PENSAMENTO, LINGUAGEM E LÍNGUA ESCRITA SEGUNDO A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA
Será que Teoria e Ptica são incon-
ciliáveis? Como um estudo teórico poderia
auxiliar e substanciar uma ptica pedagó-
gica coerente e intencional – inclusive para
a alfabetização?
A partir dessas e outras inquie-
tações, essa obra, de cunho teórico e que
é fruto de uma dissertão de Mestrado
Acadêmico, tem como objetivo apresentar
as relações existentes entre o desenvolvi-
mento do pensamento e da linguagem oral
e a aquisição da linguagem escrita, segun-
do Jean Piaget e Emilia Ferreiro, que, de
acordo com essa perspectiva teórica, pos-
suem um estreito vínculo – muito impor-
tante para a compreensão, desses proces-
sos, sobretudo relativa à alfabetização.
Apesar de se encontrar produções sobre alfabetização, inclusive sob o re-
ferencial teórico de Emilia Ferreiro, não se achou nenhuma que buscasse
relacionar o desenvolvimento do pensamento, da linguagem e da língua
escrita na perspectiva da epistemologia genética. Assim, a intenção deste
livro é abordar a o desenvolvimento infantil e a psicogênese da língua
escrita para além das “fases” ou “hipóteses de escrita”. O que a aquisição
da língua escrita tem a ver com a aquisição da linguagem oral e do pensa-
mento? Será que haveria relações? Quais são os processos: como acontece
e por quê acontece de tais formas? O que está por trás disso? É isso o que
este livro aborda.
Que este livro gere reexes, alcanando e auxiliando pais, professores,
pesquisadores e ans quanto aos aspectos do desenvolvimento infantil na
Educação Básica, a alfabetização nos anos iniciais do Ensino Fundamen-
tal, fornecendo embasamento teórico para discussões e práticas educativas
conscientes e intencionais para/acerca dos processos intrínsecos ao desen-
volvimento dos sujeitos.
Bruna Assem Sasso é formada em Peda-
gogia (2013), Mestre (2016) e Doutoran-
da em Educão pela Unesp – câmpus de
Marília, e busca, desde o início dessa sua
formão inicial, conciliar a vida de pro-
fessora (atuante na Educão Básica I,
numa cidade do interior de São Paulo) e
de pesquisadora (realizando pesquisas no
âmbito da Educão, especicamente acer-
ca da psicologia do desenvolvimento, e dos
processos de aquisição da linguagem oral e
alfabetização infantil).
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0798/2018
Processo 23038.000985/2018-89
Bruna Sasso
PENSAMENTO, LINGUAGEM E LÍNGUA
ESCRITA SEGUNDO A
EPISTEMOLOGIA GENÉTICA
processos e constrões análogos
BRUNA ASSEM SASSO
PENSAMENTO, LINGUAGEM E LÍNGUA
ESCRITA SEGUNDO A EPISTEMOLOGIA
GENÉTICA
processos e construções análogos
BRUNA ASSEM SASSO
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2020
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Arte de capa: Junior Santos
Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Sasso, Bruna Assem.
S252p Pensamento, linguagem e língua escrita segundo a epistemologia genética: processos e construções
análogos / Bruna Assem Sasso. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2020.
164 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-009-9 (Digital)
1. Escrita. 2. Construtivismo (Educação). 3. Psicolinguística. 4. Aprendizagem. 5. Educação. I. Título.
CDD 372.41
Copyright © 2020, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
DOI: https://doi.org/10.36311/2020.978-65-5954-009-9
SUMÁRIO
Prefácio ................................................................................................ 11
Iniciando o diálogo... ............................................................................ 17
Introdução ........................................................................................... 23
Capítulo 1
O Desenvolvimento do Pensamento e da Linguagem segundo a
Epistemologia Genética ....................................................................... 35
Capítulo 2
A Psicogêse da Língua Escrita Segundo Emilia Ferreiro ...................... 67
Capítulo 3
A Psicogênese da Língua Escrita e suas Relações com o Desenvolvimento
do Pensamento e da Língua Oral ........................................................ 95
Conclusão .......................................................................................... 139
Glossário ............................................................................................ 153
Referências ......................................................................................... 157
Jeremias 1:
4 - Assim veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo:
5 - Antes que eu te formasse no ventre te conheci, e antes que
saísses da madre, te santifiquei; às nações te dei por profeta.
6 – Então, disse eu: Ah, Senhor DEUS! Eis que não sei falar;
porque sou uma criança.
7 - Mas o SENHOR respondeu: Não diga que é muito jovem,
mas vá e fale com as pessoas a quem eu o enviar e diga tudo o que
eu mandar.
“(…) Pois a boca fala do que o coração está cheio.” (Lucas 6:45c)
Dedico esse livro ao mestre, amigo e querido professor Adrián.
Em forma de gratidão pela paciência, sapiência e tempos dedicados a mim,
na árdua jornada de construções e reconstruções de minha formação
conceptual, acadêmica, profissional e humana.
11
PREFÁCIO
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ _______________ ____________ ____________ _____________
Como justificar a importância do presente trabalho, realizado por
Bruna Sasso, sob a minha orientação?
Essa pergunta remete a outras e a história nos pode ajudar a colocar
os acontecimentos que se sucederam na sua verdadeira dimensão. Nós nos
referimos a acontecimentos que se sucederam após a publicação da obra
“Psicogênese da Língua Escrita”, de Emília Ferreiro (1984). Essa obra não
mudou nada, mas incomodou muito, nas décadas de oitenta e noventa, o
sistema de ensino tradicional da língua escrita e os críticos do pensamento
de Jean Piaget.
O leitor poderá, com justiça, se perguntar: por que, após três
décadas da introdução das pesquisas de Emília Ferreiro na realidade
educativa brasileira, vem hoje a público um livro sobre um tema
relacionado à construção do conhecimento da língua escrita? Noutras
palavras: Por que hoje vem a ser objeto de estudo um pensamento
aparentemente esgotado e ultrapassado no ensino da língua escrita? Por
que insistir, de novo, nas pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita,
se métodos renovados de ensino tradicional se mostram superiores, do
ponto de vista da simplicidade e eficácia prática, como é o caso do Método
Fônico?
É um dado histórico verídico que a introdução do pensamento de
Piaget e de Emília Ferreiro na escola brasileira, sobre a aprendizagem da
12
língua escrita, foi feita de modo impositivo, sem a necessária preparação
da escola e dos educadores para a mudança de concepção teórica e
metodológica. Diante dessa nova realidade exigida, muitos professores
aderiram passivamente à psicogênese da língua escrita, sem o mínimo
conhecimento dos seus princípios e instrumentos de ação. O desafio foi
recebido como imperativo de aplicar um “novo método de ensino”. Então,
o resultado não podia ser diferente: um verdadeiro descalabro público.
Diante disso, os críticos e adversários de Piaget e do construtivismo
os responsabilizaram pelo fracasso, sem perceber que, agindo desse modo,
estavam “jogando a água suja junto com a criança”.
Esses críticos não observaram, com a necessária prudência e isenção
cientifica, que o erro se encontrava na atitude precipitada da sua
implementação e não na teoria que o sustentava. Não perceberam que tal
aventura tinha como base um projeto pedagógico inconsistente, sem bases
materiais de ação, para substituir um sistema secularmente estabelecido e
consagrado por outro que apenas começava a ser sonhado.
O maior erro daqueles que promoveram a introdução da
aprendizagem da língua escrita sob a base das pesquisas de Emília Ferreiro
foi considerar as descobertas dessa autora como um método de ensino e
não simplesmente como um elemento importante para a reflexão e debate
e para a construção coletiva de um ensino democrático alternativo. A
psicogênese da língua escrita foi considerada, erradamente, como uma
alternativa pedagógica acabada que poderia substituir facilmente os
métodos tradicionais de ensino da língua escrita.
Outro erro capital foi interpretar as pesquisas de Emília Ferreiro
(1984) como uma estratégia de ensino-aprendizagem fundada na
percepção dos educandos, nos moldes dos métodos tradicionais. As
13
pesquisas de Ferreiro evidenciaram que a aquisição inteligente da língua
escrita se produz pela ação conceitual da criança, sujeito do conhecimento,
o que é uma coisa completamente diferente do uso da percepção que exige
apenas ações reprodutivas e não criativas. Hoje sabemos, melhor do que
antes, que os métodos tradicionais, os assim chamados sintéticos e
analíticos, têm como suporte a “atividade” perceptual do aluno que, longe
de integrar e compor as relações observadas, apenas os justapõe e reproduz
mecanicamente. Oposta a essa atividade, a atividade conceptual do sujeito
consiste em assimilar (integrar) os dados da experiência num sistema de
relações (relações de diferenças, relações de parte e todo, relações
inferenciais e de generalizações construtivas, etc.) e não em reproduzir,
mecanicamente, os dados observados (associacionismo). Assim, o
contraponto das pesquisas de Ferreiro aos métodos tradicionais é de
natureza essencialmente epistemológica.
Outro erro capital da divulgação das pesquisas de Ferreiro foi
interpretar os níveis de organização linguística adquirida pela criança como
sucessão natural ou obrigatória de estruturas previamente existentes e não
como sistemas de composição construídos pelo sujeito e que se sucedem
em função de autênticos e difíceis esforços de reconstrução conceptual.
Possivelmente por isso, em muitos lugares, ainda fica o legado da
psicogênese da escrita como parâmetro de avaliação das competências
linguísticas e não como processo construtivo e reconstrutivo. Assim, a
mesma interpretação reducionista dada aos níveis da inteligência
descoberta por Piaget (sensório-motor, pré-operatório, operatório
concreto, operatório formal) foi também dada aos níveis de organização da
língua escrita: estruturas pré-formadas que se manifestam sucessivamente.
Desse modo, ficou fácil exterminar a teoria psicogenética da construção da
14
escrita e impossibilitar a criação de uma pedagogia capaz de promover
aprendizagem inteligente dos saberes.
Como se sabe, o sistema alfabético de escrita, na concepção de
Ferreiro, é resultado de longo e difícil processo de sucessivas reorganizações
e reconstruções por parte do sujeito do conhecimento, em função de uma
interação radical entre este sujeito e o mundo da cultura letrada, entre
sujeitos que se tornam progressivamente escritores e leitores.
Foi esse desafio de esclarecer os erros de interpretação e de
aprofundar a análise sobre as dimensões de um processo complexo que nos
motivou a orientar a pesquisa que agora apresentamos. A academia e a
pesquisa científica devem enfrentar esse desafio, evitar novos erros e
outorgar bases seguras a novos projetos que visem tratar as crianças como
sujeitos de conhecimentos e, desse modo, democratizar, com elas e não
para elas, o ensino e a escola.
Já nas nossas primeiras produções intelectuais (1995), soubemos
que Emília Ferreiro, a partir do arcabouço conceptual piagetiano,
evidenciou que a capacidade de escrever e ler da criança não era um ato de
reprodução perceptiva e mecânica de códigos, mas, pelo contrário, um ato
de construção de um conhecimento de natureza conceptual. Ela defendeu
que a escrita alfabética deveria ser entendida como um objeto de
conhecimento cultural, que possui leis e propriedades singulares,
construídas historicamente por diferentes civilizações. Compreendemos
que a escrita alfabética não foi um resultado da invenção de algum
iluminado, mas, sim, produto de um longo processo construtivo de
civilizações. Do mesmo modo, entendemos que as crianças aprendem e
produzem sistemas de interpretação a partir da troca e comunicação com
outros leitores e escritores.
15
O trabalho que hoje apresentamos trata de esclarecer uma temática
nem sempre debatida na academia brasileira: a natureza singular da
construção do conhecimento no campo da cultura, como é o saber escrever
e ler, em relação com outro conhecimento de natureza social e individual:
a linguagem oral. O conhecimento dessa relação é imprescindível para
compreender a singularidade da aquisição da língua escrita e para entender
a importância do mecanismo da tomada de consciência no seu processo de
aquisição. O conhecimento da língua escrita é análogo não idêntico ao
conhecimento do mundo real, mas para isso acontecer o sujeito já conta
com a contribuição de um conhecimento prévio, que pratica
cotidianamente: o conhecimento da sua língua oral. Essa língua na sua
organização sintática e gramatical não está ausente na aprendizagem da
língua escrita.
Esse fato deveria ser levado em conta no ensino e aprendizagem da
língua escrita. Por isso, torna-se legítima a pergunta que Bruna se faz: qual
a relação entre conhecimento da língua materna e a língua escrita na
aprendizagem da cultura linguística?
Quando entendermos melhor essas relações, teremos melhores
condições de construir um sistema pedagógico, onde as crianças,
adolescentes ou adultos, consigam exercer a condição humana de serem
sujeitos ativos do conhecimento e consigam garantir, desse modo, serem
verdadeiros criadores da cultura, de serem leitores e escritores do mundo.
Do contrário, cairemos em novas armadilhas metódicas e tecnicistas, com
o risco de continuarmos de produzir adultos analfabetos ou sujeitos que
sabem decodificar a mecânica da língua escrita, mas não conseguem ler e
escrever o mundo; enfim, de serem homens e mulheres objetos da ação de
outros supostamente letrados, de serem alienados e alienadas.
16
Almejamos que as análises feitas neste trabalho conduzam ao
esclarecimento do valor e sentido das descobertas de Emília Ferreiro. Além
disso, gostaríamos que a presente pesquisa contribua e outorgue bases mais
seguras para a construção coletiva de um projeto pedagógico do ensino da
língua escrita, na perspectiva da construção conceitual de sujeitos do
conhecimento e de uma educação democrática e libertária.
Maringá, 30/09/2020.
Adrián Oscar Dongo Montoya
17
INICIANDO O DIÁLOGO...
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ____________ _______________ ___________ _______________ ____________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ _________
Em 2005, quando eu cursava a oitava série do Ensino
Fundamental, minha mamãe passou no vestibular, para o curso de
Pedagogia, em uma faculdade de minha cidade a saber, Garça/SP. Não
obstante no final do segundo ano de sua graduação ter que abandonar o
curso devido a problemas particulares, cheguei acompanhá-la na primeira
semana de aula e presenciei, em algumas disciplinas, as apresentações tanto
da ementa das matérias e propostas pedagógicas, como dos professores e
dos alunos.
Recordo-me que, ao professor questionar sobre a pretensão dos
alunos em cursar a referida licenciatura um deles se justificou e prosseguiu
dizendo: “(...) e depois gostaria de dar prosseguimento à carreira acadê-
mica, fazer mestrado, doutorado, etc.”. Mas... Mestrado? Doutorado?
Carreira acadêmica? O que era isso tudo? Dantes, nunca havia pensado em
e mal sabia o significado de eles.
Quando criança queria ser professora! Adorava brincar de escolinha
e imitar os meus referenciais realizando exatamente o que faziam com e
para nós educandos as paredes da casa de minha avó que digam, com as
marcas de corações radiantes (com a minha inicial dentro, ou melhor, a da
professora) e de parabenizações, elogios, etc.
Depois veio o apreço por Engenharia Cartográfica, Engenharia
Biotecnológica, Odontologia; Medicina Veterinária; Medicina. Ah!
Medicina! Esta última foi a que me acompanhou por mais tempo; até o
18
Ensino Médio, quando me encantei também por Farmácia e fiquei
dividida por elas.
Em 2007 prestei, pela primeira vez, o vestibular da Vunesp, como
treineiro, para o curso de Farmácia (UNESP Campus de Araraquara); e,
na metade de 2008, prestei o vestibular para a mesma faculdade que minha
mamãe frequentou supramencionada , na qual passei em primeiro
lugar, o que me possibilitava escolher por qualquer curso que nele obteria
bolsa integral. Ao final de 2008, então, prestei os vestibulares da Unicamp,
para as opções de Farmácia e Pedagogia, e da Vunesp, Pedagogia.
Para quem peregrinava somente pelas áreas das ciências exatas e
biológicas, escolher “logo” pedagogia? Sim, Pedagogia! Mas, por quê?
Quando eu cursava o segundo ano do Ensino Médio, um de meus
professores passou no vestibular para o curso de Pedagogia na FFC
(UNESP Campus de Marília), o qual seria sua quarta graduação, e falava
muito bem do corpo docente e da excelência de tal licenciatura em nosso
país. Isso tudo fez com que eu novamente despertasse e voltasse a traçar
ideais para a minha vida nesse aspecto (“humanístico”). E fora, justamente,
minha imersão nesse universo (acadêmico) que além de, a todo instante,
provocar-me desequilíbrios afetivos, cognitivos e morais, os quais fizeram
com que me desenvolvesse em todos esses âmbitos, também constitui e
aguça a minha atual formação.
Ao apresentar meu Trabalho de Conclusão de Curso intitulado
como “A linguagem egocêntrica em Vigotski e Piaget: representações de
professoras e implicações educacionais”, o qual fora orientado pela doutora
Alessandra de Morais Shimizu e financiado pelo Programa de Bolsa de
Iniciação Científica da Fundão de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP) , e concluir minha graduação em licenciatura plena em
19
Pedagogia pela Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Marília, hoje tenho certeza
de que quanto mais eu conheço, mais eu preciso conhecer, pois aumenta
minha consciência do pouco que sei e do quanto preciso conhecer.
Além disso, partindo da referência de que o trabalho científico
começa com a necessidade particular do pesquisador para focalizar no seu
objeto de pesquisa, a pretensão deste estudo se deve, principalmente, à
minha necessidade enquanto pesquisadora e professora em compreender
descrevendo, identificando, analisando (e, quiçá interpretando) as
relações entre alguns aspectos da teoria sobre o desenvolvimento da
linguagem e do pensamento.
Isto também se deve a, antes mesmo de concluir minha
licenciatura, eu sempre ter temor de pegar uma turma dos primeiros anos
do ensino fundamental, por causa, principalmente, das exigências em
relação à alfabetização. Outrossim, o fato de na própria graduação ter tido
contato com diversas críticas, especialmente ligadas aos métodos de ensino
da leitura e da escrita com os pequeninos, levava-me a pensar: “e se eu não
conseguir ou se eu não for capaz de superar isso? E se os meus alunos não
aprenderem a ler e a escrever? Na verdade, afinal, como alfabetizar?”.
Minhas leituras e influências intelectuais exerciam sobre mim um
sentimento de responsabilidade que “não me deixavam” agir de certas
formas e/ou reproduzir modelos que eram fortes em minha existência e, de
certa forma, enraizavam o meu saber prático. E de que forma, então, os
meus outros saberes (sobre o desenvolvimento do pensamento e da
linguagem, por exemplo) poderiam subsidiar minha compreensão e meu
trabalho enquanto professora para a aprendizagem da língua escrita pela
criança?
20
Diante disto, neste momento da minha formação (no momento
histórico em que eu estou vivendo), a minha necessidade como pessoa,
como professora, como profissional e pesquisadora se sustentava em buscar
traçar novas relações entre a teoria e a prática pedagógica.
Até porque, quando a criança ingressa no Ensino Fundamental, no
qual a alfabetização ocorre de forma sistematizada e intencional,
naturalmente, ela já domina de forma apropriada a linguagem em sua
forma oral (isto é, sabe falar fluente e estruturalmente sem problemas), mas
não sabe, na maioria das vezes, escrever. A pretensão deste estudo se dá,
portanto, em buscar saber o que vai fazer com que a criança que já sabe
falar, aprenda a ler e a escrever.
Alguns fatos, que procurarei explicitar a seguir, elucidam e dão
significado ao problema traçado para esta investigação.
Um casal brasileiro que passa a residir na Itália, inicialmente
com pouco conhecimento linguístico, no convívio com o povo nativo,
adquire a segunda língua e consegue se comunicar naturalmente, apesar de
ainda não conseguir escrever (produzir textos) no idioma aprendido
recentemente.
De forma parecida (e inversa), um estudante universitário que
busca aprender a ler e escrever no idioma inglês, para conseguir interpretar
textos de seu curso, não sabe, por apenas isso, expressar-se oralmente nesta
nova língua.
Ainda de modo similar, pode acontecer de uma pessoa de
idade avançada ser extremamente antenada, possuindo alta capacidade de
reflexão e discussão acerca de assuntos histórico-sociais, políticos e
econômicos, e não conseguir dominar em nada (ou em quase nada) a sua
língua na forma escrita...
21
Ou ainda, bem como pude constatar, alunos do segundo ano
do curso de Pedagogia manifestam grandiosa dificuldade na hora de
pensarem sobre aspectos do conhecimento físico (a interpretação de
fenômenos físicos cotidianos), não obstante manejarem com muita
facilidade, inclusive sua língua materna seja na forma oral, bem como na
sua expressão escrita.
Em todos os casos, uma coisa que me é evidente e que desde já
posso notar é que o primeiro saber nem sempre é garantia para o segundo
e demais. O que vai ser necessário acontecer, então, para que uma criança
que já sabe falar aprenda a escrever? Será sobre a resposta a essa questão
que pretendo assim focalizar o objeto dessa pesquisa. Bem como Ferreiro
(1984/2007) procurou mostrar o quão muitas das habituais práticas no
ensino da língua escrita são derivadas do que se sabe acerca da aquisição da
língua oral, delongar-me-ei em explicitar como ocorre (ou qual seria) a
articulação entre o pensamento e a linguagem e o desenvolvimento da
língua escrita o que há de semelhante em ambas estruturações e como
(em quê) uma pode subsidiar a outra.
Além do mais, acredito, sobretudo, que ao buscar embasamento na
teoria de Piaget, traçando relações entre o desenvolvimento cognitivo e a
aprendizagem da língua escrita, consegui corresponder a um aspecto da
minha necessidade supracitada, pois além de considerar relevante a
contribuição dos estudos de Piaget, tanto no âmbito da Psicologia como
da Epistemologia por meio das quais, inclusive, de forma incomparável,
estudou o pensamento infantil e humano –, permitiu-me a compreensão
acerca dos aspectos fundamentais que engloba o seu desenvolvimento.
O meu contato com a teoria de Piaget, meu relacionamento
constante e crescente com ela e com seus estudiosos, fizeram com que eu
conseguisse enten-la progressivamente e visse a insuficiência de meu
22
conhecimento [e da própria coordenação deste], para, então, inseri-lo em
um sistema composto e integral de representações construídas e
relacionadas entre si; isto é, para enfim constituir o conhecimento acerca
da teoria deste autor, de forma relacional e integrada e não fragmentada,
sucessiva, justaposta, transdutiva, centrada apenas em meu ponto de vista,
e sem uni-la em um sistema coordenado e coerente.
A pretensão era que, talvez eu pudesse auxiliar outros, mas,
primeiro, certamente, era para atender à minha necessidade. Além disso,
quando apresentei a dissertação, a banca indicou a mesma para publicação
em forma de livro. Penso que, então, chegou a vez de compartilhar e
alcançar a quem também precisar.
23
INTRODUÇÃO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ _________
A divulgação da obra de Emilia Ferreiro no Brasil deu-se a partir
de meados dos anos de 1980 e causou grande impacto sobre a concepção
que se tinha acerca do processo de alfabetização, influenciando as próprias
normas do governo para a área, expressas nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN). O fato é que nenhum nome teve mais influência sobre
a educação brasileira nos últimos 30 anos do que Emilia Ferreiro. De
acordo com Weisz (2007), a repercussão que as ideias de Ferreiro tiveram
na educação brasileira é tal como um marco divisor na história da
alfabetização, que pode ser dividida em antes e depois dela.
O livro de Ferreiro foi originalmente publicado em 1979, com o
título Los sistemas de escritura en el desarrollo del niño, em co-autoria de Ana
Teberosky, e já no início da década de 1980 as informações chegaram ao
Brasil, primeiro por meio de Congressos e Simpósios de educadores, e
depois através da primeira edição brasileira, com a denominação de
Psicogênese da Língua Escrita, somente em 1984. As descobertas que ele
apresenta se tornaram assunto obrigatório nos meios pedagógicos e logo se
espalharam pelo Brasil.
A verdade é que muito influenciou não somente os Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), como outras iniciativas e
diretrizes oficiais do Ministério da Educação (MEC) e de muitas
Secretarias Estaduais, que trazem consigo princípios da teoria
construtivista, como:
-
no final da década de 1990, os Parâmetros em Ação (BRASIL,
1999), que foi uma iniciativa do MEC com o propósito de implementar
24
os PCNs e outros Referenciais Curriculares de forma articulada com a
formação dos profissionais em educação;
-
a partir de 2001, o Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores (PROFA), que também foi uma iniciativa do Ministério da
Educação na pretensão de superar os problemas vinculados ao fracasso da
escola em alfabetizar todos os alunos;
-
desde 2003, o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), assumido
pelos governos federal, do Distrito Federal, dos estados e municípios, que
é voltado para a alfabetização de jovens, adultos e idosos;
-
no ano de 2007, o Programa PRALER (Programa de Apoio à
Leitura e Escrita), também do Ministério da Educação e Secretaria de
Educação Básica, surgiu como um sistema nacional de formação de
profissionais da Educação Básica “Pra Ler”;
-
já no estado de São Paulo, os principais responsáveis pela
divulgação do construtivismo (e que representam a forma como a teoria
entrou no estado por meio das, outrora, delegacias de ensino - atualmente
denominadas como Diretorias Regionais de Ensino), foram o Programa de
Formação de Alfabetizadores “Letra e Vida” (de 2004 a 2007) material
inspirado na versão original do PROFA, lançado em 2001 pelo MEC, na
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP) , e o “Ler e
escrever” (de 2007 a 2009), cuja meta era a de se ter, até 2010, plenamente
alfabetizadas todas as crianças com até oito anos de idade matriculadas na
rede estadual de ensino. Ambos tratam de programas promovidos pela
SEE/SP, e são constituídos por um conjunto de linhas de ação articuladas
que inclui formação, acompanhamento, elaboração e distribuição de
materiais pedagógicos e outros subsídios “construtivistas”, a fim de garantir
melhores condições de ensino e a recuperação da aprendizagem de leitura
25
e escrita aos alunos que frequentam as primeiras séries do ensino na rede
pública estadual.
Pude assim ver que as descobertas de Ferreiro (1984/2007) foram
tão fortes e se espalharam tão rapidamente no Brasil que já na época a sua
disseminação causou preocupação na própria autora, principalmente pela
forma como o construtivismo poderia estar sendo apresentado e conhecido
nos ambientes escolares (MELLO, 2015).
Mesmo com esses programas e diretrizes, ainda assim, é difícil para
grande parte dos profissionais da educação estabelecer relações entre fatos
cotidianos com as explicações teóricas, e, por vezes, não buscam, nestas,
respaldo para aqueles conforme as pesquisas de Becker (2001), Moura
(2009), Sasso (2013), Silva (2015), entre outros. E isso acaba gerando
contradições entre o conhecimento (a concepção) que os professores
receberam sobre o desenvolvimento infantil e suas ações pedagógicas (a
prática), além de expor e fortalecer a teoria como alvo de críticas,
interrogações e leituras parciais.
Justamente por se tratarem de importantes e disseminados autores,
sobretudo nos cursos de Pedagogia, as pesquisas de Piaget e de Ferreiro,
solicitam maiores esclarecimentos. A forma como a teoria é apresentada,
isto é, como de fato deve ocorrer a formação dos profissionais, não deve
deixar lacuna para que o que se lê e o que se faz sejam diferentes.
A questão teórica sobre o desenvolvimento da linguagem e do
pensamento na criança tem me acompanhado desde o início dos seus
estudos. Na Iniciação Científica (IC) e em o meu Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC), fora sobre a discussão das teorias psicogenéticas do
pensamento e da linguagem verbal segundo Vigotski e Piaget. Já no
Mestrado, a pretensão foi a de evidenciar e aprofundar o conhecimento
26
acerca da teoria de Piaget sobre esse assunto além de procurar descobrir
possíveis relações sobre ele e a aquisição da língua escrita.
Fora nesse momento, portanto, que tomei conta da necessidade e
importância de entender melhor tais questões sobre o desenvolvimento do
pensamento e da linguagem oral e os processos de aquisição da língua
escrita segundo a teoria de Jean Piaget, pensando este conhecimento
possibilitar também contribuir com questões pedagógicas relacionadas ao
ensino e aprendizagem da língua escrita.
Destarte, o problema de pesquisa abordado foi: a aquisição da
língua oral ocorre de forma solidária à aquisição do pensamento
conceitual? Se isso é verdade, será que acontece o mesmo com a linguagem
escrita? Noutros termos, se o desenvolvimento do pensamento e da
linguagem oral consiste em um processo construtivo de conceptualização
e de significação, e sendo a língua escrita um conteúdo cultural transmitido
social e sistematicamente, será que ela é adquirida também por processos
de conceptuação do sujeito que aprende? Por outro lado, também
questionei se no processo de aquisição da língua escrita intervém a
contribuição da linguagem oral já adquirida previamente, e de que forma
que intervém?
Minha hipótese foi que, assim como o pensamento evolui por
processos de organização e reorganização conceptual, a aquisição da língua
escrita especificamente na sua forma alfabética ocorre, não por
decodificação, mas por também organização e reorganização conceptual, e
que nesse processo o sujeito levaria em conta a aquisição de sua língua oral.
Portanto, o objetivo principal deste estudo é o de buscar as
possíveis relações entre o desenvolvimento do pensamento e da linguagem
27
oral e a aquisição da linguagem escrita, segundo Jean Piaget e Emilia
Ferreiro.
Já os objetivos específicos se circunscreveram em:
-
realizar um levantamento dos estudos sobre a aquisição da
linguagem e suas relações com a da língua escrita segundo a teoria de
Piaget;
-
apresentar como ocorre a aquisição (a origem e o
desenvolvimento) da linguagem e do pensamento para Piaget;
-
expor como se realiza a aquisição e o desenvolvimento da língua
escrita na criança de acordo também com a perspectiva piagetiana (a partir
dos estudos de Emilia Ferreiro);
-
e mostrar quais são as semelhanças e diferenças que existem
entre a aquisição da linguagem (oral) e da língua escrita segundo a
Epistemologia Genética de Jean Piaget.
