Ana Paula Talin Bissoli
Mariana Claudia Broens
Aprovado pelo EDITAL No. 01/2020 –
PPGFIL/UNESP - Publicações de livros
autorais e tradução de artigos científicos
aceitos para publicação
Hábitos motores e identidade pessoal
Ana Paula Talin Bissoli e Mariana Claudia Broens
Hábitos motores e
identidade pessoal
Esta obra foi publicada a partir de
edital interno de publicação de
trabalhos de docentes e egressos do
Programa de Pós-Graduação em
Filosofia (PPGFIL) da Unesp, como
parte das comemorações de seus 25
anos. Este e os demais livros
publicados por este edital podem ser
baixados gratuitamente no catálogo
da editora Oficina Universitária:
https://ebooks.marilia.unesp.br/index
.php/lab_editorial. São eles:
- Eichmann e a incapacidade de
pensar: alienação do mundo e do
pensamento em Hannah Arendt.
Renato de Oliveira Pereira
- Hábitos motores e identidade
pessoal. Ana Paula Talin Bissoli &
Mariana Claudia Broens
- O estatuto científico da ciência
cognitiva em sua fase inicial: uma
análise a partir da estrutura das
revoluções científicas de Thomas
Kuhn. Marcos Antonio Alves e
Alan Rafael Valente
- Semiótica e Pragmatismo. Inter-
faces teóricas. Vol. I. Ivo Assad Ibri
- Semiótica e Pragmatismo. Inter-
faces teóricas. Vol. II. Ivo Assad
Ibri
- Verdade e arte: a concepção
ontológica da obra de arte no
pensamento de Martin Heidegger.
Juliano Rabello.
Este livro foi publicado a partir de edital interno de publicação de trabalhos
de docentes e egressos do Programa de Pós-Graduação em Filosofia
(PPGFIL) da Unesp. Como parte das comemorações de seu jubileu de prata,
o PPGFIL vem realizando e promovendo uma série de atividades em diversos
segmentos. As obras aprovadas no edital foram publicadas em conjunto
pelas editoras Oficina Universitária e Cultura Acadêmica.
A Oficina Universitária é um selo editorial da Faculdade de Filosofia e
Ciências da Unesp, campus de Marília, apoiada pelo Laboratório Editorial da
FFC. Foi instituída com o objetivo de criar condições e oportunidades para a
difusão de pesquisas e tornar públicos os resultados dos trabalhos do corpo
docente da FFC. Já a Cultura Acadêmica, selo da Fundação Editora da
Unesp, visa auxiliar principalmente o atendimento às múltiplas demandas
editoriais da Unesp. Com a ampliação do número de títulos editados pelo
selo, são abertas novas oportunidades de publicação num momento em que
a pesquisa acadêmica e sua divulgação são cada vez mais necessárias.
O objetivo central desta obra
consiste em analisar, do ponto de
vista filosófico-interdisciplinar,
possíveis contribuições dos hábi-
tos motores na constituição da
identidade pessoal. Inicialmente,
as autoras problematizam a abor-
dagem das teorias mecanicistas
que consideram o corpo como
totalidade decomponível em suas
partes. Nessa abordagem, o
processo de habituação motora
seria apenas resultante de proces-
sos direcionados pela maturação
neuronal. Em contraste, a partir de
uma concepção de identidade
sistêmica da pessoa, baseada na
perspectiva dos sistemas dinâmi-
cos e da cognição incorporada e
situada, buscam mostrar que o
corpo da pessoa, enquanto uma
organização dinâmica complexa, e
as atividades motoras em geral,
são fundamentais para a instancia-
ção e desenvolvimento de hábitos
motores constituintes da sua iden-
tidade. O livro focaliza especial-
mente, a partir da concepção de
raciocínio abdutivo proposta por
Charles Sanders Peirce, o possível
papel de processos abdutivos
motores na constituição da identi-
dade motora da pessoa.
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
Hábitos motores e
identidade pessoal
H  
 
Marília/Ocina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2021
A P T B
M C B
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS - FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Prof.ª Dr.ª Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Prof.ª Dr.ª Ana Claudia Vieira Cardoso
Ficha catalográca
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Editora aliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Ocina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2021, Faculdade de Filosoa e Ciências
Bissoli, Ana Paula Talin.
B623h Hábitos motores e identidade pessoal / Ana Paula Talin Bissoli, Mariana
Claudia Broens. – Marília : Ocina Universitária ; São Paulo : Cultura
Acadêmica, 2021
94 p. : il.
Inclui bibliograa
ISBN 978-65-5954-081-5 (Impresso)
ISBN 978-65-5954-082-2 (Digital)
DOI https://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-082-2
1. Atividade motora. 2. Hábito. 3. Comportamento humano. 4. Identidade
(Psicologia). 5. Sistemas auto-organizáveis. 6. Cognição. 7. Filosoa. I. Broens,
Mariana Claudia. II. Título.
CDD 128.2
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em
Filosoa da UNESP:
Marcos Antonio Alves (Coordenador); Ana
Maria Portich (Vice-Coordenadora); Hércules
de Araújo Feitosa; Reinaldo Sampaio Pereira
Aprovado pelo EDITAL No. 01/2020 –
PPGFIL/UNESP - Publicações de livros
autorais e tradução de artigos cientícos aceitos
para publicação
Pareceristas
Cassiano Terra Rodrigues e Willem Ferdinand Gerardus Haselager
S
Apresentação
Marcos Antonio Alves -------------------------------------------------------------- 7
Préfacio
Willem Ferdinand Gerardus Haselager ------------------------------------------ 11
Introdução ------------------------------------------------------------------------- 15
1. IdentIdade motora: novos horIzontes para o estudo da IdentIdade
pessoal --------------------------------------------------------------------------- 19
1. A concepção dualista de pessoa: breve retomada do problema da
identidade pessoal ---------------------------------------------------------- 19
1.2 Hábitos motores e identidade pessoal: investigação a partir da
perspectiva sistêmica ------------------------------------------------------ 26
1.3 Hábitos motores e identidade pessoal: investigação a partir da
perspectiva da auto-organização ----------------------------------------- 32
6 |
2. teorIas do desenvolvImento motor humano e IdentIdade motora
humana -------------------------------------------------------------------------- 41
2.1 A identidade motora: a habituação motora concebida na
perspectiva da cognição incorporada e situada (CIS) ---------------- 41
2.2 A constituição da identidade motora: a habituação motora
concebida a partir da perspectiva dos sistemas dinâmicos ----------- 47
3. hábItos motores e processos abdutIvos Incorporados -------------- 57
3.1 Processos abdutivos incorporados e hábitos motores ------------ 57
3.2 Impactos das tecnologias informacionais na identidade da pessoa:
exemplos de habituação e reabituação ---------------------------------- 66
consIderações FInaIs --------------------------------------------------------- 73
reFerêncIas --------------------------------------------------------------------- 79
anexos --------------------------------------------------------------------------- 83
sobre os autores --------------------------------------------------------------- 93
| 7
A
Esta obra foi publicada a partir de edital interno de publicação
de trabalhos de docentes e egressos do Programa de Pós-Graduação em
Filosoa (PPGFIL) da Unesp. Situado no campus de Marília, o PPGFIL
iniciou suas atividades em 1996. Trata-se de um programa consolidado
que apresenta bons resultados em diferentes âmbitos. São dignas de nota
a quantidade e a qualidade das publicações de seus docentes, discentes
e egressos. Atividades de ensino, pesquisa e extensão, inserção social,
internacionalização, bem como a formação de novos quadros para a
losoa também são marcantes. Já são tradicionais e de grande visibilidade,
por exemplo, alguns eventos promovidos e realizados pelo programa. Já
são mais de 250 egressos, muitos deles concursados nas redes estaduais de
ensino básico ou em instituições de ensino superior em todo o país. Boa
parte deles cursou doutorado, realizou estágio ou pesquisa em instituições
nacionais e estrangeiras de renome.
Como parte das comemorações de seu jubileu de prata, o
PPGFIL vem realizando e promovendo uma série de atividades em diversos
segmentos. Em uma frente, vem reestruturando suas linhas de pesquisa, seu
corpo docente, bem como seus projetos e grupos de pesquisa. Em relação
às linhas, em 2020 elas passaram a ser apenas duas, intituladas “Filosoa
da Informação, da Cognição e da Consciência” e “Conhecimento, Ética
e Política”. Tais modicações buscam manter e respeitar a liberdade, a
autonomia e a visão losóca dos grupos ou dos integrantes do programa.
https://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-082-2.p7-10
Ana Paula Talin Bissoli
&
Mariana Claudia Broens (Org.)
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Com as mudanças, resultado de seu processo de autoavaliação,
o programa reuniu docentes em torno de temas e pesquisas convergentes.
Com isso, visa a favorecer o desenvolvimento ainda mais substancial
e aprofundado de pesquisas, produzindo conhecimento qualicado,
ampliando a internacionalização, melhorando a formação de seus discentes,
a inserção social através da socialização do conhecimento, realização de
eventos, desenvolvimento de projetos de ensino, pesquisa e extensão.
O programa está solicitando, depois de um longo trabalho
coletivo, a abertura do seu doutorado. O curso pretende atender à demanda
de discentes formados na graduação e mestrado em losoa e em outros
cursos da própria Unesp, além de estudantes oriundos de diversas regiões
do país interessados em aprofundar suas pesquisas nos temas e problemas
abordados no PPGFIL. Com isso, favorecerá a formação continuada
de discentes na Unesp, da graduação ao doutorado, acolhendo também
candidatos de outras instituições interessados em desenvolver pesquisas
nas áreas de especialidade de seus docentes.
Em outra frente, o programa reformulou e intensicou sua
interação com a comunidade por meio das redes sociais. Por meio das
publicações em sua página no Facebook, no endereço https://www.
facebook.com/poslmarilia, deixa os seguidores informados das suas
atividades. Já a sua página ocial está hospedada no site da FFC/Unesp/
Campus de Marília, que pode ser acessada no endereço http://www.marilia.
unesp.br/posl. Além de publicações sobre sua atividade cotidiana, oferece
variadas informações referentes a seu histórico, missão, objetivos, processo
seletivo, bem como possui seções especicamente direcionadas a discentes,
docentes e egressos. Buscando melhor comunicação, acessibilidade e
transparência, a página, depois de reformulada, está mais leve, informativa
e acessível.
A socialização do conhecimento e contato com a comunidade
também é efetivada através das revistas cientícas vinculadas ao programa.
Dentre elas, estão a Kínesis: Revista dos Estudos dos Pós-Graduandos em
Filosoa, e a Trans/Form/Ação: revista de losoa da Unesp, já considerada
patrimônio do curso de losoa da Unesp e um dos mais conceituados
periódicos na área tanto no Brasil quanto no exterior. A Kínesis, como
diz o próprio sobrenome, é voltada principalmente, mas não somente, à
publicação de trabalhos de pós-graduandos. Já a Trans/Form/Ação publica
Hábitos motores e identidade pessoal
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textos de prossionais em losoa e áreas ans. Ambas são voltadas à
publicação de trabalhos de losoa ou de interesse losóco, difundindo o
conhecimento produzido na área tanto no Brasil quanto no exterior.
Ainda como parte da comemoração dos seus 25 anos, o PPGFIL
lançou o edital para publicação de livros de docentes e egressos, ao qual este
livro foi submetido e aprovado para publicação. As propostas submetidas
foram avaliadas na plataforma da revista Trans/Form/Ação, no caráter de
parecer duplo-cego. Tal acordo de cooperação foi pensado para garantir
transparência e conabilidade no processo seletivo das submissões. Ao
receber a solicitação de avaliação, os pareceristas também foram convidados
a produzir o prefácio do livro, caso deliberassem pela aprovação da obra.
Além de favorecer ainda mais o cuidado no trabalho avaliativo, com essa
atitude buscamos valorizar ainda mais a contribuição dos avaliadores.
As obras aprovadas no edital foram publicadas em conjunto
pelas editoras Ocina Universitária e Cultura Acadêmica. A Ocina
Universitária é um selo editorial da Faculdade de Filosoa e Ciências da
Unesp, campus de Marília, apoiada pelo Laboratório Editorial da FFC.
Foi instituída com o objetivo de criar condições e oportunidades para a
difusão de pesquisas e tornar públicos os resultados dos trabalhos do corpo
docente da FFC. Já a Cultura Acadêmica, selo da Fundação Editora da
Unesp, visa auxiliar principalmente o atendimento às múltiplas demandas
editoriais da Unesp. Com a ampliação do número de títulos editados pelo
selo, são abertas novas oportunidades de publicação num momento em
que a pesquisa acadêmica e sua divulgação são cada vez mais necessárias.
É com grande prazer e satisfação que publicamos este livro,
intitulado Eichmann e a incapacidade de pensar: alienação do mundo e do
pensamento em Hannah Arendt, de autoria de Renato de Oliveira Pereira e
prefaciado por Adriano Correa.
Conforme o próprio autor, o ponto de partida deste livro é o
caso Eichmann, tal como analisado por Hannah Arendt em Eichmann em
Jerusalém (1963), obra que resulta de sua participação no julgamento do
ex-tenente-coronel da SS responsável pela logística de transporte dos judeus
para os campos de concentração e extermínio durante o regime nazista na
Alemanha. Renato lembra que o descompasso entre a monstruosidade dos
crimes que Eichmann ajudou a perpetrar e a sua gura perante o tribunal
– que não pareceu monstruosa ou maléca a Arendt, mas completamente
Ana Paula Talin Bissoli
&
Mariana Claudia Broens (Org.)
10 |
normal e até medíocre –, levou-a a cunhar a expressão banalidade do
mal. Com tal noção, Arendt designa um novo tipo de mal, o qual não é
causado por motivos torpes, instintos corrompidos ou por uma vontade
maligna, e sim pela obediência ao dever de ofício ligada a uma recusa do
agente em pensar naquilo que faz. Com o objetivo de compreender quais
são as condições que propiciam essa incapacidade ou ausência de pensar
(thoughtlessness), o autor examina, dentro do arcabouço teórico da lósofa,
como não só os regimes totalitários, mas também a própria Era Moderna,
produzem a experiência da solidão (loneliness) no interior da sociedade de
massa. Tal experiência prejudica a instauração de um mundo comum no
qual possa se armar a pluralidade humana, condição para o exercício da
capacidade de agir, sentir e também de pensar.
Este e os demais livros publicados por este edital podem ser
baixados gratuitamente no catálogo da editora Ocina Universitária:
https://ebooks.marilia.unesp.br/index.php/lab_editorial. São eles:
Eichmann e a incapacidade de pensar: alienação do mundo e
do pensamento em Hannah Arendt. Renato de Oliveira Pereira
Hábitos motores e identidade pessoal. Ana Paula Talin Bissoli e
Mariana Claudia Broens
O estatuto cientíco da ciência cognitiva em sua fase inicial:
uma análise a partir da estrutura das revoluções cientícas de
omas Kuhn. Marcos Antonio Alves e Alan Rafael Valente
Semiótica e Pragmatismo. Interfaces teóricas. Vol. I. Ivo Assad Ibri
Semiótica e Pragmatismo. Interfaces teóricas. Vol. II. Ivo Assad Ibri
Verdade e arte: a concepção ontológica da obra de arte no
pensamento de Martin Heidegger. Juliano Rabello
Esperamos, com esta atividade, fazer cumprir um dos objetivos de
um programa de pós-graduação, o de produzir e socializar o conhecimento.
Desejamos aos leitores desta e das demais obras uma reexão profícua
oriunda de sua leitura.
Marcos Antonio Alves
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosoa da Unesp
| 11
P
In philosophy and science,
the standard approach to
cognition can be characterized as
a combination of neurocentrism,
reductionism and mechanism.
It is in dire need of correction,
if not complete overhaul. e
attempt to understand cognition
and behavior on the basis of brain
processes alone does not do justice
to the myriad of interactions that
make up our lives.
Emotions, feelings,
thoughts, ideas, behaviors,
relations, and habits constitute
our identity, and they involve,
continuously and crucially, our
embodied interactions with the
world around us. Instead of
being reducible to our brains, we
express who we are in an enduring
embodied dance with our
A abordagem padrão para
a cognição pode ser caracterizada
como uma combinação de
neurocentrismo, reducionismo e
mecanicismo, tanto na losoa
quanto na ciência. Tal abordagem
precisa, urgentemente, ser corrigida,
senão completamente revisada,
pois a tentativa de compreender a
cognição e o comportamento apenas
com base nos processos cerebrais
não faz justiça à multiplicidade de
interações que constituem nossa
vida.
Emoções, sentimentos, pen-
samentos, ideias, comportamen-
tos, relações e hábitos constituem
nossa identidade e envolvem, de
modo contínuo e crucial, nossas
interações corporais com o mundo
ao nosso redor. Em vez de sermos
redutíveis aos nossos cérebros, ex-
https://doi.org/10.36311/2021.978-65-5954-082-2.p11-14
Ana Paula Talin Bissoli
&
Mariana Claudia Broens (Org.)
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environment. Sometimes we may
swirl in complete synchrony with
the complex rhythms surrounding
us, sometimes we may nd
ourselves out of step. But as long as
we are alive, this dance continues
and displays who we truly are.
e traditional approach to
cognition, behavior and personal
identity is missing so much of this
complexity and the importance
of bodily synchrony for being
ourselves, that it is high time that
its frame of reference gets replaced
by a more inclusive and diverse
conceptual framework.
It is for this reason that I
welcome this book so happily. It
provides a clear, systematic and
at times beautiful introduction
to the dynamic complexities that
each of us brings into this world. It
identies the centrality of habits to
who we are. It explains how motor
habits, our routine behavioral
patterns, help to identify us.
It demonstrates the incredible
intricacy of the way we self-
organize while engaging with the
world around us. It claries how
we can improve, expand or at the
very least change in creative ways
via the process of abduction. is
process, also known as inference
to the best explanation, is a source
pressamos quem somos em uma
duradoura dança incorporada com
o ambiente em que vivemos. Às
vezes, podemos girar em completa
sincronia com os ritmos complexos
que nos rodeiam. Outras vezes, po-
demos nos descobrir fora do ritmo.
Mas, enquanto estivermos vivos,
essa dança continua e revela quem
realmente somos.
A abordagem tradicional da
cognição, do comportamento e da
identidade pessoal desconsidera
a tal ponto essa complexidade e
a efetiva relevância da sincronia
de nosso corpo para sermos
nós mesmos que é hora de seu
referencial teórico ser substituído
por um quadro conceitual mais
abrangente e diverso.
É por essa razão que acolho
este livro com tanta alegria. Ele
apresenta uma introdução clara,
sistemática e, por vezes, bela, às
complexidades dinâmicas que cada
um de nós traz a este mundo. A
obra identica a centralidade dos
hábitos na explicação de quem
somos. Explica como hábitos
motores, nossos padrões de
comportamento rotineiros, ajudam
a construir nossa identidade.
O livro apresenta a incrível
complexidade da maneira como
nos auto-organizamos enquanto
interagimos com o mundo ao nosso
Hábitos motores e identidade pessoal
| 13
of continuous creativity and lies at
the basis of self-renewal.
e book is very clearly
written. Even with my rusty
Portuguese I had no problems
understanding it. It is serious in
its treatment of complex topics,
but manages to introduce the
important concepts in lucid
and well-illustrated ways. It
summarizes a wide range of
relevant literature in a light and
entertaining manner. It becomes
practical when it is discussing
the role of physiotherapy in
helping people to deal with motor
traumas to reestablish or renew
their personal habits. Finally,
by its consideration of the role
of technology in impoverishing
but also potentially extending
behavioral habits, it provides the
foundation for a connection with
the currently crucial debates about
eects of information technology
and articial intelligence on
ourselves and the ways we interact
with the world.
