Mulheres, Gênero e
Sexualidades na sociedade
Volume II
diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
(Organizadora)
CULTURA
ACADÊMICA
E d i t o r a
Mulheres, Gênero e
Sexualidades na sociedade -
diversos olhares sobre a cultura
da desigualdade
Volume II
M, G  S 
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V II
Marília/Ocina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2020
T S A M B
(O)
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS - FFC
UNESP - campus de Marília
Diretor
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Vice-Diretor
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Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
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Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
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Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Ficha catalográca
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Editora aliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Ocina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2020, Faculdade de Filosoa e Ciências
M956 Mulheres, gênero e sexualidades na sociedade : diversos olhares sobre a cultura da
desigualdade : volume 2 / Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (organizadora). –
Marília : Ocina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2020.
340 p. : il.
Inclui bibliograa
ISBN 978-65-86546-85-9 (Impresso) (v. 2)
ISBN 978-65-86546-86-6 (Digital) (v. 2)
DOI:
1. Mulheres - Condições sociais. 2. Sexo. 3. Violência contra mulheres. 4. Mulheres e
literatura. 5. Mulheres artistas. 6. Mulheres na educação. 7. Igualdade. I. Brabo, Tânia Suely
Antonelli Marcelino.
CDD 305.42
S
Prefácio
Mariângela Spotti Lopes Fujita ------------------------------------------------------------ 23
APresentAção
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo -------------------------------------------------- 25
Gênero, sexuAlidAdes e ViolênciA
Violência contra a mulher - uma guerra dos sexos no contexto da luta
de classes
Plínio A. B. Gentil, Luila Ferreira Eccheli ---------------------------------------------- 33
Violações dos direitos das mulheres em situação de priVação de liberdade no
âmbito do sistema penitenciário brasileiro
Wilson Roberto Batista, Jeerson Nunes Cerqueira Guimarães ------------------------ 47
desVendando a Violência na questão de gênero
Maria de Fátima Rodrigues de Oliveira ------------------------------------------------- 67
do silêncio à fala: o difícil acesso aos conteúdos psicossociais da mulher Vítima
de Violência
Nilma Renildes da Silva ------------------------------------------------------------------- 79
Mulheres e Gênero-literAturA, MúsicA e PoesiA
mulheres na literaturauma história de preconceitos a serem superados
Stela Miller --------------------------------------------------------------------------------- 97
relações de gênero no rap brasileiro: feminilidades e masculinidades na educação
informal da juVentude das periferias
Sandra Mara Pereira dos Santos ---------------------------------------------------------- 121
a cultura do machismo, a mulher e a música: a mulher artista
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza --------------------------------------------------- 145
a linguagem em moVimento pelos discursos de cora coralina
Daniele Aparecida Russo, Ana Claudia Bazé de Lima,
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto, Sandra Aparecida Pires Franco,
Andressa Cristina Molinari, Silvana Paulina de Souza -------------------------------- 163
Mulheres, Gênero e MAGistério-históriA e
AtuAlidAde do PAPel dA educAção PArA A iGuAldAde de Gênero
mulheres dos anos 1920: sociabilidade, educação e lazer
Jamilly Nicacio Nicolete, Jane Soares de Almeida (in-memorian) --------------------- 183
a feminização do magistério primário no brasil - uma leitura do silêncio dos
annuarios do ensino do estado de são paulo (1907-1927)
Rosane Michelli de Castro, Alexandre de Castro ----------------------------------------- 207
trabalho docente e cultura escolar: a atuação das professoras primárias no
sertão paulista (1932-1960)
Jorge Luís Mazzeo Mariano, Arilda Ines Miranda Ribeiro ---------------------------- 227
trajetória diferenciada no mundo acadêmico e na uniVersidade de santiago de
compostela. uma questão de gênero
Ana Paula Romano ------------------------------------------------------------------------ 245
| 7
política de acesso à educação de raparigas em moçambique
Rui Amadeu Bonde ------------------------------------------------------------------------ 261
desconstruindo o preconceito por meio da Valorização da diVersidade na escola
Luceli Calle --------------------------------------------------------------------------------- 279
gênero, sexualidades e educação: mudanças de paradigmas históricos quanto aos
direitos humanos das mulheres e da população lgbt
Matheus Estevão Ferreira da Silva, Talita Santana Maciel,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo -------------------------------------------------- 297
sobre As AutorAs e os Autores ---------------------------------------------------------- 323
| 9
P 
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza
Chega de justicativas
Já cansei de tanta hipocrisia
Não é exagero
É desespero
É grito abafado
Do sexo subestimado
Mais conhecido como sexo frágil
Mas, acorda!