É de comum conhecimento que Piaget (1945/2014 sobretudo)
se debruçou na questão sobre as relações entre o desenvolvimento do
pensamento e da linguagem verbal, mas, acerca da linguagem escrita, não
o fez diretamente , cabendo à Emilia Ferreiro, que estudou e trabalhou
com Piaget, concentrar o foco nos mecanismos cognitivos relacionados à
leitura e à escrita.
Antes de prosseguir, porém, fora preciso saber se algum objeto de
estudo similar a este já teria sido alvo de outros pesquisadores brasileiros.
Por isso, realizei um levantamento de trabalhos (livros, artigos, dissertações
e/ou teses), nacionais, que considerassem o relacionamento entre o
desenvolvimento do pensamento e da linguagem, referido na teoria de
Piaget, e a psicogênese da língua escrita, abordada por Emilia Ferreiro, não
28
de forma, simplesmente, isolada ou apenas citando-os, mas que, de fato,
buscassem estabelecer vínculos entre eles.
Nesse sentido, tracei como sendo pertinente para o levantamento
bibliográfico o período a partir da “entrada” da obra de Emilia Ferreiro no
Brasil (década de 80 mais especificamente, 1984) até 2014, e o banco de
dados selecionado para consulta fora o Capes (Banco de Teses Capes e
Periódicos Capes).
A fim de obter apenas os trabalhos que abordassem a relação entre
a psicogênese da língua oral e a psicogênese da língua escrita, no banco de
teses da Capes, utilizei-me do descritor “Piaget língua escrita”, e os textos
encontrados foram 2; já no portal de periódicos da Capes, com o mesmo
descritor, foram 6 (sendo que todos eram teses). Ainda neste, mas agora
com o descritor “Piaget pensamento e linguagem e língua escrita”, foram
encontrados 29 trabalhos: 15 livros, 13 artigos e uma tese. Com o descritor
“o pensamento segundo Piaget e a aquisição da língua escrita”, 16 textos.
Dentre todas essas buscas, foram achados, no total, 53 textos.
Suprimindo os repetidos, totalizaram 36 textos, sendo 7 teses, 13 artigos e
16 livros. Ainda assim, por a maioria dos trabalhos não corresponderem
em nada à minha pretensão de estudo, apenas 9 textos foram selecionados
para realizar uma análise do resumo destes estudos, que foram organizados
quanto ao: título, autor(es), palavras-chave, área de estudo, tipo do texto a
que se referiria, ano de publicação, objetivos do estudo e referências
bibliográficas (quanto às obras utilizadas de Piaget e Ferreiro).
Buscando interpretar como as duas matrizes teóricas (Piaget e
Emilia Ferreiro) são abordadas nos estudos, em nenhum destes e em mais
um livro selecionado por conveniência: Azenha (2002), a saber foi
estabelecida a relação que me propunha abordar. Ou seja, a forma como
29
esses trabalhos propõem apresentar a problemática é que fora de fato
relevado e dentre os 10 textos selecionados, nenhum considerou a proposta
do meu questionamento inicial.
Ainda assim, encontrei objeto de estudo similar como alvo de
outros pesquisadores (SMITH, 1975; SCHNEIDER, s.d.; MESSIAS,
2001 a qual, inclusive, busca abordar a maneira como os PCNs, para o
Ensino de Língua Portuguesa [5ª a 8ª séries], tratam o tema, explicitando
alguns aspectos da questão “oralidade verso escrita” e suas implicações no
ensino de língua portuguesa). No entanto, nem ao menos um destes
estudos contemplou a necessidade compartilhada (na forma que gostaria
de abordar a questão, ou seja: estabelecendo analogias entre o
desenvolvimento da linguagem e do pensamento e o da língua escrita na
perspectiva piagetiana), e me vi, então, motivada a levar a investigação
adiante.
Pois a minha pretenção foi a de buscar as possíveis relações entre o
desenvolvimento do pensamento e da linguagem oral e a aquisição da
linguagem escrita, segundo Jean Piaget e Emilia Ferreiro. E para viabilizar
esse objetivo, dediquei-me a realizar um estudo comparativo (LAKATOS;
MARCONI, 2000), em o seu sentido epistemológico, ou seja, traçando as
razões da semelhança de ambos os processos, descrevendo as regularidades
que há entre duas obras: “A formação do símbolo na criança: imitação,
jogo e sonho, imagem e representação”, de Jean Piaget, originalmente
publicada em 1945; e “Psicogênese da ngua escrita”, de Emilia Ferreiro e
Ana Teberosky, originalmente publicada em 1979.
O presente estudo é, portanto, essencialmente, uma pesquisa
qualitativa pois envolve a interpretação/atribuição de significados que
não pode ser traduzida em números , de cunho bibliográfico cujo
objetivo é o de conhecer e analisar as contribuições científicas da
30
Epistemologia Genética, descrevendo as regularidades das obras
supracitadas –, sem aplicação prática prevista. (GIL, 2006).
Assim, ao buscar estudar e estabelecer a relação proposta entre o
desenvolvimento do pensamento e da linguagem e o da língua escrita,
esclarecimentos fazem-se necessários antes de prosseguir.
O primeiro diz respeito à nomenclatura “língua escrita”. Utilizo
essa terminologia como que abarcando os atos tanto de ler como de
escrever quase que de forma complementar, na perspectiva do sujeito que
o interpreta e que dá significação ao signo escrito.
Faço essa elucidação uma vez que, de acordo com Emilia Ferreiro
(2013a), em inglês (ou na América do Norte) há uma tradição segundo a
qual se privilegia mais a leitura do que a escrita; na América Latina tem
uma tradição de se considerar a leitura e a escrita como dois processos que
se complementam mutuamente. Além disso, há outras tradições, em
particular as anglófonas, nas quais, segundo a autora, primeiro se lê e o
escrever vem depois, já que a língua escrita está intimamente vinculada às
tradições religiosas, nas quais, vários autores relatam que, a leitura
individual dos textos religiosos é indispensável e o escrever é subsidiário, já
que é a leitura que garante acesso ao texto particular.
Outro esclarecimento pertinente se refere ao emprego do termo
linguagem. Bem como Jean-Marie Dolle (DOLLE, 2011) ressaltou, a
linguagem como meio de comunicação e de expressão não se reduz à
língua, mesmo que se incline a assimilar uma à outra.
De acordo com o autor, a linguagem se estende a toda atividade
humana, seja em qual especificidade escolha se manifestar (por exemplo:
de expressão, de comunicação, de representação como o desenho, ou o
teatro, etc.). Nesse sentido, é possível falar de linguagem do corpo (dança,
31
mímica, ginástica artística), da linguagem escrita, musical, pictórica,
matemática, filosófica, política, teológica... É evidente que a linguagem
humana enquanto sistema de comunicação é essencialmente mais
complexa e diferente das formas de comunicação de outras espécies, e isto
justamente por se basear em um diversificado sistema de regras relativas a
símbolos e seus significados, originando um número infinito de possíveis
novas expressões a partir de um número finito de elementos.
Assim sendo, abordo aqui a linguagem como um sistema através
do qual o homem faz uso para se comunicar (expressar pensamentos,
ideias, opiniões e sentimentos), seja através da fala, da escrita ou de outros
signos convencionais.
Entretanto, não há somente um tipo de linguagem.
Essencialmente, existem dois tipos de linguagem: uma verbal, e outra não-
verbal. De acordo com Dolle (2011), a linguagem verbal é aquela que
integra a fala e a escrita (isto é, a linguagem oral e a linguagem escrita), ou
seja, é aquela que faz uso das palavras para comunicar algo (diálogo,
informações no rádio, televisão ou imprensa, etc.); sendo que todos os
demais recursos de comunicação (imagens, desenhos, símbolos, placas e
sinais de trânsito, músicas, gestos, expressões faciais, tom de voz, etc.),
constituirão a linguagem não-verbal, ou seja, aquela que utiliza outros
métodos de comunicação, que não são as palavras.
Em português, é comum se utilizar a palavra linguagem como um
conceito geral e a palavra ngua como um caso específico de linguagem ou
um sistema linguístico específico (como a língua portuguesa, por
exemplo). Por tudo isso, a língua é por nós entendida como um
instrumento de comunicação, composta por regras gramaticais fixadas
pela história e pela cultura que possibilitam que determinado grupo de
falantes consiga produzir enunciados que lhes permitam se comunicar e se
32
compreender. Já a linguagem está relacionada a fenômenos comunicativos
de forma que, onde houver expressão e comunicação, haverá linguagem.
(DOLLE, 2011).
Após as devidas aclarações, evidencio a forma como o estudo está
organizado.
Primeiramente, realizo a análise das obras de Piaget sobre o
desenvolvimento do pensamento e da linguagem (Capítulo 1) para
aprofundar a sua concepção acerca do desenvolvimento dos primeiros
esquemas linguísticos para os conceitos. Além disso, para complementar as
repostas referentes à problematização do trabalho, abordo também outros
autores (como Hermine Sinclair, Adrián Oscar Dongo Montoya, etc.) que
também se dedicaram sobre a questão aqui tratada, apesar do básico ser o
primeiro texto de Piaget que fora citado.
Em um segundo momento, ainda que de forma sucinta e
particular, busco apresentar (Capítulo 2) uma das pesquisas realizadas por
Emilia Ferreiro (1984/2007), em a qual se dedica à relação entre a
linguagem falada e a escrita, demonstrando como chega à psicogênese da
língua escrita na criança e o que propõe sobre a mesma.
Na sequência, com a pretensão de observar analogias entre os
processos e construções tanto da linguagem oral como da língua escrita
pelo sujeito, procuro (Capítulo 3) apontar vínculos (semelhanças) entre os
estudos de Ferreiro e de Piaget. Isto é quando realizo uma análise
comparativa entre os estudos sobre a aquisição e o desenvolvimento da
língua escrita e o desenvolvimento do pensamento e da língua oral,
descrevendo as regularidades que existe nas duas obras.
Por fim, pretendendo referenciar algumas práticas educacionais e
pedagógicas, em relação à aprendizagem da língua escrita, que são
33
decorrentes das concepções que se tem acerca da aprendizagem da língua
oral.
Assim, a partir da análise proposta, destaco a relevância deste
estudo e a importância de se compreender a teoria que sustenta as
constatações de Emilia Ferreiro.
Em síntese, aproveito para convidar os leitores para conhecerem a
analogia existente, segundo a teoria de Piaget bem no sentido de se
tratarem de processos construtivos e de natureza conceptual, com
mecanismos comuns a ambos , entre o desenvolvimento do pensamento
e da linguagem oral e o que é próprio da língua escrita, justamente por ser
um conteúdo importante e que deve(ria) ser considerado/conhecido pelos
pedagogos para o ensino e trabalho nas escolas com a intencionalidade da
aprendizagem da língua escrita pelas crianças.
Este estudo revela, pois e sobretudo, um processo (inacabado) de
minha tentativa de compreender a psicogênese do pensamento e da
linguagem, e a própria fala egocêntrica em Piaget. Processo bem ao estilo
piagetiano: de desequilíbrios (muitos, e em vários sentidos), acomodações,
e, por vezes, assimilações... De avanços e retrocessos, de constantes idas e
vindas, de afirmação e dúvida, de loopings infindáveis.
34
35
CATULO 1
O Desenvolvimento do Pensamento e
da Linguagem segundo a Epistemologia Genética
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ____________ _______________ ___________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ____________ ______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ____________ __
A epistemologia genética não se confunde com a psicologia genética e esta,
por sua vez, não é idêntica à psicologia da criança. (...) a epistemologia
genética tem por objetivo investigar a formação dos conhecimentos como
tais, isto é, as relações cognitivas entre o sujeito e os objetos: estabelece,
então, a transição entre a psicologia genética e a epistemologia em geral,
que espera enriquecer levando em conta o desenvolvimento. (...) Portanto,
dada a sua própria natureza, a epistemologia genética é fruto de pesquisa
interdisciplinar, onde a psicologia genética representa um papel necessário
mas de modo algum suficiente.
Jean Piaget (1978)
Ao me propor realizar uma análise Epistemológica e Genética (isto
é, considerando a fundamentação de como ocorre o conhecimento, e
levando em conta o processo de formação e evolução a história desse
conhecimento), acerca da origem e do desenvolvimento do pensamento e
linguagem na criança, deparei-me com um problema teórico e
metodológico, que é abordado por Piaget (1964∕2006a, PIAGET;
INHELDER, 1975, etc.), no âmbito psicológico ∕ epistemológico, e por
outros autores, como por exemplo Goldmann (1966/1975), na história e
na sociologia, a respeito do qual devo me deter antes de dar
prosseguimento às minhas pretensões de apresentação do estudo.
Antemão, bem como escreveu Piaget (1964/2006a, p. 121),
“comecemos por definir os termos que vamos utilizar”.
36
Destarte, definirei o termo estrutura, de acordo com o autor, como
sendo “um sistema apresentando leis ou propriedades de totalidade
enquanto sistema” (PIAGET, 1964/2006a, p. 121) apesar das leis ou
propriedades dos elementos do sistema serem diferentes das leis de
totalidade, por se tratar de sistemas parciais, estes que constituem as
estruturas, em relação ao organismo como um todo. Uma estrutura tratar-
se-ia de um sistema parcial, apesar de enquanto sistema também
apresentar leis de totalidade distintas das propriedades dos elementos.
Uma vez definido, é preciso, então, estabelecer quais são essas leis
de totalidade para se dar sentido ao termo. Há, por exemplo, as estruturas
matemáticas: estruturas algébricas, estruturas de ordem, estruturas
topológicas, estruturas de grupo, estruturas de corpo ou de anéis, etc.
Mantendo a definição ampla adotada para esta noção, pode-se ainda
enquadrar as estruturas cujas propriedades e leis ficam pouco globais e que,
por isso, são redutíveis apenas às estruturações matemáticas ou físicas,
como a noção de Gestalt (da psicologia), cuja definição aborda um sistema
de composição não aditiva e irreversível ao contrário das estruturas
lógico-matemáticas, as quais são rigorosamente reversíveis.
Outrossim, segundo Piaget (1964/2006ª, p. 122), a gênese “é certa
forma de transformação partindo de um estado A e alcançando um estado
B, sendo este mais estável que o primeiro.”. No entanto, para afastar toda
definição afirmada em começos absolutos, a gênese principalmente na
psicologia se processa a partir de um estado inicial o qual comporta,
eventualmente, ele próprio uma estrutura, a qual também compreende um
desenvolvimento.
Assim, para o autor, a gênese é um sistema relativamente
determinado de transformações, que comporta uma história e conduz de
37
forma contínua um estado “A” a um estado “B”, cuja estabilidade é maior
do que o estado inicial e constitui, portanto, seu prolongamento.
Acerca do histórico destas palavras, é possível encontrar distintas
formas de abordar a problemática levantada.
As primeiras teorias que focalizaram o desenvolvimento (teorias
genéticas), na psicologia e na biologia, podem ser qualificadas de
geneticismo sem estrutura, justamente por o organismo ser indefinidamente
plástico e se modificar, sem cessar, sob as influências do meiocomo é o
caso de, na biologia, por exemplo, o lamarckismo. Nessa perspectiva, não
existem estruturas internas invariantes, nem mesmo estruturas internas
capazes de resistir ou de entrar em interação efetiva com as influências do
meio.
Já na psicologia, no seu início, “a concepção é sempre a mesma, só
que aplicada à vida mental” (PIAGET, 1964/2006a, p. 123). Ou seja, a de
um organismo modificado continuamente - quer seja pela aprendizagem,
pela experiência, pelo exercício, ou pelas influências do meio -, totalmente
plástico e sem estruturalismo (como a epistemologia empirista, por
exemplo).
Depois desta primeira etapa, ainda segundo Piaget (1964/2006a),
passou-se (na história das ciências) por uma verdadeira reviravolta, no
sentido de um estruturalismo sem gênese.
Na biologia, a partir de Weissmann citado por Piaget
(1964/2006a) , em sentido limitado, o que existe é uma espécie de pré-
formismo, ou seja, a evolução é apenas o resultado de uma mistura de genes
determinado do interior por certas estruturas não modificáveis sob a
influência do meio ou simplesmente uma aparência.
38
Já na filosofia, ainda consoante a Piaget (1964/2006a), há uma
intuição das estruturas ou das essências independentemente de toda
gênese, com Husserl - cuja influência atingiu a história da psicologia e
inspirou, inclusive, a teoria da Gestalt, a qual é, sem dúvidas, o protótipo
de um estruturalismo sem gênese, uma vez que propõe ser as estruturas,
permanentes e independentes do desenvolvimento do indivíduo.
Acerca do crescimento mental, segundo a Teoria da Gestalt, de
Koffka, “o desenvolvimento é determinado inteiramente pela maturação,
isto é, por uma pré-formação” (PIAGET, 1964/2006a, p. 123), ficando a
gênese, portanto, secundária, já que a perspectiva fundamental é pré-
formista (como a epistemologia apriorista, por exemplo).
Em decorrência de um conjunto de fatos que, durante quase 40
anos, estudando a psicologia da criança, Piaget (1964/2006a) apresenta a
sua síntese necessária de gênese e estruturas, contrapondo-se às duas
tendências (gênese sem estruturas e estruturas sem gênese).
Revela, assim, que sua longa investigação não fora conduzida pela
hipótese prévia sobre as relações entre gênese e estrutura. Pelo contrário,
focalizou-a apenas tardiamente quando teve a oportunidade de expor
resultados e obteve deferências acerca de sua psicologia genética, pois as
gêneses estariam sempre apoiadas sobre estruturas e, consequentemente, a
gênese seria subordinada à estrutura, em uma recíproca verdadeira até
porque, para o autor, “toda estrutura apresenta uma gênese, segundo uma
relação dialética, sem haver um primado absoluto de um dos termos sobre
o outro.” (PIAGET, 1964/2006a, p. 124).
Do ponto de vista histórico, segundo Goldmann (1966∕1975), o
estruturalismo genético surgiu, pela primeira vez, na filosofia, com Hegel
e Marx. É verdade que, apesar de ter sido um descobrimento tardio nas
39
ciências históricas e sociais, esta forma de explicação, é uma das primeiras
posições elaboradas por pensadores que se orientaram com seriedade para
um intento de compreensão positiva desta.
De acordo com Piaget (1964/2006a, p. 124), “toda gênese parte
de uma estrutura e chega a uma outra estrutura”. Esta é a sua primeira tese.
Sendo, então, os estados (A e B) outrora citados, sempre estruturas.
Para exemplificar essa sua primeira tese, o autor toma como
exemplo uma estrutura que antes da idade de 12 anos não é verificável na
criança, e que por volta dos 12 anos já assim pode ser, diz, “não cai do céu
(PIAGET, 1964/2006a, p. 125), mas tem uma gênese. Ou seja, esta nova
estrutura é preparada por estruturas mais elementares - as quais não
apresentam a mesma característica da estrutura total, mas características
parciais - que resultarão, depois, em uma estrutura final.
Este processo é o mesmo que ocorre com as estruturas anteriores,
presentes, por exemplo, nas crianças menores (de 3 a 7 anos). Dessa forma,
pode e chega a conjecturar que a gênese de toda estrutura se manifesta
sempre no nível sensório-motor (o qual é anterior à linguagem), onde já
há toda uma estruturação sob a forma de construção do espaço, de grupos
de deslocamento, de objetos permanentes, etc. Estruturação esta que é,
portanto, o ponto de partida de toda a lógica ulterior.
Para o autor, pode-se sempre reconstruir a gênese a partir de outras
estruturas mais elementares, que não constituem começos absolutos, mas
que derivam, por uma gênese anterior, de estruturas mais elementares, e
assim por diante até o infinito. Piaget (1964∕2006a), apesar de se referir ao
infinito, sugere deter-se ao nascimento, mais especificamente ao nível
senso-motor, por ser neste que se coloca, bem entendido, todo o problema
biológico.
40
Sua segunda tese refere-se à reciprocidade de que assim como toda
gênese parte de uma estrutura e chega a outra estrutura, “toda estrutura
tem uma gênese” (PIAGET, 1964/2006a, p. 126). Sua conclusão acerca
desta, em outras palavras, é a de que, na psicologia da intelincia,
nenhuma estrutura é inata na criança, mas se constroem progressivamente.
Por isso afirma que não existem estruturas inatas, uma vez que toda
estrutura supõe uma construção, e todas essas construções estão ligadas em
cadeia a estruturas anteriores.
Portanto, para Piaget (1964/2006a), gênese e estrutura são
indissociáveis, mas indissociáveis temporalmente, pois ao se estar diante de
uma estrutura como ponto de partida, e de outra estrutura mais complexa,
como ponto de chegada, entre as duas necessita, indispensavelmente, um
processo de construção, o qual compreende a gênese. Não há uma sem a
outra, apesar de não se ter as duas ao mesmo tempo, já que a gênese trata-
se da passagem de um estado anterior para um ulterior.
Por isso constatar, Piaget (1964/2006a) questiona como ocorreria,
então, esta relação entre estrutura e gênese, e sua hipótese debruçar-se-á
sobre outro conceito: o de equilíbrio. E, para o definir, apresenta suas três
características, sobre as quais tratarei a partir de agora.
A primeira refere-se à estabilidade móvel, marcada por
transformações que se compensam de modo estável. Dessa forma, para o
autor, o equilíbrio pode ser móvel e estável. “Um sistema operatório será,
por exemplo, um sistema de ações, uma série de operações essencialmente
móveis, mas que podem ser estáveis, no sentido de que a estrutura as
determina, uma vez constituída, não se modificará mais.” (PIAGET,
1964/2006a, p. 127).
41
Já a segunda característica abrange a questão de que todo sistema
pode sofrer perturbações exteriores, as quais tendem a modifica-lo. Haverá
o equilíbrio, portanto, quando estas perturbações externas serem
compensadas pelas ações do sujeito. Esta ideia de compensação é, então,
fundamental para a questão do equilíbrio psicológico.
E, por fim, a terceira característica e não menos importante ,
sobre a qual a noção de equilíbrio é sinônimo de atividade. “O equilíbrio
assim definido não é qualquer coisa de passivo, mas, ao contrário, alguma
coisa de essencialmente ativo.” (PIAGET, 1964/2006a, p. 127).
No campo da moral, por exemplo, o equilíbrio de uma
personalidade supõe uma força de caráter para resistir às perturbações, para
conservar os valores aos quais se tem apego, etc. Já no campo cognitivo,
uma estrutura estará em equilíbrio na medida em que o indivíduo é
suficientemente ativo para poder opor a todas as perturbações externas, e
as compensações exteriores acabarão por passar a serem antecipadas pelo
pensamento. É preciso, portanto, tanto maior ser uma atividade, quanto
maior for o equilíbrio.
Uma vez definida, a noção de equilíbrio passa a ter um importante
papel, que permite inclusive a síntese entre gênese e estrutura,
justamente pelo fato de abarcar as noções de compensação e de atividade.
Desta forma, a referida noção de equilíbrio passa a ser compreendida como
sistema de compensações progressivas; e, quando estas compensações são
alcançadas, ou ainda, logo que o equilíbrio é obtido, a estrutura esta
constituída em sua reversibilidade (PIAGET, 1964/2006a).
Após longa investigação psicológica, sociológica e epistemológica
sobre as obras de Piaget (1923/1999; 1936/1987; 1945/2014; 1966;
dentre outras) Dongo Montoya (2011) chega a mostrar a possibilidade de
42
postular um novo paradigma sobre a sua teoria, que possibilite a
relativização dos determinismos exógenos e endógenos, e que exige pensar
o desenvolvimento humano enquanto dialético, contínuo e descontínuo
nos diferentes planos de ação, justamente por considerar e aceitar a
solidariedade entre as coordenações intra-individuais e as coordenações
inter-individuais.
Até porque, isto é o que acontece com todas as estruturas, desde as
mais elementares até as mais complexas inclusive com as que se
manifestam no indivíduo antes mesmo dele adquirir a linguagem. Por isso
que para Piaget, segundo o autor supracitado, a gênese de toda estrutura
se manifesta sempre a nível sensório-motor onde já há toda uma
estruturação sob a forma de construção do espaço, de grupos de
deslocamento, de objetos permanentes, e são, não obstante, anteriores à
linguagem.
Por nenhuma estrutura ser inata no indivíduo, mas se construir
progressivamente, ou seja, toda estrutura supor uma construção e todas
essas construções serem ligadas em cadeia a estruturas anteriores, ao se estar
diante de uma estrutura como ponto de partida, e de outra estrutura mais
complexa como ponto de chegada, entre as duas necessita,
indispensavelmente, um processo de construção que compreende a
gênese.
Esta explanação consistiria em uma suma da epistemologia de
Piaget. Por isso, não há uma sem a outra (estrutura e gênese), apesar de
não se ter as duas ao mesmo tempo (já que a gênese tratar-se-ia da passagem
de um estado anterior para um posterior).
Realizadas as referidas explicações, pude abordar a questão do
pensamento e da linguagem na teoria do conhecimento de Piaget, pois,
43
segundo suas solicitudes, os seus desenvolvimentos são compreendidos
ambos como sendo um processo de sequências autorreguladoras de
compensações ativas do sujeito em resposta às perturbações do meio físico
e social, e cujo resultado é a passagem continua de um estado de menor
equilíbrio (esquemas verbais) para um estado de equilíbrio superior (os
pré-conceitos), constituindo, doravante, uma nova estrutura (os conceitos)
ou ainda, na dimensão social, de uma linguagem mais individual e
egocêntrica para uma linguagem social onde há coordenação
interindividual das operações, isto é, reciprocidade dos pontos de vista e
correspondência das operações.
Consoante a Piaget (1964/2006a), um bebê com apenas alguns
meses de vida comparado com uma criança de dois ou três anos, na posse
de expressões verbais elementares, faz parecer evidente que a linguagem
modificou veementemente sua inteligência, acrescentando-lhe o
pensamento.
Mas, será que se pode, com efeito, atribuir à lógica que a linguagem
comporta, a responsabilidade pela aprendizagem da coerência de raciocínio
na criança? Afinal, o que vai fazer com que a lógica infantil evolua? Será
que seria a linguagem a responsável? Como ela intervém? O
questionamento que se coloca, então, é o de que se a linguagem seria a
única fonte do pensamento (especialmente do raciocínio lógico) ou se, ao
contrário, este último é relativamente independente da linguagem e possui
raízes mais profundas que ela própria.
Em a sua incumbência, então, Piaget
sobretudo em suas obras
depois da postulação sobre o nascimento da inteligência, por suas primeiras
conquistas (década de 20) serem incorporadas num sistema maior,
especificamente, nas décadas de 30 e 40, como consequência de
reconstruções em função de novas descobertas (DONGO MONTOYA,
44
2006) dedica-se a confrontar a criança antes e depois da linguagem, a
fim de, por meio das suas pesquisas empíricas, demonstrar a pertinência de
suas hipóteses sobre a origem e o desenvolvimento do pensamento. Para
começar, evidencio a própria afirmação do autor acerca da impossibilidade
que encontrar para dar interpretações sobre as estruturas representativas
mais evoluídas sem reconhecer certa continuidade do espaço perceptivo
precedente ou do espaço sensório-motor que as prolonga.
A hipótese de Piaget se traduz, assim, na existência de certo sincro-
nismo e parentesco entre a inteligência sensório-motora
1
e a formação da
linguagem, resultantes, justamente, da continuidade funcional e das
transformações alcançadas pelas estruturas desta inteligência. Na verdade,
de acordo com o autor, em suas diversas relações, tanto a evolução do
pensamento quanto a da linguagem, tratar-se-iam de aspectos
interdependentes de uma mesma realidade.
Consoante a Piaget (1936/1987), em torno dos 8 aos 9 meses de
vida aparecem importantes transformações solidárias entre si e referentes
ao mecanismo da inteligência e à elaboração de objetos, de grupos espaciais
e das séries causais e temporais que caracterizam o aparecimento de uma
nova fase: a das primeiras condutas propriamente inteligentes (4ª fase, a
saber).
Destaco que abordarei, neste momento, sobretudo esta fase por se
tratar de uma etapa transitória, a qual permite observar as transformações
que ocorrem no ínterim do período sensório-motor e que marcam o início
da inteligência com certa lógica prática, que servirá de substrato mais
adiante para a lógica racional.
1
Piaget (1936/1987) para descrever como se dá a construção da inteligência, subdivide o período sensório-
motor em seis fases.
45
Nesta nova fase, a ação da criança deixa de funcionar por simples
repetição e passa a permitir toda uma série de esquemas transitivos, e, além
de uma distinção entre o fim e os meios, ocorre, simultaneamente, uma
coordenação intencional dos esquemas já existentes.
É, então, justamente neste momento - no qual dois esquemas, até
então isolados, são mutuamente coordenados em um único ato - que é
preciso que o sujeito se proponha a alcançar um fim não diretamente
acessível e coloque em ação, com essa intenção, esquemas relativos a outras
situações.
O ato inteligente estará constituído, dessa forma, por não se limitar
a reproduzir mera e puramente os resultados interessantes, mas a atingi-
los graças a novas combinações.
Este progresso acaba por conduzir a uma consequência essencial
através da qual a coordenação dos esquemas constitui os instrumentos da
sua inteligência e a criança aprende a relacionar as próprias entre si , e, à
medida que a ação se complica, por coordenação dos esquemas, em vez de
concentrar o universo em si própria, a criança começa a se situar em um
universo independente dela: ou seja, o universo acaba por se objetivar e se
diferenciar do eu.
Por isso que, conforme o autor, o primeiro fenômeno visível é em
relação à noção de objeto, pois é na medida em que a criança aprende a
coordenar dois esquemas distintos, ou seja, duas ações até então
independentes uma da outra, que ela se torna apta a buscar os objetos
desaparecidos e a lhes ceder um começo de consistência independente do
eu.
Procurar o objeto desaparecido é, na verdade, afastar os obstáculos
que o escondem e concebê-lo como algo situado por detrás daqueles; ou
46
ainda, é pensar o objeto nas suas relações com as coisas percebidas no
momento e não apenas em suas relações com a ação do sujeito.