For several years, quite
some time ago, I have had the
opportunity to experience the
many contributions of Brazilian
philosophers and cognitive
scientists to the development of
the embodied embedded approach
to cognition and behavior. I
redor. Ele esclarece como podemos
melhorar, desenvolver-nos ou
mesmo mudar de modo criativo por
meio de processos de abdução. Esse
processo, também conhecido como
inferência da melhor explicação, é
uma fonte contínua de criatividade
e está na base da autorrenovação.
O livro foi escrito de forma
muito clara. Mesmo com o meu
português enferrujado, não tive
problemas para entendê-lo. É sério
no tratamento de tópicos complexos,
mas consegue introduzir conceitos
importantes de maneira lúcida e
bem ilustrada. Resume uma ampla
gama de literatura relevante de
forma leve e envolvente. Torna-se
prático quando discute o papel da
sioterapia para auxiliar as pessoas
a lidar com traumas motores
para restabelecer ou renovar seus
hábitos pessoais. Finalmente, ao
considerar o papel da tecnologia
no empobrecimento, mas também
na possível extensão dos hábitos
comportamentais, a obra fornece
a base para uma conexão com os
debates atualmente cruciais sobre os
efeitos da tecnologia da informação
e da inteligência articial sobre nós
mesmos e as diferentes maneiras de
interagirmos com o mundo.
Por vários anos, há algum
tempo, tive a oportunidade de
vivenciar as muitas contribuições
Ana Paula Talin Bissoli
&
Mariana Claudia Broens (Org.)
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can therefore safely say that this
book not only does that tradition
justice, but also stimulates taking
next steps.
Willem Ferdinand Gerardus
Haselager
Donders Institute for Brain,
Cognition and Behaviour, dpt. of
Articial Intelligence, Radboud
University, e Netherlands.
de lósofos e cientistas cognitivos
brasileiros para o desenvolvimento
da abordagem incorporada e situada
à cognição e ao comportamento.
Portanto, posso dizer, com
segurança, que este livro não
apenas faz justiça a essa tradição,
mas também estimula os próximos
passos na pesquisa na área.
Willem Ferdinand Gerardus
Haselager
Donders Institute for Brain,
Cognition and Behaviour,
Department of Articial Intelligence,
Universidade de Radboud, Holanda.
| 15
I
Este livro analisa os hábitos motores enquanto elementos
fundamentais para o processo de constituição dinâmica da identidade
pessoal em uma perspectiva sistêmica losóco-interdisciplinar. O estudo
aqui elaborado está fundamentado em pressupostos teóricos presentes
na abordagem dos sistemas complexos, no pragmatismo losóco e em
teorias do desenvolvimento motor. O problema central analisado neste
livro tem como o condutor a seguinte interrogação: hábitos motores da
pessoa constituídos ao longo da sua vida são uma característica relevante
para a constituição e preservação de sua identidade pessoal?
A motivação inicial para este trabalho, ora transformado em livro,
surgiu a partir de diculdades em se estabelecer um plano de tratamento
sioterápico relacionado a alterações de hábitos motores. Por diversos anos
trabalhando como sioterapeuta, pude ter contato com pessoas portadoras
de patologias motoras que alteravam drasticamente sua maneira de interagir
com o mundo e, como consequência, seus hábitos motores eram alterados
buscando a estabilização do corpo, mas nem sempre de modo adequado a
restabelecer sua funcionalidade motora de forma equilibrada.
Durante a atividade como sioterapeuta da primeira autora, ela
pôde observar que hábitos relacionados a processos motores da pessoa
eram parte constituinte de sua identidade e que, quando por algum motivo
sofriam algum tipo de alteração, acabavam por modicar a maneira como
essa pessoa se identicava. Mesmo quando a pessoa sofre uma lesão leve
Ana Paula Talin Bissoli
&
Mariana Claudia Broens (Org.)
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em um dos membros, mas que a impeça de realizar uma atividade habitual
relevante (como escrever ou andar, por exemplo), tal impedimento
parece afetar substantivamente seu sentido de identidade. Dito de outro
modo: alterações de hábitos motores (resultantes de danos motores de
qualquer natureza) implicam uma mudança na maneira como a pessoa se
autoidentica. Essas observações diárias na prática como sioterapeuta e o
contato com grupos interdisciplinares de pesquisa indicaram a importância
de traçar caminhos que possibilitassem a discussão entre as áreas de losoa
e a sioterapia no estudo da identidade pessoal.
Como em outras áreas da saúde, a sioterapia tem como
base protocolos desenvolvidos a partir de teorias maturacionistas do
desenvolvimento motor que acabam por privilegiar aspectos relacionados à
maturação do sistema nervoso central como norteadores da aprendizagem
e habituação motora. Tais teorias colocam em segundo plano a relevância
do corpo, em sua totalidade orgânica, inserida em um contexto ambiental,
para processos relacionados a aprendizagem e habituação motora. Um
exemplo típico dessa abordagem de tratamento reducionista é a elaboração
de um diagnóstico fragmentado em áreas de atuação, como, por exemplo,
respiratório e neuromotor, entre outras.
Práticas de reabilitação motora inspiradas em, ou em sintonia
com, a concepção cartesiana mecanicista de corpo acabam por não
levar em consideração (1) as relações integradas de codependência
entre os diferentes sistemas e subsistemas do organismo, (2) os padrões
de movimento que emergem a partir de novos contextos ambientais,
bem como (3) os processos sistêmicos que, entendemos, ocorrem para
propiciar a reabituação motora que propicia a atualização da identidade
motora da pessoa.
Para a realização deste estudo losóco-interdisciplinar,
utilizamos duas abordagens teóricas: a abordagem dos sistemas complexos
(em especial, as teorias da auto-organização e da cognição incorporada
e situada) e o pragmaticismo (em especial, os conceitos de hábito e de
processo abdutivo).
Sendo assim, conjecturamos que a dinâmica do processo de
habituação e reabituação do agente, ao longo de sua vida, resulta na
formação de uma identidade motora do agente, a qual é correlata ao
processo de formação e constituição da identidade pessoal do agente.
Hábitos motores e identidade pessoal
| 17
Para isso, no capítulo 1,Identidade e hábitos motores: novos
horizontes para o estudo do problema da identidade pessoal”, fazemos
uma breve retomada losóca do problema da identidade pessoal,
discutindo as questões relacionadas à investigação da natureza do corpo e
sua motricidade situadas em contextos ontológicos dualistas. Na primeira
parte, analisaremos algumas hipóteses losócas sobre o problema da relação
mente-corpo. Esta parte do livro procura elucidar algumas concepções de
corporeidade que inuenciaram áreas como a medicina e a sioterapia.
Na segunda parte, apresentamos uma nova perspectiva teórica para o
problema da identidade pessoal fundada na teoria dos sistemas complexos.
Analisaremos possíveis contribuições da perspectiva sistêmica relacionada
aos processos motores na constituição da identidade da pessoa. Na terceira
parte, por m, consideraremos possíveis contribuições da Teoria da Auto-
Organização no processo de emergência da identidade pessoal.
No capítulo 2, “Teorias do desenvolvimento e a identidade
motora”, analisamos criticamente teses das teorias de desenvolvimento
centradas na maturação do sistema nervoso central e possíveis contribuições
da perspectiva teórica sistêmica no desenvolvimento motor. Na primeira
parte, procuramos apontar algumas importantes contribuições que
a abordagem da cognição incorporada e situada (CIS) oferece para a
compreensão da relevância da corporeidade na constituição da identidade
da pessoa. Analisamos de que forma considerar a interação da pessoa
com o ambiente pode auxiliar na compreensão do desenvolvimento de
habilidades motoras e da dinâmica de constituição, ajuste ou mudança de
hábitos motores. Na segunda parte, por sua vez, apontamos de que forma
a perspectiva dos sistemas dinâmicos propicia o entendimento sobre como
os hábitos motores são continuamente atualizados de forma adaptativa em
respostas às mudanças ocorridas tanto na pessoa como no seu contexto.
Argumentamos que a perspectiva dos sistemas dinâmicos pode propiciar o
entendimento de como a identidade motora se altera ao longo do tempo.
Finalizamos no capítulo 3, “Hábitos motores e processos
abdutivos incorporados”, no qual investigamos a hipótese de que processos
abdutivos incorporados são fundamentais para a atualização e a busca
pelo equilíbrio dinâmico da identidade motora da pessoa. Para isso, na
primeira parte, procuramos mostrar que a dinâmica de geração e abandono
de hábitos envolve processos abdutivos de proposição e teste de novas
Ana Paula Talin Bissoli
&
Mariana Claudia Broens (Org.)
18 |
hipóteses motoras relacionadas. Procuramos evidenciar a importância do
processo abdutivo nas relações terapêuticas interpessoais, especialmente em
contextos que envolvem situações como a ruptura de hábitos motores e a
incorporação de novos hábitos. E, por m, na segunda parte, discutimos os
efeitos das tecnologias informacionais na mudança da identidade motora
da pessoa por promover hábitos que podem comprometer o equilíbrio
dinâmico do sistema motor humano.
Procuramos evidenciar neste livro que a dinâmica do processo de
habituação e reabituação motora da pessoa ao longo de sua vida, resultante
de processos de auto-organização secundária e formulação de hipóteses
motoras resultantes de processos abdutivos incorporados, é constituinte
fundamental de sua identidade pessoal..
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1
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Concepções clássicas de identidade pessoal de cunho racionalista
ou intelectualista privilegiam aspectos cognitivos e culturais da pessoalidade,
atribuindo, em geral, pouca relevância a aspectos corporais, especialmente a
propriedades corpóreas que envolvem processos relacionados a capacidades
motoras (consideradas puramente mecânicas). Neste capítulo analisaremos,
em especial, a concepção de pessoa na perspectiva do dualismo ontológico
e a contrastaremos com uma abordagem sistêmica, a partir da qual a
identidade motora da pessoa passa a desempenhar um papel relevante na
constituição de sua identidade.
1. a concepção dualIsta de pessoa: breve retomada do problema
da IdentIdade pessoal
A identidade pessoal pode ser entendida, em geral, como o
sentimento de continuidade, ou mesmidade, que a pessoa tem de si
mesma ao longo do tempo, embora ela passe por inúmeras transformações
de natureza biológica, social e cultural durante sua vida. Porém, esse
sentimento de mesmidade pode ser perdido, como quando a pessoa perde
alguma capacidade que considera essencial à preservação de sua identidade
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&
Mariana Claudia Broens (Org.)
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(por exemplo, a perda da memória, de uma habilidade especíca, da
capacidade de falar, de perceber, dentre outros). Por sua vez, a capacidade
de ser reconhecida por outros como a mesma pessoa pode também ser
comprometida por mudanças e transformações que ocorram na pessoa e
afetem profundamente o modo como ela se apresenta ou se coloca no
mundo. No entanto, mesmo que a pessoa perca traços identitários que
a caracterizam ou não seja possível reconhecê-la por alguma razão, ainda
assim pode ser considerada como a mesma pessoa sob vários aspectos
biológicos, sociais, morais e legais. A diculdade em se determinar em que
consiste efetivamente a identidade da pessoa, se há alguma característica ou
conjunto de características que a constituam, é denominado o problema
da identidade pessoal, o qual tem sido tratado por diferentes áreas, como
a Filosoa e a Psicologia.
Estudiosos como Hume (2001), Locke (1999), Part (1971,1982),
Gonzalez, Broens e Serzedello (2000), Arruda (2003), Santaella (2005),
Costa (2010) e Viana (2011) têm se voltado a investigar o problema
da identidade pessoal desde a modernidade, especialmente aqueles que
problematizam a abordagem dualista substancial da relação corpo-mente.
Tal problema pode ser assim formulado: uma pessoa permanece a mesma
ao longo do tempo a despeito de todas as mudanças biológicas, culturais
e sociais pelas quais passa? Esta indagação se coloca especialmente para
teorias naturalistas ou sicalistas da noção de pessoa, pois, uma vez que os
seres vivos estão passando constantemente por mudanças de todo tipo, é
difícil defender a tese de que as pessoas, enquanto seres vivos, permaneçam
as mesmas ao longo de suas vidas em algum sentido forte dos conceitos de
permanência e mesmidade.
Diferentemente, para as teorias dualistas substanciais da relação
mente-corpo, as quais consideram a mente e o corpo como duas substâncias
distintas, uma imaterial e outra material, o problema não aparece. Isso se
deve a que, para as abordagens dualistas, apenas o corpo passaria pelas
mudanças constantes próprias de todos as entidades físicas. Já a mente,
distinta do corpo, não estaria sujeita às leis físicas responsáveis pelas
transformações constantes dos corpos em geral, razão pela qual a identidade
da pessoa estaria relacionada à mente, algo considerado imaterial. A
mente, porque permaneceria ao longo do tempo, independentemente dos
Hábitos motores e identidade pessoal
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processos físicos de transformação ocorridos no corpo, conservaria, em um
sentido forte, a identidade da pessoa.
Como destaca Gilbert Ryle na obra e concept of mind, a
abordagem dualista substancial se tornou uma espécie de “doutrina
ocial” na losoa até muito recentemente, tendo norteado e servido
de suporte teórico a muitas pesquisas nas áreas de ciências humanas e
ciências da saúde, dentre outras. Nessa perspectiva, muito disseminada
na comunidade losóca e cientíca, o corpo desempenharia um papel
coadjuvante na pessoalidade.
Em suma, a abordagem dualista substancial parece ser uma postura
teórica bem-sucedida no que diz respeito ao problema da identidade pessoal
devido à suposta natureza perene da mente. No entanto, essa abordagem
dualista da pessoalidade não se sustenta porque há vários indícios muito
fortes de que características essenciais da pessoalidade, como a memória,
por exemplo, envolvem aspectos corpóreos.
Uma forte indicação de como processos corpóreos inuenciam
aspectos da pessoalidade é encontrada no funcionamento do sistema
hormonal humano: embora não se tenha ainda uma teoria das emoções
que permita compreender sua natureza, há indícios signicativos que
permitem correlacionar, por exemplo, a produção de certos hormônios e a
emergência de emoções e condutas especícas resultantes dessa produção.
Nesse sentido, o cortisol é um hormônio que é liberado na corrente
sanguínea em resposta ao estresse, aumentando o estado de medo e
levando ao comportamento de fuga, algo essencial para a sobrevivência do
indivíduo em situações-limite. Esses e outros indícios semelhantes levam
a acreditar ser mais apropriado adotar uma perspectiva não dualista da
pessoa, o que implica, como contrapartida, a emergência do problema da
identidade pessoal.
Para a losoa, um dos pontos-chave do problema da identidade
pessoal está na diculdade de estabelecer um conjunto de propriedades
que levem a denir alguma entidade como pessoa ou que façam a pessoa
ser como é. Como já descrito acima, uma abordagem do problema da
identidade pessoal sob uma perspectiva não dualista enfrenta a diculdade
de determinar claramente qual seria a característica ou o conjunto de
características que permitem que a pessoa permaneça a mesma ao longo do
tempo e possa ser identicada enquanto tal pelas demais pessoas.
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Robinson (2017) sintetiza essa diculdade ao ressaltar que os
seres humanos enquanto tais possuem características semelhantes a outras
entidades físicas (como massa, densidade, volume, por exemplo), mas
também parecem possuir características “mentais” (como a posse de uma
consciência ou “eu” instanciadora de crenças e desejos).
Em uma perspectiva não dualista, anti-intelectualista, externalista,
monista ou materialista de pessoa, o foco poderia ser dado à dimensão
corpórea, por ser a entidade física que instancia os processos cognitivos e
perceptuais. Mas, como já apontou John Searle em A redescoberta da mente
(2006), frequentemente as abordagens materialistas mantêm a concepção
de corpo defendida pelo dualismo ontológico, apenas dissociando-o da
substância pensante. Nesse sentido, a concepção de que o corpo humano
pode ser compreendido enquanto substância distinta da mente, ao
analisarmos e entendermos isoladamente as partes que o compõem, resulta
da aplicação do método analítico cartesiano em seu estudo, especialmente
a segunda regra do método.
Como aponta Descartes na obra Discurso do Método (1999 [1637]),
haveria quatro preceitos metodológicos fundamentais para a produção do
conhecimento, sendo a dúvida metódica o primeiro deles, a qual prescreve
a necessidade de suspender o juízo a respeito de proposições ou teses ainda
não demonstradas, e a regra da análise, o segundo preceito, de acordo
com o qual seria necessário “[...] dividir cada uma das diculdades que
eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias
fossem para melhor resolvê-las” (DESCARTES, 1999 [1637], p. 49-50).
Este preceito, fundamental para a produção do conhecimento matemático,
nem sempre é adequado para a modelagem de processos físico-químico-
biológicos, como concebidos pelas ciências contemporâneas.
O método proposto por Descartes, ainda que adequado à
produção do conhecimento cientíco, com contribuições inegáveis para a
ciência, foi aplicado apenas parcialmente. Isto porque a regra que promove
a decomposição analítica do objeto de estudo, como, por exemplo, o
corpo humano, acabou sendo privilegiada em detrimento do terceiro
preceito metodológico, o qual postula a necessidade de efetuar a síntese de
recomposição do objeto, em uma espécie de caminho de volta da análise,
factível quando se trata de resolver uma equação, mas não factível quando
se trata de recompor organismos vivos.
Hábitos motores e identidade pessoal
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Desse modo, a aplicação da regra analítica no estudo dos organismos
(por exemplo, por meio dos estudos anatômicos de dissecção sistemática
do corpo humano), embora tenha contribuído para o conhecimento do
corpo, acabou propiciando abordagens reducionistas do corpo na medida
em que sua decomposição desvia o foco do corpo como um todo orgânico,
cujas partes componentes estão inter-relacionadas e são funcionalmente
codependentes. A clássica obra de Rembrandt A lição de anatomia do Dr.
Tulp (1632) ilustra exemplarmente a abordagem analítica do corpo humano.
Na imagem, feita por Rembrandt ilustrando uma autópsia pública realizada
no dia 31 de janeiro de 1632 em Amsterdã, podemos ver sete cirurgiões
acompanhando a explicação do Dr. Tulp sobre a dissecção, ou separação
anatômica dos tendões da mão localizados no antebraço.
Como a gura 1 ilustra, o corpo humano era dividido em partes e
estudado separadamente, dicultando a compreensão das relações que ocorrem
entre os diversos sistemas pertencentes ao corpo. Cada parte ou sistema do
organismo foi sendo analisado individualmente, o que acabou gerando áreas
disciplinares de estudo e, especialmente na área da Medicina, uma hiper-
especialização em subáreas com objetos de estudo cada vez mais restritos.
Figura 1. A lição de anatomia do Dr. Tulp. Rembrandt, 1632. Acervo do Museu Mauritshuis.
1
REMBRANDT Harmenszoon van Rijn. A lição de anatomia do Dr. Tulp. 1632. 1. Óleo em tela, 169,5 x 216,5
cm. Acervo do Museu Mauritshuis, Haia, Países Baixos. In: Museum Het Rembrandthuis. Amsterdã, 2020.
Disponível em: https://www.rembrandthuis.nl/ontmoet-rembrandt/rembrandt-de-kunstenaar/belangrijkste-
werken/de-anatomische-les-van-dr-nicolaes-tulp/. Acesso em: 21 jan. 2021.
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Baseada em tal método e seguindo a correspondente análise
realizada na Medicina, várias áreas das Ciências da Saúde, dentre elas a
Fisioterapia, também se compartimentalizaram em diferentes especialidades,
cada qual procurando entender os mecanismos de funcionamento de partes
especícas do corpo humano.
