Se podemos armar que as Políticas Públicas Educacionais espelham um
conjunto de intenções e arenas sobre diversos aspectos da Educação, e
considero que não podemos como devemos, a presente coletânea reúne
um conjunto de analistas se encarregaram de indagar e contrastar, com
um suporte documental e legal consistente, explicitando com clareza um
vínculo quase sempre negado porém imprescindível entre o processo da
política e o processo legislativo. Assim, encontramos nessa coletânea um
muito bem desenhado vínculo do analista de política, quando se entende
de modo implícito e de modo explícito, a noção de que a política pública
e também a política educacional é o Estado em ação. Esta ideia emerge a
todo o momento de modo recorrente explicitando os vínculos que en-
tre Estado e Sociedade fundamentalmente quando o conceito de governo
atravessa estas inter-relações. Se não houvesse outras, essas razões seriam
demasiado sucientes para nos debruçarmos com atenção a todos os capí-
tulos que compõem a presente obra coletiva.
Grupo de Pesquisa denominado
Coletivo de Pesquisadores em Políticas
Públicas Educacionais (COPPE), vin-
culado ao Programa de Pós-graduação
em Educação da Faculdade de Filosoa
e Ciências - UNESP / Marília. Criado
em 2012, o COPPE direcionou, ini-
cialmente, seu foco de estudos e pes-
quisas para o campo das Políticas Edu-
cacionais Públicas. Porém, a partir de
2017, em função de modicações dos
interesses cientícos de seus pesqui-
sadores(as) e alunos(as), que, por um
lado, passaram a ter muitas oportuni-
dades de aperfeiçoamento prossional
em diversos países, e, por outro lado,
em função do processo de internacio-
nalização, mais intenso e efetivo, do
próprio PPGE, passou a desenvolver
pesquisas pautadas pelo referencial te-
órico e metodológico dos estudos e
pesquisas da Educação Comparada e
Internacional, assim como as possíveis
relações entre as Políticas Educacionais
Públicas e a Educação Comparada e
Internacional. Assim, a presente obra
explicita, em grande medida, a histó-
ria, ainda curta mas muito profícua do
COPPE.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio 0798/2018
Processo 23038.000985/2018-89
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS questões e desaos contemporâneos
LUIS ENRIQUE AGUILAR | UNICAMP
A presente coletânea tem como
propósito primordial o de disseminar e
compartilhar as reexões sobre as Po-
líticas Públicas Educacionais vigentes,
o condutor dos nove capítulos que
compõem essa obra. Consideramos
que as discussões de tais políticas nos
auxiliam na compreensão das trans-
formações, nas problematizações e nas
análises de suas respectivas implanta-
ções implementações, especialmente
no campo das ações estatais e institu-
cionais.
Considerando o caráter multi-
disciplinar das Políticas Públicas Edu-
cacionais, os artigos presentes nes-
ta obra, além de indagar, questionar,
comparar e analisar as mesmas, em seus
diferentes aspectos, buscaram, ao mes-
mo tempo, vericar na esfera do Estado
e da máquina do governo, a implanta-
ção dessas ações, bem como as mudan-
ças que inuenciaram os rumos ou o
curso dessas medidas educacionais, co-
locando em evidência as inter relações
existentes entre Estado, Política, Eco-
nomia e Sociedade.
Desse modo, os estudos aqui
reunidos reetem e assinalam dife-
rentes olhares para diferentes objetos:
compreensão de conceitos; análise de
documentos legais, implantação de
mecanismos de participação demo-
crática, discussão sobre a formação
docente e a amplitude dessas ações e a
reexão da trajetória de formação para
o desenvolvimento do processo peda-
gógico. Assim, buscaram focalizar uma
ampla gama de temáticas que, por sua
vez, explicitam aspectos distintos das
Políticas Públicas Educacionais.
Políticas Públicas Educacionais:
questões e desafios contemporâneos
Carlos da Fonseca Brandão
Luciana Siqueira Rosseto Salotti
Rosimeire dos Santos
Stelamary Aparecida Despincieri Laham
(Organizadores)
COPPE
Coletivo de Pesquisadores em Políticas Públicas Educacionais
Políticas públicas educacionais:
questões e desafios contemporâneos
Carlos da Fonseca Brandão
Luciana Siqueira Rosseto Salotti
Rosimeire dos Santos
Stelamary Aparecida Despincieri Laham
(Organizadores)
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2020
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
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Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
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Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
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Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
P769 Políticas públicas educacionais: questões e desafios contemporâneos / Carlos da Fonseca Brandão (...)
et al. (Org.). Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2020.
249 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-015-0 (Digital)
1. Políticas públicas. 2. Educação. 3. Professores Formação. 4. Ensino fundamental. 5. Ensino
universitário. 6. Inclusão em educação. 7. Ensino à distância. 8. Ensino Currículos. 9. Ensino profissional.
I. Brandão, Carlos da Fonseca. II. Salotti, Luciana Siqueira Rosseto. III. Santos, Rosimeire dos. IV. Laham,
Stelamary Aparecida Despincieri. V. Título.
CDD 379
Copyright © 2020, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
DOI: https://doi.org/.10.36311/2020.978-5-5954-015-0
SUMÁRIO
Prefácio | Luis Enrique Aguilar 9
Introdução
| Rosimeire dos Santos e Luciana Siqueira Rosseto Salotti 11
A concepção de gestão democrática na legislação educacional de Portugal
e do Brasil: primeiras aproximações | Brandão e Laurentino 17
Introdução 17
A Metodologia da Educação Comparada 19
Teorias sobre Gestão Democrática 26
A concepção de gestão democrática presente na LDBEN no Brasil 31
A concepção de gestão democrática presente na LBSE em Portugal 35
Considerações Finais 39
Referências 40
Currículo oculto e sua identificação nas práticas escolares | Martins e
Lourenço 45
Introdução 45
O currículo sob a ótica de Michael Apple 46
O Currículo oficial da SEDUC/SP 52
Considerações Finais 56
Referências 57
Política pública paulista para a educação profissional e tecnológica em
seu processo de expansão | Quintino, Pereira, Batista e Almeida 59
Introdução 59
Políticas públicas educacionais visando formação para o trabalho: especificidade da
trajetória paulista 63
O Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza: histórico e expansão 71
O programa educacional das classes descentralizadas 84
Considerações Finais 96
Referências 100
Projeto político pedagógico: Análise da dimensão pedagógica | Salotti e
Santos 107
Introdução 107
Apontamentos legais e teóricos: indicações para a construção do PPP 110
Análise da Dimensão Pedagógica: Algumas Aproximações 114
Considerações Finais 122
Referências 123
A Formação Inicial do Pedagogo a Partir das Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Pedagogia: O Documento e as Reflexões
Acadêmicas | Silva e Amaral 127
Introdução 127
As Diretrizes e seus Encaminhamentos Legais 129
Delineamentos teóricos e acadêmicos 135
Considerações Finais 144
Referências 145
Regulação da EAD no ensino superior: reflexões acerca da formação de
professores | Laham e Damiance 147
Introdução 147
Regulação Brasileira de Educação a Distância 151
Algumas Considerações sobre as Novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a
Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério 157
Considerações Finais 160
Referências 162
Infância e políticas de alfabetização no Brasil: percepções sobre a base
nacional comum curricular e a política nacional de alfabetização | Gomes
e Nogueira 167
Introdução 167
O Cuidado com as Crianças: Educação enquanto Direito 168
BNCC e PNA: percepções sobre políticas nacionais para alfabetização 181
Considerações Finais 190
Referências 192
A Educação Infantil no Brasil: uma análise comparativa da Base Nacional
Comum Curricular e das indicações para o currículo da infância na Itália
| Holmo e Chiquemba 195
Introdução 195
A Operacionalização do Método: Educação Infantil no Foco da Discussão 199
Considerações Finais 211
Referências 213
Por uma política educacional inclusiva: as paixões na sala de aula |
Carvalho, Pereira e Ferreira 217
Introdução 217
Paixão e razão: uma história de conflito 219
O papel das paixões na formação humana 223
O conceito de afeto e emoção em Vygotsky e sua contribuição para a educação 227
Considerações Finais 233
Referências 234
Sobre os autores 237
9
PREFÁCIO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ _____
Feliz ocasião de entrar em contato com estudos de pesquisadores,
estudantes e professores do Grupo de Pesquisa: Coletivo de Pesquisadores
em Políticas Públicas Educacionais COPPE, ligado ao Programa de Pós-
graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho”-
campus de Marília com colegas de outras instituições.
Procurarei responder uma pergunta que se faz todo leitor: por que
ler este livro?
Em primeiro lugar este livro é um livro de analistas de políticas.
Analistas de políticas públicas educacionais, uma categoria pouco usada,
porém que contém um intenso trabalho de reflexões sobre as políticas
públicas educacionais vigentes, onde elas se originam e que curso de ação
tomaram.
Em segundo lugar porque as políticas públicas educacionais
espelham um conjunto de intenções e arenas que estes analistas se
encarregaram de indagar e contrastar com um suporte documental e legal
consistente explicitando com clareza um vínculo quase sempre negado,
porém imprescindível entre o processo da política e o processo legislativo.
Em terceiro lugar porque está bem desenhado o vínculo do analista
de política quando se entende de modo implícito e de modo explícito a
noção de que a política pública e também a política educacional é o Estado
em ação. Esta ideia emerge a todo o momento de modo recorrente
explicitando os vínculos que há entre Estado e Sociedade
fundamentalmente quando o conceito de governo atravessa estas inter-
relações.
https://doi.org/.10.36311/2020.978-5-5954-015-0.p9-10
10
Em quarto lugar porque o livro possui uma estrutura que desenha
um movimento que articula: uma consistente análise comparativa das
Concepções de gestão democrática na legislação educacional portuguesa e
brasileira; uma análise da Política Pública paulista de Expansão da
Educação Profissional e Técnica; uma análise da política curricular da
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e seus correlatos com o
conceito de currículo oculto nas práticas escolares; uma análise da
dimensão pedagógica do Projeto Político Pedagógico em que se
entrecruzam leituras pedagógicas e políticas deste instrumento de gestão;
uma análise das Diretrizes Curriculares de Formação Inicial do Pedagogo
desde o imperativo legal da política curricular; uma análise das Políticas de
Regulação da EaD para a Formação de Professores no Ensino Superior;
uma análise da Políticas de Alfabetização e Infância na Base Nacional
Curricular em perspectiva histórica e uma análise da política Educacional
Inclusiva desde a perspectiva do afeto e a emoção.
Finalmente, em quinto lugar, porque ler pesquisas seria
absolutamente normal nas nossas rotinas acadêmicas não fosse a
circunstância penosa de vivermos uma pandemia jamais vista que mudou
todas as nossas perspectivas re-significando todo nosso cotidiano, nosso
trabalho e nosso modo de ver e ler a realidade.
Por todo isto, este convite a ler vale a pena e os autores estão de
parabéns pelo percurso de investigação que nos compartilham.
Luis Enrique Aguilar
Professor Titular - Unicamp
11
INTRODUÇÃO
_______ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _____________________ ____________ ____________________ ____________ ______________
O presente livro resulta dos estudos de pesquisadores, estudantes e
professores do Grupo de Pesquisa: Coletivo de Pesquisadores em Políticas
Públicas Educacionais COPPE, ligado ao Programa de Pós-graduação
da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho”- campus de
Marília, com contribuições de pesquisadores de outras instituições. Tem
como propósito disseminar e compartilhar as reflexões sobre as políticas
públicas educacionais vigentes, fio condutor dos nove capítulos que
compõem essa obra.
No âmbito da produção científica, as discussões em torno das
políticas públicas educacionais auxiliam na compreensão das
transformações ocorridas, na problematização e na análise de sua
implantação em diferentes campos, tanto legal e documental, quanto no
campo das ações estatais e institucionais.
Considerando o caráter multidisciplinar da Política Pública
Educacional, pois dentre as políticas públicas, a Educação, por sua
complexidade e especificidade, se beneficia de estudos nos campos da
sociologia, da ciência política, da história, da psicologia, da economia,
entre outras. Os estudos presentes nesta obra, além de indagar, questionar,
comparar e analisar as políticas públicas educacionais buscaram, ao mesmo
tempo, verificar na esfera do Estado e da máquina do governo, a
implantação dessas ações, bem como as mudanças que influenciaram os
rumos ou o curso dessas medidas educacionais, colocando em evidência as
interrelações existentes entre Estado, Política, Economia e Sociedade.
Desse modo, os estudos aqui reunidos refletem e assinalam olhares
para diferentes objetos: compreensão de conceitos; análise de documentos
https://doi.org/.10.36311/2020.978-5-5954-015-0.p11-16
12
legais, implantação de mecanismos de participação democrática, discussão
sobre a formação docente e a amplitude dessas ações e a reflexão da
trajetória de formação para o desenvolvimento do processo pedagógico.
Assim, focalizam aspectos distintos das políticas públicas educacionais.
Inicia-se esta obra com a discussão acerca do conceito de Gestão
Democrática presente nos documentos oficiais, apresentada à luz da
Educação Comparada, compreendendo que as políticas públicas devem
atender aos direitos da população, pois a democracia é um de seus
princípios basilares.
Assim, no primeiro capítulo, Brandão e Laurentino apresentam
como referencial teórico e metodológico os estudos e pesquisas derivados
do campo da Educação Comparada e discutem no texto “A Concepção De
Gestão Democrática Na Legislação Educacional De Portugal E Do Brasil:
primeiras aproximações, o conceito de Gestão Democrática na educação”,
presente na principal lei brasileira da educação, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN - Lei nº 9.394/96) e a principal lei
portuguesa da educação, a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE/86),
respectivamente atualizadas, visto que ambas passaram por modificações
desde suas sanções. Os autores destacam os pontos em que essas duas leis
gerais da educação se aproximam, em termos do alcance e amplitude do
conceito de gestão democrática presente em cada uma delas.
No segundo capítulo, “Política Pública Paulista para a Educação
Profissional e Tecnológica em seu Processo de Expansão”, Quintino et al.
debruçam-se especialmente sobre as políticas que recaem diretamente na
formação para o trabalho, ou seja, sobre a Educação Profissional e
Tecnológica EPT no estado de São Paulo, detalhando sua origem, sua
expansão e seu financiamento.
13
No terceiro capítulo, intitulado “Currículo Oculto e sua
Identificação nas Práticas Escolares”, Martins e Lourenço apresentam uma
análise do currículo oculto presente no currículo prescrito nas práticas
escolares. A partir da concepção de Apple (2006) buscam dialogar com o
Currículo Oficial da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo
(SEDUC/SP) e assinalam ser necessário ampliar o diálogo com as
devolutivas das reuniões iniciadas em relação ao currículo atual para os
encaminhamentos de aprovação pelo Conselho Estadual de Educação,
destacando, como estabelece a LDBEN/96, a autonomia da escola para a
construção da sua Proposta Pedagógica e, assim, atendendo às reais
necessidades da comunidade escolar.
Os princípios constitucionais da Gestão Democrática são
retomados e detalhados pela LDBEN de 1996 (Lei nº 9.394/96). No
artigo quatorze, incisos I e II, que garante às escolas o direito de definirem
as normas dessa gestão, levando em conta suas peculiaridades e a
participação dos atores envolvidos no contexto escolar da instituição. A
concretização dessa concepção se materializa e embasa o Projeto Político
Pedagógico da escola.
No quarto capítulo, “Projeto Político Pedagógico: análise da
dimensão pedagógica”, Salotti e Santos analisaram um Projeto Político
Pedagógico - PPP de uma escola pública com a intencionalidade de
verificar como a dimensão pedagógica é contemplada neste documento
legal. Destacam a necessidade de compreender que a gestão democrática se
configura na materialização das duas dimensões indissociáveis: a política e
a pedagógica. Assim, reafirmam que o PPP, para além de servir como
instrumento para a elaboração, execução e acompanhamento das reais
necessidades da comunidade escolar é o mecanismo que garante a
autonomia e democratização da escola.
14
No quinto capítulo, “A Formação Inicial do Pedagogo a partir das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia: o
documento e as reflexões acadêmicas”, Silva e Amaral discorrem sobre a
trajetória marcada por inúmeros Decretos e Resoluções até as Diretrizes
vigentes, que normatizam o curso de formação de pedagogos no Brasil. Os
autores expõem os principais fatos desse histórico legal, partindo do
pressuposto que o debate e a reflexão sobre da formação de professores e
gestores permitem buscar elementos que possam contribuir para a
promoção de soluções e a superação de desafios, acarretando assim,
possíveis encaminhamentos práticos. Dessa forma, este estudo contribuiu,
primeiramente analisando os artigos das Diretrizes referentes ao curso de
Pedagogia e, em um segundo momento, apresentando a perspectiva de
diferentes autores a respeito desta resolução, tensionando seus estudos e
reflexões.
Nesse contínuo, o sexto capítulo, “Regulação da EaD no Ensino
Superior: reflexões acerca da formação de professores”, Laham e
Damiance, a partir de um quadro que combina clara e rápida expansão da
EaD no Brasil nos últimos anos, realizam importante reflexão e discussão
em relação à perspectiva dos impactos sobre a formação de professores. Os
apontamentos das autoras contribuem para análises sobre as implicações
da expansão da oferta da EaD no país, de maneira a problematizar as
mudanças que a tecnologia traz para a Educação, a qualidade dos cursos e
as condições de trabalho do professor.
No sétimo capítulo, “Infância e Políticas de Alfabetização no
Brasil: percepções sobre a base nacional comum curricular e a política
nacional de alfabetização”, Gomes e Nogueira discutem algumas
percepções a respeito das políticas nacionais de alfabetização sob o viés
histórico-político, discutindo-as em dois momentos. No primeiro, a partir
15
da realização de uma revisão histórica sobre o desenrolar da política
nacional de alfabetização com ênfase no desenvolvimento da legislação e
no segundo apresentam a discussão referente aos dois documentos recentes
relacionados a essa política: a Base Nacional Comum Curricular - BNCC
(BRASIL, 2017), com recorte nos anos iniciais do ensino fundamental e a
Política Nacional de Alfabetização (BRASIL, 2019).
No oitavo capítulo, “A Educação Infantil no Brasil: uma análise
comparativa da Base Nacional Comum Curricular e das Indicações para o
Currículo da Infância na Itália”, os autores Holmo e Chiquemba,
realizaram um estudo comparativo a partir das indicações de Bereday
(1972) com o objetivo de detectar a existência de pontos em comum e ou
divergentes nos documentos legais selecionados.
Finalizando, o nono capítulo, “Por uma Política Educacional
Inclusiva: as paixões na sala de aula”, Carvalho, Pereira e Ferreira buscam
investigar e compreender o conceito de afeto e emoção em Lev
Semyonovich Vygotsky e sua contribuição para a educação. Assinalam que
em um mundo marcado cada vez mais pelo processo de instrumentalização
da razão, como pensaram os filósofos da Escola de Frankfurt, entre outros,
olhar para os humanos e a natureza a partir de outra perspectiva tem
ocupado um espaço importante nas reflexões contemporâneas. Assim, os
autores presenteiam o leitor problematizando e examinando essas questões,
tomando a sala de aula como importante espaço público e de convivência
social que, no mundo contemporâneo, tem sido palco de conflitos,
indisciplina e violência.
Propõem meditar sobre como a escola experimenta e compreende
as relações e a maneira de se conviver que, de alguma maneira, influencia
no sentido que é dado às existências, às escolhas e às ações humanas.
Instigam uma reflexão acerca das condutas e das relações vividas, sofridas
16
e enfrentadas na escola, de maneira a contribuir para a construção de
modos novos de existir, de ser, de pensar e de agir, com a finalidade de
tomar a alteridade como um conteúdo e uma ideia a ser valorizada pelas
políticas e pelas práticas educacionais.
Esperamos que os textos desta coletânea provoquem os leitores e as
leitoras no sentido de uma compreensão crítica das Políticas Públicas
Educacionais como processo de conhecimento, de formação política, de
manifestação ética, de necessidade da pesquisa científica como prática
indispensável para a educação. As agendas políticas precisam ser
respaldadas pelas pesquisas científicas que não prescindem da controvérsia,
dos conflitos que, em si mesmos, já produziriam a necessidade de “reexame
do papel da educação que, não sendo fazedora de tudo é um fator
fundamental na reinvenção do mundo”
1
.
Rosimeire dos Santos
Luciana Siqueira Rosseto Salotti
1
FREIRE, P. Política e educação: ensaios. 5ª. Ed. - São Paulo, Cortez, 2001. p. 10
17
A CONCEPÇÃO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA NA LEGISLAÇÃO
EDUCACIONAL DE
PORTUGAL E DO BRASIL:
PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ _______________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _____________
Carlos da Fonseca Brandão
2
Mariana Aparecida de Almeida Laurentino
3
Introdução
A busca pela sociedade verdadeiramente democrática, onde os
cidadãos estão plenamente cientes de seus direitos e deveres, é resultado de
lutas conceituais incessantes sobre o valor e o alcance da democracia que,
por sua vez, se insere, cada vez mais nos estudos e pesquisas sobre políticas
públicas educacionais. No Brasil, as discussões sobre essa temática se
acentua na década de 1980 com o progressivo retorno à normalidade
política democrática. A partir de então, o debate no campo educacional,
sobre a questão da gestão democrática da escola pública, foi ganhando
força no contexto da luta pela construção de uma sociedade mais justa e
democrática.
Como o debate sobre a gestão democrática da escola pública passa,
necessariamente, pela discussão das concepções de administração escolar,
2
UNESP Universidade Estadual Paulista; Professor Associado do Departamento de Estudos
Linguísticos, Literários e da Educação da UNESP Assis SP; Brasil e do Programa de Pós-
graduação em Educação da UNESP Marília-SP; Brasil. E-mail: carlos.brandao@unesp.br
3
UNESP Universidade Estadual Paulista, Professora da Rede Municipal de Ensino de Marília e
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação da UNESPMaríliaSP; Brasil. E-mail:
mariana1995laurentino@gmail.com
https://doi.org/.10.36311/2020.978-5-5954-015-0.p17-43
18
partimos de uma visão na qual, segundo Russo (2004,), a administração à
qual a escola estava submetida possuía um viés essencialmente normativo
“como uma receita que se aplica a qualquer situação da administração
organizacional” a qual, por sua vez, decorria de uma “visão positivista de
que a realidade é homogênea e razoavelmente estática”. (p. 29)
Desse modo, a busca por uma teoria sobre administração escolar
que atendesse às especificidades da escola pública constituía-se, naquele
período, como algo importante e necessário que, de acordo com Russo
(2004), tivesse como fundamento “a especificidade do processo
pedagógico da escola”, o que significava “produzir um conhecimento sobre
o trabalho pedagógico escolar e sua organização, voltado a melhorar
qualitativa e quantitativamente a formação dos sujeitos da educação” (p.
29).
Assim, o presente capítulo objetiva fazer uma discussão
comparativa sobre o conceito de gestão democrática da educação presente
na principal lei brasileira da educação, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN - Lei nº 9.394/96) e a principal lei
portuguesa da educação, a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE/86),
respectivamente atualizadas visto que ambas passaram por modificações
desde as respectivas sanções, tendo como referencial teórico e
metodológico os estudos e pesquisas derivados do campo da Educação
Comparada e Internacional. Para tanto, nos apoiamos na proposta de
George Bereday, a qual define que a pesquisa em Educação Comparada se
faz a partir de quatro passos, a saber: a descrição, a interpretação, a
justaposição e a comparação.
Dessa maneira, o caminho que este artigo irá percorrer será o de
fazer, inicialmente, uma discussão sobre o campo dos estudos
comparativos e, em seguida, delinear as principais características do
19
método proposto por Bereday em sua principal obra intitulada “Método
comparado em educação”, publicado pela primeira vez no Brasil em 1972.
Após essa discussão inicial, abordaremos, separadamente, como a questão
da gestão democrática aparece na LDBEN brasileira e, em seguida, como
a mesma questão é abordada na LBSE portuguesa, ambas consideradas as
principais leis nacionais sobre a educação para as realidades brasileira e
portuguesa, respectivamente. Ao final, em nossas últimas considerações,
destacamos os pontos em que essas duas leis gerais da educação se
aproximam, em termos do alcance e amplitude do conceito de gestão
democrática presente em cada uma delas.
A Metodologia da Educação Comparada
Para uma gama de estudiosos da Educação Comparada SADLER
(1900), HANS (1949), BEREDAY (1972), LOURENÇO FILHO
(2004), entre outros o objetivo dos estudos comparativos é a análise e
comparação entre os sistemas de ensino, assim, os sistemas de ensino
escolhidos para serem comparados, tornam-se, também, os objetos das
pesquisas comparativas. Porém, os comparativistas entendem que cada
sistema nacional de educação deve ser estudado “em seu ambiente histórico
e sua ligação íntima com o desenvolvimento de um caráter e de uma
cultura nacionais” (HANS, 1949, p. 36).
Em termos globais, a comparação entre legislações educacionais
não é, atualmente, o tópico mais discutido na Educação Comparada,
menos ainda quando se escolhe um único tópico dentro das legislações.
Segundo Cook, Hite e Epstein (2004), o tema atual mais proeminente no
campo da Educação Comparada é a marca da globalização. Porém, a partir
do momento em que esses autores identificaram a globalização como a
20
temática mais importante dos estudos comparativos (2004) e atualmente
(2020), já tivemos a crise econômica mundial de 2008-2009 e a pandemia
do COVID 19.
Neste contexto, quer seja, o contexto anterior à crise econômica de
2008-2009, Madeira (2009) considerava que a análise dos processos de
globalização vinha se constituindo, crescentemente, em um dos “temas
centrais que ocupa os debates que atravessam o campo das Ciências da
Educação” (p. 122), fazendo com que, consequentemente, novas
perspectivas, naquele momento, estivessem abertas à Educação
Comparada (MADEIRA, 2009).
Esses dois fatos históricos, somados ao governo de Donald Trump
à frente da maior potencial militar e econômica mundial, o qual possui
uma visão muito peculiar da globalização econômica (ou o chamado, por
Trump, de globalismo), diminuíram, pelo menos em parte, a importância
da marca da globalização e, consequentemente, houve uma diminuição da
quantidade de pesquisas comparativas com foco no conceito de
globalização
4
.
Nesse sentido, para conceder maior fidedignidade à nossa pesquisa,
consideramos que para analisarmos, de forma comparativa, o conceito de
gestão democrática da educação presente tanto na principal lei brasileira
da educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN -
Lei nº 9.394/96), quanto o mesmo conceito presente na principal lei
portuguesa da educação, a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE/86),
é necessário nos apoiarmos em, pelo menos, um dos autores clássicos da
4
Isso não quer dizer que a globalização ainda não seja um dos elementos chaves, a serem levados
em conta, nas pesquisas de Educação Comparada e Internacional, muito pelo contrário, apenas
consideramos que a questão da globalização perdeu um pouco da sua importância nesse campo de
estudos e pesquisas, ficando mais distante de uma possível "unanimidade".
21
Educação Comparada. Assim, optamos, neste capítulo, pela proposta de
George Bereday, delineada em sua principal obra, intitulada "Método
comparado em educação" (BEREDAY, 1972).
Para Bereday, a finalidade principal da Educação Comparada
concentra-se na possibilidade de "encontrar sentido entre os sistemas de
ensino" na medida em que a mesma
[...] faz o levantamento de métodos para além das fronteiras nacionais;
e nesse rol, cada país aparece como uma variante do acervo total da
experiência educacional da humanidade. Realçados convenientemente,
os matizes e contrastes da perspectiva mundial farão de cada país um
beneficiário potencial de lições assim recebidas (BEREDAY, 1972, p.
31).
Segundo esse autor, a Educação Comparada possui também alguns
outros objetivos, que poderíamos chamar (sem que Bereday tenha usado
essa expressão) de objetivos específicos. O primeiro é que a educação
existente em cada país "é um espelho pôsto contra a face" de seu povo, pois
as nações podem
[...] fazer rumorosa demonstração de força para encobrir fraqueza
política, erigir fachadas grandiosas para esconder mesquinhos
interiores, professar a paz enquanto secretamente se armam para a
conquista, mas como cuidam dos seus filhos, isso diz infalivelmente
quem elas são (BEREDAY, 1972, p. 32).
O segundo objetivo específico, mais relacionado ao caráter
internacional dos estudos comparados, diz respeito ao fato de que, segundo
Bereday,
22
[...] quem estuda educação estrangeira, não o faz só para conhecer os
estrangeiros, mas também - talvez, acima de tudo - para conhecer-se a
si mesmo. As pessoas discutem modos estrangeiros para aprender mais
sobre as próprias raízes, para atomizar e assim compreender as origens
de sua herança educacional. Dificilmente haverá no mundo um país
que não esteja repleto de influências estrangeiras (BEREDAY, 1972, p.
32).
Assim, na relação entre o conhecer-se e o conhecimento do outro
é que está, nas palavras de Bereday, “a mais bela lição que a Educação
Comparada pode proporcionar” (BEREDAY, 1972, p. 32). Por outro
lado, Bereday retoma o objetivo central dos estudos e pesquisas
comparativas, ao afirmar que o objetivo final da Educação Comparada é o
de “relaxar o orgulho nacional de molde”, de forma a “permitir que fatos
e vozes de fora sejam levados em conta no processo contínuo de reavaliação
e reexame das escolas” (BEREDAY, 1972, p. 33).
Especificamente no Brasil, nessa mesma época, um dos mais
renomados educadores brasileiros, Lourenço Filho, em um de seus livros,
intitulado “Educação Comparada”, afirma que o objeto dos estudos
comparativos em educação são os sistemas de ensino, sendo que,
Cada um deles se apresenta como um conjunto de serviços escolares e
paraescolares, devidamente estruturados e com sentido peculiar em
cada povo. A Educação Comparada começa por descrevê-los e
confrontá-los entre si, para assinalar semelhanças e diferenças quanto à
morfologia e às funções, estejam estas apenas previstas em documentos
legais ou alcancem efetiva realização (LOURENÇO FILHO, 2004, p.
17).
Porém, para Lourenço Filho, os sistemas de ensino não devem ser
entendidos como
23
um simples agregado de serviços escolares a que um regime qualquer
de administração imponha unidade formal. Nem também que cada
um deles se constitua e funcione como criação arbitrária de políticos,
administradores e pedagogos (LOURENÇO FILHO, 2004, p. 17).
Pelo contrário, os sistemas de ensino para Lourenço Filho, assim
como coloca Bereday, devem ser entendidos como projeções “no plano das
instituições do povo a que pertença, de forças que levem as gerações mais
amadurecidas a influir nas que menos o sejam, para transmitir-lhes as
próprias idéias, sentimentos, técnicas, desejos e aspirações” (LOURENÇO
FILHO, 2004, p. 17).
Também como Bereday, logo na primeira linha do seu livro,
Lourenço Filho afirma que o exercício da comparação se constitui em “um
recurso fundamental nas atividades de conhecer” (LOURENÇO FILHO,
2004, p. 17).
5
Nossa proposta de pesquisa fará uso do método proposto por
Bereday (1972), por considerar que, entre várias abordagens
metodológicas no campo da Educação Comparada, o método de análise
proposto por este autor, ainda que aparentemente simples, consegue, se
bem executado, trazer à tona uma quantidade relevante de informações
significativas para o alcance dos objetivos deste capítulo.
O método de investigação proposto por Bereday (1972) consiste
na execução de 04 (quatro) passos subsequentes e complementares, a saber:
descrição, interpretação, justaposição e comparação. No entender do
autor, a primeira etapa, a etapa da descrição é composta basicamente pela
5
A edição original do livro de Bereday é de 1964 e a edição original do livro de Lourenço Filho é
de 1961. Não se trata aqui de saber quem influenciou quem, mas de realçar que a década de 60 do
século passado foi um dos momentos de maior efervescência teórica e metodológica no campo da
Educação Comparada no mundo e, ao mesmo tempo, esse novo campo de trabalho acadêmico
chegava ao Brasil. Por isso, afirmamos, algumas linhas atrás, que se tratava de uma "mesma época".
24
coleta sistemática do maior número de informações pedagógicas
disponíveis de cada um dos países analisados na pesquisa. A seguir, mas
ainda no contexto da primeira etapa, esse conjunto de informações deve
ser catalogado a partir de “um esquema qualquer de classificação” proposto
pelo próprio pesquisador (BEREDAY, 1972, p. 61).
A segunda etapa, denominada por Bereday (1972) de
interpretação, consiste no exercício de submeter as informações
pedagógicas coletadas e tabuladas (classificadas pelo esquema referido no
parágrafo anterior), nas palavras do mesmo, à análise das ciências sociais.
Porém, o que Bereday chama de ciências sociais, consiste em realizar uma
contextualização dos aspectos históricos, políticos, econômicos e sociais de
cada um dos países, em relação ao campo da educação ou, em outras
palavras, interpretar os dados coletados na primeira etapa (descrição) à luz
dos contextos históricos, políticos, econômicos e sociais de cada país
estudado. Nesta etapa, “a análise continua a ser aplicada separadamente a
cada país” (BEREDAY, 1972, p. 67)
6
.
A justaposição é a terceira etapa do método proposto por Bereday
para a realização de pesquisas no campo da Educação Comparada.
Consiste em determinar qual é o arcabouço comparativo comum sobre o
qual se possa fazer a análise. A possibilidade das informações coletadas de
cada país, respectivamente contextualizadas, poderem, nesse momento,
ficar extremamente próximas, ou seja, justapostas, consiste, exatamente, na
proposta de Bereday. Para esse autor, essa justaposição é que conduzirá e,
em certa medida facilitará a execução da quarta etapa de seu método, quer
seja, a comparação (BEREDAY, 1972).
6
Para Bereday (e naquele momento histórico), as ciências sociais limitavam-se a História, a Ciência
Política, a Economia e a Sociologia (BEREDAY, 1972, p. 67).
25
A quarta etapa, por sua vez, é a etapa da comparação. Esse é o
momento em que as informações e análises de cada país serão redigidas em
uma construção comparativa, ou seja, é a “comparação propriamente dita
(BONITATIBUS, 1989, p. 65), porém, de forma que a “referência a um
país deve provocar uma instantânea comparação com outro (ou com
outros)”, colocando em “claro relêvo os aspectos comparativos dos sistemas
em estudo” (BEREDAY, 1972, p. 77).
Todas essas 04 (quatro) etapas do método a ser utilizado nos
estudos comparativos na área de Educação por Bereday e acima descritas,
podem ser melhor entendidas pela Figura 01 (abaixo), proposta pelo
próprio Bereday (1972).
Fonte: BEREDAY, 1972, p. 59.
26
Como podemos ver anteriormente, a proposta original de Bereday
contempla a comparação entre apenas dois países, o que não só nos ajuda
na comparação do conceito de gestão democrática da educação presente
na principal lei brasileira da educação, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN - Lei nº 9.394/96), com o mesmo conceito
presente na principal lei portuguesa da educação, a Lei de Bases do Sistema
Educativo (LBSE/86), como vem a justificar nossa escolha pelo método
proposto por Bereday, visto que escolhemos dois objetos (LDBEN e
LBSE) pertencentes a dois países (Brasil e Portugal).
Teorias sobre Gestão Democrática
No Brasil, a partir das lutas dos movimentos sociais urbanos as
escolas ampliaram seu atendimento à comunidade de forma quantitativa,
o que, de certa maneira, significou um maior acesso à escola e, portanto,
em última instância, a democratização do ensino, reavendo, nas palavras
de Ferreira e Sturmer (2010), “a todos os cidadãos direitos políticos
básicos, como a liberdade de expressão e de opinião, além da livre
organização partidária e sindical” (FERREIRA; STURMER, 2010, p.
158).
Nessa perspectiva, a partir da conquista na expansão do ensino às
camadas populares da sociedade, a busca por um ensino e uma
aprendizagem de qualidade tornou-se um dos principais objetivos a ser
buscado pelas escolas e nas escolas. Para tanto, consideramos que para que
se alcance um sucesso efetivo do trabalho de toda equipe escolar, faz-se
necessário, entre muitas outras coisas, que a escola possua uma gestão
pautada no diálogo, na participação, com discussões e decisões coletivas,
visando sempre, em primeiro lugar, o atendimento das necessidades e
especificidades dos seus alunos e alunas.
27
Nessa direção, a Constituição Federal de 1988, inseriu em sua
seção sobre a Educação, o princípio da gestão democrática das escolas
públicas, no contexto de
[...] uma dinâmica histórica marcada pelo fim da ditadura
civil-militar e a ascensão dos movimentos social e populares,
que reivindicavam a volta de direitos democráticos
anteriores ao regime de exceção, mas principalmente a
ampliação da democracia (CAMARGO; JACOMINI;
GOMES, 2016, p. 383).
Mesmo assim, esses autores consideram que, apesar de ter havido
pressões legítimas de alguns movimentos sociais que reivindicaram o
acréscimo da “gestão democrática do ensino com participação de docentes,
funcionários, estudantes e pais”, tal anseio não se concretizou com essa
especificidade, tendo sido posto na Constituição Federal de 1988, de
forma muito genérica (CAMARGO; JACOMINI; GOMES, 2016).
No entender de Libâneo, Oliveira e Toschi (2012, p. 447),
[...] a concepção democrático-participativa baseia-se na
relação orgânica entre a direção e a participação dos
membros da equipe. Acentua a importância da busca de
objetivos comuns assumidos por todos. Defende uma
forma coletiva de tomada de decisões
(LIBÂNEO;
OLIVEIRA ; TOSCHI, 2012, p. 447)
Assim, consideramos que a concepção de gestão democrática da
escola pública está intrinsecamente ligada à participação efetiva dos seus
usuários diretos (equipe gestora, professores, servidores e alunos/as) e
indiretos (pais/mães e famílias).
28
Gadotti (1994), por sua vez, entende que a gestão democrática não
é a solução de todos os problemas da escola, contudo há inúmeras
pesquisas que comprovam que a gestão democrática da escola pública é
essencial à qualidade da mesma na medida em que “participar da gestão
significa inteirar-se e opinar sobre os assuntos que dizem respeito à escola,
isso exige um aprendizado que é, ao mesmo tempo, político e
organizacional” (p. 2). Esse aprendizado inclui, entre outras coisas,
também entender que o trabalho da equipe gestora requer, muitas vezes,
ações burocráticas e que, de certa maneira, reproduz o modus operandi que
também existe nas escolas cuja gestão não é democrática ou que são
consideradas pouco democráticas.
A gestão democrática da escola pública também possui outra
característica que pode ser denominada como formativa, ou seja, é
exatamente por meio das participações e discussões no coletivo, que todos
os envolvidos (famílias, professores, alunos, equipe escolar e comunidade),
ao mesmo tempo em que estão, ao participarem da gestão da escola
pública, colaborando com o espaço da escola, também estão formando-se
(e sendo formados) cultural e politicamente.
Nessa perspectiva, Gadotti (1994) considera que a gestão
democrática da escola requer algumas exigências, as quais estão
diretamente relacionadas a uma mudança de mentalidade dos envolvidos
com a comunidade escolar, visto que “a gestão democrática da escola
implica que a comunidade, os usuários da escola, sejam seus dirigentes e
gestores e não apenas os seus fiscalizadores ou meros receptores dos serviços
educacionais” (p. 2).
Para, além disso, Souza (2009, p. 125) entende que a gestão
democrática caracteriza-se como:
29
[...] um processo político no qual as pessoas que atuam na/sobre a
escola identificam problemas, discutem, deliberam e planejam,
encaminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações
voltadas ao desenvolvimento da própria escola na busca da solução
daqueles problemas. (SOUZA, 2009, p. 125)
Para esse autor, as bases desse processo são
[...] a participação efetiva de todos os segmentos da comunidade
escolar, o respeito às normas coletivamente construídas para os
processos de tomada de decisões e a garantia de amplo acesso às
informações aos sujeitos da escola. (SOUZA, 2009, p. 126).
São esses processos de tomada de decisões, assim como o acesso às
mais variadas informações da escola que constróem a trajetória da própria
escola. Na concepção de Ferreira e Sturmer (2010, p. 159)
A trajetória de construção da escola democrática, portanto, depende da
ampliação do grau de conhecimento dos professores e das comunidades
escolares acerca da importância da democratização da escola pública,
dos mecanismos de participação na vida da escola, bem como dos
instrumentos de gestão escolar (projeto pedagógico, regimento escolar
e outros). (FERREIRA; STURMER; 2010, p. 159).
No entendimento de Freitas (2007), por sua vez, a gestão
democrática da escola pública deve também ser entendida como "um
processo estratégico de superação do autoritarismo, do individualismo e de
desigualdades socioeconômicas e propiciador do trabalho coletivo
participativo na construção de uma sociedade fundada na justiça social"
(p. 513), ou seja, é somente por meio da gestão democrática da escola
pública que essa escola será capaz de defender e de atender às necessidades
30
das camadas populares, na direção da diminuição e da superação das
desigualdades sociais, visando à transformação da realidade desses sujeitos.
De certa maneira, podemos afirmar que Ferreira e Sturmer (2010)
avançam um pouco mais (no sentido positivo do termo), ao afirmarem que
a gestão democrática da escola pública se constitui em "uma forma
contemporânea de administração educacional que seduz pelas suas
promessas de igualdade e solidariedade na escola, de integração escola-
comunidade" (p. 156). Assim, no entendimento desses autores, a gestão
democrática da escola pública é forma adequada (talvez até, ideal) de
organização da administração da escola, cujo compromisso com a
interação, com a superação de desigualdades e com a melhoria na
qualidade da educação, é primordial.
Ainda que siga nessa mesma direção, Lima (2014) considera que a
concepção de gestão democrática é mais ampla ainda, pois se trata de
[...] uma complexa categoria político-educativa, uma construcão social
que não dispensa a análise dos contextos históricos, dos projetos
políticos e da correlacão de forcas em que ocorre, para além de envolver
dimensões teóricas e conceituais que vão desde as teorias da democracia
e da participacão, até às teorias organizacionais e aos modelos de
governacão e administracão das escolas e respectivos sistemas escolares
(LIMA, 2014, p. 1069).
Assim, depois dessa breve abordagem sobre as concepções de gestão
democrática da escola pública, vamos, nos próximos tópicos, abordar
como esse conceito (ou concepção) está presente na LDBEN brasileira e
na LBSE portuguesa, começando pela LDBEN, que é a lei geral da
educação vigente no Brasil.
31
A concepção de gestão democrática presente na LDBEN no Brasil
A construção da nova LDBEN
7
foi um processo relativamente
longo (08 anos) que, como grande parte dos processos de elaboração
legislativa sobre temas amplos (a Educação brasileira) e, muitas vezes,
polêmicos (dados os mais variados interesses), foi permeado por avanços e
retrocessos de todas as naturezas, independentemente do ponto de vista do
observador. De um modo geral, a discussão dos temas relativos à Educação
iniciou-se, grosso modo falando, junto com a convocação da Assembleia
Nacional Constituinte, em 1987, liderada, essa discussão, na sociedade
civil, pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.
Promulgada a nossa atual Constituição Federal em outubro de
1988, os esforços dos segmentos interessados na educação brasileira foram
direcionados para a construção de uma nova LDBEN, em substituição à
toda a legislação educacional produzida pela ditadura cívico-militar
brasileira. Mesmo com grande participação e mobilização das entidades
educacionais sob o guarda-chuva do Fórum Nacional em Defesa da Escola
Pública (com seus congêneres estaduais, os Fóruns Estaduais em Defesa da
Escola Pública), ainda assim, demorou mais de 08 anos para termos uma
nova LDBEN.