Tal progresso também acompanha a elaboração correlativa do
campo espacial o qual com a coordenação dos esquemas inicia certa
inter-relação espacial dos corpos (isto é, o espaço vai deixando de ser
percebido em função do eu, como um meio móvel que interliga todas as
coisas) , da causalidade e do tempo pois, bem como a causa de um
fenômeno qualquer deixa de ser identificada pela criança com o
sentimento que ela possuía agir sobre esse fenômeno, as séries temporais
começam a ser ordenadas em função da decorrência dos eventos e não
apenas das suas ações.
É justamente nisso que se pode conjecturar, sob a ótica piagetiana,
certa analogia funcional entre os esquemas dessa quarta fase com os
conceitos, e sobre a qual encarregar-me-ei, então, de evidenciar avante.
A coordenação dos esquemas que caracteriza as condutas da atual
fase (a quarta) se realiza similarmente a uma classificação dos próprios
objetos abrangidos por esses esquemas. Aliás, as relações que determinam
um objeto dado não são somente as relações de atribuição que lhe
permitem ser inserido em um ou mais esquemas, mas todas as relações que
o definem dos pontos de vista espacial, temporal, causal, etc.
Dessa forma, as diferenças que destacam o curso da presente fase
da sua precedente (terceira fase), consistem em, afora a afirmação de certa
mobilidade dos esquemas em que eles se coordenam entre si e,
consequentemente, dividem-se para se reagruparem de uma nova maneira
; as relações que eles ocasionam, tornando-os passíveis de serem extraídos
de suas totalidades particulares, a fim de darem lugar a combinações
diversas.
47
Exemplo: Um bebê de 8 meses pode afastar um brinquedo para pegar
outro de seu interesse. Nessa situação, a criança coordena dois esquemas: um
esquema meio (afastar) e outro esquema fim (pegar). Não se trata de só uma
associação mecânica, mas de uma integração recíproca entre duas ações.
Em consequência, por se tornarem “móveis” (ou seja, aptos a novas
coordenações e composições) os esquemas destacam-se do seu conteúdo
habitual para se aplicarem a um número maior de objetos ou seja, de
esquemas particulares se convertem em esquemas genéricos e de conteúdo
diverso.
Nessa perspectiva, a coordenação dos esquemas, as suas
diferenciações e seus reagrupamentos (apesar de todas as diferenças
relacionadas à estrutura), dão lugar a um sistema de esquemas móveis cujo
funcionamento (graças a uma operação de assimilação) é equivalente ao
dos conceitos e juízos próprios da inteligência verbal ou refletida.
Efetivamente, segundo Piaget (1936/1987), no plano da inteligência
prática, a sujeição dos meios aos fins é análogo à das enunciações
(argumentações) em face de término, no plano da inteligência lógica.
Piaget, desde a sua primeira obra acerca do tema Pensamento e
linguagem, de 1923 (última edição datada de 1999), dividia a linguagem
da criança em dois grandes grupos: um socializado e outro egocêntrico. Tais
grupos se diferenciariam, basicamente, por suas funções, uma vez que a
linguagem, ao se relacionar à forma como a criança busca compreender os
fenômenos do mundo, apresentar-se-ia como uma manifestação de seu
raciocínio, o qual durante um longo período é egocêntrico, justamente
pela dificuldade de descentração e conseguinte impossibilidade de
coordenação das perspectivas.
48
Sendo assim, de acordo com o autor, nesse período por sua forma
de conceptualizar o mundo durante as suas ocupações, a criança
acompanha os seus atos com falas particulares, e é esse acompanhamento
verbal da atividade infantil que Piaget distingue como linguagem
egocêntrica da linguagem socializada da criança, cuja função é
inteiramente outra.
A linguagem é egocêntrica exatamente porque a criança não se
preocupa em colocar- se no ponto de vista do interlocutor, e por isso, acaba
falando apenas para si (e, por vezes, de si). Não interessa a ela se a estão
ouvindo, e também não aguarda resposta, bem como não experimenta
vontade de influenciar o interlocutor ou efetivamente lhe comunicar
alguma coisa. Já na linguagem socializada, a criança realmente troca ideias
com outras: pede, ordena, ameaça, comunica, critica, pergunta; pois tem
intencionalidade pela comunicação, ou seja, esta não lhe é inconsciente.
Retornado aos seus primórdios, a linguagem inicial se dá apenas na
forma de balbucio (por volta do quarto, quinto, sexto mês...). Mais
adiante, a própria ecolalia, ou fase de lalação espontânea (que é comum às
crianças de todas as culturas de 6 a 10-11 meses) que se enquadra como
uma categoria inicial da linguagem egocêntrica infantil, de acordo com
Piaget (1923/1999) é um resto do balbucio dos bebês e um meio que a
criança se utiliza para repetir apenas pelo prazer de falar.
Para o autor, essa linguagem se equipara à imitação, como
instrumento para sua adaptação ideomotriz em benefício da qual a criança
reproduz e depois simula os gestos e as ideias das pessoas que a cercam
(PIAGET, 1923/1999, p. 11). Nela, a criança não tem nenhuma
preocupação em se dirigir a alguém, o que evidencia sua falta de
intencionalidade pela socialização, mesmo que isso pareça paradoxal
justamente por simular gestos e ideias de seu meio.
49
Em suas análises sintéticas, Piaget e Inhelder (1966/2006),
corroborados por diversos colaboradores, entre eles H. Sinclair, R. Brown,
entre outros, essa falação inicial e espontânea, que é comum às crianças de
todas as culturas, é sucessiva de uma fase da linguagem em que já há certa
diferenciação de fonemas por imitação. Assim, ao término do período
sensório-motor, a criança passa por uma fase de “palavras-frases”, na qual
o indivíduo externa frases de duas palavras, depois pequenas frases
completas sem conjugações e declinações, e, logo após, uma aquisição
progressiva de estruturas gramaticais.
Há pouco Piaget (1945/2014) ressalvara que a formação dos
conceitos verdadeiros decorrentes dos primeiros signos verbais é lenta. Isso
porque, segundo o autor, o emprego inicial dos esquemas verbais serve
somente de expressão à criança e são intermediários entre os jogos de
exercício e os símbolos lúdicos desligados da própria ação bem como a
imitação diferida assim o é entre a imitação sensório-motora e a imitação
representativa.
As palavras usadas para indicar esses esquemas são igualmente
intermediárias entre significantes simbólicos ou imitativos e verdadeiros
signos. Adiante apresento alguns exemplos, extraídas da obra de Piaget
(1945/2014) esse primeiro, especificamente, sobre essas primeiras
expressões:
Perto de um ano e seis meses (1;6), J. sabe cada vez mais tirar partido
do adulto para obter o que deseja e resmunga sistematicamente quando
se recusa ou finge não entender. E um de seus avós que é, nesse sentido,
o instrumento mais dócil. O termo “panana” é empregado, não apenas
para chamar seu avô, como também para exprimir, mesmo em sua
ausência, o fato de que ela reclama alguma coisa: designa o objeto de
seus desejos, como bolo, boneca, água, etc., e emite um resmungo
50
significativo acrescentando-lhes “panana”. (PIAGET, 1945/2014, p.
245).
Piaget questiona se podería considerar esses primeiros esquemas
verbais esses que as crianças pequenas fazem o uso para designar ações
particulares que as interessam ou que são relativos a elas como
verdadeiros conceitos. A questão exige definições.
Caso se compreenda os conceitos como sendo sistemas de classes,
isto é, conjuntos de objetos agrupados segundo relações de encaixes
hierárquicos, tais esquemas não responderiam, absolutamente, a essa
estrutura. Ao contrário, por intervir uma assimilação direta desses objetos
entre eles e dos objetos sobre suas ações, simplesmente reúne os objetos
sob uma mesma denominação: de acordo com o seu próprio ponto de vista
acerca das coisas e segundo suas qualidades objetivas conquanto, já se
tratariam de esquemas sensório-motores em vias de conceptualização, uma
vez que se caracterizam por serem modos de ações generalizáveis e que se
aplicam a objetos cada vez mais numerosos.
De acordo com Piaget (1945/2014), por exemplo, “o vocábulo
panana’ (oriundo de ‘vovô’) designa seu avô, mas é ao mesmo tempo um
termo de desejo empregado para obter o que seu avô lhe daria se estivesse
lá.” (PIAGET, 1945/2014, p. 247). Por isso, para o autor, tais palavras
têm a conotação dos esquemas de ações complexas e não designam
simplesmente classes singulares... Isto é, tratam-se muito mais de nomear
sistemas de ações possíveis do que nomes de objetos.
Por assim ser, ainda não se enquadram como conceitos
verdadeiros, mas também não são esquemas sensório-motores puros.
Conservam destes o essencial: justamente por serem modos de ação
generalizáveis e que se aplicam a objetos cada vez mais numerosos. Em
51
relação a aqueles, já apresentam um sutil desligamento quanto à própria
atividade e anunciam o elemento característico de comunicação (não
obstante serem indicados por fonemas verbais que os colocam em
associação com a ação de outro e que fragiliza a interlocução).
Na verdade, há aqui particularidades que, ao mesmo tempo em
que limitam ainda o desenvolvimento desses esquemas verbais na direção
do conceito, remetem mais uma vez, só que no novo plano representativo
(plano conceptual em vias de formação), ao esquematismo sensório-motor
da fase VI ponderando as especificidades das características de esquemas
de ação, claro. Primeiro porque o conceito presume uma definição
consolidada que reflete, ela própria, uma convenção consistente que
concede ao signo verbal sua significação; e a significação de um esquema
verbal ainda é muito genérica e se modifica muito rapidamente:
Ao 1;1 (20), mais ou menos, J. designa os cães por “au-au”. Ao 1;1
(29), mostra de sua varanda o cão do proprietário, no jardim, e diz
ainda “au-au”. Algumas horas depois, no mesmo dia, designa com esse
nome os desenhos geométricos de um tapete, apontando-os com o
dedo. Ao 1;2 (1), ela vê da sua sacada um cavalo, contempla-o com
grande atenção e enfim diz “au-au”. Uma hora depois, a mesma reação
em presença de dois cavalos. Ao 1;2 (3), é um carrinho de criança
descoberto, com o bebê bem visível e empurrado por uma senhora, que
desencadeia “au-au” (tudo visto da sacada). Ao 1;2 (4), são galinhas.
Ao 1;2 (8), diz “au-au” aos automóveis e aos trens. Ao 1;2 (12), “au-
au” é dito de tudo que é visto de sua sacada: animais, automóveis, o
próprio proprietário (do cão inicial) e as pessoas em geral. (...) Após
1;4, enfim, “au-au” parece definitivamente reservado para os cães.
(PIAGET, 1945/2014, p. 244-245).
Conforme Piaget (1945/2014), isso significa que o que liga um
objeto a outro no conceito verdadeiro é diferente do que acontece no nesse
52
esquema verbal intermediário, pois no caso do primeiro, há inclusão de
um objeto em uma classe e de uma classe em outra, enquanto em um
esquema como “au-au” existe apenas uma espécie de afinidade entre todos
os objetos que são ligados uns aos outros fortuitamente.
Essas primeiras palavras aplicadas são anteriores aos signos, não
obstante já se destacarem por serem ligadas entre si em uma linguagem já
organizada (característica essa dos signos propriamente ditos), sendo, por
isso mesmo, designadas como semissignos, ou ainda semiconceitos. Assim,
elas ficam a meio termo entre o símbolo individual e o signo social,
por justamente reter da imagem (ou símbolo) o seu caráter imitativo: seja
a imitação do objeto referido, seja a imitação das palavras utilizadas na
linguagem adulta as quais são “extraídas” dessa linguagem e empregadas
em algum momento isolado; e a sua instabilidadeem contraste com a
firmeza do signo.
Piaget (1945/2014) pergunta se quando a criança chama um
desenho do tapete pelo termo “au-au”, como se apresentou anteriormente,
ela está fazendo uma classificação conceptual por meio de um signo ou se
estaria meramente construindo um símbolo lúdico acompanhado de
linguagem. O autor sanciona pendendo-se no sentido dessas designações
infantis serem, outrossim, intermediárias: simultaneamente simbólicas,
imitativas e conceptuais, ou seja, a meio caminho entre o símbolo e o
conceito.
Sendo assim ao término da evolução da inteligência sensório-
motra, novamente o autor questiona: como esses primeiros esquemas
verbais, que intermedeiam os esquemas sensório-motores e os conceitos,
evoluiriam na direção destes últimos? Ou melhor, como esta linguagem
ligada ao ato imediato e presente, vai passar a representações verbais
53
propriamente ditas (juízos de constatação e não mais somente de juízos de
ação)? E como a linguagem permitirá a construção dos conceitos?
De certo, como o próprio Piaget (1945/2014, p. 250) alega, “a
relação é naturalmente recíproca e a possibilidade de construir
representações conceptuais é uma das condições necessárias para a
aquisição da linguagem”. O progresso da representação conceptual,
portanto, será sensível ao da própria linguagem: assim que dispor dos
semissignos, o sujeito poderá aprender ligeiramente a falar palavras-frases,
frases de duas palavras e frases completas, fragilmente sobrepostas uma às
outras...
A linguagem neste momento se dá, preliminarmente, de ordens e
de expressões de desejo. As designações não se tratam da usual concessão
de nomes, antes se referem ao pronunciado de uma ação realizável. A
palavra, aqui, restringe-se a quase transpassar a mesma organização dos
esquemas no nível sensório-motor e, que por isso, é até facultativa.
E, paradoxalmente (por nesse momento se tratar de arrumações
que poderiam até passar sem a participação da expressão verbal), é
exatamente agora que a narrativa se constitui como substancial (essencial)
na solução como meio de evocação e de reconstituição. Isso porque,
mesmo que inicialmente as narrativas sejam dirigidas pela criança tanto a
si própria (quase que traduzindo para si a organização dos seus esquemas
de ação) como aos outros (em um início de intencionalidade pela
comunicação), nesse momento a linguagem também deixa de apenas
acompanhar o ato em curso para reconstituir a ação passada, inaugurando,
assim, a representação (ação de apresentar novamente).
Desta forma que a palavra começa a funcionar como signo: Ao
1;7 (28), uma narrativa é feita à mãe a propósito de um gafanhoto que J.
54
acaba de ver no jardim: Fanhoto, fanhoto saltar (como me mandou fazer)
rapaz, isto é, um primo que efetivamente a fez saltar na antevéspera.
(PIAGET, 1945/2014, p. 251).
Piaget salienta, então, que somente a partir disso (quando a
expressão verbal não é apenas parte do ato, mas uma evocação deste) que
a palavra começa a funcionar como signo, pois começa a se desligar do
esquema sensório-motor e a assumir a função de reapresentação (nova
apresentação).
Assim sendo, a narrativa agrega uma condição peculiar (que lhe é
particular) à circunstância, de objetivação: a comunicação ou socialização
do pensamento.
Apesar de ainda ser somente a reconstituição de uma ação, para
passar à constatação propriamente dita, outro avanço deve ocorrer: a
narrativa terá que, nesse caso, descrever a ação ao invés de fazer parte
integrante dela. Portanto, em lugar de acompanhar novamente a ação em
andamento (como a linguagem inicial faz), a palavra precisará se tornar
uma exposição que se refira tanto ao presente como ao passado, ou seja,
seu relato deverá ser duplo, multiplicando a apresentação perceptiva dos
fatos.
Quando isso acontece, um prenúncio aparece que é a pergunta “o
que é?”, a qual demarca o progresso dessa conceptualização.
Tal pergunta se relaciona não somente ao nome do objeto
designado, como também ao seu conceito ou classe, como se pode observar
na descrição de Piaget (1945/2014, p. 251-252) a seguir:
Mais ou menos com 1;9 e 2;0, J. experimenta a necessidade de
apresentar, quando alguém entra no quarto, de algum modo, os objetos
55
e as pessoas pelo nome: “Papai, mamãe, nariz (da boneca), boca, etc.”
Leva muitas vezes a seus pais uma boneca dizendo “boneco”, ou um
objeto designando-o pelo nome “pedra”, como se quisesse partilhar seu
saber. Depois faz com que o grupo que a cerca participe de tudo aquilo
que ela faz, mostrando os objetos e narrando suas ações enquanto as
executa na realidade. Mas ela procede exatamente do mesmo modo
quando está sozinha e é até no curso de seus monólogos que podem
observar seu primeiro “o que é?”. Ao 1;9 (24), por exemplo, eu a ouço
dizer a si mesma: “O que é, Jacqueline, o que é?... Pronto! (ela deixa
cair uma bola de madeira), O que é que cai? Uma bola. (Depois ela
pega num colar.) Não está frio” etc.
O autor então ressalva a posição igualmente intermediária da
própria linguagem infantil, nesse nível, que se mantém pontualmente a
meio caminho entre a comunicação com o outro e o solilóquio (conversa
de alguém consigo mesmo) ou monólogo egocêntrico, uma vez que suas
narrativas, descrições, e até mesmo suas perguntas, dirigem-se tanto a si
mesmo quanto a outrem.
À vista disso, Piaget (1945/2014) questiona se tal egocentrismo da
linguagem acarretaria uma situação semelhante, referente à
conceptualização, indiferenciada e intermediária já que os primeiros
conceitos (ou pré-conceitos) tomam parte dos esquemas sensório-motores,
dos quais procedem, do mesmo modo que das imagens imitativas (ou
símbolos lúdicos) com as quais permanecem parecidos na qualidade de
serem representações pouco socializadas.
As conclusões do autor se aproximam mais - bem como já expus
outrora - do avanço da representação conceptual ser sensível ao da própria
linguagem, ou seja, o vínculo é recíproco, e a possibilidade de se ter
representações conceptuais é uma das condições necessárias para a
aquisição da linguagem, e não o inverso! Portanto, a característica dessa
56
linguagem, como apresentei, é “intermediária” entre o monólogo e a
comunicação socializada, e se deve ao caráter contínuo dos pré-conceitos:
a criança, nesse momento, não alcança nem a generalidade nem a
individualidade verdadeiras, pois suas noções oscilam entre esses dois
extremos e, nesse aspecto, precisamente remete à estrutura dos esquemas
sensório- motores e das imagens imitativas ou lúdicas dela proveniente.
Assim, é natural que isso reflita, inclusive, na sua fala (linguagem)...
Apresento algumas elucidações:
Aos 2;7 (12) J., ainda vendo L. com roupa de banho nova e boné,
pergunta: “Como se chama o nenezinho?” A mãe responde que é uma
roupa de banho, mas J. aponta para a própria L. e pergunta: “Mas
como é que isso chama? (mostrando o rosto de L.), repetindo várias
vezes seguidas a pergunta. Ora, assim que L. torna a pôr o vestido, J.
exclama, muito séria: “É Lucienne outra vez”, como se a irmã tivesse
mudado de identidade ao mudar de roupa. (PIAGET, 1945/2014,
p.253)
Reciprocamente, L., aos 2;4 (28), olha para uma fotografia de J. com
menos idade: “Quem é?” É J. quando era pequena. Não, não é.
Não era J. quando era pequena? É, quando era Lucienne.” (PIAGET,
1945/2014, p. 253)
J. aos 2;6 (3): “Isto não é uma abelha, é um besouro, É um bicho?”
Entretanto, também mais ou menos aos 2;6, designa pelo termo “a
lesma” as lesmas que vamos ver, todos os dias de manhã, ao longo de
certo caminho. Aos 2;7 (2), exclama: “Olhe ela ali!”, quando vê uma;
dez metros adiante, vemos outra, e J. diz: “Outra vez a lesma.”
Respondo: “Mas não é outra?” J. volta então para ver a primeira:
“Então é a mesma?” É. Outra lesma? É. Outra ou a mesma?
...” É claro que a pergunta não tem sentido para J. (PIAGET,
1945/2014, p. 254)
57
Esses dentre outros diversos fatos são característicos das estruturas
pré-conceptuais (dos dois aos quatro anos e meio, até), de acordo com
Piaget (1945/2014). Em outras palavras, as concepções (reveladas através
da fala) do sujeito acabam ficando a meio caminho do que é individual e
do que é geral, caracterizando-se como pré-conceptual, exatamente porque
o que constitui como “significante” não é a palavra ou signo verbal, mas a
própria imagem mental do objeto significado.
Assim, ao invés do sujeito ter a mediação de um signo coletivo
como significante do conteúdo representado, e a imagem servir apenas de
auxílio (assistência) interior que duplica esse signo para estabelecer
correspondências entre a realidade subjetiva (interna) e a objetiva (externa)
e extrair dessas o conceito, a imagem, nesse nível, é reduzida à categoria
de puro significante, e fica, por assim ser, bem distinta do conceito, uma
vez que desempenha o papel de único símbolo, estático, específico
(particular), que impossibilita esse sujeito de estabelecer as relações que
lhe são necessárias.
Por isso que, para a criança desse nível, o caráter essencial desses
objetos ou pessoas não é suas identidades através do tempo, mas os estados
diferentes e sucessivos pelos quais passam e que os fazem simplesmente
mudar de personagem. Isso porque, uma classe é uma espécie de
indivíduo-tipo, o qual é repetido em múltiplus modelos.
Ora, isso faz com que os elementos participem diretamente uns dos
outros (não tenha individualidade permanente), e não se organizem em
conjuntos seriados (que tanto se relacionam com o que é próximo um ao
outro, como se distanciam pelo que diferem entre si): justamente pela falta
de individualidade das partes e a ausência de classe de generalidade estáveis.
58
Dessa forma, no caso das lesmas, por exemplo, são todas “a mesma
lesma” que ressurgem sob novas formas. Ou ainda, para que uma criança
saiba que um besouro e pequenas minhocas são bichos, precisaria reunir,
de modo segundo uma composição reversível, as partes em um todo, mas
os fatos elucidam precisamente a dificuldade que ela ainda apresenta para
construir esse tipo de coordenações.
Não obstante a imagem mental já desempenhar o seu papel natural
de significante, conserva, além disso, a função herdada de sua origem
imitativa e consiste em ser um substituto parcial da coisa significada.
Dessa maneira, pelo próprio fato dos objetos estarem assimilados
diretamente uns aos outros, o objeto assimilante se torna uma espécie de
exemplar privilegiado em relação ao objeto assimilado, ao passo que no
conceito todos os objetos que se enquadram em uma classe são
equivalentes graças às suas características comuns e abstratas e não porque
fora assimilado enquanto protótipo individual (sobre o qual se repousa
todos os outros).
Piaget (1945/2014, p. 257) afirma que “na medida em que a
imagem constitui um significante em relação ao pré-conceito, ela dele
representa, portanto, o indivíduo essencial e não um objeto qualquer”.
Essas qualidades de esquema individualizado e de representante do
indivíduo típico fazem com que a imagem não seja um simples
significante, mas o próprio representante do objeto, exercendo a função
de substituto de todos os outros.
A assimilação se dá em função de um objeto privilegiado, sem
acomodação generalizada (transformações satisfatórias) a todos, e quando
o pensamento se depara com objetos semelhantes ao do objeto que fora
assimilado, a acomodação acontece, então, em prol da imagem dele, e esta
59
imagem intervém precisamente a mérito de apoio indispensável da
assimilação (isto é, de significante privilegiado e em parte de substituto).
Referente à linguagem, por exemplo, o nome (dos objetos, lugares,
pessoas, etc.) trata- se senão da imagem que a criança gravou das coisas
representadas por ele.
Desta forma: o pré-conceito requer a imagem, além de ser
determinado por ela, enquanto o conceito dela se liberta, justamente por
conta de sua própria generalidade, e dela se serve apenas a título de
ilustração. A superação ocorrerá, então, quando o significante não for
mais diretamente a imagem mental do objeto representado, mas sim o
signo linguístico, que terá somente a título de adjutório interior a sua
imagem (ilustração).
Piaget (1945/2014) esclarece que esse caráter funcional do pré-
conceito (pensamento) e do símbolo lúdico (linguagem) advém da forma
que se dá a assimilação, que é direta: sem a mediação das identidades e das
generalidades verdadeiras da forma de raciocinar do sujeito que é pré-
lógica, ou seja, que ainda não ocorre por meio de operações.
E, segundo o autor, para a criança se libertar desses pré-conceitos
egocêntricos e atingir as noções objetivas, precisará, essencialmente e
pouco a pouco, dissociar dois pontos de vista diferentes, em conexão com
a socialização de seu pensamento: o seu, e o ponto de vista do outro.
Certamente, é essa coordenação dos pontos de vista que a levará,
progressivamente, a renunciar à sua crença subjetiva e à realidade dos
fenômenos provocados por sua própria atividade.
Ao chegar a um equilíbrio final, no qual o conceito se torna
operatório (ou seja, as ações são internalizadas, reversíveis e inseridas em
um sistema de relações coordenadas), a assimilação dos objetos ocorrerá
60
entre eles e a acomodação a cada um deles. Assim, quando acontece, a
acomodação não se prolonga em imagem e a própria imagem quando
intervém não rouba a cena, mas fica em um plano inferior de somente
recurso secundário do pensamento.
Daí pra frente, os diversos caracteres do pré-conceito se inclinam
na direção do conceito operatório: “pela construção de imbricações
hierárquicas que tornam a assimilação mediata e levam, assim, a uma
generalidade progressiva.” (PIAGET, 1945/2014, p. 258). O autor ainda
frisa que tal generalidade completa só será alcançada com a reversibilidade
das operações.
A análise dos fatos genéticos fornece, assim, uma resposta que se
orienta, sob a perspectiva piagetiana, bem mais no sentido de uma
interação entre os mecanismos linguísticos e os mecanismos operatórios
subjacentes, do que no sentido de uma preponderância do primeiro sobre
o outro.
A linguagem estabeleceria vínculos com o pensamento justamente
na reconstrução parcial e extensiva progressão dos esquemas sensório-
motores, passando por fases análogas de organização das construções já
consolidadas, integrando-as, ao mesmo tempo, de saída, nesta organização.
Portanto, para Piaget (1936/1987; 1945/2014), Piaget e Inhelder
(1964/2006; 1966), entre outros, não será o aparecimento da linguagem o
fator responsável pela evolução da inteligência sensório-motora para a
inteligência conceptual. Bem menos cabe à linguagem a primazia pela
transformação dos esquemas verbais em pré-conceitos e logo em conceitos.
Isto porque, para o autor, já há no período sensório-motor uma
lógica prática, cuja origem deve-se, além da diferenciação, à organização e
também à combinação dos esquemas de ações do bebê. Nota-se também
61
que no referido período, não há uma linguagem racional, como se tem o
adulto ou as crianças maiores, e isso não é, nada obstante, um empecilho
para que a inteligência se desenvolva.
Assim sendo e de igual modo , doravante, as hipóteses de Piaget
sobre o desenvolvimento da linguagem e o pensamento são confirmadas e
apresentam que o conceito operatório assenta suas raízes na ação e na
esquematização desta, o conceito também resulta da continuidade e
transformação dos esquemas sensório-motores, quando estes esquemas
conseguem combinar-se mentalmente e a criança passa a adquirir a função
simbólica (Figura 1).
Figura 1 Evolução do pensamento e da linguagem segundo Piaget.
Fonte: Elaborado pela autora.
62
Conforme pode-se acompanhar, o grande problema genético que
provoca o desenvolvimento da linguagem é o de suas relações com o
pensamento.
Mediante o questionamento sobre se a linguagem é a única fonte
do pensamento (especialmente do raciocínio lógico) ou se, ao contrário,
este último é relativamente independente da linguagem e possui raízes mais
profundas que ela própria, pôde-se constatar que a linguagem, segundo
Piaget, não é suficiente para explicar o pensamento, até porque as
estruturas que o caracterizam possui suas raízes na ação e nos mecanismos
senso-motores, as quais são bem mais profundas que o fato linguístico.
Cabe à linguagem, então, o papel de complementar a elaboração
das estruturas do pensamento, sendo que, quanto mais complexas essas
forem, mais aquela será necessária.
É desse jeito que, segundo Piaget, a linguagem se revela enquanto
condição necessária, mas não suficiente para a construção das operações
lógicas. Pois, sem a linguagem, além de as operações continuarem
individuais e ignorarem, em decorrência disso, a regularização proveniente
das trocas interindividuais e da cooperação, as operações permaneceriam,
simplesmente, no estado de ações sucessivas, sem jamais se integrar em
sistemas simultâneos, caso não contasse com o sistema de expressão
simbólica que a linguagem constitui.
Por isso, a linguagem e a vida social têm um papel importante nessa
transformação, não obstante, serem insuficientes, por si apenas, para o
desenvolvimento cognitivo do indivíduo isto porque, bem como já
busquei evidenciar, o referido desenvolvimento tem seu início no decorrer
de todo o período sensório-motor, tendo como marco o aparecimento da
63
intencionalidade nas ações da criança, mais precisamente, por volta da
quarta fase de tal estádio (o sensório-motor, a saber).
Por fim, conclui-se que não cabe à expressão verbal a explicação do
desenvolvimento da inteligência, uma vez que se constitui, apenas, como
sendo reflexo do pensamento.
A hipótese de Piaget sobre a psicogênese da linguagem não é,
todavia, compartilhada por todos. Ainda segundo o próprio Piaget
(1945/2014, p. 277), para certos autores, a passagem da inteligência
sensório-motora para a inteligência conceptual se explica, somente, “pela
intervenção da vida social e dos quadros lógicos e representativos já prontos
no sistema dos signos e das representações coletivas”.
Não obstante, é de geral concordância o fato que todas as crianças
saudáveis são capazes de aprender a falar ao longo dos primeiros anos de
vida. Mas o que tem sido interesse dos cientistas ao longo dos anos foi a
forma em que a criança aprende sua língua, e, durante longos anos,
atingiu-se o consenso de que neste processo existem características em
comum para todas as crianças no mundo.
Em 1975, houve um debate entre Piaget, Chomsky e outros
importantes pesquisadores da época dentre eles, representantes da
psicologia animal, da etologia, da inteligência artificial, da biologia e da
filosofia da ciência , a fim de proporcionar, além de esclarecimentos
acerca de divergências entre eles, possíveis consensos entre os dois
importantes programas científicos desenvolvidos no século XX.