Um exemplo do problema das abordagens reducionistas no âmbito
da Fisioterapia é o tratamento de doenças neuromusculares, como a artrite
reumatoide. Embora os sintomas dessa doença estejam correlacionados a
grupos musculares, muitas vezes a causa primária da desordem muscular
resulta de um desajuste no sistema imunológico. Por mais que se faça um
plano de tratamento aplicado a toda a estrutura muscular envolvida na
injúria, não se obterá sucesso se não for realizado concomitantemente o
ajuste imunológico.
Por esse motivo, muitos procedimentos sioterápicos têm se
mostrado inecientes quando estruturados ou aplicados a partir de uma visão
fragmentada, analítica, do corpo, em razão do fato de exigirem, por exemplo,
uma compreensão multidimensional dos fatores que promovem ou reduzem
uma eminente anomalia ou ruptura dos processos motores. Posteriormente
procuraremos explicar como a abordagem sistêmica da pessoalidade e da
identidade pessoal pode contribuir para superar a dicotomização corpo-
mente e a abordagem mecanicista/reducionista do corpo.
Em síntese, o dualismo substancial corpo-mente, preponderante
na Filosoa, na Medicina e em outras áreas até meados do século XX,
inicialmente postula uma abordagem que dicotomiza corpo e mente por
considerá-los substâncias distintas e, em seguida, acaba por promover
uma abordagem mecanicista e reducionista do corpo. No entanto, como
aponta Ryle (1949; 2000), as teses cartesianas que propõem uma distinção
substancial entre mente e corpo decorrem de um equívoco lógico de base
que as comprometem, o que se denomina erro categorial.
Ryle (1949) aponta que o erro categorial consiste em classicar
algo como pertencente a uma categoria lógica quando efetivamente
pertence a outra. No caso especíco do dualismo ontológico, o erro
cometido por Descartes foi considerar que tanto o corpo quanto a mente
são categorizáveis como “substâncias”. Para ilustrar sua crítica, Ryle
(1949) apresenta como exemplo a natureza do conceito “universidade”.
Suponhamos que um visitante pela primeira vez se dirige ao campus de
Hábitos motores e identidade pessoal
| 25
uma universidade e lhe são mostrados os laboratórios, as salas de aulas,
bibliotecas, campos de esportes, as seções administrativas etc. Depois de
ter feito a visita ao campus, no entanto, o visitante pergunta: “onde está
a universidade?” O visitante questiona que viu onde são ministradas as
aulas e onde se fazem os experimentos cientícos, as salas de estudo e de
administração, mas não viu a universidade. Ryle observa que o visitante,
ao questionar onde está a universidade, espera receber uma resposta do
tipo “a Universidade está ao lado da sala de aula” e, ao ter essa expectativa,
revela que comete um erro categorial. A universidade é o todo que
engloba o conjunto das salas de aulas, bibliotecas, campos de esportes,
departamentos e administração. Ao considerar que “a universidade” se
refere a um membro adicional do conjunto de que fazem parte os outros
elementos constituintes do conceito “universidade”, o visitante se engana.
Erroneamente ele considerou a universidade como pertencente à mesma
categoria a que pertencem os outros elementos constituintes.
Nas palavras do lósofo:
Não é, meramente, um conjunto de erros particulares. É um grande
erro e um erro de tipo especial: um erro categorial. Apresenta os
fatos da vida mental como se pertencessem a um tipo de categoria
lógica (ou classes de tipos ou categorias) quando na realidade eles
pertencem a outra categoria (RYLE, 1949, p. 17).
Como evidenciado por Ryle (1949), o erro categorial subjaz em
abordagens dualistas e mecanicistas da relação corpo-mente. No caso das
abordagens mecanicistas, isso ocorre na medida em que tais abordagens
tendem a categorizar o corpo dos seres vivos como pertencendo à mesma
categoria de substância material dos corpos físicos em geral, sem levar
em conta sua natureza dinâmica, a complexidade das relações entre
suas partes, as propriedades emergentes que tais relações podem gerar e
o entorno ecológico em que os organismos em geral coevoluem e, mais
especicamente, no âmbito individual, as circunstâncias em que cada
pessoa se desenvolve e adquire progressivamente sua identidade.
Considerando a problemática apresentada, especialmente no que
tange ao papel da corporeidade na constituição da identidade da pessoa
focalizada a partir de uma abordagem não reducionista, as questões que
procuraremos investigar podem ser assim formuladas: hábitos motores
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da pessoa ao longo de sua vida constituem uma característica relevante
para a dinâmica de constituição e preservação de sua identidade ao longo
do tempo? Aspectos relacionados à motricidade do agente podem ser
integrantes relevantes de sua identidade pessoal?
Apesar de conhecermos razoavelmente aspectos importantes
do funcionamento dos sistemas e subsistemas do corpo quando realizam
suas funções vitais, há muito a se desvendar sobre como eles trabalham
coletivamente nos processos que aumentem ou diminuem a estabilidade
dinâmica do organismo.
Sem pretender resolver o problema da identidade pessoal,
analisaremos, na próxima seção, possíveis contribuições da perspectiva sistêmica
relacionada aos processos motores na constituição da identidade pessoal.
1.2 hábItos motores e IdentIdade pessoal: InvestIgação a partIr
da perspectIva sIstêmIca
A necessidade de superar o reducionismo no estudo do corpo
humano por meio de uma abordagem multidimensional e sistêmica
aparece em várias áreas da pesquisa cientíca desde meados do século XX.
Essa abordagem teórica levou em consideração a investigação de
fenômenos cuja compreensão requer uma visão geral da organização de
elementos ou agentes e suas relações mútuas. Graças a essa abordagem,
as interações entre os sistemas e subsistemas constituintes do organismo
passam a ser analisadas como organizações complexas compostas por várias
camadas integradas que propiciam a emergência de novas propriedades
e cujos elementos constituintes estabelecem relações de interdependência
(BERTALANFFY, 1977; MITCHELL, 2009).
Essa abordagem se contrapõe ao enfoque fragmentado de estudo
sob a perspectiva mecanicista clássica que, como vimos, aliada ao processo
analítico, acabou por desconsiderar aspectos relevantes para a compreensão
da natureza dinâmica do organismo situado em seu contexto ecológico.
Desse modo, procuraremos apontar algumas importantes
contribuições que a abordagem sistêmica propiciou à compreensão da
natureza dos organismos vivos e suas capacidades motoras. Entendemos que
Hábitos motores e identidade pessoal
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este estudo permitirá ressaltar a contribuição dos processos de habituação
motora para a constituição da identidade pessoal.
A caracterização de organismo como organização ou sistema foi
inicialmente proposta por Ludwig von Bertalany, biólogo de formação, em
sua obra Teoria geral dos sistemas (1977). Nessa obra, Bertalany (1977, p. 10)
denuncia os limites do mecanicismo clássico para a compreensão da dinâmica
biossocial de sistemas vivos, como os seres humanos em suas interações sociais
envolvendo tecnologias. Uma das características da perspectiva sistêmica
é a de que processos que ocorrem no organismo são considerados em sua
integralidade. Em Bertalany (1977), o conceito de sistema é aplicado para
estruturas físicas, biológicas e sociais. Bresciani Filho e d’Ottaviano (2000, p.
284-285), por sua vez, caracterizam um sistema como:
[...] uma entidade unitária, de natureza complexa e organizada,
constituída por um conjunto não vazio de elementos ativos que
mantêm relações com características de invariância no tempo que
lhe garantem sua própria identidade. Nesse sentido, um sistema
consiste num conjunto de elementos que formam uma estrutura, a
qual possui funcionalidade.
Uma característica fundamental da perspectiva sistêmica, segundo
Bertalany (1977), é o reconhecimento da relevância das relações entre os
elementos da organização ou sistema. As relações entre os elementos do
sistema podem ser manifestadas de diversas maneiras, tais como cooperação,
competição, ligação, articulação, comunicação, interação, dentre muitas
outras. Destaca Bertalany (1977) que, quando uma relação se estabelece
ao acaso, a partir de uma situação de não regularidade, pode-se estabelecer
uma dependência entre os elementos, propiciando, por vezes, a emergência
de um padrão de conectividade. Tem-se, portanto, o desencadeamento de
um processo considerado organizado, sendo que a organização resultante
do processo possui características dinâmicas emergente das interações de
seus elementos componentes entre si e com o meio com o qual interagem
(BERTALANFFY, 1977, p. 293).
Apesar dos esforços realizados, especialmente a partir dos trabalhos
de Von Bertalany, em se caracterizar o termo complexidade para tratarmos
dos sistemas complexos, o conceito ainda permanece polêmico tanto em
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termos qualitativos (em relação a suas propriedades fundamentais) quanto
em termos quantitativos (como medir a complexidade de um sistema).
Cilliers e Spurrett (1999) propõem uma abordagem do conceito
sistemas complexos” em termos das diferentes funções que exprimem
a descrição do sistema que está sendo considerado e distinguem os
conceitos de complexo e de simples. Um exemplo seria a complexidade
ou simplicidade de uma árvore. Sob o ponto de vista decorativo, ela pode
ser considerada simples, mas em termos de estrutura de vida e organização
(das relações existentes entre seus elementos), ela pode ser classicada
como complexa.
Cilliers e Spurrett (1999) consideram importante salientar
que, no âmbito do senso comum, muitos sistemas parecem ser simples,
mas mostram um alto grau de complexidade quando examinados
detalhadamente, e um sistema que aparentemente seria “complicado” não
possui as propriedades que efetivamente parecem caracterizar os sistemas
complexos. Conforme exposto, parece que a complexidade não está em
um ponto especíco, identicável em um sistema, mas sim nas relações
existentes entre os elementos que o compõem.
Com a evolução nos estudos da complexidade, Melanie Mitchell
(2009, p. 13) descreve os sistemas complexos destacando a não existência de
um elemento controlador central (no mesmo sentido indicado por Debrun,
1996, em seus estudos sobre auto-organização), cujo comportamento
adaptativo emergente do processamento de informação ambiental não
é facilmente previsível a partir do comportamento individual de seus
elementos constituintes.
Assim, que propriedades devem estar presentes para caracterizarmos
um sistema como complexo? Mitchell (2009), enfatiza que as propriedades de
um sistema complexo envolvem a interação em rede de indivíduos, pela qual
ocorre emergência de comportamentos coletivos de difícil previsibilidade,
adaptação, auto-organização e processamento de informação.
Bresciani Filho e d’Ottaviano (2004) apontam que, na
maioria das vezes, em razão da interdependência estabelecida entre os
elementos constituintes do sistema ser de alto grau (no sentido de estar
enraizado ao sistema), as relações nem sempre podem ser simplicadas
(“descomplexicadas” ou “analisadas”) de modo a gerar partes ou
Hábitos motores e identidade pessoal
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subsistemas mais simples. O entendimento do sistema como um todo não
dá para ser explicitado apenas em termos da análise de seus componentes,
mas requer a consideração das relações existentes entre seus constituintes e
o meio em que o sistema está inserido (no caso dos organismos, o meio será
o contexto ecológico especíco em que coevoluiu e com o qual interage
trocando matéria, energia e informação).
Tratando-se do corpo humano, não podemos caracterizá-lo
apenas como a união de determinados órgãos, sistemas, etc., mas devemos
considerar a integração dinâmica de todos os seus elementos constituintes
situados em um contexto ecológico. Partindo desse principio, um sistema
e seus subsistemas podem ser observados em diferentes planos de estudo.
Quando focalizamos, por exemplo, o sistema respiratório em um plano
microscópico, podemos classicá-lo como sistema, porém se alterarmos o
plano de análise para uma visão macroscópica, tal sistema será classicado
como um subsistema integrante do sistema corpo humano, o corpo
humano, por sua vez, pode ser focalizado como elemento do sistema social,
e assim por diante.
Quando um sistema exibe um comportamento de mudança no
nível macroscópico em razão da emergência de ações coletivas de seus muitos
componentes que estão interagindo no nível microscópico, permitindo uma
possível descrição e previsão do próprio sistema, dizemos que temos um
sistema do tipo dinâmico.
2
Assim, os sistemas são considerados dinâmicos
quando, de algum modo, mudam no decorrer do tempo considerado. No
entanto, uma integridade organizacional constitui sua identidade enquanto
sistema (ou subsistema) em relação a outras organizações.
Com base nas características apresentadas, ressaltam Bresciani
Filho e d’Ottaviano (2004) que a teoria geral dos sistemas os classica em
dois tipos: 1) sistemas fechados, na perspectiva das ciências da natureza, os
quais são sistemas que podem trocar energia (como calor ou trabalho) com
o ambiente, mas não trocam matéria; 2) sistemas abertos, que são sistemas
que trocam matéria, energia e informação com o ambiente, podendo tanto
ocorrer a “importação” de informações do ambiente como a “exportação
de informações para o ambiente. Podemos considerar como exemplo o
sistema de locomoção humana, elemento importante do desenvolvimento
motor humano: para que possam fortalecer as estruturas osteomusculares,
No capítulo 2 abordaremos detalhadamente a concepção de sistema dinâmico.
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os seres humanos precisam da ação gravitacional do planeta, pois a
espécie evoluiu em um determinado contexto gravitacional; caso isso não
ocorra, há uma degradação dessa estrutura e não se conseguiria alcançar
o ortostatismo (posição ereta do ser humano). Assim, como ressaltamos,
o estudo de sistemas complexos em geral, e dos sistemas complexos vivos
em especial, parece exigir uma abordagem que considere não apenas as
características de cada elemento constituinte do sistema, mas as relações de
interdependência que se estabelecem entre tais elementos.
Em síntese, podemos dizer, em consonância com os estudos de
Bertalany (1977), Cilliers e Spurrett (1999), Debrun (1996), Haken
(2000), Bresciani Filho e d’Ottaviano (2004), Morin (2005) e Mitchell
(2009), que um sistema complexo:
– é composto por um conjunto de elementos distintos que
interagem entre si e com o meio, e esta interação é dinâmica,
podendo propiciar a emergência de novas propriedades;
– pode mudar no decorrer do tempo, mas mantém uma identidade
dinâmica até seu desaparecimento ou colapso;
– processa e sinaliza informação;
– quando vivo, é adaptativo, adequando seus comportamentos
em razão de sobrevivência ou sucessos e/ou fracassos.
Assim sendo, como ressaltamos, o estudo de sistemas complexos
em geral, e dos sistemas complexos vivos em especial, parece exigir uma
abordagem que considere não apenas as características de cada elemento
constituinte do sistema, mas as relações de interdependência que se
estabelecem entre tais elementos.
A partir dos conceitos apresentados acima, é possível compreender
características centrais do corpo humano na abordagem sistêmica. Assim,
entende-se que o corpo humano possui uma estrutura organizacional que
possibilita a realização de certos tipos de movimentos – que podem ser
descritos como propriedades ou características dos elementos –, e que
pode ser descrita por parâmetros (entendidos como dados necessários
para analisar, valorizar ou comparar algo), os quais podem assumir valores
para descrever o estado do elemento. Segundo Haselager e Gonzalez
Hábitos motores e identidade pessoal
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(2008), tais parâmetros são de ordem e de controle. Os autores descrevem
os parâmetros de ordem em termos do produto emergente, no plano
macroscópico, das relações de dependência que se estabelecem entre os
elementos do sistema, sejam constituintes de processos físicos, sejam
biológicos, sejam informacionais; por parâmetros de controle entende-se,
também, o produto emergente das relações de dependência dos elementos
de um sistema, mas agora no plano microscópico.
Um exemplo da aplicação dos conceitos de parâmetro de ordem
e controle está na emergência do processo de caminhar de uma criança.
Conjecturamos que o caminhar seria um parâmetro de ordem oriundo
da uma série de parâmetros de controle que propiciam a emergência deste
parâmetro. Dentre estes parâmetros de controle destacamos exibilidade,
peso corpóreo e estatura.
Segundo Haken (2000), há, portanto, uma relação de
circularidade direcionada pelo parâmetro de ordem aos parâmetros de
controle de modo que, à medida que o movimento se estabelece (ou não),
ajustes nos parâmetros de controle são realizados de modo a efetivar ou
ajustar o parâmetro de ordem. Tais relações caracterizam o fenômeno
de emergência da identidade do sistema. Se, analogamente, por algum
motivo, as relações que estabelecem os parâmetros de controle estiverem
enfraquecidas, rompidas, ou não tiverem força suciente para manter as
relações do sistema, prováveis mudanças ocorrerão no parâmetro de ordem.
Consideramos que a relação de circularidade direcionada pelo
parâmetro de ordem aos parâmetros de controle, resultando no aprendizado
do movimento humano, pode ser denominada como processo de aquisição
de hábitos motores. Parece que a aquisição e o aprimoramento desses
hábitos por meio das relações dinâmicas e interacionais com o meio são
decorrentes de respostas adaptativas. Desse modo, o processo de mudança
pelo qual as potencialidades de um indivíduo se desdobram e aparecem
como novas habilidades constitui habilidades mais complexas e organizadas
que compõem a identidade motora humana.
Em síntese, entendemos que o processo de formação da identidade
pessoal tem em sua constituição processos relacionados a hábitos motores,
adquiridos dinamicamente ao logo do tempo e em diferentes contextos,
integrantes da identidade motora humana.
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Pellegrini (1991) ressalta que existem três princípios gerais que
caracterizam a formação de padrões e mudanças no desenvolvimento motor
relacionados aos sistemas complexos: a) sistemas complexos emergem
de sistemas livres; b) tais sistemas são auto-organizados; c) as mudanças
de uma forma estável para outra são alcançadas por meio da geração de
parâmetros de controle.
A partir deste contexto, conjecturamos que a identidade motora
da pessoa é o produto emergente de interações realizadas pelos seguintes
parâmetros de controle: idade cronológica (que envolve o tempo de vida
do organismo, sendo uma estimativa bruta do nível do desenvolvimento do
indivíduo), interação social/cultural (o meio no qual aquele indivíduo está
inserido) e estrutura biológica (que engloba a história do corpo da pessoa).
Em resumo, a interação entre os elementos do sistema motor
está em contínua atualização em busca da estabilidade do corpo. Hábitos
motores constituídos na infância futuramente poderão conduzir a novas
formas de movimento construindo a história desse corpo. Cada corpo
possui um conjunto de processos motores adquiridos ao longo do tempo
que o caracterizam. Uma vez que cada corpo tem uma história motora
especíca, embora obedeça a invariantes transformacionais,
3
a partir de
suas disposições ou organizações, constrói sua identidade.
Defendemos a hipótese de que, no processo de emergência da
identidade motora dinâmica da pessoa, movimentos praticados desde seu
nascimento são geradores de hábitos motores progressivamente incorporados,
os quais são contínua e progressivamente aprimorados no decorrer de seu
desenvolvimento como consequência de ajustes realizados de modo auto
ou hétero-organizado, no ambiente no qual se encontra inserido, cujas
principais características passamos a apresentar na próxima seção.
1.3 hábItos motores e IdentIdade pessoal: InvestIgação a partIr
da perspectIva da auto-organIzação
Considerando o desenvolvimento motor como um processo
dinâmico em constante atualização por inuências internas e externas que
O conceito de “invariante transformacional” é cunhado por Gibson (1986) para designar o conjunto de
padrões que designam formas de interação dinâmica dos organismos com o ambiente, como, por exemplo, os
modos de sua locomoção em diferentes superfícies ou meios (terrestre, aéreo, líquido).