Nesse período de 08 anos de discussões, houve outro projeto de
LDBEN aprovado pela Câmara dos Deputados, que chegou a ser
discutido, em seguida, no Senado Federal, mas que não chegou a ser
votado até o fim da legislatura (1990-1994)
8
. Com a posse de FHC
7
Costumávamos chamar a atual LDBEN de nova LDBEN nos anos imediatamente posteriores à
sua sanção, em dezembro de 1996. Hoje (2020), prestes à completar 24 anos, ela não é exatamente
nova.
8
Sobre algumas diferenças entre os dois projetos, incluindo a questão da gestão democrática da
escola pública, ver Brandão (1998).
32
(1995), o MEC solicitou que o Sen. Darcy Ribeiro subscrevesse o projeto
de LDBEN elaborado, em suas linhas mestras, pelo Banco Mundial, o que
o referido Senador o fez candidamente
9
. Além disso, foi necessário que
fosse realizadas algumas manobras regimentais para que o projeto de
LDBEN construído no Parlamento, fosse substituído pelo projeto de
LDBEN proposto pelo Banco Mundial
10
. Esse foi o projeto aprovado que
resultou na "nova" LDBEN e como a história é, muitas vezes, a história
dos vencedores, é a concepção de gestão democrática presente na "nova"
LDBEN que vamos seguir com a nossa discussão.
No que se refere especificamente à questão da gestão democrática
da escola pública, Camargo, Jacomini e Gomes (2016) afirmam que,
naquele contexto de disputas, havia duas correntes distintas quanto à
concepção de gestão democrática que deveria estar presente na "nova"
LDBEN. De um lado os “defensores de uma concepção de gestão
democrática, construída por meio de canais institucionais definidos por lei
[...] num processo denominado de ‘conciliação aberta’, baseado numa
visão de democracia participativa” e, de outro lado, a concepção de gestão
democrática que acabou "vencedora", ou seja, “um texto genérico que não
previa mecanismos de participação na definição das políticas educacionais,
resultando em uma concepção de gestão com caráter técnico, esvaziado de
função política” (CAMARGO; JACOMINI; GOMES, 2016, p. 387,
aspas no original).
Ao fim, foi aprovada uma versão que, ao mesmo tempo em que
conferia certo protagonismo aos profissionais da educação na elaboração
do projeto pedagógico das escolas e determinava a participação da
9
Sobre a história da tramitação, no Parlamento brasileiro, desses dois projetos, ver Brandão (2018).
10
É preciso ressaltar que tais manobras regimentais só foram possíveis porque, naquele momento,
a maioria governista, era composta por mais de 60 do total de 81 senadores que compõem o Senado
Federal brasileiro.
33
comunidade interna e externa nos conselhos escolares, por outro lado,
deixou a definição de todo o restante de normas mais específicas de gestão
efetivamente democrática a cargo dos sistemas de ensino (federal, estaduais
e municipais), como pode ser confirmado pela transcrição do Art. 14 da
LDBEN abaixo:
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão
democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as
suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares
ou equivalentes. (BRASIL, 1996)
Como pode ser visto acima, mesmo com uma abordagem genérica,
a LDBEN limitou-se à questão da gestão democrática no setor público e
não fez nenhuma menção, nessa questão, ao setor educacional privado.
Essa ausência é criticada por Paro (2001), na medida em que tal liberdade
de ação permite que a lógica do mercado se sobreponha ao interesse maior
da sociedade em ter uma gestão democrática da educação e não somente
na escola pública e, assim, deixando livres as instituições privadas de ensino
para se pautarem em qualquer outro modelo de gestão.
Especificamente com relação ao Art. 14 da LDBEN, Paro (2001)
considera que o mesmo é de "uma pobreza sem par" e completa sua análise,
O primeiro princípio é o que há ‘de mais óbvio, já que seria mesmo
um total absurdo imaginar que a ‘elaboração do projeto pedagógico da
escola’ pudesse dar-se sem a ‘a participação dos profissionais da
educação’. O segundo (e último!) princípio apenas reitera o que já vem
acontecendo na maioria das escolas públicas do país. Além disso, ao
34
prever a ‘participação das comunidades escolar e local em conselhos
escolares ou equivalentes’, sequer estabelece o caráter deliberativo que
deve orientar a ação desses conselhos, outra conquista da população
que se vem implantando nos diversos sistemas de ensino (PARO,
2001, p. 55 grifos no original).
Opinião muito próxima possuem Sousa e Corrêa (2002) ao
afirmarem que, da forma como está posta, “essa determinação legal, por si
só, não garante uma escola de qualidade e democrática. Esse fato mostra a
necessidade de serem empreendidos esforços para a construção de uma
escola realmente democrática” (SOUSA; CORRÊA, 2002, p. 57).
Por outro lado, na medida a LDBEN não especificou mais
questões relativas à gestão democrática da escola pública e, assim, conferiu
aos sistemas de ensino (federal, estaduais e municipais) esse papel, Gomes
e Castro (2009), consideram que essa situação contribuiu para a criação de
"uma miríade de colegiados" que, por sua vez, geraram uma "torrente
burocratizadora de atos emanados de Brasília, atribuindo uma série de
missões nobres aos municípios, que constituem a parte técnica e
politicamente mais débil da Federação" (p. 433).
Dentre essas outras questões diretamente relacionadas à gestão
democrática da escola pública, e não especificadas pela LDBEN, encontra-
se a questão da autonomia escolar. Para Werle e Costa (2009), a autonomia
das escolas se constitui na "primeira manifestação da gestão democrática",
na medida em que perpassa "a gestão administrativa, financeira e
pedagógica e a liberdade, a organização dos segmentos da comunidade
escolar, assegurada a participação em processos decisórios e em órgãos
colegiados" (p. 480).
No próximo tópico, analisaremos como a concepção de gestão
democrática da escola pública se apresenta na Lei de Bases do Sistema
35
Educativo de 1986 de Portugal, para, em seguida, fazer uma contraposição
sobre as legislações educacionais vigentes no Brasil e em Portugal.
A concepção de gestão democrática presente na LBSE em Portugal
Assim como a LDBEN, para Gomes e Castro (2009), a LSBE
portuguesa também possui o caráter de lei geral da educação, mas diferente
da construção da LDBEN brasileira, representou, nos momentos de sua
elaboração legislativa, “o primeiro pacto educativo do país em condições
políticas favoráveis à negociação” (p. 436) ou, nas palavras de Pires (2000),
a LBSE “fez-se porque houve vontade determinada em chegar à síntese da
dialética dos contrários, por parte de todos quantos na sua feitura
participaram” (p. 20). Mesmo assim, para Lima (2000), a LBSE deixou
lacunas significativas no que diz respeito à autonomia escolar e suas
normas. Sobre a participação dos pais não foram estabelecidas de maneira
suficientemente claras
11
.
No caso português, podemos observar que as concepções de gestão
democrática da escola pública estão presentes na Lei de Bases do Sistema
Educativo (LBSE - Decreto-Lei n.º 46/86, de 14 de outubro de 1986)
12
, a
qual sofreu alterações pelo Decreto-Lei n.º 115/97, de 19 de setembro de
11
Em outro trabalho, Lima (2014) considera que na década de 60, no contexto português, a gestão
democrática das escolas já representava "uma categoria do discurso político da oposicão democrática
e dos movimentos estudantis, uma reivindicacão claramente expressa durante as crises universitárias
da década de 1960, com repercussões em toda a educacão." (p. 1068).
12
que se esclarecer que, apenas em termos de nomenclatura, o que denominamos formalmente
como Lei, no contexto português é denominado como Decreto-Lei.
36
1997
13
, pelo Decreto-Lei nº 49/2005, de 30 de agosto de 2005 e Decreto-
Lei nº 85/2009, de 27 de agosto de 2009
14
.
No entanto, em nossa análise, tais alterações não interferiram
diretamente na concepção de gestão democrática da educação. Assim, o
Art. 3º da LBSE, ao descrever os princípios dentro dos quais o sistema
português de educação deve funcionar, em seu item 1, já faz menção direta
à concepção de gestão democrática, a saber:
O sistema educativo organiza-se de forma a: [...] l- Contribuir para
desenvolver o espírito e a prática democráticos, através da adopção de
estruturas e processos participativos na definição da política educativa,
na administração e gestão do sistema escolar e na experiência
pedagógica quotidiana, em que se integram todos os intervenientes no
processo educativo, em especial os alunos, os docentes e as famílias
(PORTUGAL, 1986).
Desse modo, podemos entender que o sistema educativo português
é pautado na democracia participativa, cuja contribuição para a escola es
ligada a discussões coletivas sobre políticas educativas, administração da
gestão escolar e contribuição nas práticas pedagógicas cotidianas.
É possível afirmarmos isso em função do que está disposto no Art.
46 da LBSE, a saber:
1 - A administração e gestão do sistema educativo devem assegurar o
pleno respeito pelas regras de democraticidade e de participação que
13
Werle e Costa (2009) consideram o Decreto-Lei nº 115/97 um dos mais importantes por
"incorporar a experiência democrática" e por "não adotar uma solução normativa e um modelo
uniforme de gestão", valorizando assim a dimensão local da política educacional (p. 484).
14
Martins (2009) elenca outras regulamentações infra-legais que a LSBE já sofreu em sua vigência
(p. 456).
37
visem a consecução de objectivos pedagógicos e educativos,
nomeadamente no domínio da formação social e cívica.
2- O sistema educativo deve ser dotado de estruturas administrativas
de âmbito nacional, regional autónomo, regional e local, que
assegurem a sua interligação com a comunidade mediante adequados
graus de participação dos professores, dos alunos, das famílias, das
autarquias, de entidades representativas das actividades sociais,
económicas e culturais e ainda de instituições de carácter científico.
3 - Para os efeitos do número anterior, serão adoptadas orgânicas e
formas de descentralização e de desconcentração dos serviços, cabendo
ao Estado, através do ministério responsável pela coordenação da
política educativa, garantir a necessária eficácia e unidade de acção
(PORTUGAL, 1986).
Como podemos ver, na legislação educacional maior portuguesa,
está explicitada a responsabilidade de todas as esferas administrativas no
sentido de promoverem a participação de toda a comunidade na gestão da
escola e o Estado, por sua vez, é o responsável, em última instância, por
dotar os meios necessários para que isso ocorra. Nesse sentido, entendemos
que, no contexto português, é responsabilidade dos sistemas educativos
tanto o respeito pela democracia e pela participação da comunidade escolar
e local nas atividades sociais, econômicas, culturais e de caráter científico,
quanto à atenção que devem dar aos princípios pedagógicos formativos dos
seus alunos.
O Art. 48 da LBSE se refere especificamente à maneira como deve
ocorrer a participação da comunidade escolar no interior da escola, no
sentido de uma participação verdadeiramente democrática. Com todas as
suas expressas deliberações, esse Art. 48 da LBSE também vem a corroborar
o nosso entendimento expresso no parágrafo anterior, ao definir que,
38
1 - O funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino, nos
diferentes níveis, orienta-se por uma perspectiva de integração
comunitária, sendo, nesse sentido, favorecida a fixação local dos
respectivos docentes.
2 - Em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de
educação e ensino a administração e gestão orientam-se por princípios
de democraticidade e de participação de todos os implicados no
processo educativo, tendo em atenção as características específicas de
cada nível de educação e ensino.
3 - Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e
ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica
sobre critérios de natureza administrativa.
4 - A direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos
dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para
os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores,
alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por
serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a
regulamentar para cada nível de ensino.
5 - A participação dos alunos nos órgãos referidos no número anterior
circunscreve-se ao ensino secundário (PORTUGAL, 1986)
15
.
Como é possível observar, a principal legislação educacional
portuguesa é explícita ao reiterar a obrigatoriedade de que a forma de
gestão escolar deve ser pautada nos princípios democráticos e na
participação de todos os envolvidos com o processo educativo. Além disso,
a gestão de cada escola deverá ser constituída democraticamente por meio
da eleição de representantes de professores, alunos e pessoal não docente,
tendo, a gestão, o apoio de órgãos consultivos e serviços especializados.
Lima (2014) considera que a gestão democrática das escolas se
constitui em uma “contribuicão indispensável ao processo de realizacão do
15
Esse Art. 48 possui nove itens, porém os seguintes tratam da gestão democrática na educação
superior que não é nosso foco neste capítulo (PORTUGAL, 1986).
39
direito à educacão” e se realiza efetivamente quando estão presentes, pelo
menos, três aspectos, quer sejam, eleição para a escolha de seus dirigentes,
administração colegiada e efetivo poder decisório dos participantes dos
colegiados e da própria comunidade escolar.
Como podemos observar, pelo menos em termos formais, a LBSE
cria as condições para que esses aspectos apontados por Lima (2014) se
façam presentes no cotidiano escolar português.
Considerações Finais
Em nossas palavras finais gostaríamos de realçar que consideramos
a gestão democrática da escola pública um princípio que deveria, em nosso
entendimento, já ter se tornado, no contexto do debate educacional
brasileiro, um "ponto pacífico", visto que as instituições de ensino público
representam um espaço propício de formação científica sólida, de
cidadania crítica, visando à humanização e a capacitação de seres humanos
conscientes de seu papel como sujeitos históricos e transformadores, para
que possam compreender criticamente a sociedade em que vivem e
refletirem sobre sua atuação, respeitando os limites das suas possibilidades.
Salientamos essa questão especificamente em relação à realidade
educacional brasileira porque, como pudemos observar na análise do
principal documento legal e norteador da educação portuguesa, o mesmo
não só determina a gestão democrática da escola pública portuguesa como
aborda algumas especificidades necessárias para o funcionamento
democrático efetivo da escola de Educação Básica portuguesa.
Em contrapartida, vimos que a legislação maior da educação
brasileira trata a gestão democrática da escola pública apenas de forma
genérica, delegando aos sistemas de ensino (federal, estaduais e municipais)
40
a regulamentação da mesma. Se por um lado (e em tese) tal "transmissão"
de responsabilidade poderia ser vista como uma oportunidade de maior
liberdade para os sistemas de ensino, por outro lado à ausência de uma
regulamentação mais específica oriunda do poder central faz com que,
como é praxe na tradição educacional brasileira, essa "liberdade"
transforme-se, na imensa maioria das situações, na total ausência da efetiva
gestão democrática da escola pública brasileira.
Acreditamos também que a gestão democrática dentro das
instituições públicas contribui com todos os envolvidos de modo que ela
permite a participação ativa de todos os membros responsabilizando-os
positiva e/ou negativamente pelos resultados e questões discutidas, as quais
as contribuições e ações na e da escola podem ter maior representatividade
e sentido para os envolvidos. Para isso, é necessário que a gestão
democrática seja formadora e, em sendo assim, a partir da participação da
comunidade escolar, ocorra a ampliação do conhecimento sobre o papel
da escola em uma sociedade extremamente desigual, mas que se quer
democrática.
Referências
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41
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45
CURRÍCULO OCULTO E SUA IDENTIFICAÇÃO NAS
PRÁTICAS ESCOLARES
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ___________ _____________________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________
Chelsea Maria de Campos Martins
16
Flávia Oliveira de Assis Lourenço
17
Introdução
Este artigo apresenta análise da questão do currículo oculto
presente no currículo prescrito nas práticas escolares conforme a concepção
de Apple (2006), publicada no livro “Ideologia e Currículo”. A partir desta
análise, dialogar com o Currículo Oficial da Secretaria de Educação do
Estado de São Paulo (SEDUC/SP) - nova sigla da Secretaria, conforme
Resolução SE 18, de 02/05/2019 - para ilustrar esta temática.
Avaliamos ser relevante a análise do currículo paulista porque a
SEDUC/SP é considerada a maior rede de ensino público do Brasil, com
5,3 mil escolas, 23 mil professores, 59 mil servidores e a demanda de
alunos é superior a quatro milhões, conforme informações obtidas no site
da referida rede de ensino. Nosso principal referencial teórico-metodo-
gico para a revisão de literatura foi a obra de Apple (2006).
Neste sentido, a organização do artigo foi constituída em dois
momentos de reflexão: no primeiro apresentamos a questão de currículo
16
Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marília/SP, Brasil.
Docente Centro Universitário Moura Lacerda, Jaboticabal/SP, Brasil. E-mail:
chelsea.c.martins@unesp.br
17
Mestranda da Pós-graduação em Educação UNESP/Marília. E-mail: flavia.lourenco@unesp.br
https://doi.org/.10.36311/2020.978-5-5954-015-0.45-58
46
sob a ótica de Michael Apple (2006) e no segundo momento descrevemos
o currículo prescrito da SEDUC/SP. Nas considerações finais dialogamos
com o autor Apple (2006) junto ao currículo prescrito da SEDUC/SP.
O currículo sob a ótica de Michael Apple
A discussão em torno da questão curricular é fundamental ao
considerar que a educação acontece em todos os espaços, seja na sociedade
de maneira geral, no meio acadêmico, no sistema de ensino e no interior
da escola por se constituir uma temática fundamental da política
educacional, uma vez que a educação é considerada como mecanismo de
poder, sob a qual organiza o funcionamento do sistema de ensino, em
especial, o público.
Apple (2006), ao estudar a questão curricular do ponto de vista
ideológico, coloca a estrutura do conhecimento e do símbolo nas
instituições educacionais como estando relacionada intimamente aos
princípios de controle social e cultural de determinada sociedade.
Consideramos, ainda, que este mecanismo de poder acontece por
meio de relações conflituosas das tramas e/ou dos enfrentamentos de uma
política educacional, uma vez que estas tramas/enfrentamentos
submergem da relação de poder e como este poder é reproduzido e
discutido. Apple (2006) afirma que esta discussão envolve um poder
desigual, tanto reproduzido na política educacional quanto na sociedade
de maneira geral.
Aliás, esta discussão está fortemente relacionada com a sua
normatização estatal. Neste sentido, Apple (2006) afirma que a educação,
por estar na esfera pública, ou seja, essa educação é regulada pelo Estado
que, ao mesmo tempo a controla, portanto, o controle estatal determina
47
sua contextualização de ideologia e currículo, significando uma análise da
questão do poder desigual que é reproduzido na sociedade.
Assim, seguindo o raciocínio do autor, a educação acontece por
meio das instituições de ensino que representa um dos maiores
mecanismos de poder que se mantém ou é enfrentado. Igualmente, o autor
justifica a relação de poder ao afirmar por meio de seus estudos:
Durante mais de três décadas, busquei desvelar as complicadas
conexões entre conhecimento, ensino e poder no campo da educação.
Tenho sustentado a ideia de que há um conjunto muito real de relações
entre quem, de um lado, tem poder econômico, político e cultural na
sociedade e, de outro, os modos pelos quais se pensa, organiza e avalia
a educação (APPLE, 2006, p. 07).
Apple (2006), de um lado, expõe duas questões fundamentais: “o
fato de a educação ser, em geral, parte da esfera pública e regulada pelo
Estado” (p. 7), representando um ponto de conflito ao questionar o quanto
o Estado está ou não organizado e suficientemente bem estruturado para
atender de maneira adequada às necessidades educacionais de uma
população que é usuária do sistema de ensino público e outra questão é
relacionada ao conflito do conhecimento ensinado e como é o processo de
avaliação num determinado sistema de ensino. Para o autor, reforçando as
razões pelas quais ideologias e currículo tomaram as formas que tem e os
motivos pelos quais enfatizam o poder diferencial e o papel que a educação
desempenha em sua legitimação.
De outro lado, Apple (2006) expõe a questão de limites da pesquisa
educacional, que está atrelada ao policiamento do conhecimento que é
considerado legítimo. Para superar estes limites o autor considera que a
necessidade de trespassar, no sentido proposto por Bourdieu (1996), para
48
a compreensão de novas propostas, ou seja, romper com os breaks
epistemológicos das tradições anteriores e reagrupadas sob uma nova
problemática.
Deste modo, no subtítulo “’Realmente’ além da reprodução
ideológica” do Prefácio à edição de 25º aniversário (terceira edição), Apple
(2006, p. 13) indaga:
[...] é possível fazer algo diferente, que interrompa as políticas e
ideologias neoliberais e neoconservadoras, que tenha uma política
muito diferente de conhecimento legítimo e seja baseado em um real
compromisso de criar escolas intimamente relacionadas a um projeto
maior de transformação social? (Apple, 2006, p. 13)
O próprio autor responde à indagação afirmando: “Penso que sim”
e cita a interação que teve com Paulo Freire ao apresentar como exemplo,
as políticas colocadas em práticas pelo Partido dos Trabalhadores, como o
Orçamento Participativo e a Escola Cidadã, realizadas em Porto Alegre, na
década de 1980, pois “[...] dão-nos amplas evidências de que uma
democracia substancial oferece alternativas reais à versão eviscerada da
democracia com que estamos acostumados no neoliberalismo” (APPLE,
2006, p. 14), ou seja, uma proposta de política mais progressista e
democrática por meio do ato de compartilhar o poder, representada pela
participação coletiva.
Neste sentido, o autor argumenta que precisamos encontrar
maneiras de conectar nosso trabalho educacional às comunidades locais de
modo mais verdadeiramente democrático e, como exemplo, cita políticas
da administração popular de Porto Alegre, elaboradas para mudar de
maneira radical tanto as escolas municipais quanto as relações entre as
49
comunidades, o Estado e a Educação para que de fato aconteça a
construção de escolas mais críticas e democráticas.
Currículo oculto
Apple (2006) analisa que a hegemonia é produzida e reproduzida
pelo corpus formal do conhecimento escolar, assim como pelo ensino
oculto, que vem acontecendo e continua a acontecer. Para compreensão
da relação entre o currículo, a reprodução cultural e econômica é preciso
lidar mais intensamente com o que acontece na manutenção e no controle
de formas particulares de ideologia, com a hegemonia.
Assim, Apple (2006) nos lembra da tradição seletiva do
conhecimento propagado nas escolas, pois o autor aponta a relação
conflituosa que existe na tradição e incorpora a escolha seletiva, que
envolve o nível do conhecimento manifestado, porque alguns conheci-
mentos tornam-se tão significativos e suas práticas também e, assim, são
escolhidos como importantes e outros são menosprezados.
Portanto, a tradição seletiva opera para negar a importância do
conflito e da disputa ideológica e Apple (2006) faz a seguinte indagação:
qual o papel da escola? O que acontece na caixa-preta? O autor responde
a estes questionamentos apresentando a seguinte solução: criar os
resultados que os teóricos da reprodução econômica ou pode considerar
que a chave para desvelar essas questões é o tratamento do conflito no
currículo.
O autor defende que é necessário que a escola, de maneira geral,
seja neutra e ao mesmo tempo esteja manifestamente isolada dos processos
políticos e da argumentação ideológica, que podem apresentar tanto
qualidades positivas quanto negativas. Assim, defende que a escola não
50
fique presa aos caprichos ou modismos, mas também não pode tornar-se
insensível às necessidades da comunidade local e social.
Denomina-se currículo oculto, o conjunto de normas e os valores
que são implícitos, transmitidos aos alunos pelos professores e não
mencionados nos documentos oficiais (planejamento, declarações de
metas e objetivos prescritos), mas ensinados nas escolas e sobre o qual este
trabalho apresenta reflexões.
O autor aponta que as disciplinas Estudos Sociais e Ciências são
matérias que, dentro das escolas, espelham e criam ideologias orientadas a
uma perspectiva estática, geram um arquétipo da posição ideológica acerca
do conflito com duas hipóteses tácitas: a primeira aborda as questões
construtivas e essenciais do conflito e a segunda em relação à natureza do
trabalho e o discurso científico, portanto:
O conceito de hegemonia implica que padrões fundamentais na
sociedade sejam mantidos por meio de pressupostos ideológicos tácitos
regras, melhor dizendo, que não são em geral conscientes, e também
por meio do controle econômico e do poder. Essas regras servem para
organizar e legitimar a atividade dos muitos indivíduos cuja interação
constitui a ordem social (APPLE, 2006, p. 129).
Em relação ao conflito nas comunidades científicas Apple (2006)
afirma que a ciência, como é ensinada na escola, contribui para a
perspectiva irrealista e conservadora quanto à utilidade do currículo. Sendo
que esta comunidade científica dirigida por normas, valores e princípios e
que possui história significativa de debate intelectual e interpessoal. Como
exemplo cita a competição entre os pesquisadores no caso de Watson pela
descoberta do DNA. Por outro lado, o conflito se dá pela introdução de
um novo paradigma, ou seja, o conflito é também funcional.
51
O conhecimento científico do modo como é transmitido nas
escolas está desvinculado da estrutura da comunidade científica, também
não é oferecida oportunidade à escola para criticá-lo. Em virtude disso, o
estudante possui pouca força para questionar as regras básicas sobre
situações educacionais, econômicas e políticas. A maior parte das teorias
de Estudos Sociais entende a sociedade como sistema de cooperação, ou
seja, os conflitos sociais não são essenciais para o sistema de relações de
harmonia social.
A escola reforça a visão funcional da sociedade, segundo a qual cada
indivíduo contribui para sua preservação, o que ocorre por consenso. Os
estudantes são, neste caso, vistos como pessoas que transmitem e recebem
valores e não como seus produtores. Assim, os estudantes se deparam
constantemente com ênfase tácita num conjunto estável de estruturas e na
manutenção da ordem. O autor assinala, também, que é importante
considerar as características marcantes da sociedade, que são as mudanças
contínuas em seus elementos e na sua forma estrutural conflito e fluxo.
A importância do conflito consiste em criar e legitimar experiências
conscientes, especificamente às voltadas para as questões de classe, étnicas
e sexuais, bem como as relacionadas com as infrações de leis e regras. Estes
conflitos geram fluxo que desestabilizam as convencionais estruturas
estáveis da sociedade. O autor afirma ser relevante considerar estas relações
e perceber que estão presentes no currículo oculto. No entanto, não estão
prescritas e/ou consideradas no currículo oficial.
Por fim, o autor afirma que as escolas distorcem sistematicamente
as funções do conflito social na coletividade e que as manifestações sociais,
intelectuais e políticas dessa distorção são multifacetadas. Podem
contribuir de maneira significativa para a sustentação ideológica, que serve
para orientar os indivíduos em direção a uma sociedade desigual. A função
52
ideológica é circular, conhecimento e poder se encontram íntima e
sutilmente ligados por meio do nosso senso comum e o currículo pode
romper com a hegemonia ou manter a ideologia.
O currículo oficial da SEDUC/SP
No estado de São Paulo, as reformas curriculares da década de
1980 iniciaram-se com a implantação do ciclo básico em 1983 e das
propostas curriculares para o Ensino Fundamental, elaboradas a partir de
1985 e apresentadas à rede pública estadual a partir de 1988.
Em 2008, o “Jornal do aluno” foi apresentado para a rede pública
como uma proposta curricular contextualizada na política do Programa
“São Paulo faz escola” para a recuperação do rendimento escolar dos alunos
do Ensino Fundamental (ciclo II) e Ensino Médio para ajustes para o ano
seguinte, em 2009 ser implantado em toda rede para os níveis do Ensino
Fundamental (anos finais) e Ensino Médio.
Assim, iniciou o processo de controle das prescrições curriculares,
por meio da apresentação para a rede pública estadual paulista do primeiro
“Jornal do Aluno”, como parte de várias ações propostas no Programa “São
Paulo faz escola” contextualizada essa reforma curricular junto ao
Programa de Qualidade na Escola, conforme fundamentação legal -
Resolução SE nº 76, de 07 de novembro de 2008, que dispõe sobre a
implementação da Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o
Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, nas escolas de sistema de
ensino.
Para ilustrar apresentamos na figura a seguir imagem da divulgação
do jornal do aluno:
53
FIGURA 2 - Divulgação Jornal do Aluno
Fonte:http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/Portals/18/arquivos/Apres_PropCurric
ular_SupDiretores_230108_COGSPCEI_Completa2.pdf. Acesso em: 19 jul.2020.
Inicialmente este jornal apresentou a seguinte finalidade: oferecer
as atividades curriculares de recuperação para os alunos do Ensino
Fundamental (Ciclo II) - atualmente, a nomenclatura do Ensino
Fundamental Anos Finais, referindo-se às turmas de 6º ao 9º ano,
conforme Resolução CNE/CEB Nº 3, de 3 de agosto de 2005 - e Ensino
54
Médio, enquanto uma proposta de currículo prescrito, coordenada pela
professora doutora Maria Inês Fini
18
.
No início foi chamada de Proposta Curricular do Estado de São
Paulo e pretendia apoiar o trabalho realizado nas escolas estaduais e
contribuir para a melhoria da qualidade das aprendizagens de seus alunos
e depois a rede pública estadual paulista definiu como o Currículo Oficial
do Estado de São Paulo.
A SEDUC/SP considera que este currículo tem como princípios
centrais: a escola que aprende; o currículo como espaço de cultura; as
competências como eixo de aprendizagem; prioridade das competências de
leitura e de escrita; articulação das competências para aprender e
contextualização no mundo do trabalho (SÃO PAULO, 2009).
A Proposta Curricular apresenta, em linhas gerais, a concepção do
currículo da SEDUC/SP bem como contempla o currículo específico para
cada disciplina. Acompanha o Caderno do Professor e o do Aluno, em que
propõe atividades docentes para todas as aulas, em todas as séries e
disciplinas, sendo complementada com o conjunto de documentos
dirigidos aos professores.
Os Cadernos do Professor e o do aluno, que tem por função
orientar o trabalho do professor no ensino dos conteúdos disciplinares
específicos, bem como de sugestões de métodos e estratégias de trabalho
nas aulas, experimentações, projetos coletivos, atividades extraclasse e
estudos interdisciplinares.
18
Doutora em Ciências - Educação, Pedagoga, professora e pesquisadora em Psicologia da
Educação, Psicologia do Desenvolvimento, Social e do Trabalho, especialista em Currículo e
Avaliação, com experiência em Gestão Educacional na Educação Básica e Superior.
55
Para o diretor de escola, a SEDUC/SP oferece o Caderno do
Gestor. Este material apresenta sugestões de organização do trabalho deste
especialista responsável pela gestão do currículo na escola, portanto a
SEDUC/SP oferece um currículo prescrito para ser aplicado no Ensino
Fundamental anos finais e Ensino Médio bem como orientações para o
diretor de escola conduzir a implementação deste currículo. Para Apple
“[...] o ensino de normas relacionadas ao trabalho [...], as normas e os
valores que são implicitamente, mas eficazmente, ensinados nas escolas e
sobre os quais o professor em geral não fala nas declarações de metas e
objetivos” (APPLE, 2006, p. 127).
Assim, Apple (2006) apresenta como o currículo oculto está
presente e é legitimado nas instituições escolares, como tratamento dos
desafios/conflitos do currículo escolar no cotidiano escolar.
Cabe refletir a questão deste currículo prescrito à luz do artigo 3º
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN/96 (Lei
Federal nº 9394/1996) - em que apresenta XIII princípios para o ensino
ser ministrado, dos quais destacamos:
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância. (BRASIL, 2019)
Considerando esses princípios de ensino, normatizados pela
LDBEN/96 e que garantem liberdade ao docente para o processo de
ensino e aprendizagem, num contexto de pluralismos de ideias e de
concepções pedagógicas, consequentemente garantem ao professor
autonomia pedagógica para este processo de ensino e aprendizagem.
56
Este Currículo Oficial ficou em vigor pelo período de 2008 a 2018, ou
seja, uma década com a mesma proposta curricular desenvolvida
pedagogicamente por esta rede de ensino. A partir de 2019, a SEDUC/SP
anunciou que o sistema de ensino não utilizará mais Currículo Oficial que estava
em vigor, mas foi enviado para a toda rede, a partir do dia 26/02/2019 o link do
“Guia de Transição Curricular”.
O Guia de Transição Curricular foi comentado em videoconferência de
preparação para o Planejamento de 2019 aos diretores de escola, ao núcleo
pedagógico e aos supervisores de ensino, no dia 22/02/2019, por meio de
videoconferência para rede estadual paulista. Após esta etapa inicial, aconteceram
discussões com os profissionais da rede, antes dos encaminhamentos da versão
final para o Conselho Estadual de Educação.
Ainda, para acompanhar este processo de alteração curricular foram
disponibilizados pela Coordenadoria de Gestão da Educação Básica (CGEB),
durante o ano letivo de 2019 a “Revista SARESP 2018” e Cadernos do Professor
da Avaliação da Aprendizagem em Processo (AAP), entre outros materiais que
abordam o desenvolvimento das habilidades.
Por fim, esta alteração do Currículo Oficial iniciada pelo “Guia de
Transição Curricular”, nos lembra do conflito nas comunidades científicas
(Apple, 2006) em que prevalece um ideal curricular de determinado grupo de
pensadores/pesquisadores e esquecendo-se de propor um currículo que
atendesse às necessidades reais da comunidade escolar.
Considerações Finais
A proposta deste texto foi discutir as implicações curriculares sob a
ótica de Apple (2006), conforme suas concepções publicadas no livro
“Ideologia e Currículo”, em que possibilitou relacionar o currículo no
conflito de poder da esfera pública do Estado e suas implicações do
currículo oculto.
57
O autor esclarece sua preocupação com a análise das escolas
enquanto instituições sociais de preservação e distribuição cultural,
enquanto produção e reprodução de consciências que permitem a
manutenção do controle social de grupos dominantes que recorrem a
mecanismos de dominação. Essa questão indica para a necessidade de um
exame da relação entre a dominação econômica e a dominação cultural.
Ao descrever o Currículo Oficial da Secretaria de Educação do
Estado de São Paulo (SEDUC/SP) para ilustrar esta temática identificamos
a necessidade de as políticas curriculares compreenderem as modificações
da sociedade atual e a urgência de mudanças na organização estrutural do
sistema de ensino bem como das escolas.
Mesmo a SEDUC/SP realizando reuniões com toda a rede de
ensino público para discutir o currículo atual, se faz necessário ampliar o
diálogo com as devolutivas das reuniões iniciadas em relação ao currículo
atual para os encaminhamentos de aprovação pelo Conselho Estadual de
Educação. Lembrando, como estabelece a LDBEN/96, a autonomia da
escola para a construção da sua Proposta Pedagógica e, assim, atendendo
às reais necessidades da comunidade escolar.
Referências
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cultural e econômica. O currículo oculto e a natureza do conflito In:
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58
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a ser utilizado, no âmbito da Secretaria de Estado da Educação, pelas
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http://www.educacao.sp.gov.br/lise/sislegis/detresol.asp?strAto=2019050
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59
POLÍTICA PÚBLICA PAULISTA PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
E TECNOLÓGICA EM SEU PROCESSO DE EXPANSÃO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ _______________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ___________ _______________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ __
Renato Menezes Quintino
19
Daniel Capella Pereira
20
Sueli Soares dos Santos Batista
21
Ivanete Bellucci Pires de Almeida
22
Introdução
Os desafios e contradições do processo de globalização são os
principais elementos que fazem da educação um instrumento tão
importante e necessário para transformação social. Isso não implica afirmar
que esse instrumento tenha sido usado para muito além da conformação
social. Segundo Lastres (1999), esses desafios e contradições não se
revelam, necessariamente, como um movimento que possibilita o acesso
homogêneo e igualitário à informação e ao conhecimento. As relações de
produção e de consumo em que o fluxo de mercadorias, pessoas e
conhecimentos ocorre de um país ao outro, movem-se pelos interesses
econômicos entre ofertantes e demandantes. Na acumulação flexível,
pouco se observa o intercâmbio multilateral quando se trata de acordos de
cooperação tecnológica, havendo assim uma concentração de elementos
19
Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (Ceeteps). Unidade de Pós-Graduação,
Extensão e Pesquisa (UPEP) São Paulo SP. Email: quintino.renato@gmail.com
20
Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (Ceeteps). Unidade de Pós-Graduação,
Extensão e Pesquisa (UPEP) o Paulo SP. Email: danielcapellap@gmail.com
21
Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (Ceeteps). Unidade de Pós-Graduação,
Extensão e Pesquisa (UPEP) o Paulo SP. Email: suelissbatista@uol.com.br
22
Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (Ceeteps). Unidade de Pós-Graduação,
Extensão e Pesquisa (UPEP) o Paulo SP. Email: ivanete.bellucci@gmail.com
60
considerados estratégicos que garantem a vantagem competitiva de grandes
conglomerados enquanto outros, periféricos, especializam-se em comodities
e formação de capital humano para o trabalho precarizado (ANTUNES,
2018; HARVEY, 2013).
Há um processo de reengenharia que tem estimulado a
automatização de processos que antes eram realizados pela força de
trabalho humana. Esse processo de informatização e informalização das
relações e postos de trabalho é uma tendência global. É observada, por um
lado, uma tendência de aumento dos postos de trabalho de cunho
informacional e intelectualizado. Por outro lado, os trabalhos de menor
qualificação e especialização apresentam alta taxa de rotatividade e modelos
de contratação mais instáveis como contratos temporários ou considerados
sob a égide do empreendedorismo por necessidade. Tais tendências
disseminadas em países desenvolvidos podem ser observadas em países em
desenvolvimento, ocorrendo assim, em escala global, condições mais
exíguas para o trabalho decente.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) instituiu o
conceito de trabalho decente a partir do qual devem convergir seus quatro
objetivos estratégicos: a) respeito às normas internacionais do trabalho, em
especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho; b) promoção
do emprego de qualidade; c) extensão da proteção social e d)
fortalecimento do diálogo social (ONU, OIT, 2020). Esses objetivos
estratégicos foram formulados para subsidiar as políticas públicas de
inserção sociolaboral nos diferentes territórios. Mas a qualidade da
educação, emanada pelas agências multilaterais, como é o caso do Banco
Mundial, se expressa pela adoção de insumos relacionados a resultados
avaliados por índices de desempenho (QUINTINO, 2020). O grande
problema é o contingente de países, instituições e grupos sociais que estão
61
fora desse escopo, bem como, o caráter homogeneizador das recomen-
dações de boa parte desses organismos multilaterais.
O estudo da história da educação no Brasil e as constantes
mudanças impostas por Leis relativas a esse importante setor social
evidenciam claramente o seu uso como instrumento político que viabiliza
a organização da sociedade em atendimento a interesses que nem sempre
convergiram aos desejos de progresso expressos em discursos ou atos
normativos de seus governantes. Cabe destacar a amplitude e a
indissociabilidade da educação com questões políticas, sociais e
econômicas, conforme ressaltam Libâneo, Oliveira e Toschi (2017), sendo
estes fatores muito importantes para a formação integral do indivíduo, mas
contraproducentes sob a ótica neoliberal que prega a eficiência e a
racionalização e otimização de recursos. O gerencialismo, nesse sentido, é
uma tecnologia que explica, organiza e analisa os processos sociais e
individuais na perspectiva da gestão e da autogestão otimizadas ao
máximo.
Como consequência da difusão dos valores neoliberais Dardot e
Laval (2016) mencionam um fenômeno social amplamente disseminado
que os autores chamam de difusão do homem-empresa”. Esse conceito
amplifica e propaga o neoliberalismo alterando a dinâmica nas relações
econômicas, sociais e principalmente do trabalho. Tal conceito parte da
premissa de que o indivíduo pode tornar-se empreendedor nos mais
diversos âmbitos de sua vida, sendo este um redesenho do homem
econômico em uma versão mais ativa e dinâmica. A educação e a imprensa
exerceram papel fundamental na disseminação desse conceito, bem como
organizações internacionais como a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a União Europeia, que
constantemente incluem e estimulam o ensino e os conceitos de indivíduo-
62
empresa e competências gerenciais para que sejam desenvolvidas nos
estudantes pelos sistemas de ensino.
Diante do exposto torna-se necessário questionar se essas
formulações são aplicáveis na construção e formação integral de indivíduos
em uma sociedade, visto que há muitos aspectos envolvidos nesse processo,
sendo muitos deles considerados contraproducentes do ponto de vista
neoliberal. É também prudente questionar se tais conceitos e valores
consideram as imensas desigualdades sociais presentes, sobretudo em países
pobres, de modo que indivíduos sem condições básicas e direitos
elementares aprendam a gerenciar a si, mesmo sem terem as necessidades
básicas atendidas. Picanço (2015) tomando o trabalho decente como um
parâmetro para a análise das desigualdades sociais na inserção laboral de
jovens brasileiros a partir do estudo das relações de trabalho nas quais estão
inseridos, construiu o Índice de Trabalho Decente (ITD). Os dados foram
tabulados a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) dos anos 1993, 1998, 2003, 2008 e 2012. Esse estudo permitiu
concluir que há, entre outros fatores, correlação entre ampliação de acesso
à escolarização e ampliação do acesso a novos postos de trabalho, bem
como o fato de que houve, no período analisado, a redução da desigualdade
econômica, o que teve impacto sobre o trabalho infanto-juvenil, tornando-
se os jovens ocupados em inserções mais decentes do que em períodos
anteriores.
A agenda da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) e da sua
expansão vem acompanhada de demandas evidenciadas nas pesquisas que
apontam para a inserção precoce no mundo do trabalho, para o
desemprego e para a importância da profissionalização. O presente estudo
tendo como objeto as políticas públicas para a educação debruça-se,
especialmente sobre as políticas que recaem diretamente na formação para
63
o trabalho, ou seja, sobre a educação profissional e tecnológica. A
ampliação de vagas na EPT é ponto pacífico, pois é importante que
oportunidades de desenvolvimento e educação estejam ao alcance de
todos. Entretanto, cabe destacar que a ampliação de quantidade quando
desacompanhada de propósito e objetivos claros leva à queda na qualidade
dos serviços prestados e, por fim, ao não atendimento do que inicialmente
estava previsto.
A EPT, uma modalidade educativa que se apresenta na educação
básica, em programas de qualificação profissional, chegando até os
programas de pós-graduação nos formatos de mestrados e doutorados
profissionais, tem sido pouco estudada. As pesquisas mais recorrentes são
as que se referem à Rede Federal de EPT. Em São Paulo, o Centro Estadual
de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS) se apresenta como
principal ator da implantação desta agenda, combinando sua atuação com
outros agentes como a Secretaria Estadual da Educação e as Secretarias
Municipais. Assim, o presente estudo diz respeito às políticas educacionais
para a EPT no Estado de São Paulo, buscando sua especificidade no que
diz respeito ao seu processo de expansão que têm facetas diversas que
podem ser observadas pela trajetória do CEETEPS, instituição locus dessa
pesquisa.
Políticas públicas educacionais visando formação para o trabalho:
especificidade da trajetória paulista
Na perspectiva de longa duração, buscando dar alguma
sistematização para as experiências educacionais que se converteram em
instituições, políticas e sistemas de ensino, onde se insere a EPT? Em
particular, como identificar a especificidade da experiência paulista nesse
contexto? Pode-se afirmar que as primeiras experiências no sentido de
64
constituir ainda que de maneira descontínua e intermitente o escopo de
um sistema de educação profissional data do período compreendido entre
a passagem do império para república.
A formação para o trabalho no Brasil ocorre de maneira mais
sistemática desde o tempo do império ao se considerar, dentre outros, o
desenvolvimento de aprendizagens laborais realizados nas Casas de
Fundição e de Moeda e nos Centros de Aprendizagem de Ofícios
Artesanais da Marinha do Brasil criados no ciclo do ouro. Durante o Brasil
Império, de 1822 a 1889, o destaque é para a instalação das Casas de
Educandos Artífices em dez províncias entre 1840 e 1865. Esse primeiro
momento está associado a poderosos processos de expansão e
mundialização, da propriedade, do comércio, do poder político e da fé, ou
seja, se trata de uma conquista econômica, política e cultural (SANDER,
2005).
Em 1909, já na República, são criadas dezenove “Escolas de
Aprendizes Artífices”. Destinadas ao ensino profissional, primário e
gratuito, estabelecem-se como marco do início da Educação Profissional
como política pública no Brasil, tendo sido instituídas por meio do
Decreto nº 7.566 de 23 de setembro. As primeiras ações para criação do
ensino profissional no Brasil demonstraram a característica assistencialista,
voltada para os menos favorecidos, porém não estavam desconectadas dos
anseios econômicos vigentes no período. Segundo Kuenzer (2007), as
escolas de aprendizes artífices apresentavam “a finalidade moral de
repressão: educar pelo trabalho, os órfãos, pobres, e desvalidos da sorte,
retirando-os das ruas” (KUENZER, 2007, p. 27).