Que de fracas
Não temos nada
O passado amordaça
O presente ainda esmaga
Porém, sobrevivemos...
Aguentamos as pedradas
Fogueiras
E de tantas formas somos violadas
Mulher!
Se inquiete
Solte a voz
10 |
Não importa que eles
Estejam de ouvidos tampados...
Unidas
Nos mais diversos tons
Lutemos pela não aceitação da submissão
Somos fortes
Somos mulheres
Somos gente
De carne e osso
De alma
De coração...
Meu grito é de apoio
Meu grito é de desgosto
Eu grito em versos
Poetizo por nossa humanidade.
| 11
T-
Suelen Cristina Landi Ramos
Sociedade machista, hipócrita e patriarcal
O corpo feminino visto como algo banal
E não me venha dizer que foi acidental
Todas as meninas mortas de modo brutal
Empalaram, abusaram, torturaram, degradaram
O físico, o psíquico e o emocional
E no nal, quem foi acusado como marginal?
Atualmente circulam na mídia discursos fascistas
Alimentando ideologias
Que impedem que a verdade seja dita
Nutrindo o machismo
Servindo ao feminicídio
Contudo
Resistimos!
Feminismo é sinônimo de igualitarismo
Antônimo de chauvinismo
12 |
Precursor da liberdade
Ressaltando a necessidade do empoderamento
Anal
Desde muito tempo
Ser mulher é um tormento
Não pode isso, não pode aquilo...
Até mesmo o voto já nos foi proibido
E quanto mais a gente avança e alcança
Mais somos tidas como: “oferecidas!”
Anal de contas, me diga
Qual mulher nunca foi apontada como Geni nessa vida?
Taca pedra nessa daí!
Maldita Geni!
...
Bendita seja Geni!
Enquanto eu tô aqui poetizando
Deve ter por aí uma menina apanhando
E o que a gente vai fazer?
Como vamos proceder?
Ou, será que vamos apenas assistir
E se esconder atrás do discurso de que:
eu não tenho nada a ver!”
Sim, você tem a ver!
Nós temos a ver!
Na realidade
Nós temos que nos haver com essa situação
Porque, mulher merece respeito, carinho e atenção
E quem decide o que fazer ou não
É ela, somente ela, meu irmão
Aprendam que não é não
E que o corpo de uma mulher
| 13
Não é a África pra ser explorado sem permissão
Simone escreveu que não se nasce mulher
Torna-se!
Então, eu digo:
Torna-te!
Seja o que você quiser ser
Faça o que você quiser fazer
Porém, jamais
Jamais seja submissa
Mulher erga a sua cabeça e resista
Seja oferecida, progressista, feminista!
E insista
Pois, assim
Quem sabe um dia
Nós mulheres deixemos de ser estatística
E passemos a ser vistas
Não por nosso gênero, cor, corpo ou cabelo
E sim como seres humanos, sujeitos sociais
Únicas e dignas de respeito.
| 15
H
Esta pequena homenagem-lembrança nasce do reconhecimento
e da profunda gratidão de todos aqueles que tiveram a oportunidade de
conviver e aprender com a professora-amiga Adenize. De uma generosidade
e sensibilidade incomparáveis, Adenize trilhou um caminho intenso de luta
por equidade e justiça: na sala de aula, nas reuniões de grupo, na atividade
cientíca (estudando literatura, esta que sempre está a dizer coisas, sempre
a nos desassossegar), nos eventos culturais ou nas manifestações de rua,
pulsava a defesa pela Universidade Pública, pelo ensino de qualidade, pela
diversidade e pela democracia – tão ameaçada em tempos ameaçadores.
Adenize ensinou sobre o afeto e a gentileza, como ensinam todos e todas
que sonham e alimentam o desejo de dias melhores. E por isso deixa um
legado de coragem e esperança: o amanhã ainda não existe, o amanhã está
para ser construído.
Luiz Henrique Moreira Soares
Rosiney Aparecida Lopes do Vale
| 17
H
A Professora Jane Soares de Almeida nasceu em 1947, no
município de Manduri/SP, onde segundo ela “tudo era mágico”, foi
uma da grande pesquisadora da área de História da Educação brasileira,
tendo contribuído sobremaneira com os estudos acerca da feminização do
magistério, a História das Mulheres e os Estudos de Gênero.