Hábitos motores e identidade pessoal
| 33
acabam por criar ou recriar novas formas/organizações de movimento ao
longo do tempo, apresentaremos alguns conceitos sobre os processos de
auto-organização propostos por Debrun (1996). Segundo o autor:
Há auto-organização cada vez que o advento ou reestruturação
de uma forma ao longo de um processo, se deve principalmente
ao próprio processo – a características nele intrínsecas –, e só em
grau menor às suas condições de partida, ao intercâmbio com o
ambiente ou à presença eventual de uma instância supervisora
(DEBRUN, 1996, p. 4).
Para justicar a hipótese de que o conceito de hábito motor
pode auxiliar a compreender a natureza das relações de organismo-
entorno na constituição da identidade motora da pessoa, nos serviremos
da teoria de auto-organização desenvolvida por Michel Debrun (1996),
Éttore Bresciani Filho e Ítala d’Ottaviano (2000, 2004). Segundo estes
autores, a organização de um sistema pode ser resultante da capacidade
de transformar o comportamento (relações e atividades) dos diferentes
elementos do sistema, de modo a possibilitar a emergência de uma unidade
global. Como consequência de seu comportamento dinâmico e da eventual
complexicação de suas estruturas, o sistema pode ser também fonte
de criação de diversidade, de capacidade e de especicidade estrutural e
funcional (Bresciani Filho e d’Ottaviano, 2000, p. 293).
Para Debrun, por sua vez, (1996, p.13):
[...] a especicação que o aspecto “organização” traz para o aspecto
auto” [...] sustenta que há auto-organização cada vez que, a partir de
elementos realmente (e não analiticamente) distintos, desenvolve-
se uma interação sem supervisor (ou sem supervisor onipotente)
[...] tal interação pode levar à constituição de uma forma ou à
reestruturação por complexicação da forma já existente.
Segundo Debrun (1996), quando os padrões de conectividade
advêm de relações espontâneas realizadas entre os elementos distintos
constitutivos de um sistema, sem que para isso haja a presença de um
centro controlador absoluto ou leis e regras preestabelecidas, o processo é
dito auto-organizado.
Ana Paula Talin Bissoli
&
Mariana Claudia Broens (Org.)
34 |
O autor enfatiza, ainda, que a emergência de um determinado
padrão no sistema se deve, principalmente, às características intrínsecas
do próprio processo, especialmente em decorrência das relações entre os
elementos do sistema, da troca de informações com o ambiente ou então
em razão de suas condições iniciais.
Para Debrun (1996), o processo de auto-organização pode
ocorrer a partir de si mesmo e se dá pela interação entre suas partes ou
elementos que dele participam. As setas da gura 2, por exemplo, mostram
o movimento de inter-relações das partes com o todo e do todo com as
partes, baseada na dinâmica da auto-organização dos sistemas adaptativos:
Figura 2. Dinâmica dos processos auto-organizados
Fonte: OBADIA; VIDAL; MELO, 2007.
Além disso, dependendo do grau de conectividade estabelecida
entre os elementos que constituem os sistemas, Debrun (1996) ressalta
que os processos auto-organizados podem ser classicados em primários e
secundários.
A auto-organização é dita primária por Debrun (1996) quando
há interação espontânea dos elementos (que estavam inicialmente isolados
ou com comportamentos independentes uns dos outros) de modo a tornar
as relações entre eles mais coordenadas e interdependentes, instaurando
assim uma identidade determinada ao processo gradativo de constituição
do sistema, apesar dele ainda não se ter efetivamente constituído.
Hábitos motores e identidade pessoal
| 35
Em síntese, segundo Debrun (1996), podemos, então, considerar
como auto-organização primária o processo que constitui um sistema por meio
das interações entre seus elementos componentes sem um controle externo.
A auto-organização secundária, por sua vez, é o processo
que se inicia a partir de uma organização ou sistema já existente e que
adquire maior complexidade por meio de processos de aprendizagem
e por incorporar novidades: “[...] é a maturação progressiva de uma
estrutura inata [...]”(Debrun, 2009, p. 61). No caso da auto-organização
secundária, inicia-se o processo de construção e atualização dinâmica da
identidade, por exemplo, de uma pessoa, que se complexica por meio das
experiências vividas e o constante aprendizado que se incorpora por meio
de tais experiências. É importante salientar, tal como expõem Gonzalez
e Haselager (2002, p. 26), que na fase primária da auto-organização há
apenas o início de encontros que favorecem o estabelecimento de padrões
de dependência mútua, mas que isso não garante uma estruturação forte
entre os elementos do sistema ou organização de modo a conduzir de
maneira mais forte o curso de eventos futuros. Trata-se apenas do início
de uma nova organização. Ressalta ainda Gonzalez (2002) que, conforme
o tempo passa, a auto-organização do sistema pode atualizar-se, isto é,
trata-se de um processo mais ou menos constante que ocorre enquanto
o sistema ou organização perdura. Ressalta Debrun (1996), no mesmo
sentido, que algumas relações de dependência entre os elementos podem
tornar-se cada vez mais fortes, possibilitando, assim, o surgimento de
grupos padronizados. Essa organização advém, principalmente, segundo
Debrun (1996), da dinâmica de cooperação, competição, e ajuste que
ocorre entre os elementos do sistema.
À medida que ajustes se consolidam, características estáveis no
sistema emergem, conferindo-lhe certa identidade com uma estabilidade
dinâmica que pode tornar-se robusta. Tem-se, então, o início de processos
de auto-organização secundária, em que as organizações se complexicam e
passam a “adquirir a habilidade de criar novos hábitos e aperfeiçoar aqueles
já existentes – entendidos aqui como tendências estáveis ou disposições
para repetir padrões especícos de comportamento” (GONZALEZ;
HASELAGER, 2002, p. 27). De acordo ainda com Gonzalez, Broens e
Serzedello (2000), a identidade de um sistema pode ser caracterizada como
Ana Paula Talin Bissoli
&
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um processo capaz de se auto-organizar de modo a criar e alterar hábitos
mais ou menos estáveis.
Uma vez que o sistema alcançou certa estabilidade, processos
auto-organizados secundariamente poderão acontecer. Isso ocorre em
um sistema cuja identidade precisa ser atualizada em consonância com a
dinâmica do ambiente. Tais processos partem, assim, de uma organização
já dada, mas, com a atualização da identidade da organização ou sistema,
adquirem maior complexidade, envolvendo um aprendizado. Gonzalez e
Haselager (2002) ressaltam que tal processo ocorre especialmente nos seres
vivos, pois nestes se observa a existência de uma “continuidade” dinâmica
de sua organização resultante da troca de energia, matéria e informação
com o meio ambiente.
Por estas características, este processo (secundário) reserva entre
seus elementos não uma distinção, mas uma distinção parcial, na medida
em que estes já são previamente constituintes da organização ou sistema.
A dinâmica de constituição/atualização de um sistema ao longo
dos processos auto-organizados, segundo Debrun (1996, p. 33-34), ocorre
em fases, sendo cada uma delas expostas, sucintamente, como:
Primeira fase – início do processo: ocorre um corte, uma ruptura,
com uma situação anterior, que pode ter sido ocasionado por vários
motivos. Os futuros elementos ou partes do sistema – que até o momento
estavam estáveis e sem possuírem relações mútuas expressivas –, passam a
interagir com outros elementos ou partes, favorecendo o estabelecimento
de determinadas relações de dependência entre si.
Segunda fase – endogenização: à medida que o estabelecimento
de padrões de conectividade entre os elementos do sistema adquire
estabilidade, o processo torna-se cada vez mais autônomo, no sentido de
ser cada vez mais responsável pelo seu próprio desenvolvimento em razão
da constituição de sua identidade.
Terceira fase – cristalização: a partir do estabelecimento de padrões
de conectividade entre seus elementos, o sistema adquire uma identidade e
suas estruturas tornam-se xas ou pouco exíveis.
Tomemos como exemplo biológico de processos auto-
organizados a emergência de doença cancerígena. Células cancerígenas são
Hábitos motores e identidade pessoal
| 37
células desenvolvidas pelo próprio organismo que sofreram alterações em
seu DNA
4
durante a divisão celular. Geralmente o sistema imunológico
destrói essas células, porém, quando isso não acontece, essas células se
desenvolvem de forma auto-organizada, multiplicando-se de maneira
descontrolada, porém ainda não alterando inicialmente a funcionalidade
do sistema, podendo ser combatidas pelo sistema imunológico, pois ainda
não constituíram uma organização ou forma cancerígena.
Em uma segunda etapa, agentes externos, como o fumo, podem
fazer com que as células geneticamente alteradas sofram os efeitos dos
agentes cancerígenos externos, como a nicotina neste exemplo, ocorrendo
a transformação (auto-reorganização) da célula funcionalmente normal em
célula cancerígena. A partir desse momento, o sistema pode ser denominado
como doença cancerígena, ou seja, adquire uma nova identidade
relacionada à funcionalidade que passou a exercer, correspondendo assim a
auto-organização secundária.
Em um terceiro momento, células cancerígenas são responsáveis
por toda a multiplicação celular do corpo, tornando assim irreversível o
tratamento da doença e levando o organismo a seu desaparecimento.
Como no exemplo citado acima, a identidade de um sistema
surge após um processo de incorporação de novidades na dinâmica interna
das relações de seus elementos e o meio com que se relaciona. Segundo
Debrun (1996), novidades podem resultar do processo de aprendizagem
e dos consequentes ajustes que o sistema promove em suas interações com
o meio circundante. Mas a capacidade de promover ajustes declina com o
passar do tempo.
Como vimos, à medida que ajustes se consolidam, características
estáveis no sistema emergem, conferindo-lhe certa identidade com uma
estabilidade dinâmica, que pode tornar-se robusta. Tem-se, então, o início
de processos de auto-organização secundária, em que as organizações se
complexicam e passam a “adquirir a habilidade de criar novos hábitos
e aperfeiçoar aqueles já existentes – entendidos aqui como tendências
estáveis ou disposições para repetir formas ou padrões especícos de
comportamento” (GONZALEZ; HASELAGER, 2002, p. 27). De acordo
com Gonzalez, Broens e Serzedello (2000), a identidade de um sistema
DNA é a informação genética contida nos genes das células, também denominada de “memoria genética”.
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pode ser caracterizada como o processo capaz de atualização dinâmica da
organização do sistema por meio da criação e mudança de hábitos.
De acordo com Gonzalez, Broens e Serzadello (2000), a
identidade de um sistema pode ser inicialmente caracterizada como produto
emergente de processos de auto-organização secundária, de emergência de
padrões canalizadores de possibilidades de ação dos elementos dos sistema
resultantes de suas próprias interações, das interações com o ambiente e,
inclusive, de interações com eventos que são fruto do acaso.
A dinâmica do corpo relacionada aos processos de desenvolvimento
motor parece estar intimamente relacionada a processos auto-organizados;
basta relembrarmos, como dito anteriormente, que os agentes humanos
iniciam seus movimentos de uma forma aparentemente desordenada e os
aprimoram na medida em que interagem com o meio.
A partir do referencial teórico oferecido pela Teoria da Auto-
Organização, conjecturamos que o processo de emergência da identidade
motora dinâmica da pessoa, constituinte de sua identidade pessoal,
possa ser entendido como um processo auto-organizado, por meio do
qual movimentos praticados desde seu nascimento são geradores de
hábitos motores progressivamente incorporados. Tais hábitos podem ser
continuamente aprimorados no decorrer de seu desenvolvimento como
consequência de ajustes realizados de modo auto ou hétero-organizado.
Como exemplo de ajuste auto-organizado do corpo pode ser
considerada a forma com que o corpo se modica ao longo do tempo
a partir de fatores intrínsecos e extrínsecos. Fatores intrínsecos dizem
respeito ao corpo como um sistema, que possui organizações como, por
exemplo, os segmentos ou estruturas corporais. Estes estabelecem relações
entre si de modo a denir o comportamento motor humano, já os fatores
externos dizem respeito a restrições impostas pelo ambiente, como a força
da gravidade. Aprendemos a conviver com ela desde o início da vida. A
quantidade de oxigênio no ar que respiramos é outro fator extrínseco que
determina o que podemos fazer com nosso corpo, pois dependemos dele
para produzir energia (Pellegrini, 2000, p. 57). Porém, como indicamos,
o processo auto-organizado ocorre sem um supervisor externo e fatores
intrínsecos e extrínsecos fazem parte dele de forma concomitante.
Hábitos motores e identidade pessoal
| 39
Quando fatores extrínsecos participam como supervisores
externos à organização e promovem processos de atualização da identidade
do sistema, podemos dizer que o processo é hétero-organizado. No que se
refere especicamente à preservação da identidade motora da pessoa, um
exemplo de processo hétero-organizado seria a intervenção do sioterapeuta
ao realizar o movimento no lugar de uma pessoa inconsciente. Nesse caso, o
terapeuta estaria realizando um processo hétero-organizado de reabilitação
de hábitos motores previamente estabelecidos.
Em suma, parece pertinente considerar, alterando aspectos
relacionados à motricidade do corpo, que a identidade da pessoa passa por
mudanças, cuja profundidade está diretamente relacionada ao tipo e ao
grau de variação dos padrões de motricidade.
Ao realçar a dimensão complexa da corporeidade e as relações
de interdependência dos elementos que compõem o organismo da pessoa
situada em seu ambiente, podemos perceber que há uma relação de
codependência entre os elementos do sistema orgânico complexo, auto-
organizado e situado em um contexto especíco. Desse modo, defendemos
a hipótese de que a identidade motora da pessoa, constituída de modo auto-
organizado secundariamente, é elemento essencial de sua pessoalidade.
No próximo capítulo analisaremos, a partir da perspectiva
dos sistemas dinâmicos e da análise da relação entre percepção e ação, a
emergência da identidade motora.
| 41
2
T  
 
   
Neste segundo capítulo, procuraremos apontar algumas
contribuições que a abordagem da cognição incorporada e situada
(CIS) propiciou à compreensão da natureza dos organismos vivos e suas
capacidades motoras de habituação e apontamos de que forma as pesquisas
sobre o desenvolvimento motor foram inuenciadas pelas teorias da
percepção direta e dos sistemas dinâmicos.
2.1 a IdentIdade motora: a habItuação motora concebIda na
perspectIva da cognIção Incorporada e sItuada (cIs)
O conceito de cognição pode ser entendido na contemporaneidade
como o processo de aquisição do conhecimento que se dá por meio dos
sentidos por meio de processamento de informação (Gardner, 2003).
Os estudos de processos cognitivos são realizados na
contemporaneidade pela Ciência Cognitiva, área interdisciplinar que
congrega várias disciplinas, dentre as quais se destacam a Ciência da
Computação, a Linguística, a Filosoa, a Ciência da Informação e as
Neurociências, cujo objetivo comum é produzir modelos mecânicos
articiais que fossem capazes de simular o comportamento inteligente.
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42 |
Os estudiosos de Ciência Cognitiva partem da hipótese segundo
a qual processos cognitivos poderiam ser instanciados em modelos
mecânicos capazes de processar adequadamente a informação oferecida
por inputs perceptuais de modo a permitir um output comportamental
inteligente. Dentre as contribuições que mais se destacaram na proposta da
modelagem computacional, podemos destacar a da inteligência articial
(IA) e do conexionismo ou redes neurais articiais (RNAs). De acordo
com Gonzalez (1998, p. 3), a IA utiliza-se de modelos lógicos e abstratos
para estudar e descrever as representações mentais que supostamente
constituem as condições de possibilidade do conhecimento. Já o
conexionismo focaliza os mecanismos físicos que atuam no processo de
formação e desenvolvimento das representações mentais. Para a autora, as
duas linhas defendem o modelo representacionista da mente. Para Gonzalez
(1998, p. 8), ambas as vertentes apresentam falhas por não considerarem
os processos informacionais complexos advindos da relação organismo-
ambiente no que concerne a várias dimensões ecológicas e sociais próprias
do uxo da vida.
Como ressaltam Broens e Gonzalez (2013), muitas foram as
críticas dirigidas ao projeto cognitivista a partir dos anos de 1970, em
que a abordagem mecanicista e reducionista da cognição foi amplamente
problematizada por autores como John Searle e Hubert Dreyfus, os quais
ressaltam, em especial, os limites semânticos e a desconsideração das
contribuições cognitivas da corporeidade, respectivamente, dos modelos
cognitivistas da IA e das redes neurais articiais.
Com a necessidade de superar as limitações dos modelos das
ciências cognitivas até então elaborados, uma alternativa de estudo é
proposta por Francisco Varela (2017) e se baseia na investigação não só
do aspecto cognitivo relacionado ao processamento da informação, mas
também da relação entre cognição, percepção e ação. Varela assume a tese
de que propriedades e disposições relacionadas aos aspectos motores do
corpo são extremamente relevantes quando se trata de processos cognitivos
e introduz a ideia de que o ambiente pode oferecer possibilidades de ação
para o agente. Já quando arma que a cognição seria também situada, Varela
defende que o ambiente em que o agente estaria inserido seria um promotor,
por assim dizer, dos processos relacionados à ação inteligente. Tal teoria,
posteriormente desenvolvida por vários cognitivistas contemporâneos,
Hábitos motores e identidade pessoal
| 43
como, por exemplo, Andy Clark e Laurence Shapiro, é denominada
cognição incorporada e situada (CIS). Em particular, a CIS assume o
projeto de produzir modelos robóticos reais, e não apenas virtuais, capazes
de interagir com sucesso em ambientes não controlados para efetivamente
compreender aspectos relevantes dos processos cognitivos e perceptuais em
geral.
Com isso, diferentemente das teorias cognitivistas da IA, a
interação entre o agente incorporado e o mundo passa a ser focalizada
e o desenvolvimento motor e suas repercussões cognitivas e perceptuais
tornam-se uma área de interesse da Ciência Cognitiva. Especialmente
na Robótica, um dos objetivos da área passa a ser criar modelos que
permitissem testar hipóteses sobre as capacidades de interação cognitiva e
perceptual dos agentes incorporados e situados.
Como apontam Broens e Gonzalez (2013), a abordagem da
cognição incorporada e situada dos processos cognitivos trata de problemas
relacionados não só à natureza do pensamento, como era o projeto inicial
da inteligência articial, mas também à natureza sistêmica do agente em
sua organicidade, observando fatores relacionados às interações agente-
ambiente.
Como ressalta Varela (2017), por meio das ações e da experiência
advinda dessas ações os organismos se adaptam às restrições impostas
pelo ambiente, adotando critérios de relevância para cada contexto. Esses
critérios de relevância não são “predeterminados”, mas incorporados
através das experiências cotidianas de cada organismo, como descrito em
Varela et al. (2017, p. 172-173, tradução nossa):
Ao usar o termo incorporado, queremos ressaltar dois pontos:
primeiro, que a cognição depende dos tipos de experiência que se
originam por possuir um corpo com várias capacidades sensório-
motoras e, em segundo lugar, que essas capacidades sensório-
motoras individuais são elas próprias situadas em um contexto
biológico, psicológico e cultural mais abrangente.
1
“By using the term embodied we mean to highlight two points: rst, that cognition depends upon the kinds
of experience that come from having a body with various sensorimotor capacities, and second, that these
individual sensorimotor capacities are themselves embedded in a more encompassing biological, psychological,
and cultural context.
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Segundo Varela et al. (2017, p. 174-184), a ação incorporada
depende do tipo de experiência que o corpo proporciona ao
organismo e do contexto biológico, psicológico e cultural em que
o organismo, inclusive o humano, está inserido. Nesse sentido, o
conhecimento depende da relação experiencial que o organismo
possui com o meio, a qual é indissociável do seu corpo, experiências
e contexto ecológico.