Enquanto no Brasil o discurso era para os pobres e desassistidos da
sorte, em São Paulo, a burguesia cafeeira paulista já pensava em uma
formação de mão de obra para a modernização econômica, especialmente
65
no campo (MORAES, 2003). De acordo com essa autora, a educação
profissional em São Paulo é obra de um grupo de republicanos ligados a
produção cafeeira responsáveis pela concentração e desenvolvimento
industrial no Estado. No surgimento das escolas profissionalizantes
públicas paulistas datando de 1911, já existia uma nítida separação entre o
ensino popular, constituído pelas escolas primárias, isoladas e rurais, pelo
ensino normal e pelo profissional, e a educação das elites, com as melhores
escolas primárias, ginásios e as escolas superiores (MORAES, 2003, 2015;
CARVALHO; BATISTA, 2012, a.).
Com o processo de desenvolvimento industrial na década de 1920
o discurso é pela necessidade de criação e implantação de mais escolas
profissionais no Estado e no país. Em 1926 é realizado por Fernando de
Azevedo um inquérito sobre a instrução pública no estado e procurava
adaptar a organização do ensino profissional às determinações geradas pela
racionalidade fabril. A partir de 1927 o Congresso Nacional aprova o
projeto que torna obrigatória a oferta no país nas escolas primárias
subvencionadas ou mantidas pela União, sendo prevista uma instância de
Inspetoria do Ensino Profissional Técnico logo depois em 1930, quando
da criação do Ministério da Educação. Na sequência, em 1937, o ensino
profissional é tratado na Constituição Federal enfatizando-o como dever
do Estado e definindo que as indústrias e os sindicatos econômicos
deveriam criar escolas de aprendizes na esfera da sua especialidade.
Bryan (2008) destaca que em 1934 ocorreram reformas
educacionais que descentralizaram o ensino oportunizando o surgimento
dos Liceus de Artes e Ofícios no Estado de São Paulo e em seguida no Rio
de Janeiro, Minas Gerais, na Bahia, e em Santa Catarina. As primeiras
instituições de educação profissional focadas na formação do trabalhador
industrial surgiram em 1920 com as escolas ferroviárias e por volta de 1940
66
foram ampliadas em escala nacional por meio do Serviço Nacional de
Apoio a Indústria (SENAI). Em São Paulo os cursos ferroviários eram
oferecidos a partir de parceria entre as companhias férreas e as escolas
públicas profissionalizantes (CARVALHO; BATISTA, 2012a).
O Ministério de Educação e Saúde sob o comando de Gustavo
Capanema deu nova estruturação a educação com a criação da Divisão do
Ensino: primário; industrial; comercial; doméstico; secundário; superior;
educação extraescolar e educação física. Nesse contexto de reforma
educacional, as Escolas de Aprendizes Artífices passaram à denominação
de Liceus Industriais (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000).
Em 1946 surgiu o Serviço Nacional de Apoio ao Comércio com a
oferta de ensino profissional para comerciários nos programas de formação
de Praticante de Comércio e Praticante de Escritório e especializações de
balconistas, arquivistas, caixas-tesoureiro, taquígrafos e datilógrafos. Essas
instituições surgiram sob influência europeia e norte americana, que
disseminavam o uso das escolas de formação para o trabalho com foco no
treinamento de mão de obra para interesses da indústria que emergia. Esses
fatos sinalizaram uma tendência que se desenvolveu e influencia até os dias
de hoje os rumos da EPT. Dessa forma, o histórico da educação
profissional, por vezes se confunde com o conceito tradicional de trabalho,
atividade remunerada que proporciona a subsistência da pessoa,
desconsiderando a emancipação do indivíduo, o que efetivamente pode
garantir sua autonomia e ascensão (WOLFF; RAMOS, 2017).
Faz parte dessa perspectiva um dualismo que revela as contradições
sociais engendradas desde o período escravocrata. Mas segundo Ciavatta
(2005), esse dualismo toma um caráter estrutural a partir da década de
1940, quando a educação nacional foi organizada por leis orgânicas,
segmentando a educação de acordo com os setores produtivos e as
67
profissões e separando os que deveriam ter o ensino secundário e a
formação propedêutica para a universidade e aqueles que deveriam ter uma
formação profissional para exercer atividades estritamente ligadas à
produção. Para Kuenzer e Grabowski (2006) essa dualidade “se
manifestava inequivocamente nos modos de organização da produção, em
que a distinção entre dirigentes e trabalhadores era bem definida, a partir
das formas de divisão social e técnica do trabalho” (p. 17).
No ano de 1959 foram instituídas as escolas técnicas federais como
autarquias a partir das escolas industriais e técnicas mantidas pelo Governo
Federal as quais hoje compõem a Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica. Em 1961, a primeira LDB, passou a permitir que
os concluintes de cursos de educação profissional, organizados nos termos
das Leis Orgânicas do Ensino Profissional, pudessem continuar estudos no
ensino superior (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2006).
Os anos 1970 e 1980 marcam, no capitalismo em esfera global, a
passagem do fordismo para a acumulação flexível, algo que terá impactos
importantes para o mundo do trabalho e também para a formação
profissional. O encontro entre economistas de diversas instituições
financeiras, que ficou conhecido como Consenso de Washington definiu
medidas que incluíam redução de déficits fiscais, câmbio flutuante,
privatização, desregulação e abertura comercial. Para Frigotto e Ciavatta
(2006),
[...] Consenso de Washington [...] traça um programa ultraconser-
vador monetarista de ajuste mediante reformas que permitissem a
desregulamentação da atividade econômica, privatização do
patrimônio público e a abertura, sem restrições, das economias
nacionais (periféricas e semiperiféricas) ao mercado e competição
internacional. (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2006, p. 42).
68
Nesse cenário, a EPT no país tem o desafio de superar a dualidade,
desenvolver na prática o conceito de uma escola capaz de contribuir para a
formação do cidadão emancipado e não simplesmente produzindo sujeitos
para ocupar postos de trabalho. Este cidadão deve ter conhecimento
suficiente para evoluir a partir da aquisição do conhecimento na escola. O
reconhecimento da EPT como relevante, enquanto política pública,
carrega esse desafio.
No Brasil, em pleno século XXI, a educação escolar ainda é um
produto social, preconizado na Constituição Federal (CF) de 1988,
desigualmente distribuído. O acesso a uma educação de qualidade ainda
depende de fatores como classe socioeconômica, local de residência,
gênero, entre outros. Esses fatores estão diretamente associados ao tipo de
rede escolar a ser frequentado, seja pública ou particular (QUINTINO,
2020).
A LDBEN de 1996 dedica um capítulo especial à EPT, o Capítulo
III do Título V, no qual trata dos níveis e das modalidades de educação e
ensino, indicando que a educação profissional não é mais concebida como
a parte diversificada da atual educação básica. A Lei dispõe que “a educação
profissional [...] conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para
a vida produtiva”. Foi a primeira vez que constou em uma lei geral da
educação brasileira um capítulo específico sobre a EPT.
A EPT é, assim, apresentada como uma possibilidade de acesso
para “o aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e
superior, bem como ao trabalhador em geral, jovem ou adulto” (BRASIL,
1996, Art. 39, parágrafo único). A EPT na Educação Básica ocorre na
oferta de cursos de formação inicial e continuada ou qualificação
profissional, e nos de Educação Profissional Técnica de nível médio ou,
69
ainda, na Educação Superior, conforme o § 2º do artigo 39 da
LDBEN/86.
A EPT, em conformidade com o disposto na LDBEN/96 de 1996,
integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões
do trabalho, da ciência e da tecnologia. Dessa forma, pode ser
compreendida como uma modalidade na medida em que possui um modo
próprio de fazer educação nos níveis da Educação Básica e Superior e em
sua articulação com outras modalidades educacionais: Educação de Jovens
e Adultos, Educação Especial e Educação a Distância.
A EPT assim concebida não se confunde com a educação básica ou
superior. Destina-se àqueles que necessitam se preparar para seu
desempenho profissional, num sistema de produção de bens e de prestação
de serviços, onde não basta somente o domínio da informação, por mais
atualizada que seja.
Nas limitações ao desenvolvimento do ensino técnico integrado ao
ensino médio ficaram evidentes as principais características da reforma da
educação profissional dos anos 1990, no Brasil: o retorno formal ao
dualismo escolar, na medida em que se aparta a educação profissional da
educação regular; na concepção de educação que embasa essa reforma a
ruptura entre o pensar e o agir, e o aligeiramento da educação profissional;
a subsunção da escola à cultura do mercado na formação do cidadão
produtivo (FRIGOTTO;CIAVATTA, 2006).
Essa concepção de educação se insere no contexto de hegemonia
das políticas neoliberais e se afina à redução do papel do Estado. Retoma-
se com essa reforma uma visão dualista do sistema educacional,
destinando-se explicitamente a EPT ao atendimento de uma determinada
classe social.
70
O Decreto n. 5.154, de julho de 2004, revogou o Decreto n.
2.208/97 e restituiu a possibilidade de articulação plena do ensino médio
com a EPT mediante a oferta de ensino técnico integrado ao ensino médio.
Manteve, entretanto, as alternativas anteriores que haviam sido fortalecidas
e ampliadas com o Decreto n. 2.208/97 e expressavam a histórica
dualidade estrutural da educação brasileira.
Não é possível dissociar a política pública paulista de EPT do que
ocorre em nível federal. A expansão da EPT por meio do CEETEPS de
alguma forma associável à criação da Rede Federal de EPT. Mas dadas as
características próprias do Estado, é importante que nuances sejam
consideradas.
O processo de industrialização brasileiro apresenta-se bastante
concentrado na região sudeste do Brasil, notadamente no Estado de São
Paulo. Mesmo havendo um processo de desindustrialização e de
desconcentração produtiva desde a década de 1970, a região ainda
concentrava mais de 55% do PIB nacional em 2011. São Paulo, no começo
da década de 2010, ainda concentrava grande parte da atividade
econômica regional e nacional, mas num processo crescente de
diversificação por meio do crescimento do setor de serviços. Isso pode ser
explicado pela reestruturação na indústria e na legislação trabalhista que
ampliou o escopo da terceirização de atividades (GOMES; CARDOZO,
2015). Não é ocioso afirmar que esse contexto é um dos fatores que
propiciaram a expansão da EPT pública em São Paulo, processo que se
inicia no final dos anos 1990 e que se acirra entre 2007 e 2014.
71
O Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza:
histórico e expansão
Para Sacilotto (2016), a trajetória histórica da EPT brasileira e, em
especial, a paulista exige a compreensão do percurso do CEETEPS. Essa
instituição de ensino se tornou o principal instrumento e recurso
institucional da implementação da política pública paulista de EPT. Em
1969, o CEETEPS nasceu com a missão de organizar os primeiros cursos
superiores de tecnologia, mas no decorrer das décadas, acabou englobando
também a educação profissional do Estado em nível médio, absorvendo
unidades já existentes e construindo novas Escolas Técnicas Estaduais
(Etecs) e Faculdades de Tecnologia (Fatecs) para expandir o ensino
profissional a todas as regiões do Estado (CEETEPS, 2019).
A Resolução nº 2.001 do Conselho Estadual de Educação do
Estado de São Paulo (CEE-SP) de 15/01/1968, constituiu um grupo de
trabalho para estudar a implantação de uma rede de cursos superiores de
tecnologia no estado de São Paulo, com o objetivo de formar profissionais
com habilitações intermediárias de grau superior em campos prioritários
da tecnologia e formar docentes para o ensino técnico. Em 09/04/1969,
através da Resolução CEE-SP nº 2.227, foi criada uma comissão especial
para elaborar um projeto de criação do Instituto Tecnológico Educacional
do Estado (CEE-SP, 1970). Pelo DECRETO-LEI Nº 06 de outubro de
1969, foi criado o Centro Estadual de Educação Tecnológica de São Paulo,
com vinculação, à época, para fins administrativos à Secretaria da
Educação e para fins financeiros à Secretaria da Fazenda (SÃO PAULO,
1969).
Conforme o artigo segundo do decreto-lei, tem por finalidade a
articulação, a realização e o desenvolvimento da educação tecnológica, nos
graus de ensino médio e superior, devendo para isso incentivar ou
72
ministrar cursos de especialidades correspondentes às necessidades e
características dos mercados de trabalho nacional e regional, promovendo
experiências e novas modalidades educacionais, pedagógicas e didáticas,
bem como seu entrosamento com o trabalho. Além disso, formar pessoal
docente destinado ao ensino técnico, em seus vários ramos e graus, em
cooperações com as universidades e institutos isolados de ensino superior
que mantenham cursos correspondentes de graduação de professores, e,
por fim, desenvolver outras atividades que possam contribuir para a
consecução de seus objetivos.
Nesse período, segundo Oliveira (2020), a educação no Brasil está
sendo pensada como a chave para o desenvolvimento do país numa
perspectiva de modernização que significava a importação de ideias norte-
americanas, principalmente considerando-se o modelo de gestão da escola
que passa a ser pensado como uma empresa.
As características do CEETEPS irão se definindo no contexto de
uma sociedade construída em mais de três séculos de escravidão e que tinha
o trabalho manual como inferior ao mesmo tempo cultivando a cultura
bacharelesca. O CEETEPS, uma entidade pública, lança seus cursos de
tecnologia nesse contexto interno entrelaçado a uma política nacional
subserviente aos Estados Unidos. Como fazer dessa instituição um centro
tecnológico, é um desafio ainda presente.
Em 1970, começou a operar com o nome de Centro Estadual de
Educação Tecnológica deo Paulo (CEET), com três cursos na área de
Construção Civil (Movimento de Terra e Pavimentação, Construção de
Obras Hidráulicas e Construção de Edifícios) e dois na área de Mecânica
(Desenhista Projetista e Oficinas). Era o início das Faculdades de
Tecnologia do Estado. As duas primeiras foram instaladas nos municípios
de Sorocaba e São Paulo (CEETEPS, 2019).
73
Tornou-se uma autarquia de regime especial, associada e vinculada
à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP,
através da Lei 952, de 31/1/76, justamente a lei que criou aquela
Universidade. A relação com a universidade entre aproximações e
distanciamentos é uma forma de construir a história dessa instituição.
Com uma estrutura administrativa semelhante às universidades do estado
de São Paulo, nos anos 1990 houve a discussão sobre a transformação do
Centro em Universidade Tecnológica Paulista (UTP). Não havendo
consenso entre os agentes envolvidos o projeto não vingou e a condição
jurídica do CEETEPS, bem como sua relação com o ensino universitário
permaneceu (MONTOYAMA, 1995; LIMA, 2020; SANTOS FILHO,
2008).
Pode-se dizer que começa embrionariamente nos anos 1980 um
primeiro processo de expansão do CEETEPS, enfatizando seu trabalho de
formação em ensino técnico de nível médio. Uma nova configuração
assumiu o CEET “Paula Souza” a partir de 1981, com a integração de doze
unidades de ensino técnico do 2º grau. Pelo decreto de 16.309, de 04 de
dezembro de 1980, foram integradas seis das sete escolas técnicas
conveniadas do Estado de São Paulo e, em fevereiro de 1982, pelo Decreto
18.421, seis escolas técnicas da rede de ensino da Secretaria de Educação
do Estado de São Paulo (CEE-SP, 1970). Pelo Decreto Nº 19.403, de 20
de agosto de 1983, e Decreto Nº 18.421, a denominação das escolas
conveniadas integradas ao CEET “Paula Souza” passou a ser a de escolas
técnicas estaduais, uniformizando a denominação de suas unidades de
ensino de 2º grau.
O CEETEPS se constituiu assim em uma instituição autárquica
com fins educacionais, mantida pelo Governo do Estado de São Paulo, que
ministra por meio de suas unidades de ensino, cursos técnicos de nível
74
médio nas Escolas Técnicas (ETEC) e cursos tecnológicos de nível superior
nas Faculdades de Tecnologia (FATEC), além disso, conta com um
programa de pós-graduação, stricto e lato senso. Atualmente, o CEETEPS
está presente em mais de 322 municípios, administra 223 ETECs,
oferecendo os ensinos técnico, técnico integrado ao médio, médio, nas
modalidades presencial, semipresencial, online, educação de jovens e
adultos (EJA) e especialização técnica, totalizando mais de 208 mil
estudantes matriculados. São oferecidos mais de 151 cursos técnicos, além
do ensino médio. No Ensino Superior, através das 73 FATECs, detém
mais de 85 mil discentes matriculados em mais de 77 diferentes cursos.
Mas a expansão da EPT ocorrida em São Paulo por meio do
CEETEPS não se dá somente por conta do aumento de vagas, mas
também na capilaridade da instituição por um programa de
descentralização conhecido como Programa de Classes Descentralizadas.
Conforme relatório anual do governo no exercício de 2018, o CEETEPS
conta com 269 classes descentralizadas (CDs), sendo 144 em parceria com
prefeituras do interior e 125 em parceria com a Secretaria Estadual da
Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP), destas, 21 foram implantadas
em 2018, totalizando mais de 25 mil estudantes matriculados.
O CEETEPS está vinculado à Secretaria de Desenvolvimento
Econômico do Estado de São Paulo (SDE-SP). Também são vinculados à
Secretaria, a Agência Paulista de Promoção de Investimentos e
Competitividade (INVESTE São Paulo), a Fundação de Amparo à
Pesquisa (FAPESP), o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), além das faculdades
e universidades estaduais: Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA),
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP),
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Estadual
75
Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Universidade de São Paulo
(USP) e a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP). A
pasta tem como seus principais eixos de atuação a atração de novos
investimentos: nacionais e internacionais para o Estado; ações em ciência,
tecnologia e inovação; implantação de parques tecnológicos; iniciativas de
fomento a Arranjos Produtivos Locais (APLs); além da instalação de
incubadoras de empresas e centros de inovação (SÃO PAULO, 2019).
A EPT em São Paulo e o CEETEPS foram influenciados por 3
diferentes grupos políticos diferentes. O primeiro foi durante a ditadura
militar, pelo partido da aliança renovadora nacional (ARENA), no
segundo momento, após o período ditatorial, o partido da Moderada
Democracia Brasileira (PMDB), e a partir de 1995 até o ano de 2020 o
grupo político à frente do Estado de São Paulo é o partido da social
democracia brasileira – PSDB (FIALA, 2016).
A pesquisa de Fiala (2016) obedece ao recorte de ampliação das
Fatecs compreendido entre 1969 e 2007. Inicialmente adotamos a
periodização de Fiala (2016) para o processo de expansão do CEETEPS
que passou por três períodos, sendo o primeiro classificado como
moderado, considerando demandas regionais, levantadas por meio de
estudos e diagnósticos de regiões específicas dos quais não se podem
descartar possíveis interesses políticos que direcionaram a escolha das
cidades atendidas. Esse primeiro período diz respeito à anexação das escolas
técnicas da rede estadual ao CEETEPS entre os anos 1980 e 1990
conforme já mencionado nesse estudo. Nesse primeiro período, mais
demorado e gradual, a expansão se deu por acréscimo de unidades
educacionais.
O segundo período de expansão a autora denomina como de
rápida escala e se deu entre os anos de 2002-2007 como fruto de estudos
76
realizados em 2001 pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais
de São Paulo (CRUESP) instituição formada por reitores da USP,
Unicamp e Unesp e pelos Secretários de Desenvolvimento Econômico,
Ciência e Tecnologia e da Educação e apresentados ao governador do
Estado de São Paulo. Novas unidades escolares paulatinamente foram
criadas.
Já a terceira fase de expansão que também se deu em grande escala
começou após a construção e aprovação do Plano Diretor para o
Desenvolvimento do Ensino Superior Público no Estado de São Paulo. Foi
um planejamento de longo prazo em áreas estratégicas e vitais para o
desenvolvimento de áreas consideradas essenciais do setor público.
Com isso, identificar a situação da autarquia, desde como foram
destinados os recursos públicos até a quantidade de alunos, discriminados
por período de gestão é fundamental, principalmente a partir do momento
em que o seu processo de expansão se inicia e se consolida. O estudo de
Fiala (2016) se refere a um recorte temporal ao qual escapa o auge do
processo de expansão que, nos limites deste estudo, consideramos
justamente a partir de 2008.
Essas fases de expansão estão diretamente associadas às diferentes
gestões de diferentes governadores do Estado de São Paulo que, dando a
essa instituição a centralidade na política pública de EPT, utilizou-a como
instrumento e laboratório de diferentes maneiras.
Assim, em complemento ao estudo de Fiala (2016), conforme
Quintino (2020), identificamos que desde 1999 até o presente momento
ocorreram 5 períodos com distintos governantes. Além dessa associação
com os governos vigentes em cada período, foi possível fazer associação
entre essa expansão e o financiamento do Banco Mundial para a educação
pública no Estado de São Paulo. É possível observar essa trajetória
77
considerando a Lei Orçamentária Anual de cada exercício, bem como dos
relatórios anuais do governo publicados pela Secretaria da Fazenda e
Planejamento do Estado de São Paulo (SFP-SP).
Considerando o período 1, de 1999 até 2002, o governador era
Mário Covas Junior até 2001, quando após seu falecimento, assumiu
Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho até 2006, iniciamos nosso
levantamento com a dotação inicial prevista para lei orçamentária de 1999
até 2002. Identificamos os valores liquidados disponibilizados pela SFP-
SP extraídos do Sistema Integrado de Administração Financeira para
Estados e Munícipios (SIAFEM/SP), e informações disponibilizadas nos
relatórios anuais do governo referentes ao CEETEPS, como quantidade de
ETECs, FATECs, trabalhadores ativos e inativos, CDs, alunos e cursos,
conforme sistematizado na tabela 1. O que se apresenta na Tabela pode ser
associado ao que Fiala (2016) considera como ainda o primeiro período de
expansão, no final dos anos 1990, ainda moderada. Nesse momento
começa a expansão não mais por incorporação de unidades, mas por
criação de novas Etecs e Fatecs.
78
TABELA 1 - PERÍODO 01 GOVERNO SP 1999-2002
ANO
1999
2000
2001
2002
LEI Nº
10.151,
30/12/1998
10.479,
29/12/1999
10.707,
29/12/2000
11.010,
28/12/2001
INICIAL
R$
120.947.781,00
R$
163.131.462,00
R$
146.996.607,00
R$
167.561.798,00
LIQUIDADO
R$
128.075.751,25
R$
143.634.657,24
R$
163.697.699,71
R$
202.804.493,47
ETEC
99
99
99
103
FATEC
9
9
9
14
TRAB.
ATIVOS
8.198 7.982 8.104 8.398
TRAB.
INATIVOS
367 387 414 434
CD
23
59
70
84
ALUNOS
86.778
88.412
100.127
90.753
N° CURSOS
148 137 181 158
N° CURSOS
24 24 15 28
Fonte: Quintino (2020)
Considerando o período 2 de 2003 até 2006, o governador era
Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho até 2006, quando se licenciou para
concorrer à presidência da República Federativa do Brasil. Assumiu então
Cláudio Salvador Lembo até o final do ano, quando então José Serra
assumiria. A partir da dotação inicial prevista para lei orçamentária de
2003 até 2006, identificamos os valores liquidados disponibilizados pela
SFP-SP extraídos do SIAFEM/SP, e informações disponibilizadas nos
relatórios anuais do governo referentes ao CEETEPS, como quantidade de
ETECs, FATECs, trabalhadores ativos e inativos, CDs, alunos e cursos,
conforme sistematizado na tabela 2. Digamos que há nesse período,
conforme considerou Fiala (2016), uma aceleração desse processo de
expansão que irá se consolidar no período seguinte.
79
TABELA 2 - PERÍODO 02 - GOVERNO SP 2003 2006
ANO
2003
2004
2005
2006
LEI Nº
11.332,
27/12/2002
11.607,
29/12/2003
11.816, 30/12/
2004
12.298,
8/03/2006
INICIAL
R$
221.617.348,00
R$ 225.718.412,00
R$
260.607.524,00
R$
337.272.452,00
LIQUIDADO
R$
190.579.017,02
R$ 245.006.455,58
R$
273.043.060,97
R$
374.921.080,98
ETEC
103
105
109
126
FATEC
14
17
20
26
TRAB. ATIVOS 8.600 8.835 9.437 10.345
TRAB.
INATIVOS
483 478 558 579
CD
25
25
45
ALUNOS
97.657
97.282
106.054
119.683
N° CURSOS 2º
158
158
158
73
N° CURSOS 3º
28
28
28
34
Fonte: Quintino (2020)
Considerando o período 3 de 2007 até 2010, assumiu o
governador era José Serra Chirico até 2010, quando se licenciou para
concorrer à presidência da República Federativa do Brasil. Nessa
circunstância o governo ficou sob a responsabilidade de Alberto Goldman
até o final do ano, quando então José Serra assumiria. A partir da dotação
inicial prevista para lei orçamentária de 2007 até 2010, identificamos os
valores liquidados disponibilizados pela SFP-SP extraídos do SIAFEM/SP,
e informações disponibilizadas nos relatórios anuais do governo referentes
ao CEETEPS, como quantidade de ETECs, FATECs, trabalhadores ativos
e inativos, CDs, alunos e cursos, conforme sistematizado na tabela 3. Esse
terceiro período aqui considerado se pode afirmar como o auge da
expansão que ganhará estabilidade no período seguinte. É importante
considerar esses dados que avançam em relação ao estudo feito por Fiala
(2016).
80
TABELA 3 - PERÍODO 03 GOVERNO SP 2007 2010
ANO
2007
2008
2009
2010
LEI Nº
12.549,
2/03/2007
12.788,
27/12/2007
13.289,
22/12/2008
13.916,
22/12/2009
INICIAL
R$
437.564.466,00
R$
678.515.591,00
R$
1.007.882.089,00
R$
1.003.151.051,00
LIQUIDADO
R$
460.149.742,30
R$
732.759.802,94
R$
991.705.343,45
R$
1.215.357.357,18
ETEC
138
151
173
198
FATEC
33
47
49
49
TRAB. ATIVOS
10.836
11.765
13.524
16.972
TRAB.
INATIVOS
622 656 699 736
CD
45
56
45
107
ALUNOS
123.817
151.000
185.000
196.000
N° CURSOS 2º
82
86
101
101
N° CURSOS 3º
36
45
47
51
Fonte: Quintino (2020)
A tabela 4 refere-se ao período de 2011 até 2014, referente ao
governador Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho até sua reeleição em
2015. A partir da dotação inicial prevista, identificamos os valores
liquidados e informações disponibilizadas nos relatórios anuais do governo
referentes ao CEETEPS. O período de 2011-2014 revela que a expansão
vertiginosa havia cessado.
81
TABELA 4 - PERÍODO 04 GOVERNO SP 2011 - 2014
ANO
2011
2012
2013
2014
LEI Nº
14.309,
27/12/2010
14.675,
28/12/2011
14.925, de
28/12/2012
15.265, 26/12/
2013
INICIAL
R$
1.250.534.184,00
R$
1.327.473.055,00
R$
1.672.731.613,00
R$
1.843.598.055,00
LIQUIDADO
R$
1.339.235.460,27
R$
1.339.469.842,21
R$
1.852.398.791,46
R$
1.770.041.645,96
ETEC
202
210
212
218
FATEC
52
55
56
63
TRAB.
ATIVOS
18.628 18.858 19.188 19.569
TRAB.
INATIVOS
617 875 198 148
CD
244
219
266
215
ALUNOS
267.560
281.545
296.000
299.000
N° CURSOS
101 120 91 91
N° CURSOS
61 62 53 53
Fonte: Quintino (2020)
O período 5 de 2015 até 2018 refere-se ao governador Geraldo
José Rodrigues Alckmin Filho, quando se licenciou para concorrer à
presidência da República Federativa do Brasil. Assumiu então Márcio Luiz
França Gomes até o final de 2018, quando então João Agripino da Costa
Doria Junior assumiria. A partir da dotação inicial prevista para lei
orçamentária de 2015 até 2018, identificamos os valores liquidados
disponibilizados pela SFP-SP extraídos do SIAFEM/SP, e informações
disponibilizadas nos relatórios anuais do governo referentes ao CEETEPS,
como quantidade de ETECs, FATECs, trabalhadores ativos e inativos,
CDs, alunos e cursos, conforme sistematizado na tabela 5. Esse período,
passado o auge da expansão, dá sinais de uma estabilização desse
crescimento do número de unidades do CEETEPS.
82
TABELA 5 - PERÍODO 05 GOVERNO SP 2015 2018
ANO
2015
2016
2017
2018
LEI Nº
15.646,
23/12/2014
16.083,
28/12/2015
16.347,
29/12/2016
16.646,
11/01/2018
INICIAL
R$
2.098.501.134,00
R$
2.226.173.864,00
R$
2.296.673.041,00
R$
2.423.692.043,00
LIQUIDADO
R$
1.876.585.319,47
R$
2.106.902.575,52
R$
2.230.369.523,92
R$
2.418.911.002,75
ETEC
219
220
221
223
FATEC
65
66
68
72
TRAB.
ATIVOS
18.787 18.863 18.698 18.826
TRAB.
INATIVOS
1.099 1.100 1.177 1.207
CD
311
294
259
269
ALUNOS
283.804
292.000
288.000
291.000
N° CURSOS
137 137 137 137
N° CURSOS
72 72 72 77
Fonte: Quintino (2020)
Entre 2007, quando a instituição contava com pouco mais de 120
mil alunos, fecha-se o ano de 2018 com quase 300 mil. Esse e outros dados
constantes nas tabelas 1 a 5 mostram que o período que vai do auge da
expansão até um processo de estabilização desse crescimento carece de
estudos mais aprofundados. De todo modo, é possível afirmar que
conforme disponível nos relatórios anuais do governo desde 1999, existe
uma sinergia entre o BID e os governos de todos os 5 períodos, pois em
todos os relatórios existem recursos oriundos de empréstimos junto ao
banco, seja para o setor de saneamento, energia, infraestrutura, educação e
outros.
A questão do financiamento é um aspecto fundamental a ser
aprofundado por ser capaz de revelar como essa expansão foi possível e
também para verificar os limites de sua viabilidade econômica num cenário
83
em que se consolida a ênfase nas parcerias público privadas e a participação
direta nas políticas e na gestão educacional pública de organizações não
governamentais. Quintino, Lima e Batista (2019) em estudo específico
sobre o financiamento da EPT em São Paulo concluíram que:
[...] por maior que seja o arcabouço legal sobre financiamento público
com a garantia de metas, objetivos e definições da educação pública
brasileira e, em especial a educação pública paulista, em todos os seus
níveis, não há, para a maioria destes níveis, qualquer vinculação
orçamentária que defina perenemente um financiamento que possa
garantir a oferta de uma educação pública, gratuita e de qualidade
(QUINTINO; LIMA; BATISTA, 2019, p. 122-123).
As classes descentralizadas, surgidas em 1999, num total de 23,
chegaram em 2018 ao montante de 269. Desse total, 144 existem em
parceria com prefeituras do interior e 125 em parceria com a SEE-SP.
Destas, 21 foram implantadas em 2018, totalizando mais de 25 mil
estudantes matriculados (QUINTINO, 2020).
A ampliação da oferta educativa no formato de classes
descentralizadas é algo tão relevante quanto à ampliação do número de
Etecs e Fatecs, garantindo à instituição uma maior capilaridade territorial
e também quanto ao incremento de parcerias com outras instituições
públicas e privadas. Essa constatação exige um olhar mais atento nessa
trajetória institucional que se confunde com o próprio processo de
elaboração, implementação e agenda das políticas de EPT no Estado de
São Paulo.
84
O programa educacional das classes descentralizadas
Procurando dar continuidade à uma compreensão mais
aprofundada do tema a pergunta que orienta a presente seção é o que são
as Classes Descentralizadas do CEETEPS no processo de expansão do
ensino técnico de nível médio e qual é sua função atendimento de
demandas socioeconômicas no Estado de São Paulo? Assim, nessa seção,
objetivamos demonstrar e compreender o que são as classes descentrali-
zadas e identificar os seus reflexos no processo de expansão da oferta de
vagas e no atendimento de demandas sociais e econômicas no Estado de
São Paulo. Para que tal objetivo fosse alcançado foi necessário interpretar
normas e documentos que regulam e instituem as Classes Descentralizadas
e analisar informações relativas ao histórico, ao processo de implantação e
a continuidade do programa educacional.
A pesquisa de Arcanjo (2017) tendo como objetivo compreender
os desafios enfrentados pelas políticas públicas para a EPT e o papel das
classes descentralizadas, visando à inserção no mundo do trabalho e a
qualificação profissional foi o primeiro estudo nesse sentido. O autor
constatou aspectos positivos das classes descentralizadas enquanto
instrumento de democratização do ensino técnico e atendimento às regiões
da cidade em que jovens têm dificuldade para se profissionalizar. Segundo
esse estudo, as Classes Descentralizadas ganharam um significado que
transcendeu a função de um programa pontual para atendimento de
demandas específicas e se tornou um instrumento de valorização da
comunidade escolar que atende. Sua pesquisa contemplou a coleta e a
análise de histórias de atores envolvidos no cotidiano do programa
educacional de Classes Descentralizadas. Arcanjo (2017) estudou as
teorias e práticas que fundamentam a implantação do projeto das classes
descentralizadas nas Unidades do CEETEPS detendo-se no caso específico
85
da Classe Descentralizada na Escola Estadual Profa. Carmosina Monteiro
Vianna, na zona norte de São Paulo.
Considerando os resultados obtidos em sua pesquisa evidenciou a
carência de estudos mais aprofundados sobre o significado desse Programa
e da gestão dos projetos que ocorrem no formato de classes
descentralizadas. As diferenças entre a pesquisa de Arcanjo (2017) e o
estudo que ora apresentamos servem para complementar e elucidar uma
temática ainda pouco explorada. Nessa trajetória, o presente estudo é o
resultado, sobretudo das pesquisas de mestrado de Quintino (2020) e
Pereira (2020).
Embora a ênfase aqui dada seja o Programa Classes
Descentralizadas do CEETEPS, é importante destacar que esse tipo de
estratégia não é tão recente e não apenas vinculada à EPT. A Lei Estadual
nº 3.306, de 27-12-1955, permitia a criação de escolas isoladas, para sua
instalação era exigido um número mínimo de 40 crianças em condições de
matrícula num raio de 2 km das sedes de município, ou de 15 alunos se
localizadas a 30 km das sedes de distrito ou na zona rural.
No final da década de 1960, o conceito de organização de escolas
de emergência ou de classes de emergência, que já vinha sendo utilizado
pela Administração da rede estadual, foi regulamentado por meio do
Decreto-lei nº 177, de 31-12-1969 e foi proibida a instalação dessas
escolas/classes em zonas urbanas dos municípios (CEE-SP, 1999).
Na década de 1970, notadamente em meados de 1976, com a
implementação da LDB nº 5.692 de 1971, a denominação Escola Estadual
de 1º e 2º Graus é introduzida e regulamentada por meio do Decreto
7.709, de 18-03-1976. Logo a seguir, por meio da Resolução SE nº 111,
de 05-10-1979, as escolas estaduais isoladas foram transformadas ou em
86
classes provisórias, quando localizadas na zona urbana, ou em escolas rurais
de emergência, quando situadas na zona rural (CEE-SP, 1999).
O processo de reorganização da rede física começou a ser
descentralizado a partir de 1980, atribuindo aos Diretores Regionais de
Ensino a competência em relação às escolas isoladas e de emergência,
podendo expedir atos de transformação das escolas, de acordo com o
número de classes mantidas.
Na segunda metade dos anos 1990, com a implantação do sistema
informatizado para o cadastramento e controle de escolas, alunos, de
cargos e funções a serem preenchidos nas mesmas, bem como com a
promulgação da LDB e com a implementação das Normas Regimentais
para as Escolas Estaduais, aprovadas pelo Parecer CEE-SP nº 67/98, todas
as unidades escolares mantidas pela SEE-SP passaram a denominar-se
simplesmente Escolas Estaduais, sem a identificação do tipo de escola e de
ensino (CEE - SP, 1999).
O Conselho Estadual da Educação (CEE), por meio da Indicação
nº 8 e da Resolução nº 6 de 1999 tipifica e estabelece normas para as classes
descentralizadas no sistema de ensino do Estado de São Paulo. Segundo
esta normatização “classe descentralizada” é um programa educacional de
oferta de vagas na área da educação, e consiste em salas de aula instaladas
em prédio diferente de uma unidade escolar convencional, sendo esta,
vinculada e dependente, do ponto de vista administrativo e pedagógico, de
uma unidade escolar autônoma (CEE, 1999).
Esta forma de oferta de educação assemelha-se a modelos existentes
pelo país como “Escola vinculada”, “Extensão” ou “Classe fora do prédio”.
Em 1999, com o aumento da demanda do Ensino Fundamental a
Secretaria Estadual da Educação iniciou convênios com Prefeituras para
realocação de classes em prédios municipais, sendo este um dos
87
importantes marcos para a unificação de normas e regulamentos acerca
deste programa.
A partir de então a implantação de uma Classe Descentralizada es
condicionada à aprovação da Supervisão de Ensino, quando esta classe
estiver localizada sob a mesma jurisdição da unidade vinculada e pelo CEE,
quando estas estiverem sob jurisdições diferentes. Para a autorização de
abertura de uma classe descentralizada é necessário apresentar um projeto
voltado para o atendimento de uma demanda social específica e evidenciar
condição física, financeira, pedagógica e técnica administrativa.
Entretanto, todas as rotinas secretariais e administrativas são realizadas na
unidade sede. A oferta possui prazo determinado de quatro anos a partir
da implantação e pode ser prorrogada mediante pedido junto ao órgão
competente pela aprovação. (CEE, 1999).
A deliberação Nº6 de 1999 do CEE-SP também estabeleceu regras
para o funcionamento de cursos que, por razões especiais, são ministrados
fora da sede do estabelecimento de ensino por meio de classes
descentralizadas. Observa-se nos parágrafos 1º e 2º do Artigo 2º que a
instituição conta com Supervisão delegada pela SEE-SP. Mesmo o
CEETEPS possuindo o próprio grupo de supervisão escolar, o CEE-SP
estabelece que cabe ao órgão de supervisão da SEE-SP a responsabilidade
de aprovar o projeto educacional de descentralização, autorizar a instalação
e funcionamento das classes e, vencido o prazo de 4 anos de execução do
projeto, promover a avaliação prevista no § 1º do Artigo 3º, para de
prorrogação ou renovação da autorização.
A norma prevê diretrizes e busca esclarecer os parâmetros
necessários para a implantação de uma classe descentralizada, conforme
orienta o artigo 4º. Embora regulamentada em 1999, é possível encontrar
o parecer 55/1994 que se refere a um exemplo de aprovação para
88
implantação de uma classe descentralizada. Este documento diz respeito a
instalação de uma classe no Hospital Regional do Vale do Ribeira para a
oferta da habilitação técnica de nível médio em Patologia Clínica, a decisão
do CEE foi favorável a implantação. Este registro ilustra a função do
programa que teve em seu início no Estado de São Paulo na década de
1980 com demandas voltadas para a área da saúde.
A lógica dos anos 1990 permanece ao longo dos anos 2000. O
parecer 382/2005 também apresenta decisão favorável quando da
implantação da Classe Descentralizada. A solicitação foi realizada pela
Fundação Bradesco para oferta do curso Técnico Agrícola com Ênfase na
Cadeia Produtiva da Cana-de-Açúcar, nos municípios de Itapira e
Catanduva, com classes na Usina Virgolino de Oliveira S/A Açúcar e
Álcool - unidade Itapira e na unidade Catanduva. Este parecer demonstra
a amplitude e a diversidade das parcerias envolvidas no programa, pois
articula os interesses de uma empresa privada e uma fundação. Outro
exemplo mais recente de aprovação foi expresso pelo parecer 80/2017, que
consistiu no pedido de abertura de classe descentralizada do curso técnico
em Enfermagem, no Hospital Municipal do M’Boi Mirim, na cidade de
São Paulo, pela Escola de Saúde CEJAM, sendo esta uma instituição de
direito privado e sem fins lucrativos. Este documento explicita a
possibilidade de implantação para além da esfera pública.
Tais decisões passaram pelo CEE devido as diferentes jurisdições
envolvidas entre a instituição requerente e a responsável pela instalação da
classe. Cabe ressaltar que as classes descentralizadas requeridas por
instituições que estejam sob a mesma jurisdição, têm seus projetos
avaliados pela supervisão de ensino responsável por sua região, não sendo
necessária, neste caso, a deliberação do CEE.
89
Há que se considerar que essas solicitações partiram de instituições
de direito privado que identificaram e buscaram suprir necessidades,
entretanto, cabe questionar se a oferta de vagas durante o período de
vigência do programa efetivamente contribui para o desenvolvimento
econômico e social da região ou apenas está subordinada a interesses
econômicos das instituições que pleitearam a implantação da classe
descentralizada?
A descentralização e independência não se faz presente nos
processos burocráticos, pois a emissão de documentos se dá por meio da
unidade escolar que é administrativamente vinculada e responsável pela
classe descentralizada, sendo assim, a guarda de arquivos e a expedição de
atas, declarações, planos e registros são de responsabilidade da instituição
vinculada. Desta forma, cabe questionar se não seria necessária uma forma
de acompanhamento específico do volume de oferta de vagas neste
formato para que fossem possíveis análises e investimentos no sentido de
consolidar, ampliar ou até extinguir o programa em determinadas regiões
conforme o potencial de atendimento às demandas das regiões de atuação.
O termo “classe descentralizada” se aplica ao aspecto físico e
territorial, uma vez que os alunos e docentes atuam em local distinto da
unidade vinculada. Para efeitos estatísticos as classes pertencentes ao
programa são consideradas para o Censo Escolar como unidades
autônomas, tal como uma escola técnica convencional. Este fato se
confirma quando é efetuado o levantamento de informações na base de
dados do INEP, pois não consta nenhum dado específico sobre este
modelo de atendimento às demandas educacionais. Este fato dificulta o
acompanhamento da amplitude deste tipo de programa educacional, bem
como o estudo e a análise de sua capacidade de responder às demandas
sociais que pretende atender.
90
A consulta da sinopse estatística do INEP não apresenta o volume
de matrículas segregado entre escolas autônomas e Classes
Descentralizadas, entretanto, os pareceres levantados demonstram as
possibilidades de aplicação do programa analisado nesta pesquisa. A
autorização da oferta de Classes Descentralizadas para instituições públicas
e privadas ilustra a descentralização das responsabilidades que pertenciam
ao Poder Público para outras organizações.
Essa flexibilidade na organização das escolas para atendimento das
diferentes demandas educacionais da população, do ponto de vista
pedagógico, pode até mesmo apresentar deficiências na equipe de
professores, pessoal técnico e administrativo e à existência de materiais e
equipamentos mais condizentes com o avanço científico e tecnológico que
devem estar à disposição de alunos e docentes. Contudo, ainda persiste em
algumas regiões do Estado de São Paulo, intensa mobilidade da população,
com reflexos no fluxo de escolarização, exigindo por parte da
Administração soluções temporárias e emergenciais na oferta da educação
escolar obrigatória e da educação profissional.
A rede pública estadual de São Paulo há muitos anos deixou de
manter escolas isoladas, a fim de evitar o isolamento a que seus professores
e alunos estavam sujeitos. Assim, excepcionalmente, e sempre que uma
demanda mínima existir, são instaladas classes ou escolas vinculadas a
outro estabelecimento de ensino, o que permite que alunos e professores
dessas classes possam contar com o apoio administrativo e pedagógico de
uma escola próxima. Com o aumento da demanda por ensino médio e o
início de parcerias do Estado com as Prefeituras para o atendimento do
ensino fundamental, a SEE-SP se viu na obrigação de manter unidades
escolares com número reduzido de classes, vinculadas à escola estadual
mais próxima, em prédio de escola municipalizada.