Por este debate, também conhecido como debate de Rayaumont,
ou ainda, o debate entre Jean Piaget e Noam Chomsky, inserir-se em um
contexto em que a psicologia evolutiva, desenvolvida nos Estados Unidos,
64
distanciava-se do Behaviorismo, possibilitava dar valimento aos trabalhos
de Piaget e salientava sua especificidade e importância.
De maneira abrangente, Chomsky e Piaget aquinhoaram de certas
opiniões e posições, apesar de seus pontos de vista serem
fundamentalmente divergentes. No debate, tanto um quanto o outro
refutaram continuamente as perspectivas positivistas e behavioristas. Esta
rejeição parece aproximar seus respectivos sistemas assim como suas
discordâncias a respeito do inatismo os separa.
De acordo com Chomsky (1983), ao se analisar o desenvolvimento
infantil, depara-se com princípios extremamente específicos que se
articulam entre eles, em todo o estudo das propriedades particulares do
conhecimento humano (como a própria aquisição da linguagem oral, por
exemplo), com estruturas de uma delicadeza extraordinária e de uma
complexidade maravilhosa.
Entretanto, segundo Piaget (1983), não existem estruturas
cognitivas a priori ou inatas, pois hereditário é apenas o funcionamento
da inteligência. E isto faz com que, para este autor, a composição de uma
estrutura deva-se à organização de ações sucessivas, exercidas sobre objetos
(para ele, inclusive a autorregulação é inata somente a título de
funcionamento e não de estrutura).
De acordo com Piaget (1983), haveriam, até mesmo, algumas
convergências entre o desenvolvimento histórico das estruturas cognitivas
e a psicogênese do pensamento infantil, sobretudo por os seus
desenvolvimentos não se tratarem de mera coleção de ideias inatas, mas de
existirem em ambos, além de tentativas e erros, um poder construtivo e
similitudes dos seus mecanismos.
65
Durante o debate, Piaget (1983, p. 429) chegou a advertir seu
construtivismo como uma espécie de “solução dialética a meio caminho
entre o empirismo e o nativismo”, uma vez que, para ele, somente um
construtivismo é aceitável para as estruturas lógico-matemáticas fazendo,
dessa forma, tanto das teorias de p-formação dos conhecimentos como
das interpretações empiristas, desprovidas de verdade concreta.
Este construtivismo significaria a elaboração contínua de operações
e de novas estruturas, graças ao mecanismo de abstração reflexiva, da
generalização construtiva, da necessidade e do equilíbrio.
Por assim ser, o problema determinado por Piaget passou a
envolver então a decisão acerca do núcleo fixo, proposto por Chomsky, e
de outras estruturas cognitivas, ser inato ou não.
Piaget assim admite a existência e a necessidade (lógica e fatual)
desse núcleo fixo, mas, de maneira divergente a de seu companheiro de
discussão, quanto a natureza do referido núcleo fixo, afirma que o inatismo
seria um argumento fraco, mediante seus fatos que explicam perfeitamente
a formação dessas estruturas.
Chomsky (1983, p. 71), por sua vez, contra argumenta e defende
que as estruturas inatas “podem explicar o caráter espontâneo, uniforme e
complexo, das regras de produção e de compreensão das frases
gramaticais.”.
E junto com Jerry Fodor, ainda no debate com Piaget, Chomsky
(1983) admite que uma parte das propriedades de emprego e de estrutura
da linguagem é proveniente da construção sensório-motora, apesar de
insistir sobre a impossibilidade lógica e a escassez de provas experimentais
que poderiam validar tais teorias da aprendizagem que subentendem a
aquisição no sentido estrito, ou seja, nas quais o indivíduo se apropria das
66
estruturas e operações autenticamente novas por meio das experiências no
meio.
Já Piaget (1983) e outros mais, não acham absurdo nem do ponto
de vista lógico nem do experimental verificar tais hiteses.
Destarte (e em síntese), o que busquei evidenciar é que a análise
dos fatos genéticos fornece, sob a perspectiva piagetiana, uma resposta que
se orienta no sentido de uma interação entre os mecanismos linguísticos e
os mecanismos operatórios subjacentes, e não o contrário. Portanto, para
Piaget (1936/1987; 1945/2014; 1966) e Piaget e Inhelder (1966/2006),
entre outros, não é o aparecimento da linguagem o fator responsável pela
evolução da inteligência prática em pensamento conceptual.
Bem menos cabe à linguagem a primazia pela transformação dos
esquemas verbais em pré-conceitos e logo em conceitos. Até porque, para
o autor, já há no período sensório-motor uma lógica prática, cuja origem
deve-se, além da diferenciação, à organização e também à combinação dos
esquemas de ações do bebê.
Concluo que há, portanto, entre a linguagem e o pensamento, um
ciclo genético, de tal maneira que um dos dois termos se apoia,
necessariamente, sobre o outro, em eterna ação recíproca e formação
solidária, apesar de ambos (tanto a linguagem quanto o pensamento)
dependerem, por fim, da inteligência prática, cuja raiz, como procurei
evidenciar, é anterior à linguagem e independe dela.
67
CATULO 2
A Psicogêse da Língua Escrita Segundo Emilia Ferreiro
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Fonte: http://tirasdemafalda.tumblr.com/
A começar da psicolinguística contemporânea, Ferreiro e
Teberosky (1984/2007) ressaltaram que não foram as primeiras a levantar
a necessidade de se revisitar a questão sobre a aprendizagem da língua
escrita, uma vez que outros autores já haviam produzido trabalhos
importantes sobre a relação entre a fala e a aprendizagem da leitura. A
originalidade de suas obras deve-se, então, ao fato de terem sido as
pioneiras tanto em realizá-la no espanhol e, sobretudo, por vincular o
desenvolvimento cognitivo apresentado pela teoria da inteligência de Jean
Piaget com a perspectiva da aprendizagem da língua escrita.
Segundo Mello (2015), após receber o título de doutoramento pela
Universidade de Genebra sob orientação do próprio Jean Piaget, a partir
de 1974, Emilia Ferreiro desenvolveu na Universidade de Buenos Aires
uma série de experimentos com crianças que gerou as considerações que
68
foram apresentadas no livro Los sistemas de escritura en el desarrollo del niño
o qual fora publicado em 1979, e que é assinado em parceria com Ana
Teberosky, pedagoga e espanhola.
O fato é que essa obra ressignificou a questão central da
alfabetização ao partir não de como se deve ensinar, mas de como
realmente se aprende. Isto porque, segundo as autoras, a questão que
rondava a aprendizagem da leitura e da escrita se limitava ao problema dos
métodos.
Entretanto, longe de ser o de propor uma nova metodologia da
aprendizagem ou de uma nova classificação dos transtornos da
aprendizagem sobre a leitura e a escrita, o objetivo de Emilia Ferreiro e
Ana Teberosky com o livro Psicogênese da língua escrita (versão traduzida
para o português) foi o de explicitar os processos e as formas pelas quais a
criança chega a aprender a ler e a escrever.
De acordo com a definição das autoras, processo trata-se do
percurso que a criança segue para compreender as características, o valor e
a função da escrita, a partir do momento em que esta passa a ser alvo de
sua atenção (ou melhor, do seu conhecimento).
A intenção das autoras engendrou-se, assim, em utilizar o marco
teórico da psicologia genética para reiterarem a importância e fertilidade
da teoria de Piaget para compreender os processos de aquisição de
conhecimento, em terrenos não explorados por ele explicitamente. De
acordo com Ferreiro e Teberosky (1984/2007), não se trata de utilizar
simplesmente as “provas piagetianas” para extrair novas correspondências,
mas de empregar os esquemas assimiladores que a teoria permite construir
para averiguar outros eventos.
69
Não obstante situar a educação na América latina quanto ao
analfabetismo e insucessos escolares de crianças, considerando ainda a
influência de alguns fatores metodológicos e sociais chegando, inclusive,
a tecer críticas ao sistema educativo , o foco principal das autoras se detém
em apresentar uma interpretação acerca do processo de aprendizagem da
língua escrita a partir da perspectiva do sujeito que aprende (FERREIRO;
TEBEROSKY, 1984/2007).
Devido a um fator teórico relacionado à origem distinta dos tipos
de conhecimento infantil (conhecimentos socialmente transmitidos e
construções espontâneas, basicamente), é evidente que aqueles que são
provenientes do meio abarcam as interações do indivíduo com este e o
papel do meio é indispensável para a construção do conhecimento social e
cultural mesmo que a responsabilidade de se estabelecer as formas e os
limites de assimilação sejam do indivíduo.
Por isso mesmo, Ferreiro e Teberosky (1984/2007) acreditam ser
impossível desvendar certas convenções relativas à escrita como, por
exemplo, o nome das letras, a orientação da leitura, as ações pertinentes
exercidos sobre um texto e o conteúdo próprio de muitos textos por si
mesmo ou sem se ter oportunidade de ver material escrito e presenciar atos
de leitura.
Contudo, do outro lado, há também as hipóteses construídas pela
criança, que são produtos de uma elaboração própria, ou seja, as quais não
podem ser transmitidas por nenhum adulto, mas sim deduzidas pela
criança em detrimento das propriedades do objeto a conhecer.
E são sobre estas que Emilia Ferreiro se dedica.
Para Ferreiro e Teberosky (1984/2007), é evidente que este tipo de
conhecimento (sobre a escrita) é transmitido socialmente por aqueles que
70
concedem valor a ele; e o meio, ao oferecer oportunidades de confrontação
entre as hipóteses internas e a realidade externa, provoca conflitos
potencialmente enriquecedores e modificadores. Mas, entre os dois
aspectos que abrangem a alfabetização um, relativo aos adultos, e o outro,
relativo às crianças , o objetivo do seu livro atrela-se ao segundo.
Por isso que diferente dos demais trabalhos que tratam da relação
da fala e da aprendizagem da leitura os quais se dedicam, segundo as
autoras, basicamente a difundir esta ou aquela metodologia por serem “a
solução para todos os problemas da alfabetização, ou a instituir uma lista
das capacidades ou aptidões necessárias para esta aprendizagem , o de
Ferreiro e Teberosky (1984/2007, p. 29) se empenha em evidenciar o
sujeito cognoscente: aquele que constrói seu conhecimento e que a teoria
de Piaget lhes “ensinou a descobrir”, mas que em vão fora procurado na
literatura supramencionada.
Para elas, o sujeito que Piaget revelou é o que procura ativamente
compreender o mundo que o rodeia e trata de resolver os problemas que
este mundo lhe provoca; ao contrário de ser mero receptor de informações
e estímulos do meio que o cerca, é um sujeito que aprende por suas
próprias ações sobre os objetos do mundo e que elabora suas próprias
categorias de pensamento de forma simultânea em que organiza seu
mundo.
A partir disso e da hipótese de que todos os conhecimentos supõem
uma gênese, Ferreiro e Teberosky (1984/2007) se propõem averiguar quais
são as formas iniciais de conhecimento da língua escrita e os processos de
conceptualização resultantes de mecanismos dinâmicos de confrontação
entre as ideias próprias do sujeito cognoscente sobre e a realidade do objeto
a ser conhecido. Por assim ser, suas problemáticas tocam tanto a natureza
como os processos de apropriação da escrita pela criança, e chegam a traçar,
71
em resposta a essa problemática, uma linha evolutiva que passa por
conflitos cognitivos análogos, até mesmo nos detalhes do processo, aos
conflitos cognitivos constitutivos de outras noções importantes sobre os
quais, inclusive, ocupar-me-ei.
Bem como apresentei na introdução deste trabalho, a língua escrita
se trata de um caso específico da linguagem verbal, bem como a fala (ou
língua oral). Claro que não se deve confundir língua com escrita, pois são
dois meios de comunicação distintos. A língua escrita representa um
estágio posterior de uma língua, já que a língua falada é mais espontânea,
e abrange a comunicação linguística em toda sua totalidade. Ademais, é
acompanhada pelo tom de voz, algumas vezes por mímicas e/ou
fisionomias.
Concebo, portanto, a língua escrita não apenas como uma
representação da língua falada, mas sim um sistema mais disciplinado e
rígido até porque não conta com o jogo fisionômico (as mímicas e o tom
de voz) do falante, por exemplo.
Com efeito, a escrita é um objeto singular e que participa das
propriedades da linguagem enquanto objeto social. Vale-me, então,
esclarecer, antes, o que compreendo sobre aprender a língua escrita (sobre
o que é se saber ler e escrever). Assim, ler pautada nos estudos que fiz da
obra de Ferreiro e Teberosky (1984/2007), não é decifrar e escrever não se
restringe a cópia de um modelo, bem como os progressos da escrita não
são tidos em prol dos avanços no decifrado e da precisão da cópia.
A análise da leitura não se detém, assim, em dados perceptivos, até
porque e ao encontro das ideias de Smith (1975) a leitura não é um
processo essencialmente visual. Envolve, pois, dois tipos de informações,
uma visual e outra não visual, sendo que, a primeira, é designada pela
72
organização dos caracteres na página, e a segunda é determinada pelo
próprio leitor por a sua competência linguística.
Ferreiro e Teberosky (1984/2007) discutiram a questão das
informações visuais e não visuais ao descrever o papel da identificação do
suporte material do texto, a qual se refere ao conhecimento prévio que se
tem sobre o aspecto constitutivo do texto, decorrente do próprio
relacionamento que se elabora a partir do suporte material. Assim, por
exemplo, se reconhece-se o suporte como sendo uma lista de compras, por
exemplo, não se deve espantar diante da ausência de verbos e preposições,
ou com a abreviação de algumas palavras: “1l de óleo”, será bem
interpretado como “comprar uma garrafa de óleo de um litro”.
As autoras (Ferreiro e Teberosky, 1984/2007), baseadas em Smith
e outros autores, também traçam considerações acerca da capacidade de
integração das informações aumentar simultaneamente com a organização
dos estímulos, uma vez que, conforme descrevem, o que se consegue
enxergar depende, senão, do nível de organização de (da maneira como
estão compostos) o estímulo: quanto “melhor” estiver arranjado o
estímulo, “maior” a capacidade de identificação.
E, por assim ser, o leitor acaba por antecipar, isto é, complementar
com uma informação não visual (como, por exemplo, o conhecimento do
léxico, da estrutura gramatical de sua língua, ainda que por uma rápida
exploração visual em busca de semelhanças e regularidades, etc.) a escassa
informação visual (aquilo que a página impressa ou manuscrita lhe
fornece) juntada em uma rápida centração (fixação/visualização).
Tais dados sobre as predições (vaticínio linguisticamente
controlado, inteligente e que não deve ser misturado com sendo uma
simples adivinhação sem direção) que os leitores fazem a todo instante
73
surgem como um aspecto essencial da atividade de leitura, e outros tantos
dados relativos às restrições da memória imediata, têm levado muitos
autores contemporâneos a compreenderem a leitura como uma atividade
fundamentalmente não visual.
O desencadeamento dessas considerações é o de, sobretudo, não
considerar a língua escrita como uma simples transcrição da língua oral,
até mesmo por as múltiplas e marcantes diferenças entre uma e outra.
Referente a essa objeção, a língua escrita possui termos que lhe são
próprios, como, por exemplo, o uso particular dos tempos do verbo, as
expressões complexas, o ritmo e a continuidade que lhes são particulares.
Por isso não pode ser considerada como mero decifrado, e este, por sua
vez, como única via de acesso ao texto.
De acordo com Ferreiro e Teberosky (1984/2007, p. 286) a escrita
é tida, assim, como “um sistema alternativo de sinais, os quais remetem
diretamente a uma significação, tal como os signos acústicos”. Ler envolve,
portanto, selecionar as informações que a língua escrita dispõe para
constituir diretamente uma significação.
Bem como Smith (1975) expressa, a escrita tratar-se-ia de uma
forma paralela ou alternativa (variante, exclusiva) de linguagem
relacionada à fala e à leitura, que implica, necessariamente, uma recepção
significativa ou compreensão.
Por isso mesmo, ainda de acordo com as autoras e citando elas
Smith (1971), somente por meio do significado é possível transcrever a fala
através da escrita, “apesar da crença muito difundida no sentido contrário,
é possível sustentar que a linguagem escrita não representa
primariamente os sons da fala, mas sim que provê índices sobre o
significado” (SMITH, 1971, p. 286, grifo meu).
74
Para Ferreiro e Teberosky (1984/2007), a aquisição desse
conhecimento se baseia na atividade do sujeito: isto significa que a criança,
sucessivamente, aplica à escrita esquemas de assimilação mais complexos,
os quais são decorrentes de seu desenvolvimento cognitivo.
Desta forma, considerando que a escrita não se trata apenas de um
traço ou de uma marca, mas a concebendo como uma representação de
algo externo, de início se pode supor que o sujeito que procura
compreendê-la deva possuir esquemas de assimilação que lhe fornecerão
substrato para integrá-la em seu sistema de interpretações.
O problema inicial das autoras circuncida o que a língua escrita,
enquanto objeto substituto da linguagem (isto é, dos aspectos formais da
fala, dos sons elementares ou fonemas), coloca ao sujeito pensante, mais
especificamente: o que ela substitui ou ainda o que a escrita representa
para a criança? e qual será o significado que lhe vai ser atribuído ou
seja, qual é a estrutura desse modo de representação?
Dentro da concepção piagetiana, a função simbólica, entendida
como a possibilidade de diferenciar significantes de significados, aparece
durante o segundo ano de vida dando continuidade em outro plano as
ações sensório-motoras iniciais. Em sua posse, a criança é capaz de usar
significantes variados, manifestos por meio da linguagem, do jogo
simbólico, da imitação diferida, da imagem mental ou ainda da expressão
gráfica (o desenho). Todas essas manifestações tratam de substitutos que
representam algo evocado.
Segundo Ferreiro e Teberosky (1984/2007), aos quatro anos de
idade, o desenho é para a criança uma forma privilegiada de representação
gráfica. Nesta faixa-etária, grande parte das crianças sabe distinguir se o
resultado de um traço gráfico é um desenho ou a escrita de algo, e isso
75
evidencia, portanto, que não se trata para elas de uma simples confusão das
relações entre ambos.
Não obstante, buscando estabelecer diferenciações entre ilustração
(desenho) e texto (escrita), pode-se perceber uma gênese das soluções dadas
pelas crianças, a qual fora averiguada e evidenciada por Ferreiro e
Teberosky (1984/2007), e que, concisamente, apresentarei a seguir.
Quando se alude a interpretar o significado de um texto associado
a uma imagem (desenho), para a criança pequena, a escrita ganha a
significação dessa imagem que a acompanha ou seja, diferem as formas
significantes, mas ambas são assimiladas sob o mesmo ponto de vista: o
do significado que lhes é permitido.
Em um primeiro momento, desenho e escrita são concebidos pelo
sujeito como sendo totalmente “indiferenciados”, pois, para esses sujeitos,
é possível ler tanto no desenho como no texto. Aqui, o texto é inteiramente
interpretado a partir da imagem (desenho) e a escrita representa os mesmos
elementos que a ilustração.
Em um segundo momento, por mais que comece haver certa
diferenciação a respeito dos significantes, ou seja, o sujeito sabe o que é um
e sabe o que é outro, este sujeito espera encontrar uma semelhança nos
significados, o texto ainda é tratado como uma unidade, isto é,
independentemente de suas características gráficas.
Silvana (4 anos Classe Baixa): Sabes escrever? Não. Desenhar sei:
uma casa, uma menina, um sol, uma nuvem. (A entrevistadora faz
um desenho) Isto é escrever ou desenhar? Desenhar. Escreve uma
casa. (Desenha uma casa). O que escreveste? Uma casa.
Desenhaste ou escreveste casa? Escrevi. É o mesmo, escrever ou
desenhar? Não. O que fizeste no papel? Desenhei. (A
76
entrevistadora escreve algo) Escrevo ou desenho? Escreve. Desenhe
um sol. (Desenha um sol). Escreva sol. ... Não sei. Desenhaste
ou escreveste? Desenhei. Escreveste também? Não. (FERREIRO;
TEBEROSKY, 1984/2007, p.198).
A escrita representa o nome do objeto desenhado, ou se relacionar
a uma oração esta é associada à ilustração, e propende manter algumas das
características do objeto, representando em nível de significante, a fim de
garantir sua interpretação.
Valeria (4 anos Classe Média): (Imagem: um pato, estático,
sobre uma lagoa. Texto em cursiva: o pato nada.). Um pintinho. Onde?
(Mostra todo o texto). Ou dirá o pato está na água?’ – Não. Pato só.
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1984/2007, p. 83).
Assim, apesar de interpretar a escrita e - o desenho, diferenciando-
os, a criança pequena não sabe que a escrita é “linguagem escrita” e isso
não a permite concebê-las como expressões visuais de diferentes
significados (independentes uma da outra). É justamente devido a isso que
a criança passa da imagem (desenho) ao texto e do texto à imagem
(desenho) sem modificar a interpretação, pois ambos são tidos como uma
unidade, e juntos revelam o sentido de uma mensagem gráfica.
Portanto, apesar de ser concebida como diferente do desenho, mas
por ser representada próxima a ele, a escrita precisa, necessariamente, para
a criança, conservar algumas propriedades do objeto a que traduz. E essa
correspondência figurativa entre a escrita e o objeto a que se refere, aplica-
se, essencialmente, aos aspectos quantificáveis daquilo que ela deve
conservar.
77
De acordo com Ferreiro e Teberosky (1984/2007), o desenhar
cumpre certa função a respeito da escrita, sendo que pode funcionar,
inclusive, como um complemento do texto. Dessa forma, o desenho (a
imagem) se serve de apoio à escrita como que garantindo seu significado.
Exemplo: Para Roxana (4 anos classe baixa), o desenho sempre
precede a escrita e parece funcionar como uma garantia de sua significação:
como se a escrita sozinha não pudesse dizer tal ou qual coisa, mas
emparelhada com o desenho pode servir para dizer o nome deste.
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1984/2007, p. 200).
Inclusive no que se refere à modificação da orientação espacial dos
caracteres por exemplo, escrever os números que conhece, ora com a
orientação correta, outra invertendo as relações direita/esquerda ou em
cima/embaixo, testemunhando um desejo de exploração ativa dessas
formas dificilmente assimiláveis , neste nível (e até em níveis
subsequentes), as autoras assinalam que não pode ser tomada como índice
patológico (como sinal de dislexia ou disgrafia), mas como algo
absolutamente normal.
Segundo Ferreiro e Teberosky (1984/2007, p. 275), “e isso é assim,
porque o signo que expressa um objeto não é, ainda, a escrita de uma forma
sonora. Assim sendo, nesse período, a escrita deverá ocorrer na
proximidade espacial do desenho, ou melhor, terá que ser proporcional ao
tamanho do objeto que simboliza objetos grandes, escrita ou com muitos
caracteres, ou com caracteres de tamanho grande; objetos pequenos, escrita
curta, e/ou baixa, com poucos caracteres como que para garantir o seu
significado. E a leitura do escrito é sempre global, sem qualquer análise
quanto as relações entre as partes e o todo.
78
Embora os traços gráficos iniciais (os quais de acordo com a criança
são escrita), serem peculiares quanto aos dos desenhos, eles ainda retêm
(ou devem reter em si) as características que acentuam a escrita padrão que
imitam.
Evidentemente, não obstante tais dificuldades momentâneas, este
sujeito já é capaz de diferenciar as atividades de desenhar das de se escrever,
uma vez que a maneira própria de se remeter ao objeto não é a mesma para
ambas. Entretanto, é justamente porque há uma assimilação na atribuição
de significados, que a escrita e o desenho, neste período, exprimem
simbolicamente o conteúdo de uma mensagem e não os seus elementos
linguísticos.
De acordo com elas, um indício claro da diferença entre imagem
(desenho) e texto (escrita) para tais crianças é a de que excluem os artigos
(“o”, “a”, “um”, “uma” e suas variantes) quando é para predizer o conteúdo
da escrita, e para a imagem (desenho) estes estão sempre presentes.
Assim sendo, “enquanto a imagem se identifica como sendo ‘uma
bola’, por exemplo para o texto que a acompanha se reserva somente o
nome: ‘bola’.” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1984/2007, p. 275).
Esta omissão do artigo, além de ser metódica ao passar do desenho
ao texto, trata-se de um meio muito relevante na evolução da escrita e acaba
por ressaltar a característica do pensamento infantil.
As autoras nomeiam esse momento de hipótese do nome, no qual os
demais elementos que fazem indicação do(s) objeto(s), são ignorados, e a
criança considera para o texto somente um dos aspectos mais fortes da
imagem (daquilo que dá significado), o seu nome. E justamente por
conceber a escrita somente por os “nomes”, ela ainda não representa a
expressão gráfica da linguagem mesmo já sendo um avanço nesse sentido
79
, é (ou serve), pelo contrário, apenas para registrar a identificação do
objeto referido, tendo a expectativa, inclusive, de encontrar grafado tantos
nomes quantos objetos existirem na imagem (desenho).
É somente à medida em que a interpretação do sujeito sobre o que
é a escrita de fato se relacionar com a linguagem oral e quando a sua
realização de escrever passar a representar diretamente esta linguagem, ou
seja, quando realmente houver uma conceptualização (ou interpre-tação)
da escrita, que haverá realmente a distinção entre “o que está escrito”
(significante) e “o que se pode ler” (significado), pois será a prova de sua
conceptualização sobre o que é compreendido por escrever ou
possibilidade de leitura a partir do que é escrito.
A hipótese do nome é, de acordo com Ferreiro e Teberosky
(1984/2007), além de um momento muito importante, resultante de uma
elaboração interna tratando-se, logo, de uma construção da criança , e
que não depende necessariamente da participação de uma imagem (ou de
um desenho) isto porque tal conduta fora encontrada pelas autoras
independente se a leitura envolvia imagem ou não, e de forma parecida
com as situações de escrita espontânea, esta criança também espera que o
que aparece significado na escrita sejam “os nomes”, bem como o conteúdo
de um texto sem imagem (desenho) é conhecido pelo adulto.
A partir de tais fatos, as autoras tecem duas hipóteses acerca dessa
ocorrência. A primeira se refere ao pensamento da criança sobre a escrita
se tratar somente dos substantivos da oração; já a segunda diz respeito à
escrita representar os objetos referidos (e não o som da palavra que se refere
ao objeto). Aceitar a primeira é acreditar que a criança pode separar
(recortar) da mensagem oral escutada e conceder à escrita essas partes
isoladas (isto é, os substantivos). Agora segundo a outra interpretação, é
como se a criança conferisse à escrita não apenas algumas partes da
80
mensagem enquanto forma linguística, mas todo o conteúdo referencial da
mensagem escutada.
Para as autoras, a hipótese do nome, que não é nada mais do que
uma maneira particular de compreender e interpretar a escrita, relaciona-
se com a segunda explicação, uma vez que ela própria serve para representar
os objetos. Porque a escrita não compreende os elementos figurais do
objeto e sim (simplesmente) o seu nome, com os nomes escritos é possível
“se ler” toda uma oração.
Mas, para as crianças, em que se revela a similitude da escrita com
o desenho? Justamente em pensar que alguns componentes representados
podem ser complementados com outros como elementos interpretativos.
Ou seja, a distância que há entre a grafia (o desenho) e o que ela (ele)
significa (o que ele de fato “quer dizer”) é a mesma com a do que está
escrito e o que se pode ler.
Por isso, fica claro que esse modelo de explicação foca diretamente
a intencionalidade do sujeito de compreender a escrita paralelamente ao
seu esforço para separá-la do desenho, e, uma vez estabelecido essa
diferenciação, a criança começa a levar em consideração certas
propriedades do texto em si mesmo. E na necessidade de manter uma
propriedade quantificável do objeto no seu significante substituto, o
fato da criança considerar tais variações quantitativas (como por exemplo,
a quantidade de linhas, a quantidade de elementos em uma mesma linha,
sua longitude, etc.) se constitui como sendo as primeiras particularidades
observadas no texto.
Há, portanto, uma lógica interna da progreso seguida. Claro que
antes de conceber a diferença entre aquilo que é desenho e o que é escrita
a criança não poderia se empregar a atentar para as propriedades do texto
81
por isso que o conceder a trechos grandes o nome de objetos maiores
igualmente se revela além do início de uma atribuição das propriedades do
texto, um avanço na psicogênese da língua escrita.
De acordo com Ferreiro e Teberosky (1984/2007), não há
somente a “hipótese do nome” no espírito da criança, durantes longos
períodos da evolução coexistem duas hipóteses totalmente compatíveis, e
esta outra é a que as autoras denominaram de hipótese de quantidade.
Para elas, começar a ponderar as propriedades qualitativas do texto
(tipo e formas de letras, por exemplo) somente é possível quando se tem
certa estabilidade significativa, e, por isso mesmo, é bem posterior. Isto se
deve à necessidade de, pelo menos, o indivíduo ultrapassar a etapa em que
qualquer escrita serve para atribuir o significado desejado manifestação
que ocorre, geralmente, com possibilidades de conhecer modelos
socialmente transmitidos, como a letra inicial do seu próprio nome ou do
nome de outras pessoas.
Até então, na tentativa de distinguir texto de imagem (ou de
desenho), a criança despreza as características diferenciais do próprio texto,
mas, em certa ocasião resolvida essa diferenciação, surge um novo embate,
o de se considerar as características próprias e singulares da escrita. E, uma
destas (ou a primeira delas) trata-se de requerer uma quantidade mínima
de grafias (por volta de três), para se consentir um ato de leitura,
independentemente das denominações que a criança seja capaz de
empregar (sejam letras, números, ou nomes), uma vez que com poucas(os)
letras (caracteres) o se pode ler.
A outra propriedade exigida a um texto (a segunda delas) abrange
a variedade de grafias, uma vez que, para a criança, ainda que haja um
82
número suficiente, se todos os caracteres forem iguais, tampouco essa
“escrita” poderá oportunizar um ato de leitura.
A referida hipótese também versa de uma construção da criança,
simplesmente por nenhum adulto tê-la ensinada e porque diversos textos
(adultos) escritos conter notações de uma ou duas letras. É através desta
construção que, segundo as autoras, a criança descobre que um número
sozinho pode ser a expressão de uma quantidade enquanto que uma grafia
sozinha ainda não constituiria uma escrita.