Atualmente, graças ao avanço dos estudos da Teoria da Cognição
Situada e Incorporada, alguns autores, como Varela (2001), Andy Clark
(2003), elen e Smith (2001) e Haselager e Gonzalez (2003) têm
enfatizado com bastante eco na comunidade cognitivista que as relações
agente-ambiente que envolvem a motricidade desempenham um papel
importante nos processos cognitivos em geral e, em especial, para a
formação da nossa identidade pessoal.
Neste sentido, uma indicação da relevância das análises propostas
no contexto da CIS do papel da motricidade na constituição da identidade
pessoal é oferecida pelos trabalhos de elen e Smith (1996). Em seus
trabalhos, críticos de abordagens cognitivistas tradicionais, elen e Smith
(1996, p.187) consideram a pessoa como um sistema complexo e dinâmico
em que processos emergentes a sua organicidade, como os relativos à
motricidade, fazem parte da dinâmica de formação da identidade.
Para ilustrar a forma como processos cognitivos e motores
estão inter-relacionados e dependem da dinâmica estabelecida com as
especicidades do corpo e o ambiente, elen e Smith (1996) desenvolvem
um estudo com bebês que já aprenderam a engatinhar (aproximadamente
aos oito meses de idade). Tais bebês, quando colocados em frente a uma
rampa acentuada, não hesitam ao descer e caem. Após cair algumas vezes,
eles param de engatinhar na rampa, pois, acredita-se, aprendem os riscos
de cair de uma rampa. A partir do momento em que começam a andar
(entre 12 e 14 meses), os mesmos bebês que foram colocados em frente
à rampa aos oito meses de idade são novamente colocados em frente à
rampa e incentivados a descê-la. Observou-se que algumas crianças caíram
e outras desceram sem hesitação.
Esse exemplo mostra que inúmeros elementos dos
comportamentos motores, desde a fase inicial dos movimentos dos bebês
Hábitos motores e identidade pessoal
| 45
até dos agentes mais experientes na fase adulta, podem emergir a partir da
interação dinâmica do corpo com o meio ambiente.
Processos relacionados a habilidades motoras em geral passaram
a ser pesquisados pelas ciências cognitivas visando investigar e modelar
habilidades motoras e a própria aptidão de reorganização corporal dos
organismos. Por reorganização corporal entende-se a capacidade corpórea
de recuperar a memória dos movimentos (os hábitos motores incorporados)
resgatada a partir da identidade motora já constituída, retomando
parâmetros construídos por meio de experiências proprioceptivas e
sinestésicas. Para que possamos entender o caminho percorrido pela
CIS para o entendimento das habilidades motoras dos seres humanos, o
conceito de propriocepção será abordado na sequência.
A palavra propriocepção pode ser entendida como a capacidade de
percepção própria ou percepção de si. Inicialmente descrita por Sherrington
(1906), a propriocepção é caracterizada como um tipo de feedback dos
membros em relação ao sistema nervoso central (SNC). De acordo com o
autor, é função do SNC processar as informações advindas de terminações
nervosas especializadas ou de mecanorreceptores (que estão localizados na
pele, músculos, tendões, cápsulas articulares e ligamentos), juntamente
com os inputs vestibular e visual. Assim, cabe aos mecanorreceptores
fornecer ao SNC informações sobre a posição do membro.
Nas palavras do autor:
A excitação dos receptores proprioceptivos em contraposição
daquelas do exteroceptivo está relacionada apenas secundariamente
aos agentes do ambiente. O proprioceptivo recebe a sua estimulação
por alguma ação, por exemplo, uma contração muscular que foi
ela própria uma reação primária, para excitação de um receptor
da superfície do meio ambiente [...] Os reexos decorrentes de
órgãos proprioceptivos vêm depois do habitualmente ligado e
anexado a certos reexos excitados por órgãos exteroceptivos
(SHERRINGTON, 1906, p. 132-133).
A propriocepção também está diretamente relacionada à sensação
de esforço através do qual, por meio do toque, se é capaz de avaliar o
peso, o tamanho e a forma dos objetos, bem como detectar a geometria
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46 |
do espaço externo. Ela está diretamente relacionada com nosso senso de
posição e postura, movimento e velocidade, localização das partes do corpo
no espaço e manutenção continua das mudanças de posições corporais.
As informações proprioceptivas desempenham um papel
importante para a manutenção do equilíbrio corporal, permitindo,
assim, a realização de movimentos corpóreos, dos mais simples até os
mais sosticados, sem ao menos olharmos para eles. Tais informações são
adquiridas na fase primária da construção da identidade motora da pessoa.
De acordo com Sheets Johnstone (1999, p. 84-85), em e
primacy of movement, “no estágio fetal os receptores nos músculos fornecem
um sentido de posição e movimento”. Após o nascimento, a criança
adquire padrões de movimento e habilidades como rolar, engatinhar e
sentar, em um processo contínuo de ajuste e modicações motoras que
envolvem a interação de diversos fatores biológicos, ambientais e sociais.
Cabe destacar que psicólogos e cognitivistas, como Esther elen (1996),
já mencionada, têm enfatizado o papel cognitivo da motricidade em seus
estudos do desenvolvimento humano.
Por meio do movimento, a criança começa a conhecer a si própria,
os outros e os objetos; pelo movimento ela se comunica e se relaciona com
seu entorno. Por meio da atividade motora, ela percorre o seu trajeto de
desenvolvimento e, por adaptações sucessivas, vai adquirindo informações
complexas, variadas e progressivamente mais elaboradas.
Como mencionamos, elen e Smith (1996) aplicam a
abordagem situada e incorporada da cognição para explicitar os processos
de desenvolvimento cognitivo tradicionais relacionados ao movimento.
Elas argumentam que agentes podem gerar novos padrões de ação através
da atividade corporal, em uma perspectiva de análise independente de
se considerar padrões ou fases pré-programados como se postulava em
outras perspectivas teóricas do desenvolvimento motor, segundo as quais
os processos de maturação estariam predeterminados e o comportamento
motor seria determinado por essa maturação e em fases.
Ao contrário, elen e Smith (1996) argumentam que o
desenvolvimento motor não estaria apenas relacionado aos processos
maturacionais do organismo, mas também à interação dos movimentos
Hábitos motores e identidade pessoal
| 47
iniciais promovidos pelo agente, neste caso, humano, com o ambiente em
que ele está inserido.
Tendo como base os pressupostos descritos nesta seção, a tese
central inspirada na abordagem incorporada e situada da cognição e da
motricidade que procuramos defender é a de que os processos geradores da
identidade pessoal são também dependentes de suas interações dinâmicas e
experiências motoras em um contexto ambiental dado, como procuraremos
mostrar na próxima seção.
2.2 a constItuIção da IdentIdade motora: a habItuação motora
concebIda a partIr da perspectIva dos sIstemas dInâmIcos
As teorias maturacionista sobre o desenvolvimento motor
entendem que o desenvolvimento ocorre de maneira espontânea e em
função dos processos maturacionais do sistema nervoso central (SNC). Tal
visão prioriza o SNC como determinante dos processos de desenvolvimento,
inclusive do sistema motor. Nessa perspectiva, o ambiente desempenha um
papel secundário para compreender processos relacionados à motricidade
da pessoa. Até hoje, os estudos sobre o desenvolvimento motor sofrem
inuências das teorias maturacionistas, procurando xar, em períodos
predeterminados, a aquisição de estados motores. A classicação em grupos
relacionados à faixa etária é muito comum, principalmente quando se trata
de crianças.
Para autores como Gallahue e Ozmun (2013), o desenvolvimento
motor pode ser descrito como uma alteração contínua no comportamento
motor que se inicia com a concepção e cessa com a morte.
Como apontam Gallahue e Ozmun (2013, p. 15):
O desenvolvimento motor, nesse sentido, é um processo sequencial,
relacionado à idade cronológica, trazido pela interação entre
os requisitos das tarefas, a biologia do indivíduo e as condições
ambientais, sendo inerente às mudanças sociais, intelectuais e
emocionais. Inclui tanto habilidades de movimento frequentemente
denominadas habilidades motoras grosseiras, tais como engatinhar,
caminhar, correr e andar de bicicleta, quanto habilidades
manipulativas, frequentemente denominadas habilidades motoras
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48 |
nas, tais como agarrar ou pegar objetos, segurar um lápis ou enar
linha em uma agulha.
Segundo o modelo de desenvolvimento motor proposto por
Gallahue e Ozmun (2013), no estágio inicial as crianças realizam as
primeiras tentativas para execução de movimentos, na maioria das vezes
descoordenados e imperfeitos, de uma forma exageradamente grosseira ou
inibida. Já no próximo estágio, as crianças apresentam um maior controle
sobre seus movimentos, melhoram tanto a coordenação motora quanto
a coordenação espaçotemporal, passando assim para o estágio em que se
espera que a maioria das habilidades motoras fundamentais seja atingida,
o que ocorreria aos seis ou sete anos de idade, embora algumas crianças
possam alcançar tal desenvolvimento mais cedo.
Os autores defendem um modelo de desenvolvimento motor
denominado ampulheta,
2
segundo o qual se observa que o desenvolvimento
se divide em quatro fases sequenciadas, tendo como referência de
segmentação o avanço da idade cronológica do indivíduo.
Figura 3. Fases do desenvolvimento motor
Fonte: GALLAHUE; OZMUN, 2013.
Cf. Anexo 1.
Hábitos motores e identidade pessoal
| 49
Convencionalmente, a classicação etária cronológica quanto
às fases do desenvolvimento motor pode estar vinculada (mas não
necessariamente fundamentada) à idade cronológica da pessoa, e tais fases
são classicadas do seguinte modo segundo Gallahue e Ozmun (2013):
1) Fase dos movimentos reexos – Inicia-se ainda no útero,
aproximadamente na décima oitava semana de gestação, e encerra-
se até o décimo segundo mês de idade. É uma fase evidente na
classicação (I – Pré-Natal e II – Bebê da idade cronológica.
2) Fase dos movimentos rudimentares – Sobrepõe-se à fase de
movimentos reexos, sendo os primeiros movimentos voluntários
da criança. Tal fase evidencia-se principalmente na classicação
cronológica II – Bebê.
3) Fase dos movimentos fundamentais – Caracteriza-se pelo
aparecimento de várias formas de movimentos, como correr, saltar,
arremessar, chutar, receber, entre outros. Esta fase se evidencia
principalmente na classicação cronológica III – Infância.
4) Fase dos movimentos especializados – Refere-se a uma etapa
de aperfeiçoamento dos movimentos fundamentais em que tais
movimentos podem ser renados, combinados e elaborados. São
tipicamente dominados no nal da infância (III).
Outro tipo de análise proposta por Papalia e Feldman (2013)
descreve o desenvolvimento motor humano como alterações do sistema
nervoso central, músculo e órgãos. De acordo com os autores, o estudo
do desenvolvimento humano deve focalizar como os organismos humanos
se alteram no decorrer do tempo e quais características permanecem
razoavelmente estáveis durante sua vida.
O desenvolvimento motor é caracterizado por uma série de marcos:
realizações que se desenvolvem sistematicamente; cada habilidade
recém-adquirida prepara o bebê para lidar com a próxima. Os bebês
primeiro aprendem habilidades simples e depois as combinam em
sistemas de ação cada vez mais complexos, permitindo um espectro
mais amplo ou mais preciso de movimentos e um controle mais
ecaz do ambiente (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 159).
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50 |
Os autores defendem a ideia de que durante toda a vida do
organismo humano diferentes domínios de desenvolvimento se interligam
e se desenvolvem concomitantemente. São eles: desenvolvimento físico,
desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento psicossocial.
3
Por mais que autores como Papalia e Feldman (2013) introduzam
a ideia de se observar o desenvolvimento motor humano em diferentes
domínios, as explicações acerca do desenvolvimento motor foram baseadas
na perspectiva maturacionista e têm como base os trabalhos de Gesell
(1954) e McGraw (1945), que foram responsáveis por grande parte dos
testes e escalas referentes ao desenvolvimento motor.
A partir da década de 1960, as pesquisas sobre desenvolvimento
motor passam a ser inuenciadas pelo desenvolvimento computacional
pós-Segunda Guerra Mundial e acabam por tomar outro caminho. A era do
processamento de informação se tornou dominante em vários campos de
pesquisa cientíca e autores como Connoly (1970) procuravam entender
como as informações perceptivas são processadas pelo sistema nervoso
central e alteravam o comportamento motor. Tal teoria, denominada Teoria
do Processamento de Informação, defende que estímulos provenientes
do ambiente são como inputs e outputs e só se tornam informação
signicativa quando processados pelo sistema nervoso central por meio
dos processos cognitivos, evidenciando a inuência das abordagens então
em desenvolvimento nas ciências cognitivas.
Contrariamente aos estudos do desenvolvimento motor baseados
no sistema nervoso central como centralizador de informações do tipo
input” e “output”, uma nova abordagem teórica de estudo surge baseada
em conceitos propostos por Gibson (1977, 1979), denominada teoria
da percepção direta ou psicologia ecológica. Para Gibson (1979), o que
se percebe são eventos captados pelo sistema perceptual por meio das
interações dinâmicas entre o agente e o ambiente. Segundo Gibson (1979,
p. 102), eventos podem ser caracterizados por mudanças nas estruturas
físicas das superfícies, restritos às ocorrências ambientais externas e não
envolvem atividades do observador.
Vide anexo 2
Hábitos motores e identidade pessoal
| 51
O ambiente, de acordo com a teoria gibsoniana, pode ser
entendido como o local fornecedor de possibilidades de ação ao organismo.
Essas possibilidades de ação oferecidas pelo ambiente ao agente foram
posteriormente denominadas por Gibson de aordances e são superfícies
que possibilitam andar, correr, trotar, rastejar, pular; cadeiras possibilitam
sentar, parar, apoiar, rodear, etc. Como descreve Gibson:
As aordances são o que o meio ambiente fornece para o animal,
seja para o bem ou para o mal [...] o termo aordance refere-se às
propriedades percebidas e reais da coisa, principalmente aquelas
propriedades fundamentais que determinam como a coisa
poderia ser usada [...] aordances fornecem fortes indicações
sobre a operacionalidade das coisas (GIBSON, 1979. p. 127,
tradução nossa).
4
Com base no conceito de aordance proposto por Gibson (1986),
a percepção/ação não seria resultante dos processos cerebrais, mas sim
resultado da interação entre o agente e ambiente. Gibson e colaboradores,
em 1961, realizaram um estudo com bebês de seis meses de idade com
o objetivo de tentar entender como eles percebiam o ambiente e como,
através da percepção, decidiam sua interação com aquele ambiente. Os
bebês eram colocados em uma mesa transparente, coberta com um tecido
estampado que criava um efeito de abismo visual e, incentivados a andar
pela mesa, atraídos pela mãe do outro lado. O estudo observou, como
indicado na gura 4, que os bebês engatinharam até a saliência, porém não
se aventuraram no desnível, fazendo-o só após testarem e vericarem por
meio do toque que ali existia algo estável para se caminhar. Segundo a teoria
ecológica da percepção proposta por Gibson, o desenvolvimento motor
depende da interação das características físicas do agente, as quais estão
em contínua transformação, e o ambiente. Com isso, a todo momento o
agente testa novas possibilidades de ação, adaptando seus movimentos para
poder interagir com os objetos a seu redor.
“e aordances of the environment are what it oers the animal, what it provides or furnishes, either for
good or ill [...] the term aordance refers to the perceived and actual properties of the thing, primarily those
fundamental properties that determine just how the thing could possibly be used [...] aordances provide strong
cues to the operation of things” (GIBSON, 1979. p. 127).
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52 |
Figura 4. Experimento desenvolvido por Gibson et al. (1961)
Fonte: https://study.com/cimages/multimages/16/Visual_Cli.jpg
A partir da perspectiva ecológica, pesquisadores do desenvolvimento
motor dirigiram seu trabalho a m de tentar desvendar a maneira como
organismos adquirem certos padrões motores de forma contínua e dinâmica.
elen e Smith (1996) investigaram o desaparecimento e o reaparecimento
do reexo de marcha automática de bebês (movimentos que imitam
passos quando os bebês são segurados e colocados na posição vertical). Elas
questionavam o modelo de desenvolvimento motor fundado na maturação
cerebral. Tal teoria maturacionista do desenvolvimento motor defende
a tese de que o reexo de marcha desaparece aos quatro meses de vida e
reaparece entre 11 e 12 meses, quando o bebê está aprendendo a andar,
como consequência do desenvolvimento cerebral. Observando bebês, elen
percebeu que o chute de um bebê que acaba de nascer e os passos de um bebê
entre dois e quatro meses eram muito semelhantes, e a maturação cerebral
não dava conta de explicar porque isso ocorria. Uma das respostas propostas
pelas autoras foi a de que fatores relacionados ao corpo dos bebês poderiam
ser responsáveis pela inibição do reexo de marcha.
Para testar tal hipótese, elen e Smith selecionaram crianças
entre dois e quatro meses de idade que apresentavam reexo de marcha ao
serem colocadas na posição vertical e adicionaram peso em cada uma de suas
Hábitos motores e identidade pessoal
| 53
pernas. A quantidade de peso era proporcional ao que teriam aos 12 meses,
fase em que as crianças estão treinando o andar. elen e Smith observaram
que, ao adicionar pesos em ambas as pernas, o reexo de marcha diminuía.
Esses resultados apoiaram a hipótese de que os reexos diminuíram porque
os bebês nessa fase possuem mais gordura do que musculatura, e assim
não possuíam a força muscular adequada para levantar as pernas, cada vez
mais pesadas. Com o avanço da idade, a gordura é substituída por tecido
muscular, reaparecendo assim o reexo da marcha e, posteriormente, a
marcha em si.
Figura 5. A imagem (a) ilustra o reexo de marcha em recém-nascidos; a imagem (b) mostra o movimento
chutar”; a imagem (c) ilustra o reaparecimento do reexo de marcha quando o bebê é colocado em um
tanque de água
Para as autoras, o desenvolvimento motor, considerado
indissociável do desenvolvimento cognitivo e da constituição da
pessoalidade, constitui uma propriedade emergente da dinâmica das
interações motoras agente-ambiente e ocorre em diferentes temporalidades,
conforme as características do agente e as do contexto em que acontecem
tais interações ambientais.
A tese de que o desenvolvimento motor se dá por meio de ajustes
dinâmicos entre subsistemas corporais como peso corporal, força muscular,
idade, ambiente entre outros, foi inicialmente considerada central para
a teoria das estruturas coordenativas (KUGLER; KELSO; TURVEY,
1980), sendo posteriormente inserida na teoria dos sistemas dinâmicos,
(THELEN, 1989), (THELEN; SMITH, 1996).
Segundo Bresciani Filho e d’Ottaviano (2000, p. 241), um sistema
pode ser considerado dinâmico quando pelo menos uma de suas variáveis
de estado depende do tempo. De acordo com tal perspectiva, o corpo é um
sistema complexo e dinâmico não determinístico. Segundo Barela (1998,
Ana Paula Talin Bissoli
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p. 15): “A perspectiva dos sistemas dinâmicos tem particular interesse em
sistemas que mudam, como o curso do desenvolvimento motor humano.
Para Bresciani Filho e d’Ottaviano (2000), se diz que um sistema
é dinâmico quando ele exibe um comportamento de mudança na escala
macroscópica em razão da emergência de ações coletivas de seus vários
componentes que estão interagindo no nível microscópio, permitindo uma
possível descrição e previsão do próprio sistema. Assim, os sistemas são
considerados dinâmicos quando mudam no decorrer do tempo e possuem
características organizacionais que acabam por identicá-los enquanto
sistemas (ou subsistemas) em relação a outras organizações.