91
A instalação de classes emergenciais para atender aos anseios da
população, que num passado recente reivindicava o ensino fundamental,
agora passa a reivindicar também o ensino médio, o que demonstra a
transformação do nível educacional da população escolar no estado de São
Paulo (CEE-SP, 1999).
Considerando a sua representatividade no Estado de São Paulo, o
CEETEPS também implantou Classes Descentralizadas visando aumentar
sua abrangência e ampliar o número de vagas em regiões que não contavam
com Etecs nas imediações. Os registros da CETEC apresentam a primeira
classe descentralizada sob a administração do CEETEPS já em 1998, sendo
esta informação a mais antiga disponibilizada na ferramenta de acesso ao
banco de dados.
Como vimos na seção anterior, entre os anos 1999 a 2018, o
número de classes descentralizadas cresceu vertiginosamente, acompa-
nhando o processo de expansão do CEETEPS. Os dados demonstram a
proporção tomada pelo programa e fica evidente a sua consolidação como
um instrumento responsável pelo atendimento de demandas educacionais
e sociais no Estado, num formato bastante conveniente à maneira como a
oferta de EPT foi se constituindo.
A pesquisa documental no portal eletrônico do CEETEPS
permitiu o acesso a documentos que ilustram como o processo de expansão
por meio de Classes Descentralizadas ocorreu. O documento denominado
“Termo de Cooperação Técnico-Educacional” 021/2011 celebra a
implantação do Programa de Expansão da Educação Profissional Gratuita
do Estado de São Paulo. Este documento tem como objetivo o
desenvolvimento de oferecer aumento de oferta de vagas em cursos
técnicos por meio da utilização de espaços da Secretaria Municipal de
92
Educação da Cidade de São Paulo para a implantação de Classes
Descentralizadas do Centro Paula Souza.
O documento cita a implantação de habilitações profissionais
técnicas de nível médio no eixo de Gestão e Negócios, Comunicação e
Informação e Produção Cultural e Design. Está explícito no documento a
possibilidade de ampliação para outros eixos mediante demandas locais,
mas não deixa claro quem seriam os atores com direito a pleitear o
programa. De qualquer forma, dados de 2019 da CETEC revelam a
concentração dos cursos oferecidos pelas Classes Descentralizadas
vinculadas ao CEETEPS no eixo tecnológico de Gestão e Negócios, com
85% das vagas ofertadas.
Está destacado, no convênio, que o CEETEPS fica responsável pela
aquisição de equipamentos necessários para os laboratórios e o
desenvolvimento dos cursos, bem sua manutenção. É também função do
CEETEPS implantar as classes, supervisionar e dirigir a unidade do ponto
de vista pedagógico e administrativo.
A busca no portal eletrônico do CEETEPS também revelou o
Convênio de Cooperação Técnico Educacional 015/2013 que celebra a
parceria entre o CPS e a Secretaria de Estado da Educação com o objetivo
de consolidar o “Programa de Expansão da Educação Profissional Gratuita
do Estado de São Paulo II”. O documento possui teor similar ao convênio
com a Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, mas exclui as
habilitações técnicas do eixo tecnológico de Produção Cultural e Design,
mantendo os eixos de Gestão e Negócios e Informação e Comunicação
como as possibilidades de implantação.
Além dos registros citados há também um modelo de Convênio de
Cooperação Técnico Educacional entre o CEETEPS e Prefeituras
Municipais. Este documento não possui delimitação de eixo tecnológico
93
ou habilitação, mas exige que o município custeie a alimentação e o
transporte de alunos e professores, além da aquisição e manutenção de
equipamentos necessários para atividades práticas, material didático e de
consumo para a oferta da habilitação.
Tais documentos evidenciam claramente a função do programa de
classes descentralizadas no processo de expansão da Educação Profissional
no Estado de São Paulo e oferecem respostas aos levantamentos
quantitativos expressos nas tabelas que ilustram essa pesquisa.
O programa educacional das Classes Descentralizadas nasce com
um propósito específico explicitado em seus documentos reguladores que
é atender demandas específicas e durante um determinado tempo. As
informações do banco de dados da CETEC (CEETEPS) evidenciam de
forma clara a tendência das Classes Descentralizadas de consolidação e
composição da base de vagas em caráter perene. É importante destacar que
o programa possui prazo determinado, que pode ser renovado, mediante
solicitação ao órgão regulador competente. Para ilustrar esse fato foi
realizado o acompanhamento da movimentação de alunos de Classes
Descentralizadas. O período de análise considerou o ano de 2009, que
apresenta o início do processo de expansão de vagas em classes
descentralizadas, portanto, melhor evidencia a oferta de vagas do programa
por período indeterminado, contrariando a essência da proposta.
A análise de permanência de classes descentralizadas foi realizada
mediante a comparação entre as classes existentes nos segundos semestres
de 2009 e 2018. Foram identificadas Classes ainda em funcionamento no
final do período, bem como a expansão, por meio da abertura de novas
unidades descentralizadas.
O levantamento revelou que 59% das Classes Descentralizadas que
estavam em funcionamento no ano de 2009 permaneceram em operação
94
até o ano de 2018. Foi identificado também um aumento de 126% no
número de unidades descentralizadas, quando comparado o ano de 2009
com 2018. O aumento de número de classes não necessariamente pode
significar o aumento de matrículas, uma vez que cada classe pode ampliar
a oferta de turmas sem que haja a criação de um novo projeto e a utilização
de outro prédio, entretanto, neste caso apresentado a expansão de classes
resultou em aumento de estudantes matriculados (CEETEPS, 2019).
As ETEC’s e Classes Descentralizadas são organizadas no Banco de
Dados da CETEC por “Região Administrativa” compreendidas em
divisões do Estado de São Paulo oficialmente vigentes e consideradas pela
Secretaria de Planejamento e Gestão. Tal processo teve início por meio do
Decreto 48.162, de 3 de julho de 1967 e sofreu alterações à medida que o
Estado o passou por mudanças demográficas, tendo a última alteração
realizada pela Lei Complementar 1.323, de 22 de maio de 2018 que criou
a aglomeração urbana de Franca (SEADE, 2019).
Diante dos dados disponíveis está expressa na Tabela 6 a
distribuição de matrículas do eixo de Gestão e Negócios por Região
Administrativa. Os números são apresentados no âmbito geral, que
contempla ETEC’s e Classes Descentralizadas e específicas com o
detalhamento de oferta de vagas de Classes Descentralizadas no eixo
tecnológico que é objeto de estudo.
95
TABELA 6 - MATCULAS - GESTÃO E NEGÓCIOS POR REGIÕES
ADMINISTRATIVAS DO CEETEPS - SEMESTRE DE 2018
Fonte: adaptado de Banco de Dados CETEC (CEETEPS, 2019).
A tabela 6 oferece um panorama da distribuição de oferta de vagas
no Estado de São Paulo por meio do Centro Estadual de Educação
Tecnológica Paula Souza. É possível observar a maior concentração das
matrículas no eixo tecnológico de Gestão e Negócios na Região
Metropolitana da Grande São Paulo com 44,52% das matrículas, seguida
da Região Metropolitana de Campinas com 14,34% das vagas.
A tabela 6 aponta a concentração de classes descentralizadas em
determinadas regiões sendo, em alguns casos a principal unidade de oferta
de vagas. Com exceção da região administrativa de Franca, todas as demais
possuem mais de 20% das vagas oferecidas no eixo de Gestão e Negócios
por meio deste programa educacional com destaque para Araçatuba, com
81,86%; Registro com 54,10%; Barretos com 47,56%; Bauru com
46,68%; Ribeirão Preto com 44%; Central, 39,33% e a Região
96
Metropolitana da Grande São Paulo com 21,84%, que embora seja um
dos menores índices de concentração de vagas em classes descentralizadas,
representa em números absolutos 7.421 matrículas ou 21,84% das vagas
totais do eixo tecnológico.
Estes dados reforçam a utilização do programa educacional como
instrumento de expansão de oferta de vagas na Educação Profissional em
regiões que possuem demandas, entretanto, ao verificar que o projeto
apresenta indícios de continuidade, apesar de a normativa prever o uso
temporário é imperativo questionar se a elevada concentração de
matrículas no programa educacional não é um indicador que fundamente
o investimento na oferta de vagas em caráter permanente.
Considerações Finais
O cenário em que ocorre a expansão da oferta de vagas para
instituições públicas de EPT é repleto de complexidades mostrando a
elaboração de políticas educacionais em diálogo diretrizes das agências
multilaterais e com a lógica do desenvolvimento capitalista em torno da
acumulação flexível e da perspectiva neoliberal.
A reconfiguração do trabalho com menos regulamentação
constitui uma tendência de forte expansão e com isso observa-se nos
empregados ansiedade e preocupação quanto aos rumos futuros. Exigem-
se dos trabalhadores agilidade, dinamismo e disposição para assumir riscos.
As relações fluidas entre empregado e empregador são travestidas da ideia
de autogestão, liberdade e autonomia. Esse cenário se mostra bastante
preocupante em países com níveis de escolarização e grandes desigualdades
sociais como o Brasil.
97
A oferta educativa em EPT não está dissociada do desenvolvimento
socioeconômico como um todo. Mas as perspectivas oriundas de novos
arranjos sociais e econômicos para o trabalho são bastante preocupantes
justamente por apontarem para uma série de incertezas que atravessam as
políticas educacionais que se colocam a serviço da profissionalização.
Os impactos da globalização e dos avanços tecnológicos trazem
grandes desafios para a formação profissional, sobretudo quando analisado
o contexto social e educacional brasileiro marcado por grandes
desigualdades.
A EPT é um segmento com grande potencial de transformar
realidades do ponto de vista econômico e social. Até por essa questão tem
ocupado, sobretudo a partir dos anos 2000, um importante espaço no
cenário político brasileiro e está no centro de discussões e movimentos
políticos de diversos segmentos. Sendo assim, torna-se muito relevante
refletir sobre os objetivos, finalidades e o desenvolvimento da EPT a partir
de políticas, programas e projetos educacionais nesse âmbito. O presente
estudo se debruçou sobre a complexidade da política pública de EPT no
Estado de São Paulo, em seu processo de expansão.
Diante de um processo de expansão de oferta de vagas no Estado
de São Paulo, que contém o maior número de alunos matriculados em
formação técnica, são observados indicadores sociais preocupantes que
necessitam de atenção, como por exemplo, a quantidade de pessoas
desempregadas e a falta de interesse de parcela significativa dos jovens
quanto ao estudo e ao trabalho.
Perante a amplitude dos desafios relacionados à EPT em sua
função estratégica para o desenvolvimento social e econômico e para a
inserção sociolaboral dos jovens, o presente estudo apresentou e discutiu o
processo de expansão do CEETEPS em que se destacam vários aspectos
98
como a especificidade da história da EPT em São Paulo, o surgimento e o
desenvolvimento da instituição em seus diferentes momentos marcados, a
partir dos anos 1990, pelos governos do PSDB. Temas complexos foram
brevemente apresentados como a relação dessa política estadual com a
legislação federal e a centralidade do CEETEPS que em períodos e
formatos distintos de expansão carece ainda de uma estratégia mais perene
de financiamento, colocando-se em cheque a sua viabilidade.
No entanto, a despeito de todos esses aspectos, o presente estudo
foi delimitado pelo ano de 2018 em que os dados da expansão da EPT
estão consolidados e demonstrando o fim desse processo que se iniciou nos
anos 1990, acelerou nos anos 2000, atingindo o auge entre 2008 e 2014.
Entre os dados relacionados à expansão do CEETEPS e,
consequentemente da oferta educativa de EPT no Estado de São Paulo, o
estudo se deteve no Programa de Classes Descentralizadas, existente desde
1999 e que foi um dos principais instrumentos nesse processo de expansão.
Destaca-se que o Programa das Classes Descentralizadas tem se revelado
como um importante objeto de estudo na tentativa de compreender os
desafios, os avanços e os impasses do processo de expansão da EP no Estado
de São Paulo, em que encontramos o protagonismo do CEETEPS.
Verificamos que a expansão do CEETEPS se deu inicialmente por
incorporação de escolas da rede estadual de ensino e depois por ampliação
de suas próprias unidades. Porém essa consideração se refere apenas a um
aspecto desse processo. Foi observado o crescimento paulatino das classes
descentralizadas (CD) que se convertem quase como uma segunda
instituição
A expansão das redes públicas de EP a partir dos anos 2000 é uma
demanda que resultou de vários movimentos políticos motivados,
prioritariamente, por fatores financeiros em detrimento de outras
99
perspectivas voltadas ao desenvolvimento social mais amplo. É nesse
cenário complexo que proliferaram as classes descentralizadas no
CEETEPS. Inicialmente surgido nos anos 1980, o programa das Classes
Descentralizadas ganhou espaço no Estado de São Paulo e se mostrou um
consistente e continuado projeto, ganhando novos formatos conforme as
demandas de cada momento e localidade. É o que se busca mostrar com a
tipologia das classes descentralizadas e os arranjos locais e institucionais
que elas revelam como importantes estratégias de extensão das unidades do
CEETEPS e expansão da oferta educativa em EPT.
A análise dos números dessa expansão sugere amplo potencial de
atendimento a regiões do Estado de São Paulo com ausência de escolas
técnicas. O levantamento realizado permitiu a observação da amplitude do
programa objeto de estudo desta pesquisa e de tendências na oferta de
vagas, como a concentração expressiva no eixo tecnológico de Gestão e
Negócios, que dentre os treze eixos previstos no Catálogo Nacional de
Cursos Técnicos, é o que possui como exigência ter estruturas menos
custosas que os demais. Este aspecto resgata pontos observados na pesquisa
bibliográfica que demonstram a visão neoliberal no planejamento e
desenvolvimento de políticas para a educação.
Foi possível observar que o programa educacional em questão teve
importante papel na capilarização da instituição, servindo para mostrar o
potencial do CEETEPS de construir parcerias com outras instituições
educacionais e expandir sua atuação em diversas regiões do estado.
Conclui-se que o programa educacional é relevante e importante, mas seu
êxito não isenta o Estado do investimento em ETEC’s, uma vez que
conforme apontado na pesquisa documental, 59% das unidades
descentralizadas que iniciaram em 2009 ainda estão em funcionamento, o
que demonstra a importância do pleno atendimento destas demandas.
100
O processo de expansão da EPT apresentado e discutido nesse
estudo está sendo reformulado e ressignificado. Dadas às
descontinuidades, as políticas públicas para a EPT têm um ponto de
inflexão com a Reforma do Ensino Médio de 2017 e a BNCC. Com essa
reforma, ocorreu no Estado de São Paulo uma flexibilização do ensino
técnico integrado ao médio e uma maior ênfase na qualificação
profissional. Esse processo se acelera no Estado de São Paulo a partir de
2019 por meio dos diversos formatos do Programa Novotec.
Foi observado ao longo da pesquisa que além das questões
financeiras e estruturais que motivam a expansão de Classes
Descentralizadas, há também uma tendência de crescimento do setor de
serviços e da aderência dos cursos do eixo de Gestão e Negócios para o
ingresso do profissional neste segmento econômico alinhados com o
padrão de acumulação flexível.
Os conhecimentos em gestão e a capacidade de empreender são
valores importantes em uma sociedade neoliberal e ganharam espaço no
processo de expansão por meio de Classes Descentralizadas fica clara a
adequação da formação dos estudantes às recomendações dos organismos
multilaterais. O programa apresenta claramente as relações antagônicas
entre centralização e descentralização, qualidade e quantidade, bem como
a reconfiguração entre o público e o privado nas políticas educacionais.
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Jorneduc). Anais da II Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em
Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação.
Natal: IFRN, 2017. v. 01. p. 951-962.
107
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO:
ANÁLISE DA DIMENSÃO PEDAGÓGICA
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ___________ _____________________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________
Luciana Siqueira Rosseto Salotti
23
Rosimeire dos Santos
24
Introdução
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/96), em
consonância com a Constituição Federal de 1988, estabelece o princípio
democrático e participativo para a escola pública. Para garantia desse
princípio, o artigo 12 desta lei indica alguns procedimentos: “I - a
elaboração e a execução da proposta pedagógica; [...] VI a articulação com
as famílias e a criação de processos de integração da sociedade com a escola”
(BRASIL, 1996).
Nessa direção, o documento referência para a escola dos registros
de todas as ações desenvolvidas no ambiente escolar de caráter político,
pedagógico, administrativo e organizacional e que deve ser construído com
a participação de todos os envolvidos no processo é o Projeto Político
23
Doutora em Linguistica Aplicada aos Estudos da Linguagem PUC/SP Docente da Faculdade
de Tecnologia FATEC Assis Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Coletivo de Pesquisadores em
Políticas Públicas Educacionais COPPE pós-graduação UNESP Marília. E-mail:
lucianasrsalotti@gmail.com
24
Doutora em Educação Escolar- UNESP- FCLAR Pesquisadora da Rede Internacional de
Pesquisa em Intervenção em Altas Capacidades REINEVA. Assessora Técnica da Secretaria
Municipal da Educação de Assis/SP. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Coletivo de Pesquisadores
em Políticas Públicas Educacionais COPPE pós-graduação UNESP Marília. E-mail:
meiresan_unitaly@gmail.com
https://doi.org/.10.36311/2020.978-5-5954-015-0.p107-125
108
Pedagógico (PPP). Este deve direcionar as ações educativas e estar
associado a um projeto histórico social que possibilite a compreensão sobre
o papel da escola na comunidade em que está inserida.
Autores como Gandin e Gandin (1999), Veiga (2001), Gandin e
Franke (2005) defendem que o PPP, construído com a participação
coletiva, possibilita à escola exercitar sua autonomia e estabelecer os
princípios que nortearão suas ações pedagógicas. O papel político e
pedagógico que a escola deve cumprir na sociedade representa o
procedimento indicado pela legislação para a garantia do princípio de
gestão democrática.
Compreendemos que o aspecto principal de toda ação da escola
deve ser pautado na dimensão pedagógica e na sua construção coletiva.
Conforme assinala Saviani (1983), o PPP deve expressar os interesses reais
e coletivos da escola, pois materializa duas dimensões indissociáveis: a
política e a pedagógica. O autor (1983) afirma que a “dimensão política se
cumpre na medida em que ela se realiza enquanto prática especificamente
pedagógica” (p. 93).
Nesse sentido, a dimensão política presente no PPP expressa a visão
de mundo, de sociedade e de homem que a escola representada por sua
comunidade deseja para as crianças e jovens. Essas visões definem a ação
educativa, ou seja, a dimensão pedagógica, que está diretamente
relacionada ao processo de ensino e aprendizagem e que envolve as ações
de acompanhamento do desempenho dos estudantes, as abordagens
curriculares, as estratégias de intervenção e o plano de ensino.
Veiga (2000) afirma que a intencionalidade é o que dá clareza ao
PPP. Assim, a organização do trabalho pedagógico prescinde a organização
da escola como um todo, incluindo sua relação com o contexto social,
preservando a visão da totalidade. Para o autor esta totalidade deve ser
109
decorrente da reflexão e do posicionamento a respeito da sociedade, do
homem e da educação.
Discorrendo em relação à dimensão pedagógica, Libâneo (2004)
aponta que ela pressupõe a organização de alguns aspectos: vida escolar,
processo de ensino e aprendizagem e as atividades técnico-administrativas.
Acrescenta que “[...] refere-se à finalidade da ação educativa, implicando
objetivos sociopolíticos a partir dos quais se estabelecem formas
organizativas e metodológicas da ação educativa” (p. 29).
Ações pautadas nas normativas legais apontam a necessidade da
participação na elaboração do PPP, tanto nos aspectos pedagógicos como
nos de gestão escolar, que estão contemplados na LDBEN 9394/96 em seu
Título II, artigo 13, incisos I “participar da elaboração da proposta
pedagógica do estabelecimento de ensino" e II “elaborar e cumprir plano
de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino"
(BRASIL, 1996).
Entretanto, percebe-se a necessidade de reconhecer nesse
documento sua devida importância, ou seja, não o considerar apenas como
um mero documento formal, mas como uma ferramenta que norteia todo
o trabalho pedagógico da instituição escolar. Conforme assinala Veiga
(1995, p. 12) “[...] não é algo que é construído e em seguida arquivado ou
encaminhado às autoridades educacionais como prova do cumprimento de
tarefas burocráticas”.
Neste sentido, o PPP é o documento que facilita e orienta o
processo de ensino e aprendizagem da escola, servindo como registro de
evidências da trajetória de formação dos estudantes, o que permite rever o
percurso de formação e o contexto histórico da comunidade, possibili-
tando encaminhar ações para o futuro.
110
Deste modo, se o PPP é a materialização das intenções das
dimensões política e pedagógica, pode-se afirmar que representa, portanto,
as necessidades da comunidade?
Partindo deste questionamento este estudo analisou o PPP de uma
escola pública do interior paulista, o que se justifica pelo reconhecimento
da relevância de um documento norteador de todas as ações pedagógicas e
de gestão escolar que, construído coletivamente, represente a realidade da
escola, suas necessidades e os caminhos para a superação das dificuldades.
Com esta finalidade este estudo proporciona uma reflexão com foco na
análise da dimensão pedagógica. Para tanto, na próxima seção apresenta
um breve panorama dos apontamentos teóricos e legais sobre a temática,
seguida da seção que exibe os resultados obtidos na análise do documento
da escola.
Apontamentos legais e teóricos: indicações
para a construção do PPP
A LDBEN/96 estabelece o princípio de gestão democrática e
delega às escolas, aos profissionais da educação e às famílias a elaboração
do Projeto Político Pedagógico da Escola, de acordo com as suas
peculiaridades. Além disso, esta lei, no artigo 32, inciso III trata a
autonomia da escola como princípio de toda a educação nacional,
confirmando o artigo 205, inciso III da Constituição Federal de 1988, que
contempla o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
Palma Filho (2013) ressalta que, em relação à Educação Básica, a
LDBEN/96, pela primeira vez estabelece as incumbências das escolas e dos
docentes de elaborar e executar o PPP da escola, resgatando a importância
do planejamento das atividades escolares de modo participativo, com foco
na aprendizagem dos estudantes.
111
Refletir sobre as intenções educativas da escola e se responsabilizar
pela aprendizagem dos alunos de modo que a comunidade escolar possa
decidir sobre as formas e os modos de desenvolver o trabalho educacional
é premissa para a elaboração do PPP. Neste sentido, a permanente reflexão
por parte da equipe escolar e da comunidade é ponto chave para a
construção da identidade escolar.
Veiga (1995) destaca que as intenções educativas da escola revelam
a sua concepção de educação; de estudante; de prática educacional e de
participação, identificando qual é a função social que baliza o trabalho de
todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.
Nesta mesma direção, Palma Filho (2013) argumenta que esse
processo de articulação e construção requer a contribuição de todos os
envolvidos nas atividades educacionais (equipe gestora, docentes,
estudantes, pais e comunidade) e ressalta que é necessário levantar questões
a serem trabalhadas e resolvidas na escola.
Para tanto, o processo de elaboração de um PPP evidencia que é
necessário conhecer a realidade do estudante; o contexto socioeconômico
que envolve o ambiente escolar; a formação dos docentes e os recursos
disponíveis, a fim de articular ações e buscar alternativas que possam
incluir todos os educandos da escola. Considerando que este instrumento,
o Projeto Político Pedagógico, é o documento norteador que orienta todas
as ações em âmbito escolar.
Este autor ressalta a importância de que se mantenha um processo
constante de reflexão por parte da equipe escolar, assinalando que “só é
possível mediante um processo de planejamento participativo, que é
preciso refletir sobre as intenções educativas da escola, bem como deixar
clara sua função social” (PALMA FILHO, 2013, p. 3).
112
Neste contínuo, Veiga (1998) categoriza o PPP elencando-os em
três aspectos: filosófico-sociológico; epistemológico e didático
metodológico. Além categorizá-lo, aponta para a necessidade de reflexão
coletiva, propondo algumas indagações para orientar as discussões:
Qual é o contexto filosófico, sociopolítico e cultural em que a escola
está inserida?
Que concepção de homem se tem?
Que valores devem ser defendidos na sua formação?
O que entendemos por cidadania e cidadão?
Em que medida a escola contribui para a cidadania? (VEIGA, 1998, p.
19)
Em relação aos aspectos epistemológicos e didático-metodológicos
a autora pontua que as indagações supramencionadas estão diretamente
relacionadas ao projeto curricular, que corresponde às intenções definidas
pelo corpo docente, pautada no contexto geral da escola, que indicam as
estratégias de intervenção didático-pedagógicas a serem utilizadas na
prática docente.
Neste sentido, é importante que o PPP revele o movimento da
escola em direção a uma educação que objetive promover a aprendizagem
e o desenvolvimento dos estudantes, pois quando estão embasadas na
percepção da realidade suas determinações refletem o tipo de cidadão que
se pretende formar.
É também papel da equipe escolar promover a participação efetiva
de todos da comunidade na construção da escola como instituição viva,
dinâmica, decidindo em conjunto as ações que validam o compromisso
113
com os valores, princípios e objetivos educacionais traçados no Projeto
Político Pedagógico, respeitando a diversidade e seu contexto social.
A partir deste recorte legal e teórico evidencia-se a importância do
PPP para a consolidação das dimensões política e pedagógica e da
relevância da participação da comunidade na sua elaboração e no seu
desenvolvimento, para que suas ações legitimem o direito à educação.
Para alcançar o objetivo proposto nesse estudo, voltado para
identificação da dimensão pedagógica do PPP, o caminho metodológico
escolhido foi o da análise documental.
Segundo Lüdke e André (1986), para realizar um estudo nessa
direção, o pesquisador necessita delinear os caminhos a serem descritos, o
contexto de investigação e o instrumento a ser analisado. “[...] o
pesquisador, como membro de um determinado tempo e de uma específica
sociedade, irá refletir em seu trabalho de pesquisa os valores, os princípios
considerados importantes naquela sociedade, naquela época” (ANDRÉ E
LÜDKE, 1986, p. 2).
Assim, o material selecionado para análise foi o Projeto Político
Pedagógico de uma Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental
Anos Iniciais, pertencente a uma rede municipal de ensino.
O estudo foi realizado a partir da revisão bibliográfica com o
intuito de compreender o que a literatura indica em relação à construção
do PPP, bem como quais são os indicadores legais para essa construção.
Desse modo, a partir da análise da legislação vigente e da revisão teórica
sobre a temática é que as informações foram cotejadas.
Na análise documental examinou-se o Projeto Político Pedagógico
da unidade escolar levantando os indicadores da dimensão pedagógica
presentes na documentação oficial da instituição. Os dados levantados
114
foram interpretados visando estabelecer relações e inferências com os
documentos legais e os pressupostos teóricos. Para Stake (2011), “[...] a
análise dos dados implica na organização de todo material buscando
relações e inferências” (STAKE, 2011, p. 151).
Para realizar estas relações e inferências utilizou-se a análise de
conteúdo, indicada por Bardin (2008), que descreve e interpreta o
conteúdo de toda classe de documentos e textos, conduzindo à análise
sistemática qualitativa que auxilia a interpretar as mensagens e a atingir
uma compreensão de seus significados.
Nesta perspectiva, a apreciação do PPP da unidade escolar objeto
de estudo teve como intuito descrever a organização das ações pedagógicas
contempladas no Projeto Político Pedagógico, buscando conhecer a
filosofia da escola, as linhas de ação pedagógica e as bases teóricas que
sustentam as concepções de Educação, de Sociedade e de Ciência e que
orientam a prática de seus professores.
Análise da Dimensão Pedagógica: algumas aproximações
O documento analisado compreende as intenções da comunidade
escolar para o quadriênio 2017-2020 de uma unidade escolar pertencente
a um sistema de ensino municipal que estabelece, para as escolas que
compõe seu sistema, a elaboração do PPP a cada quatro anos. Esse sistema
permite às unidades, no desenvolvimento e acompanhamento do Projeto,
ao observar a necessidade de alteração da trajetória prevista, após as
indicações do Conselho de Escola, que seja possível sua atualização a cada
ano.
A partir da análise realizada no PPP dessa unidade foi possível
inferir que o Projeto apresenta a estrutura redacional indicada por Palma
115
Filho (2013), Veiga (2001), Lück (2004), contemplando as dimensões
estruturais, de recursos humanos e pedagógicos.
Percebe-se a preocupação em caracterizar a escola, apresentar seus
indicadores de eficiência, bem como indicar as metas a serem cumpridas.
O documento é composto por vários anexos: plano de trabalho da direção
e da coordenação pedagógica; indicadores da evolução da aprendizagem
dos estudantes; plano de ação para a escola e todos os projetos elaborados
para serem desenvolvido pela equipe.
Contempla, também, a organização curricular; os horários e os
tempos didáticos. Percebe-se que existe uma preocupação em definir as
competências e habilidades a serem trabalhadas em cada ano da
escolarização, mencionando sempre o amparo legal para a tomada das
decisões.
É possível verificar que nesta unidade escolar os indicadores
relacionados à evasão inexistem e que os números referentes à retenção são
baixos e concentram-se nos segundos e terceiros anos do ensino
fundamental anos iniciais. Pode-se inferir que este dado esteja relacionado
ao término do ciclo de alfabetização. Analisando as normativas deste
sistema constata-se que em relação à avaliação da aprendizagem do 1º ao
3º ano - ciclo de alfabetização, não existe reprovação. Nos 4º e 5º anos,
turmas seriadas, com possibilidade de reprovação.
Em análise mais profunda verificou-se nos registros da unidade a
ausência de indicadores de evasão e, em relação à reprovação, mesmo o 2º
ano pertencendo ao ciclo de alfabetização observa-se percentual de
reprovação, justificado por estudantes que não haviam tido a oportunidade
de frequentar todo o ciclo e alunos público alvo da educação especial.
116
Estes índices podem ser observados na construção dos projetos
indicadores ligados ao desempenho escolar: Formação de Leitores
Competentes, Ler e Escrever com Prazer, Pitagóras na Escola, atendimento
na sala de recurso multifuncional e Reforço Escolar. Outros projetos estão
voltados para os problemas da comunidade, tais como: a Dengue na
Escola; Coleta Seletiva de Lixo, Ecologia, Educação para a Paz, Meio
Ambiente Institucional e Bullyng.
A natureza e descrição dos projetos elaborados na escola indicam
que foram construídos com a participação da equipe escolar, considerando
as necessidades percebidas a partir da interação com a comunidade. Nota-
se que essa garantia estabelecida em lei é um avanço para a educação básica,
que deve levar em conta que a comunidade escolar tem condições de
refletir sobre a escola que se tem para buscar a construção da escola que se
quer para todos.
No que diz respeito ao cerne deste estudo, a dimensão pedagógica,
nota-se que a unidade escolar busca mapear os indicadores dos resultados
de seus estudantes nas avaliações externas: Provinha Brasil, Prova Brasil e
SARESP, correlacionando-os aos percentuais obtidos pelo conjunto de
escolas da cidade, do Estado de São Paulo e os do país.
Os registros da escola revelam que em relação ao indicador de nível
adequado na competência de resolução de problemas, até o 5° ano do
Ensino Fundamental, a unidade escolar apresenta indicador de que 94%
de seus estudantes demonstrando ter aprendizado esperado, índice
superior ao da cidade de Assis (63%), do Estado de São Paulo (54%) e ao
do Brasil (39%).
Em relação ao desempenho demonstrado pelos estudantes desta
faixa de escolarização em Língua Portuguesa, o percentual de aprendizado
adequado ainda é superior. Os dados revelam que a proporção de
117
estudantes que aprenderam o considerado adequado na competência de
leitura e interpretação de textos até o 5° ano na escola analisada foi de 97%;
na cidade de Assis 68%; no Estado de São Paulo 65% e no país 50%.
A análise do PPP e dos indicadores revela, ainda, a preocupação da
instituição em acompanhar a evolução do rendimento escolar de seus
estudantes, constatando, ao longo do tempo, seu desenvolvimento e os
percentuais de rendimento. A título de exemplificação, apresenta-se a
seguir o quadro de nível de proficiência dos estudantes do 5° ano em língua
Portuguesa:
QUADRO 1 - DISTRIBUÃO DOS ESTUDANTES POR NÍVEL DE
PROFICIÊNCIA - PORTUGUÊS ANO
Percentual
Nível de Proficiência
Nº de
estudantes
Observação
2011
48%
Avançado
19
Além da expectativa
38%
Proficiente
15
Aprendizado esperado
12%
Básico
05
Pouco aprendizado
2%
Insuficiente
01
Quase nenhum
aprendizado
2013
48%
Avançado
13
Além da expectativa
45%
Proficiente
12
Aprendizado esperado
7%
Básico
02
Pouco aprendizado
0%
Insuficiente
00
Quase nenhum
aprendizado
2015
50%
Avançado
18
Além da expectativa
47%
Proficiente
17
Aprendizado esperado
0%
Básico
00
Pouco aprendizado
3%
Insuficiente
01
Quase nenhum
aprendizado
Fonte: Projeto Político Pedagógico 2017 - 2020. Escola Municipal
118
A partir da apreciação dos dados de nível de proficiência em
Português constata-se que a unidade escolar tem apresentado melhoria no
desempenho dos estudantes, evidenciando a cada avaliação o percentual de
estudantes em nível avançado, o que demonstra preocupação com a
dimensão pedagógica, no sentido de verificação do rendimento escolar
para que se possa intervir nas ações pedagógicas elaboradas pela equipe
escolar.
Em relação à proficiência em Matemática verificou-se que a
proporção de estudantes que aprenderam acima da expectativa na
competência de resolução de problemas até o 5° ano também é maior nesta
unidade escolar. Considerando que a turma analisada estava composta por
36 estudantes, destes 34 demonstraram aprendizado adequado (Além da
expectativa e Aprendizado esperado), o equivalente a 94%, percentual
acima do indicador da cidade de Assis (63%); do Estado de São Paulo
(54%) e do Brasil (39%).
A apreciação dos resultados na área de matemática também aponta
crescimento do nível de proficiência de uma avaliação para a outra.
Observou-se também, que os projetos curriculares mencionados no
Projeto Político Pedagógico da escola foram pensados para sanar as
dificuldades apontadas nos indicadores das avaliações externas. Conforme
pontua Lück (2004), o acompanhamento do desempenho anual possibilita
o repensar das ações desenvolvidas, indicando novos percursos formativos.
A seguir o quadro de evolução do alunado na área de matemática que
subsidiou a elaboração do PPP para o quadriênio 2017-2020:
119
QUADRO 2 - DISTRIBUÃO DOS ESTUDANTES POR NÍVEL DE
PROFICIÊNCIA - MATEMÁTICA 5º ANO
Percentual
Nível de Proficiência
Nº de
estudantes
Observação
2011
45%
Avançado
18
Além da expectativa
35%
Proficiente
15
Aprendizado esperado
20%
Básico
08
Pouco aprendizado
0%
Insuficiente
00
Quase nenhum
aprendizado
2013
59%
Avançado
16
Além da expectativa
26%
Proficiente
07
Aprendizado esperado
15%
Básico
04
Pouco aprendizado
0%
Insuficiente
00
Quase nenhum
aprendizado
2015
56%
Avançado
20
Além da expectativa
38%
Proficiente
14
Aprendizado esperado
3%
Básico
01
Pouco aprendizado
3%
Insuficiente
01
Quase nenhum
aprendizado
Fonte: Projeto Político Pedagógico 2017 - 2020. Escola Municipal
No campo da matemática, constatou-se o mesmo avanço a cada
avaliação externa, conforme demonstrado no quadro anterior. É
importante ressaltar que o Projeto Político Pedagógico desta unidade
escolar destaca o rendimento dos estudantes como ponto relevante para
reflexão da prática e como ponto de partida para o planejamento.
No gráfico da evolução do nível de aprendizagem dos estudantes
desta unidade escolar também são apresentados os resultados da Provinha
Brasil do 2° ano do Ensino Fundamental, indicando os estudantes que
necessitam de acompanhamento específico. Nesse sentido, pode-se
120
observar que a melhoria dos resultados do 5° ano é um contínuo de ações
que são desenvolvidas pela equipe durante toda a trajetória de formação.
Outro aspecto que a análise do Projeto Político Pedagógico
evidencia é a preocupação da escola em analisar os critérios de eficácia
escolar. A unidade utiliza os critérios indicados pelo PDE-lnterativo,
programa que objetiva apoiar as ações de formação de profissionais do
magistério da educação básica pública, em atendimento às demandas de
formação continuada, contemplando os seguintes eixos:
Eixo 01 - Ensino e Aprendizagem: currículo organizado e articulado;
proteção do tempo de aprendizagem; práticas efetivas dentro da sala de
aula; estratégias de ensino diferenciadas; disponibilidade e utilização de
recursos didático-pedagógicos e Avaliação contínua do rendimento dos
alunos.
Eixo 02 - Clima Escolar: estabelecimento de altos padrões de ensino;
altas expectativas em relação à aprendizagem dos estudantes;
comunicação regular entre a equipe escolar, pais e comunidade;
presença efetiva do diretor no acompanhamento da aprendizagem dos
educandos; ambiente escolar organizado; normas e regulamentos
escolares definidos; confiança dos professores em seu trabalho;
compromisso e preocupação da equipe escolar com os estudantes e com
a escola e trabalho em equipe.
Eixo 03 - Infraestrutura: instalações adequadas da Escola e
equipamentos necessários para o desenvolvimento de toda ação
desenvolvida pela unidade escolar (PROJETO POLÍTICO
PEDAGÓGICO, 2017-2020).
A análise de conteúdo presente neste estudo pode revelar que a
dimensão pedagógica está contemplada no Projeto Político Pedagógico da
escola. Percebe-se que existe correlação entre o que apontam os autores, a
legislação e o documento elaborado pela unidade escolar.
121
Pode-se inferir que o PPP é utilizado como um instrumento
dinâmico e indica o direcionamento das ações que a escola deve tomar,
principalmente quando contemplam a participação de pais, alunos,
professores e gestores na sua elaboração, execução e avaliação. Verificou-
se, na análise de conteúdo, por intermédio das atas de registro das reuniões
com o Conselho de Escola, que esta unidade encaminhou alterações das
estratégias traçadas, ora por terem atingido as metas esperadas, ora por
necessidade de rever procedimentos didáticos pedagógicos que
interferiram na prática docente.
Observou-se, ainda, que o projeto proposto demonstra
preocupação com as necessidades de cada um dos alunos, à medida que
prevê a elaboração de planos de acompanhamentos, atividades que
favoreçam a participação coletiva e a interação dos estudantes e das
famílias.
Outra via de ação explicitada no Projeto Político Pedagógico e
indicada na revisão de literatura e nas normativas legais refere-se à
formação docente. O documento aponta as necessidades formativas da
equipe docente, de modo a proporcionar a reflexão da prática pedagógica,
conforme expresso no plano de ação da unidade escolar:
[...] análise dos indicadores de aprendizagem, da observação das
condições oferecidas pela escola, da reflexão sobre as estratégias
didáticas dos professores, do olhar para o trabalho da equipe gestora,
do envolvimento dos demais segmentos no processo avaliativo, do
aprimoramento do conselho de classe e da definição um plano de ação
(PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2017 2020).
Outro ponto que destacamos na análise deste PPP é que a escola
enfatiza o trabalho realizado com os estudantes com deficiência, com
autismo e com altas habilidades e superdotação, deixando claro quais são
122
as adequações curriculares necessárias para a acessibilidade ao currículo por
intermédio de planos individualizados. Sinaliza também a necessidade de
formação docente para o atendimento às especificidades destes estudantes.
Considerações Finais
O Projeto Político Pedagógico, como documento orientador das
ações da escola, busca iniciativas que permitam desenvolver uma educação
que atenda às necessidades daquela comunidade. Este documento deve ser
entendido como um instrumento que pode oferecer subsídios para que os
profissionais da educação conduzam suas ações de forma a assegurar o
direito inalienável de educação de qualidade para todos.
Retomando o objetivo desse estudo, verificar como é contemplada
a dimensão pedagógica no PPP da escola objeto da pesquisa, pode-se
constatar que esta unidade dá ao aspecto pedagógico seu lugar de destaque.
O documento analisado permite inferir que há uma preocupação com o
desempenho dos estudantes e, consequentemente, com a melhoria do
ensino.
Esta preocupação é evidenciada nos projetos implantados, na
dinâmica de formação continuada dos docentes e nas discussões com a
comunidade escolar. Outrossim, vale destacar que o presente estudo não
teve como propósito esgotar as discussões sobre a temática, pois
compreende-se a limitação da análise - estudo de um único PPP.
Entretanto, acredita-se que a pesquisa poderá contribuir para discussões
futuras voltadas para a relevância da dimensão pedagógica presente no
Projeto Político Pedagógico.
Este estudo permitiu constatar aquilo que os autores apresentados
na discussão teórica problematizaram, entre elas a preocupação do PPP ser
compreendido apenas como documento técnico e burocrático, deixando
123
de cumprir sua real finalidade. Porém, enfatizamos que esta relação não é
explícita, pois existem os protocolos burocráticos oficiais.
Nessa perspectiva, a dimensão pedagógica deve ser contemplada
como elemento principal das propostas e das ações desenvolvidas pela
equipe escolar. Outro ponto de destaque neste estudo é que para além de
ser um documento formal, exigido pelos órgãos oficiais, o Projeto Político
Pedagógico da escola deve ser elaborado e reelaborado a partir da realidade
de cada comunidade escolar. Utilizado a partir desse pressuposto, o PPP
revela-se como um instrumento que representa os anseios e as necessidades
dos estudantes, contribuindo para a autonomia das escolas.
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_
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124
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PPP - Projeto Político Pedagógico - EMEIF Profª Angélica Amorim
Pereira, Ano 2017-2020, SME, Assis/SP.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações.
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Políticos e Pedagógicos. Campinas – SP: CEDES, 2003, v.23/n.61r
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Tradução: Karla Reis; Revisão técnica: Nilda Jacks - Porto Alegre: Penso,
2011.
VEIGA, I. P. O Projeto Político Pedagógico da escola: uma construção
coletiva. ln: Projeto Político Pedagógico da Escola: uma construção
possível. Campinas: Papirus, 1995. p. 11-36.
VEIGA, I. P. Projeto Político-Pedagógico da Escola: uma nova
construção possível. (10ª edição). Campinas: Papirus, 2000.
125
VEIGA, I. P. Projeto Político-Pedagógico: Novas Trilhas para a escola.
ln: VEIGA, I. P. As dimensões do Projeto Político-Pedagógico.
Campinas: Papirus, 2001. P.45-68.
127
A FORMAÇÃO INICIAL DO PEDAGOGO A PARTIR DAS
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA
O CURSO DE PEDAGOGIA: O DOCUMENTO E
AS REFLEXÕES ACAMICAS
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ___________ _____________________ ____________ ____________ ______ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ______________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ________
Nathália Delgado Bueno da Silva
25
Gabriel Pereira do Amaral
26
Introdução
A primeira versão das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
para o curso de Pedagogia foi divulgada pela Comissão de Especialistas em
educação
27
em 1999, no entanto, segundo estudos de Castro (2007) o
referido documento não foi oficializado pelo Conselho Nacional de
Educação em função dos debates terem se debruçado, especificamente, em
torno da formação de professores para a escola básica no curso de
Pedagogia paralelamente à sua formação nos Cursos Normais Superiores
previstos na LDB (1996). A partir desse período, a luta para a
concretização do referido documento se deu de forma mais enfática,
sobretudo em função da aprovação de dois Decretos: o Decreto nº.
