Democracia e Direitos Humanos
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única forma de igualdade compatível com a liberdade tal como entendida
pela doutrina liberal, mas que é inclusive por essa solicitada, é a igualdade na
liberdade, o que signica que cada um deve gozar de tanta liberdade quanto
compatível com a liberdade dos outros, podendo fazer tudo que não ofenda
a igual liberdade dos outros” (BOBBIO, 2000a, p. 39), isso demonstra que o
segundo princípio fundamental daí decorrente é aquela “igualdade dos direi-
tos” (BOBBIO, 2000a, p. 39-40), que compreende “a igualdade em todos os
direitos fundamentais enumerados numa constituição” (BOBBIO, 2000a,
p. 41), o que inclui, notadamente, os direitos sociais, como já destacado. Se
retomarmos aqueles três direitos sociais fundamentais (educação, trabalho e
saúde) que Bobbio considera indispensáveis para o próprio exercício da liber-
dade (BOBBIO, 2000c, p. 506), e zermos uma análise do desempenho do
neoliberalismo em desconstruir esses arranjos nos últimos 35 anos, podemos
perceber nitidamente tanto o sucesso colossal do empreendimento neolibe-
ral em desativar estes dispositivos quanto o enorme desao que se apresenta
para o que resta da esquerda.
Ainda assim, que as consequências do neoliberalismo para a de-
mocracia constituem sua própria precarização é algo que Bobbio soube
muito bem diagnosticar (BOBBIO, 2016, p. 45)
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. E aqui a questão da
“antipolítica” parece ser a que mais salta aos olhos. Anal, que poderes
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Hoje já é perceptível como a racionalidade neoliberal vai muito além. Não somente “democracia precária”,
mas “des-democratização”, (BROWN, 2006, p. 690-714). Ainda que o objeto deste artigo seja uma proposta
de reaproximação entre Bobbio e Marx, como será demonstrado, cabe aqui deixar desde já registrado a
fundamental importância de se incorporar os estudos de matriz foucaultiana, fundamentais para a compreensão
da arqueologia do pensamento neoliberal. Um trecho da “conclusão” dos autores Pierre Dardot e Christian
Laval, signicativamente intitulada “O esgotamento da democracia liberal” pode contribuir para tanto. Após
apresentarem as principais características da “razão-mundo neoliberal”, os autores salientam que ela “faz
desaparecer a separação entre esfera privada e esfera pública, corrói até os fundamentos da própria democracia
liberal. De fato, esta última pressupunha certa irredutibilidade da política e da moral ao econômico [...].
Além do mais, pressupunha certa primazia da lei como ato do Legislativo e, nessa medida, certa forma de
subordinação do poder Executivo ao Poder Legislativo. Também implicava, se não uma preeminência do direito
público sobre o direito privado, ao menos uma consciência aguda da necessária delimitação de suas respectivas
esferas. Correlativamente, vivia de certa relação do cidadão com o “bem comum”, ou “bem público”. Por isso
mesmo, pressupunha uma valorização da participação direta do cidadão nas questões públicas, em particular
nos momentos em que está em jogo a própria existência da comunidade política. A racionalidade neoliberal, ao
mesmo tempo que se adapta perfeitamente ao que restou dessas distinções no plano da ideologia, opera uma
desativação sem precedentes do caráter normativo destas últimas. Diluição do direito público em benefício do
direito privado, conformação da ação pública aos critérios de rentabilidade e da produtividade, depreciação
simbólica da lei como ato próprio do Legislativo, fortalecimento do Executivo, valorização dos procedimentos,
tendência dos poderes de polícia a isentar-se de todo controle judicial, promoção do “cidadão-consumidor”
encarregado de arbitrar entre “ofertas políticas” concorrentes, todas são tendências comprovadas que mostram o
esgotamento da democracia liberal como norma política” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 379-380).