A teoria dos sistemas dinâmicos oferece uma nova abordagem de
estudo para a área do desenvolvimento motor na medida em que focaliza
processos complexos e não lineares presentes durante o desenvolvimento
motor dos organismos em geral. Sistemas dinâmicos complexos são
descritos como abertos e fora do equilíbrio, pois interagem com o ambiente,
trocando energia, matéria e informação, mantendo suas estruturas ou
funções (Bresciani Filho e D’Ottaviano, 2004).
Segundo Barela (1998), mudanças ocorridas na forma de execução
do movimento estão relacionadas não só a aspectos maturacionais, mas
também à maneira em que o controle e coordenação se organizam para
que o movimento ocorra. Nesse sentido, controle e coordenação dos
movimentos são entendidos como as variáveis do sistema motor humano.
Na perspectiva dos sistemas complexos, o corpo humano é um sistema
altamente complexo, composto por diversas estruturas (ou subsistemas)
que, de diferentes formas, interagem (Wallace, 1996). A conguração
do corpo deve ser considerada no seu todo, sendo que as partes “afetam
umas às outras de maneira intrincada, de modo que o ser humano
precisa coordenar os graus de liberdade de seus segmentos corporais
(Davids et al., 2008). Por graus de liberdade entendemos as restrições
das estruturas musculoesqueléticas resultantes da interação entre elas e,
consequentemente, os possíveis movimentos (Turvey et al., 1978).
Em seu famoso estudo com ferreiros prossionais que batiam
com o martelo para moldar formões, Bernstein (1967) vericou que a
variabilidade da trajetória da ponta do martelo, em uma série de tentativas,
era menor do que a variabilidade da trajetória das articulações do braço.
Com esse exemplo, Bernstein vericou que as articulações do braço não
Hábitos motores e identidade pessoal
| 55
agem de forma independente, mas sim adequando-se umas às outras de
forma a atingir a meta da tarefa a ser executada.
Esse exemplo sugere que a coordenação motora utiliza graus de
liberdade a m de coordenar o movimento. Alguns pesquisadores vericaram
que a própria restrição do sistema leva a um determinado comportamento,
ou seja, aspectos motores do agente são dinâmicos, exíveis e podem se
adaptar a diferentes contextos. A cada nova conguração do ambiente,
emerge um padrão motor como uma forma preferida de atuação do sistema
e que atenda às demandas do ambiente (KELSO; FUCHS, 1995). A inter-
relação entre ajuste e adaptações motoras com o objetivo de se realizar
o movimento parece estar a todo momento sofrendo um processo de
auto-organização. Dessa maneira, a auto-organização é sempre, de alguma
forma, uma criação, como descrito por Pellegrini (1991). A autora descreve
o ajuste de comportamento, como possibilidades de ação relacionadas ao
reconhecimento do que efetivamente o agente pode fazer, qual seria sua
capacidade de produção de movimento, suas limitações articulares, força,
entre outras:
Um importante pressuposto da teoria dos sistemas dinâmicos é o da
cooperação entre sistemas de modo que, em se tratando do sistema
motor, mesmo os movimentos mais simples, requerem a cooperação
de muitos subsistemas [...] É importante considerar, no entanto,
que estes subsistemas não se desenvolvem simultaneamente em um
mesmo ritmo (PELLEGRINI, 1991, p. 369-378).
Com base na teoria dos sistemas dinâmicos, entendemos que o
desenvolvimento motor humano se daria de modo contexto-dependente
através de processos motores auto-organizados secundariamente. Ocorreria
uma atualização constante de hábitos motores, estes incorporados através
da interação entre os movimentos adquiridos e o contexto ecológico e
social em que os indivíduos, nesse caso humanos, estão inseridos.
Em suma, consideramos que a pessoa possui hábitos motores,
que são formados de forma dinâmica e adaptativa em interação
com o ambiente. Apontamos que abordagens maturacionistas do
desenvolvimento motor, inclusive inspiradas em abordagens cognitivistas
elaboradas a partir dos anos de 1970, que desconsideram o papel central
do corpo, enquanto sistema complexo dinâmico e auto-organizado
Ana Paula Talin Bissoli
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inserido em contextos dados, não parecem dar conta de vários aspectos
centrais do desenvolvimento motor humano.
Nesse caso, quais seriam as possíveis vantagens da adoção da
perspectiva incorporada e situada do desenvolvimento motor humano
quando se trata de lidar com situações traumáticas que afetam a
identidade motora da pessoa por comprometerem a continuidade de
hábitos motores estabelecidos?
Na próxima seção, procuraremos investigar a possibilidade de
adquirir, alterar ou recongurar hábitos motores constituintes da identidade
motora da pessoa por meio de processos abdutivos incorporados na geração
de hipóteses motoras.
| 57
3
H   
 
Neste capítulo será primeiramente apresentado o conceito de
hábito na perspectiva do pragmaticismo de Charles Sanders Peirce (1974).
Em seguida, será discutido o possível papel de processos abdutivos na
aquisição, no abandono e no ajuste de hábitos em geral para, na sequência,
investigar a possibilidade de aplicar o processo abdutivo de geração de
hipóteses motoras quando a pessoa se depara com uma anomalia dolorosa
que impede o uxo auto-organizado de seus hábitos motores.
Por m, será exposto o impacto das tecnologias informacionais
na identidade motora da pessoa. Discutiremos a inuência dos dispositivos
tecnológicos no desenvolvimento físico e social do agente, de maneira a
alterar seus hábitos e, como consequência, sua identidade motora integrante
da identidade pessoal. Nesse sentido, procuraremos os pontos positivos e
negativos dessa interação e a forma com que os hábitos motores se alteram
a m de se adequarem às novas demandas corpóreas.
3.1 processos abdutIvos Incorporados e hábItos motores
Conforme exposto nos capítulos anteriores, a partir de uma
situação de regularidade, como aprender a andar, padrões de ação podem
se estabelecer entre elementos de um sistema. Esses padrões de ação, os
hábitos motores, podem ser incorporados pelo agente através da indução
Ana Paula Talin Bissoli
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das disposições motoras quando em contato com novas exigências do meio
em que esse agente se encontra inserido.
Segundo Pellegrini (2000, p. 151), uma importante característica
do hábito é a constante repetição das ações que deles emergem em
circunstâncias análogas. Continua Pellegrini (2000) apontando que, de
modo geral, podemos armar que a noção de hábito está ligada a noção de
uma prática repetitiva que, inicialmente, precisou ser gerada por processos
de auto-organização secundária envolvendo aprendizagem motora e ajuste
progressivo, no, da ação. Uma vez incorporada auto-organizadamente
por repetição e ajuste, o padrão de ação, ou hábito motor, passa a regular
interações entre as partes do sistema dinâmico complexo que é o corpo do
agente e as circunstâncias contextuais em que o agente se encontra.
No senso comum se diz que algo ocorre “habitualmente” quando
se refere a qualquer uniformidade de eventos, humanos ou não, desde que
não seja uma uniformidade absoluta, somente aproximada, mas suscetível
de uma previsão provável.
Nessa mesma linha de pensamento, a partir da qual se entende o
hábito como uma tendência, utilizaremos o conceito de hábito proposto
por Charles S. Peirce (1974). Peirce dene hábito como “princípio geral
(CP 2.170), “regra ativa” (CP 2.643). Para ele, hábitos têm como principal
característica uma repetição de regularidades que tende a conduzir condutas
futuras de modo semelhante a como condutas anteriores foram conduzidas
em circunstâncias semelhantes (1974, CP 5.487).
Entendemos que essa caracterização geral de hábito pode ser
aplicada também ao conceito de hábito motor, na esteira da concepção
peirciana. Assim, hábitos motores podem ser caracterizados como
regularidades de movimentos corporais possibilitados pelas estruturas
siológicas do agente, que funcionam como constraints limitadores das
possibilidades motoras do organismo em contextos especícos, mas que
atendem a certas regularidades. Gibson (1979) descreve que através dos
mecanismos atencionais do organismo estes detectam as invariantes que
existem no ambiente, podendo ser estruturais ou transformacionais,
como as descritas pelas teorias dinâmicas do desenvolvimento motor
apresentadas neste livro. Em especial, um importante constraint que
norteia a habituação motora é a dor, cujo aparecimento é indicador de uma
anomalia, resultante da dinâmica de fatores de cooperação ou competição,
Hábitos motores e identidade pessoal
| 59
intrínsecos ou extrínsecos do desenvolvimento motor, que o agente busca
superar ou minimizar.
Cabe ressaltar que a possibilidade de repetição das circunstâncias
que possibilitam a habituação é por vezes limitada, pois tanto o processo
dinâmico de desenvolvimento do agente ao longo da vida quanto a
própria dinâmica do ambiente (entendido aqui em sentido amplo, o qual
inclui aspectos sociais e culturais) inuenciam constantemente o uxo
habitual das interações, introduzindo novas circunstâncias que desaam,
frequentemente, hábitos bem estruturados e estabelecidos. Segundo
Gonzalez, Broens e Serzedello (1999, p. 8):
No caso dos seres humanos, esta interação acontecendo
sistematicamente entre processos ambientais, neurológicos, sociais e
cognitivos, produz uma diversidade extremamente rica e complexa.
Além disso, ela fornece a matriz na qual são estabelecidos hábitos
[...] Tal matriz pode ser vista como um atrator constituído durante
a vida de um indivíduo [...]
Para Peirce (1974, CP 5.142), eventos inesperados, como
catástrofes ou acidentes, tiram a pessoa, habituada a um certo padrão de
agir, de uma condição passiva. Eventos inesperados, desaadores de padrões
habituais, podem levá-la, por assim dizer, a uma conduta criativa geradora
de novos conjuntos de hábitos individuais. Suas relações permanecem
criativas de modo a tentar recuperar o equilíbrio dinâmico do sistema. As
situações inesperadas, que quebram expectativas e que propiciam mudanças
de hábitos, também podem constituir circunstâncias que possibilitam ao
indivíduo a realização de processos denominados pelo autor de abdutivos.
De acordo com Silveira (2007), a abdução se caracteriza
pelo desenvolvimento de hipóteses conjecturais que se expressam
condicionalmente em uma situação estranha em uma rede consolidada
de hábitos. Isto signica que, a partir de situações que de algum modo
rompam o uxo auto-organizado secundariamente de hábitos, o agente
inicia a busca de hipóteses que possibilitem a reestruturação desse uxo, ou
então que promovam o estabelecimento de novos padrões de conectividade
que possam se tornar regulares/habituais.
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A escolha de uma hipótese ou um conjunto de hipóteses faz parte
de um modo de inferência sobre o processo criativo de abandono e geração
de novos hábitos, não conduzindo, necessariamente, a uma conclusão
verdadeira, devendo ser testada de algum modo.
Nesse sentido, a abdução é apenas a primeira parte do processo
de reestruturação de hábitos consolidados ou de criação de novos que se
inicia pela formulação de uma hipótese. Esse processo passa pela extração
das possíveis consequências geradas pela escolha daquela hipótese para, em
um terceiro momento, testá-la no sistema cujo uxo dinâmico habitual foi
interrompido.
Ainda segundo Silveira (2007), a dedução é considerada um
processo de cunho objetivo em que uma conclusão verdadeira é extraída
a partir de um conjunto de premissas também verdadeiras. Não haveria
novidades nessa etapa do processo, pois as conclusões são consequências
diretas das premissas escolhidas. Lembra Silveira (2007) que, no âmbito
das ciências humanas e biológicas, as premissas nem sempre garantem
a dedução de uma conclusão necessariamente verdadeira. Para esses
casos, Silveira (2007) lembra que Peirce caracteriza um tipo de dedução
denominada por ele de dedução formalmente provável, segundo a qual
uma conclusão é provavelmente certa a partir de premissas com frequências
probabilísticas favoráveis à pertinência daquela conclusão. Nas palavras de
Silveira (2007, p. 167):
As deduções formalmente prováveis são aquelas cujo interpretante
não representa que sua conclusão seja certa, mas que raciocínios
análogos produziriam conclusões verdadeiras de premissas
verdadeiras, na maioria dos casos, no decorrer da experiência.
Cabe, portanto, à dedução explicitar a hipótese levantada na
abdução para, em seguida, dar início ao processo de extração das possíveis
consequências dessa hipótese escolhida (ou das hipóteses formuladas
abdutivamente).
Na terceira etapa, inicia-se o processo de experimentação, isto é,
o teste de vericação no sistema daquela hipótese. Silveira (2007) aponta
que é importante salientar que a vericação não é realizada sobre todos os
elementos do universo do sistema, mas sim sobre uma classe de indivíduos
Hábitos motores e identidade pessoal
| 61
ou constituintes selecionados ao acaso, de modo a garantir ao máximo a
neutralidade do processo. Deste modo, “o que é encontrado na amostra é
inferido de toda a classe, quer corroborando a hipótese, se suas previsões
se vericarem, quer refutando-a, caso sua predição não se realizar, ou
se realizar o seu contrário” (SILVEIRA, 2007, p. 159). Como também
aponta Silveira (2007), em geral, estes processos são considerados com algo
suscetível de uma previsão provável”.
De modo geral, entendemos que um sistema dinâmico pode
instanciar processos abdutivos quando, na evidência da quebra de um
hábito, ele se reorganiza abdutivamente, dedutivamente e indutivamente a
m de resolver tal quebra.
Partindo de tal pressuposto, podemos descrever o processo
abdutivo incorporado motor do seguinte modo:
(a) um agente enfrenta uma situação motora anômala dolorosa
que não se enquadra na regra geral (ou hábito motor) que até
então guiava sua ação;
(b) o agente desenvolve uma hipótese motora, isto é, um novo
padrão de ação adequado para enfrentar a anomalia e superar/
minimizar a situação dolorosa;
(c) se o novo padrão de ação se mostra adequado para enfrentar
a anomalia e superar/minimizar a dor, então pode transformar-se
em novo hábito motor. Caso contrário, é testado outro padrão de
ação até enquadrar com sucesso a anomalia em um novo hábito.
Com o objetivo de tentar demonstrar o processo abdutivo motor,
é proposto o esquema descrito abaixo:
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Figura 6. Etapas do processo abdutivo motor
Fonte: elaboração própria.
Desse modo, entendemos que a pessoa instancia um processo
abdutivo quando, surgindo uma anomalia dolorosa que impeça ou
diculte o exercício de um hábito motor bem estruturado, ela se reorganiza
de forma criativa a m de resolver tal ruptura e superar/minimizar a dor
trazida pela anomalia motora. Assim, a pessoa formula uma hipótese
motora incorporada por meio de processos motores auto-organizados
secundariamente que envolvem (1) o ajuste do uxo da ação habitual,
(2) que será testada indutivamente exercitando a nova possibilidade
motora que, se bem-sucedida para superar/minimizar a dor, (3) poderá ser
incorporada e gerar um novo uxo de hábitos.
Uma hipótese motora incorporada pode ser caracterizada como a
experimentação corporal com o objetivo de superar/minimizar a dor.
Esse processo abdutivo de atualização dos hábitos motores pode
ser demonstrado como na gura abaixo.
A gura 7 ilustra a dinâmica de constituição e atualização da
identidade motora na perspectiva sistêmica e pragmática que propomos.
Hábitos motores e identidade pessoal
| 63
Figura 7. Processo de atualização abdutiva da identidade motora
Fonte: elaboração própria.
Pela instanciação de um novo hábito motor com o objetivo de
se manter a função motora da pessoa em tratamento, o levantamento de
hipóteses motoras é disparado, sendo tais hipóteses motoras testadas até que
um novo hábito motor seja incorporado pelo agente com a nalidade de
restabelecer/atualizar padrões de movimentos não dolorosos relacionados
à ação pretendida pelo agente.
Como exemplo, consideremos uma pessoa que teve seu
desenvolvimento motor considerado adequado. Em razão de um acidente,
esta pessoa perde um dos membros inferiores e o próprio organismo tende
a se reestruturar em um processo motor que inclui um processo criativo
e incorporado de abdução, dedução e indução, na perspectiva de alcançar
uma readequação para esta nova situação que permita ao agente realizar
sem dor, ou com menos dor, as ações cotidianas. Consideramos que,
nesse caso, quando ocorre a quebra de um hábito consolidado, a saber, o
caminhar, o organismo busca novas hipóteses ou alternativas de adequação
para a permanência de suas interações com o ambiente, tentando evitar a
emergência da dor. Dentre as inúmeras possibilidades motoras, algumas
Ana Paula Talin Bissoli
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64 |
testadas pelo agente, será escolhida aquela em que a ação possa ser
realizada de modo mais ecaz e menos doloroso. Em outros casos, ela
realiza uma abdução de longa duração, isto é, ela permanece no estágio de
levantamento de hipóteses por longos períodos, em geral enquanto ocorre
sua recuperação.
Paralelamente a esse processo abdutivo realizado pelo organismo
de modo auto-organizado secundariamente, dependendo da gravidade
da situação anômala, da dor envolvida na nova situação e do grau de
comprometimento da capacidade motora da pessoa, ela poderá passar por
processos de reabilitação.
Nesse caso, no período de reabilitação, podem ocorrer
inicialmente processos motores hétero-organizados promovidos por um
controlador externo, isto é, o terapeuta. Assim, trata-se de iniciar processos
de reabituação motora em que a pessoa ainda não está em circunstâncias
contextuais adequadas para promover, por si mesma, os processos abdutivos
incorporados auto-organizativos e a consequente formulação de hipóteses
motoras capazes de superar a situação anômala dolorosa.
Para iniciar o processo hétero-organizado, o contexto do agente
será analisado pelo sioterapeuta que, na perspectiva sistêmica aqui sugerida,
realizará um procedimento de recuperação/reabituação/reorientação da
identidade motora da pessoa. A anamnese deverá contemplar a historia
dessa pessoa realizando uma espécie de backup de sua identidade motora,
dos parâmetros de ordem e controle já desenvolvidos por ela. Com esse
delineamento da identidade motora da pessoa, indicamos as condições para
que a pessoa possa recuperar sua capacidade auto-organizativa e consiga,
por si mesma, iniciar o processo abdutivo de geração de hipóteses motoras
a m de enfrentar a situação anômala e desenvolver novos hábitos motores,
caso a hipótese seja validada indutivamente por experimentação.
Então, o processo dinâmico e auto-organizado de criação de hábitos
motores pode ocorrer por meio de um processo abdutivo, capaz de superar
traumas através da reabituação. Esse processo pode ocorrer inicialmente
de forma hétero-organizada e, posteriormente, secundariamente auto-
organizada, promovida por uma anomalia motora, a qual envolve situações
corpóreas dolorosas. Entendemos que a geração de novos hábitos motores
permite à pessoa atualizar sua identidade motora e, assim, sua identidade
pessoal, de modo a superar a experiência de situações anômalas dolorosas.
Hábitos motores e identidade pessoal
| 65
Por dor entende-se a experiência proprioceptiva desagradável associada ou
relacionada a uma lesão corporal.
Conjecturamos que, a partir da identicação de padrões de
movimento relacionados aos hábitos motores da pessoa e da análise do
contexto em que estes foram adquiridos e mantidos, o sioterapeuta seria
capaz de traçar o perl da identidade motora da pessoa. Traçado esse perl,
o objetivo do sioterapeuta seria, na perspectiva aqui sugerida, propiciar as
condições contextuais necessárias para que a pessoa recupere sua capacidade
de auto-organizar-se secundariamente, ajustando, ou gerando, hábitos
motores por meio de processos abdutivos motores diante de situações
anômalas dolorosas.