Ferreiro e Teberosky (1984/2007) conjecturam, então, que essa
legalidade de um texto ser associada a existência de uma quantidade
mínima e independente do tipo de caractere, não se deve à uma confusão
perceptual da criança, mas tratar-se-ia de um problema conceptual (isto é,
de interpretação) uma vez que a escolha das grafias não depende de suas
propriedades específicas, senão do fato de estarem (ou não) agrupadas com
outras.
Ambas hipóteses tanto a da quantidade como a do nome são,
portanto, construções da criança. Não obstante tal similitude há distinções
quanto suas naturezas e funções que devem ser consideradas.
Enquanto a primeira (hipótese da quantidade) serviria para definir
as propriedades exigidas ao objeto; a segunda (hipótese do nome) se refere
à natureza da escrita, sob o aspecto simbólico, e se constitui atrelada ao ato
de conferir significado ao escrito. O fato da criança identificar o texto
como sendo “para ler” engendra a distinção nas produções gráficas (das
grafias-garatujas às grafias-escrita), e por mais que os resultados “se
pareçam” (objetivamente falando), o que realmente importa é a sua
intenção (ou seja, aquilo que é mais subjetivo).
83
Segundo Ferreiro e Teberosky (1984/2007), os sujeitos sabem que
a escrita apresenta características gráficas particulares, em contraste ao
desenho, e, se em um primeiro momento o critério de quantidade
apreende-se como exigência sobre as propriedades do objeto,
ulteriormente os critérios sobre as condições formais começam a se integrar
a título de recurso necessário para expressar significados diferentes, para
que algo possa ser lido.
Em outras palavras, a necessidade de diferenciar os significados se
revela na distinção dos significantes, e por isso mesmo há a exigência
constante por a quantidade e a variedade de grafias (quase como sendo
aquilo que garante a leitura).
Não obstante o ato de escrever já se diferenciar nitidamente do de
desenhar, até aqui não fora encontrado pelas pesquisadoras uma
correspondência entre linguagem e escrita. Na verdade, até aqui, esse
período é denominado pelas autoras como fase pré-silábica, cujas
características são:
-
tanto o ato de escrita quanto o de desenho possuem o mesmo
significado;
-
o sujeito não relaciona a escrita com a fala;
-
não diferencia letras e números;
-
reproduz traços típicos da escrita de forma desordenada;
-
acredita que coisas grandes têm um nome grande e coisas
pequenas têm um nome (escrito) pequeno realismo nominal;
-
usa as letras do nome para escrever tudo;
84
-
não aceita que seja possível escrever e ler com menos de três
letras;
-
a leitura ocorre de forma global: lê a palavra como um todo.
É importante salientar que na escrita das crianças, algumas dessas
características pode, às vezes, não ser evidenciada; como por exemplo, a
ideia da relação entre palavras e tamanho dos objetos.
Entretanto, o que está em jogo agora é o início da consideração dos
resultados em detrimento da utilização de recursos (variação nas grafias)
para se obter significados diferentes, e isso acaba por desencadear, então,
um novo problema para o sujeito: ele começa a colocar em
correspondência a emissão com as partes da escrita, sendo que a divisão da
palavra em termos de suas sílabas será a resposta elaborada para esta
questão.
Este emblema trata-se, de acordo com Ferreiro e Teberosky
(1984/2007), da hipótese silábica, em que as partes diferenciáveis da palavra
escrita passam a ser atentadas pela criança, e que caracteriza um novo e
mais elevado nível na evolução.
A partir daqui, portanto, a escrita estará diretamente ligada à
linguagem e esta intervirá diretamente sobre aquela, ou seja, sob o aspecto
de guia sonora, a criança abordará propriedades específicas, diferentes das
do objeto referido, atribuindo “um valor sonoro a cada uma das letras que
compõem uma escrita” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1984/2007, p. 209).
Esta “nova hipótese” não exclui instantaneamente as outras, mas entrará
continuamente em conflito tanto com a hipótese de quantidade como com
os modelos de escrita propostos pelo meio.
85
Se antes a análise realizada pelo indivíduo em relação à escrita e a
expressão oral era global, agora a correspondência se dará entre as formas
diminutas do texto (cada letra) e as partes da expressão oral, marcando pela
primeira vez a escrita como representação gráfica de partes sonoras da fala.
Ainda que as grafias se distanciem das formas convencionais de
letras ou números, ou até mesmo sejam bem discernidas, esses signos
podem ou não ser utilizados com um valor sonoro fixo.
Exemplo:
Erik (5 anos Classe Baixa) usa somente formas circulares, fechadas
ou semifechadas, às quais, ocasionalmente, acrescenta uma linha
vertical (dando como resultado algo próximo a P). Com essas formas,
e trabalhando com caracteres separados entre si, Erik propõe dois
caracteres para “sapo” (lido silabicamente como “sa/po” enquanto vai
mostrando, fazendo uma clara correspondência: para cada grafia, uma
sílaba); escreve também dois caracteres para “urso” (lido silabicamente
“ur/so” como antes); porém escreve três caracteres para “patinho” (lido
como “pa/ti/nho” com o mesmo método de correspondência).
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1984/2007, p. 209).
Além do mais, é preciso deixar claro que esta capacidade de análise
da fala não presume reconhecer as palavras na sua forma individual, de
imediato; apenas outorga ao sujeito a possibilidade de trabalhar as emissões
por meio da divisão em sílabas, como se estas fossem um “recorte”
daquelas, sem facilitar, no entanto, a generalização para com outras formas
de separação (por exemplo: em unidades constituintes, em palavras, entre
outras, quando se passa da palavra escrita à oração escrita).
As autoras, reiteradamente ressaltam, no decorrer da análise dos
dados, como as crianças utilizam-se de um raciocínio façanhoso, sendo
86
coerentes até os últimos efeitos da obediência das regras que elas mesmas
se aplicam.
Elucidando isso e ao encontro do caso da hipótese silábica com grafias
diferenciadas, mas sem estabilidade sonora das letras, Ferreiro e
Teberosky expõem o exemplo de Javier (4 anos Classe Baixa): escreve
AO para “sa/po” e PA para “ur/so”. Já quando a mesma escrita adquire
outra significação graças à invariância do valor sonoro de algumas
letras, sobretudo das vogais, o caso de Facundo e de Juan (ambos de 6
anos Classe Média) são belos exemplos:
Facundo que sabe escrever corretamente seu nome, escreve AO como
“pau” e escreve outro A como começo de “mapa”, palavra que não
consegue terminar de escrever por defrontar-se com um conflito
impossível de resolver: não pode agregar outro A, já que o resultado
final seria AA, que é rejeitado pelo critério de variedade de caracteres,
e tampouco pode por um P, porque é “o pé” e ele necessita de “o pa”.
Juan propõe AO para “pau” (‘palo’ em espanhol), e logo escreve
também AO para “sapo”, sem que a identidade de grafias o perturbe,
já que uma das letras A é “pa” num caso e “sa” no outro, e um dos O
é “lo” num caso e “po” no outro. (FERREIRO; TEBEROSKY,
1984/2007, p. 209-211).
É nítido que as formas fixas que são oriundas de estimulações
externas e aprendidas exatamente como lhes apresentam, oferecem à
criança uma correspondência global entre o nome e a escrita; em
contrapartida, há também uma hipótese original da própria criança que,
ao tentar passar da correspondência global para a termo a termo, provoca-
a a atribuir valor silábico a cada letra.
Segundo as análises das autoras, é, porém, daquela dupla
possibilidade de conflito que emerge as razões da superação da hipótese
silábica. Ou seja, é justamente quando o sujeito, então, confrontado com
87
a hipótese de quantidade mínima de grafias e com os modelos de escrita
propostos pelo meio sobretudo com a escrita do próprio nome, por
exemplo , passa a buscar uma divisão que ultrapasse a sílaba (ou melhor,
a divisão silábica em sons menores), é que pode superar o conflito.
Nesse caso, o conflito é resolvido inserindo um número superior
de grafias do que o previsto convencionalmente, de acordo com uma
interpretação silábica porquanto, a quantidade de grafias resultantes da
aplicação da hipótese silábica frequentemente embate com a quantidade
mínima exigida, e, outrossim, quanto aos modelos de escrita alfabética
oferecidos pelo meio, justamente serem menores.
Exemplo:
[Um menino de cinco anos desenha uma automóvel, e logo a
entrevistadora lhe sugere que escreva “carro”]; o menino escreve quatro
letras AEIO e, quando lhe é pedido que leia o que escreveu, diz
“ca/rro”, mostrando somente AE; pergunta-se, então, “e aqui?”,
mostrando as restantes; ele vacila e logo diz “mo/to”, mostrando 10
(em seu desenho o motor do automóvel era bem visível por
transparência, e a essa parte do desenho, havia dedicado a maior
atenção).
Não resta dúvida de que aqui estamos na presença de um conflito
cognitivo: em virtude da exigência de quantidade mínima de caracteres
(quatro, para este menino) chega à certo resultado; em virtude da
hipótese silábica que utiliza quando lê, encontra-se com um
“excedente”, que é preciso interpretar, já que não o pode eliminar
(ficaria somente duas letras, e com duas letras “não se pode ler”).
Tratando de interpretar essa “sobra”, vemos reaparecer, neste menino,
uma das condutas que (...) quando no texto se encontra uma “sobra”,
se faz a hipótese de que estão escritos outros nomes, pertencentes a
88
objetos congruentes com a significação total. (...) Aqui vemos aparecer
“moto”, uma parte inerente ao objeto, algo que “vai com o automóvel”,
necessariamente, algo a que aludimos implicitamente quando o
nomeamos. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1984/2007, p. 212-213).
Apresento as características dessa fase silábica, portanto, em a qual
o sujeito:
-
para cada fonema, usa uma letra para representá-lo;
-
pode, ou não, atribuir valor sonoro à letra;
-
pode usar muitas letras para escrever e ao fazer a leitura, apontar
uma letra para cada fonema;
-
e, ao escrever frases, pode usar uma letra para cada palavra.
Não obstante já ocorrer certa diferenciação, a criança ainda não
consegue coordenar as partes com o todo e relacionar o todo com suas
respectivas partes... Nesse ínterim, as soluções elaboradas pela criança nem
sempre são capazes de absorver as perturbações que aparecem, e o
abandono da hipótese silábica se constitui necessário.
Conforme Ferreiro e Teberosky (1984/2007), as relações entre o
todo e suas partes aparecem de forma diferente, para a criança, quando a
unidade de análise é a oração e não a palavra, pois, para elas, descobrir
sobretudo quais são as categorias de palavras que recebem uma
representação por escrito em as múltiplas divisões possíveis de uma oração
(que corresponde inclusive às divisões do texto) lhe constitui um problema.
Justamente pela diferenciação que a criança estabelece entre o que
se pode ler sobre o escrito e o que está escrito, aceitar que uma oração es
escrita não dá a entender precisamente que todas as palavras que a
compõem sejam escritas. Ademais, a criança pode concordar ainda que
89
uma palavra esteja escrita sem aceitar, com efeito, que esteja escrita em um
fragmento livre da escrita. Por isto mesmo, como bem expõem Ferreiro e
Teberosky (1984/2007), a desistência da hipótese silábica não é imediata,
porém.
No esforço por deixá-la, podem ocorrer oscilações entre a escrita
silábica e alfabética o que acaba engendrando escritas e leituras que, em
grande parte, iniciam-se silabicamente e terminam alfabeticamente. Nesse
período, há diferenciação com o esforço de se considerar, pelo sujeito, as
particularidades, apesar do relacionamento (coordenação) destas com o
todo ainda enfrentar dificuldades.
María Paula (4 anos Classe Média): Mediante letras móveis, para
compor o seu nome, coloca um M e um P, bem separados entre si
“O pe, vai em Ma--a-Pa, Paula”. (Referindo-se ao M, acrescenta)
“María, o i, falta o i”. (Acrescenta A e I junto ao M) MAI P. (O
experimentador lhe apresenta um R e lhe pergunta se vai no seu nome.)
“O erre? Sim. Ma--a-Pa-u-la; não sei não vai.
Não vês? María Paula”. (Busca um L e o acrescenta): M AI P L (sobre
cada uma das letras dessa configuração lê assim): “Ma (M)-rí (A), o i
(I); Paula (P), o/i (L)”. (Logo segue refletindo para si):
“pau... ia a; pau ia ou María Paula (acrescenta um U e troca o L de
lugar): MAI LPU. (Reflete sobre esta última configuração, troca de
lugar o L e o segundo A introduzindo, e lê assim): M A I A P U L.
ma/rí/a pa/u/La... o a, falta o a”. (Porém, no lugar de introduzir outro
A, tira um dos A do primeiro nome e lê assim): MIA “ma/rí/a... não!”
(corrige): M A I A “m/a/rí/a”. (FERREIRO; TEBEROSKY,
1984/2007, p. 214-215).
Esse exemplo evidencia como, a partir de conflitos entre as
exigências internas (que são as hipóteses originais do indivíduo) e a
90
realidade exterior ao próprio sujeito, a criança percebe a necessidade de se
buscar uma análise que vá para mais do que a sílaba, na maioria das vezes,
por causa, justamente, do choque entre a hipótese silábica e a exigência de
quantidade mínima.
A escrita de “María” passa penosamente de 3 a 4 letras, por isso mesmo
a escrita de “Paula” nunca supera as 3 letras (...). [Além disso] A
hipótese silábica entra em contradição com o valor sonoro atribuído
às letras quando MAI é a escrita de “María”, visto que neste caso se lê
a sílaba “ri” sobre um A e a sílaba “a” sobre um I; esta contradição se
resolve com a escrita MIA. Porém, a escrita MAI é mais próxima da
imagem visual do nome que a escrita MIA, por causa da força
particular das duas letras iniciais. (FERREIRO; TEBEROSKY,
1984/2007, p. 216).
Segundo as autoras, esse impasse entre a exigência de quantidade
mínima de letras e a hipótese silábica se torna ainda mais comprovado
quando se refere à escrita de nomes sobre os quais a criança não tem uma
imagem visual segura, como no exemplo a seguir:Carlos (6 anos Classe
Média): escreve PAO para pau (que no espanhol é paio); SANA, e logo
corrige para SUANA, quando se refere a Susana; e SAB, que também
corrige para SABDO, para sábado (FERREIRO; TEBEROSKY,
1984/2007, p. 216).
Tais exposições servem para evidenciar o fabuloso pecúlio que é
esse momento de transição e quão difícil se torna para os sujeitos, que
pensam acerca da escrita, coordenar as múltiplas hipóteses que foram se
formando na trajetória de suas interpretações.
De mais a mais, uma vez resolvido um problema, pode ser que a
mesma dificuldade se apresente em relação a outros aspectos, e assim por
diante; sendo que, em todas elas, a criança pode tentar múltiplas soluções.
91
Na mesma época, aparecem as insistentes e minuciosas análises sonoras da
palavra e os vastos questionamentos e pedidos de esclarecimentos quer seja
sobre uma sílaba ou a um fonema isolado, como “qual é o jo?e daqui a
pouco “qual é o j?”.
Esse nível (denominado pelas autoras como Silábico-alfabético) é
marcado por peculiaridades, uma vez que o sujeito:
-
compreende que a escrita representa os sons da fala;
-
percebe a necessidade de mais de uma letra para a maioria das
sílabas;
-
reconhece o som das letras;
-
pode dar ênfase à escrita do som só das vogais ou só das
consoantes (ex: gato = AO ou GT);
-
e atribui o valor do fonema em algumas letras: cabeça = kbsa.
Mas será, enfim, quando todos os problemas forem superados, que
a criança poderá abordar uma nova problemática, demarcando assim, além
de uma evolução desses problemas, um modo particular (coerente e lógico)
de resolução.
O quarto e último período, o alfabético, portanto, será aquele no
qual o sujeito venceu as barreiras impostas por sua falta de coordenação
anterior, possibilitando utilizar-se da escrita enquanto um sistema de
representação de sua linguagem oral, levando em conta e ponderando os
aspectos particulares tanto de uma quanto de outra.
Desta forma, o indivíduo consegue, dentre outras coisas:
-
compreender e empregar a função social da escrita
(comunicação);
92
-
conhecer o valor sonoro de todas ou quase todas as letras;
-
apresentar estabilidade na escrita das palavras;
-
entender que cada letra corresponde aos menores valores sonoros
da sílaba;
-
procurar adequar a escrita à fala;
-
fazer leitura efetiva com ou sem ilustração;
-
começar a se preocupar com as questões ortográficas;
-
separar as palavras quando escreve frases;
-
produzir textos de forma “convencional”...
De outra maneira isso significa que apenas quando tiver certa
estabilidade em certas configurações gráficas é que a criança poderá
considerar as relações entre o todo e as suas partes. Isto possibilita me aludir
que somente quando as razões para se abandonar certa hipótese, o sujeito
poderá passar a outra análise (de uma hipótese pré-silábica a uma hipótese
silábica, ou desta para uma hipótese alfabética, e, por fim, uma ortográfica,
por exemplo).
Assim sendo, apenas quando o sujeito compreender, de fato, a
forma de produção de escritas enquanto sistema de composição, é que
poder-se-á abordar outras questões (como a ortografia, e assim por diante).
Inclusive, as dificuldades ortográficas referentes à escrita não devem ser
compreendidas e nem confundidas com as dificuldades de compreensão
do sistema de escrita.
A referida exposição permite-nos corroborar, portanto, a suposição
de que a língua escrita e a atividade de ler não são alheias ao funcionamento
real da linguagem, ou simples transcrição/decodificação escrita da fala, mas
93
são formas diferentes da mesma língua. O que ocorre, na verdade, é uma
solidariedade entre o “ler” e “obter significado” e porque não entre o
“escrever” e “dar significado”. Desta forma, o decifrado torna-se fácil
quando se sabe ler, apesar da recíproca não ser verdadeira.
94
95
CATULO 3
A Psicogênese da Língua Escrita e suas Relações com o
Desenvolvimento do Pensamento e da Língua Oral
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ____________ _______________ ___________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ____________ ______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ____________ ____
Aprender a escrever não é um processo idêntico, mas é muito parecido com
aprender a falar. E ninguém aprende a falar se lhe dizem que não fale até
pronunciar corretamente todos os sons. Seríamos todos mudos e teríamos
problemas para encher todos os consultórios de fonoaudiologia. Faz sentido
dizer que se aprende a ler, lendo, e que se aprende a escrever, escrevendo,
na medida em que enxergamos isso como um processo. Há uma maneira
de escrever, que é como se pode escrever aos 3, 4, 5 anos, como há uma
maneira de falar aos 3, 4 e 5 anos, e até antes. Para a fala não exigimos
perfeição desde o início. Para a escrita, no entanto, parece que exigimos
perfeição desde o início.
Emilia Ferreiro (2013b)
Neste capítulo procurarei mostrar as relações existentes entre o
desenvolvimento do pensamento e da linguagem oral e o desenvolvimento
da língua escrita na criança.
Consoantes ao pensamento de Emilia Ferreiro, pude perceber o
quão muito dos aspectos que permeiam a visão que se tem acerca da criança
transpassam os caminhos da alfabetização. Segundo a autora, são recentes
as mudanças que influenciaram e alteraram a maneira dela compreender
os processos de aquisição da língua oral na criança, e, consequentemente
quiçá, somente a partir do próprio trabalho de Ferreiro (1984/2007), que
se obteve mudanças significativas acerca do processo de aprendizagem da
língua escrita na criança.
96
Antes dessas novas descobertas, como bem aponta a autora, a
maioria dos estudos acerca da linguagem infantil abordava apenas o léxico
(quantidade e variedade de palavras utilizadas pela criança), que era
classificado com base nas categorias da linguagem adulta e se averiguava a
proporção dessas categorias quanto a outras variantes (por exemplo, o
aumento do vocabulário, o rendimento escolar, o sexo e a idade, etc.).
O que me chama a atenção e que é apontado pela autora é o quanto
muitas das práticas tradicionais de ensino da língua escrita são oriundas
do que se conhecia sobre a aquisição da língua oral.
O modelo associacionista, por exemplo, mesmo com os diversos
posicionamentos e maneiras diferentes de argumentar, diz que a aquisição
da linguagem trata-se simplesmente da criança imitar o que o meio social
que a rodeia realiza, cabendo a este a tarefa de reforçar suas emissões de
forma seletiva para que somente as relevantes sejam (quase que) fixadas
pelo sujeito.
Em outras palavras,
Quando a criança produz um som que se assemelha a um som da fala
dos pais, estes manifestam alegria, fazem gestos de aprovação,
demonstram carinho, etc. Desta maneira, o meio vai “selecionando”,
do vasto repertório de sons iniciais saídos da boca da criança somente
aqueles que correspondam aos sons da fala adulta (o conjunto dos
fonemas do idioma em questão). A esses sons é preciso dar um
significado para que se convertam efetivamente em palavras. Neste
modelo, o problema resolve-se da seguinte maneira: os adultos
apresentam um objeto, acompanham essa apresentação com uma
emissão vocálica (isto é, pronunciam uma palavra que é o nome desse
objeto); por reiteradas associações entre a emissão sonora e a presença
do objeto, aquela termina por transformar-se em signo desta e,
97
portanto, se faz “palavra”. (FERREIRO, 1984/2007, p. 24, grifo
meu).
Na alfabetização, a progressão clássica que é iniciada com as vogais,
depois é seguida pela combinação de consoantes e vogais, e somente então
é apresentada as primeiras formações de palavras por duplicação das sílabas
que já haviam sido apresentadas; ou quando se trata de orações, aquelas
que são mais simples e declarativas, representam bem a sucessão de
aquisições da língua oral, bem como ela é observada “do lado de fora”
(FERREIRO, 1984/2007, p. 26).
Isso acontecia, de acordo com Ferreiro, pois, mesmo que ainda de
forma subentendida, pensava-se ser necessário passar por etapas análogas
às da linguagem oral para se aprender a língua escrita, como se esta
aprendizagem fosse idêntica ou (inclusive) a mesma aprendizagem
daquela.
Segundo essa concepção de aprendizagem, para a autora, seus
adeptos acabam demonstrando compreender a aquisição da língua escrita
como uma reaprendizagem da linguagem oral, que é até mesmo refletida
em suas posturas metodológicas de ensino, nas quais o estudante precisaria,
para escrever corretamente, também saber pronunciar corretamente as
palavras.
Entretanto, conforme o quadro apresentado a seguir e bem como
pude constatar e que pretendo discutir doravante, existe, segundo a
epistemologia genética de Jean Piaget, por um lado, um percurso de
desenvolvimento do pensamento conceptual da criança e de sua linguagem
oral e, por outro, um percurso do desenvolvimento da sua linguagem
escrita. Esses percursos não são paralelos, um tem seu início anterior ao
outro, mas também podem ser correspondentes.
98
Ambos os desenvolvimentos ocorrem em épocas distintas e com
características específicas: o desenvolvimento da língua oral, por exemplo,
ocorre como continuação do período sensório-motor, já o da língua escrita
se inicia, geralmente, quando o processo psicológico subjacente ao
desenvolvimento infantil está passando do período pré- operatório para o
operatório concreto.
Quadro 1 Psicogêneses: do pensamento, da linguagem e da língua escrita enquanto
processos sucessivos.
Pensamento e linguagem oral
Esquemas verbais Início dos semissignos verbais
Pensamento Pré-conceitual Semissignos verbais
Pensamento Conceitual Signos verbais
Aquisição da língua escrita
Esquemas (ou nível) pré-silábicos
Nível silábico
Nível silábico-alfabético
Nível alfabético
Fonte: elaborado pela autora
Apesar dessas diferenças, pode-se perceber que ambos os
desenvolvimentos exigem processos de conceptuação ou de organização
lógica e objetiva do mundo. Tal como descrevi nos capítulos anteriores
“adquirir uma língua” ou o “aprender a falar” não ocorre de forma
automática e nem num determinado momento da vida do indivíduo ao
99
ele simplesmente reproduzir os sons das palavras ou copiar palavras
grafadas.
A pesquisa de Emilia Ferreiro conjuntamente com Ana Teberosky
(1984/2007) mostrou justamente que a aprendizagem da língua escrita
significa um assíduo processo de conceptualização da linguagem ou de
interpretação representativa. Portanto, o progresso na língua escrita não é
o aperfeiçoamento da cópia (transcrição) de um texto ou o seu decifrado
(decodificação) e isto vai de encontro com o pensamento habitual
(tradicional).
Além disso, para a teoria de Piaget, tanto o desenvolvimento da
linguagem como o da língua escrita, são provenientes da coordenação dos
esquemas de ação do sujeito em uma contínua reelaboração e reconstrução.
Apesar de se tratarem de processos cujos objetos de conhecimento
são distintos, é nítido que ambos os desenvolvimentos exigem processos de
conceptuação ou de organização lógica e objetiva do mundo, como
pretendo retomar e destacar quanto aos mecanismos endógenos a seguir:
3. 1 Desenvolvimento do pensamento conceptual e o
desenvolvimento da linguagem
Segundo Piaget e Inhelder (1966/2006), pesquisas sobre a
constituição das regras gramaticais, inspiradas nas hipóteses de Chomsky,
evidenciam que a aquisição das regras sintáticas não se limita a uma
imitação passiva, comportando, ao invés disso, além de uma parte
considerável de assimilação generalizadora, certas construções originais.
Logo no fim do segundo ano de vida de uma criança “típica” (isto é, sem
comprometimentos no desenvolvimento cognitivo), pode-se facilmente
observar frases de duas palavras, seguidas de pequenas frases completas,
100
mas sem conjunções nem diminuição, e, posteriormente, um adquirir
progressivo das estruturas gramaticais.
De acordo com os autores (PIAGET; INHELDER, 1966/2006),
essas pesquisas, como as de R. Brown, demonstram que há modelos
originais infantis a partir de reduções das frases adultas que obedecem,
inclusive, algumas exincias funcionais. Assim, nestas formas inéditas,
inicialmente, existe certa necessidade de conservação de um “mínimo” de
informação fundamental pelas crianças, prosseguida de uma tendência a
aumentar esse “mínimo”.
Dessarte, fora possível observar que, a princípio, a linguagem é feita
de ordens e de expressões de desejo, e a denominação se limita quase a
traduzir a organização de esquemas sensório-motores. E, nesse começo,
mesmo que exista a designação de nome pela criança, esta se refere ao
enunciado de uma ação possível e não à simples atribuição de um nome.
Segundo com Piaget (1945/2014) esses primeiros esquemas verbais,
os quais as crianças pequenas fazem o uso para designar ações particulares
que as interessam ou que são relativos a elas, não podem ser classificados
como já se tratando de verdadeiros conceitos. Isto porque tais esquemas
não responderiam, absolutamente, à estrutura dos conceitos enquanto
sistemas de classes (isto é, como conjuntos de objetos agrupados segundo
relações de encaixes hierárquicos).
De maneira geral, para Piaget, as primeiras palavras ou “esquemas
verbais” mostram que há apenas a organização dos esquemas sensório-
motores, e que esses esquemas se interiorizam para dar lugar aos conceitos
(DONGO MONTOYA, 1995; 2006; 2011).
Como procurei evidenciar no capítulo 1 desse estudo, para Piaget,
a relação entre a aquisição da linguagem e a construção dos conceitos é
101
naturalmente recíproca e a possibilidade de construir representações
conceptuais é uma das condições necessárias para a aquisição da
linguagem. Progressivamente, a linguagem em formação deixa, então, de
acompanhar simplesmente o ato em curso para reconstituir a ação passada,
e a palavra começa a funcionar como signo ou seja, não mais como
simples parte do ato, mas como evocação deste.
Bem como fora mostrado no capítulo supramencionado, é neste
momento que a linguagem começa a deixar de ser meros esquemas verbais,
distanciando-se paulatinamente dos esquemas sensório-motores e
adquirindo a função de representação, isto é, de nova apresentação, ou
ainda, de apresentar novamente.
A narrativa se limita a ser, neste momento, então, somente a
reconstituição de uma ação, ainda que já signifique uma espécie de
objetivação, que lhe é própria, e que está ligada à comunicação (ou
socialização do próprio pensamento). Porém, somente quando a narrativa
passar a não só acompanhar a ação, mas também a descre-la (como
representação atual: duplicando a apresentação perceptiva tanto no
presente como também no relativo ao passado, em vez de apenas fazer parte
integrante da ação), diz o autor, é que a linguagem da criança poderá se
encontrar em vias de conceptualização, ou seja, passar de uma expressão
dos atos a uma constatação propriamente dita.
O curioso é o fato de que por a descrição, na qualidade de
representação atual, duplicar a apresentação perceptiva tanto no presente
como também no tocante ao passado, então, a linguagem da criança se
encontra, precisamente, a meio caminho entre a comunicação com o outro
e o monólogo egocêntrico, justamente pelo fato das suas narrativas, suas
descrições e até mesmo suas perguntas se dirigirem a si mesmo tanto
quanto ao outro o que evidencia, inclusive, que, para o autor, a
102
socialização nada mais é do que a troca fundada em diferenciação nítida de
perspectivas (pontos de vista).
Mas por que as representações se mantêm insuficientemente
socializadas? Qual é a natureza dessa representação que a limita ao ponto
de vista próprio? Será que se deve ao caráter das imagens mentais?
Segundo Piaget (1945/2014), dado que os pré-conceitos ou
primeiros conceitos aparentes ainda participam tanto dos esquemas
sensório-motores, dos quais procedem, quanto das imagens imitativas,
cujas representações são insuficientemente socializadas; esse egocentrismo
da linguagem tende a ocasionar uma situação igualmente intermediária e
indiferenciada na conceptualização que lhe é correlativa.
O autor exprime então que o vínculo existente se refere ao caráter
constante e decisivo dos pré-conceitos infantis ocasionados pela falta tanto
de generalidade quanto de individualidade verdadeiras.
Mas, a que se deve esse caráter dos pré-conceitos?
Esses dois caracteres de ausência de classe geral e de ausência de
identidade individual são, para Piaget (1945/2014), na verdade, um só, e
se constituem como obstáculos à constituição de classes operatórias.