Jane possuía Licenciatura em Pedagogia e graduação em Artes
Industriais. Atuou durante 19 anos no Ensino Fundamental em escolas
públicas do Estado de São Paulo, entre 1966 e 1985.
A partir dessa longa atuação, Jane se encaminhou para os estudos
em nível de Pós-Graduação. Primeiramente, ingressou no mestrado em
educação, na Universidade Federal de São Carlos, em 1988, desenvolvendo
a pesquisa intitulada “Formação de professores de 1º Grau: a prática de
ensino em questão”, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Ester Bua. Essa
dissertação, defendida em 1991, deu origem à última obra publicada pela
autora, em 2016, “A formação de professores em São Paulo (1846-1996):
a prática de ensino em questão”.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
18 |
No referido trabalho, a professora Jane caracterizou a
sociedade brasileira nos anos nais do século XIX, as Escolas Normais,
a Habilitação Especíca para o Magistério (HEM) e os Centros de
Formação e Aperfeiçoamento para o Magistério (CEFAMs), que tiveram
progressivamente que ser fechados em função da exigência de diploma
de nível superior às/aos professoras/es da educação básica, estabelecida
pela Lei 9.394/1996. De acordo com Jane, é possível observar que as
reformas realizadas desde o século XIX possuíam motivações políticas ao
invés de se orientarem pelas necessidades educacionais. No que concerne
à formação prática, foco da discussão da obra, a disciplina praticamente
não sofreu modicações no decorrer do século XX nas Escolas Normais,
na HEM, posteriormente nos CEFAMs e também no ensino superior,
nos cursos de Pedagogia.
Entre 1992 e 1995, Jane realizou sua pesquisa de Doutorado em
História e Filosoa da Educação, na Universidade de São Paulo. Deste
trabalho, surgiu aquela que seria uma de suas obras mais conhecidas
pelas/os pesquisadoras/es da atuação feminina no magistério: “Mulher e
educação: a paixão pelo possível”. Durante esse período, realizou estudos
de especialização na Universidade de Lisboa, com a pesquisa “Mulher,
educação e prossionalização: um estudo comparado Brasil e Portugal
(século XIX)”, sob a orientação do Prof. Dr. António Nóvoa.
Realizou também dois estágios de Pós-Doutorado, o primeiro na
Harvard University, em 1996, e o segundo na Universitat Autònoma de
Barcelona, entre 2001 e 2002. Por m, no ano 2000, defendeu a tese de
livre-docência intitulada “Mulher e Educação: missão, vocação, destino
(São Paulo, 1870/1930)”, na Universidade Estadual Paulista – Unesp
(Campus de Araraquara).
Em meio a esse itinerário formativo, a pesquisadora atuou
como docente nos cursos de graduação e Pós-Graduação na Unesp
(Campus de Araraquara), entre 1986 e 2007, período em que rmou um
compromisso acadêmico, mas também uma grande amizade com duas
outras pesquisadoras brasileiras: Vera Teresa Valdemarin e Rosa Fátima
de Souza, evidenciando a importância dos escritos das mulheres: “O
Legado Educacional do século XIX”, cuja primeira edição data de 1998
e “O Legado Educacional do século XX”, em 2006, esse último com a
participação de Dermeval Saviani.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 19
Nesses 21 anos de atuação universitária, formou diversas gerações
de prossionais do magistério, mestras/es e doutoras/es em educação. Após
a sua aposentadoria, continuou a atuar como docente nos Programas de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista da São Paulo
(2004-2010) e da Universidade de Sorocaba (2010-2018), além de ter sido
por anos, Pesquisadora CNPq.
Não bastasse sua brilhante carreira acadêmica, Jane também se
destacou em outras searas. A autora publicou os contos “O Quarto Fechado
(2003) e “Amor a Três” (2004), o livro de poesias “Vinho Antigo” (2010)
e o romance “A Casa da Solidão”. Em 1998, foi agraciada com o Prêmio
Ignácio de Loyola Brandão, da Biblioteca Mário de Andrade (Araraquara/
SP), com o conto “O Homem que brincava de Deus”, além de conquistar
o primeiro lugar no Prêmio de Micro contos SBT/Warner Brothers do
Brasil (2004), com o conto “O desejo por Isadora”. Mais recentemente,
preparava um livro infantil, que ainda está em fase de produção, além de
ser co-autora de uma obra sobre a trajetória de Mary Dascomb, educadora
norte-americana, lançado em 2018.