Dessa forma, através do processo de anamnese motora promovida
pelo sioterapeuta por meio de realização de movimentos relacionados
aos hábitos da pessoa, seriam trazidos à tona padrões de conectividades,
parâmetros de controle e hábitos motores que auxiliariam a pessoa a
adquirir um novo tipo de hábito a partir de uma nova conguração
corporal. Seria um trabalho em conjunto entre a informação comunicada
pelo sioterapeuta de modo hétero-organizado que, em um segundo
momento, permitiria dar continuidade aos processos auto-organizados
secundariamente que propiciariam a elaboração de novas hipóteses motoras
e sua experimentação.
Consideramos, portanto, que a geração e o abandono de hábitos
que envolvem processos abdutivos e auto-organizativos estariam na base da
constituição da identidade da pessoa no que diz respeito a suas interações
motoras com o entorno. Além disso, tais processos abdutivos podem
efetivamente constituir a base para o desenvolvimento motor da pessoa, na
medida em que tal desenvolvimento constitui um processo dinâmico de
geração e alteração de hábitos motores. Além disso, vislumbramos que os
conceitos de abdução e auto-organização secundária utilizado no contexto
dos estudos da motricidade e da teoria da ação poderiam constituir
importante ferramenta teórica que auxilie a compreender o abandono e a
constituição de novos hábitos motores.
Levar em consideração a possibilidade de a pessoa constatar
anomalias e buscar gerar hipóteses motoras por meio de processos
abdutivos para enfrentar situações anômalas pode contribuir para a prática
Ana Paula Talin Bissoli
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Mariana Claudia Broens (Org.)
66 |
prossional do sioterapeuta que busca auxiliar a pessoa a recuperar ou
atualizar sua identidade motora em novos contextos.
Mas será que situações anômalas que afetam a motricidade
e, consequentemente, a identidade motora da pessoa decorrem apenas
de eventos traumáticos, como acidentes ou doenças? Qual seria, anal,
o impacto do contexto na pessoa, aqui compreendida numa perspectiva
incorporada e situada?
Na contemporaneidade, um novo tipo de contexto tecnológico
parece estar afetando, embora o faça de modo insidioso e lento, a identidade
motora do agente e sua capacidade de promover hábitos motores que
evitem anomalias dolorosas. Sendo assim, na próxima seção, discutiremos a
possível inuência de dispositivos tecnológicos, como tablets, smartphones,
videogames, entre outros, sobre o processo dinâmico de habituação e
constituição da identidade motora da pessoa.
3.2 Impactos das tecnologIas InFormacIonaIs na IdentIdade da
pessoa: exemplos de habItuação e reabItuação
Como descrito nas sessões anteriores, o estudo do processo de
desenvolvimento motor a partir da perspectiva sistêmica, dinâmica e
pragmática permite conceber o corpo do agente como um sistema que
interage com o meio, alterando-o e sendo alterado. Processos geradores de
hábitos motores ocorrem ao longo do tempo nas ricas e variadas interações
pessoa/ambiente, de forma não linear, fazendo com que padrões de ação,
ou hábitos motores, emerjam. Como todos esses processos ocorrem ao
longo do tempo, cada nova atualização, tanto no agente como no ambiente,
desaa os hábitos motores estabelecidos e faz com que a pessoa busque
abdutivamente novas possibilidades de ação, especialmente quando se trata
de um contexto que envolva experiências dolorosas, mas que também pode
envolver apenas novas necessidades funcionais. Sugerimos que, quando a
pessoa se encontra em novos contextos, hipóteses abdutivas motrizes são
elaboradas constantemente a m de desenvolver/atualizar/adquirir hábitos
motores. Como resultado da dinâmica geradora/atualizadora de hábitos
motores, a pessoa vai adquirindo uma identidade, denominada por nós de
identidade motora.
Hábitos motores e identidade pessoal
| 67
Dessa forma, argumentamos que alterações relacionadas aos
hábitos motores interferem de forma ativa no curso do desenvolvimento
motor. Uma questão a ser respondida hoje é: como a interação das pessoas,
especialmente crianças, com o meio, hoje carregado de tecnologias
informacionais, acaba por interferir no desenvolvimento motor? De
que forma a pessoa altera seus hábitos motores como resultado de suas
interações constantes com as novas tecnologias?
Para mostrar a relevância das perguntas formuladas acima basta
observar a diferença entre as atividades recreacionais das crianças há 20
anos e as atividades que as crianças realizam hoje. Brincadeiras como
pega-pega, amarelinha, pular corda, jogar bola, entre tantas outras, foram
substituídas por jogos virtuais em smartphones e tablets dentre outros
aparatos tecnológicos.
Nos últimos anos tem se observado o aumento das pesquisas
sobre o impacto das tecnologias informacionais no comportamento das
pessoas, e algumas delas destacam, por exemplo, que a proporção entre a
população e dispositivos tecnológicos é de 1 para 1. Além disso, de acordo
com os dados obtidos pela pesquisa realizada pela Secretaria Executiva
da Rede Nacional Primeira Infância (2014) sobre o tema “O exagero de
tecnologia deixa crianças e adolescentes desconectados do mundo real”.
As crianças da geração atual já nascem imersas em um mundo digital e o
ritmo de vida é imposto, de modo silencioso, mas ecaz, pelas interações
com as tecnologias informacionais. Embora haja estudos que também
realcem aspectos positivos dessas interações com as novas tecnologias, um
dos primeiros efeitos de tais tecnologias é a diminuição da movimentação
corporal, com seus consequentes efeitos deletérios para a identidade
motora da pessoa.
Por exemplo, há apenas 20 anos, as crianças utilizavam papel e lápis
para pintar uma gura, com isso, habilidades relacionadas à coordenação
motora na, criatividade e contato físico direto com as ferramentas de escrita
eram aprendidas, gerando hábitos motores que possibilitam a emergência
da escrita. Hoje as crianças crescem em uma sociedade informatizada,
onde o acesso ao brinquedo acaba sendo posterior ao tablet, que é utilizado
antes mesmo do contato com o lápis; o papel passa a ser substituído por
uma tela e os desenhos são selecionados e pintados em apenas alguns
cliques. As interações do agente com o ambiente, antes realizadas de forma
Ana Paula Talin Bissoli
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direta, tornaram-se virtuais. Gradativamente, as crianças são imersas em
um mundo digital, onde torna-se possível, por exemplo, “jogar futebol
através do tablet, sem interagir com outras pessoas, sem o uso das pernas
e demais partes do corpo, apenas utilizando as mãos. Essa “economia” dos
aspectos físicos, mentais e sociais gerada pelos dispositivos eletrônicos pode
provocar grandes prejuízos no desenvolvimento motor e social das crianças.
Com base nos pressupostos adotados neste livro, a aquisição e/ou
atualização de hábitos motores pode ser resultante de processos dinâmicos
de aprendizagem decorrentes da auto-organização secundária e abdução
motora realizados a partir da interação entre o agente e o contexto. O
que podemos concluir é que crianças que interagem cada vez mais com
os dispositivos tecnológicos, jogando virtualmente, fazendo amigos
virtualmente, acabam por desenvolver-se concomitantemente ao uso
desses dispositivos eletrônicos, e seus hábitos motores, por consequência,
também. Como defendemos que os hábitos motores são integrantes da
identidade motora dos agentes, podemos inferir que, se os dispositivos
tecnológicos podem conduzir a formação dos hábitos motores, então estes
dispositivos acabam por fazer parte do direcionamento e do estabelecimento
da identidade motora de quem interage com eles e se habitua motoramente
com seu uso.
Com isso, o uso constante da tecnologia parece dicultar a
ocorrência de processos auto-organizados de ajuste do corpo que resultam
da realização de múltiplas atividades físicas. Crianças das sociedades
informatizadas passam mais tempo sentados em frente ao computador ou
tablet do que interagindo com outras crianças. Para Macedo apud Garmes
e Moura (2014): “Antigamente as crianças tinham a prática de atividades
saudáveis, como futebol na rua, pega-pega, esconde-esconde, dentro de sua
rotina. Hoje elas estão imersas no mundo virtual e tecnológico, principal
causa do sedentarismo infantil.” Assim, uma nova identidade motora é
constituída pelo hábito de não se movimentar, o sedentarismo.
Machado (2011) rearma que a utilização da tecnologia de
forma indiscriminada pelas crianças provoca o desequilíbrio motor e o
isolamento social. Aponta Machado (2011, p. 13): “O nível de atividade
física nas crianças tem demonstrado que a tecnologia tem ganhado espaço
no mundo das crianças e vem diminuindo a atividade física na infância.
Hábitos motores e identidade pessoal
| 69
As crianças vêm se tornando cada vez mais sedentárias por hábitos como
assistir televisão, jogar videogame, usar computador.
Na mesma direção, segundo Guedes (1999, p. 32):
Infelizmente, essa é a razão da inatividade física nos dias de hoje: a
prática de movimentos é compensada pelos avanços tecnológicos.
A sociedade atual está cultivando hábitos cada vez mais sedentários.
As crianças e adolescentes estão substituindo atividades lúdicas
(que envolvem esforço físico), pelas novidades eletrônicas.
As tecnologias informacionais contemporâneas oferecem a
possibilidade de interagir apenas virtualmente em vários aspectos: jogar,
fazer amigos, realizar atividades escolares, sem a necessidade de sair de casa
ou de realizar esforços físicos mais signicativos. Esse tipo de prática faz
com que as crianças se distanciem da realidade ecológica, uma vez que
acabam imersas por horas em um mundo virtualmente construído.
A necessidade cada vez maior em se estar “conectado”,
atualizado”, tem provocado ansiedade nos usuários das tecnologias, com
vários efeitos biológicos possíveis, obesidade, diminuição do tempo de
sono, agressividade, isolamento, diabetes, problemas cardíacos, dentre
outros. O desequilíbrio físico e social é uma resposta frequente à construção
de hábitos condicionados pelo uso habitual dos dispositivos tecnológicos.
Segundo o jornal e Future of Children (2002, p. 270), inovações
tecnológicas estão transformando a maneira como as crianças interagem
com o mundo, criando um desiquilíbrio funcional que pode futuramente
levar à incapacidade infantil de execução de tarefas motoras. Segundo
o Relatório do Desenvolvimento Humano (2001), um dos maiores
problemas do uso dos dispositivos tecnológicos está na duração de uso.
Com a possibilidade de conexão ininterrupta, os padrões de sono podem
ser alterados, provocando alterações nos níveis de adrenalina que podem
elevar o nível de estresse.
Na mesma direção, Mattoso (2010, p. 31) ressalta que, na
contemporaneidade, com o desenvolvimento tecnológico, as pessoas
adquirem doenças e problemas motores frequentemente. Ressalta ele que
o sedentarismo generalizado, em grande parte provocado pela rapidez e
exibilidade na aquisição de informação, diminui o esforço das pessoas
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em buscar fontes alternativas de lazer, trabalho e estudo. Por m, dados da
Organização Mundial da Saúde revelam que em 2014 mais de 1,9 bilhão
de adultos estava com sobrepeso, sendo que, entre eles, 600 milhões são
considerados obesos. O número corresponde a 13% da população adulta
em todo o mundo (ONU BRASIL, 2016). Segundo o estudo, o acesso
frequente a um aparelho tecnológico, como tablets ou computadores,
aumenta em 1,47 vez as chances da criança ser obesa em comparação com
uma criança sem acesso às novas tecnologias. Crianças com acesso direto
a três dispositivos foram diagnosticadas com 2,57 vezes mais chances de
estarem acima do peso.
A obesidade constitui um exemplo emblemático de como os
dispositivos podem levar à alteração de hábitos motores e, consequentemente,
da identidade motora da pessoa. A obesidade é causada principalmente
pelo desequilíbrio entre a ingestão de alimentos calóricos e o consumo de
caloria pelo corpo, fazendo com que o corpo passe a ter maior quantidade
de gordura do que de músculos. Um desequilíbrio, como aquele existente
no caso da obesidade entre gordura corporal e músculos, como vimos no
capítulo sobre sistemas dinâmicos, pode gerar diculdades para a realização
do trabalho que envolve processos motores. Uma consequência disso é que
o desenvolvimento motor pode ser alterado, pois, como já descrito a partir
da perspectiva dos sistemas dinâmicos e da auto-organização, consideramos
que este ocorre através de ajustes dinâmicos entre subsistemas corporais
como peso corporal, força muscular, idade e ambiente, entre outros.
Para evitar tal desequilíbrio, seria preciso promover atividades
relacionadas aos movimentos físicos, de forma dinâmica e sistêmica,
estimulando as pessoas a interagirem com outras, desenvolvendo, por
exemplo, o hábito de brincar, ou de realizar atividades físicas regularmente,
quando se trata de adultos.
Diante do contexto tecnológico contemporâneo, resta questionar
se as novas tecnologias poderiam, quando utilizadas adequadamente e
de maneira comedida, contribuir com o desenvolvimento motor ou a
manutenção do equilíbrio dinâmico do corpo.
Nesse sentido, tratando-se especicamente de instrumentos para
o desenvolvimento motor humano, Fischer et al. (2013) realizaram uma
pesquisa em que jogos de Nintendo Wii (dotado de sensores que permitem
detectar os movimentos do usuário) foram utilizados por crianças com
Hábitos motores e identidade pessoal
| 71
alterações motoras relacionadas à coordenação. O que se vericou foi a
melhora dos movimentos coordenados através do uso destes dispositivos.
Com isso, tecnologias como o Nintendo Wii podem ser importantes
ferramentas para a reabilitação motora de alguns tipos de distúrbios
motores, como os relacionados à coordenação motora.
Em síntese, interações com as novas tecnologias informacionais
podem alterar o rumo do desenvolvimento motor e, consequentemente,
da constituição da identidade motora da pessoa. Sem supervisão ou algum
tipo de limitação ou constraint, as interações com as novas tecnologias
informacionais conduzem, frequentemente, as crianças a comprometerem
seu desenvolvimento motor equilibrado e os adultos a alterarem o equilíbrio
dinâmico auto-organizado de seu sistema motor.
Mas um tipo de interação com as novas tecnologias informacionais
de forma supervisionada pode servir, especialmente no caso de pessoas com
distúrbios que necessitam de uma reorientação de seus hábitos motores,
de início, como instrumento hétero-organizador que propicie, em um
segundo momento, a aquisição/ajuste de hábitos motores que promovam
o equilíbrio dinâmico da pessoa por meio de processos de aprendizagem
por auto-organização secundária e de abdução de novas hipóteses motoras.
| 73
C F
Procuramos neste trabalho evidenciar a importância dos
processos relacionados aos hábitos motores na constituição da identidade
pessoal. Além disso, buscamos evidenciar que a abordagem sistêmica,
em especial a Teoria da Auto-Organização e o pragmaticismo peirciano,
pode auxiliar a entender o papel dos hábitos motores na constituição da
identidade da pessoa. Nossa pesquisa esboçou a hipótese de que, apesar
do discurso losóco do problema da identidade pessoal não se mostrar
muito preocupado com as questões relacionadas ao papel identitário da
corporeidade, hábitos motores desempenham um papel identitário na
medida em que estão diretamente relacionados a habilidades complexas e
incorporadas da pessoa.
Iniciamos descrevendo no capítulo 1 impactos teóricos da
abordagem dualista de pessoa. Apontamos a forma como o método de
análise fragmentada de corpo inspirado no cartesianismo serviu de
importante ferramenta teórica para os estudos das estruturas do corpo,
mas também se desdobrou em uma tradição mecanicista e reducionista de
abordagens da corporeidade e motricidade.
Em contraposição à abordagem dualista de pessoa, procuramos
destacar possíveis novidades que os estudos sistêmicos dos hábitos
motores inauguram para a compreensão do processo de constituição da
identidade pessoal. Caracterizamos o corpo com um sistema complexo e
destacamos a possibilidade de entendê-lo em sua organicidade dinâmica,
Ana Paula Talin Bissoli
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isto é, nas relações de interdependência de seus elementos e subsistemas
constituintes com o contexto, dentre as quais ressaltamos a construção de
hábitos motores. Discutimos a importância da análise do corpo humano
com base nas características próprias de sistemas complexos, como por
exemplo a não linearidade e a emergência de propriedades não facilmente
previsíveis. Argumentamos a favor de que processos relacionados aos
hábitos motores corporais têm grande relevância na formação de uma
identidade que denominamos identidade motora, integrante da identidade
pessoal, justicando a importância atribuída ao papel do hábito motor na
construção da identidade pessoal.
Em suma, argumentamos que a abordagem sistêmica pode
fornecer uma importante ferramenta teórica para trilhar novos caminhos no
problema da identidade pessoal. Entendemos que tal abordagem também
pode se constituir como uma importante ferramenta na reformulação da
proposta sioterapêutica de práticas de reabilitação.
Também discutimos de que forma os hábitos motores das pessoas
lidam com o (des)equilíbrio, visto que tanto a pessoa como o meio sofrem
transformações constantes ao longo do tempo. Procuramos ressaltar, por
meio dos princípios envolvidos nos processos auto-organizados e hétero-
organizados, a importância de se considerar a dinâmica de aquisição,
ajuste ou abandono de hábitos motores na constituição da identidade da
pessoa. Para ressaltar o papel desempenhado pela promoção de ajustes
auto-organizados do corpo em consonância com a dinâmica do ambiente,
citamos o exemplo da aquisição do hábito de caminhar, no qual padrões
mais ou menos coordenados interdependentes de movimentos estabelecem
relações a m de se efetuar a ação, interagindo de maneira progressiva,
limitados por constraints internos (siológicos) e externos (ambientais).
Um dos problemas que procuramos explicitar é o de que, ao participar
do processo de reabilitação, comumente, o sioterapeuta se coloca como
um elemento hétero-organizador quando propõe a reabilitação do corpo
baseada na análise da injúria, e não nas características da pessoa, as quais
envolvem um conjunto muito mais amplo de relações.
No capítulo 2, aprofundamos a noção de hábito motor analisando
criticamente pressupostos básicos das teorias de desenvolvimento
motor centrados na maturação do sistema nervoso central e ressaltamos
possíveis contribuições para a compreensão da identidade motora da
Hábitos motores e identidade pessoal
| 75
pessoa oferecidas pela perspectiva situada e incorporada da cognição e
pela teoria dos sistemas dinâmicos, ambas vertentes da teoria sistêmica.
A abordagem incorporada e situada se contrapõe aos estudos cognitivos
tradicionais centralizados na instância processadora da informação. Essa
nova perspectiva focaliza também o papel do ambiente na disponibilização
de possibilidades de ação motora, enfatizando a intrínseca relação entre
cognição e hábitos no processo de constituição da identidade pessoal.
A nossa proposta sistêmica de estudo da identidade motora se mostrou
especialmente relevante por permitir destacar a importância das interações
dinâmicas e experiências motoras em um contexto ambiental dado nos
processos de geração e atualização da identidade pessoal. Neste sentido
ca claro dizer que, durante sua constituição, parte da identidade pessoal
se integra por experiências motoras adquiridas de forma incorporada e
dinâmica ao longo do tempo.
No capítulo 3, por m, procuramos evidenciar a importância dos
processos abdutivos, na esteira da concepção de raciocínio abdutivo de
C.S. Peirce, na atualização da identidade motora da pessoa. Como vimos,
a pessoa, na perspectiva incorporada e situada da motricidade, precisa
promover ajustes constantes em sua identidade motora ao longo de sua
vida. Consideramos que tais ajustes podem obedecer a uma lógica abdutiva
(em sentido amplo) de experimentação corporal de hipóteses motoras que,
se bem-sucedidas, permitem a conguração de novos hábitos motores e,
consequentemente, a atualização da identidade da pessoa.