25
Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho. UNESP de Marília-SP; Brasil; Doutoranda em
Educação; Formação inicial em Pedagogia. E-mail: nathdelgado89@hotmail.com
26
Licenciado em Letras Português e Inglês, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho. UNESP de Assis-SP; Brasil; Professor na rede estadual de ensino de São Paulo. E-mail:
gabrielamaral19@hotmail.com
27
De acordo com Castro (2007) as comissões de especialistas de ensino foram criadas através da
Portaria n. 972/97, em decorrência do Decreto n. 2.306/97, com o objetivo de assessorar a
Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do Desporto, no que diz respeito à
organização e verificação dos respectivos cursos.
https://doi.org/.10.36311/2020.978-5-5954-015-0.p127-146
128
3.276/1999, que garantia aos Cursos Normais Superiores a exclusividade
de formação dos professores da escola básica e o Decreto nº. 3.554/2000,
que também possibilitava a mesma formação em Pedagogia.
Simultaneamente aos diferentes entendimentos e encaminha-
mentos legais, as lutas pela concretização das Diretrizes continuavam, pois
no ano de 2002, a ANPEd, ANFOPE, ANPAE, FORUNDIR, CEDES e
Fórum Nacional em Defesa da Formação de Professores, encaminharam
ao Conselho Nacional de Educação uma proposta de Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, que
segundo Castro (2007) foi formulada a partir de um processo de
construção democraticamente conduzido em nível nacional. No entanto,
foi somente no ano de 2005 que o Conselho se pronunciou sobre do
documento por meio de um projeto de resolução. Este recebeu críticas,
pois segundo a autora:
A proposta apresentada pelo Conselho, de forma técnica e simplista,
reduzia o Curso de Pedagogia à licenciatura para a formação de
professores para a educação infantil e escola básica, tirando dele a
competência de formar os profissionais da educação, explicitada no
artigo 64 da LDB. As competências do licenciado em Pedagogia,
descritas no artigo 3º desse projeto, muito se aproximavam daquelas
que vinham sendo adotadas nos Cursos Normais Superiores e essa
resolução sugeria a transformação desses cursos em Curso de
Pedagogia, buscando resolver de forma simplista e arbitrária a
problemática da superposição dos dois cursos para a formação dos
professores das séries iniciais da escolarização formal (CASTRO, 2007,
p. 2016).
No final de 2005 foi aprovado o Parecer CNE/CP n. 5/2005, que
institui as DCN para o curso de graduação em Pedagogia. No entanto,
devido a uma divergência num de seus artigos com a Lei de Diretrizes e
129
Bases da Educação Nacional - Lei nº 9394/96 em vigor, as entidades do
campo educacional foram convocadas pelo Conselho Nacional de
Educação a contribuírem com uma emenda retificativa que pudesse eximir
esta contradição evidenciada. Desta forma, foi revogado o Parecer
CNE/CP n. 3/2006, que reexaminou o anterior, buscando deixar ambos
os documentos em consonância (CASTRO, 2007).
É neste contexto, mais especificamente três meses após este último
Parecer, que este documento foi aprovado no ano de 2006. Considerando
que este curso teve sua trajetória marcada por inúmeros Decretos e
Resoluções, vale ressaltar que os caminhos para a concretização das
Diretrizes também foram norteados por outros debates e discussões sobre
a formação do Pedagogo, no entanto, buscou-se expor os principais fatos
que pudessem situar especificamente o seu histórico legal.
Partimos do pressuposto que o debate e a reflexão sobre da
formação de professores e gestores nos permitem buscar elementos que
possam contribuir para a promoção de soluções e superação de desafios,
acarretando assim, possíveis encaminhamentos práticos. Desta forma, o
presente estudo visa contribuir para o debate, primeiramente analisando
os artigos das Diretrizes referentes ao curso de Pedagogia e, em um
segundo momento, apresentando a perspectiva de diferentes autores a
respeito desta resolução, tensionando seus estudos e reflexões.
As Diretrizes e seus Encaminhamentos Legais
A Resolução nº 15 do Conselho Nacional de Educação, de 15 de
maio de 2006, instituiu as Diretrizes Curriculares para o Curso de
Graduação em Pedagogia, composta por quinze artigos que determinam
os
Princípios, Condições de Ensino e de Aprendizagem e os Procedimentos
130
a serem observados e avaliados nos sistemas de ensino das instituições de
educação superior (BRASIL, 2006). Desta maneira, a partir da referida
Resolução fica instituída uma base educacional e regimental para o
funcionamento dos cursos de Pedagogia em todo o país.
Além da formação do professor para educação infantil e anos
iniciais, o documento amplia a atuação do Pedagogo a qualquer instância
que permeie conhecimentos pedagógicos, apontando a docência enquanto
base desta formação inicial.
Art. 2- §1 Compreende-se a docência como ação educativa e processo
pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais,
étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios
e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre
conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos
inerentes a processos de aprendizagem, de socialização e de construção,
no âmbito do diálogo entre as diferentes visões de mundo (BRASIL,
1996, p. 1).
Ainda no artigo segundo, no segundo inciso, destaca que o curso
propiciará, por meio de “[...] estudos teórico-práticos, investigação e
reflexão crítica, o planejamento, a execução e avaliação de atividades
educativas” (BRASIL, 1996, p. 1), o que segundo Ferreira (2007), expressa
um argumento exposto no Parecer CNE/CP n. 5/2005 acerca da docência
e sua ampliação do conceito para além de sala de aula. Também neste
inciso, o documento propõe em seu item II, que o curso propiciará ao
âmbito educacional, outros conhecimentos, como o filosófico, histórico,
antropológico, ambiental-ecológico, psicológico, linguístico, sociológico,
político, econômico e o cultural (BRASIL, 2006, p.1). Assim, o professor
ao trabalhar com os conteúdos sistematizados de maneira contextualizada
131
e dialógica estará, automaticamente, ampliando o repertório dos alunos na
sala de aula.
O artigo terceiro reafirma o segundo ao reiterar a importância dos
diferentes campos do conhecimento, cuja consolidação será proporcionada
no exercício da profissão, fundamentando-se em princípios de
interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e
relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética (BRASIL, 1996, p.
1). Desta forma, em seu parágrafo único, destaca como papel central:
I - o conhecimento da escola como organização complexa que tem a
função de promover a educação para e na cidadania; II - a pesquisa, a
análise e a aplicação dos resultados de investigações de interesse da área
educacional; III - a participação na gestão de processos educativos e na
organização e funcionamento de sistemas e instituições de ensino
(BRASIL, 1996, p. 1).
Ao propor o conhecimento da escola como organização complexa,
entende-se a opção da Resolução ao propor a formação de um Pedagogo
formado tanto para sala de aula, quanto para as atividades que permeiem
a gestão escolar, não ramificando estas funções profissionais em
habilitações, mas articulando-as enquanto necessárias. Esta ampla
formação é enfatizada no artigo quarto, em consonância com o segundo,
mas, trazendo esclarecimentos em seu parágrafo único acerca das
atribuições que são compreendidas nas atividades docentes, sendo elas:
I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e
avaliação de tarefas próprias do setor da Educação; II - planejamento,
execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e
experiências educativas não escolares; III - produção e difusão do
conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em
contextos escolares e não escolares (BRASIL, 1996, p. 2).
132
As responsabilidades do aluno egresso são expostas no artigo quinto por
meio de dezesseis itens. Segundo, Franco, Libâneo e Pimenta (2007), foram
unificados tanto objetivos, quanto conteúdos e recomendações morais, o que gera
imprecisões quanto a este perfil. Dentre eles, há indicações da gestão escolar e das
especificidades do trabalho do professor de educação infantil e do ensino
fundamental anos iniciais. Também são apontados no artigo os elementos a serem
considerados pelos professores indígenas ou que venham a atuar nestas escolas
específicas, além dos professores para escolas de remanescentes de quilombos ou
aqueles que se caracterizem por receber populações de etnias e culturas específicas
(BRASIL, 2006), que deverão estar articulados de forma a:
I - promover diálogo entre conhecimentos, valores, modos de vida,
orientações filosóficas, políticas e religiosas próprias à cultura do povo
indígena junto a quem atuam e os provenientes da sociedade
majoritária; II - atuar como agentes interculturais, com vistas à
valorização e o estudo de temas indígenas relevantes (BRASIL, 2006,
p. 3).
O artigo sexto apresenta a organização estrutural do curso,
trazendo três núcleos que se dividirão conforme suas especificidades, assim
determinados: 1) Núcleo de estudos básicos, que abrange a realidade
educacional por meio de reflexão e ação, que de um modo geral abarca o
“[...] desenvolvimento das pessoas, das organizações e da sociedade”
(BRASIL, 2006, p. 3); 2) Núcleo de aprofundamento e diversificação de
estudos, voltado às áreas de atuação profissional que tem por finalidade
não só pesquisar o contexto escolar e de gestão, mas possibilitar a criação
de procedimentos e processos de aprendizagem que contemplem a
diversidade social e cultural da sociedade brasileira (BRASIL, 2006, p. 4).
Neste núcleo, também é prevista a elaboração de propostas educacionais
inovadoras por meio do suporte teórico das teorias da educação; 3) Núcleo
de estudos integradores que traz um enriquecimento curricular através de
133
atividades como seminários, dentre outros que vão além de sala de aula
(BRASIL, 2006). Assim, são propostos seminários, monitorias, projetos de
iniciação científica e atividades práticas que promovam a vivência nos
diferentes campos pedagógicos.
Esta divisão proposta se torna relevante a partir do momento que
orienta os cursos acerca da organização dos princípios estabelecidos. Se
tratando da formação de professores, enfatiza-se a necessidade de que esta
possa possibilitar que o aluno no decorrer do curso se aproprie das teorias,
métodos, técnicas e recursos didáticos, porém sem submeter-se a
receituários e aplicação de teorias programadas por outros (BRASIL,
1999), sendo relevante que:
[...] a instituição de formação inicial se empenhe numa reflexão
contínua tanto sobre os conteúdos como sobre o tratamento
metodológico com que estes são trabalhados, em função das
competências que se propõe a desenvolver, já que as relações
pedagógicas se estabelecem ao longo da formação atuam sempre como
currículo oculto. As relações pedagógicas vivenciadas no processo de
aprendizagem dos futuros professores funcionam como modelos para
o exercício da profissão, pois, ainda que de maneira involuntária, se
convertem em referência para sua atuação (BRASIL, 1999, p. 68).
O artigo sétimo também remete à estrutura curricular, no entanto,
definindo a carga horária mínima de 3200 horas de efetivo trabalho
acadêmico e sua distribuição. Os elementos divididos entre a carga horária
são melhores esclarecidos no artigo oitavo por meio de quatro itens que
apresentam os detalhes do projeto pedagógico. O estágio supervisionado,
por exemplo, é mais detalhado do que o mencionado na divisão da carga
horária. As atividades complementares também são especificadas, assim
como, as demais atribuições. O artigo finaliza as orientações relacionadas
134
aos conteúdos, práticas e princípios a serem efetivados no processo de
formação e os artigos subsequentes se voltam aos encaminhamentos que
devem ser efetivados nas Instituições.
Sendo assim, a obrigatoriedade às exigências previstas é enfatizada
no artigo nono, reiterando que qualquer curso criado a partir da
regulamentação que objetiva a formação de professores para educação
infantil, ensino fundamental anos inicial ou qualquer outra área em que
estejam previstos conhecimentos pedagógicos, deverão se organizar por
meio desses pressupostos (BRASIL, 2006). Já o artigo dez, propõe que até
o ano seguinte à publicação da Resolução haja a extinção das habilitações
que os cursos tinham até então.
Já no artigo onze, é afirmado que as instituições de educação
superior, que mantêm cursos autorizados como Normal Superior e que
pretenderem a transformação em curso de Pedagogia e as instituições que
já oferecem cursos de Pedagogia, deverão “[...] elaborar novo projeto
pedagógico, obedecendo ao contido nesta resolução” (BRASIL, 2006, p.
5).
O artigo doze apresenta as possibilidades aos alunos concluintes do
curso de Pedagogia ou Normal Superior que tenham cursado as
habilitações de Educação Infantil ou anos iniciais do Ensino Fundamental
e que tenham a intenção de complementar seus estudos (BRASIL, 2006).
Já os artigos treze e quatorze apontam que a implantação e execução destas
Diretrizes deverão, obrigatoriamente, ser acompanhadas e avaliadas pelos
órgãos competentes, além de que, a Licenciatura em Pedagogia, nos termos
dos Pareceres CNE/CP nos 5/2005 e 3/2006 e desta Resolução, asseguram
a formação de profissionais da educação prevista no art. 64, em
conformidade com o inciso VIII do art. 3º da Lei nº 9.394/96 (BRASIL,
2006, p. 5) ressaltando algumas peculiaridades:
135
§ 1º Esta formação profissional também poderá ser realizada em cursos
de pós-graduação, especialmente estruturados para este fim e abertos a
todos os licenciados. § 2º Os cursos de pós-graduação indicados no §
1º deste artigo poderão ser complementarmente disciplinados pelos
respectivos sistemas de ensino, nos termos do parágrafo único do art.
67 da Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 2006, p. 5).
Assim, finaliza a resolução no artigo quinze enfatizando que entra
em vigor na data de sua publicação, revogando a Resolução CFE nº 2, de
12 de maio de 1969 e demais disposições em contrário (BRASIL, 2006).
Delineamentos teóricos e acadêmicos
Desde a promulgação das Diretrizes analisadas, inúmeras questões
foram levantadas, discutidas e analisadas pelos pesquisadores da área, que
mesmo trazendo diferentes olhares sobre seus impactos no âmbito da
formação, encontrando ou não elementos que consideraram positivos,
assemelham suas ideias em dois pontos: primeiro, no debate sobre qual
seria a melhor formação dos profissionais da educação que pudesse atender
às demandas atuais e, segundo, por suas conclusões de que as referidas
Diretrizes não contribuíram como o esperado. A partir de tais pressupostos
podemos tomar como exemplo as pesquisas de Saviani (2007), Machado e
Maia (2007) e também de Franco, Libâneo e Pimenta (2007).
Saviani (2007) aponta que esta Resolução resultou em um
paradoxo por ser restrita em elementos essenciais, que se referem à
configuração da pedagogia como um campo proveniente de um acúmulo
de conhecimentos e experiências históricas. No entanto, ser extensiva nos
acessórios. Como acessórios, o autor considerou a múltipla utilização de
linguagens em evidência na qual o texto está impregnado, como por
136
exemplo, pluralidades de visões de mundo, conhecimento ambiental e
ecológico, democratização, dentre outros termos.
Não apontando um paradoxo, mas sim, a produção de um texto
genérico, Machado e Maia (2007) colocam que a busca pelo consenso
durante a longa gestação das diretrizes, em termos explicitados pelas
próprias autoras, acabou por desfigurar ao invés de criar uma identidade
ao Curso de Pedagogia.
Já Franco, Libâneo e Pimenta (2007) apontam que tal resolução
foi simplista ao expressar uma concepção da Pedagogia e também de seu
exercício profissional em decorrência de precária fundamentação teórica,
imprecisões conceituais e também desconsideração dos campos de atuação
científica e profissional, concluindo que:
Após 15 anos de discussões e polêmicas, a resolução não contribui para
a unidade do sistema de formação, não avança no modo necesrio de
formação de educadores para a escola atual, não ajuda a elevar a
qualidade dessa formação e, assim, afeta aspirações de elevação do nível
científico e cultural dos alunos das escolas de ensino fundamental
(FRANCO; LIBÂNEO; PIMENTA, 2007, p. 94).
Partindo do pressuposto de que o primeiro contato de muitos
profissionais com o referido documento provocou sentimento de perda e
frustração em relação à luta histórica pela formação dos profissionais da
educação, Castro (2007) analisou as Diretrizes com base na Proposta de
Diretrizes que foi encaminhada ao CNE em abril de 2002 pelas Comissões
de Especialistas de Ensino de Pedagogia e de Formação de Professores.
Esta proposta articulada por pesquisadores da área, através de um processo
democrático, entendeu-se que reflete o pensamento do coletivo. Assim,
buscou analisar os aspectos das atuais Diretrizes que, de alguma forma, se
aproximam daqueles propostos em 2002. Teve como referenciais de
137
análise os Eixos de formação e atuação, o Projeto acadêmico e o currículo,
a carga horária total de integralização do curso e a Prática de Ensino e
Estágio (CASTRO, 2007, p. 220).
Dentre estas quatro categorias de análise foram apuradas que tanto
a proposta quanto a instituída apresentam elementos em comum. As
diferenças notadas foram no Projeto Acadêmico e o Currículo, os quais
trazem os núcleos com nomes e quantidades diferenciadas, no entanto,
com conteúdo similar e na Prática de Ensino e Estágio, onde as duas
propostas apresentam diferentes abordagens.
Indo ao encontro do que foi constatado, Scheibe (2007) traz
argumentos que confirmam que as Diretrizes atendem em muitos pontos
às principais expectativas de uma parte significativa e organizada dos
pesquisadores da área educacional, justificando esta afirmação em
decorrência da declaração pública que foi assinada por várias entidades
educacionais, conforme segue:
A homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de
Graduação em Pedagogia, expressa nos Pareceres CNE/CP n. 5/2005
e 3/2006 e na Resolução CNE/CP n. 1/2006, representa um avanço
histórico no campo da formação dos profissionais da educação, em
especial, na formação de professores para a Educação Infantil e Anos
Iniciais para o Ensino Fundamental e na formação de profissionais para
as funções de planejamento, administração, supervisão, inspeção e
orientação educacional (ANPEd; ANFOPE; ANPAE et al., 2006 apud
SCHEIBE, 2007, p.289 ).
Ainda que as Diretrizes tenham sido articuladas conforme
propostas e debates dos profissionais que discutem a formação de
professores, inúmeras questões foram levantadas. Nota-se que há um
destaque nas discussões no que diz respeito à docência como base da
138
formação, suas atribuições profissionais e as concepções de gestão escolar
abordada. Sendo assim, voltamos nosso olhar acerca dos delineamentos
teóricos que se deram a partir de tais pressupostos.
A alteração mais impactante que esta resolução acarretou na
própria estrutura do curso e também na atuação profissional dos alunos
formados, diz respeito à extinção das habilitações que ele previa até então.
Deste modo, o aluno não irá mais optar por uma área de atuação específica,
saindo habilitado a exercer diversas funções profissionais que contemplem
atividades pedagógicas, conforme explicitado nos artigos segundo e quarto.
Esta explanação, repetida em ambos os artigos, acarreta dúvidas
sobre a própria construção do texto, no entanto, o que chama atenção é o
fato de serem apontadas cinco modalidades de atuação, mas haver
indicações no decorrer das Diretrizes de apenas duas, conforme constatado
como uma falha pelos autores:
São criadas cinco modalidades de magistério, a saber: educação infantil;
anos iniciais do ensino fundamental; cursos de ensino médio na
modalidade normal; cursos de educação profissional na área de serviços
e apoio escolar; outras áreas que requerem conhecimentos pedagógicos.
Das cinco modalidades formativas, há referência apenas a duas em todo
o texto: educação infantil e anos iniciais (FRANCO; LIBÂNEO;
PIMENTA, 2007, p. 93).
Este fator pode ser evidenciado, por exemplo, no artigo quinto,
que dentre os dezesseis elementos que os egressos deverão estar aptos, são
mencionadas apenas as especificidades da educação infantil e do ensino
fundamental anos iniciais, não mencionando a respeito das demais
modalidades de magistério.
139
Ao estender a atuação profissional a todas as áreas na qual
permeiem conhecimentos pedagógicos, Ferreira (2006) aponta que tal
resolução constitui-se como campo de possibilidades, onde a formação
pedagógica de todas as demais licenciaturas pode e deve se basear. Sendo
assim, a autora afirma a significância que há na possibilidade de as
Diretrizes servirem como base para além da formação no Curso de
Pedagogia:
Explicita-se, dessa forma, uma unidade de formação pedagógica, no
que concerne a princípios e decorrentes definições, necessários de
serem desenvolvidos em todos os profissionais da educação, no sentido
amplo do termo, isto é, necessários à formação de todos os que
trabalham com a educação em todos os níveis e modalidades
(FERREIRA, 2006, p. 1346).
Compreendendo a docência como base da formação, mas,
ampliando a atuação do Pedagogo também à área de gestão escolar, as
DCN propiciaram diferentes olhares acerca desta questão. Foi considerada
como positiva por diversos pesquisadores, como Machado e Maia (2007),
por exemplo, através do argumento:
Este aspecto é altamente positivo, por possibilitar aos professores, em
sua formação inicial, familiarizarem-se com aspectos da administração
da escola e do ensino. Esses elementos mínimos deveriam fazer-se
presentes em todas as demais licenciaturas (MACHADO; MAIA,
2007, p. 294).
Como pressuposto para esta afirmação, as autoras supracitadas,
reafirmam que esta concepção de docência que extrapola o espaço da sala
de aula é em grande parte decorrente da Lei de Diretrizes e Bases (1996),
pois, ela estabelece em seu artigo treze, as incumbências dos docentes
140
ampliando suas atividades à organização do trabalho na escola
(MACHADO; MAIA, 2007). Já Castro (2007), faz referência à
LDBEN/96, inferindo sobre o artigo 67, parágrafo único: a experiência
docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras
funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino
(BRASIL, 1996 apud CASTRO, 2007, p. 223).
Com um olhar diferenciado, mas também considerando positivo o
conceito de docência abordado, Ferreira (2006) sinaliza para a formação
humana que ele reporta:
Os elementos da definição sobre docência do parágrafo 1º do artigo 2º
permitem afirmar a determinação da existência humana como
elaboração da realidade, verdadeiro sentido da práxis do ser humano,
que não é atividade prática contraposta à teoria, mas a abertura deste
ser humano para a realidade em geral, cuja dimensão mais essencial é a
criação da realidade humano-social. Assim, ação educativa e processo
pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais,
étnico-raciais e produtivas, possibilitam a verdadeira formação humana
do profissional da educação capaz de desenvolver em seus alunos a
cidadania (FERREIRA, 2006, p. 1346).
Ainda que esta concepção de docência tenha sido defendida, há
pesquisadores que discordam do modo que ela foi exposta e também
compreendida pela Resolução. Segundo Franco, Libâneo e Pimenta
(2007) ao expor apenas esta definição teórica, o referido documento
acarreta uma insuficiência em relação à falta de conceitualização
epistemológica da própria Pedagogia. Justificam apontando que pode
haver ambiguidade do conceito:
[...] artigo 2º se afirma que “o curso de Pedagogia (...) propiciará o
planejamento, execução e avaliação de atividades educativas” (grifo
141
nosso). A Pedagogia, nessa frase, já não tem mais como objeto a
docência, mas as atividades educativas. Afinal, qual é o conceito
epistemológico de Pedagogia na resolução? (FRANCO; LIBÂNEO;
PIMENTA, 2007, p. 92).
Portanto, apontam que em decorrência desta falta de clareza na
exposição do termo, a referida Diretriz acabou por definir o termo
principal pelo secundário, ou seja, a docência, um conceito subordinado à
Pedagogia, é identificado como sendo a própria Pedagogia (FRANCO;
LIBÂNEO; PIMENTA, 2007).
Saviani (2008) abordou esta questão, apontando que as Diretrizes
trazem a docência e a licenciatura e bacharelado como uma coisa só,
propiciando uma queda no que diz respeito à base comum nacional para a
formação desse profissional. As justificativas para esta mudança, ou queda,
em termos explicitados pelo próprio autor, é devido ainda não ter se dado
uma definição positiva desta base comum nacional, ainda que esta tenha
sido explicitada na LDBEN/96 para a formação dos profissionais da
Educação. Sobre esta alteração o autor menciona:
Ela deveria surgir do movimento, quer dizer do coletivo. Desse modo,
a noção de “base comum nacional” permaneceu um tanto vaga e toda
a força das propostas girou em torno da reorganização do curso,
mantida a mesma estrutura [...] E formar a docência foi interpretado
pelo movimento como formar professores para Educação Infantil e
para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Então era isso, as
experiências se organizaram dessa forma. A própria história do
movimento dá indicativo de que não fomos capazes de elaborar uma
proposta mais sólida (SAVIANI, 2008, p. 644).
Especificamente sobre a perda ou não do bacharelado, vale expor
dois apontamentos: primeiro o de Castro (2007), que sinaliza que muitos
142
profissionais da área lamentaram o curso de Pedagogia ter perdido o
bacharelado quando se depararam com as atuais Diretrizes, no entanto,
argumenta que esta perda se deu em anos anteriores por meio do Parecer
nº 252/1969 que caracterizou o curso de Pedagogia uma licenciatura.
Sendo assim, aponta que este descontentamento não se justifica a partir de
tal resolução. Ainda que não seja explicitado o termo bacharelado, este
pode ser entendido através da flexibilidade apontada em um dos artigos,
conforme evidenciado pelos autores:
Define a parte inicial do curso (eixo um) como “licenciatura” e
determina que o outro eixo “será definido conforme os projetos de cada
instituição”. Isso na prática significa duas coisas: a. a identidade
nacional do pedagogo passa a ser a de professor; b. o eixo dois tem
grande chance de ser configurado como “habilitações” (bacharelado)
conforme a realidade de cada lugar! E as duas coisas significam
retrocesso e inadequação do texto (FRANCO; LIBÂNEO;
PIMENTA, 2007, p. 93).
As discussões sobre a base docente e atribuições profissionais,
também levaram a questionamentos na forma em que a gestão escolar foi
abordada. Para tal, consideramos relevante sinalizar questões levantadas
por Machado e Maia (2007), que consideram a Administração da
educação como uma área de conhecimento com necessidades de uma
formação específica, no entanto, reafirmam que esta seja fundamentada na
já mencionada base docente.
O primeiro fator salientado, diz respeito à inapropriada utilização
do documento ao se referirem de forma similar entre a gestão de sistemas
e instituições de ensino, já que “[...] em relação a ambos, as expressões
recorrentes, entre outras, são participão na gestão ou ‘participação no
planejamento e avaliação’” (MACHADO; MAIA, 2007, p. 297),
143
conforme pode ser observado nos artigos terceiro e quarto em seu parágrafo
único, por exemplo. O argumento desta explanação é evidenciado através
da justificativa de que as incumbências atribuídas aos sistemas de ensino,
em suas diferentes instâncias, distinguem-se em grau e natureza das
incumbências postas para os estabelecimentos de ensino, demonstrando
assim, uma incoerência nesta utilização dos termos (MACHADO; MAIA,
2007, p. 297).
Indo além, as autoras fazem uma comparação com o previsto na
LDBEN/96, pontuando que ao definir a formação destes profissionais,
não se remete aos níveis de ensino ou de sistema e que, portanto, cabe as
atuais Diretrizes:
[...] O grau de complexidade e atribuições de cada nível sugere ao bom
senso que as DNC’s regulamentem a formação para as tarefas de base,
isto é, para o chão da escola, e ainda assim, com formação específica
(MACHADO; MAIA, 2007, p. 298).
Elas também mencionam sobre os termos que são utilizados no
decorrer dos artigos para expressar a gestão, que é evidenciada através do
conceito de participação. Sendo assim, distinguindo “administrar, gerir,
dirigir” de “participar na gestão”, e recorrendo à Lei de Diretrizes e bases,
chegam à conclusão de que as Diretrizes ao se referir à gestão, não
contemplam o conjunto de atividades de suporte pedagógico que a escola
necessita e mobiliza no seu dia-a-dia (MACHADO; MAIA, 2007, p. 300).
Considerando estes aspectos, os mais diretamente relacionados à
gestão, ou à participação na gestão, dentre os constituintes do núcleo
básico, Machado e Maia (2007), sinalizam que se constituem como
elementos para a formação de professores de forma geral, conforme o
artigo treze da LDBEN/96, eximem através destas especificações, que o
144
que foi apontado não se trata de uma peculiaridade que esteja relacionada
apenas à formação do Pedagogo.
Com base nestes aspectos levantados e em consonância com a
pesquisa realizada pelas autoras, nota-se que consideram que a gestão
escolar foi assumida nas Diretrizes de forma simplificada para a formação
inicial do pedagogo, considerando tanto a construção teórica que a
administração escolar configurou, quanto as exigências profissionais que
ela demanda. No entanto, pontuam como positivo que haja a inserção
desta área para a formação docente independente da licenciatura em
questão.
Considerações Finais
A aprovação e implementação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para o curso de Pedagogia é decorrente de um processo histórico
e social caracterizado pelo movimento na Área da Educação. A partir das
reflexões expostas, compreende-se que a sua concretização não foi o
suficiente para que as reflexões acerca da formação do pedagogo se
esgotem. A partir de diferentes olhares e perspectivas, os autores apontam
para os inúmeros desafios que ainda são enfrentados ao tratar desta
temática.
Concluímos afirmando que este elemento é positivo, partindo do
pressuposto de que são as inquietações e inconformidades que permitem
avanços, desta forma, entende-se que as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Curso de Pedagogia são um ganho por trazer caminhos à formação
em nível nacional, porém, não devem ser consideradas como ponto de
chegada. É necessário compreender os apontamentos trazidos por este
documento, mas, sem perder de vista o olhar crítico sobre os mesmos.
145
Referências
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Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em
Pedagogia, licenciatura. Brasília, 2006
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394,
de 20 de dezembro de 1996. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 4ª ed.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Secretaria de Educação Fundamental. Referenciais para a
formão de professores. Brasília: MEC/SEF, 1999.
CASTRO, M. de. A formação de professores e gestores para os anos
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nacionais. RBPAE – v.23, n.2, p. 199-227, mai./ago. 2007
FERREIRA, N. S.C. Diretrizes curriculares para o curso de pedagogia no
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SAVIANI, D. O curso de Pedagogia e a formação de educadores.
Perspectiva, Florianópolis, v. 26, n. 2, 641-660, jul./dez. 2008
146
SAVIANI, D. Pedagogia: o espaço da educação na universidade.
Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 130, jan./abr. 2007.
SAVIANI, D. A nova lei da educação (LDB): trajetória, limites e
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Ed. rev. e ampl. Campinas: Autores Associados, 2003.
147
REGULAÇÃO DA EAD NO ENSINO SUPERIOR:
REFLEXÕES ACERCA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ___________ _____________________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________
Stelamary Aparecida Despincieri Laham
28
Patrícia Ribeiro Mattar Damiance
29
Introdução
O reconhecido avanço da Tecnologia da Informação e da
Comunicação tem provocado mudanças visíveis no cotidiano das pessoas,
que passaram a obter acesso cada vez maior à informação, bem como a
outras formas de comunicação. Esse progresso também impulsionou
mudanças na Educação e no Sistema Educativo, desde a necessidade de
utilizar as tecnologias em prol de uma educação de qualidade, ao desafio
de ir além da informação e promover a aquisição de conhecimento.
Dessa forma, com o desenvolvimento das novas tecnologias de
informação e comunicação a - Educação a Distância EaD ganhou uma
diferente configuração a partir da utilização das ferramentas digitais. A
EaD tem crescido no Brasil com grande velocidade e objetiva suprir a
necessidade de levar formação superior e especialização a uma parcela da
população que, por diversos fatores, não teria condições de frequentar um
curso presencial. Assim, além do intuito de promover o acesso à formação
28
UNESP, Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho campus de Marília-SP; Brasil;
Doutoranda em Educação; Formação inicial em Pedagogia. E-mail: stelamary@gmail.com
29
FEMA Fundação Educacional do Município de Assis SP; Brasil. Professora Titular do curso
de Medicina. Doutora em Ciências, e membro do Coletivo de Pesquisadores em Políticas
Educacionais COPPE, da Universidade Estadual Paulista. E-mail: patricia.mattar@alumni.usp.br
https://doi.org/.10.36311/2020.978-5-5954-015-0.p147-165
148
acadêmica oportunizando a construção de conhecimentos, a EaD também
tem por finalidade promover a inclusão social e o acesso ao ensino.
A educação tem como uma de suas metas promover o crescimento
econômico e social de um país. No caso do Brasil, devido à extensão
territorial, esta meta sempre foi um desafio para os governantes,
especialmente no que se refere ao Ensino Superior. Neste sentido, Pacheco
(2010) assinala que a EaD vem ao encontro dessa necessidade e tem
potencial de minimizar os problemas territoriais e democratizar a educação
superior no país.
Segundo Litwin (2001), o desenvolvimento da modalidade em
EaD nos últimos anos permitiu que fossem implementados projetos
educacionais dos mais diversos em situações distintas e complexas. Para
essa autora, esses programas oferecidos são caracterizados pela flexibilidade
inerentes às múltiplas possibilidades oferecidas por esta modalidade.
Nesse sentido, para Arruda (2015), a possibilidade de escolha de
tempo e espaço de estudo pelos alunos na modalidade e distância, é uma
das principais causas da ampliação do quadro de matrículas. Nos últimos
dez anos, houve um aumento da oferta e matrícula na EaD, em cursos
superiores.
Autores como Gonçalves (2006); Rezer (2009) e Santos (2011)
apontam que uma das causas de expansão acentuada da EAD deve-se à
criação, em 2006, da Universidade Aberta do Brasil - UAB, instituída pelo
Decreto Federal nº 5.800/2006 (BRASIL, 2006), visando “o
desenvolvimento da modalidade de educação a distância, com a finalidade
de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação
superior no País”. Incentiva a colaboração entre a União e os entes
federativos e estimula a criação de centros de formação permanentes por
149
meio dos polos de apoio presencial em localidades estratégicas. (LAHAM,
2016, p.15).
Na concepção de Maia e Mattar (2007), a EaD vem se
estabelecendo como um mercado promissor e crescente no Brasil e no
mundo. Os autores pontuam ainda que, nas duas últimas décadas, a
modalidade de ensino por EaD teve um importante destaque, haja vista o
crescimento do número de: a) instituições que oferecem algum tipo de
curso a distância; b) cursos e disciplinas ofertados; c) alunos matriculados;
d) professores que desenvolvem conteúdos e passam a ministrar aulas a
distância; d) empresas fornecedoras de serviços e insumos para o mercado;
e) artigos e publicações sobre EaD.
Após o crescimento da oferta de cursos na modalidade a distância,
observado pela instituição da UAB, na esfera pública, vivencia-se outro
período do crescimento de vagas, agora na esfera privada. Constata-se esse
crescimento a partir da divulgação do Censo da Educação Superior de
2018, realizado pelo Ministério da Educação (MEC), evidenciando que
no nível de graduação em EaD, especificamente em Licenciatura, um
crescimento de 17,6% comparado ao número de alunos em 2017. Isso tem
demonstrado a evolução significativa da EaD no Brasil.
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira - INEP
30
, pela primeira vez na história, o
número de alunos matriculados em licenciatura nos cursos a distância
(50,2%) superou o número de alunos matriculados nos cursos presenciais
(49,8%), sendo que, das matrículas nos cursos de licenciatura registradas
em 2018, 37,6% eram em instituições públicas e 62,4% em instituições
30
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível.
Censo da Educação Superior. Disponível em:
< http://portal.inep.gov.br/censo-da-educacao-superior>. Acesso em: 18 nov. 2019.
150
de ensino superior privadas. Em 2007 esse percentual de matrículas no
Ensino Superior a distância era de 15,4%.
O estudo mostra ainda que, sob a ótica dos alunos que terminaram
a graduação, o movimento é parecido. A rede privada, que forma
atualmente 72% dos futuros professores do país, dobrou o número de
graduados em cursos EaD em 4 anos: foram 49,4 mil concluintes em
cursos à distância em 2013 e 98,5 mil em 2017. Portanto, é nas instituições
privadas que se observa a maior presença de EaD e onde essa modalidade
mais cresce (BRASIL, 2018).
Esses números mostram o crescimento expressivo da modalidade
EaD, principalmente com relação a oferta de cursos de formação de
professores. Porém, esse crescimento na EaD no Brasil, evidencia a
necessidade de pesquisas que discutam a respeito das condições em que
esses cursos são oferecidos, seja nos aspectos voltados para a infraestrutura,
a contratação de professores e as condições nas quais se dão as atividades
pedagógicas dos alunos.
De acordo com Arruda (2015) a pauta de discussão que se coloca,
portanto, é tentar compreender de que forma a necessidade de ampliação
e democratização do acesso ao Ensino Superior, necessárias ao Brasil, estão
sendo implementadas. Verificando a perspectiva da educação como
direito, tendo em vista que esse direito não diz respeito apenas ao acesso,
mas também, à qualidade dessa educação, tanto em cursos ofertados na
modalidade EaD quanto presenciais.
Dessa forma, nesse contexto, que combina clara e rápida expansão
da EaD no Brasil nos últimos anos com uma mudança nas diretrizes
curriculares para oferta de cursos de licenciatura, por meio do Decreto nº
2, de 20 de Dezembro de 2019, se faz importante refletir e discutir, na
perspectiva dos impactos sobre a formação de professores. Espera-se que
151
essas reflexões possam contribuir para análises sobre as implicações da
expansão da oferta da EaD no país, de maneira a problematizar as
mudanças que a tecnologia traz para a qualidade dos cursos, para as
condições de formação do professor e, consequentemente, para a
Educação.
Regulação Brasileira de Educação a Distância
As bases legais para a modalidade de EaD foram estabelecidas pelo
Artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional − Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDBEN/96). Por meio deste artigo é
delegado ao Poder Público o incentivo ao desenvolvimento e a veiculação
de programas de ensino a distância em todos os níveis e modalidades de
ensino e de educação continuada. Determinando, ainda, que sua oferta,
organizada com abertura e regimes especiais, caberá às instituições
credenciadas pela União. Em relação às normas de produção, controle e
avaliação desses programas, os sistemas de ensino poderão contribuir com
materiais próprios para uma integração entre os sistemas.
O Artigo 80 da LDBEN 9394/96 também regulamenta que a EaD
se privilegiará de tratamento diferenciado, que incluirá custos de
transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de
sons e imagens; concessão com finalidades educativas; reserva de tempo
mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais
comerciais.
O que se pode destacar no referido artigo e nos seus respectivos
parágrafos é que a lei reconhece a modalidade de EaD como processo de
formação do cidadão brasileiro e poderá ser aplicada em todos os níveis e
modalidades educacionais. Também determina que a EaD no Brasil tenha
152
uma regulamentação própria e que o credenciamento das instituições que
oferecer essa modalidade será feito pela União.
Este artigo foi regulamentado, inicialmente, pelos decretos federais
nº 2.494 de 10 de fevereiro de 1998, nº 2.561, de 27 de abril de 1998 e
nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005. O que regulamenta a EaD no Brasil
atualmente é o Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017, que substitui os
citados anteriormente. Por coincidência, o primeiro Decreto foi publicado
na data de edição da Lei de Diretrizes e Bases de 1996, levando à
constatação de foram necessários nove anos para se ter uma efetiva
regulamentação da EaD em nosso país.
A partir do Decreto nº 9.057 de 2017, as instituições de ensino
superior passam a ampliar a oferta de cursos superiores de graduação e pós-
graduação a distância, permitindo que façam o credenciamento da
modalidade EaD sem exigir o credenciamento prévio para a oferta
presencial. Dessa forma, as instituições poderão oferecer exclusivamente
cursos a distância, sem a obrigatoriedade de oferta simultânea de cursos
presenciais.
Essa legislação define também que as pós-graduações lato sensu por
meio da EaD ficam autorizadas nas instituições de ensino superior que
obtenham o credenciamento em EaD, sem necessidade de credenciamento
específico, como ocorre na modalidade presencial. Também prevê que os
cursos na modalidade EaD poderão ter as atividades presenciais realizadas
em locais distintos da sede ou dos polos.
Nesse contínuo a modalidade EaD, por intermédio da Portaria 11,
de 2017 (MEC, 2017), sofre radical alteração na sua regulamentação no
que diz respeito à previsão de atividades presenciais, autorizando a oferta
de cursos exclusivamente a distância.
153
Ainda em relação à oferta de cursos superiores na modalidade a
distância, será admitida parceria entre a instituição de ensino credenciada
para EaD e outras pessoas jurídicas, preferencialmente em instalações da
instituição de ensino, exclusivamente para fins de funcionamento de polo
de EaD, desde que formalizadas e designadas as obrigações das entidades
parceiras. Nesse caso será responsabilidade exclusiva da instituição de
ensino credenciada para EaD: “I - prática de atos acadêmicos referentes ao
objeto da parceria; II - corpo docente; III - tutores; IV - material didático;
e V - expedição das titulações conferidas”, (BRASIL, 2017).
Outra mudança significativa na legislação de EaD e que estimula a
ampliação da oferta, diz respeito à portaria nº 2.117, de 6 de dezembro de
2019, a qual permite que cursos superiores ofertados na modalidade
presencial ofereçam até 40% de sua carga horária total através da
modalidade a distância (EaD), exceto cursos de Medicina.
Essas alterações modificam, a portaria nº 1.428, de 28 de dezembro
de 2018, que permitia a aplicação de até 20% da carga horária dos cursos
em EaD. O limite poderia ser ampliado para 40% caso as instituições
estivessem credenciadas para oferecer cursos das duas modalidades,
possuíssem ao menos um curso de graduação não presencial com mesma
denominação e grau de um curso presencial; não estivessem sob processo
de supervisão e caso a ampliação estivesse dentro dos limites dispostos pelas
diretrizes nacionais do curso. Além disso, os cursos que utilizassem o limite
deveriam ter conceito igual ou superior a 04 na avaliação do MEC.
De acordo com a legislação vigente, verifica-se uma flexibilização
na oferta de disciplinas a distância em cursos presenciais para além da
ampliação da porcentagem, pois os cursos devem ter conceito igual ou
superior a 3 e apresentar os indicadores de metodologia, atividades de
154
tutoria, ambiente virtual de aprendizagem e tecnologias digitais de
informação e comunicação.
Torna-se importante salientar nessa discussão sobre a Legislação de
EaD, os Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância,
documento que ainda que não possua força de lei, é indicado pelo Decreto
nº 5.622, de 2005, para que seja um referencial norteador, subsidiando
atos legais do poder público no que se refere aos processos específicos de
regulação, supervisão e avaliação da EaD.
O documento “Referenciais de Qualidade para Educação Superior
a Distância” vigente atualmente foi homologado no ano de 2007 e trata-
se de uma versão atualizada do Referencial publicado em 2003. Esse
documento, de acordo com sua própria apresentação, foi elaborado por
especialistas da área, em discussão com universidades e com a sociedade e
tem como objetivo principal definir conceitos para garantir a qualidade de
oferta e desenvolvimento de cursos na modalidade a distância. (BRASIL,
2007)
Nesse sentido, os Referenciais de Qualidade para Educação
Superior a Distância apresentam alguns norteadores para essa modalidade.
São eles: Concepção de Educação e Currículo no Processo de Ensino e
Aprendizagem; Sistemas de Comunicação; Material Didático; Avaliação
da Aprendizagem e Institucional; Equipe Multidisciplinar; Infraestrutura
de Apoio; Gestão Acadêmico-administrativa e Sustentabilidade Finan-
ceira.
O documento que fornece referenciais de qualidade para EaD no
país, foi adotado por IES públicas e privadas, no período de ampliação da
UAB. Atualmente, percebe-se um distanciamento na utilização desse
documento como base de planejamento de cursos, considerando, por
exemplo, o número de tutores responsáveis por turmas de alunos. Os
155
Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância, orientam
que as turmas de alunos tenham entre 25 e 30 pessoas por tutor, no
entanto, verifica-se um aumento crescente de alunos por turma sob a
responsabilidade de um tutor, chegando, em alguns casos, a 200 alunos
por tutor.