Pois é a falta de classe de generalidade estável que faz com que os
elementos individuais não se reúnam em um todo real que os enquadre,
fazendo-os participar, pelo contrário, diretamente um dos outros sem
individualidade permanente; e é também a falta dessa individualidade das
partes que faz com que o conjunto não possa ser construído como classe
imbricante. Assim, as concepções, reveladas através da fala, do sujeito
acabam ficando a meio caminho do que é individual e do que é geral,
103
caracterizando-se como pré-conceptuale manifestas por uma linguagem
igualmente egocêntrica.
Para o autor, porquanto o pré-conceito procede por assimilação
direta (isto é, ainda não existem classes gerais funcionando a título de
esquemas operatórios, havendo apenas a assimilação dos objetos entre si
se efetuando de forma direta, graças aos esquemas “meio- gerais”, “meio-
individualizados” que são, de certo, os pré-conceitos). A palavra ou o
signo coletivo (linguagem) permanece inadequado ao conteúdo dessas
assimilações egocêntricas.
A que se deve essa situação do ponto de vista da estrutura do
pensamento? Será que se relaciona à forma original desempenhada pela
imagem mental?
No caso do desenvolvimento do pensamento, de acordo com
Piaget (1945/2014), na medida em que a imagem mental constitui um
significante em relação ao pré-conceito, ela representa o indivíduo essencial
e não um objeto qualquer. Em sua qualidade dobre ou dupla (tanto de
representante do indivíduo típico quanto de esquema individualizado
como é), a imagem mental representa, para o sujeito, mais que um simples
significante, isto é, ela é o próprio representante do objeto que exerce a
função de substituto de todos os outros, constituindo-se, portanto, como
“o” substituto.
É nesse sentido que, embora já desempenhe seu papel original de
significante, a imagem mental conserva também a função herdada de sua
origem imitativa, e acaba se constituindo como um substituto parcial “da
coisa significada”. Por isso que, pelo fato dos objetos estarem diretamente
assimilados uns aos outros, o objeto assimilante se torna uma espécie de
exemplo ou exemplar típico sobre os quais incorpora outros exemplos.
104
Ora, por assim ser, se no adulto o conceito remete a um significado
abstrato, coletivo e cultural, na criança o conceito é semi-geral, ou seja, o
signo não é arbitrário, mas semi- individual.
Para a criança, a imagem mental acaba substituindo o conceito.
Mas, somente depois que os diversos caracteres do pré-conceito se
inclinarem na direção do conceito operatório, justamente por atuarem
com relações hierárquicas que transformarão a assimilação, antes direta (ou
imediata), em mediata (mediada, sobretudo, por relações), é que eles o
levarão à uma generalidade progressiva.
No caso da linguagem, o elemento de transmissão (isto é, a própria
linguagem) intervém nos domínios representativos constituindo-se como
sendo apenas uma das dimensões dessa transformação geral de forma que
suas etapas são elas mesmas esclarecidas pelas fases do processo evolutivo
interno que conduz da inteligência sensório-motora à inteligência
conceptual.
Tal como busquei demonstrar, na evolução da linguagem oral,
segundo Piaget, inicialmente há uma fase de falação espontânea, que é
comum às crianças de todas as culturas, seguida de uma fase em que já
existe certa diferenciação de fonemas por imitação. No término do
período sensório-motor, a criança permeia por uma fase de “palavras-
frases”, na qual o indivíduo externa frases de duas palavras, depois
pequenas frases completas sem conjugações nem declinações e, logo após,
uma aquisição progressiva de estruturas gramaticais. (PIAGET;
INHELDER, 1966/2006).
Os primeiros raciocínios verbais observados por Piaget
(1945/2014, p. 259-260) em sua filha J. foram do seguinte tipo:
105
Aos 2;0 (7), deseja para a boneca um vestido que está no andar de cima.
Ela pede “vestido”, depois, como a mãe recusa, “Papai busca vestido”.
Como ele também declinou de fazê-lo, ela quer ir ela própria “no
quarto de mamãe”. Após várias repetições, responde-se que lá faz muito
frio. Segue- se longo silêncio. Depois do que: “Não faz muito frio.
Onde? No quarto. Por que não faz muito frio? Buscar o vestido”.
De acordo com Piaget (1932/1994), o egocentrismo infantil é, em
sua essência, uma indiferenciação entre o eu e o meio social. Nele, segundo
o autor, há falta de consciência do ego, no sentido de sua subjetividade, o
que faz com que a criança não perceba a existência dos outros, ou uma
vontade diferente da dela, nem o que é certo ou errado, pois o ponto de
vista próprio é julgado como sendo o único possível (PIAGET,
1947/2005).
Isso ocasiona uma espécie de centralização do pensamento no
sentido de uma ausência de toda relatividade intelectual e de todo sistema
racional de referência, e que toma por única realidade aquela que aparece
à percepção própria, coordenando única e somente a própria perspectiva
(PIAGET, 1923/1999).
Visto que o universo inteiro é considerado em comunhão com o
ego e a ele obediente, seus desejos e as ordens do ego são tidos por
absolutos, havendo, então, uma confusão entre as contribuições do exterior
e as contribuições do interior.
Em relação ao exemplo supra-exposto de J. aos dois anos e quatorze
dias, o autor alega que existe ali o que chamou de resquícios do “raciocínio
sensório-motor”, os quais contam com a intervenção de uma representação
que transforma a realidade que é a expressão verbal e que serve de
intermediário para alcançar o alvo, mas que dizem respeito, na verdade, à
coordenação de esquemas em função desse alvo.
106
É fácil constatar nesse processo as características da linguagem
infantil: a fala ao outro se apresenta, por vezes, contraída, condensada,
abreviada e por isso egocêntrica, mesmo que haja a intenção de se falar
ao outro em um estudo anterior (SASSO, 2013) pude evidenciar acerca
disso que na perspectiva piagetiana, a linguagem infantil, em seu aspecto
egocêntrico, é justamente a intencionalidade do sujeito em se comunicar
que vai caracterizá-la e defini-la como fala egocêntrica ou não (mesmo que
esteja se dirigindo a outrem).
Nesse sentido, mesmo que haja a presença real (ou física) do outro,
o sujeito pode acabar falando para si apenas, no sentido de não se colocar
no ponto de vista do interlocutor; ou ainda, falar para si mesmo, como se
o outro estivesse internalizado (isto é, com necessária orientação para o
outro sem, necessariamente, a presença do outro), constituindo, destarte,
concomitante e indissociavelmente, um caráter social, nesta linguagem
egocêntrica e refletindo, da mesma forma concomitante e indissociável
, o egocentrismo intelectual e o egocentrismo social, por meio da
linguagem.
Como se observa no exemplo a seguir: Na idade de 1;11 (11), J.
me conta após uma visita: Robert chorou, pato nadou no lado, parti mun
longe(muito).” (PIAGET, 1945/2014, p. 251).
Para Piaget (1947/2005, p. 141), se a criança permanece
inteiramente restrita ao seu ponto de vista, é por acreditar que todas as
pessoas pensam como ela. Dessa forma, tanto seu sentimento de
resistência das coisas é tão inexistente quanto o da dificuldade das
demonstrações; e por assim ser, também afirma sem provas, dado que não
sente a necessidade de convencer uma vez que, em sua concepção, não há
multiplicidade de perspectivas: sua perspectiva é a única possível.
107
E embora fale incessantemente aos seus vizinhos, raramente se
coloca no ponto de vista deles”. (PIAGET, 1923/1999, p. 38) Sua fala é
como se estivesse sozinha ou como se pensasse em voz alta... E por ser
assim, acaba falando para si mesma, numa linguagem que não tem o
cuidado de marcar explicitamente as nuanças e perspectivas; que,
especialmente, afirma todo o tempo, mesmo na discussão, em lugar de
justificar.
Adiante, há também os primeiros raciocínios já de ordem
constatativa (e não mais prática ou explicações que relacionam um fato a
sua causa final). Piaget (1945/2014) diz à J. aos 3;3 (17), para tranquilizá-
la:
As meninas que andam num burrico (como ela) não têm medo das
motocicletas, não têm medo de nada. Não. Quando as meninas estão
em cima dos burricos, como os moços que dirigem as motocicletas,
então elas não têm medo das motocicletas. Mas eu não dirigi o burrico.
Estava no colo de papai. Por isso é que tive medo das motocicletas.
(p.261)
Aos 5;7 (24): Estás vendo o que esta formiga está puxando, é pesado.
Não é não, não é pesado. É sim, para ela. Não é não, é leve. É
pequenino, é de madeira.” (PIAGET, 1945/2014, p. 261)
Entretanto, bem como ressalvado, esses ainda “primeiros”
raciocínios de ordem constatativa (ainda que já sejam diferentes daqueles
que eram ainda muito próximos da coordenação dos esquemas de ações,
do período sensório-motor), limitam-se em ligar juízos de constatação uns
aos outros para deles tirar conclusão não previamente esperada, e por isso
engendram-se como meros ensaios mentais, que perduram por muito
tempo, como se fossem canais entre o pensamento simbólico e o
pensamento lógico.
108
A linguagem, não poderia ser diferente. Ela também fica a meio
caminho entre a fala aberta (socializada) e a fala egocêntrica (semi-
individual), que quanto à forma, pode se aproximar muito da fala exterior,
ou até mesmo tornar-se exatamente igual a esta última (como por exemplo,
quando se repassa mentalmente uma conferência a ser dada). Na verdade,
não existe nenhuma divisão clara entre o comportamento interno e
externo, e um influencia o outro.
Graças ao respectivo caráter pré-conceptual, também conhecido
como transdutivo, o raciocínio sofre grande influência daquela tendência
de se pensar baseado em imagens.
É notável, portanto, que a criança, nos primeiros níveis do
pensamento (ou pré- conceptual), é tão inábil de atribuir aos elementos
singulares individualidade e identidade permanentes quanto de formar
classes propriamente gerais. Nos pré-conceitos, os objetos são igualmente
assimilados uns aos outros por uma espécie de participação direta (ou seja,
sem qualquer mediação).
Assim, a palavra (ou o signo coletivo, que é a própria linguagem)
também permanece inadequada ao conteúdo dessas assimilações
egocêntricas e se caracteriza tanto pela falta de generalidade quanto de
individualidade verdadeiras.
Apenas quando o significante não for mais diretamente a imagem
mental do objeto representado, mas sim o signo linguístico, levando em
consideração os aspectos próprios dele coordenando-os (o que é particular
com o que é geral), que passará a ter, somente a título de adjutório interior,
a sua imagem (do objeto representado por meio da linguagem). Ou seja: o
conceito se diferencia da imagem (mental).
109
Pois o progresso dos pré-conceitos em conceitos (propriamente
ditos ocorre justamente por essa superação: as simples experiências
mentais iniciais - que se tratavam de mero prolongamento das
coordenações práticas no plano representativo) hão de resultar em
conexões racionais e operatória, capazes de atribuir aos elementos
singulares individualidade e identidade permanentes, como formar classes
propriamente gerais, inclusive, com a habilidade de se manifestar por meio
da fala que, neste momento, caracteriza-se (ou pode se caracterizar) como
plenamente “social”/“socializada” no sentido de troca fundada em
diferenciação nítida.
E por que, até que isso (essa diferenciação e conseguinte
coordenação) ocorra, há essa facilidade de pensar por imagens restringindo
as assimilações do particular ao particular e não a generalidade ou
reciprocidade?
O autor esclarece, nesse sentido, que a razão desse fenômeno se
deve ao fato dos elementos ignorados pelo raciocínio serem assimilados aos
elementos centrados pelo pensamento do sujeito, porque estes são o objeto
da atenção, da atividade, de interesse da criança ou meramente porque
caracterizam o seu ponto de vista momentâneo. Quer por este, quer por
aquele motivo, trata-se exatamente por ser centrada e só.
A assimilação direta (ou deformante, ou ainda irreversível pois é
centrada) virá a ser lógica, isto é, fonte de imbricações hierárquicas ou de
reciprocidades contanto que a sua descentração a torne reversível.
Dessa forma, de acordo com Piaget (1945/2014), no caso do
egocentrismo ou do pré- conceito, se um elemento B é diminuído a outro
elemento A, irregularmente, pois este elemento A está centrado, sua
assimilação será, então, irreversível. Já quando “os elementos A e B são
110
assimilados entre si de modo reversível, e a descentração recíproca deles
acarreta a formação de uma classe (A+B), que os engloba” (PIAGET,
1045/2014, p. 264-265), tem-se como resultado a fórmula da construção
lógica.
Portanto, consoantes ao pensamento do autor, todos os processos
típicos que foram por nós descritos tratam-se, unicamente, de aspectos de
um mecanismo geral, o qual, nas palavras do próprio Piaget (1945/2014,
p. 265, grifo meu): “da centração e da descentração perceptivas e do
egocentrismo à reciprocidade lógica, caracteriza todo o desenvolvimento
das funções cognitivas”.
3. 2 Processo de conceptualização da língua escrita
De forma semelhante, fora também possível encontrar tais
características do pensamento presente na psicogênese da língua escrita. A
língua escrita, especificamente, tem que passar de um simples traçado para
se converter em um objeto substituto, ou seja, em uma representação
conceptual. E isso não é alheio ao funcionamento real da linguagem oral.
Bem como apresentei, Smith (1975) considera a escrita como uma
forma paralela ou variante de linguagem relacionada à fala e à leitura, que
implica, necessariamente, uma compreensão (ou “recepção significativa”).
Por isso mesmo, somente por meio do significado é possível a transcrição
do escrito na fala, e ainda que exista a crença no sentido inverso a
linguagem escrita não representaria primariamente os sons da fala, mas sim
proveria índices sobre o significado.
111
Como busquei evidenciar na proposta de Ferreiro (1984/2007),
a psicogênese da língua escrita é um processo cujo objetivo é o de atribuir
significado a um significante (ao escrito) processo conceptual e isso
não é instantâneo. E por exatamente envolver um processo, há obstáculos
(“problemas conceituais”) que devem ser superados (cognitivamente
falando).
A língua escrita para a criança não é desde cedo uma representação
escrita de sua linguagem. Pelo contrário, até chegar a esse objetivo, um
longo e penoso percurso tem que trilhar...
Há distinção, inclusive, quanto à interpretação da língua escrita
para a criança quando está ou não associada a uma figura. Assim, apesar da
língua escrita não se tratar nem de uma transcrição da linguagem, nem de
um derivado do desenho, a escrita mantém relações muito familiar tanto
com um quanto com o outro.
O progresso da interpretação sobre a língua escrita, não é alheio ao
funcionamento real da linguagem oral, ao passar de um simples traçado e
se converter em um objeto substituto (ou seja, em uma representação
simbólica). Além disso, tanto o desenho quanto a escrita são marcas visíveis
sobre o papel e, em seus primórdios, não são concebidos como diferentes
para o sujeito. Não obstante possuírem raízes gráficas comuns, à medida
que os traços gráficoso se diferenciando e adquirindo cada vez mais
formas figurativas, suas conceptualizações também vão se emancipando.
Inicialmente, quando desenho e escrita ainda são indiferenciados,
o texto é integralmente adivinhado a partir da imagem (ilustração), porque
o desenho e o texto são concebidos como uma unidade indissociável e a
escrita representa os mesmos elementos que o desenho.
112
Por assim ser, no começo da interpretação da escrita, sua
significação é muito atrelada ao significante. E, inicialmente, esse
significante não é de forma alguma a linguagem, mas especificamente a
imagem que se tem sobre o objeto ou sobre o fato representado. E isso traz
implicações importantíssimas por todo o desenvolvimento da
interpretação da escrita.
Uma dessas implicações é a tendência da criança refletir na escrita
algumas das características do próprio objeto. Para se escrever “casa”, por
exemplo, não buscam letras com ângulos marcados, ou letras redondas
para escrever “bola”, mas sim um maior número de grafias, grafias maiores
ou maior comprimento do traçado total se o objeto é maior, mais
comprido, tem mais idade ou há maior número de objetos referidos.
Dessa forma, a correspondência se estabelece entre aspectos
quantificáveis do objeto e aspectos quantificáveis da escrita, e não entre o
aspecto figural do objeto e o aspecto figural do escrito. E isso não é
“ensinado” pelos adultos, mas se trata de construções próprias da criança!
A hipótese de que o que se escreve são os nomes é original e logo se
generaliza progressivamente aos nomes de objetos.
Ainda assim a criança pode acompanhar seus desenhos de outros
sinais que representam seu próprio nome. No entanto, até aqui, a escrita é
uma escrita de nomes, e os portadores desses nomes têm outras
propriedades que a escrita poderia refletir, já que a escrita do nome não é
ainda a escrita de uma determinada forma sonora. Este nível é, então,
denominado pelas autoras como pré-silábico por o sujeito não atribuir
relações entre as grafias e as sílabas.
Após uma total indiferenciação entre o desenho e a escrita, quando
se alude a interpretar o significado de um texto associado a um desenho,
113
para a criança no nível “pré- silábico”, a escrita ganha a significação da
figura que a acompanha, isto é, o texto é tido como uma etiqueta do
desenho: diferem as formas significantes (ou seja, sabem bem o que é
desenho e o que é texto) mas as conceptualizações de ambas ainda
encontram-se indissociáveis.
De acordo com os dados apresentados por Ferreiro e Teberosky
(1984/2007, p. 78), “as crianças pensam que se pode passar do texto à
imagem e desta àquele sem necessidade de diferenciar os dois sistemas de
simbolização”. É ainda possível supor que, consoante a imagem que o
acompanhe, um mesmo texto possa ser lido de maneira diferente.
Neste contexto, as autoras perguntam e frisam este
questionamento sobre qual seria o papel que a imagem (referente ao
desenho) desempenha nessa interpretação. Para elas, a dificuldade
apresentada pelas crianças ao fazer referência ora ao texto ora à imagem
(ilustração) deve-se senão aos limites entre ambos que ainda são estreitos,
isto é, por tratar- se de representações complementares do mundo exterior.
A ilustração não fica excluída do que “é para ler” e pode funcionar
como um complemento do texto: o ato de desenhar cumpriria certa função
a respeito da escrita, pois o desenho provê um apoio à escrita, como que
garantindo seu significado.
Assim, apesar de interpretar a escrita e o desenho, diferenciando-
os, a criança (ou até mesmo o adulto ainda não alfabetizado) não sabe que
a escrita é “linguagem escrita” e isso não a permite concebê-los (desenho
e texto) como expressões visuais de diferentes significados (independentes
um do outro). O texto e o desenho (ou imagem) formam uma unidade
com funções diferentes, mas intimamente vinculadas. É devido a isso que
a criança passa do desenho ao texto e do texto ao desenho sem modificar a
114
interpretação, pois ambos são tidos como uma unidade, e juntos revelam
o sentido de uma mensagem gráfica.
Para tais crianças, as diferenças que há entre os diferentes tipos de
anotações gráficas não são relevantes. Isto quer dizer que as próprias
propriedades do texto não são “assimiláveis” ou “interpretáveis”, pelo
contrário: todas as colocações são tratadas de forma similar.
Neste nível, bem como assinalaram Ferreiro e Teberosky
(1984/2007), as relações entre as partes e o todo estão muito longe de
serem analisáveis, e por isso a leitura do escrito é sempre global. E se a
escrita aponta para uma descrição que retoma a totalidade dos elementos
da imagem (ou da figura), o significado se exprime pelo total da descrição
e “os elementos que compõem a imagem podem ser ordenados em função
do ato de interpretação do sujeito” (FERREIRO; TEBEROSKY,
1984/2007, p. 81).
Está claro que neste nível o texto não fornece atribuição de uma
forma direta, isto pois a escrita não alcançou um grau de estabilidade e
convencionalidade necessárias para poder conservar uma significação. É,
portanto, intrínseco a este problema a compreensão da escrita como um
sistema arbitrário de sinais. Na verdade, há uma complexidade na
construção da escrita, justamente por intervir nela muitos fatores
diferentes: são estabelecidos tipos de relações entre um símbolo escrito e
certos objetos, ao invés de se ter correspondências entre fragmentos
gráficos por um lado e segmentações sonoras pelo outro.
Contudo, em um momento futuro, ocorre um processo de
diferenciação entre escrita e desenho, no qual o texto passa a ser tratado
como uma unidade, mas ainda sem o sujeito considerar suas características
gráficas. A escrita passa a representar (agora separada/independente da
115
ilustração), então, somente o nome do objeto desenhado, ou até mesmo
uma oração associada ao desenho. Em ambos os casos, porém, seja
referente ao nome ou à oração, o sujeito atribui ao texto a interpretação
como unidade.
Desse jeito, em um segundo momento, ao mesmo tempo em que
o sujeito começa a perceber uma diferenciação entre a referência à imagem
(ilustração) e a referência ao texto, a escrita representa para o sujeito
apenas o nome do objeto desenhado sem os outros elementos que
também a constitui.
Exemplo: Uma criança aos 5 anos, quando se refere ao desenho diz
“um cachorro”, mas quando se refere ao texto diz “cachorro”.
Esse fato incipiente mostra que o texto retém, para o sujeito,
apenas um dos aspectos potencialmente interpretável: o nome do objeto,
e deixa de lado outros elementos que possam se aludir a ele (os artigos, por
exemplo). Assim, independentemente da anotação, a criança pretende
encontrar somente o nome do objeto desenhado.
Ilustração (imagem) e texto (escrita) estão ligados à enunciação do
nome e, por assim ser, o texto ainda é tratado como se fosse uma unidade,
sem levar em conta as propriedades particulares desse texto que o diferencia
do desenho. Isto porque o sinal gráfico é um “sinal- nome”, ou seja,
também recebe a atribuição do nome da imagem (desenho).
Apesar de o desenho ser reconhecido graças à relação entre suas
partes, sua identificação verbal corresponde ao nome do todo e não de suas
partes. De acordo com as autoras, por ser pelo início da identificação global
do desenho que o sujeito decide a significação da escrita, esta é tratada
como um todo impossível de ser decomposto e o nome é atribuído, por
116
assim ser, a todo o texto e lido globalmente sem responder às
peculiaridades da anotação gráfica.
Outrossim, em meio aos pensamentos de que apenas um nome es
(ou pode ser) escrito ou que o escrito é uma oração, há variantes
intermediárias, que fazem com que o indivíduo oscile entre um e outro
tipo de resposta (de que o está ou pode ser escrito é o nome ou uma
oração).
Conforme Ferreiro e Teberosky (1984/2007), dentre essas
variações intermediárias, fora “apagar” o artigo, alguns sujeitos fazem
pausa entre o primeiro nome enunciado e o complemento que se
acrescenta em seguida. A oração constitui, como o nome, um todo, ou seja,
a oração é dada a todo o texto, sem nenhuma correspondência entre as
propriedades deste.
Exemplo: Uma criança diz que o que está escrito é “Menino está
remando”; quando se pergunta onde está, mostra todo o texto da direita para
a esquerda.
Ainda segundo as autoras, agora consoante ao ato de se escrever, a
correspondência entre a escrita do nome e o próprio nome não é diferente:
é também global e não analisável. Isso quer dizer que a totalidade que
constitui a escrita se faz corresponder à totalidade do próprio nome
equivalente, porém as partes da escrita ainda não condizem com as partes
do nome (ou seja, cada letra vale simplesmente como parte de um todo e
não tem valor em si mesma).
A consideração das propriedades físicas do texto (de um lado, as
propriedades do texto em termos de continuidade e de comprimento, e de
outro, a diferença entre as letras) é que vai determinar de forma paulatina
o tipo de antecipação que a criança vai fazer em função da imagem
117
(ilustração). Assim, a antecipação em função da imagem dá lugar a um
processo de busca de verificado no texto.
O fato conceptual mais interessante é justamente, em relação à
escrita, que a criança segue trabalhando com as hipóteses de que faz falta
uma quantidade mínima de grafismos para escrever algo e que também se
precisa de certa variedade nos grafismos.
Claro que, ao tratar de resolver os problemas que a escrita lhes
apresenta, as crianças enfrentam inevitavelmente problemas gerais de
classificação e de ordenação. Descobrir, por exemplo, que duas ordens
diferentes dos mesmos elementos podem dar lugar a duas totalidades
diferentes é uma descoberta que traz vastas consequências para o
desenvolvimento cognitivo e nos mais variados domínios em que se
exerça a atividade de pensar.
Adiante haverá um início de consideração de algumas propriedades
gráficas do texto, não obstante a escrita continuar sendo prevista a partir
da imagem.
A criança pode, no trajeto deste desenvolvimento, ter tido a
oportunidade de adquirir certos modelos estáveis de escrita (ou ainda
formas fixas) que é capaz de reproduzir na ausência do modelo. E dentre
essas formas fixas, o nome próprio é uma das mais importantes.
Como é grande a importância do nome próprio, sobretudo nesse
primórdio do desenvolvimento da língua escrita!
As autoras ainda ressaltam que a aquisição supramencionada de
certas formas fixas e estáveis que exercem como modelos de novas escritas
é mais comum em crianças de classe média do que em crianças de classe
baixa, isto por causa das influências culturais exteriores à própria criança.
118
A partir, então, desta aquisição de reproduzir certo número de
formas gráficas fixas e estáveis, aparecem dois tipos de reações de signo
inverso que é o bloqueio (manifesto pela insegurança a respeito de suas
próprias possibilidades e forte dependência do modelo adulto) e a
utilização dos modelos conhecidos para prever outras escritas.
Somente mais tarde o sujeito buscará uma correspondência termo
a termo entre os fragmentos gráficos e as segmentações sonoras.
É somente em um terceiro momento que cada letra que compõe a
escrita passa a adquirir um valor sonoro, sendo que cada letra corresponde
a uma sílaba. Nessa hipótese, denominada pelas autoras como hipótese
silábica, na qual pela primeira vez a criança trabalha com a escrita sendo
representada por partes sonoras da fala (as partes do texto, ou cada letra,
correspondem a partes da expressão oral, ao recorte silábico do nome).
Uma das primeiras maneiras regulares de identificar as consoantes consiste
em atribuir-lhes um valor silábico em função do nome a que pertencem:
Exemplo: G é “o gu” para Gustavo; F é “o fe" de Felipe, etc.
Mostrei também como na hipótese silábica há contradição entre o
valor sonoro conferido às letras e o nome (ou até mesmo o conflito entre
a hipótese silábica e a exigência de quantidade mínima de caracteres
quando se trata da escrita de nomes para os quais a criança não tem uma
imagem visual estável). O valor das letras depende de certas intenções
privilegiadas (são individuais e subjetivas).
É nesse sentido que, o nome próprio como modelo de escrita
(porque é normalmente a primeira forma grafada a ser adotada de
estabilidade, e que, além disso, serve ainda como o protótipo de toda
escrita posterior), em vários exemplos mostrados por Ferreiro e Teberosky
(1984/2007), cumpre uma função muito especial na psicogênese da língua
119
escrita, inclusive de forma muito semelhante, como se pode verificar em
relação à psicogênese do pensamento e da linguagem verbal, com o papel
desempenhado pela imagem mental.
Para nós, claro é, então, esse caráter, análogo a ambos processos,
referente ao papel da imagem (mental, figural ou do nome próprio) tanto
na psicogênese do pensamento e da linguagem (oral), quanto na da língua
escrita.
Essa característica da psicogênese da língua escrita já permite aludir
o quão próxima é da mesma característica da linguagem verbal, a qual tão
somente quando os diversos caracteres do pré-conceito tenderem na
direção do conceito operatório, isto é, submeterem-se às aplicações
hierárquicas que transformam a assimilação direta em mediata (ou seja,
aquelas que são consideradas em conjunto, por um sistema de relações,
composto), é que eles poderão chegar à uma generalidade progressiva.
O que ocorre, então, quando a conquista da hipótese alfabética
entra em operação?
Para a criança, e até mesmo um sujeito adulto, se libertar desses
pré-conceitos egocêntricos (que se equivalem às interpretações prévias à
hipótese alfabética) e atingir as noções objetivas, pouco a pouco, precisará
dissociar, em conexão com a socialização de seu pensamento, dois pontos
de vista diferentes: o seu, e o ponto de vista do outro (ou ainda, aspectos
da linguagem oral e aspectos próprios da língua escrita).
Para tanto, precisará se desvincular da imagem (mental) e de
qualquer outro aparato que desempenhe o papel de significante no lugar
da escrita em si como, por exemplo, pode acontecer com a linguagem
oral. Isto porque a língua escrita deverá aparecer como um sistema
alternativo de sinais, os quais remetem diretamente a uma significação.
120
Nesse nível, a linguagem oral e a imagem mental passam a cumprir o papel
de meros adjutórios para compreensão gráfica, possibilitando ao sujeito
atribuir certa estabilidade para as configurações gráficas e, assim,
considerar as relações entre o todo e as suas partes.
É nisto e por isso que, amiúde, Ferreiro e Teberosky (1984/
2007) consideram a língua escrita e seu conseguinte desenvolvimento
como um saber conceptual (muito semelhante (em seu mecanismo e
progressão), inclusive, com o desenvolvimento da linguagem oral,
evidenciado por Piaget [1945/2014]). Até porque, logo no momento em
que a reversibilidade das operações for atingida, e a generalidade então ser
completa, é que o sujeito pode alcançar a evolução do pensamento à
formação conceptual cujas características são exatamente a generalidade
e a individualidade plenas.
Em síntese, concluo, firmemente, que: apenas quando as razões
para se abandonar certa hipótese for muito forte que o sujeito poderá
passar a outra análise (esquemas verbais, p-conceitos, conceitos
propriamente ditos ou ainda, e de similar forma, de uma hipótese pré-
silábica a uma hipótese silábica, ou desta para uma hipótese alfabética).
Destarte, somente quando compreender a forma de produção de escritas
enquanto sistema de composição é que poderá abordar outras questões
como a ortografia, por exemplo.
3. 3 Discussões
Após a análise dos itens 3.1 e 3.2, pode-se inferir que tanto no
progresso do pensamento e da linguagem quanto no da língua escrita
um percurso evolutivo, cuja natureza é conceptual, pois ambos exigem
vencer as dificuldades referentes à intervenção das imagens estáticas para
121
se tornarem conceituações operatórias. Desde já evidencio, então, que este
trataria do aspecto, talvez o mais significativo, que é comum às duas
construções.