O processo abdutivo no âmbito da motricidade pode inuenciar
a dinâmica de construção e atualização da identidade pessoal através
da atualização da identidade motora, principalmente em casos em que
há ruptura dos hábitos motores por situações traumáticas, como, por
exemplo, quando uma pessoa perde os movimentos relacionados ao hábito
de andar. Nesse caso consideramos que o sioterapeuta pode enriquecer
sua proposta de reabilitação levando em consideração o modelo de
atualização abdutiva da identidade motora baseado na história motora da
pessoa, não se restringindo somente à reabilitação da injúria atual. Com
isso, o sioterapeuta passa a desempenhar um papel de coadjuvante no
processo de reabilitação da pessoa, resgatando padrões de hábitos motores
constituintes de sua identidade, em vez de predeterminar um tratamento
Ana Paula Talin Bissoli
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padrão que não considera a maneira como os hábitos motores dessa pessoa
foram adquiridos e incorporados em sua identidade ao longo do tempo.
A pesquisa procurou mostrar a necessidade de se reetir sobre
o modo com que a pessoa portadora de algum tipo de injúria motora,
especialmente em tratamentos que envolvem situações como a ruptura de
hábitos motores e a incorporação de novos hábitos, é analisada e tratada
pelo sioterapeuta.
Como exemplo de aplicação clínica dessa nova abordagem
sistêmica de análise e proposta de tratamento baseada na identidade
motora da pessoa podemos citar a maneira com que o sioterapeuta
elabora suas perguntas durante a avaliação sioterapêutica, inferindo
perguntas que não se restringem apenas à doença, considerando aspectos
não só das estruturas envolvidas no processo da doença, mas sim a inter-
relação dinâmica entre os elementos envolvidos na relação pessoa/doença.
Mediante a coleta das informações sistêmicas da pessoa, o sioterapeuta
poderá correlacionar os sintomas que se referem à injúria com a forma com
que esta se manifestava em seu corpo e buscar, se necessário, em outros
sistemas, o indício de desequilíbrio que possa alterar o seu funcionamento.
Esse tipo de abordagem sistêmica pode permitir a correção de diagnósticos
equivocados, como, por exemplo, atribuir problemas respiratórios a
uma deciência pulmonar quando são efetivamente causados por uma
disfunção gástrica. Esse exemplo ilustra a diferença entre a utilização de
uma abordagem comprometida com as teorias dualistas e mecanicistas de
pessoa para a avaliação e tratamento sioterapêutico e o método proposto
neste livro de análise dinâmica e sistêmica utilizada pelo sioterapeuta.
Dessa forma, buscamos justicar a importância da realização de
processos abdutivos na reestruturação dos hábitos motores, inclusive quando
se trata de hábitos induzidos pelo uso, frequentemente descontrolado, de
dispositivos tecnológicos que reduzem a atividade motora das pessoas,
comprometendo, muitas vezes, seu desenvolvimento motor e a atualização
equilibrada de sua identidade motora.
Para além da dinâmica de reabilitação da pessoa, outro exemplo,
não menos importante da relação entre motricidade e identidade pessoal,
reside nas relações inauguradas pela interação entre hábitos motores e as
novas tecnologias de comunicação e informação. Embora possa haver
um inegável benefício com a introdução desses novos dispositivos como
Hábitos motores e identidade pessoal
| 77
facilitadores potenciais da comunicação e até mesmo para reabilitação de
estruturas motoras ou ressocialização, frequentemente o uso descontrolado
de dispositivos tecnológicos de informação e comunicação pode levar à
redução da atividade motora das pessoas, comprometendo, muitas vezes,
seu desenvolvimento e a atualização equilibrada de sua identidade.
Neste livro também indicamos a importância do estudo da
dinâmica de aquisição e atualização de hábitos motores através de uma
perspectiva de análise sistêmica para estudos e problemas relacionados à
compreensão da constituição da identidade pessoal. Acreditamos que
a perspectiva de análise sistêmica pode enriquecer e inaugurar novas
maneiras de produção de conhecimento que incluí a relevância do papel
da interdisciplinaridade no enfrentamento de problemas comuns que
tangenciam diferentes áreas como a losoa, a sioterapia e as ciências da
motricidade, dentre outras.
Assim, nalizamos este trabalho indicando desdobramentos
futuros da reexão aqui iniciada, questionando em que medida as alterações
relacionadas aos hábitos motores e às interações com os novos dispositivos
tecnológicos podem alterar, e prejudicar, a constituição da identidade
motora das pessoas. Esse será tema de futuras investigações.
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| 83
A
anexo 1
Classicação etária cronológica segundo Gallahue e Ozmun
(2001) em seu Modelo da Ampulheta. Neste modelo, os autores
descrevem o desenvolvimento motor como uma alteração contínua do
comportamento motor ao longo da vida, proporcionada pela interação
entre as necessidades da tarefa, a biologia do indivíduo e as condições do
ambiente como descrito abaixo:
I) Vida pré-natal: da concepção até o nascimento
II) Bebê: do nascimento aos 24 meses de idade
III) Infância: dos 2 aos 10 anos
IV) Adolescência: dos 10 aos 20 anos
V) Juventude: dos 20 aos 40 anos
VI) Meia-idade: dos 40 aos 60 anos
VII) Adulto mais velho (ou terceira idade): a partir dos 60 anos
Fases do desenvolvimento motor relacionadas ao que o indivíduo
consegue realizar com relação aos movimentos:
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1) Fase dos movImentos reFlexos
i) Em termos de estabilidade (ênfase no equilíbrio do corpo)
– Reexo de correção labiríntico
– Reexo de correção do pescoço
– Reexo de correção do corpo
ii) Em termos de locomoção
– Reexo de rastejar
– Reexo primário de andar
– Reexo de nadar
iii) Em termos de manipulação
– Reexo palmar de apreensão
– Reexo plantar de apreensão
– Reexo de exão dos braços
2) Fase dos movImentos rudImentares
i) Em termos de estabilidade (ênfase no equilíbrio do corpo)
– Controle da cabeça e do pescoço
– Controle do tronco
– Posição sentada sem apoio
– Posição de pé
ii) Em termos de locomoção
– Rastejar
– Engatinhar
– Marcha ereta
Hábitos motores e identidade pessoal
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iii) Em termos de manipulação
– Alcançar
– Pegar
– Soltar
3) Fase dos movImentos FundamentaIs
i) Em termos de estabilidade (ênfase no equilíbrio do corpo)
– Equilibrar-se apoiado em um pé
– Caminhar em uma barra baixa
– Movimentos axiais
ii) Em termos de locomoção
– Caminhar
– Correr
– Saltitar
– Pular
iii) Em termos de manipulação
– Arremessar
– Apanhar
– Chutar
– Rebater
4) Fase dos movImentos especIalIzados
i) Em termos de estabilidade (ênfase no equilíbrio do corpo)
– Realizar a rotina da trave de equilíbrio da ginástica
– Defender um chute a gol no futebol
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ii) Em termos de locomoção
– Correr 100 m rasos ou um evento com barreiras do atletismo
– Caminhar em uma rua cheia de gente
iii) Em termos de manipulação
– Chutar um tiro de meta no futebol
– Rebater uma bola lançada
anexo 2
Descrição das fases do desenvolvimento motor humano segundo
Papalia e Feldman (2013). Os autores conceituam o processo motor ao
longo do tempo e levam em consideração aspectos relacionados a estruturas
biológicas, cognitivas e psicossociais para descrevê-las conforme listado
abaixo:
I) vIda pré-natal
i) Desenvolvimentos físicos
– Formação das estruturas e os órgãos corporais básicos
– Início do crescimento cerebral
– O feto ouve e responde a estímulos sensórios
ii) Desenvolvimentos cognitivos
– Capacidades de aprendizagem e lembrança
iii) Desenvolvimentos psicossociais
– Resposta do feto à voz da mãe e desenvolvimento de uma preferência
por ela
Hábitos motores e identidade pessoal
| 87
II) bebê: do nascImento aos 24 meses de Idade
i) Desenvolvimentos físicos
– Sentidos funcionando em graus variados
– Aumento da complexidade cerebral
– O crescimento e o desenvolvimento físico das habilidades motoras
ocorrem rapidamente
ii) Desenvolvimentos cognitivos
– Capacidades de aprender e lembrar são acentuadas
– Utilização de símbolos e aumento na capacidade de resolução de
problemas
– Compreensão e uso da linguagem
iii) Desenvolvimentos psicossociais
– Desenvolvimento de sentimentos em relação aos pais e a outras pessoas
– Desenvolvimento da autoconsciência
– Mudança da dependência para a autonomia
– Aumento do interesse por outras crianças
III) InFâncIa: dos 2 aos 10 anos
i) Desenvolvimentos físicos
– O crescimento é constante
– Diminuição do apetite e aumento dos problemas em relação ao sono
– Aparecimento de preferência pelo uso de uma das mãos
– Aumento das habilidades motoras nas e gerais
– Aumento da força e habilidades atléticas
– Doenças respiratórias são comuns nesta fase
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ii) Desenvolvimentos cognitivos
– O pensamento é um pouco egocêntrico, mas vai diminuindo à medida
que o tempo passa
– Surgimento de algumas ideias ditas ilógicas sobre o mundo em razão da
imaturidade cognitiva das crianças
– Aperfeiçoamento da linguagem e da memória
– A inteligência torna-se mais previsível
iii) Desenvolvimentos psicossociais
– Aumento da compreensão das emoções
– Aumento da independência, do autocontrole e dos cuidados consigo
mesmo
– Desenvolvimento da identidade de gênero
– Aumento de imaginação e criatividade no ato de brincar
– Altruísmo, agressão e temores são comuns
Iv) adolescêncIa: dos 10 aos 20 anos
i) Desenvolvimentos físicos
– Crescimento físico rápido e profundo
– Maturação reprodutiva
Transtornos alimentares e abuso de drogas trazem consideráveis riscos à
saúde
ii) Desenvolvimentos cognitivos
– Desenvolvimento do pensamento abstrato e aumento na utilização do
raciocínio cientíco
– Persistência do pensamento imaturo em algumas atitudes e
comportamentos
– Foco na preparação para a faculdade ou para a vida prossional
Hábitos motores e identidade pessoal
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iii) Desenvolvimentos psicossociais
– A busca por uma identidade, incluindo a identidade sexual, torna-se
central
– Relacionamentos com os pais por vezes são conturbados
– Fortes laços com amigos (apesar de que alguns grupos de amigos acabam
por exercer uma inuência antissocial com alguns indivíduos)
v) Juventude: dos 20 aos 40 anos
i) Desenvolvimentos físicos
– O máximo da condição física é atingida
– A opção de estilo de vida inuencia a saúde
ii) Desenvolvimentos cognitivos
– Aumento da complexidade em termos de capacidade cognitiva e de
julgamento moral – Escolhas educacionais e prossionais são realizadas
iii) Desenvolvimentos psicossociais
– Fortalecimento dos traços e estilos de personalidade
– O estilo de vida e relacionamentos íntimos são decididos nesta fase
– Casamentos e opção por lhos
vI) meIa-Idade: dos 40 aos 60 anos
i) Desenvolvimentos físicos
– Surgimento de alguma deterioração das capacidades sensórias, da saúde,
do vigor
e da destreza
– Início da menopausa para as mulheres
Ana Paula Talin Bissoli
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ii) Desenvolvimentos cognitivos
– Alcance máximo das capacidades mentais e de resolução de problemas
práticos
– Criatividade com ritmo menos acelerado, mas mais qualitativo
– Êxito na carreira, sucesso nanceiro são alcançados nessa fase por alguns
indivíduos. Enquanto outros alcançam o máximo de esgotamento total ou
mudança prossional.
iii) Desenvolvimentos psicossociais
– Desenvolvimento do senso de identidade
– A responsabilidade com os cuidados dos lhos e dos pais pode causar
estresse agudo
- Tristeza pela saída dos lhos do convívio diário familiar
vII) adulto maIs velho (ou terceIra Idade): a partIr dos 60 anos
i) Desenvolvimentos físicos
– Diminuição das capacidades físicas
– Saúde mais precária. Adoecimento dos órgãos
– O funcionamento motor torna-se mais lento em razão da diminuição do
tempo de reação do organismo à certas condições adversas
– Enfraquecimento e deterioração da memória
ii) Desenvolvimentos cognitivos
– Embora ocorra uma degradação da inteligência, a maioria das pessoas
encontra novas formas de compensação deste problema
iii) Desenvolvimentos psicossociais
– Maior tempo para atividades diversas e de socialização em razão da
aposentadoria
Hábitos motores e identidade pessoal
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– Apoio com perdas pessoais e maior conscientização a respeito da morte
– A busca por um sentido da vida assume uma relevância importante na
vida dos indivíduos.
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S  
ana paula talIn bIssolI
Possui graduação em Fisioterapia (2001), especialização no Instituto da
Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo - ICr/HCFMUSP (2002) e pela Universidade Federal
Paulista na Escola Paulista de Medicina (2009).Mestrado em Filosoa da
Mente pela Universidade Estadual Paulista UNESP(2018). Atualmente
cursando o doutorado na Universidade Estadual Paulista UNESP Câmpus
de Marília no Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Humano
e Tecnologias como aluna especial.Tem experiência nas áreas: Hospitalar,
Gestão e Reabilitação atuando principalmente nos seguintes temas: saúde
integral, medidas e avaliação biopsicossocial, reabilitação com práticas
integrativas para indivíduos saudáveis e para portadores de fatores de risco
e/ou doenças, envelhecimento e terapias cognitivas.
marIana claudIa broens
Graduação em Filosoa pela UFPR (1985), graduação em Direito pela
PUC-PR (1983), obteve o Diplôme d'Études Approfondies en Logique et
Philosophie anglo-saxonne pela Université de Nantes - França (1989) e é
doutora em Filosoa pela USP (1996). Realizou também pesquisa pós-
doutoral na Universidade de Nijmegen, Países Baixos (2010). Atualmente é
Professora Associada do Departamento de Filosoa da Faculdade de Filosoa
e Ciências da UNESP. Desenvolve pesquisas nas áreas de Epistemologia,
Ana Paula Talin Bissoli
&
Mariana Claudia Broens (Org.)
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Filosoa da Mente, da Informação e da Tecnologia, tratando dos seguintes
temas: Abordagem externalista da mente, Cognição Incorporada e Situada,
Ética informacional, Informação Ecológica, Auto-Organização e dinâmica
de adesão a crenças. Atualmente é Bolsista de Produtividade do CNPq
(PQ2) e membro da equipe do projeto Understanding opinion and language
dynamics using massive data da Trans-Atlantic Platform – Digging into data
challang nanciado no Brasil pela FAPESP (Processo nº 2016/50256-0).
E-mail: m.broens@unesp.br
WIllem FerdInand gerardus haselager
Possui graduação em Psicologia - University of Amsterdam (1982),
mestrado em História, Teorias e Sistemas em Psicologia - Free University,
Amsterdam (1988), mestrado em Filosoa - University of Amsterdam
(1989) e doutorado em História, Teorias e Sistemas em Psicologia - Free
University, Amsterdam (1995). Atualmente é docente e pesquisador no
Donders Institute for Brain, Cognition and Behaviour, Department of
Articial Intelligence da Universidade de Radboud, Holanda. Foi professor
permanente no programa de pós-graduação de Filosoa da UNESP. Tem
experiência na área de Filosoa, com ênfase em Filosoa da Mente e
Ciência (Neuro) Cognitiva, atuando principalmente nos seguintes temas:
losoa da mente, autonomia, epistemologia das representações mentais,
a teoria dos sistemas dinâmicos, auto-organização, cognição incorporada e
situada e robótica.
catalogação
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
normalIzação
Maria Elisa Valentim Pickler Nicolino
CRB - 8/8292
capa e dIagramação
Gláucio Rogério de Morais
produção gráFIca
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
assessorIa técnIca
Renato Geraldi
oFIcIna unIversItárIa
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16 x 23cm
tIpologIa
Adobe Garamond Pro
Papel
Polén soft 70g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
tIragem
100
Impressão e acabamento
2021
sobre o lIvro
Ana Paula Talin Bissoli
Mariana Claudia Broens
Aprovado pelo EDITAL No. 01/2020 –
PPGFIL/UNESP - Publicações de livros
autorais e tradução de artigos científicos
aceitos para publicação
Hábitos motores e identidade pessoal
Ana Paula Talin Bissoli e Mariana Claudia Broens
Hábitos motores e
identidade pessoal
Esta obra foi publicada a partir de
edital interno de publicação de
trabalhos de docentes e egressos do
Programa de Pós-Graduação em
Filosofia (PPGFIL) da Unesp, como
parte das comemorações de seus 25
anos. Este e os demais livros
publicados por este edital podem ser
baixados gratuitamente no catálogo
da editora Oficina Universitária:
https://ebooks.marilia.unesp.br/index
.php/lab_editorial. São eles:
- Eichmann e a incapacidade de
pensar: alienação do mundo e do
pensamento em Hannah Arendt.
Renato de Oliveira Pereira
- Hábitos motores e identidade
pessoal. Ana Paula Talin Bissoli &
Mariana Claudia Broens
- O estatuto científico da ciência
cognitiva em sua fase inicial: uma
análise a partir da estrutura das
revoluções científicas de Thomas
Kuhn. Marcos Antonio Alves e
Alan Rafael Valente
- Semiótica e Pragmatismo. Inter-
faces teóricas. Vol. I. Ivo Assad Ibri
- Semiótica e Pragmatismo. Inter-
faces teóricas. Vol. II. Ivo Assad
Ibri
- Verdade e arte: a concepção
ontológica da obra de arte no
pensamento de Martin Heidegger.
Juliano Rabello.
Este livro foi publicado a partir de edital interno de publicação de trabalhos
de docentes e egressos do Programa de Pós-Graduação em Filosofia
(PPGFIL) da Unesp. Como parte das comemorações de seu jubileu de prata,
o PPGFIL vem realizando e promovendo uma série de atividades em diversos
segmentos. As obras aprovadas no edital foram publicadas em conjunto
pelas editoras Oficina Universitária e Cultura Acadêmica.
A Oficina Universitária é um selo editorial da Faculdade de Filosofia e
Ciências da Unesp, campus de Marília, apoiada pelo Laboratório Editorial da
FFC. Foi instituída com o objetivo de criar condições e oportunidades para a
difusão de pesquisas e tornar públicos os resultados dos trabalhos do corpo
docente da FFC. Já a Cultura Acadêmica, selo da Fundação Editora da
Unesp, visa auxiliar principalmente o atendimento às múltiplas demandas
editoriais da Unesp. Com a ampliação do número de títulos editados pelo
selo, são abertas novas oportunidades de publicação num momento em que
a pesquisa acadêmica e sua divulgação são cada vez mais necessárias.
O objetivo central desta obra
consiste em analisar, do ponto de
vista filosófico-interdisciplinar,
possíveis contribuições dos hábi-
tos motores na constituição da
identidade pessoal. Inicialmente,
as autoras problematizam a abor-
dagem das teorias mecanicistas
que consideram o corpo como
totalidade decomponível em suas
partes. Nessa abordagem, o
processo de habituação motora
seria apenas resultante de proces-
sos direcionados pela maturação
neuronal. Em contraste, a partir de
uma concepção de identidade
sistêmica da pessoa, baseada na
perspectiva dos sistemas dinâmi-
cos e da cognição incorporada e
situada, buscam mostrar que o
corpo da pessoa, enquanto uma
organização dinâmica complexa, e
as atividades motoras em geral,
são fundamentais para a instancia-
ção e desenvolvimento de hábitos
motores constituintes da sua iden-
tidade. O livro focaliza especial-
mente, a partir da concepção de
raciocínio abdutivo proposta por
Charles Sanders Peirce, o possível
papel de processos abdutivos
motores na constituição da identi-
dade motora da pessoa.
ISBN 978-65-5954-081-5
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K