Dessa forma, autores como Fialho, Barros e Rangel (2019, p. 119),
afirmam que existe uma contradição em relação a esse documento, que não
têm força legal, mas é estabelecido como referencial norteador da
autorização para funcionamento de cursos em EaD e o instrumento de
avaliação para autorização de cursos superiores de graduação em vigor
(INEP, 2017), porque esse segundo não apresenta qualquer métrica que
possa materializar a declarada preocupação com a qualidade pedagógica
em relação à interatividade professor/tutor e aluno.
Para Pimentel (2000), a legislação da EaD, trouxe avanços no que
se refere a regulamentação da EaD no país. Essa autora afirma que a adoção
desta como modalidade de ensino favoreceu o desenvolvimento de várias
experiências que vem se consolidando.
No entanto, após a Portaria de 2017, abriu-se um nicho de
mercado na EaD como um todo, mais especialmente na formação de
professores do ensino básico. De acordo com autores como Chagas (2013,
p. 5), com o pretexto do incentivo à ampliação do acesso ao Ensino
Superior, o estado se desobriga da tarefa de formação, distribuindo-a para
iniciativa privada. Ainda de acordo com esse autor, alguns documentos
elaborados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco) que objetivavam tratar a expansão do ensino
superior que ocorria na América Latina, estimulavam a EaD no ensino
superior com a mesma lógica privatista e mercadológica da educação.
156
Dessa forma, a meta central que perpassou esses documentos se
assentava na perspectiva de ampliação do acesso ao ensino superior,
objetivando ‘incluir’ o segmento dos trabalhadores nesse espaço
universitário. (CHAGAS, 2013, p.06)
Assim, a realidade da sociedade passou a ser configurada com base
nas orientações do Banco Mundial, com ampliação das universidades
privadas e a reestruturação das universidades públicas (CHAGAS, 2013).
O Estado passa, então, a defender e legitimar a EaD como
modalidade de ensino capaz de suprir a falta de formação em nível
superior, mediante a ampliação do acesso para todos. Entretanto, “o
padrão que se imprime na formação superior atual está longe de se pautar
em um modelo de excelência na qualidade” (CHAGAS, 2013, p. 08).
Assim, o autor conclui que a maioria dos cursos em EaD são oriundos da
iniciativa privada e a legislação procura ampliar a inserção de um número
cada vez maior de alunos, apoiados na lógica lucrativa do capital.
Também com essa linha de raciocínio, Fialho (2019), aponta a
questão da ampliação da autonomia institucional para oferta de cursos em
EaD, destacando que essa percepção é possível quando na análise da
legislação fica evidente que a regulação trata dessa dimensão
essencialmente em dois aspectos: o credenciamento das IES e a autorização
dos cursos. Para o autor, a evolução da regulação para cursos nessa
modalidade revela tendência ao crescimento da autonomia institucional.
Enquanto em 2006 (BRASIL, 2006) toda oferta de curso em EaD
dependia de credenciamento específico da IES para esta modalidade e em
2007, a Portaria 40 (MEC, 2017) exigia que a IES solicitante já fosse
credenciada para o ensino presencial, em 2017 a Portaria 11 (MEC, 2017)
estabelecia que as IES públicas, em todos os níveis, fossem
automaticamente credenciadas para a oferta de EaD; passando a admitir,
157
ainda, que uma IES seja credenciada para EaD, mesmo que não esteja
credenciada para a oferta presencial. (FIALHO, 2019)
De acordo com esse autor, além da facilidade de credenciamento
para oferta de cursos, os polos novos passam a não necessitar de avaliação
in loco para funcionamento. Essa autorização, a partir de 2017, passa a ser
realizada por meio de documentos ou de recursos tecnológicos
disponibilizados pela instituição de educação superior na sua sede central
(MEC, 2017). Fialho (2019, p. 120), conclui que esse movimento de
ampliação da autonomia institucional abre grande possibilidade de
precarização da qualidade pedagógica nos cursos oferecidos.
Diante do exposto, observa-se que vivenciamos um momento na
história da Educação brasileira em que o debate sobre a oferta de formação
de professores na modalidade a distância ganha importância na pauta de
discussões. Não apenas pelas críticas que e preconceitos que a modalidade
sempre sofreu, mas, pela forma como a ampliação da oferta e facilidade em
se conceder um diploma estão presentes na realidade de nosso sistema.
Algumas Considerações sobre as Novas Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN) para a Formação Inicial e Continuada dos
Profissionais do Magistério
Para realizar a presente reflexão sobre a formação de professores em
cursos de EaD, acredita-se que é válido apresentar e analisar a nova
resolução que trata das diretrizes curriculares para a formação inicial e
continuada dos profissionais do magistério.
A Resolução nº 2/2019, define Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica (DCN
Formação) e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de
158
Professores da Educação Básica (BNC-Formação). Essa resolução revisa as
DCN de 2015, com o objetivo de trazer mudanças necessárias dadas pela
aprovação da Base Nacional Comum Curricular - BNCC.
As diretrizes curriculares trazem mudanças significativas, mas a
carga horária total dos cursos de formação de professores permanece 3.200
horas, das quais 400 horas de estágio e 400 horas de prática como
componente curricular. Assim, inclusive nos cursos em EaD, é preciso que
25% da carga horária seja presencial. Essas especificações de carga horária
referente às práticas, contavam na extinta deliberação de 2015, porém, é a
primeira vez que uma diretriz curricular faz menção à oferta de Educação
a Distância.
Em seu artigo 6º, que trata dos princípios para formação de
professores, determina que se tenha: “IV - a garantia de padrões de
qualidade dos cursos de formação de docentes ofertados pelas instituições
formadoras nas modalidades presencial e a distância” (BRASIL, 2019).
Todavia, ainda não se tem claro quais seriam esses padrões de qualidade,
pois, não há indicativo de qual referencial de padrão será adotado.
Em seu artigo 14, ainda em relação a EaD esclarece a necessidade
de explicitação nos projetos pedagógicos dos cursos, a fundamentação
técnica que garanta a viabilidade da oferta nessa modalidade, com vista ao
desenvolvimento de competências e de habilidades previstas. (Brasil, 2019)
Uma das mudanças que chamou mais atenção foi a flexibilização
da carga horária da Segunda Licenciatura. As DCN Formação, recém
aprovadas, reduziram a carga horária necessária para alunos já licenciados
cursarem uma Segunda Licenciatura: passou a ser de 760 horas, com
possibilidade de aproveitamento de 200 horas (antes era de 1.200 horas,
com possibilidade de aproveitamento de 400 horas). Essa diminuição
também é observada em cursos de Formação Pedagógica para Graduados
159
não licenciados também conhecida como Complementação Pedagógica
é um curso oferecido para bacharéis que buscam obter habilitação para
atuar como professor da Educação Básica. As DCN Formação reduziram
a carga horária total destes cursos, que passou de 1.400 horas (com
possibilidade de aproveitamento de 400 horas) para 760 horas (sem
possibilidade de aproveitamento).
Por se tratar de resolução recém aprovada não há debates
acadêmicos sobre o assunto até o momento, entretanto, órgãos como a
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd,
publicou em outubro de 2019, documento no qual faz considerações sobre
o texto referência das DCN Formação, aprovado em dezembro do mesmo
ano.
Intitulado “Uma Formação Formatada”, a associação elenca nove
motivos de contrariedade em relação ao documento. De acordo com essa
manifestação pública, a resolução aprovada é contraditória quando propõe
a valorização e profissionalização da docência e habilita para se tornar
docente qualquer graduado em menos de um ano.
O texto publicado pela ANPEd, aponta alguns problemas
ocasionados pela flexibilização da carga horária para a formação docente,
sinalizando que “reforça-se a visão de que qualquer profissional possa ser
professor e que a docência não requer um conjunto de conhecimentos
específicos que são complexos e necessitam de um relevante período de
tempo e prática para serem adquiridos” (ANPEd, 2019, p. 7).
Outro problema apontado é o fato de que não existe um sistema
de regulação que garanta um patamar mínimo de qualidade para esses
cursos. Eles não são avaliados pelo INEP e os concluintes não fazem o
Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - ENADE. Além disso,
160
os cursos podem ser oferecidos por qualquer instituição de educação
superior, mesmo que esta não tenha o curso de graduação correspondente.
Nessa direção de análise apresentada pela ANPEd, Lima (2008)
analisa a EaD a partir da desresponsabilização do Estado, sinalizando que
o financiamento da educação superior estimula medidas que acentuam a
privatização interna das instituições de ensino superior, ao mesmo tempo
em que aprofunda o processo de empresariamento da mesma por meio da
ampliação do número de cursos privados e utiliza uma lógica empresarial
para a formação profissional, reduzindo o tempo de duração dos cursos e
não se contrapondo à precarização do trabalho docente.
Considerações Finais
Ao chegarmos às considerações finais é possível afirmar que o
ensaio apresentado nos limites deste trabalho se propôs refletir sobre a
expansão da EaD no âmbito da legislação vigente para oferta da
modalidade e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
Inicial de Professores para a Educação Básica.
Por se tratar de um estudo bibliográfico e um recorte pontual de
uma pesquisa em andamento, fixou-se a análise e as reflexões a partir de
expedientes legais, bem como em dados disponíveis nos sites governa-
mentais e institucionais, sem deixar, contudo, que nossas vivências como
profissionais da área, possibilitassem atribuir sentidos ao significado social
dessas políticas.
Com as tecnologias digitais cada vez mais rápidas e integradas, o
conceito de presença e distância se altera profundamente e as formas de
ensinar e aprender também. As tecnologias digitais da informação têm
potencial de promover uma educação presencial conectada, o que pode
modificar a organização da EaD. Ou seja, é possível observar uma
161
aproximação entre os cursos presenciais e a distância, tendo em vista a
ampliação da carga horária permitida de disciplinas em EaD no presencial.
Os cursos presenciais começam a ter disciplinas parcialmente a distância e
outras totalmente a distância.
Nesse cenário, os mesmos professores que estão em cursos
presenciais e que possuem carga horária a distância começam a atuar
também na EaD. Toda essa tecnologia voltada para a educação pode abrir
inúmeras possibilidades de aprendizagem que combinarão o melhor do
presencial com as facilidades do virtual. Em poucos anos dificilmente
haverá um curso totalmente presencial. Por isso o caminho é para fórmulas
diferentes de organização de processos de ensino-aprendizagem.
Porém, o que se presencia na atualidade é uma ampliação
desenfreada de cursos a distância, diminuição da carga horária obrigatória
para conclusão de cursos de não-licenciados sem que haja uma política de
regulação que seja realmente eficaz para garantia da qualidade. A formação
de professores no Brasil necessita ser discutida além do âmbito da
modalidade. É necessário que se analise e haja políticas públicas efetivas de
formação, mas, também de melhoria de condições de trabalho, remu-
neração e oferta.
Existem muitas críticas com relação à modalidade EaD, sem a
reflexão de que esse movimento é mundial. Em países como Inglaterra,
Canadá, Estados Unidos a educação remota, em sistema híbrido é uma
realidade. Nesse sentido, as críticas e preocupações devem ser direcionadas
ao fato de, no Brasil, estas mudanças de flexibilização de oferta e carga
horária em cursos de formação de professores, estarem atreladas apenas à
redução de custos da instituição e reduzir ao máximo o número de
professores trabalhando.
162
Dessa forma, sem ter a pretensão de esgotar considerações sobre o
tema, ao lado das conclusões que foram possíveis sustentar, este trabalho
pretende ter aberto um conjunto de questões que reclamam tratamento
analítico mais aprofundado, contribuindo, também desta forma, para
ampliar a reflexão crítica que auxilie o aperfeiçoamento da oferta e
regulação de cursos de formação de professores na modalidade EaD no
Brasil.
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167
INFÂNCIA E POLÍTICAS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL:
PERCEPÇÕES SOBRE A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
E A POLÍTICA NACIONAL DE ALFABETIZAÇÃO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ _
Fernanda Gonçalves Gomes
31
Ione da Silva Cunha Nogueira
32
Introdução
O Brasil é um país que historicamente tem travado lutas contra o
analfabetismo e por essa razão pode-se dizer que existe uma crescente
preocupação com alfabetização das crianças tanto por parte da academia,
quanto de profissionais da educação. Nesse sentido, compreender as
dificuldades que se apresentam ao processo educacional como um todo, se
mostra relevante, pois essa compreensão lança luz sobre as possibilidades
de atuação de educadores e profissionais da educação.
As políticas públicas são um importante meio de se combater os
problemas e as desigualdades existentes. Por meio delas será possível
minimizar essas questões, porém é necessário que sejam criadas e
implementadas de maneira a atender às reais necessidades, o que exige
aproximação da realidade. Para se eliminar um problema como o
analfabetismo, é necessária a elaboração urgente de políticas públicas que
atendam às demandas a ele relacionadas.
31
UNESP Universidade Estadual Paulista, Professora da Rede Municipal de Ensino de Assis e
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação da UNESP MaríliaSP; Brasil.
32
UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Câmpus de Três LagoasMS; Brasil.
Professora Associada. ionescnogueira@gmail.com
https://doi.org/.10.36311/2020.978-5-5954-015-0.p167-194
168
Esse artigo tem como objetivo discutir algumas percepções a
respeito das políticas nacionais de alfabetização sob o viés histórico-
político. Para tanto será dividido em dois momentos: no primeiro será
realizada uma revisão histórica sobre o desenrolar da política nacional de
educação, com ênfase no desenvolvimento da legislação. No segundo
momento será realizada a discussão sobre os dois documentos mais
recentes relacionados à política de alfabetização: a Base Nacional Comum
Curricular - BNCC (BRASIL, 2017), com recorte nos anos iniciais do
ensino fundamental e a Política Nacional de Alfabetização (BRASIL,
2019).
O Cuidado com as Crianças: Educação enquanto Direito
Historicamente a visão a respeito da necessidade de democrati-
zação da educação foi progressivamente alterada para que apenas ao final
do século XX fosse finalmente reconhecida como direito básico de todo
cidadão e garantida constitucionalmente. Porém, esse entendimento não
surgiu de uma hora para outra, esteve na pauta de lutas durante bastante
tempo, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
Também a criança foi gradualmente sendo reconhecida na
sociedade como sujeito de direitos e merecedora de atenção e cuidados,
incluindo-se nestes, o acesso à educação de maneira ampla. Embora desde
o início da modernidade, com o surgimento do sentimento de infância,
tenhamos a ideia de que lugar de criança é na escola, o acesso democrati-
zado à escola por grande parte das crianças brasileiras só vem a se tornar
realidade após 1988, com a promulgação da atual Constituição Federal e
outras leis que lhe são complementares. (NOGUEIRA, 2010)
169
Marcílio (1998) apresenta a ideia de que o século XX foi o século
da criança, pois foi em seu desenrolar que houve a descoberta, valorização,
defesa e proteção da criança, pensando-se em seus direitos básicos,
reconhecendo-se que ela é um ser humano com características próprias e
necessidades diferentes dos adultos. Ao longo de todo este século, os
direitos humanos foram cada vez mais amplamente discutidos, especial-
mente após a 2ª guerra. Juntamente com o reconhecimento dos direitos de
homens e mulheres à dignidade e respeito, também as crianças passaram a
ter seu espaço.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos no parágrafo 1º do
artigo 26 afirma:
Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo
menos no que se refere à instrução elementar e fundamental. A
instrução elementar será obrigatória. A instrução técnica e profissional
deverá ser generalizada; o acesso aos estudos superiores se dará para
todos em plena igualdade e em função dos respectivos méritos. (ONU,
1948)
A partir da Declaração, outros documentos internacionais foram
surgindo, buscando destacar a educação como um importante aspecto dos
direitos humanos, dentre eles, o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção sobre os direitos da
Criança, a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Protocolo de
San Salvador. Porém, de acordo com Duarte (2006), não obstante o
reconhecimento do direito à educação tanto nos principais documentos
internacionais de proteção aos direitos humanos, quanto no ordenamento
jurídico brasileiro, ainda hoje é possível encontrar grande dificuldade em
sua efetivação.
170
Para a autora, um dos obstáculos para que isso ocorra decorre da
dificuldade de se delinear o regime jurídico aplicável aos direitos humanos
de natureza social à luz desse ordenamento jurídico. Assim, sua
compreensão depende da utilização de uma teoria constitucionalmente
adequada, que leve em consideração o modelo de Estado ali adotado, de
inspiração social. Segundo Duarte, o que ocorre é que “prevalecem, ainda,
interpretações que insistem em negar a natureza jurídica e as condições de
justiciabilidade dessa categoria de direitos” (DUARTE, 2006, p. 128).
A autora mostra que outro fator que ocasiona a dificuldade de
efetivação dos direitos sociais é a polêmica em torno de sua forma de
positivação, levando à indagação a respeito do fato de se tratar de
verdadeiros direitos ou de meros princípios. Alega-se que a dificuldade em
determinar, inclusive a partir da Constituição Federal, o conteúdo de
normas previstas de forma genérica e abstrata seria condição suficiente para
relegar a sua aplicação para um futuro incerto. De acordo com Duarte, a
situação se torna muito delicada pelo fato de
A determinação do conteúdo específico dos direitos sociais exigir a
elaboração e implementação de políticas públicas, categoria extrema-
mente complexa do ponto de vista jurídico, pelo fato de sua realização
demandar o concurso de poderes Executivo e Legislativo. Alega-se que
o Judiciário, diante de uma situação de inércia do Legislativo na
elaboração e do administrador na concretização das referidas políticas,
não poderia exercer o controle sobre tais violações, sob pena de invadir
a esfera de competência dos demais poderes (DUARTE, 2006, p. 128).
A autora indica ainda que os direitos sociais demandam a realização
de condutas por parte do Estado, que devem implementar medidas
concretas e colocá-las à disposição dos indivíduos e grupos. Estes são, para
a autora, “direitos de crédito” dos cidadãos, diante do Estado, que exigem
171
o direcionamento dos governos para o cumprimento de necessidades
sociais através do desenvolvimento de políticas públicas, que têm como
objetivo, a redistribuição de bens numa sociedade, que deve ter como meta
a igualdade de condições de vida.
É importante também observar que o fato de uma Constituição
incorporar o princípio do Estado de direito social, como ocorre com a
Constituição Federal de 1988, traz implicações diretas à vida dos cidadãos
e da sociedade como um todo. Assim, Hesse apud Duarte mostra que “isso
significa que as tarefas do Estado não mais se esgotam na proteção,
conservação, só ocasionalmente intervenção. O Estado da Lei
Fundamental, é Estado que planifica, guia, presta, distribui, possibilita
tanto vida individual, como social” (DUARTE, 2006, p. 131).
Para a autora, a Constituição Federal de 1988 faz uma opção
explícita pelo Estado social e democrático de direito, o que pode ser
confirmado já no caput do artigo 1º, que institui o Estado democrático de
direito e tem como fundamento a cidadania e o pluralismo político. Além
disso, o parágrafo único desse artigo ressalta o princípio de soberania
popular. O caráter social desse Estado de direito fica explícito no inciso III
do mesmo artigo, que incorpora a dignidade da pessoa humana como
fundamento desse novo Estado e o artigo 3º estabelece como objetivos
fundamentais da República a busca por uma sociedade livre, justa e
solidária.
Porém, como dito anteriormente, no Brasil a educação como
direito só passou a ser realidade a partir da segunda metade da década de
80 do século XX, no período de transição democrática. Para compreender
como se deu esse processo de envolvimento com uma educação obrigatória
e integradora é preciso retomar as relações entre elite política, massa
popular e educação no Brasil desde o século XIX.
172
Ainda no século XIX a educação foi vista como possibilidade de
mudança para a sociedade brasileira, porém, as autoridades relutaram em
reconhecê-la como tal e demoraram em democratizar o acesso do povo à
educação. Isso ocorreu por questões as mais variadas, fato que nos leva a
pensar o quanto as políticas de exclusão têm sido realidade para uma
parcela significativa em nosso país há bastante tempo.
Essas políticas, por si mesmas, já podem ser consideradas uma
violência contra o povo, essencialmente o mais pobre que, por meio de tais
atitudes vê perpetuada sua impossibilidade de acesso aos mais diversos
direitos. Nesse sentido, de acordo com Rezende (2005), em 1822 muitos
tentavam impedir que a abertura política viesse a acontecer no sentido de
atender às demandas do povo e, com isso, perpetravam a condenação da
maioria ao analfabetismo, à fome e ao abandono. A autora aponta ainda
que até 1920 a maneira como os dirigentes operavam em suas
administrações públicas era fundada no descaso para com os interesses
coletivos, tendo como objetivo real, a manutenção do povo no
analfabetismo e, portanto, na exclusão da vida política.
Rezende apresenta a ideia de que nesse período a educação era
voltada para a minoria e a produção econômica visava ao enriquecimento
predador, levando a um consumo supérfluo, voltado para o luxo e para
uma concentração de riquezas, sendo estes, responsáveis pela manutenção
das desigualdades. Essa era a “base de um padrão de organização que se
reproduziria numa lógica reforçadora da destruição e não da construção
das potencialidades sociais e políticas da maioria dos brasileiros”
(REZENDE, 2005, p. 53).
A autora também mostra que havia nesse momento um
pensamento a respeito do povo brasileiro que o descrevia como violento,
preguiçoso, alegre, triste, incapaz, imprevidente, desordeiro, entre outros.
173
Essas explicações levavam em consideração a ideia de que tais caracteris-
ticas estavam relacionadas à natureza imutável do brasileiro como
consequência do fato de que as forças naturais (biológicas, climáticas,
étnicas) eram superiores e seriam capazes de determinar as sociais. Sendo
assim, alguns pensadores do final do século XIX e início do século XX
consideravam desnecessário modificar a situação de exclusão e privação do
povo brasileiro e o investimento nas instituições sociais e políticas com
vistas à sua alteração, seria desnecessário e inócuo, uma vez que o povo
brasileiro possuía um modo de ser imutável.
Ao analisar as ideias de Fernando de Azevedo, a Rezende (2005)
aponta que este foi um pensador que lutou para modificar tal concepção.
Em primeiro lugar, refutou a tese de que a dificuldade de aprendizado e o
desânimo eram consequência da “mestiçagem” ocorrida no país. Para
tanto, passou a argumentar que o modo de ser era decorrente das condições
sociais e não étnicas e se houvesse a pretensão de se modificar o país, seria
necessário alterar completamente as primeiras e reverter todo o sentimento
de individualismo e clientelismo existente. Para Fernando de Azevedo, a
educação seria a possibilidade de modificação das mentalidades, visando
construir uma sociedade que vivesse em torno de interesses coletivos e
democráticos. A reforma educacional, portanto, era vista por ele como a
base para todas as demais reformas que a sociedade precisava empreender.
Esse pensamento de que a educação seria o primeiro caminho no
sentido de trazer mudanças ao país não esteve presente somente nas obras
de Fernando de Azevedo. Mesmo as elites intelectuais percebiam o quanto
o Brasil se distanciava de outros países considerados, por elas como
“civilizados”, devido ao alto índice de analfabetismo, que tinha como
consequência o aumento da pobreza e do grau de miserabilidade.
174
Segundo as concepções de Rizzini (2008), o povo não conseguia
alcançar os níveis de educação necessários porque os velhos coronéis, “que
governavam o país como governavam suas fazendas” (p. 54), não estavam
nem um pouco interessados em oferecer-lhe educação, o que fazia com que
continuasse dependente do benefício exclusivo de tais administradores e
exposto à manipulação e exploração, fato que representava humilhação e
vergonha para o Brasil diante do mundo.
Segundo Rizzini (2008), o que caracterizava uma nação como
civilizada era o senso de liberdade e de responsabilidade perante a pátria, o
que levaria a excluir todos os países que se utilizassem da escravidão desse
tipo de descrição. O Brasil estaria, portanto, muito distante de tal
condição. Não apenas por causa da escravidão, que esteve presente na
história brasileira por tanto tempo, mas também porque a pobreza
alcançava grande parte da população brasileira e ela era vista como algo
humilhante para a nação, sendo assim, minimizar a pobreza, consistia em
um teste de civilização, conforme o pensamento da época.
Ao se usar como exemplo um país que conquistou a reputação de
altamente civilizado é preciso estar atentos às ideias implantadas na
Inglaterra, com vistas a desenvolver políticas no sentido de minimizar tal
problema. As primeiras ações nesse sentido naquele país datam do início
do século XVII, o que os levou no século XIX apenas a consertar alguns
pontos que não se encontravam apropriados à realidade. E enquanto lá, a
preocupação foi em trazer maior igualdade social, minimizando a pobreza,
aqui se pensava em exercer um maior controle sobre o pobre por meio de
sua moralização ao mesmo tempo em que se impedia que o povo alcançasse
a cidadania plena.
No Brasil a equipe letrada que dominava a situação política da
época vivenciava um paradoxo: precisava promover a educação, para
175
civilizar a nação, mas por outro lado, não queria abrir mão dos privilégios
que possuía como herança. A contradição encontrava-se no fato de educar
o povo, como único meio de se alcançar o desenvolvimento do país,
porém, mantendo-o sob vigilância e controle, sob a desculpa de fazer com
que a ordem pública prevalecesse (RIZZINI, 2008).
Com o objetivo de se conseguir transformar a nação percebeu-se
que era preciso também cuidar da criança e parte desse cuidado consistia
em oferecer educação e ajudá-la a sair da condição de exclusão em que se
encontrava. Na prática, porém, no que dizia respeito à infância pobre,
educar possuía o sentido de moldar para a submissão. Em comparação com
o tempo anterior, essas novas ideias apresentaram alteração apenas em
relação à forma de fazê-lo, pois a manutenção da vigilância e do controle
continuou a mesma. É por isso que Rizzini afirma que o país
Optou pelo investimento em uma política predominantemente
jurídico-assistencial de atendimento à infância, em detrimento de uma
política nacional de educação de qualidade, ao acesso de todos. Tal
opção implicou na dicotomização da infância: de um lado, a criança
mantida sob os cuidados da família, para a qual estava reservada a
cidadania; e do outro, o menor, mantido sob a tutela vigilante do
Estado, objeto de leis, medidas filantrópicas, educativas/repressivas e
programas assistenciais, e para o qual, [...] estava reservada a
“estadania”
33
(RIZZINI, 2008, p. 29, grifos nossos).
À frente do país, ou seja, elaborando e votando as leis,
estabelecendo normas e sanções, pensando e atualizando projetos para o
progresso do Brasil, encontrava-se uma elite intelectual e política. Essa elite
33
A autora faz referência à CARVALHO, José Murilo de. “Os bestializados”: o Rio de Janeiro e a
República que não foi. 3ª Ed. RJ: Companhia das Letras, 1991, que utiliza o termo “estadania”
para se referir à ação paternalista do Estado em contraposição à participação de cidadãos ativos no
processo político.
176
considerava-se apta a elaborar os planos de salvação do país, de construí-lo
e, quem sabe, projetá-lo no exterior. A seus olhos, os pobres, com sua aura
de viciosidade não se encaixavam nesse ideal de nação, pois no pensamento
da época, pobreza e degradação moral estavam sempre associadas.
Os caminhos para a mudança eram, portanto, conhecidos e
passavam pelo processo de igualdade entre os indivíduos, buscando
proporcionar o fim da pobreza e o acesso à educação para todos, baixando
definitivamente os níveis de analfabetismo. É possível ver aí uma pressão
civilizatória. Entretanto, as elites brasileiras no poder optaram por maquiar
o problema oferecendo aos pobres um atendimento paternalista que
apenas serviu para minimizar a situação de miséria, fornecendo uma
educação básica que permitiu o acesso de um maior número de trabalha-
dores às indústrias. Esse tipo de ação atendeu também aos interesses do
empresariado, por meio de uma educação voltada para o trabalho. Esse
modelo de educação, no início do século XX, não veio acompanhado da
tão esperada e necessária democratização do ensino.
Segundo Romanelli (1983), durante a 1ª República, a maior parte
da população estava concentrada na zona rural e não considerava a
educação um importante meio de ascensão social, pois a economia era
baseada na monocultura e no latifúndio, e utilizava técnicas arcaicas de
cultivo. Isso contribuiu para a permanência da velha educação acadêmica
e aristocrática, dando-se pouca importância à educação popular. A
realidade econômica não exigia da escola uma maior demanda de recursos
humanos voltados para o mercado de trabalho.
Desse modo, até 1920, a educação foi um instrumento de
mobilidade social, pois os estratos que manipulavam o poder político e
econômico utilizavam-na como diferenciação de classe social. O padrão de
ensino nesse período não tinha uma função educadora para os níveis
177
primário e médio e, por isso, não merecia atenção do Estado. A partir de
1930, com o início do período de transição da sociedade oligárquico-
tradicional para a urbano-industrial, é criado o sistema nacional de
educação, em princípio através da Reforma Francisco Campos e, depois,
por meio das Leis Orgânicas do Estado Novo. Porém, o ensino superior
ainda permaneceu por muito tempo como monopólio das elites
conservadoras.
O crescimento urbano fez com que houvesse um aumento na
demanda social da educação e o ensino passou de aristocrático a seletivo,
porque o sistema paralelo de ensino (como SENAC e SENAI) ajudou a
manter o dualismo do sistema educacional, discriminando socialmente as
populações escolares e fornecendo mão-de-obra à economia. Na visão de
Romanelli esse sistema paralelo de ensino trazia contribuições para a
economia e para a política e oferecia o grau de produtividade desejada para
a indústria, mas mantinha um nível de treinamento e escolaridade baixos,
evitando assim, pressões sociais por melhorias salariais (ROMANELLI,
1983).
Desse modo, a seletividade do ensino e a predominância do
ensino acadêmico sobre o técnico tornaram-se fatores que contribuíam
com a própria ordem econômica. Após a injeção de capital estrangeiro na
economia nacional os mecanismos tradicionais de ascensão da classe média
foram extintos e foram criadas funções nas hierarquias ocupacionais das
empresas que exigiam qualificação. O modelo de Universidade
conglomerada não atendia mais à demanda econômica de recursos
humanos e a crise educacional dos anos 50 e 60, foi exatamente a crise da
Universidade. O poder político, até o início dos anos 60, foi incapaz de
neutralizar essa crise e a Lei de Diretrizes e Bases de 1961, atendeu mais a
interesses de ordem política do que a interesses sociais emergentes e, até
178
mesmo, a interesses econômicos. Nesse sentido, a defasagem educacional
deixava de ser funcional para a estrutura de dominação vigente.
Conforme a percepção de Cunha (1991), a promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação de 1961 foi o primeiro grande golpe dos
privativistas sofrido pela escola pública de 1
o
e 2
o
graus, pois ao propiciar
a formação de sistemas estaduais de educação de competência muito
ampla, concederam aos empresários do ensino e aos grupos confessionais
a oportunidade de assumirem o controle do sistema educacional.
Depois de 1964, com o golpe militar, a redefinição do processo
político e do modelo econômico criou condições para o agravamento da
crise no setor educacional. Houve nesse momento uma desintegração de
fatores atuantes no sistema de educação, demonstrada numa polarização
de interesses. Assim, os interesses sociais pressionavam o sistema para
expandir as oportunidades, apesar de a estrutura do poder atuar refreando
as inovações iminentes, e a política econômica adotada não permitir a
expansão da oferta de ensino (CUNHA, 1991).
Para Romanelli (1983) a absorção da crise e a redefinição do
modelo educacional foram realizadas em função da mudança de papéis
desempenhados pelo setor da educação, na fase da retomada da expansão
e as pressões, tanto externas quanto internas, levaram o Governo a optar
pela modernização do sistema educacional.
De acordo com a autora, somente em 1968 pode-se perceber a
educação como fator de desenvolvimento, bem como se percebe o início
de várias mudanças na sociedade e na economia. Na época, foram
assinados vários convênios entre o MEC e o AID (Agência Internacional
de Desenvolvimento), trazendo, desse modo, não apenas capital
estrangeiro para o sistema educacional brasileiro, mas entregando a
179
reorganização desse sistema aos técnicos oferecidos pela AID. Esses
convênios ficaram conhecidos como Acordos MEC-USAID.
Tais acordos tiveram tantos protestos que serviram ainda mais para
agravar a crise educacional e tiveram como resultados, dentre outros, a
Reforma do Ensino Universitário de 1968. O governo militar optou por
um desenvolvimento baseado na dependência econômica, o que trouxe
grandes consequências para vida política e social do país (ROMANELLI,
1983).
As modificações ocorridas no período que segue os anos 70 não
contribuíram com importantes transformações do sistema educacional. As
mudanças no 1
o
grau atenderam aos interesses das empresas. O ensino
profissionalizante estabelecido no período fez parte de um desvio da
demanda da Universidade, proposta pelo Estado. A modernização
determinada para as Universidades transformou-as, de certa maneira, em
fornecedoras de pessoal qualificado para a “Grande Empresa”. Conforme
a percepção de Romanelli (1983), os resultados que a Universidade e o
ensino de modo geral proporcionaram nesse período apenas contribuíram
para que o país se mantivesse na periferia do processo de desenvolvimento
do capitalismo.
Para Cunha (1991), a lei 5.692/71 foi o principal instrumento
político dos governos militares no tocante ao ensino de 1
o
e 2
o
graus e,
embora tenha vindo para direcionar o 2
o
grau a um ensino
profissionalizante, não foi seguida pelas escolas privadas, que se mostravam
interessadas na qualificação de seus alunos para o ingresso nos cursos
superiores. Como consequência da aplicação de tais modificações houve
uma deterioração da qualidade do ensino na escola pública, que até hoje
não foi superada. Ao final dos anos 70 e início dos anos 80, o processo de
180
redemocratização do país trouxe mudanças para educação, que não foram
suficientes para atender de maneira satisfatória a realidade nacional.
A partir desse momento é possível acompanhar uma crescente
busca por tal democratização e sua garantia em termos legais, o que não
impede que a realidade vivenciada no país ainda esteja distante da
conquista da educação plena e de qualidade para todos. Atualmente, pelo
menos na letra da lei, toda criança maior de quatro anos deve estar
matriculada na Educação Básica e a possibilidade de acesso à escola foi
viabilizada de diversas formas pela Constituição Federal (BRASIL, 1988)
e reforçada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL,
1996)
34
.
Apesar das garantias presentes na legislação ainda é possível
encontrar, pelo Brasil afora, escolas em condições precárias ou com falta
de professores para atender aos alunos, dificuldades no transporte de
crianças até a escola e tantos outros problemas que, após mais de 32 anos
de Constituição Federal e 24 de Lei de Diretrizes e Bases da Educação, já
poderiam e deveriam ter sido solucionados.
De acordo com Campos e Haddad (2006), a escola que tem estado
à disposição das classes populares é uma escola precária, funcionando em
muitos turnos diários, prédios adaptados, sem equipamentos e materiais
didáticos necessários, sem o quadro de pessoal completo e outros
problemas que podem ser encontrados em diversas escolas públicas,
34
Conforme o art. 205 da Constituição Federal: “A educação, direito de todos e dever do Estado e
da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.” Também o art. 208 mostra que o dever do Estado com educação será efetivado mediante
a garantia de Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, dentre outras coisas. A LDBEN/96
reitera esses artigos e acrescenta no art. 6º que “É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula
das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade”.
181
principalmente em determinadas regiões brasileiras como norte e nordeste.
Escolas desse tipo geralmente contam com o trabalho voluntário da
comunidade para funcionar (CAMPOS e HADDAD, 2006)
É necessário democratizar o acesso à educação, mas isso poderá ser
realizado a qualquer custo, com qualquer tipo de ensino ou escola sendo
oferecidos? Campos e Haddad mostram ainda, que a primeira concepção
de qualidade está ligada à presença de condições mínimas de
funcionamento das escolas, mas em seguida surgem as questões voltadas
também à forma de funcionamento da escola. Embora, seja muito difícil
chegar a um consenso nessa área, pois a qualidade é um conceito
socialmente construído, trazer esse tema para o campo da efetivação de
direitos é, para esses autores, o maior desafio na luta pela democratização
do ensino no Brasil.
Uma vez que o Estado brasileiro é um Estado social e democrático
de direito, tem para com seus cidadãos diversas obrigações, dentre elas a de
oferecer educação pública, laica e gratuita. Além da educação, outras
formas de atendimento também devem ser pensadas no sentido de tornar
efetivo o envolvimento das autoridades e da sociedade brasileira com o
reconhecimento dos direitos das crianças e adolescentes. A alfabetização é
um direito a que todo cidadão brasileiro deve ter acesso por ser um
importante meio de inclusão social. Exatamente por esse motivo, as
autoridades precisam estar atentas à elaboração de políticas que tornem
esse direito cada vez mais acessível a todos os cidadãos.
BNCC e PNA: percepções sobre políticas nacionais para alfabetização
Com a promulgação da Constituição Federal em 1988 ficou
estabelecida a obrigatoriedade e gratuidade da educação para todos, o que
colocou em evidência a intenção da democratização da educação. A Lei de
182
Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) direcionou ainda mais os
deveres e objetivos do Estado, porém se mostra de grande importância a
constante elaboração e aplicação de políticas que sejam capazes de colocar
em prática todos os preceitos ali contidos.
Desde então outras leis foram promulgadas e documentos
publicados no sentido de atender ao exposto na carta magna e na lei da
educação. Para cumprir o objetivo desse artigo, serão revisionados aqui, o
último documento publicado que faz referência ao currículo que é a Base
Nacional Comum Curricular e o decreto nº 9.765, de 11 de abril de 2019
que institui a Política Nacional de Alfabetização.
A ideia de um currículo normativo já era prevista na Constituição
Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e no Plano Nacional de
Educação (2014-2024). Assim, em 2015 iniciou-se a elaboração da BNCC
Base Nacional Comum Curricular, que na versão final, entregue em
meados de 2017, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE) em dezembro do mesmo ano, ficando pendente apenas a parte
referente à etapa do Ensino Médio, entregue no ano seguinte.
Para atingir a finalidade aqui proposta será realizada uma revisão
da BNCC com recorte nos anos iniciais do ensino fundamental uma vez
que a ênfase na alfabetização deva acontecer nesse período. Embora sejam
diversos os aspectos criticados em relação ao documento, neste trabalho
será realizado um agrupamento destes, buscando trazer maior clareza para
a análise.
Muitas críticas foram e têm sido realizadas ao documento, desde o
seu processo de elaboração até a sua estrutura. Conforme Branco et al.
(2018), o compromisso com a educação e a democracia, que deveriam ser
prioridade, permanecem em muitos aspectos da política educacional
brasileira como discurso, o que não é diferente em relação à BNCC.
183
Apesar de não considerar a ampla discussão com educadores, teve sua
versão aprovada, estando pronta para entrar em vigor em todo território
nacional em 2020. Conforme o próprio nome determina, é uma base que
deve orientar as ações curriculares em âmbito nacional, porém, as
especificidades devem ser pensadas singularmente dentro de cada região.
Bortolanza, Goulart e Cabral (2018) reconhecem a necessidade de
uma base curricular, mas apresentam algumas ressalvas a respeito da
maneira como o documento foi apresentado por seus idealizadores:
Pesem todos os alertas e as críticas sobre a BNCC, entendemos que é
possível e necessária a implantação de uma Base curricular que seja
referência para o país, mas que parta de uma discussão sobre o que se
entende por educação ampla e integral, voltada para a formação de
cidadãos críticos e atuantes. Esse processo seria totalmente diferente do
que foi verificado com a implantação da BNCC, que hoje mais se
assemelha à determinação e padronização de uma lista de competências
e habilidades consideradas como a formação ideal, desconsiderando as
realidades de um país de dimensões continentais como o Brasil
(BORTOLANZA; GOULART; CABRAL, 2018, p. 965).
As autoras demonstram a importância de um referencial a nível
nacional que levasse, porém, em consideração, o amplo debate entre os
educadores, até mesmo iniciando-se pelo entendimento do que seja
“educação ampla e integral”. A crítica às imposições é sempre de grande
importância e trazer para o debate da criação de políticas, os profissionais
que estão em sala de aula, de diferentes regiões do país, seria relevante para
a compreensão da amplitude de nossa pluralidade.
Além disso, pensar no conteúdo mínimo, não pode prescindir da
preocupação com o preparo profissional, estrutural e organizacional. Salas
com menor número de alunos, materiais específicos para esse desenvolvi-
184
mento e professores preparados para essa finalidade, trariam melhores
resultados. Segundo Feil (1990), todo o processo de aprendizagem é
complexo e a alfabetização por sua relevância exige um preparo de ordem
social, emocional, perceptual, física e psicológica. Levando-se em
consideração o fato de não haver regulamentação especificamente
relacionada à formação do professor alfabetizador, a garantia de formação
de profissionais realmente habilitados e capacitados para exercer essa
atividade de maneira adequada, se torna inatingível.
Muitas questões dialógicas surgem no campo da aplicabilidade da
proposta da lei, porém o processo continua e muitas vezes de forma
ineficaz, seja por falta de orientações, ou pelo distanciamento entre quem
elabora o texto e permanece voltado à construção teórica e quem o colocará
em prática. A BNCC apresenta-se, de alguma maneira, distante da
realidade escolar, pois indica a necessidade de atender às especificidades de
cada região e dos indivíduos, porém, não apresenta as formas ou indicações
de como se atender essa questão, correndo o risco de representar apenas a
unificação de um conteúdo mínimo, não atendendo à pluralidade existente
em toda a extensão do país. Conforme a BNCC:
Atenta a culturas distintas, não uniformes nem contínuas dos
estudantes dessa etapa, é necessário que a escola dialogue com a
diversidade de formação e vivências para enfrentar com sucesso os
desafios de seus propósitos educativos. A compreensão dos estudantes
como sujeitos com histórias e saberes construídos nas interações com
outras pessoas, tanto do entorno social mais próximo quanto do
universo da cultura midiática e digital, fortalece o potencial da escola
como espaço formador e orientador para a cidadania consciente, crítica
e participativa (BNCC, 2017, p. 61).
185
É preciso questionar se não haveria contradição entre essa
indicação e a obrigatoriedade de observação de determinados conteúdos,
independente da realidade encontrada em cada região do país. Essa
padronização, ainda que não seja explicita, pode ser vista como um
controle, uma vez que as avaliações externas aplicadas nacionalmente são
padronizadas também, independendo da especificidade de cada região.
Especificamente no que trata da alfabetização, a BNCC (2017)
indica que: “[...] nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, a ação
pedagógica deve ter como foco a alfabetização” (p. 85). O que
anteriormente estendia-se também ao terceiro ano, nesse documento é
mantido nos dois primeiros, deixando o terceiro ano para a ortografização
e, sobretudo, defendendo um método para a realização da alfabetização
nesse menor tempo.
É possível observar que embora a BNCC traga uma nova
linguagem, não são ideias inovadoras. Muito do que se encontra nesse
documento já havia nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica (BRASIL, 2012). O que a BNCC trouxe como novidade, foi a
antecipação da Avaliação Nacional de Alfabetização, passando a ser
realizada ao fim do segundo ano e não mais do terceiro, para que, ao menos
em teoria, a efetivação da alfabetização ocorra ao fim desse ciclo, ficando o
terceiro ano para a ortografização e a fixação de conteúdo e para o preparo
para o novo ciclo do ensino fundamental I. A dúvida que permanece é se
esse tipo de alteração é a melhor para as escolas e crianças. Se já era difícil
concluir o processo de alfabetização em três anos, antecipar em um ano
trará alguma vantagem? Quais são os interesses por trás dessa alteração?
Isso realmente vai contribuir com a aprendizagem das crianças?
Mortatti (2015) apresenta uma importante discussão sobre a
BNCC e a alfabetização e demonstra que um dos problemas do
186
documento é a reafirmação da crença cristalizada no construtivismo e
filtrada pelo discurso pedagógico. Segundo a autora, a alfabetização na
BNCC revela de um lado, as apropriações da teoria construtivista; de
outro, a tradição pedagógica que resulta da formação de professores e sua
atuação profissional.
