
Universidade de Marília (2010). Atuou
por 10 anos na área clínica em consultó-
rio particular, quando decidiu se dedicar
à vida acadêmica, com ênfase na Psicolo-
gia da Educação. Vinculada desde 2018 ao
GEPPEI – Grupo de Estudos e Pesquisa
em Psicologia Moral e Educação Integral
da UNESP de Marília/SP, sob a lideran-
ça da Profa. Dra. Patrícia Unger Raphael
Bataglia.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
O livro aborda o desenvolvimento
moral de crianças, mais especicamente da
faixa etária de cinco anos, que segundo a
teoria piagetiana, provavelmente estão no
estádio pré-operatório e suas condutas são
comandadas pelo egocentrismo e o obje-
tivo é trabalhar a descentração que implica
na tomada de consciência de si, ou seja,
a superação desse egocentrismo. Propo-
mos um trabalho com o valor respeito e a
descentração através de uma sequência di-
dática elaborada pela autora, que foi ava-
liada por professores da Educação Infantil
quanto a sua viabilidade e ecácia. Visa-
mos também propiciar a adesão ao valor
respeito de modo reversível, trabalhando
o reconhecimento do outro e o méto-
do utilizado foi uma pesquisa descritiva
com um delineamento de levantamen-
to através de levantamento bibliográco,
análise documental e contatos com edu-
cadores. Como resultado da pesquisa, foi
construída uma sequência didática que foi
avaliada por dez professores da Educação
Infantil e pudemos perceber a relevância
da proposta de acordo com a fala dos pro-
fessores e, também o que nos possibilitou
mudanças sugeridas pelos educadores, que
contribuíram para a ampliação dela. Dis-
cute-se na atualidade a importância de se
trabalhar com valores sociomorais ainda
na Educação Infantil, o que entendemos
ser relevante e reiteramos a necessidade de
mais pesquisas na área. O livro é destina-
do a todos os interessados na Psicologia do
Desenvolvimento Moral sob o enfoque da
teoria construtivista, a professores da Edu-
cação Infantil e para prossionais das re-
des de ensino envolvidos com orientação
técnico-pedagógica e formação inicial e
continuada de educadores.
O DESENVOLVIMENTO MORAL E O VALOR RESPEITO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Priscila Caroline Miguel
Priscila Caroline Miguel
O tema desse livro é a busca de estratégias para o fortalecimento da
descentração, superação do egocentrismo e o encaminhamento de
perspectiva reversível na tomada de decisões. O objetivo principal
é a criação de uma sequência didática que trabalhe o desenvolvi-
mento moral, especicamente a adesão ao valor respeito de modo
reversível, ou seja, trabalhando a superação do egocentrismo e o
reconhecimento do outro, que é possível com a reversibilidade.
Como resultados, além da denição dos pressupostos teóricos que
envolvem a discussão sobre o desenvolvimento moral e, em parti-
cular do valor respeito, construímos uma Sequência Didática para
ser aplicada junto a crianças na faixa etária de cinco anos, buscando
o desenvolvimento moral que implica na superação do egocentris-
mo e na tomada de consciência de si, que o egocentrismo seria
justamente a falta de tal consciência. Acreditamos que um trabalho
com valores sociomorais pode auxiliar nesse processo e escolhemos
o valor respeito sendo que o unilateral é a primeira forma de respei-
to que aparece no desenvolvimento moral do ser humano e surge
nas relações de coação social, em especial, as construídas entre a
criança e seus pais ou com outros adultos signicativos para ela. Por
outro lado, o respeito mútuo surge da cooperação que impõe apenas
a reciprocidade que obriga cada um a se colocar no lugar do outro.
Boa leitura!