3. 3. 1 A discussão acerca da psicogênese da linguagem
e da língua escrita
Entretanto, antes de Ferreiro (1984/2007), não era essa a
compreensão que se tinha de que o desenvolvimento referente à aquisição
da linguagem escrita pela criança perpassa por construções de natureza
conceptual.
Segundo a autora, consoante a uma perspectiva pedagógica, por
costume, o problema de aprendizagem da leitura e da escrita era exposto
como uma queso de métodos. É nesse contato, então, que,
tradicionalmente na história pedagógica, pode-se evidenciar a linguagem
se relacionando com a questão da língua escrita contando, para tanto,
com justificativas da linguística como também da psicologia.
Majoritariamente, no decorrer de sua trajetória, a pedagogia
acabou recebendo justificativas que lhe serviram (bem como ainda servem)
de base para considerar a leitura inicial como puro mecanismo
(FERREIRO, 1984/2007). A verdade é que as hipóteses acerca do processo
têm levado a confundir métodos de ensino com processos de
aprendizagem. E, assim, a preocupação dos educadores se inclina
simplesmente à busca do “melhor” ou “mais eficaz” deles.
De maneira geral e de acordo com Mortatti (2006), os dois
principais métodos que permearam o meio pedagógico até a década de
1980, mais ou menos, mas que ainda hoje exercem influência nas escolas
do Brasil (assumidos de forma independente ou conjuntamente), são o
122
sintético e o analítico cada um deles assim resumidos: ou parte da parte
para o todo, que são os métodos sintéticos, ou parte do todo para as partes,
os chamados métodos analíticos.
Ainda consoantes à fonte supramencionada, tradicionalmente, os
métodos sintéticos podem ser divididos em três tipos: o silábico, o
alfabético e o fônico. No silábico, ou silabação, o estudante aprende
primeiro as sílabas para formar as palavras. Já no alfabético, o estudante
aprende inicialmente as letras, depois forma as sílabas juntando as
consoantes com as vogais, para, depois, formar as palavras que constroem
o texto. E no fônico, também conhecido como fonético, o aluno parte do
som das letras, unindo o som da consoante com o som da vogal,
pronunciando a sílaba formada.
Ferreiro (1984/2007) levantou a polêmica que torneia os dois tipos
de métodos supracitados e mais gerais (o sintético e o analítico). Isto
porque, segundo ela, em defesa das respectivas virtudes de um e de outro,
originou-se uma discussão registrada em extensa literatura. De acordo com
a autora, essa literatura faz referência tanto ao aspecto metodológico em si
como aos processos psicológicos subjacentes.
À vista disso, doravante, a minha pretensão é mostrar qual é o
enfoque didático e, depois, quais são os supostos psicológicos, bem como
quais seriam as concepções sobre o processo da aprendizagem implícitas
ou explícitas relativo a esses métodos.
O primeiro método referido diz respeito ao sintético, o qual parte
de elementos menores que a palavra. O referido método insiste,
fundamentalmente, na correspondência entre o oral e o escrito, entre o
som e a grafia. Outro ponto chave para esse método é estabelecer a
123
correspondência a partir dos elementos mínimos da escrita: que são as
letras.
Os métodos alfabéticos mais tradicionais se enquadram nesse
modelo, sendo que durante muito tempo o foco do ensino engendrou-se
na pronúncia das letras, o que levava o sujeito a estabelecer as regras de
sonorização da escrita no seu idioma correspondente.
Em que consiste a postura metodológica consoante a esse método?
Inicialmente, a aprendizagem da leitura e da escrita é um a questão
mecânica, e trata da aquisição da técnica para o decifrado do texto. Pelo
fato de se conceber a escrita como a transcrição gráfica da linguagem oral,
como sua imagem (imagem mais ou menos fiel, segundo casos
particulares), ler equivale a decodificar o escrito em som.
É evidente que o método será tanto mais eficaz quanto mais o
sistema da escrita estiver de acordo com os princípios alfabéticos, isto é,
quanto mais perfeita seja a correspondência som-letra. Mas como em
nenhum sistema de escrita existe uma total coincidência entre a fala e
a ortografia, recomenda-se começar com aqueles casos de “ortografia
regular”, quer dizer, com as palavras cujas grafias coincidem com a
pronúncia.
As cartilhas ou os livros de iniciação à leitura nada mais são do que
a tentativa de conjugar todos esses princípios: evitar confusões auditivas
e/ou visuais; apresentar um fonema (e seu grafema correspondente) por
vez; e finalmente trabalhar com os casos de ortografia regular. As sílabas
sem sentido são utilizadas regularmente, o que acarreta a consequência
inevitável de dissociar o som da significação e, portanto, a leitura da fala.
Em suma, este é o modelo sintético um dos quais têm-se maior adesão
124
ainda nos dias atuais, segundo a autora.Já o segundo método é o analítico,
o qual parte da palavra ou de unidades maiores.
Sob a influência da linguística, pode-se encontrar nesse método a
análise fonética, a qual se parte do oral. A unidade mínima de som da fala
é o fonema, e o processo consiste em iniciar pelo fonema associando-o à
sua representação gráfica. Para tanto, é necessário que o sujeito seja capaz
de isolar e de reconhecer os diferentes fonemas de seu idioma para poder,
a seguir, relacioná-los aos sinais gráficos.
Qual é a postura metodológica que coincide com esse método?
Na aprendizagem, está em primeiro lugar a mecânica da leitura
(decifrado do texto) que, futuramente, dará lugar à leitura “inteligente”
(que envolve a compreensão do texto lido), que posteriormente culminará
em uma leitura expressiva, na qual se junta a entonação.
Como a ênfase está posta na análise auditiva para se separar os sons
e estabelecer as correspondências grafema-fonema (isto é, letras-som), esse
método institui duas questões como requisitos: a primeira se refere à
pronúncia, a qual precisa ser correta para evitar confusões entre os
fonemas; e a segunda que se relaciona às grafias de formas semelhantes,
uma vez que precisam ser apresentadas separadamente para evitar
confusões visuais entre as grafias. Outro dos importantes princípios para o
método é ensinar um par de fonema-grafema por vez, sem passar ao
seguinte enquanto a associação não seja bem fixada.
Ainda de acordo com Ferreiro (1984/2007), para os defensores do
método analítico, ao inverso do sintético, a leitura é um ato “global” e
“ideovisual” (ou seja, a partir de unidades significativas). Assim, por ser
contra os postulados do método sintético uma vez que os seus adeptos o
consideram mecanicista , os que são partidários a esse método apontam
125
que o que é fundamental, para o aluno, é o reconhecimento global das
palavras ou das orações, e a análise dos componentes é uma tarefa posterior.
Não importa qual seja a dificuldade auditiva daquilo que se
aprende, posto que a leitura é uma tarefa fundamentalmente visual. Não
obstante, os que são adeptos a esse método ressalvam que o fundamental
do ensino consiste em se iniciar com unidades significativas para a criança.
Como se pode observar, são vários os desacordos entre ambos os
métodos. Entretanto, para Ferreiro (1984/2007), as discrepâncias podem
se reduzir, especialmente, a que tipo de estratégia perceptiva está em jogo
no ato da leitura. Dessa forma, apesar de se basearem em concepções do
funcionamento psicológico da criança diferentes, assim como teorias da
aprendizagem distintas, o problema fundamental (e ponto de contato)
entre os métodos relacionados se dá na questão de quais são as estratégias
perceptivas: auditiva para uns, visual para outros.
No que se segue, refiro fundamentalmente ao método fonético,
posto que o alfabético já não é mais tão comum segundo Ferreiro
(1984/2007).
E quais são as concepções psicológicas que o respaldam?
Este modelo, que é o mais coerente com a teoria associacionista,
uma vez que reproduz, em nível da aprendizagem da escrita, o modelo
proposto para interpretar a aquisição da linguagem oral. A concepção
psicológica associacionista pleiteava que a aquisição da linguagem oral
advinha simplesmente da criança imitar o que o meio social lhe oferece, e,
mediante auxílios e insistentes associações, selecionar (adquirir ou
aprender) aquilo que lhe serve.
Ao enfatizar as discriminações auditivas e as visuais, e as
correspondências grafema- fonema, o processo de aprendizagem da leitura
126
é visto, simplesmente, como uma associação entre respostas sonoras a
estímulos gráficos.
Fora isso, de acordo com Ferreiro (1984/2007), esse modelo ainda
dicotomiza a aprendizagem em dois momentos descontínuos, pois quando
ainda não se sabe, inicialmente, é necessário passar por uma etapa mecânica,
e, depois, apenas quando já se souber, é que o indivíduo poderá chegar a
compreender (momentos claramente representados pela sequência clássica
“leitura mecânica, compreensiva”) (FERREIRO, 1984/2007, p.22).
Contudo, durante os percursos ora apresentados, fora possível
constatar que ambas as construções (quer seja referente à psicogênese do
pensamento e da linguagem, ou à língua escrita) passam sim por etapas
bastante parecidas, mas não no sentido de serem adquiridas por associações
ou mediante reforço, mas por se tratarem de processos conceptuais
levando em conta suas especificidades, claro.
Em relação à primeira, por exemplo, primeiramente se tem o
período de balbucio, seguido do de lalação, que são muito atrelados à
imitação sensório-motora na qual a criança realiza repetições apenas pelo
prazer de falar (total indiferenciação); depois surgem os primeiros
esquemas verbais, que se relacionam ao surgimento da função simbólica
infantil, e também revelam o primórdio da coordenação das ações em
outro nível, agora representativo (início de diferenciação); ulteriormente,
pelo aprimoramento dessas coordenações e novas coordenações, ve-se a
palavra começar a desempenhar seu papel de signo, mas que, por influência
da imagem mental, ainda de maneira estática e individual, caracteriza os
primeiros conceitos (pré-conceitos) início de diferenciação, mas ainda
sem coordenação; e, somente após longo e árduo trabalho cognitivo de
estabelecimento de relações e consideração destas, surgem, por fim, os
conceitos operatórios, que são coroas desse desenvolvimento, uma vez que
127
são internalizados, reversíveis e levam em conta as ações inseridas em um
sistema de relações intra e interpessoais coordenadas (composição
operatória).
Já quanto à segunda psicogênese, agora referente à língua escrita,
também como exemplo, a criança passa por fases em que, antes mesmo do
início de seu processo de conceptualização, realiza suas garatujas apenas
pelo prazer de grafar no papel seu traços aparentemente sem nexo (total
indiferenciação). Depois, em um período em que a marca gráfica ainda
não tem relação alguma com a linguagem (fase pré-silábica), a criança
constroi hipóteses acerca da linguagem escrita que lhe são originais e
segundo as quais, o que se representa por meio da escrita é essencialmente
o nome das pessoas/os objetos, e que para se escrever precisa-se tanto de
um número mínimo de caracteres como de uma variedade destes (início
de diferenciação). Posteriormente, o sujeito passa a atribuir um valor
sonoro para cada letra e a escrita passa a estar relacionada à linguagem,
então; entretanto, o relacionamento entre as partes e o todo ainda não é
contemplado (ocorre, na escrita, a supressão dos artigos e outros elementos
linguísticos), sobretudo devido à participação da imagem ou do nome dos
objetos/pessoas (início de diferenciação, mas ainda sem coordenação).
Será somente depois, quando aquilo que o meio externo oferece ao sujeito
entrar em conflito com os seus modelos próprios é que, de fato, haverá a
necessidade do indivíduo considerar as particularidades e as coordenar com
o que é geral à escrita apesar de isto, neste momento, ainda enfrentar
dificuldades. Quando os problemas forem superados, que a criança poderá
abordar um modo coerente e lógico de interpretação (que é, por fim, o
alfabético). Neste último, portanto, o sujeito já terá vencido as barreiras
impostas por sua falta de coordenação anterior, possibilitando-o utilizar-
se da escrita enquanto um sistema de representação de sua linguagem oral,
128
levando em conta e ponderando os aspectos particulares tanto de uma
quanto de outra (composição operatória).
Tal ocorre na psicogênese do pensamento e da linguagem (oral),
como na psicogênese da língua escrita, a influência da imagem (mental,
figural ou do nome próprio) é marcante. Observa-se que a singularidade e
a dificuldade da escrita é que se trata de um conhecimento cultural que
precisa ser descoberto como um objeto do mundo. Além disso, a
linguagem escrita é um sistema arbitrário, uma vez que dificilmente traz
em si características explicitas e concretas de um objeto.
Nos dois processos, contudo, acompanha-se um desenvolvimento
que parte sempre de um estado de menor equilíbrio para outro cuja
estabilidade é maior e mais difícil de ser infringida. Além disso, em ambas
psicogêneses, tanto na da linguagem e do pensamento quanto na da língua
escrita, o papel da imagem é crucial: servindo tanto de base como de
empecilho para os progressos.
Quadro 2 Processos gerais e construções análogas.
Pensamento,
linguagem e língua
escrita:
Total indiferenciação
(entre significante e significado)
Início de diferenciação
Diferenciação mas sem levar em conta as
particularidades
Diferenciação considerando as peculiaridades
mas
ainda sem coordenação
Composição (operação)
Fonte: elaborado pela autora.
129
Porquanto os primeiros conceitos aparentes que são os pré-
conceitos – participam ainda tanto dos esquemas verbais senso-motor, do
quais advêm, como das imagens imitativas (ou símbolos lúdicos), que são
insuficientemente socializadas, uma situação que é intermediária e
indiferenciada também é ocasionada e correlativa ao que acontece no
âmbito da língua escrita.
Isso se deve ao fato da imagem mental se constituir como um
substituto para o pré- conceito - representando o indivíduo essencial.
Nesse sentido, não obstante desempenhar seu papel original de
significante, a imagem mental acaba por conservar também a função
herdada de sua origem imitativa, e se constitui como um substituto parcial
“da coisa significada”.
Desta forma, por ser tanto a representante do indivíduo “típico”
como um esquema individualizado como é, a imagem mental passa a ser
não apenas mais um significante, mas o próprio significante, único
representante do objeto que exerce a função de substituto de todos os
outros (caracterizando o aspecto pré-conceitual do pensamento pois a
compreensão não leva em conta, ainda, a generalidade e individualidade
total). Por isso que, pelo fato dos objetos estarem diretamente assimilados
uns aos outros, o objeto “assimilante” se torna uma espécie de exemplo ou
exemplar típico sobre os quais incorpora outros exemplos.
No nível da linguagem escrita, quando as diferenças que há entre
os diferentes tipos de anotações gráficas não são relevantes para o
indivíduo, as próprias propriedades do texto não são “assimiláveis” ou
“interpretáveis”, pelo contrário: todas as colocações são tratadas de forma
similar.
130
Com relação ao ato de escrever do sujeito, a escrita aqui não pode
funcionar como veículo de transmissão de informação uma vez que cada
um pode interpretar sua própria escrita e não a dos outros até porque, as
escritas se assemelham muito entre si, mas isso não impede que as crianças
as considerem como diferentes, visto que a intenção que presidiu a sua
realização era diferente e isso basta.
Assim, a intenção subjetiva do escritor conta mais que as diferenças
objetivas no resultado, pois se quis escrever uma palavra em um caso, e
outra palavra no outro caso...
Apesar disso, a generalidade completa só será atingida com a
reversibilidade das operações, o que lhe possibilitará a formação conceptual
cujas características são exatamente a generalidade e individualidade
completas.
3. 3. 2 A língua escrita como representação conceptual da fala
Para aprender a ler e escrever, o indivíduo necessita entender a
relação estabelecida entre fala e escrita e conhecer o sistema de regras da
escrita.
A linguagem, seja ela oral ou escrita, assim como as outras
manifestações da função simbólica, é construída pelo sujeito à proporção
de suas necessidades. Além disso, ela já se encontra toda organizada
socialmente e contém, previamente à aprendizagem dos indivíduos, um
conjunto de regras próprias que devem ser consideradas por eles, além de
seus instrumentos (relações, classificações, etc.) a serviço do próprio
pensamento.
131
Claro que na interpretação da língua escrita como objeto de
conhecimento intervém o saber da criança sobre sua língua oral. Contudo,
esse saber pode favorecer ou dificultar o progresso da língua escrita.
Qual é o conhecimento da língua oral envolvido? Mesmo que
inconscientemente, a criança quando chega ao ensino fundamental, por
volta de seus seis ou sete anos, possui e faz (bem o) uso de um saber
linguístico relevante, e, em muitas das vezes, utiliza a sua língua oral como
signo verdadeiro enquanto substituto de um objeto ausente, tanto o
ponto de vista sintático quanto no ponto de vista semântico (isto é, a
disposição das palavras, a organização das frases, a estruturação interna e
funcional, ocorrem de forma lógica, mesmo em meio a múltiplas
combinações possíveis para transmitir um significado compreensível) ,
que é o próprio conceito. Todavia, a criança precisará, a partir de um
processo ativo de reconstrução de sua parte, compreender o modo de
produção de sua fala e o reconstituir internamente, e representar essa
estruturação lógica, interna e funcional na escrita (que é apenas uma
forma alternativa de linguagem).
É nisto que o desenvolvimento da língua escrita para o sujeito
consiste; e por assim ser, acaba não sendo necessário ensinar novamente
como se fala (ou como se pensa que se deva falar).
O que gostaria de e assim, amiúde destacar é que a aquisição
da língua escrita pelo sujeito se trata de uma apropriação de significado,
ou ainda uma busca por interpretação, que é, em outras palavras, o processo
de conceptualização assim como no processo de desenvolvi-mento da
linguagem (oral) e do pensamento conceitual.
Ambos os processos envolvem dificuldades semelhantes. Mas não
se trata apenas de se transportar um conhecimento ao outro: a língua
132
escrita tem as suas especificidades, e, além das dificuldades “comuns”,
concomitantemente defronta-se com as peculiaridades desse novo objeto e
precisa coorde-las em conjunto (compor/operar).
Visto que, por a língua escrita ser uma forma diferente de uma
mesma língua (em sua forma verbal), o sujeito deverá conhecer o
funcionamento dessa língua ser um representante (substituto) de algo
significado, o que é comum para ambas formas linguísticas (tanto oral
como escrita) – integrando (levando em conta) suas particularidades.
De qualquer forma, em vista do pensamento de Piaget (1936/
1987; 1945/2014) e Piaget e Inhelder (1964/2006; 1966), entre outros,
não será o aparecimento da linguagem o fator responsável pela evolução
da inteligência sensório-motora para a inteligência conceitual, uma vez que
não cabe à linguagem a primazia pela transformação dos esquemas verbais
em pré-conceitos e logo em conceitos antes disso, dever-se-á muito mais
a toda função simbólica, a qual se consolidará através da permanente
organização e reorganização das ações no âmbito representativo –, assim
como também não lhe valerá a aprendizagem da linguagem escrita, pois
essa não ocorre, exclusivamente, por causa da transmissão verbal.
De acordo com a epistemologia genética, a socialização e a
verbalização dos esquemas são consideradas apenas como integrantes de
uma das dimensões de um desenvolvimento geral. Por assim ser, as etapas
constatadas segundo a dimensão social (signos linguísticos e escritos) são
elas mesmas esclarecidas pelas fases do processo evolutivo interno que
conduz a inteligência sensório-motora à inteligência conceptual.
Como muito bem apresentaram Piaget e Inhelder (1966/2006),
pesquisas sobre a constituição das regras gramaticais, inspiradas nas
hipóteses de Chomsky, evidenciam que a aquisição das regras sintáticas
133
não se limita a uma imitação passiva, comportando, ao invés disso, além
de uma parte considerável de assimilação generalizadora, certas
construções originais.
Essa primeira descrição já oferece traços semelhantes entre o que a
criança passa quanto ao desenvolvimento de sua linguagem oral, bem
como o que fora exposto em relação à língua escrita. As hipóteses da
quantidade mínima e do nome, ambas também se tratam de construções
originais da criança.
Outrossim, Piaget e Inhelder (1996/2006) demonstraram,
embasados em pesquisas de colaboradores, que existem alguns modelos
linguísticos infantis que ocorrem a partir de reduções das frases adultas e
que obedecem a exigências funcionais. Além de serem próprio da criança,
nesses modelos inéditos aparece a conservação de um “mínimo” de
informação necessária, acompanhada de uma tendência a aumentar esse
“mínimo”.
Dessa forma, desde o fim do segundo ano de vida de uma criança
típica, pode-se notar frases de duas palavras; depois pequenas frases
completas sem conjunções nem atenuações; e um aumento progressivo das
estruturas gramaticais. Bem como já havia destacado, a dificuldade maior
atrelada à psicogênese do pensamento e da linguagem se refere à facilidade
do sujeito de pensar por imagens (mentais), o que faz com que tanto seu
raciocínio fique a meio caminho do que é geral e específico quanto sua
linguagem também fique intermediária entre o diálogo verdadeiro e o
monólogo.
O aspecto fundamental do pensamento (que é egocêntrico) reside
justamente no fato do indivíduo se deter ao que é perceptível, ficando
muito atrelado ao que é oferecido pelos fenômenos (suas percepções)
134
momentâneos(as), sem relacioná-los (coordenando-os com reversibi-
lidade) com outros elementos; além de apresentar grande dificuldade em
relacionar as partes com o todo e o todo com as partes, reciprocamente. E
tudo isso por causa do seu pensamento estar fixado (atrelado) precisamente
às imagens mentais (que é estática e individual).
Tanto em um caso (pensamento e linguagem) como no outro (da
língua escrita), o significante precisará deixar de ser exclusivamente a
imagem mental para esta desempenhar o papel de apenas adjutora interna:
o significante terá que passar a ser o próprio signo linguístico (seja ele oral
ou escrito), para somente então poder considerar (levar em conta os) seus
aspectos particulares e coordená-los, conseguintemente, com os aspectos
gerais da língua (que é culturalmente construída).
A escrita fica centrada em (ou atrelada a), inicialmente, a imagem,
depois, o ato verbal, e por isso não consegue levar em conta os aspectos
próprios que lhe condizem, pois não oferece de forma direta a significação
ao sujeito e acaba ocupando um segundo plano em sua interpretação.
Trata-se, pelo contrário, de apenas transcrições da fala, as quais não
garantem ao sujeito nada acerca de seu significado, embora busque
interpretá-las ou-las sentido.
Por isso que, apesar de “silábica” (por estar vinculada à linguagem),
a escrita não pode ser lida por qualquer um, pois lhe falta objeções e
complementos que a possibilite de ser entendida. A não ser para o seu autor
(o que a escreveu). Por isso ainda é subjetiva.
Entretanto, quando se converter em composição alfabética (ou
seja, quando este compreender e empregar a função social da escrita (de
comunicação), apresentar estabilidade na escrita das palavras, sabendo
atribuir valor às partes menores e ao todo de forma composta (isto é,
135
sabendo, ao mesmo tempo, que cada letra corresponde aos menores valores
sonoros da sílaba; que as sílabas juntas constituem palavras, e que
ordenadas formam orações - e isso de forma coerente e coordenada,
separando as palavras quando escreve frases, por exemplo), procurar
adequar a escrita à fala (e não necessariamente a fala à escrita), conseguir
realizar a leitura efetiva (com sentido) com ou sem ilustração, etc) para o
sujeito que a utiliza, justamente por tê-la destacado da linguagem, da
imagem, e de tudo o que ocupa o lugar de substituto do significado, para
se tornar ela própria índices sobre o que dá significado, as demais
ferramentas (seja a linguagem oral, ou a imagem mental, ou o desenho,
etc.) precisarão servir apenas de auxílio para evocação do significado dos
signos gráficos, para assim tomar o caráter de duplicar a apresentação
perceptiva relacionada tanto aos aspectos da linguagem oral como os da
linguagem escrita (ou seja, descrever a linguagem oral por meio da escrita sem
fazer parte integrante da primeira).
Por isso, o falar no momento da escrita (fala que acompanha o ato
de escrever também denominada como egocêntrica) não é apenas
primordialmente para o outro (aspecto comunicativo), mas é também e
simultaneamente auxílio para si (aspecto intelectivo, regulativo).
Em síntese, Emilia Ferreiro acaba tecendo uma dura crítica quanto
à concepção da escrita como cópia, por esta esconder a verdadeira escrita.
Sem contar que - e ainda pior -, segundo ela, a concepção de leitura como
decifrado não somente coibi a leitura, como ela também provoca outros
problemas: isto porque, ao estabelecer correlações entre fonema- grafema,
mesmo que não de forma intencional ou consciente, o professor é logo
levado a abordar o problema da “boa” pronúncia, a qual, geralmente,
fortalece a ideologia das classes dominantes dentro de uma sociedade de
que o correto é apenas o que elas disseminam.
136
Para a autora, a escola agindo dessa forma não coopera para
aumentar o número de alfabetizados, pelo contrário, trabalha para a
produção de analfabetos uma vez que para se aprender a ler e escrever, é
indispensável saber falar “bem”.
Como se pode observar, de maneira geral, antes da influência das
ideias de Ferreiro (1984/2007) se reduzia o ensino e a aprendizagem da
língua escrita à qual seria o método adequado, ou ainda a qual a idade
adequada, e não sobre o que a criança pensava. Na verdade, ela não pensava
nada e era melhor que não pensasse mesmo. Mas os seus trabalhos
trouxeram à cena o protagonista esquecido: a criança com a sua maneira
de pensar e saber. A luta passou a ser, então, não para que os adultos
reconheçam que a criança pensa, mas para que eles levem em consideração
o que ela pensa.
O que acabei de assinalar à luz das hipóteses de Piaget e Ferreiro
vão numa direção bem diferente das tradicionais.
Tradicionalmente se apontou que a criança deveria possuir, para
aprender a ler, uma boa linguagem (ou um desenvolvimento suficiente da
linguagem oral), avaliada em termos de vocabulário, dicção e
complexidade gramatical. No entanto, no caso em que se verifica o âmbito
da intervenção dos processos de tomada de consciência, a perspectiva
muda, pois, mais do que “saber falar”, trata-se de ajudar o sujeito a tomar
consciência do que ele já faz com a linguagem quando fala: de ajudá-lo a
tomar consciência de algo que ele sabe fazer: ajudá-lo a passar de um
“saber-fazer” a um saber acerca de”, a um saber conceptual.
A língua escrita é, portanto, compreendida na perspectiva da
epistemologia genética apenas como uma representação da linguagem oral.
Dessa forma, não serão a transmissão verbal ou a oralidade em si as
137
responsáveis pela aquisição da língua escrita pela criança. Claro que a
linguagem é um sistema já elaborado socialmente e se encontra em vias de
conceptualizações para o indivíduo; contudo, os progressos da psicogênese
da língua escrita são decorrentes unicamente da ação do sujeito sobre a
escrita, que se incumbirá de organizar e reorganizar esse conhecimento
relacionando-o com o saber verbal já adquirido.
138
139
CONCLUSÃO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________
A psicogênese da língua escrita deslocou a questão central da alfabetização
do ensino para a aprendizagem: partiu não de como se deve ensinar e sim
como de fato se aprende. (...) O que Emilia Ferreiro e Ana Teberosky
demonstraram é que a questão crucial da alfabetização inicial é de
natureza conceitual. Isto é, a mão que escreve e o olho que lê estão sob o
comando de um cérebro que pensa sobre a escrita que existe em seu meio
social e com a qual toma contato através da sua própria participação em
atos que envolvem o ler ou o escrever, em prática sociais mediadas pela
escrita.
Telma Weisz (2007)
Após a realização deste estudo, traço algumas conclusões que foram
possíveis:
- O levantamento de trabalhos nacionais que estabelecem o vínculo entre
o desenvolvimento do pensamento e da linguagem, referidos na teoria de
Piaget, e a psicogênese da língua escrita, abordada por Emilia Ferreiro, deu
como resultado que dentre os textos encontrados e que foram por nós
analisados, houve ausência de estudos que tratassem da problemática como
me propus fazer;
- Realizei um estudo comparativo entre o desenvolvimento do pensamento
e da linguagem e o da língua escrita na criança, em duas obras consideradas
clássicas de Jean Piaget e Emilia Ferreiro: “A formação do símbolo na
criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação”, originalmente
publicada em 1945, e “Psicogênese da língua escrita”, originalmente
publicada em 1979, respectivamente;
140
- Em uma primeira etapa, quanto ao trabalho de Piaget, descobri que o
autor aborda o desenvolvimento do pensamento e da linguagem como
processos complementares, uma vez que a possibilidade de se ter
representações conceptuais é uma das condições necessárias para a
aquisição da linguagem, sendo que a recíproca não é verdadeira. A análise
dos fatos genéticos fornece, sob a perspectiva piagetiana, uma resposta que
se orienta no sentido de uma interação entre os mecanismos linguísticos
e os mecanismos operatórios subjacentes, e não o contrário. A relação
existente entre o que ocorre no nível do pensamento e a aquisição
propriamente dita da linguagem verbal é, para Piaget, que a lógica do
sujeito não pode estar ausente de nenhuma aprendizagem quando esta
toma forma de uma apropriação de conhecimento. A compreensão do
sistema linguístico é tida pelo autor como um processo de conhecimento,
no qual o sujeito deste processo constrói uma estrutura lógica que
constitui, ao mesmo tempo, o marco e o instrumento que definirão as
características do processo. Assim, a estrutura sintática e semântica da fala
acaba refletindo a estruturação do pensamento dos sujeitos;
- Segundo Piaget (1936/1987; 1945/2014; 1966) e Piaget e Inhelder
(1966/2006), entre outros, não é o aparecimento da linguagem o fator
responsável pela evolução da inteligência prática em pensamento
conceitual. Bem menos cabe à linguagem a primazia pela transformação
dos esquemas verbais em pré-conceitos e logo em conceitos. Até porque,
para o autor, já há no período sensório-motor uma lógica prática, cuja
origem deve-se, além da diferenciação, à organização e também à
combinação dos esquemas de ações do bebê. Piaget (1966) reconhece o
papel da linguagem no enriquecimento dos instrumentos cognitivos, uma
vez que é um sistema já elaborado socialmente, no entanto deixa claro que
os progressos do pensamento, sobretudo, representativo são decorrentes da
141
função semiótica no geral. Alerta ainda sobre a ingenuidade de se pensar
que seria suficiente falar à criança para instruí-la e formar seu pensamento
(PIAGET 1923/1999; 1996; 1966). Portanto, há uma estruturação e uma
gênese que envolve todo o desenvolvimento infantil cujos mecanismos e
construções são comuns a todos os indivíduos e em relação a todo tipo de
conhecimento. E essa foi o grande achado de Piaget, a partir do qual, pôde
e discutiu diversos conteúdos. Acerca da língua escrita não o fez,
especificamente; sendo da competência de Emilia Ferreiro e seus
colaboradores assim o realizar;
- Em um segundo momento, então, debrucei-me sobre a contribuição
fundamental de Ferreiro (1984/2007), a qual, por suas próprias palavras,
deu voz ao que era ignorado nas relações de ensino-aprendizagem da língua
escrita, ou seja, demonstrou através de muitos anos o que as crianças
pensam sobre a escrita. Essencialmente, a hipótese da autora, ao encontro
dos postulados de seu mentor Piaget, consiste na necessidade do sujeito
agir (pensar) sobre a língua escrita, e, ao mesmo tempo em que organiza
seu mundo, construir suas próprias categorias de pensamento. De maneira
geral, de acordo com a autora, precisa haver uma série de processos de
reflexão sobre a linguagem para se poder passar à escrita. E isso não é algo
que ocorre de maneira imediata. Pelo contrário.