Segundo o processo de alfabetização, a BNCC aponta uma
concepção teórica distante de tudo o que vem sendo discutido pelos
pesquisadores e educadores nos últimos tempos:
[...] é preciso que os estudantes conheçam o alfabeto e a mecânica da
escrita/leitura processo que visam a que alguém (se) torne
alfabetizado, ou seja, consiga “codificar e decodificar” os sons da língua
(fonemas) em material gráfico (grafemas ou letras), o que envolve o
desenvolvimento de uma consciência fonológica (dos fonemas do
português do Brasil e de sua organização em segmentos sonoros
maiores como sílabas e palavras) e o conhecimento do alfabeto do
português do Brasil em seus vários formatos (letras imprensa e cursiva,
maiúsculas e minúsculas), além do estabelecimento de relações
grafofônicas entre esses dois sistemas de materialização da língua
(BRASIL, 2017, p. 87-88).
Segundo Vigotski (2000), a alfabetização por meio do processo de
codificação e decodificação é superficial. Apenas aprender o traçado das
letras e palavras vazias de significado, tem um caráter tecnicista, mecânico,
fazendo com que todo o sistema retorne a uma pedagogia tradicional, que
já havia sido superada. Pelo contrário, é necessário que se parta da realidade
da criança, que haja significado em seu aprendizado, despertando, então
interesse e motivação.
Bortolanza, Goulart e Cabral (2018) defendem que não é possível
tratar leitura e a escrita como meras habilidades motora e cognitiva:
187
Escrever requer muito mais que habilidade cognitiva e motora de
registrar grafemas relacionando-os a fonemas como expõe a BNCC.
Não se trata de ensinar o sistema ortográfico do português escrito nos
dois primeiros anos para “conhecer as relações fono-ortográficas, isto
é, as relações entre sons (fonemas) do português oral do Brasil em suas
variedades e as letras (grafemas) [...]”. Ao concluir que se trata de a
criança “perceber como sons se separam e se juntam em novas palavras”
(BORTOLANZA; GOULART; CABRAL, 2018, p. 969).
A alfabetização diz respeito a um processo que precisa ser
conduzido pelos significados e sentidos que as palavras adquirem em
diferentes contextos e para diferentes grupos e indivíduos. Ainda segundo
as autoras, a Base parece ignorar essa complexidade, fazendo propostas
desconectadas dessa concepção.
Mortatti (2015) descreve o documento como uma tragédia, pois
dentre outros tantos problemas por ela apontados, mais uma vez a equipe
que o preparou não respeitou como prioridade nacional a qualidade da
educação brasileira pública, universal, laica e gratuita. Qualidade já tão
debatida e difícil de alcançar devido a seu caráter complexo, principal-
mente em um país de extensão continental como o nosso. A BNCC, por
essas questões apontadas, não se mostra efetiva na continuidade de
ascensão das políticas públicas conforme se apresentavam.
Outro documento a ser considerado quando se trata de políticas
públicas atuais de alfabetização no Brasil é a Política Nacional para a
Alfabetização (BRASIL, 2019). Publicado em 11 de abril de 2019, o
decreto nº 9.765, denominado a Política Nacional para a Alfabetização
(PNA), apoiando-se na Constituição Federal de 1988 e a Leis de Diretrizes
e Bases de 1996, tem como público-alvo alunos que estejam sendo
alfabetizados.
188
Podem-se apontar dois problemas iniciais a serem considerados
sobre publicação da PNA. O primeiro diz respeito ao não envolvimento
das pessoas responsáveis pela prática pedagógica em sua elaboração, sem
que fosse promovida ampla discussão do assunto. Mortatti (2019a) mostra
que a política foi instituída por decreto presidencial e não promoveu a
discussão com os representantes da comunidade acadêmica e científica e
mesmo com educadores e alfabetizadores.
A segunda questão a ser considerada e apontada pela autora como
problema relacionado à publicação dessa política, é que “é apresentada por
seus autores como se fosse a verdade científica revelada e o fazem por meio
de um discurso característico da ‘retorica de púlpito’, como tal, ideológico,
autoritário e pseudocientífico” (MORTATTI, 2019, p. 1-2). Esse tipo de
discurso pretende estabelecer o silêncio obediente e não o diálogo
necessário para a boa implementação e realização de políticas educacionais.
Mais do que isso, a autora mostra que conduz seus interlocutores a dizer e
fazer o que não querem.
Outra questão a ser considerada sobre essa política diz respeito ao
que consta nos artigos 6º e 7º em seus respectivos primeiros incisos. O
artigo 6º aponta como público-alvo crianças na primeira infância e o artigo
7º indica, dentre os agentes envolvidos, professores da educação infantil.
Ao fazer isso, se desconsiderou as discussões referentes ao tema e
especialmente a especificidade das crianças nessa faixa etária, bem como os
próprios objetivos da Educação Infantil enquanto nível educacional,
promovendo a antecipação de etapas tão criticada por educadores e
discutida dentre os que há anos trabalham e pesquisam a área.
Porém, apresenta-se como um dos mais graves problemas da PNA
o fato de priorizar fortemente o método em que será realizada a
alfabetização, e não o resultado final, ou seja, a alfabetização de fato.
189
Mortatti (2019?) tece uma crítica direta às concepções contidas no
documento PNA. Sejam elas explícitas ou implícitas, o documento vem
apenas incluindo as ideologias como formas únicas de alcance do objetivo.
Conforme as percepções de Mortatti (2019?), dizer que os
problemas relacionados à alfabetização no Brasil serão superados com a
utilização do método fônico é duplamente falso. Primeiro porque ao se
oferecer uma resposta tão simplista desconsidera-se todo um conjunto de
fatores educacionais, sociais, políticos e econômicos, muitos deles
provenientes das enormes desigualdades a que a população brasileira se
encontra vulnerável. Renuncia-se à discussão de todas essas questões
atribuindo-se a um método a eficácia de ações.
A falsidade a respeito de tal afirmação se encontra também no fato
de que o método fônico não é novo e tão pouco tem sua eficácia
comprovada por pesquisas. A autora aponta que existem vários estudos
publicados que contradizem essa a afirmação, demonstrando que há anos
se discute o método fônico questionando-se sua eficácia tanto no Brasil,
quanto no mundo.
Uma vez que o método fônico preza por codificar e decodificar os
grafemas e fonemas, fica o questionamento sobre sua funcionalidade no
letramento e a interpretação do texto. Para a formação de um cidadão
crítico e ativo é fundamental que ele compreenda profundamente o que lê
e codificando e decodificando palavras não parece ser o melhor caminho
para alcançar esse objetivo.
A segunda questão apresentada por Mortatti (2019) diz respeito à
eficácia universal citada no documento, dando a oportunidade de
compreensão como um pensamento único, criando assim um caráter
autoritário e inflexível. Para a autora, a PNA configura uma intervenção
máxima na alfabetização, impondo-se de maneira autoritária, por meio de
190
ações pautadas em princípios ultraconservadores da política, juntamente
com um fundamentalismo científico-religioso. Essa política está pautada
pelo neoliberalismo e a ele se alinha, demonstrando, porém, subserviência
a alguns países e organismos internacionais.
A Política Nacional de alfabetização, portanto, se apresenta como
grande retrocesso em meio a tudo o que havia se estabelecido em termos
de educação e que, progressivamente, foi construída no Brasil. A
democracia brasileira, ainda jovem, trouxe urgências educacionais que ao
longo de mais de 30 anos ainda se encontravam em processo de elaboração.
Considerações Finais
A educação é internacionalmente reconhecida como o primeiro
direito do cidadão, necessário ao desenvolvimento da sociedade como um
todo. No Brasil, porém, embora houvesse esse reconhecimento, os avanços
em termos de democratização da educação escolarizada ocorreram
lentamente. Enquanto em muitos países europeus a preocupação em
oferecer educação pública, laica e gratuita tiveram início ainda no século
XVIII, no Brasil, conseguimos introduzir o processo de tal forma de
educação, de maneira tímida apenas no século XX.
No século XIX a infância passa a ser vista como um problema de
Estado no Brasil e a escola é eleita como uma das principais instituições e
deveria ser responsável por auxiliar no cuidado desse problema. A
institucionalização de obrigatoriedade dos pais e responsáveis em dar a
instrução elementar às crianças foi um acontecimento predominantemente
político. Faz parte do conjunto de normatizações necessárias no sentido de
produzir a consciência de pertencimento nacional, com um imaginário de
sociedade na qual os membros compartilham direitos e obrigações. A
191
escola, nesse sentido, se apresenta como unidade de referência civilizatória,
que ajudará a produzir novos valores e atitudes.
Nesse momento, ao mesmo tempo em que a escola seria o meio de
universalização da possibilidade de inserção social, havia a necessidade de
envolvimento do Estado em prover escolas e criar condições favoráveis para
o acesso e a permanência das crianças. Por anos o tratamento dado à
educação no Brasil demonstrou que embora haja o reconhecimento de sua
importância, as questões econômicas e políticas sempre se sobrepuseram e
ditaram as regras a serem seguidas.
A legislação produzida no Brasil desde o final do século XX indica
uma preocupação com os direitos individuais, dentre eles com os direitos
da criança e com a necessidade de se educar para a cidadania, meio
considerado elementar para a formação de cidadãos e de indivíduos aptos
a participar de uma democracia.
Existe a consciência de que para formar cidadãos plenos é preciso
que o analfabetismo seja erradicado e para que isso ocorra é necessária a
criação de estratégias que viabilizem a implementação das leis. Porém,
tanto a Base Nacional Comum Curricular quanto a Política Nacional de
Alfabetização não se apresentam como eficientes para a solução desse
problema. Os motivos para tal conclusão foram descritos e demonstram
sua ineficácia por apresentarem graves problemas conceituais que as
impossibilitam de avançar e promover uma educação que alcance cada
brasileiro.
192
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195
A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL:
UMA ANÁLISE COMPARATIVA DA BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR E DAS INDICAÇÕES PARA O CURRÍCULO DA
INFÂNCIA NA
ITÁLIA
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ _
Graziela Cristina de Oliveira Holmo
35
Henrique Adelino Chiquemba
36
Introdução
O tema Educação Infantil vem, ao longo do tempo ganhando
reconhecimento de sua importância para a educação. Os conceitos de
infância e de criança, bem como o lugar ocupado por ela nas relações
sociais, permeiam discussões que abrangem o campo do Direito, da
Sociologia e da Pedagogia. Assim, seu reconhecimento perpassa pela
concepção que se tem de criança e de infância, a partir de indagações como:
Qual é a ideia que se tem de infância? Como deve ser desenvolvido o
trabalho para essa faixa etária? Como se organiza o currículo na Educação
Infantil? Qual referencial teórico respalda o trabalho pedagógico a ser
realizado com as crianças pequenas? O que respalda o trabalho docente
para as crianças da Educação Infantil?
Verifica-se que o atendimento à primeira infância no Brasil foi
reconhecido como direito após a segunda metade da década de 1980, a
partir de políticas educacionais oriundas da aprovação de legislações que
35
UNESP Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Mestre em Educação;
Marília SP; Brasil.
36
UNESP Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Doutorando em Educação;
Marília SP; Brasil.
https://doi.org/.10.36311/2020.978-5-5954-015-0.p195-216
196
visavam garantir o direito à infância. Entre essas legislações estavam a
Constituição Federal de 1988; o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA); e, mais especificamente em relação à educação, a aprovação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que passou a
reconhecer a Educação Infantil como primeira etapa da educação básica.
Tais indicações legais foram ao encontro das garantias infantis
contempladas nas propostas pedagógicas e curriculares para a infância.
Nesse cenário, a educação surge como um dos principais
mecanismos para reverter um quadro que, até 1988, estava ligado ao
assistencialismo. Observa-se o quanto as legislações trouxeram mudanças
significativas, em especial para a Educação Infantil, desde os Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI) perpassando
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEI)
e, a medida mais recente, a Base Comum Curricular Nacional para a
Educação Infantil (BNCC).
Neste estudo buscou-se compreender o que referendou a
elaboração da BNCC e como se configuram as orientações legais para a
Educação Infantil em outra realidade. Constatou-se que esse documento
recebeu inúmeras influências das pesquisas e das legislações italianas e, por
esse motivo optou-se por realizar este estudo adotando como referencial
metodológico a Educação Comparada, por meio da análise de
documentos: a BNCC para a Educação Infantil, aprovada em 2017 e as
Indicações para o Currículo da Infância na Itália, sancionado em 2012.
A escolha pela educação comparada tem o intuito de aprofundar o
conhecimento de si e do outro, como aponta Franco:
197
[...] O princípio da comparação é a questão do outro, o
reconhecimento do outro e do eu pelo outro. A comparação é um
processo de perceber diferenças e semelhanças e de assumir valores
nessa direção de reconhecimento mútuo. Trata-se de entender o outro
do eu e, por exclusão, de perceber a diferença (FRANCO, 1992, p.
14).
Para realizar este estudo é preciso considerar os diferentes contextos
que permeiam o sistema educacional do Brasil e da Itália, no que diz
respeito à Educação Infantil, principalmente nas indicações para a
realização da prática docente. Destaca-se, também, a importância de
reconhecer e trazer à tona divergências econômicas, sociais, culturais e
geográficas de cada um dos países objeto desta pesquisa, que tem como
foco a análise a partir da Educação Comparada dos contextos brasileiro e
italiano.
De acordo com Carvalho (2014) a Educação Comparada coloca
seus pesquisadores diante de novos desafios. A proposição de um sistema
para o outro, não significa uma mera transposição, objetiva a descoberta
das funções que a escola, enquanto estrutura social desempenha em cada
um dos países analisados.
Nessa direção, a análise foi realizada com base nos estudos
comparados a partir das ideias de Bereday (1972) e com o objetivo de
detectar a existência de pontos em comum e ou divergentes nos
documentos legais selecionados. A metodologia proposta por este autor
indica na pesquisa comparada quatro passos ou etapas, nomeadas como
descrição, interpretação, justaposição e comparação simultâneas, as quais
serão apresentadas a seguir.
A descrição consiste na coleta sistemática de informações referentes
ao objeto de estudo, seguida da interpretação e análise dos dados coletados,
depois a justaposição que estabelecerá uma vista simultânea a respeito das
198
semelhanças e diferenças. Esses passos dão suporte para a realização da
comparação, último passo ou etapa.
Objetivando propiciar a visualização do método criado por
Bereday (1972), a figura 1 representa a operacionalização do método:
FIGURA 1 - PASSOS OU ETAPAS DE ANÁLISE COMPARATIVA
Fonte: BEREDAY, 1972, p. 59
Segundo Bereday (1972), a operacionalização do método
apresentada na figura 1 demonstra de forma abrangente, as possibilidades
de relacionar as diversas variáveis implicadas nos estudos comparados.
Cada etapa ou passo, realizada na sequência de exploração dos dados,
amplia a análise até que se chegue à comparação propriamente dita.
199
Na fase da descrição analisaram-se os documentos legais para o
levantamento dos dados pedagógicos relativos às escolas da Itália e do
Brasil. Em seguida, na etapa da interpretação, foram analisados os dados
pedagógicos, contextualizando-os em seus aspectos históricos, políticos,
sociais e econômicos.
Partindo-se da hipótese de que a BNCC sofreu influência das
concepções presentes nas indicações italianas, passou-se à justaposição,
levantando-se semelhanças e diferenças presentes nos dois documentos e
selecionando possíveis critérios de comparabilidade.
Na etapa da comparação simultânea, foram descritas as
informações dos países analisados, buscando evidenciar que a referência de
um país provoca, simultaneamente, a comparação com outro; retomando-
se, então, o objetivo deste estudo, que compreende a comparação entre os
documentos norteadores para a primeira infância no Brasil e na Itália.
A Operacionalização do Método: Educação Infantil no
Foco da Discussão
A dificuldade em realizar uma análise comparativa entre diferentes
contextos consiste em considerar as diferenças históricas e sociais. Para isso
foi necessário conhecer essas realidades por intermédio da interpretação
dos documentos legais. Em relação à análise documental, os documentos
selecionados para a pesquisa aqui apresentada, foram analisados tendo em
vista a orientação do trabalho docente; além da seleção dos princípios
educativos, dos direitos de aprendizagens, dos campos de experiências e
das relações que estabelecem para o desenvolvimento dos educandos.
Destaca-se, ainda, que em tese os países pesquisados organizam esse
nível de ensino por faixas etárias diferentes. Na escola italiana, a Educação
200
Infantil é organizada em apenas um ciclo, que vai dos três aos seis anos de
idade. Já no sistema educacional brasileiro, a escola de Educação Infantil
está organizada de zero aos cinco anos de idade.
As etapas de descrição e interpretação forneceram suporte para o
desenvolvimento da justaposição. Para esse procedimento contemplou-se
uma descrição equilibrada dos fatos pedagógicos, da análise exploratória
realizada no momento da interpretação, pois assim a referência aos
documentos de cada país provocou uma comparação simultânea, que pode
ocorrer se alternando, o que é fundamental para comparação.
Nessa direção, apresentou-se o documento de cada país buscando
a operacionalidade do método, pois uma vez estabelecida a
comparabilidade inicial entre os documentos, examinou-se o material
relativo de cada país com a finalidade de catalogar, lado a lado, os dados
coletados, procurando encontrar semelhanças e diferenças, abrindo dessa
forma caminhos para a comparação simultânea.
Para ilustrar a operacionalização do método de estudo comparado
utilizado nesta pesquisa, a partir de Bereday (1972), a figura a seguir
sintetiza a trajetória realizada:
201
FIGURA 2 - PASSOS REALIZADOS A PARTIR DO MODELO DE BEREDAY
(1972)
Após a realização dos procedimentos elencados na figura 2, na
operacionalização do método, percebe-se que ambos os países buscaram
legislar de forma a garantir o Direito à educação para esse nível de ensino.
Para Bereday (1972) essas semelhanças de circunstâncias não estão isentas
de diferenças, pois mesmo com determinações aparentemente
semelhantes, devido aos diferentes contextos sociais, políticos, econômicos
e históricos, as normativas podem não se efetivar da mesma forma.
A Itália elabora suas orientações nacionais desde 1914,
considerando a Escola da Infância como uma pedagogia de processo.
202
Conforme relata Martins (2016), após o término da Segunda Guerra,
reutilizando o material das casas destruídas, mulheres ergueram e
administraram escolas para seus filhos. Os primeiros recursos foram
arrecadados com a venda de material bélico. A autora reforça que o país se
apresenta como uma sociedade comprometida, que cobra investimentos
do Estado, sendo visível o engajamento social com a educação, destacando
que há um sentimento patriota muito latente demonstrando “um senso de
pertencimento muito expressivo nas relações sociais, com o meio, com a
natureza e os objetos, com o patrimônio público, com as produções
infantis dentro e fora das escolas” (MARTINS, 2016, p. 38).
No Brasil, até 1988, esse nível de ensino foi delegado ora às
associações filantrópicas direcionadas às crianças pobres das mães
trabalhadoras, com o intuito de cuidar, ora com poucas escolas destinadas
às crianças mais abastadas com a ideia de preparação para o Ensino
Fundamental. Só a partir de 1988, com a democratização do ensino
garantido pela Constituição Federal é que a Educação Infantil passa a se
organizar para acesso a todas as crianças pequenas, firmando o princípio
de cuidar e educar estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação Infantil (BRASIL, 1999).
Em 1991 o Ministério da Educação Italiano (MIUR) publica o
documento As Novas Orientações para a Nova Escola da Infância”, no
qual afirma a necessidade de acolher e interpretar a complexidade da vida
das crianças pequenas, que compreende aquelas na faixa etária entre 3 e 6
anos de idade, trabalhando com projetos educativos, enriquecendo e
valorizando as vivências extraescolares com o objetivo de favorecer a
construção da autonomia e da dimensão crítica. Surge pela primeira vez
nesse documento, a propositura do trabalho com os campos de
203
experiências, que foram reformulados por documentos posteriores até a
versão presente no decreto de 2012, das Indicações Italianas.
As discussões sobre essas especificidades estão voltadas para a faixa
etária de 0 a 5 anos e se tornam mais presentes a partir das DCNEI (1999),
considerando a criança enquanto sujeito ativo e capaz. A ideia de
desenvolvimento do trabalho pedagógico a partir dos campos de
experiências aparece na BNCC, sancionada em dezembro de 2017.
O fato de ambos os sistemas adotarem a expressão campos de
experiências não significa que essa ação seja idêntica nos dois países.
Enquanto no Brasil estes são definidos na BNCC como arranjo curricular
que deve acolher situações, saberes e experiências concretas da vida
cotidiana com a finalidade de entrelaçar essas vivências aos conhecimentos
historicamente construídos, na Itália são definidos como vivências diretas
das crianças por meio das brincadeiras, o que possibilita experienciar
diferentes áreas do conhecimento e indica que todos os campos de
experiência devem oferecer um conjunto de projeções, situações, imagens
e línguas. Nesse sentido, discorrendo sobre os Campos de Experiência no
Brasil e na Itália, ARIOSI (2019) destaca que:
A principal diferença entre os dois conceitos é que na Itália o conceito
de campos de experiência está centrado na criança, enquanto que no
Brasil, está definido como um arranjo curricular em primeiro plano.
Não que a legislação brasileira desconsidere a criança, mas não a coloca
no centro do processo, ao contrário do que acontece na Itália. Na
legislação italiana há a centralidade na pessoa, essa é considerada uma
característica inegociável para eles (ARIOSI, 2019, p. 51, grifo no
original).
Tal crítica assinalada por Ariosi (2019) é observada na análise
comparativa dos dois países, pois não só define de forma diferente o
204
conceito de Campos de Experiências como se expressa com finalidades
diferentes, ou seja, na Itália as Indicações utilizam esse conceito a fim de
buscar o desenvolvimento das crianças por intermédio de múltiplas
experiências vivenciadas no espaço educativo e na comunidade, enquanto
que no Brasil esse conceito está vinculado às áreas de conhecimento. Neste
caso o campo de experiência é definido por associação com as disciplinas
escolares.
Destacando o fato de ambos os países indicarem cinco campos de
experiência para a proposta de trabalho, o que a princípio se apresenta
como semelhante, no momento da comparação simultânea. O que se
verifica, no momento da justaposição, no quadro a seguir:
QUADRO 01 - COMPARATIVO DOS CAMPOS DE EXPERIÊNCIAS
Brasil
Itália
O eu, o outro e nós
Eu o outro
Corpo, gestos e movimentos
O corpo e o movimento
Traços, sons, cores e formas
Imagens, sons, cores.
Escuta, fala e pensamento e Espaços,
tempos.
O discurso e as palavras
Quantidades, relações e transformações
O conhecimento do Mundo
Fonte: elaborado por Holmo (2020).
Embora ambos os países procurem definir os campos de
experiências na busca de uma estrutura baseada no sujeito, quebrando a
lógica da organização de conteúdos em áreas de conhecimentos, conforme
expresso no quadro 01, o que definirá o desenvolvimento do trabalho da
Educação Infantil nesta perspectiva tem relação com a aplicabilidade na
prática.
Na Itália, o trabalho com os campos de experiência coloca a criança
como centro do processo e serve de orientação aos professores, indicando
205
pontos de atenção para criar, na ação educativa, experiências que
promovam o desenvolvimento das crianças. No Brasil, no entanto, os
campos de experiências se traduzem como objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento e entrelaçam-se aos conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural. Após a justaposição e, interpretando estes dados,
observa-se que a diferença está no fato de que no Brasil a centralidade es
no currículo e na Itália está focada na criança.
É possível constatar na legislação italiana o foco na criança, pois as
Indicações orientam o desenvolvimento do currículo desde a escola da
infância e tem propiciado discussões, reflexões e reformulações ao longo
das últimas décadas. Apresentando como finalidade geral para escola a
participação e colaboração das famílias para o “desenvolvimento integral e
harmônico” das crianças e considerando a “valorização das diferenças
individuais” (ITÁLIA, 2012, p. 13).
Essas orientações destinam-se à faixa etária compreendida entre 3
a 6 anos, organizada em um único ciclo de três anos, com agrupamentos
etários heterogêneos. A escola da infância corresponde a um espaço para o
desenvolvimento e para a descoberta, possibilitando a interação de grupos
variados, diversos e inclusivos no desenvolvimento do processo de ensino
e aprendizagem.
No Brasil a BNCC é apresentada como referencial nacional para a
formulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares de todo o país.
De caráter normativo, define o conjunto de aprendizagens essenciais que
se deve desenvolver ao longo de toda a Educação Básica. As orientações
indicam para Educação Infantil à faixa etária entre 0 a 5 anos, organizada
em ciclos anuais, fragmentado por três grupos etários denominados de
bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas, tendendo a
206
agrupamentos etários homogêneos, embora recomende a convivência com
adultos e crianças de diferentes faixas etárias no ambiente escolar.
Outro ponto ser considerado é que no documento italiano a
execução do currículo ocorre em um espaço aberto, um ambiente de
aprendizagem para todos. A
partir destas considerações, os professores
devem observar as competências e habilidades de cada criança, para que de
forma cooperativa auxiliem na potencialização das aprendizagens e do
desenvolvimento. Já no Brasil as práticas pedagógicas precisam ser
avaliadas realizando a observação da trajetória de cada criança e de todo o
grupo (homogêneo) suas conquistas, avanços, possibilidades e
aprendizagens.
A BNCC indica que os registros podem ser realizados de diferentes
formas, dentre as quais podemos citar relatórios, portfólios, fotografias,
desenhos e textos e acrescenta que tais ferramentas podem evidenciar a
progressão ocorrida durante o período observado. Ainda que a BNCC não
recomende a preparação para o Ensino Fundamental, essa ideia se faz
presente quando se propõe a observar a progressão da criança e não o seu
desenvolvimento.
Na Itália adotam-se oito competências-chave para o
desenvolvimento da aprendizagem, definidas pelo Parlamento Europeu,
todas elas relacionadas às experimentações vivenciadas no ambiente
escolar. Definidas como:
[...] jogar, mover-se, manipular, refletindo sobre suas experiências de
observação, exploração e comparação entre as propriedades, as
características, as quantidades, os fatos, significa escutar e compreender
os discursos e narrações, contando e recontando suas experiências,
reconhecendo a si e o outro, ser capaz de descrever, representar e
imaginar, simulando o faz de conta, jogando e interagindo através das
207
diferentes linguagens (ITÁLIA, 2012, tradução livre de HOLMO,
2020, p.98).
No Brasil, o desenvolvimento da aprendizagem está pautado nas
dez competências definidas na BNCC:
[...] como a mobilização de conhecimentos (conceitos e
procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais),
atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana,
do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. (BRASIL,
2017, p.98).
Saviani (2016), discorrendo acerca de currículos que pretendam
conferir competências para realização do trabalho educativo, presentes na
BNCC, afirma que tal objetivo não poderá ser atingido, pois a realização
de tarefas mecânicas e corriqueiras demandadas pela estrutura ocupacional
impede o desenvolvimento do trabalho pedagógico no sentido do conceito
de princípio educativo. Nessa perspectiva, a análise comparativa dos
documentos indica que ambos adotam o desenvolvimento das
competências e habilidades e revelam a influência dos organismos
internacionais nas normativas desses países.
Outro ponto observado a ser destacado, que corrobora os
apontamentos de Ariosi (2019), que diz respeito às diretrizes para o
desenvolvimento das competências na Itália no que se refere à
aplicabilidade na vida cotidiana, distanciando-se do documento brasileiro,
pois se observa que:
No documento da Base brasileira também existe uma preocupação
com a vida cotidiana, mas no desenrolar do documento, essa
preocupação se enfraquece. Para os italianos essa é uma concepção de
208
educação plenamente vinculada a vida. A Educação Infantil precisa ser
preenchida de vida (ARIOSI, 2019, p. 259).
Mediante as discussões expostas, pode-se afirmar que as normativas
para construção curricular tanto no Brasil quanto na Itália seguem
orientações provenientes de organismos internacionais. Devido a isso, as
mesmas são muito próximas e se correlacionam, assim apresentamos as dez
competências gerais da BNCC e as oito competências apresentadas nas
Indicações Italianas.
QUADRO 02 - COMPARATIVO DAS COMPETÊNCIAS.
Brasil
Itália
Valorização das diferentes manifestações
artísticas e culturais
Consciência e expressão cultural
Utilização diferentes linguagens
Comunicação na língua materna
Compreensão, utilização e criação de tecnologias
digitais.
Competência digital
Valorização da diversidade
Comunicação nas línguas
estrangeiras
Argumentação com base em fatos, dados e
informações confiáveis.
Competência matemática
Conhecimento, apreciação e cuidado da saúde
física e emocional.
Competência do aprender a
aprender
Exercício da empatia, diálogo e resolução de
conflitos, busca-se a cooperação.
Competências sociais e civis
Ação pessoal e coletiva e a tomada de decisões
Competência do sentido de
iniciativa e empreendedorismo
Valorização e utilização dos conhecimentos
Exercício da curiosidade intelectual
Fonte: elaborado por Holmo (2020).
209
Em relação às competências é possível verificar algumas questões
em comum, tais como: as exigências em relação à utilização de novas
tecnologias; a organização do trabalho docente; reelaboração das relações
estabelecidas para o desenvolvimento das crianças dessa faixa etária e o
currículo elaborado a partir dos campos de experiências para
desenvolvimento de competências.
Pode-se inferir que essas semelhanças revelam as ideias
estabelecidas nos tratados internacionais que visam a mundialização dos
processos produtivos, políticos e culturais para a educação, os quais na
BNCC não se apresentam de forma explícita.
Evidencia-se nos documentos que a organização da faixa etária, as
formas de agrupamentos e os ciclos de duração apresentam
distanciamentos. Na Itália este nível de ensino está organizado para atender
às crianças de 3 a 6 anos, em agrupamentos heterogêneos com duração de
três anos, no Brasil o atendimento volta-se para as crianças de 0 a 5 anos,
em agrupamentos homogêneos e em ciclos anuais.
Outro ponto de distanciamento verificado na comparação se refere
ao ensino religioso. O documento italiano deixa clara a obrigatoriedade do
ensino da religião católica, enquanto no Brasil não se faz referência ao
ensino religioso para Educação Infantil, ele é estabelecido como
componente curricular de oferta obrigatória nas escolas públicas de Ensino
Fundamental, com matrícula facultativa em diferentes regiões do país, cuja
natureza e finalidades pedagógicas são distintas da confessionalidade.
Outra situação a ser discutida é a participação ativa das famílias
italianas na construção curricular. Cada escola tem autonomia para
construir seu currículo próprio, contemplando as peculiaridades de cada
região e comunidade. Na abordagem italiana, os professores desenvolvem
projetos educativos buscando resgatar as vivências das crianças que estão
210
inseridas em uma comunidade. As escolas têm a liberdade de planejar seus
currículos, o que permite aos professores traçar estratégias e situações
didáticas mais significativas. Os sistemas educacionais brasileiros elaboram
seus currículos, com a recomendação da escuta dos professores e
comunidade escolar, porém esse currículo atenderá a um sistema macro e
não a cada determinada escola, o que dificulta a participação efetiva das
comunidades.
A participação da família na Itália é valorosa, o que permite uma
rede sólida de troca de informações e compartilhamento de responsabi-
lidades. No Brasil a família também é incentivada a participar das
proposituras da escola, assim como a compartilhar as responsabilidades, no
entanto, com o currículo elaborado pelo Estado ou Município essa
participação não se faz efetiva na especificidade de cada escola,
subentendendo-se uma participação superficial.
Percebe-se com esse estudo comparativo, que as legislações
educacionais adotadas no Brasil e na Itália são amparadas a partir das
determinações de organismos internacionais com “a preocupação de
obtenção de bons resultados no Programa Internacional para Avaliação de
Estudantes (PISA) que é uma estratégia de verificação da aprendizagem
que cria uma classificação dos países e desconsidera os contextos e sujeitos
(ARIOSI, 2019, p. 250).
Colaboram com esta ideia Rodrigues et al. (2017), que ao analisar
a BNCC apontam como principal crítica e alertam os professores sobre a
questão da “hegemonia” de um currículo “mínimo” que conduza a uma
centralização curricular articulada de cima para baixo” (RODRIGUES et
al. 2017, p. 10).
Não se pode relacionar diretamente a BNCC (2017) como
trasposição das Indicações Italianas (2012), pois embora existam
211
semelhanças entre os dois documentos, enquanto indicações para os
sistemas, não se pode ignorar as diferenças ocasionadas pelas características
de cada país, pelo volume de estudantes atendidos, pela estrutura do
sistema de ensino.
Desse modo não se pode desconsiderar que a Itália, ao preparar a
nação para a tarefa de reconstruir o país no pós-guerra, conquistou um
envolvimento nacional, trazendo transformações para educação que
ampliaram as maneiras de investir no desenvolvimento humano, o que se
traduz no comprometimento de toda nação em cuidar das crianças.
Os dois países não só enfrentam realidades diferentes como se
movem em velocidades diferentes e usam métodos diferentes. Retomando
o que aponta Bereday (1972), quando relata que o diálogo entre as nações
é fundamental para que seja possível cada qual com sua realidade
compreender a proposta do outro e buscar sua identidade mediante a
construção de uma proposta própria. Não significa que uma determinada
realidade possa ser transferida para outra, pois esse processo pressupõe-se,
análise do contexto e a busca da diversidade.
Considerações Finais
Retomando os objetivos deste estudo, que tinha por finalidade
verificar a existência de aproximações e distanciamentos entre as políticas
de atendimento à primeira infância por meio da Educação Comparada, a
pesquisa revela que nos dois países existe o reconhecimento desse nível de
ensino, enquanto direito, o que direciona os dois países a elaborar
orientações legais para o cumprimento deste direito.
O que nos permite analisar o quanto a realidade italiana e a
brasileira podem aprender em diálogo uma com a outra, pois conforme
anunciado no transcurso desse estudo a pesquisa comparada em educação
212
não significa anunciar que uma determinada realidade está melhor que a
outra, ou que uma se traduza na outra e sim que a análise poderá apontar
caminhos de aprimoramento dos processos que buscam garantir, neste
caso, os direitos à Educação Infantil.
Apesar das aproximações e dos distanciamentos encontrados nos
documentos, há de se considerar também as condições históricas, políticas,
sociais e econômicas de cada país, assim como as diferenças ocasionadas
pelo volume de alunos atendidos, pela estrutura do sistema de ensino e as
características de cada um.
Observou-se no estudo que a legislação que normatiza a Educação
Infantil nas duas realidades ainda necessita de ajustes. Em síntese: no Brasil
existe a necessidade de inserir a criança no centro do processo educativo,
considerando as especificidades e necessidade de promover espaços de
vivências reais que conduzam ao desenvolvimento pleno destas crianças.
Na Itália, onde este a criança é o centro do processo observa-se a o
desafio de incluir normativas que contemplem as crianças mais pequenas
(de zero a três anos).
Os dois países não só enfrentam realidades diferentes como se
movem em velocidades diferentes e usam métodos diferentes. O Estudo
Comparado, nessa perspectiva, ressalta que o diálogo entre as nações é
fundamental para que seja possível, cada qual com sua realidade,
compreender a proposta de outros países e buscar na diversidade a
construção de um currículo que tenha sua identidade própria.
213
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infantil e os campos de experiência: reflexões conceituais entre Brasil e
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217
POR UMA POLÍTICA EDUCACIONAL INCLUSIVA:
AS PAIXÕES NA SALA DE AULA
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ____________ _____________________ ___________ _____________________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________
Alonso Bezerra de Carvalho
37
Iago de Mello Pereira
38
Maria Helena Alfenes Ferreira
39
Introdução
Não é de hoje que o tema dos afetos, das emoções e seus correlatos,
como: paixões, sentimentos e desejos têm ocupado as discussões no campo
da filosofia, da sociologia, da antropologia, da psicologia e até mesmo da
biologia, impactando, inclusive, no campo da educação. Em um mundo
marcado cada vez mais pelo processo de instrumentalização da razão, como
pensaram os filósofos da Escola de Frankfurt, entre outros, olhar para os
humanos e a natureza a partir de outra perspectiva tem ocupado um espaço
importante nas reflexões contemporâneas.
Pensar essas questões do ponto de vista da educação, especialmente
a partir de um lugar como são a escola e a sala de aula, toma uma
37
UNESP Universidade Estadual Paulista; Professor do Departamento de Didática e do
Programa de Pós-graduação em Educação da UNESP Marília SP; Brasil. E-mail:
alonso.carvalho@unesp.br
38
UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Assis - graduado
no curso de Letras. Atuou como tutor/bolsista de língua francesa no projeto de extensão da UNESP
Assis o CLDP - (Centro de Línguas e Desenvolvimento de Professores). E-mail:
melloiago7@gmail.com
39
UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Assis - graduanda
no curso de História E-mail: mariahelena.alfeneees@gmail.com
https://doi.org/.10.36311/2020.978-5-5954-015-0.p217-236
218
importância fundamental e pode contribuir significativamente para o
enfrentamento dos desafios e problemas que a todo o momento se
evidenciam nestes contextos.
Gestores, professores, coordenadores, alunos e pais, enfim, toda a
comunidade escolar vem enfrentando dificuldades em encontrar soluções
equilibradas e satisfatórias para os conflitos que se originam, muitas vezes,
nas relações intersubjetivas vividas e experimentadas na escola, embora
nem sempre as políticas educacionais, gestadas e geridas pelo poder
público, levem em consideração esse debate e essas temáticas.
Problematizar e examinar essas questões nos parece essencial para
se compreender acerca do papel e do significado que as relações
intersubjetivas cumprem no ambiente escolar, tomando a sala de aula
como importante espaço público e de convivência social que, no mundo
contemporâneo, tem sido palco de conflitos, indisciplina e violência. Isto
significa meditar sobre como a escola experimenta e compreende as
relações e a maneira de se conviver que, de alguma maneira, influencia no
sentido que é dado às existências, às escolhas e às ações humanas.
A ideia é instigar uma reflexão acerca das condutas e das relações
vividas, sofridas e enfrentadas na escola e na sala de aula, de maneira a
contribuir para a construção de modos novos de existir, de ser, de pensar
e de agir, com a finalidade de tomar a alteridade como um conteúdo e uma
ideia a ser valorizada pelas políticas e pelas práticas educacionais,
procurando perceber as inquietações e esperanças diante de uma existência
humana que, para autores contemporâneos, pode ser qualificada como
ambivalente e aporética (BAUMAN, 2001) ou que reduz o outro a uma
totalidade ontológica (LEVINAS, 2000).
219
A redução ontológica da alteridade à totalidade é a primeira forma de
violência. Inclusive há de se afirmar que toda violência física pela
redução ontológica do outro a conceito e se mantém como legítima
enquanto persistir tal redução. O outro, reduzido a uma categoria
ontológica, é negado no conceito. Como consequência, fica exposto à
instrumentalização e à violência. Inicialmente essa é uma violência
filosófica que nega a alteridade no conceito e reduz o ser do outro ao
mesmo do eu (RUIZ, 2011, p. 226-227).
Como podemos observar, pensar a partir da alteridade pode ser um
aspecto de profícuo resultado para a educação e, se ampliarmos o nosso
entendimento acerca dessa noção, podemos incluir nela dimensões que
estão presentes em todos nós, que são as paixões, os afetos e as emoções.
De acordo com Aristóteles, as paixões podem ser consideradas outro de
nós mesmos, ou seja, um elemento que faz parte de nossas existências e se
consideradas, possibilitam a formação de um homem virtuoso.
Com o objetivo de investigar e compreender o conceito de afeto e
emoção em Lev Semyonovich Vygotsky e sua contribuição para a
educação, a proposta a seguir é, inicialmente, fazer um percurso por
algumas ideias e pensadores em que a temática é tratada.
Paixão e razão: uma história de conflito
40
É muito difícil encontrar filósofo ou corrente filosófica que não
tenha abordado ou entrado no debate acerca da relação entre a razão e as
paixões/emoções/afetos. Isso serve também para outras áreas do saber,
sobretudo no campo das ciências humanas. Para melhor compreender o
que significam essas duas dimensões constitutivas do pensamento e da ação
humana, voltemos ao grego para verificar como tais palavras são definidas.
40
Com modificações, as próximas páginas constituem parte de texto publicado inicialmente em
Conjectura, Caxias do Sul, v. 17, n. 1, p. 199-217, jan./abr. 2012.
220
Embora considere que é das palavras latinas ratio e passio que derivam razão
e paixão, elas dizem menos do que os helenistas pretendiam dizer com lógos
e pathos. Retomá-las pode revelar a riqueza de significados de que são
portadoras e que podem nos trazer boas indicações para pensarmos a nossa
atualidade.
O legado filosófico grego, que marcou e colaborou na construção
de toda uma civilização a ocidental considerava o homem como um
ser dotado de razão, em que a verdade do mundo e dos humanos não era
mais algo secreto e misterioso. Com efeito, essa nova concepção fez com
que pudéssemos aspirar ao conhecimento verdadeiro, pois somos seres
racionais; à justiça, pois dotados de vontade livre; e à felicidade, pois
dotados de emoções e desejos.
A partir daí, uma tradição estava formada. A busca da verdade, da
justiça e da felicidade tornou-se a força motriz de nossas ações, de nossas
ideias e de nossos desejos. Estavam instaladas três grandes esferas da
atividade humana: a ciência, a política e a ética. Ao longo de séculos,
observamos os mais variados e distintos filósofos e pensadores, cada um à
sua maneira, tratar dessa herança, edificando escolas e correntes.
Na modernidade, a razão reduziu-se apenas a alguns aspectos
pertencentes ao lógos. “Ser racional é ter a capacidade de pensar e falar
ordenadamente, com medida e proporção, com clareza e de modo
compreensível para outros.” (CHAUÍ, 2003, p. 62). Nesse sentido, quem
age racionalmente teria a disposição para tomar a realidade e torná-la
passível de ser medida, calculada, enfim, organizada, em que exerceríamos
o nosso domínio sobre ela.
Disso decorre uma dualidade bastante nítida: de um lado, está
quem conhece e domina o sujeito; de outro, está quem ou o que é
conhecido e dominado o objeto. Descartes, no século XVI, foi o filósofo
221
que bem exprimiu essa compreensão da razão. Emergem da obra cartesiana
algumas ideias e concepções que vão caracterizar todo um período
filosófico, sistematizando uma nova maneira de pensar e de agir, inclusive
no campo da educação.
Partindo das matemáticas, devido às certezas e à evidência de suas
razões, é possível demonstrar e dominar as coisas de maneira sólida e clara,
ultrapassando as contingências de espaço e tempo e nos levando à
possibilidade de seguras e perenes verdades. De posse da verdade, pode-se
intervir no mundo, ou seja, conhecer as coisas implica estabelecer uma
nova ordem que não exatamente aquela em que os sentidos (as paixões, os
afetos, os desejos) captam e experimentam, mas a que a razão impõe.
Como seres pensantes (res cogitans), podemos e devemos
transformar as coisas (res extensa) em ideias, de tal modo que a cadeia de
razões seja constituída pelo pensamento e as coisas pensadas. Processo que
nos conduz e converte as coisas em objetos do conhecimento,
evidenciando um domínio sobre elas.
Dessa concepção derivam consequências profundas para a vida
humana, tanto no campo das ciências quanto no domínio dos valores que
conduzem as nossas atitudes. Tudo deveria passar pelo crivo da razão,
inclusive as nossas paixões. E essa história vem de longe. Em Platão, o
mundo das ideias, inteligível, deveria estar livre das sensações e de qualquer
influência de conhecimentos baseados em opiniões, crenças e de tudo que
fosse contingente, plural e múltiplo.
Das filosofias de base platônica funda-se uma tradição em que
somente o que é necessário tem validade e verdade. O mundo, no interior
da caverna, que é o mundo sensível e pleno de paixões, é fonte de
conhecimentos falsos, fortuitos e acidentais. Não haveria possibilidade de
considerar as alternativas, as marcas do humano e de suas contingências.
222
Nesse aspecto, a vida ética dependeria do conhecimento, do
intelecto. Quem conhece bem, age bem. “O ser humano, sendo
essencialmente racional, deve fazer com que sua razão ou inteligência (o
intelecto) conheça os fins morais, os meios morais e a diferença entre bem
e mal, de modo a conduzir a vontade no momento da deliberação e da
decisão” (CHAUÍ, 2003, p. 326).
Essa exclusão ou a desconsideração pelo mundo dos desejos, das
paixões, já fora denunciada por filósofos contemporâneos. No aforismo
“Interesse pelo corpo”, da Dialética do esclarecimento, Horkheimer e
Adorno falam de uma história subterrânea do corpo que, segundo eles,
consistiria no “destino dos instintos e paixões humanas recalcados e
desfigurados pela civilização” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.
215-216).
O corpo, como morada das paixões, teria sido condenado como
depósito absoluto do mal em contraposição ao espírito, ao mundo
intelectual que, reverenciados como suprassumo do bem, tornaram-se
condição primordial para as grandes criações culturais e os valores morais.
Se, à primeira vista, ele pode ser tomado como fonte de um amor prazeroso
e por isso desejado, os frankfurtianos argumentam que o corpo foi, na
verdade, escarnecido e repelido como algo inferior e escravizado. Exaltado,
sim, mas como coisa, objeto sem vida, como algo “proibido”, “reificado”,
“alienado” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 217).
O domínio da natureza, das paixões e dos nossos impulsos se
confundiria, contraditoriamente, segundo os frankfurtianos, à própria
história da razão. É a história da renúncia e do sacrifício como na Odisseia,
de Homero. Dominar a natureza significa, portanto, antes de tudo,
dominar-se, ter nas mãos a própria natureza. O sujeito esclarecido é aquele
que conseguiu sacrificar-se, ainda que isso lhe custe sua expressão mais
223
viva: a liberdade. Por isso que resistir ao canto da sereia, ser astuto como
Ulisses, é tornar-se forte e capaz de dominar, transformando os homens
em animais dóceis e mansos, levando-os a um estágio biológico inferior.
Essa é a contradição. A razão, querendo extinguir as paixões, torna-se, ela
mesma, a paixão de si própria. A promessa da desmitificação tornou-se um
mito. Do combate entre a necessidade e a contingência, em que o primeiro
predomina, restou-nos a incompleta compreensão de um ser que já é
finito, que é homem ou, no mínimo, que nos impediu de pensar a
formação de um ser virtuoso a partir das paixões que o constitui. No
domínio ético, a consequência direta desse processo foi cairmos na
tentação de estabelecer um catálogo prévio de normas e regras morais às
quais devemos obediência.
Portanto, pensar a ética e a educação a partir do reconhecimento
das contingências que nos marca e que nos constitui talvez possa nos ajudar
na tentativa não apenas de problematizar o que até agora tem prevalecido,
mas também de repor o que foi por muito tempo excluído, quase extirpado
e considerado negativo. É o que faremos mais demoradamente a seguir, ao
tratar das paixões.
O papel das paixões na formação humana
Na filosofia moral aristotélica, a paixão, os apetites, os desejos, os
afetos e as emoções são elementos fundamentais na constituição das ações
humanas. Eles indicam o caráter contingente da nossa própria existência.
Se quisermos bem agir é necessário que levemos em consideração a
presença desses elementos todos.
A partir dessa compreensão, observamos uma diferença essencial
com o pensamento platônico, pois esse atribui à razão o poder apodítico
para controlar, dominar e governar os desejos. Nesse sentido, Platão
224
procura formular uma ideia universal de bem como uma entidade
inteligível separada do sensível, isto é, “a Forma universal da Bondade,
como se o Bem fosse o mesmo para todos os seres e como se pudesse ser
alcançado apenas pela via teorética” (CHAUÍ, 2011, p. 442).
Na perspectiva aristotélica, ao contrário, as ações humanas em
direção à felicidade, não são como as operações naturais, que seguem um
curso imutável, necessário e válido para todos em todo tempo e lugar. Ao
contrário, elas são apenas possíveis, isto é, são o resultado de um processo
deliberativo e de uma escolha voluntária, que traz efeitos muito variáveis e
múltiplos. Antecipando a proposta de Vygotsky, que veremos como
conclusão do capítulo, as ações humanas, inclusive as educativas, estão
assentadas no processo histórico, psicológico e vivencial do sujeito, o que
inclui o mundo das emoções, que é instável, processual, dialético e
desenvolvimental (PRESTES; TUNES; NASCIMENTO, 2015).
No Capítulo 3, do Livro 1, da “Ética a Nicômaco”, Aristóteles
(1987) parece querer fazer algumas observações que indicam o espírito
com o qual o assunto deve ser investigado, estipulando uma certa
metodologia. Assim, o máximo a que podemos chegar é a aproximações e
a linhas gerais e não a conclusões precisas, pois o assunto é delicado e deve
ser estudado a partir de probabilidades e não assentado em afirmações
impossíveis de serem demonstradas rigorosamente. É pressuposto ou
exigência de quem investiga essa área do conhecimento - as ações humanas
-, que seja dotado de experiência sobre os fatos da vida.
Nesse sentido, Aristóteles faz um alerta: deixar-se ser levado ou
restringir-se apenas às paixões, como muitas vezes deseja quem está na
plena juventude, não é proveitoso, visto que “quem deseja e age segundo a
razão o conhecimento de tais assuntos é altamente útil”. (ARISTÓTELES,
1987, p. 10). Portanto, a quem pretende estudar esses assuntos é sugerido
225
que se conduza tomando em consideração essas premissas, ou seja, que, no
campo da ética, da política, da educação, etc., não há provas e
demonstrações como há na matemática, bem como devemos levar em
conta que nem a razão pode tudo e que nem devemos ignorar a nossa
constituição passional.
No que diz respeito às paixões, o pensamento aristotélico, todavia,
não as considera como algo revestido de um caráter terrível, mas como
respostas afetivas normais que damos às circunstâncias que nos chegam.
Fenômenos puramente humanos, as paixões nos dão a possibilidade de nos
governar. “O virtuoso [ao invés de refrear as paixões], age corretamente,
mas em harmonia com suas paixões, porque ele as dominou de uma vez
por todas. Não só aprendeu a agir de modo conveniente, mas a sentir o
páthos adequado.” (LEBRUN, 1987, p. 20).
O páthos, como característica e lugar do humano, exprimiria,
assim, a contingência, a alternativa e a multiplicidade. Nesse aspecto, a
importância das paixões na constituição da vida ética se sobressai. Ao
contrário de uma tradição que as considerava como obstáculos e
impedimentos à ação, Aristóteles as toma como oportunidade e expressão
não só do humano, mas da liberdade humana em direção à virtude. As
paixões nos dão as condições de nos atualizarmos, realizando a nossa
finalidade essencial a busca do bem , diferentemente de uma planta,
que já tem o seu fim prescrito.
Na concepção aristotélica, as paixões são elementos essenciais para
a edificação do sujeito virtuoso, cabendo a nós, homens, nos
responsabilizarmos pela educação e consideração dessas tendências que
estão implantadas em nossa natureza, isto é, somos responsáveis pelo mal-
uso que delas podemos fazer. Essa educação, porém, não é uma simples
repressão dos desejos insaciáveis e que quer se alimentar de tudo, mas deve
226
considerar o páthos como algo em consonância com o lógos, em que este
tem o papel exatamente de auxiliar na escolha dos fins e proporcionar os
meios. A virtude é o resultado do exercício da razão no homem.
Devemos aprender a viver em conformidade com o lógos, mas sem
esquecer que as paixões continuam sendo a matéria de nossa conduta
e que só a propósito de seres passionais se pode falar em conduta
razoável. Paixão e razão são inseparáveis, assim como a matéria é
inseparável da obra e o mármore da estátua. (LEBRUN, 1987, p. 22)
As paixões representam, assim, o outro que há em nós e que sem
elas perderíamos algo de nós mesmos. Considerá-las como algo meramente
irracional, que deve ser eliminado e extirpado, reduzindo-se ao caráter
apodítico do lógos, é extrair a nossa própria humanidade. Imagina, então,
o que fazemos quando eliminamos ou, no mínimo, desconsideramos essa
parte de nós ao elaborarmos e formularmos teorias, projetos e políticas
educativas para um público, como sabemos, composto de seres humanos
passionais.
Dessa maneira, uma prática e uma política educacional inovadoras
precisam considerar a existência de paixões, isto é, aprender a considerar o
prazer e o sofrimento, aquilo que é flutuante e que, muitas vezes, nos
desestabiliza e que nem sempre temos o controle. Como estado da alma,
as paixões/emoções/afetos são ou provocam confusões, mas que, se forem
bem-educadas, podem contribuir na construção de posturas e atitudes que
nos colocam no exercício pleno de uma liberdade responsável. Visto que
não é possível viver sem elas, como querem a grande parte das concepções
e das propostas pedagógicas, o que nos compete é trabalharmos para
conviver, considerar, incluir e nos governar com ou a partir delas. Em certo
sentido, parece-nos que é justamente a proposta de Lev Semionovitch
Vygotsky, como veremos a seguir.
227
O conceito de afeto e emoção em Vygotsky e sua contribuição
para a educação
Embora a abordagem acerca do funcionamento cognitivo seja o
aspecto mais difundido e explorado do pensamento de Vygotsky o que,
em termos contemporâneos, poderia considerá-lo um cognitivista, cabe
ressaltar que para ele as coisas não podem ser compreendidas, assim,
isoladamente. Nos termos da análise que fizemos cima, Vygotsky estaria
do lado de uma visão logocêntrica e racional da vida, pura e simples. Não,
segundo ele, o processo de organização da consciência, de construção de
um plano intrapsicológico a partir de material interpsicológico, portanto,
de relações sociais, incluindo a educação, se desenvolvem a partir de uma
relação entre o mundo afetivo (páthos) e o mundo intelectual (lógos),
inteiramente enraizados em suas inter-relações e influências mútuas.
Vygotsky menciona, explicitamente, que um dos principais defeitos da
psicologia tradicional é a separação entre os aspectos intelectuais, de
um lado, e os volitivos e afetivos, de outro, propondo a consideração
da unidade entre esses processos. Coloca que o pensamento tem sua
origem na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades,
interesses, impulsos, afeto e emoção (OLIVEIRA, 1992, p. 76).
Segundo ele, o processo de pensamento não estaria dissociado da
plenitude e da multiplicidade da vida, das necessidades e dos interesses
pessoais e dos impulsos daquele que pensa. Ao se opor à separação entre o
aspecto intelectual e racional de nossa consciência e o aspecto afetivo,
atribui um papel fundamental às relações sociais. Dito de outro modo, os
processos humanos realizam-se inicialmente no social enquanto processos
interpessoais e interpsicológicos, para depois tornarem-se individuais, ou
seja, intrapessoais ou intrapsicológicos.
228
Neste contexto, apresentamos os primeiros resultados de uma
investigação e de algumas reflexões que fazemos acerca do tema das
emoções/paixões/afetos em Vygotsky que, assomando-se ao que já veio
sendo feito a partir de outros horizontes intelectuais, como as ideias de
Aristóteles, possam contribuir de alguma maneira para os desafios da
educação contemporânea.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa exploratória de caráter
teórico, de análise bibliográfico-documental focada na leitura sistemática
de obras do autor russo e de textos como apoio. Posteriormente,
executamos a leitura e fichamento das obras literárias, a fim de promover
uma melhor compreensão do conceito de afeto e emoção, presente na obra
de Vygotsky, especialmente em “Teoria das Emoções escrita”, entre 1931
e 1933, que permaneceu inacabada devido a sua morte precoce. Feita a
seleção e definição dos textos que tratam do tema das emoções e afetividade
foi desenvolvida análise, discussão e articulação das noções vygotskyanas
com o contexto da sala de aula, de maneira contribuir para se pensar a
prática pedagógica e a formação de professores, por exemplo. Enfim, o
contato com as obras do autor permitiu perceber que ainda pode continuar
contribuindo e ampliando os conhecimentos acerca da educação, de
maneira a apontar olhares, saberes e posturas inovadoras para a formação
e a prática docente tão necessárias na atualidade.
Uma das primeiras obras em que Vygotsky desenvolveu um estudo
específico acerca das emoções foi a “Teoria das Emoções” (2004). Nesta
obra, especificamente, o autor aborda a concepção de emoção do século
XX e explora a necessidade de resgatar a dialética entre fatores biológicos e
culturais presente na afetividade. A discussão situada em sua obra
fundamenta-se nas reflexões de Espinosa - filósofo cuja reflexão monista
propunha a solução para os problemas relacionados aos sentimentos e à
229
razão onde buscava, assim, avançar na teoria spinoziana, superando seus
erros e construindo, a partir dela, uma nova teoria sobre as emoções
humanas (MACHADO et al. 2011).
Vygotsky explicita, portanto, que seu objetivo é repensar a
trajetória do conceito de emoção e discutir as teorias já consolidadas em
seu tempo, opondo-se à visão dualista de sua época. A fim de trazer o
conceito monista que integrasse o papel dinâmico ativo das noções sobre
o desenvolvimento humano, o materialismo e idealismo, levando à
formação do homem como ser social e histórico ao mesmo tempo.
Há dois pressupostos complementares e de natureza geral em sua teoria
que delineiam uma posição básica a respeito do lugar do afetivo no ser
humano. Primeiramente, uma perspectiva declaradamente monista, que
se opõe a qualquer cisão das dimensões humanas como corpo/alma,
mente/alma, material/não-material e até, mais especificamente,
pensamento/linguagem. Em segundo lugar, uma abordagem holística,
sistêmica, que se põe ao atomismo, ao estudo dos elementos isolados
do todo, propondo a busca de unidades de análise que mantenham as
propriedades da totalidade. Tanto o monismo como a abordagem
globalizante buscam a pessoa como um todo e, portanto, por definição,
não separam afetivo e cognitivo como dimensões isoláveis
(OLIVEIRA, 1992, p. 76, grifos no original).
A característica marcante do conceito de Vygotsky a respeito de
afeto e emoção é o uso que o autor faz da filosofia materialista dialética que
a União Soviética se amparou após a Revolução de 1917. Portanto, é por
meio desta concepção fundamentada no Materialismo Histórico Dialético
que Vygotsky consegue superar a dicotomia que permeava o século XX e
definir sua teoria da emoção, superar uma psicologia que firmou suas
teorias das emoções no dualismo cartesiano, onde acreditavam que os
fenômenos mentais não são físicos, ou seja, a mente e o corpo são distintos
230
e separáveis. “Vygotsky evidencia que a psicologia dialética, pelo seu
caráter materialista e histórico, não estuda os processos psíquicos e
fisiológicos separadamente, mas aborda esses mesmos aspectos em sua
unidade” (GOMES, 2008, p. 47).
As ideias de Vygotsky a respeito do ensino estiveram, desde o
início, intimamente ligada à afetividade e ao emocional, sentimentos e
paixões, pois segundo o psicólogo russo as emoções influenciam no ensino
e aprendizagem, ou seja, é por meio das interações sociais que o indivíduo
desenvolve suas funções psicológicas.
Para Lev Vygotsky a afetividade e a emoção têm um importante
papel na constituição do psiquismo, pois é por meio de ambas que
constituímos vínculos significativos para a compreensão dos processos da
consciência, portanto o sujeito é produto do desenvolvimento social e de
processos cognitivos. O autor chama a atenção para as mudanças que
culturalmente nos transforma e sucessivamente nos conduz a mais
estabilidade emocional. “Vygotsky considerava que, no decorrer do
desenvolvimento, as emoções vão se transformando, isto é, vão se afastando
da origem biológica e se constituindo como fenômeno histórico-cultural”
(SILVA, 2008, p. 04).
A teoria do autor faz menções ao âmbito escolar ser um dos
primeiros a desenvolver culturalmente o indivíduo e por esta razão ele
defende a relação entre o afeto e o cognitivo e, vai contra as ideias dualistas
que fazem uma divisão entre o intelecto e o afeto do psicológico, pois para
ele não há como separar os interesses afetivos dos aspectos intelectuais, pois
a mente e o corpo estão em constante sintonia.
Na instituição de ensino, o papel da escola, junto com o da família,
é primordial na formação de um indivíduo. O ambiente de ensino deve ser
estimulador e acolhedor. Portanto, os profissionais da educação devem
231
estabelecer uma relação afetiva, devem ser pacientes e afetuosos com seus
educandos, pois este vínculo emocional, construído em sala de aula, deixa
o aluno mais confiante, seguro e participativo e, sucessivamente, a
aprendizagem passa a ganhar espaço para acontecer naturalmente. Além
do vínculo sentimental, o professor precisa construir um processo de
ensino estimulador para ocorrer o interesse no aprender, onde a afetividade
faz parte significativa nessa construção da aprendizagem e conhecimento.
Neste sentido, é de extrema importância que o professor não só
alfabetize, mas na medida em que o aluno avança em seus estudos, ele seja
capaz de ensinar, e de apoiar este aluno: “uma pequena conquista
reconhecida pelo professor pode significar muito na vida de um aluno que
não tem nenhum tipo de reconhecimento por parte da família”
(REGINATTO, 2013, p. 08).
Entende-se o pensamento de Vygotsky com a linha sócio-
histórico-cultural do desenvolvimento das funções mentais superiores,
ainda que ela seja mais conhecida com o nome de teoria histórico-cultural.
Isso significa que “a cultura se torna parte da natureza humana num
processo histórico que, ao longo do desenvolvimento da espécie e do
indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem” (OLIVEIRA,
1992, p. 24).
O local no qual a pessoa está inserida tem influências direta em seu
desenvolvimento, sendo assim ele é constituído de aspecto biológico e
ambiental. Na perspectiva vygotskyana os fatores ambientais são
construídos a partir da relação do indivíduo com o meio social e é
denominado como internalização, que é a relação do ser com o mundo
através de mediação dos instrumentos (ferramentas físicas) e os signos
(ferramentas psicológicas). “O homem, em seu aspecto emocional, precisa
ser compreendido como síntese das relações sociais, e neste sentido, as
232
emoções são datadas historicamente e são construídas a partir das
condições materiais de produção” (MACHADO et al. 2011, p. 656).
Nesse sentido, Vygotsky ressalta que as emoções são esse
organizador interno das nossas reações, que retesam, excitam, estimulam
ou inibem essas ou aquelas reações. Desse modo, a emoção mantém seu
papel de organizador interno do nosso comportamento. As reações
emocionais exercem uma influência essencial e absoluta em todas as formas
de nosso comportamento e em todos os momentos do processo educativo.
Se quisermos que os alunos recordem melhor ou exercitem mais
seu pensamento, devemos fazer com que essas atividades sejam
emocionalmente estimuladas. A experiência e a pesquisa têm demonstrado
que um fato impregnado de emoção é recordado de forma mais sólida,
firme e prolongada que um feito indiferente (VYGOTSKY, 1997: 2004).
O professor tem um papel importante no processo de formação e
aprendizagem do aluno, pois é ele quem tem que desenvolver formas e
métodos para que o aluno se desenvolva da melhor forma, como bem
aponta Vygotsky ao dizer,
[...] quem separa o pensamento do afeto, nega de antemão a
possibilidade de estudar a influência inversa do pensamento no plano
afetivo, volitivo da vida psíquica, porque uma análise determinista
desta última inclui tanto atribuir ao pensamento um poder mágico
capaz de fazer depender o comportamento humano única e
exclusivamente de um sistema interno do indivíduo, como transformar
o pensamento em um apêndice inútil do comportamento, em uma
sombra desnecessária e impotente. (VYGOTSKY, 2005, p. 25).
Assim, ao pensarmos o papel da escola nessa perspectiva,
proporcionaremos um processo socialização entre pessoas, ou seja, uma
233
troca de vivência e de saberes que, de certa maneira, vai contribuir para o
enfrentamento dos problemas e desafios ali existentes.
Considerações Finais
Tomando, finalmente, as reflexões aqui realizadas, é possível dizer
que as políticas educacionais são devedoras de uma posição mais clara e
comprometida com novos horizontes para a educação. A educação é mais
do que um processo que permite ao homem, no caso os alunos e
professores, garantir de forma sistemática a apropriação do conhecimento,
mas mostrar que a partir do afeto e da emoção o âmbito escolar pode se
tornar um local prazeroso e seguro para aquisição do conhecimento. No
nimo, pode se tornar um espaço que experimenta e incluem dimensões
que ao longo do tempo sempre foram tratadas como secundárias, ou até
excluídas da discussão e das propostas educativas.
Nesse sentido, o processo pedagógico seria ampliado e
aprofundado, deixando de ser apenas uma atitude em que se valoriza a
dimensão cognitiva, intelectual e racional, em detrimento das emoções, das
paixões e dos afetos, o que poderia contribuir para uma aprendizagem
significativa, holística e plena. Com isso, poderíamos dar atualidade ao que
a noção de paideia, na Grécia antiga, pretendia dizer: uma formação
integral do homem. O desafio está em traduzir essas reflexões em termos
práticos, o que pode ser possível se nós aprofundarmos o debate no campo
das políticas educacionais na atualidade, especialmente no processo de
formação de professores nos cursos de licenciatura e se estendendo para as
escolas e salas de aula, onde se vivencia e se experimenta essas dimensões
de maneira bastante concreta, e que precisam ser levadas em consideração.
234
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237
SOBRE OS AUTORES
Alonso Bezerra de Carvalho
Graduado em Filosofia (1986), em Ciências Sociais (1992) e Mestrado em
Educação (1997) pela Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade
Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. Doutor em Filosofia da
Educação (2002) pela Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo (USP). Livre-Docente (2013) pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP). Em 2007 fez pós-doutorado em Ciências da Educação na
Universidade Charles de Gaulle, Lille, França. Atualmente é professor
adjunto no Departamento de Didática e do Programa de Pós-Graduação
em Educação da UNESP, Campus de Marília. Foi Professor Visitante na
Universidade de Santiago do Chile (Chile - 2015), na Universidade de
Cergy-Pontoise (França-2015) e na Universidade de Buenos Aires (2017).
É líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Ética e Sociedade
(GEPEES), cadastrado no CNPq.
Carlos da Fonseca Brandão
Licenciado em Educação Física e Pedagogia, Mestre em Educação:
História, Política e Sociedade pela PUC-SP (1994), Doutor em Educação
pela UNESP - Marília (2000), Livre-docente em Estrutura e
Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio pela UNESP - Assis
(2006) e Pós-doutor pela Universidad Autónoma de Barcelona - UAB
(Barcelona - Espanha - 2011), pela Universitat Rovira i Virgili (Tarragona
- Espanha - 2015) e pela Uppsala Universitet (Uppsala - Suécia - 2017).
Atualmente é Professor Associado do Departamento de Estudos
Linguísticos, Literários e da Educação (DELLE) da UNESP - Assis) e do
238
Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da UNESP - Marília.
Foi Professor Visitante na Universidade do Porto (Portugal - 2009), na
Universidad de Granada (Espanha - 2009), na Universidad Nacional de
Córdoba (Argentina - 2010), na Universidad de Santiago de Compostela
(Espanha - 2011), na Universidad de Santiago de Chile (Chile - 2012), na
Universidad Nacional de Cuyo (Mendoza, Argentina - 2013) e na
Universidad Nacional del Sur (Bahía Blanca, Argentina, 2018). Atua na
docência e pesquisa nas áreas de política educacional, educação comparada
e educação internacional, com artigos e livros publicados nas editoras
Avercamp, Autores Associados, Edusc, Poiesis, UNESP, Vozes, entre
outras.
Chelsea Maria de Campos Martins
Doutoranda em Educação (2019) pela Faculdade de Filosofia e Ciências -
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Marília).
É mestre em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho - UNESP/Araraquara (2001). Membro do Grupo de
Estudos: Coletivo de Pesquisadores Polícias Educacionais-COPPE/
UNESP. Docente do Ensino Superior e Coordenadora do NAAc (Núcleo
de Apoio às Atividades Acadêmicas) do Centro Universitário Moura
Lacerda - Unidade 3/Jaboticabal/SP. Supervisora de Ensino da Diretoria
de Ensino - Região de Taquaritinga - SEDUC/SP. Membro do Banco de
Avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior -
BASis - INEP/MEC. Membro do Conselho Deliberativo APASE.
239
Daniel Capella Pereira
Mestre em Gestão e Desenvolvimento da Educação Profissional pela
Unidade de s-Graduação do Centro Paula Souza com pesquisa voltada
a área de Políticas Públicas para a Educação. Especialista em Estratégia
Empresarial (2013) e Docência para o Ensino Superior (2017). Bacharel
em Administração (2009) e Ciências Contábeis (2015) pela Universidade
Cruzeiro do Sul; e Licenciado em Administração pela Fatec São Paulo
(2014). Atuou como coordenador de projetos no Grupo de Formulação e
Análises Curriculares na Coordenadoria da Unidade de Ensino Médio e
Técnico do CEETEPS. É professor pesquisador do Grupo de Pesquisas
Fundamentos da Educação Profissional e Tecnológica do CEETEPS.
Fernanda Gonçalves Gomes
Graduada em Pedagogia pela Universidade Paulista em 2018, com duas
especializações Lato Sensu em andamento na área de Gestão Escolar e
Neuropsicopedagogia, Educação Inclusiva e Especial, e a pós stricto Sensu,
o mestrado, em andamento pela universidade estadual de São Paulo -
UNESP. Professora do ensino fundamental no municípior de Assis desde
2019. Áreas de pesquisas: Educação: Políticas Públicas para Educação,
Feminismo na Educação, Gestão Escolar Democrática e Avaliação na
Educação Especial.
Flavia Oliveira de Assis Lourenço
Graduada em Letras pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de
Mesquita Filho" - Campus Assis (2011). Graduada em Pedagogia pela
Universidade Federal de o Carlos (2017). Possui Pós-Graduação “Lato
Sensu em “Psicopedagogia Institucional e Clínica". Atualmente cursa
240
mestrado em Educação pela Universidade Estadual Paulista "Julio de
Mesquita Filho" - Campus Marília e é professora titular da Secretaria
Municipal de Educação de Assis e membro do grupo de pesquisa Coletivo
de Pesquisadores em Políticas Educacionais - COPPE-UNESP.
Gabriel Pereira do Amaral
Licenciado em Letras com Habilitação em Língua Inglesa e suas respectivas
Literaturas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho-
UNESP/FCL-Assis/Sp. Especialista em Gênero e Diversidade Escolar,
Psicopedagogo Clínico e Institucional pela Faculdade Metropolitana.
Formador de Tradução e Intérprete de Libras pela mesma IES e em Gestão
Educacional e Políticas Públicas (FGV). Professor pela secretaria de
educação do Estado de São Paulo, membro do grupo de pesquisa COPPE
(Coletivo de Pesquisadores em Políticas Educacionais) UNESP de Marília-
SP.
Graziela Cristina de Oliveira Holmo
Mestre em Educação na UNESP - Campus de Marília. Possui graduação
em Pedagogia - Faculdades São Judas De Pinhais (2002) e graduação em
Ciências com habilitação em matemática pela Fundação do Município de
Assis (1997). Atualmente é supervisora de ensino - Secretaria Municipal
de Educação de Assis. Tem experiência na área de Educação, com ênfase
em Educação.
241
Henrique Adelino Chiquemba
Doutorando em Educação na linha: Políticas Educacionais, Gestão de
Sistemas e Organização, Trabalho e Movimentos Sociais. Na Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP/Marília. Formação
iniciada em Ciências de Educação pelo Instituto Superior de Ciências de
Educação do Lubango, Huila- Angola. Professor de Profissão no
Ministério da Educação em Angola, Professor Destacado no Ministério do
Ensino Superior em Angola. Participante do grupo de pesquisa COPPE.
Tem experiência como docente na educação básica e superior em Angola,
Pesquisa com ênfase em Políticas Públicas educacionais, em avaliação na
educação.
Iago De Mello Pereira
Graduado no curso de Letras (Licenciatura), com habilitação em Língua
Portuguesa, Língua Francesa e suas respectivas literaturas, na Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Assis (FCL UNESP
Assis). Realizou o projeto de iniciação científica (com bolsa PIBIC/
Reitoria) sob o título de "O conceito de afeto e emoção em Lev Vygotsky
e sua contribuição para a educação", abrangendo a área da filosofia da
educação e a psicologia na sala de aula. Atuou como professor
tutor/bolsista de língua francesa no projeto de extensão da UNESP Assis o
CLDP - (Centro de Línguas e Desenvolvimento de Professores).
Ione da Silva Cunha Nogueira
Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/FFC-
MAR) na Área de Políticas Públicas e Administração da Educação
Brasileira - Faculdade de Filosofia e Ciências - Marília - SP (2010). Mestre
242
em Educação Escolar (2000) e Licenciada em Pedagogia (1996) pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP/FCL-AR) - Faculdade de
Ciências e Letras - Araraquara. Atualmente é professora Associada da
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - Campus de Três Lagoas -
MS, atuando na graduação e no PPGE/Mestrado em Educação. É
coordenadora do grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Sociedade
da UFMS/Três Lagoas e integrante do grupo de pesquisa Educação, Ética
e Sociedade na Universidade Estadual Paulista - Assis. É integrante do
Fórum Regional de Educação Infantil da Costa Leste de MS. Foi
coordenadora de área do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência - PIBID Pedagogia/CPTL entre 2014 e 2020. Tem experiência
na área de Educação, com ênfase em Fundamentos da Educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: Infância e Educação, Formação de
Professores e Currículo e Educação.
Ivanete Bellucci Pires de Almeida
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação - UNICAMP (2009),
área de concentração Ensino, Avaliação e Formação de Professores. Mestre
em Educação na área de concentração de Formação de Professores e
Avaliação. Possui graduação em Análise de Sistemas pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (1982). Professora titular da
Faculdade de Tecnologia Indaiatuba- SP, atuou como Diretora da Fatec
Victor Civita - Tatuapé - SP por sete anos e atualmente dirige a Faculdade
de Tecnologia Sumaré - São Paulo/SP, desde 2018. Tem experiência na
área de Educação, com ênfase em Currículo e suas Teorias; Gestão Escolar;
Planejamento Educacional e Avaliação, atuando principalmente
Pesquisadora em modelagem de dados por meio de Análise por Envoltória
de Dados (DEA) e tecnologia da informação. É professora pesquisadora
243
do Grupo de Pesquisas Fundamentos da Educação Profissional e
Tecnológica do CEETEPS e do Coletivo de Pesquisadores em Políticas
Educacionais COPPE (UNESP).
Luciana Siqueira Rosseto Salotti
Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica -
PUC - SP (2015). Mestre em Letras pela Universidade Estadual de
Londrina - UEL (2002). Graduada em Letras - Português/Espanhol pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP (1998).
Experiência como docente de Educação Básica, da Educação Infantil ao
Ensino Médio. Atuou em cursos de formação profissional em EaD na
FATEC, como mediadora e professora autora. Atualmente é professora de
Espanhol na FATEC Assis e Marília. Docente voluntária na Área
Comunicação, Expressão e Humanidades do Centro para Desenvolvi-
mento de Potencial e Talento - CEDET Assis. Membro do Conselho
Consultivo da Associação de Pais e Amigos para o Apoio ao Talento
ASPAT e do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência e da Pessoa
com Capacidade Elevada de Assis. Membro do Corpo Editorial da Revista
RGE- Revista de Gestão e Estratégia da Fatec Assis. Participa dos grupos
de pesquisa: Coletivo de Pesquisadores em Políticas Públicas Educacionais
- COPPE - UNESP Marília e da Rede Internacional de Investigação,
Intervenção e Avaliação - RENEIVA. Principais temas de estudos:
Formação Profissional, Língua Espanhola, Língua Portuguesa e
Atendimento aos estudantes com capacidade elevada, Formação de
Família para Apoio ao Talento.
244
Maria Helena Alfenes Ferreira
Graduanda no curso de História (Licenciatura) na Faculdade de Ciências
e Letras da UNESP, Campus de Assis. Realizou o projeto de iniciação
científica (com bolsa PIBIC/Reitoria) sob o título de "O conceito de afeto
e emoção em Lev Vygotsky e sua contribuição para a educação",
abrangendo a área da filosofia da educação e a psicologia na sala de aula.
Mariana Aparecida de Almeida Laurentino
Graduada em Licenciatura em Pedagogia na Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), campus de Presidente
Prudente (2017). Atualmente cursa mestrado em Educação pela
Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - Campus
Marília, é professora titular da Secretaria Municipal de Educação de
Marília e membro do grupo de pesquisa Coletivo de Pesquisadores em
Políticas Educacionais - COPPE-UNESP.
Nathália Delgado Bueno da Silva
Doutoranda e mestre em Educação na linha: Políticas Educacionais,
Gestão de Sistemas e Organizações, Trabalho e Movimentos Sociais.
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, UNESP de
Marília. Formação inicial em Pedagogia e especialista em Docência na
Educação Superior. Participante do grupo de pesquisa COPPE - Coletivo
de Pesquisadores em Políticas Educacionais. Tem experiência como
docente na educação básica e superior. Pesquisa com ênfase em: Políticas
Públicas educacionais, Pós- Graduação stricto sensu, Gestão Escolar e
Formação de Professores.
245
Patrícia Ribeiro Mattar Damiance
Doutora em Ciências pelo Programa de Ciências Odontológicas Aplicadas
da FOB-USP-Bauru. Mestre em Enfermagem pela Faculdade de Medicina
de Botucatu (2012). Especialista em Enfermagem Pediátrica (2010).
Especialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior (2010).
Graduada em Enfermagem pela Faculdade de Medicina de Marília (2001).
Docente dos cursos de graduação em Enfermagem e Medicina da
Fundação Educacional do Município de Assis/SP (FEMA). Membro de
Equipe Multidisciplinar responsável pelo acompanhamento e aprovação
do material didático produzido na modalidade EAD para o curso de
licenciatura em Química do Instituto Municipal de Ensino Superior de
Assis (IMESA/FEMA). Designer Instrucional do Núcleo de Educação a
Distância (NEaD) da FEMA - 2019/2020. Experiências e vivências na área
de Políticas Públicas de Saúde, Saúde Coletiva, Educação, Educação
Especial e a distância.
Renato de Menezes Quintino
Mestre em Gestão e Desenvolvimento da Educação Profissional pela
Unidade de Pós-Graduação do Centro Estadual de Educação Tecnológica
Paula Souza (CEETEPS) com pesquisa em Políticas Públicas para a
Educação. Graduado em Tecnologia de Manutenção Aeronáutica pela
Faculdade de Tecnologia de São José dos Campos - Prof Jessen Vidal.
Possui experiência na área de educação. É vice-presidente do Sindicato dos
Trabalhadores do CEETEPS (SINTEPS). É professor pesquisador do
Grupo de Pesquisas Fundamentos da Educação Profissional e Tecnológica
do CEETEPS.
246
Rosimeire dos Santos
Doutora em Educação Escolar pela UNESP campus de Araraquara na
linha - Formação do Professor, trabalho docente e prática pedagógica.
Mestre em Linguística, graduação em Pedagogia pela Faculdade de
Educação de Assis (1996) e graduação em letras pela Universidade de São
Paulo (1992). Tem experiência na docência e gestão da Educação Básica e
do Ensino Superior. Foi responsável pelo Departamento de Educação
Especial da Secretaria Municipal da Educação de Assis no período de 2008
a 2015. Atuou como Orientadora de Disciplina do Curso de Pedagogia
UNESP/UNIVESP. Membro da Associação de Pais e Amigos para o
Apoio ao Talento ASPAT. Diretora Técnica do Centro para o
Desenvolvimento do Potencial e Talento CEDET/Assis. Conselheira do
Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência e da Pessoa com alta
Capacidade de Assis. Pesquisadora da Rede Internacional de Investigação,
Intervenção e Avaliação (REINEVA) e do Coletivo de Pesquisadores em
Políticas Públicas Educacionais (COPPE) UNESP/Marília. Principais
estudos nos temas: Dotação e Talento - Estudantes com Altas Capacidades
- Educação Especial - Formação de Professores - Formação do Leitor -
Educação a distância - Educação Inclusiva. Formação de famílias para o
Apoio ao Talento.
Stelamary Aparecida Despincieri Laham
Doutoranda em Educação pela UNESP campus de Marília, na linha
Políticas Educacionais, Gestão de Sistemas e Organizações, Trabalho e
Movimentos Sociais. Mestre em Educação Escolar (2016) pela UNESP
campus de Araraquara pela linha de Política e Gestão Educacional. Possui
graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista UNESP
(2005) e Licenciatura em História pela Universidade Estadual Paulista
247
UNESP (1997). Pós-graduada em Planejamento, Gestão e Implementação
de Educação a Distância pela UFF-Universidade Federal Fluminense
(2010). Atuou como Orientadora de Disciplina do Curso de Graduação
em Pedagogia da UNIVESP/UNESP-Universidade Virtual do Estado de
São Paulo, campus UNESP Assis. Participou da execução e implantação
do Polo de Apoio Presencial de Tarumã EaD, do Sistema Universidade
Aberta do Brasil do Ministério da Educação e Cultura. Atuou como
coordenadora do Polo EaD do Sistema Universidade Aberta do Brasil -
UAB do Município de Tarumã-SP. Participou como Supervisora
Administrativa e de Tutoria do Curso de Aperfeiçoamento Mediadores de
Leitura, UNESP/UAB. Atualmente é Coordenadora do NEaD - Núcleo
de Educação a Distância da FEMA - Fundação Educacional do Município
de Assis.
Sueli Soares dos Santos Batista
Pós-doutorado Depto. de História e Filosofia da Educação da Faculdade
de Educação da Unicamp (2012). Mestre (1997) e doutora em Psicologia
Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo
(2002). Graduada em História pela USP (1992) e Filosofia pela Unicamp
(2007). Atua como professora e pesquisadora do Mestrado Profissional do
CEETEPS. Coordena o Núcleo de Estudos em Tecnologia e Sociedade
(NETS-Fatec Jundiaí) e o Grupo de Fundamentos da Educação
Profissional e Tecnológica vinculado à pós-graduação. Tem experiência na
área de Educação, com ênfase em Fundamentos da Educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: educação profissional e tecnológica,
cultura e educação e política educacional. Professora Pesquisadora do
Coletivo de Pesquisadores em Políticas Educacionais COPPE (UNESP)
e do Laboratório de Políticas Públicas e Planejamento
Pareceristas
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________
Este livro foi submetido ao Edital 01/2020 do Programa de Pós-
graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP,
câmpus de Marília e financiado pelo auxílio nº 0798/2018, Processo Nº
23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES. Contamos com o
apoio dos seguintes pareceristas que avaliaram as propostas recomendando
a publicação. Agradecemos a cada um pelo trabalho realizado:
Adriana Pastorello Buim Arena
Alessandra Arce Hai
Alexandre Filordi de Carvalho
Amanda Valiengo
Ana Crelia Dias
Ana Maria Esteves Bortolanza
Ana Maria Klein
Angélica Pall Oriani
Eliana Marques Zanata
Eliane Maria Vani Ortega
Fabiana de Cássia Rodrigues
Fernando Rodrigues de Oliveira
Francisco José Brabo Bezerra
Genivaldo de Souza Santos
Igor de Moraes Paim
Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho
José Deribaldo Gomes dos Santos
Jussara Cristina Barboza Tortella
Lenir Maristela Silva
Livia Maria Turra Bassetto
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz
Márcia Lopes Reis
Maria Rosa Rodrigues Martins de
Camargo
Marilene Proença Rebello de Souza
Mauro Castilho Gonçalves
Monica Abrantes Galindo
Nadja Hermann
Pedro Laudinor Goergen
Tânia Barbosa Martins
Tony Honorato
Comissão de Publicação de Livros do Edital 001/2020 do
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Malia
Graziela Zambão Abdian, Patricia Unger Raphael Bataglia,
Eduardo José Manzini e Rodrigo Pelloso Gelamo
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Kamila Gonçalves
Arte da Capa
Allan Maicon Sanches
Capa e Diagramação
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Papel
Polén soft 80g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
Acabamento
Grampeado e colado
Tiragem
100
Se podemos armar que as Políticas Públicas Educacionais espelham um
conjunto de intenções e arenas sobre diversos aspectos da Educação, e
considero que não podemos como devemos, a presente coletânea reúne
um conjunto de analistas se encarregaram de indagar e contrastar, com
um suporte documental e legal consistente, explicitando com clareza um
vínculo quase sempre negado porém imprescindível entre o processo da
política e o processo legislativo. Assim, encontramos nessa coletânea um
muito bem desenhado vínculo do analista de política, quando se entende
de modo implícito e de modo explícito, a noção de que a política pública
e também a política educacional é o Estado em ação. Esta ideia emerge a
todo o momento de modo recorrente explicitando os vínculos que há en-
tre Estado e Sociedade fundamentalmente quando o conceito de governo
atravessa estas inter-relações. Se não houvesse outras, essas razões já seriam
demasiado sucientes para nos debruçarmos com atenção a todos os capí-
tulos que compõem a presente obra coletiva.
Grupo de Pesquisa denominado
Coletivo de Pesquisadores em Políticas
Públicas Educacionais (COPPE), vin-
culado ao Programa de Pós-graduação
em Educação da Faculdade de Filosoa
e Ciências - UNESP / Marília. Criado
em 2012, o COPPE direcionou, ini-
cialmente, seu foco de estudos e pes-
quisas para o campo das Políticas Edu-
cacionais Públicas. Porém, a partir de
2017, em função de modicações dos
interesses cientícos de seus pesqui-
sadores(as) e alunos(as), que, por um
lado, passaram a ter muitas oportuni-
dades de aperfeiçoamento prossional
em diversos países, e, por outro lado,
em função do processo de internacio-
nalização, mais intenso e efetivo, do
próprio PPGE, passou a desenvolver
pesquisas pautadas pelo referencial te-
órico e metodológico dos estudos e
pesquisas da Educação Comparada e
Internacional, assim como as possíveis
relações entre as Políticas Educacionais
Públicas e a Educação Comparada e
Internacional. Assim, a presente obra
explicita, em grande medida, a histó-
ria, ainda curta mas muito profícua do
COPPE.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS questões e desaos contemporâneos
LUIS ENRIQUE AGUILAR | UNICAMP
A presente coletânea tem como
propósito primordial o de disseminar e
compartilhar as reexões sobre as Po-
líticas Públicas Educacionais vigentes,
o condutor dos nove capítulos que
compõem essa obra. Consideramos
que as discussões de tais políticas nos
auxiliam na compreensão das trans-
formações, nas problematizações e nas
análises de suas respectivas implanta-
ções implementações, especialmente
no campo das ações estatais e institu-
cionais.
Considerando o caráter multi-
disciplinar das Políticas Públicas Edu-
cacionais, os artigos presentes nes-
ta obra, além de indagar, questionar,
comparar e analisar as mesmas, em seus
diferentes aspectos, buscaram, ao mes-
mo tempo, vericar na esfera do Estado
e da máquina do governo, a implanta-
ção dessas ações, bem como as mudan-
ças que inuenciaram os rumos ou o
curso dessas medidas educacionais, co-
locando em evidência as inter relações
existentes entre Estado, Política, Eco-
nomia e Sociedade.
Desse modo, os estudos aqui
reunidos reetem e assinalam dife-
rentes olhares para diferentes objetos:
compreensão de conceitos; análise de
documentos legais, implantação de
mecanismos de participação demo-
crática, discussão sobre a formação
docente e a amplitude dessas ações e a
reexão da trajetória de formação para
o desenvolvimento do processo peda-
gógico. Assim, buscaram focalizar uma
ampla gama de temáticas que, por sua
vez, explicitam aspectos distintos das
Políticas Públicas Educacionais.