- Envolve construções próprias, originais do sujeito, que ao irem sendo
confrontadas com o que corresponde aos padrões estabelecidos
socialmente, vão passando de estados de equilíbrio inferior para outros de
equilíbrio superior. Claro que nessa evolução, as hipóteses originais que a
criança formulou são muito fortes, uma vez constituídas precisarão de algo
muito maior (mais forte) para provocar desequilíbrio; talvez um
questionamento que o desestabilize; ou uma informação que entre em
choque com seu atual pensamento... É compreensível que nesse caminho
142
o sujeito tente resistir a abrir mão de suas convicções, até chegar em um
ponto no qual essa abdicação se torne indispensável. Em seu término (ou
seja, uma vez formada), então, a escrita possibilitará novos processos de
reflexão (sobre a gramática, por exemplo), os quais sem ela dificilmente
poderiam se consolidar;
- Portanto, pude salientar que, para alcançar uma escrita, não basta o
sujeito ter uma linguagem, mas, além disso, precisa de um grau mínimo
de reflexão sobre a linguagem que lhe possibilite tomar consciência dos
mecanismos das propriedades dessa linguagem. Até aqui, minha busca foi
a de evidenciar os processos que há tanto para a aquisição da linguagem
oral, quanto para a aquisição da linguagem escrita, as quais ocorrem, bem
como pude observar, de forma solidária ao desenvolvimento do
pensamento conceptual na criança;
- Já em um terceiro momento, especificamente sobre os obstáculos
(cognitivos) que devem ser superados pelo sujeito para alcançar uma
tomada de consciência das propriedades fundamentais da linguagem,
busquei frisar o papel da imagem (mental ou do desenho no ato singular
da leitura) que é, na verdade, o vínculo destacado entre o desenvolvimento
do pensamento e da linguagem e o desenvolvimento da língua escrita na
criança. Esforcei-me em demonstrar como a imagem desempenha a função
de dificultadora tão quanto de auxiliadora para os referidos desenvolvi-
mentos; por que a referida dificuldade se relaciona a um problema
conceptual (pois se refere a um processo de interpretação do mundo); e em
que consiste especificamente este problema (o qual se relaciona com o
papel desempenhado pela imagem);
- Na comparação entre a aquisição da linguagem oral e a aquisição de sua
linguagem escrita, destaquei que há processos de aprendizagem análogos
que não passam pela aquisição de elementos soltos que vão se juntando aos
143
poucos; pelo contrário, passam pela construção de sistemas nos quais “o
valor das partes vai se redefinindo em função das mudanças no sistema
total” (FERREIRO, 1984/2007, p. 25). Como apontou a autora, não se
trata de ensinar novamente à criança o que ela já sabe fazer, mas sim de
ajudá-la a tomar consciência de algo que ela já sabe fazer;
- Assim, o sujeito já sabe falar bem (ou seja, possui uma linguagem
formada), mas será necessário a ele que tome consciência do que ele já faz
com a linguagem quando fala, e transponha um saber-fazer para um saber
acerca de (isto é, a um saber conceptual). Compreendi que, para se tomar
consciência sobre algo, precisa-se reelaborar tais coisas em um novo plano.
É exatamente isso que deverá acontecer com a língua escrita. Por isso que
é quando começa a se perguntar “como eu faço para realizar isso”, ou “o
que é isso?”, ou ainda “por que [disso]?”, é que vai começar a conceptuar
(ou dar interpretação/significação) e pode vir a aplicar esse saber em relação
à linguagem escrita;
- Chegar à consciência é saber elaborar, reelaborar, saber coordenar as
coisas, e isso não é dado pelos sentidos (a visão ou o ouvir, por exemplo),
mas é um trabalho (árduo) do pensamento que você faz na prática: porque
precisa conceituar, e isto significa precisamente estabelecer novas relações;
- Destarte, por fim, presumi e pude comprovar mediante os dados
analisados que a transmissão verbal, apenas, não é suficiente e eficaz para a
aquisição de conhecimentos, pois é ainda importante as possibilidades de
interação do sujeito com os objetos e outros sujeitos do seu meio, a
exploração, a experimentação e manipulação de materiais que atendam
suas necessidades, e, sobretudo, as relações que deverão ser estabelecidas
sobre estes aspectos. Assim como o “adquirir uma língua” ou o “aprender
a falar” não se dá, de forma automática ou como em um passe de mágica,
em determinado momento da vida do indivíduo, a escrita não é algo que
144
ocorre de semelhante forma; ao contrário, ambos são frutos de
desenvolvimento, provenientes da coordenação das ações do sujeito, em
uma contínua reelaboração e reconstrução.
A ideia de infância para nós é resultante do conjunto de relações
da criança com o adulto e com a sociedade em que está inserida,
englobando uma construção social, histórico e cultural, com caráter
ideológico. Assim, a minha concepção de criança compreende um ser
pensante, ativo, capaz e infinitamente desenvolvível dentro de suas
limitações.
Nesse sentido, concebo o objetivo da educação proporcionar aos
sujeitos seus desenvolvimento integral - cognitivo, afetivo, físico e moral -
com a capacidade de operarem sobre os diversos objetos de conhecimento,
conseguindo os inserir em um sistema de relações internalizadas e
reversíveis, e assim os coordenar tanto no plano do pensamento como no
da ação.
O conhecimento é também, por nós, considerado como todo e
qualquer resultado construído na interação do sujeito com o meio físico e
social, em um processo (permanente) de adaptação às perturbações deste
meio e por meio de sua ação sobre o objeto de conhecimento.
Consoantes à Teoria de Piaget, são quatro os fatores que interferem
na aquisição do conhecimento, sendo eles a maturação orgânica, a ação do
sujeito sobre os objetos, as interações sociais e a equilibração. De maneira
geral, é a ação sobre o objeto novo (assimilação) que causa um desequilíbrio
no sujeito, o qual buscará refazer seus esquemas em função da novidade
(acomodação), implicando nas adaptação ou no reestabelecimento de um
equilíbrio em um outro nível (equilíbrio majorante), o qual, além de ser
145
sempre superior ao anterior, o conjunto de novas combinações e novos
esquemas resultarão na construção de uma nova estrutura.
O desenvolvimento ocorre como um processo de sequências
autorreguladoras de compensações ativas do sujeito em resposta às
perturbações do meio físico e social, e cujo resultado é a passagem continua
de um estado de menor equilíbrio (esquemas anteriores) para um estado
de equilíbrio superior (novos esquemas). Constitui-se, então, uma nova
estrutura quando o conjunto de esquemas desenvolvidos no processo
contínuo de equilibração progressiva se reorganiza e se consolida.
No que se refere ao papel do desenvolvimento e da aprendizagem
na aquisição do conhecimento, acredito que é o desenvolvimento que
condições ao sujeito para novas aprendizagens, sendo esta resultante do
desenvolvimento dos esquemas, e que podem ser generalizáveis em uma
determinada ação.
Nesse processo, a linguagem assume o papel de ser somente um
dos fatores necessários, mas não suficiente, para o desenvolvimento
cognitivo do indivíduo. Até porque, o referido desenvolvimento tem seu
início no decorrer de todo o período sensório-motor, tendo como marco
o aparecimento da intencionalidade nas ações da criança, por volta da
quarta fase de tal estádio. A expressão verbal por si só, portanto, para nós,
não explica o desenvolvimento da inteligência.
Não obstante o desenvolvimento não ser atribuído à socialização
apenas , na perspectiva piagetiana, é indissocvel a relação entre cognição
e afetividade. A afetividade constitui a energética das condutas cujas
estruturas correspondem às funções cognitivas e, se a energética não explica
a estruturação nem o inverso, nenhuma das duas poderia funcionar sem a
outra: a segunda [afetividade] impulsiona a primeira [cognição], e a
146
primeira explica como a segunda se torna possível (PIAGET,
1937/2006b, p.12).
Ao professor caberia o papel de propiciar ambientes nos quais além
de predominar o respeito mútuo, privilegiam, também, as relações que
envolvem a cooperação, e nos quais as crianças tenham problemas a
resolver! Porque isso que vai desencadear os conflitos e o desenvolvimento;
além disso, para que, buscando fazer com que os alunos se descentrem de
si mesmos a ponto de conseguirem relacionar e coordenar um ou mais
aspectos (fora do seu próprio ponto de vista) e conquistem a reversibilidade
(tanto da ação quanto do pensamento), o professor possa lhes proporcionar
muito mais de o que podem fazer, mas o que se faz com aquilo que se faz.
Na psicogênese da língua escrita, explicitada por Ferreiro
(1984/2007), ao invés de uma criança passiva aos reforços externos e que
produz ao acaso respostas a esses estímulos, há um sujeito ativo que busca
compreender a natureza da linguagem que se fala ao seu redor e que, ao
procurar compreendê-la, busca regularidades, formula hipóteses, e põe à
prova suas teorias (formulações, antecipações), criando, inclusive, uma
gramática autêntica quando não regulariza os verbos irregulares, por
exemplo: dizem eu ponhei, no lugar de eu pus.
No percurso, o sujeito que procura ativamente compreender a
linguagem, seja em sua forma oral ou em sua forma escrita, acaba buscando
na língua regularidades e coerência que a tornam mais lógica do que na
verdade é. De acordo com Ferreiro (1984/2007), o que anteriormente
apareceria como um simples “erro”, evidencia o incrível grau de
conhecimento que uma criança tem sobre seu idioma.
Destaco aqui, então, esse fator que é fundamental e que não
poderia deixar de extrair dessa abordagem e nem deveria ser
147
negligenciado pelos professores , que envolve a questão do “erro” ou,
conforme é tratado por Ferreiro (1984/2007), erro construtivo.
Pois no desenvolvimento da linguagem da criança, há um processo
de aprendizagem que envolve a constituição de sistemas, os quais vão se
consolidando na medida em que o valor das partes for se redefinindo em
função das alterações do sistema global (integral); e nesse desenvolvimento
surgem respostas que não se enquadram na categoria de respostas corretas,
mas que também não impossibilitam o sujeito alcançar estas na verdade,
de certa forma, permitem os acertos posteriores.
Portanto, a fim de favorecer a aprendizagem da escrita, e uma vez
que por si mesmo, o meio só não é capaz de gerar conhecimento, acredito
que o papel que lhe caberá (ao meio, ou melhor, ao professor,
especificamente) será, portanto, o de justamente ocasionar conflitos,
sobretudo, por meio de indagações (questionamentos, perguntas) as quais
deverão instigar a criança à pesquisa, à busca, à constatação. Assim, a
criança sentirá por ela mesma a necessidade de pensar acerca do processo
constituinte da escrita, e com o auxílio (no sentido de orientação) do
professor, isso certamente a levará a progredir em suas conceptualizações
acerca da língua escrita.
Mas por que me debrucei sob tais ponderações?
Teço tal consideração, pois, após essa busca por respostas às ponde-
rações que estabeleci no início deste trabalho, mediante ao questionamento
sobre se saber falar seria um subsídio (ou é um requisito) para se saber
escrever, e ao buscar atribuir relações entre a psicogênese do pensamento e
da linguagem e a aprendizagem da língua escrita, caminhei no sentido de
considerar o “saber falar” como um fato importante mas não único para se
aprender a escrever (fator necessário mas não suficiente); uma vez que o
148
sujeito terá que coordenar: organizar ambos conhecimentos considerando
suas especificidades e os relacionando de forma geral, o saber falar se
mostra, assim, mais como um apoio para a aprendizagem da língua escrita.
É nesse sentido que aponto, na medida do possível, para algumas
implicações pedagógicas (educacionais) decorrentes do saber que esse
estudo levantou.
Ferreiro (1984/2007) demonstra o quão várias das práticas usuais
no ensino da língua escrita devem-se ao que se sabia acerca da aquisição da
língua oral, principalmente antes dos anos 60 do século passado. Desta
forma (e até então), a concepção sobre a aprendizagem da língua escrita
era tida como uma reaprendizagem da língua oral, revelando já a íntima
relação entre o desenvolvimento de uma, e a aprendizagem da outra. Estes
princípios correspondiam, portanto, a concepções psicológicas precisas,
além de se relacionarem com as seguidas posturas metodológicas dos
educadores.
No entanto, ainda de acordo com a autora, comumente, a leitura
e a escrita é ensinada à criança como algo estranho a ela própria, ou de
forma mecânica, ao invés da levar a pensar que, ao invés disso, a língua
escrita trata de um objeto que ela tem contato (ou seja, não é estranho a
ela, mas é próximo) e é de seu interesse conhecê-lo. Entretanto, na
concepção tradicional da leitura, o significado aparece em algum
momento, magicamente, atraído pela oralização. Cabe à emissão sonora a
graça de atribuir o significado, o qual surge e transforma assim a série de
fonemas numa palavra. Nessa perspectiva, segundo a visão de vários
autores contemporâneos, o circuito signo visual-tradução, sonora-
significação não é um círculo inevitável, mas sim que surge como tal em
virtude da importância desmesurada que a leitura em voz alta adquire na
prática escolar.
149
Preocupa ainda saber que há professores que, pensando em ajudar
os seus alunos, insistem em exercícios que associam o desenho com a escrita
(e enfatizam somente isso!). Nesse caso, a imagem ilustrativa pode ser, no
mesmo tempo que um recurso, um empecilho nesse processo. Isto porque,
claro que o desenho serve de base conceptual para a escrita, mas a criança
terá que pouco a pouco se desvincular dele para estabelecer relações entre
a escrita e o signo verbal que a condiz.
Além disso, como bem destacou Ferreiro (1984/2007, p. 31), são
muitos os docentes que “se veem obrigados a uma prática pedagógica
dissociadora”. Posto que para alguns conteúdos escolares (sobretudo nos
referentes ao conhecimento lógico-matemático) agem buscando ser
coerentes com os pressupostos piagetianos (ou, ao menos, tentam sê-lo),
na maioria das vezes, e em relação a outros conteúdos (como quanto à
aquisição da língua escrita), acabam desempenhando uma postura que
condiz muito mais a outras práticas, como por exemplo a associacionista
(sendo que por vezes, sem ao menos saber disso), e vivendo, dessa forma,
uma verdadeira incoerência epistemológica em seus viver pedagógicos.
Tal dicotomia acaba sendo insustentável na prática, pois partem de
concepções muito distintas acerca do desenvolvimento infantil e da própria
criança: ora tratada como ativa, criadora e inteligente (ser pensante),
outrora passiva, receptora e ignorante.
Por mais que o construtivismo tenha chego ao Brasil, espalhado-se
rapidamente e atingido as salas de aula de todos os estados (uma vez que,
além de medidas estaduais, houveram também vários programas nacionais,
divulgados pelo Ministério da Educação e Secretarias), acredito que,
infelizmente, o saber desenvolvido por meio desse trabalho pouco (ou
nada) é conhecido pela massa do professorado de nosso país (ou, quiçá, do
mundo).
150
Ou seja, levanto destaque para a forma como a proposta
construtivista sobre o desenvolvimento infantil chegou até nossas escolas,
não conseguindo, pelo jeito, atingir a nível satisfatório (assim como Silva
[2015] e Moura [2009] sobretudo , entre outros pesquisadores já
destacaram) o nível de reflexão dos professores acerca dos processos do
desenvolvimento da criança. Ao contrário, tais programas por nós referidos
(principalmente na introdução do trabalho) foram ofertados e acatados por
grande parte de seu público apenas a serem incorporados, e
(indiretamente) recebidos como “receitas” para simples aplicação. E isso
não entra na tomada de consciência dos indivíduos.
Assim, a forma que Ferreiro descobre como a criança constrói seu
conhecimento acerca da leitura e da escrita é aprendida pelos professores,
mas na hora deles "fazerem" ela se transforma em transmissão e não em
tomada de consciência. E o nó então está dado: a concepção que está na
mente do professor é que a alfabetização exige transmissão, o que contradiz
os achados e a própria teoria de Emilia Ferreiro.
Isso não exclui aquilo que já discuti anteriormente, de que por si,
o meio só não é capaz de gerar conhecimento. Na verdade, fortalece nosso
argumento. É nesse sentido, inclusive, que, assim como muitas crianças de
classe média, conforme diagnosticado por Ferreiro (1984/2007), mesmo
com toda instigação do meio, aprendem sozinhos algo muito diferente do
que ele oferece (que se trata de suas ideias, teorias e hipóteses, por
exemplo), os professores, ao receberem também uma formação puramente
por transmissão, acabam tendo suas práticas pautadas mais no senso
comum (ou em teorias que vão de encontro ao construtivismo, como as
correntes educacionais tradicionais), do que um fazer fundamentado e
coerente com aquilo que defendem para os seus alunos e que em seus
discursos se aproximam da epistemologia genética ou Teoria de Piaget.
151
Ao expor tais considerações acerca dos processos de construção da
psicogênese do pensamento, da linguagem e da língua escrita, pondero ser
expressivo o auxílio deste estudo teórico ∕ bibliográfico para refletir sobre
as implicações educacionais e pedagógicas para que, de fato, ocorra a
aprendizagem da língua escrita por meio do trabalho intencional e as
dinâmicas pedagógicas nas classes de alfabetização (tanto de crianças nas
séries iniciais, como de adultos na Educação para Jovens e Adultos [EJA]).
Seguindo para o final, consoante a Dongo Montoya (2014),
considero que as leituras são sempre parciais, e mesmo assim, é um absurdo
pegar uma obra inicial e taxar que o que está nela é a teoria “fechada” do
autor. Assim, a minha intenção com este estudo não foi a de reduzir a
teoria dos autores utilizados à exposição que me empenhei em realizar, mas
de mostrar ao leitor, de forma ainda que sucinta, os pontos dessas teorias
que vão ao encontro de o meu intento (e problema) inicial(ais).
Bem como ressaltou Sinclair (2007, p. xii), “esse tipo de
aproximação teórica e experimental a tão importante problema pode me
abrir horizontes insuspeitados, ainda que, evidentemente, não possa
proporcionar nem soluções ‘mágicas’ nem (ainda menos) ‘receitas’”.
Espero, ainda assim, que a partir deste estudo, seja pertinente
estabelecer (até posteriormente aprofundadas) as também possíveis
implicações educacionais referentes às propostas (práticas, propriamente
ditas) pedagógicas para a aprendizagem da língua escrita. Antes disso,
teoricamente falando, seria interessante demarcar por que é necessário e
como ocorre a tomada de consciência a respeito dos mecanismos das
propriedades da linguagem no processo de aquisição da língua escrita pela
criança. Desde já esclareço que, sem dúvida alguma, as reflexões e
decorrências aqui abarcadas não excluem as contribuições de outros
autores com propostas de práticas pedagógicas que possibilitam pensar
152
sobre as dinâmicas pedagógicas nas classes de alfabetização, as quais,
inclusive, podem ser vistas como muito próximas de (e até amparadas por)
a epistemologia de Jean Piaget. Destarte, acredito que este trabalho trilhou
um percurso satisfatório em prol da busca pelas respostas à questão inicial
– foco da presente pesquisa.
153
GLOSSÁRIO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ _
Abstração reflexiva Para Piaget, segundo La Taille (2015), o sujeito
realiza uma abstração reflexiva toda vez que pensa sobre a sua ação, pois
retira (abstrai) o conhecimento não dos objetos, mas da relação e
coordenação de suas ações sobre os objetos.
Acomodação Compreendo a acomodação como sendo a modificação dos
esquemas ou estruturas do sujeito em função do objeto ou elemento
específico que está tentando assimilar através de um esforço pessoal. O
sujeito age, então, no sentido de se transformar para entrar em equilíbrio
com o meio. (PIAGET, 1936/1987).
Assimilação Entendo como processo de assimilação a incorporação de
um elemento do meio exterior aos esquemas de ação do sujeito; ou seja, ao
agir, o sujeito se apropria do objeto de conhecimento para atender às suas
necessidades. (PIAGET, 1936/1987).
Assimilação egocêntrica Também conhecida como assimilação
deformante, ou ainda, assimilação direta, compreende a incorporação de
significado pelo sujeito de forma imediata (sem mediação e
estabelecimento de relações) o que faz com que a realidade (social ou física)
seja assimilada como a criança pode ou deseja. Ou seja, ela não raciocina
com o pensamento lógico e sim, brinca com a realidade (os significados
que ela dá para os conteúdos de suas ações são deformações dos significados
correspondentes convencionalmente). (PIAGET, 1923/1999; 1936/1987;
1945/2014; PIAGET; INHELDER, 1975).
154
Balbucio Expressões orais em que a criança se utiliza de repetições de
sons apenas pelo prazer de falar e sem nenhuma preocupação de se dirigir
a alguém. (PIAGET, 1923/1999).
Desenvolvimento Processo pelo qual as estruturas da inteligência se
constroem, de etapas ou fases mais primárias para outras posteriores que
sempre implicam níveis superiores e mais estáveis. (PIAGET, 1936/1987).
Egocentrismo Trata-se de um fenômeno (e não de um estádio ou fase)
do desenvolvimento, cuja manifestação se dá tanto no âmbito cognitivo
quanto social. Piaget concebe o egocentrismo do pensamento infantil
como o elo de todas as características específicas da lógica das crianças, e o
termo exprime, em essência, a irreversibilidade das ações, ou ainda o
fenômeno que constitui um dos maiores obstáculos à coordenação de
perspectivas, descentração e cooperação. De acordo com o autor, o
egocentrismo infantil é então uma indiferenciação entre o eu e o meio
social, sendo que essa centralização (ou indiferenciação) também explica
simultaneamente a irreversibilidade do pensamento e a ilusão de ponto de
vista que tratar-se-ia da assimilação à atividade própria. (PIAGET,
1923/1999; 1932/1994; 1945/2014; 1947/2005).
Esquema Tudo o que é generalizável (comum) numa ação, e possibilita
a aplicação dessa mesma ação em situações diferentes. (PIAGET,
1936/1987).
Estrutura Conjunto de elementos organizados em um sistema (o qual é
apresentado em uma lei de totalidade de tal forma que os elementos não
podem ser caracterizados ou definidos independentemente). (PIAGET,
1964/2006a).
155
Epistemologia Ciência que tem por objetivo investigar a formação dos
conhecimentos como tais, isto é, as relações cognitivas entre o sujeito e os
objetos do conhecimento. (PIAGET, 1978).
Função simbólica Aparece durante o segundo ano de vida dando
continuidade em outro plano às ações sensório-motoras iniciais. Significa
a possibilidade do sujeito diferenciar significantes de significados e é
evidenciada por meio de cinco manifestações (que se tratam de substitutos
que representam algo evocado): a linguagem, o jogo simbólico, a imitação
diferida, a imagem mental e o desenho. (PIAGET, 1945/2014).
Gênese Sistema mais ou menos determinado de transformações, que
comporta uma história e conduz um estado de menor estabilidade a um
estado de maior estabilidade do que o estado inicial e que constitui o seu
prolongamento. (PIAGET, 1964/2006a).
Imagem mental Na perspectiva piagetiana, a imagem mental passa a se
constituir a partir da sexta fase do período sensório-motor, e permite a
combinação mental, não restringindo as combinações somente àquelas
ligadas à ação e à percepção dos objetos no presente. De acordo com
Dongo Montoya (2005, p. 119), “observa-se que a solidariedade entre a
imagem e o pensamento ocorre como uma interação, mas reconhecendo-
se essa colaboração como condição de um processo de significação no qual
a imagem é um significante simbólico e os esquemas mentais e conceitos
são aqueles que outorgam as significações.
Imitação diferida – É aquela que é posterior à imitação sensório-motora e
que precede a imitação representativa. Sua principal característica é de que
acontece na ausência do objeto imitado, e sua parição indica a formação
da imagem mental. (PIAGET, 1945/2014).
156
Justaposição Ou de maneira justaposta, trata-se também de uma
característica do pensamento egocêntrico (ou intuitivo) que tende em
colocar as coisas lado a lado sem qualquer conexão lógica. (PIAGET,
1923/1999).
Operação Conjunto de ações, sobre um número de elementos,
internalizadas e reversíveis, inseridas e coordenadas em um sistema de
relações. (PIAGET, 1945/2014). Ou seja, é conseguir pensar de maneira
lógica, reversível, operatória, sobre proposições. Exemplo: Se todos os
planetas são quadrados e a Terra é um planeta, logo, em pura hipótese, a
Terra é quadrada.
Transdução Ou raciocínio transdutivo, é o que conclui do singular ao
singular, mediante sincretismo, sem alcançar a necessidade lógica nem as
leis gerais, devido à falta do sentimento da reciprocidade das relações.
(PIAGET, 1923/1999).
157
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publicação. Porto Alegre: Artmed, 2007.
Pareceristas
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Este livro foi submetido ao Edital 01/2020 do Programa de Pós-
graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, câmpus
de Marília e financiado pelo auxílio nº 0798/2018, Processo Nº
23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES. Contamos com o apoio
dos seguintes pareceristas que avaliaram as propostas recomendando a publicação.
Agradecemos a cada um pelo trabalho realizado:
Adriana Pastorello Buim Arena
Alessandra Arce Hai
Alexandre Filordi de Carvalho
Amanda Valiengo
Ana Crelia Dias
Ana Maria Esteves Bortolanza
Ana Maria Klein
Angélica Pall Oriani
Eliana Marques Zanata
Eliane Maria Vani Ortega
Fabiana de Cássia Rodrigues
Fernando Rodrigues de Oliveira
Francisco José Brabo Bezerra
Genivaldo de Souza Santos
Igor de Moraes Paim
José Deribaldo Gomes dos Santos
Jussara Cristina Barboza Tortella
Lenir Maristela Silva
Livia Maria Turra Bassetto
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz
Márcia Lopes Reis
Maria Rosa Rodrigues Martins de
Camargo
Marilene Proença Rebello de Souza
Mauro Castilho Gonçalves
Monica Abrantes Galindo
Nadja Hermann
Pedro Laudinor Goergen
Tânia Barbosa Martins
Tony Honorato
Comissão de Publicação de Livros do Edital 001/2020 do
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília
Graziela Zambão Abdian, Patricia Unger Raphael Bataglia,
Eduardo José Manzini e Rodrigo Pelloso Gelamo
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Nathanael da Cruz e Silva Neto
Arte da capa
Junior Santos
Capa e diagramação
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
PENSAMENTO, LINGUAGEM E LÍNGUA ESCRITA SEGUNDO A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA
Será que Teoria e Ptica são incon-
ciliáveis? Como um estudo teórico poderia
auxiliar e substanciar uma ptica pedagó-
gica coerente e intencional – inclusive para
a alfabetização?
A partir dessas e outras inquie-
tações, essa obra, de cunho teórico e que
é fruto de uma dissertão de Mestrado
Acadêmico, tem como objetivo apresentar
as relações existentes entre o desenvolvi-
mento do pensamento e da linguagem oral
e a aquisição da linguagem escrita, segun-
do Jean Piaget e Emilia Ferreiro, que, de
acordo com essa perspectiva teórica, pos-
suem um estreito vínculo – muito impor-
tante para a compreensão, desses proces-
sos, sobretudo relativa à alfabetização.
Apesar de se encontrar produções sobre alfabetização, inclusive sob o re-
ferencial teórico de Emilia Ferreiro, não se achou nenhuma que buscasse
relacionar o desenvolvimento do pensamento, da linguagem e da língua
escrita na perspectiva da epistemologia genética. Assim, a intenção deste
livro é abordar a o desenvolvimento infantil e a psicogênese da língua
escrita para além das “fases” ou “hipóteses de escrita”. O que a aquisição
da língua escrita tem a ver com a aquisição da linguagem oral e do pensa-
mento? Será que haveria relações? Quais são os processos: como acontece
e por quê acontece de tais formas? O que está por trás disso? É isso o que
este livro aborda.
Que este livro gere reexes, alcanando e auxiliando pais, professores,
pesquisadores e ans quanto aos aspectos do desenvolvimento infantil na
Educação Básica, a alfabetização nos anos iniciais do Ensino Fundamen-
tal, fornecendo embasamento teórico para discussões e práticas educativas
conscientes e intencionais para/acerca dos processos intrínsecos ao desen-
volvimento dos sujeitos.
Bruna Assem Sasso é formada em Peda-
gogia (2013), Mestre (2016) e Doutoran-
da em Educão pela Unesp – câmpus de
Marília, e busca, desde o início dessa sua
formão inicial, conciliar a vida de pro-
fessora (atuante na Educão Básica I,
numa cidade do interior de São Paulo) e
de pesquisadora (realizando pesquisas no
âmbito da Educão, especicamente acer-
ca da psicologia do desenvolvimento, e dos
processos de aquisição da linguagem oral e
alfabetização infantil).
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0798/2018
Processo 23038.000985/2018-89
Bruna Sasso