Infelizmente, Jane Soares de Almeida faleceu no ano passado e
não poderá ver o resultado dessa obra, mas as/os autoras/es dessa obra não
poderiam deixar de homenagear sua vida, sua história e sua vasta produção
intelectual, com mais de 1860 citações registradas no Google Acadêmico.
Por sua relevante contribuição à História da Educação brasileira e à História
das Mulheres no magistério, Jane permanece viva em suas obras e em nossa
memória.
Jamilly Nicácio Nicolete
Jorge Luís Mazzeo Mariano
| 21
H
Jacob nasceu com o “sexo dos anjos”, assim é a forma de
chamarmos algumas condições intersexo. Foi um anjo que veio na Terra,
cumpriu sua jornada com muita alegria, nos deu paz e felicidades, deixou
seu legado. Trouxe visibilidade ao que em pleno século XXI ainda acontece
com os bebês intersexo: mutilações genitais, hormonizações impostas,
retenção das Declarações de Nascido Vivo, discriminações e preconceitos
em vários contextos. Motivou minha luta pessoal como mãe, pesquisadora
e já ativista de gênero, pois a inconformidade com essa situação das pessoas
intersexo me sensibilizou muito, não só pelo meu lho, pois a situação
dele consegui resolver logo. Mas, a cada pessoa intersexo que eu procurava
para saber como seria o futuro de meu lho, como educa-lo melhor pela
condição não binária dele, eu tinha acesso a histórias sofridas e dolorosas,
recheadas de negligência jurídica e com excesso de poder médico que
levaram a consequências impossíveis de se restituir. Aqui deixo minha
gratidão à professora Tânia de possibilitar levar essa causa na Semana da
Mulher de 2017 na UNESP de Marília, em convidar-me a participar dessa
obra para que essa situação de violação dos Direitos Humanos possa ser
modicada, também ao professor Raul por permitir a mudança de tema de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
22 |
pesquisa de doutorado para Educação da Criança e Adolescente Intersexo.
E, principalmente, agradecer a Jacob pelo 1 ano e 7 meses de vida que
esteve aqui, nessa Terra, deixando alegria e muita luz, com sua paz e sorriso
encantador. Que sei que veio anjo e voltou anjo, após lutar muito pela vida
devido a oito cardiopatias congênitas graves. Jacob amo você, não só por
ter sido sua mãe, mas também por sua resistência e luta pela vida. Saudades
que dói!
ais Emília de Campos dos Santos
| 23
P
O mundo que experimentamos nos proporciona inúmeras
possibilidades de comunicação, torna conhecidas distintas e distantes
realidades, aproxima interesses à interessados, diminui distâncias temporais
entre comunicantes e revela, principalmente, divergências, conitos e
diferenças. Muitos pensam e dizem que suas vidas se desordenam a todo
instante. Entretanto, o que pensam ser desordem é o uxo contínuo de
mudanças sociais que ora colocam em evidência e ora abafam as necessidades
da natureza humana ao sabor, às vezes, de interesses contrários, gerando
desigualdades como uma onda que se levanta e se espalha.
Cabe aos pesquisadores de ciências humanas e sociais trazer à luz
temas indissociáveis da natureza humana para discussão e reexão com
o objetivo de esclarecer e fornecer conhecimento para que educadores
formulem suas estratégias de alcance ao maior número de educandos. É
importante discutir e reetir para entender e se aproximar cada vez mais
de todas as desigualdades.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
24 |
Os temas de “Mulheres, gênero e sexualidade na sociedade
são essenciais e fundamentais à humanidade porque deles sobressaem-se
aspectos presentes em diferentes contextos. A diversidade e a divergência
de aspectos são aqui demonstradas pelos vários trabalhos divididos em
dois conjuntos que compõem os dois volumes de coletâneas. Os relatos
dos diversos olhares sobre a cultura da desigualdade que envolve os temas
são organizados a partir dos dois eixos principais: “direitos humanos” e
mulheres e gênero”.
Cabe a cada um de nós, a leitura atenta, crítica e reexiva que
atribua signicado e nos transforme para, assim, entendermos as mudanças
de paradigmas quanto aos direitos humanos, sobretudo, de mulheres e de
gênero. Aumentar a compreensão é diminuir a desigualdade.
Mariângela Spotti Lopes Fujita.
Rede Mulheres Vivas
Instituto de Políticas Públicas de Marília
| 25
A
Mulheres, gênero e sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a
cultura da desigualdade, nos seus dois volumes, reúne textos que promovem
um debate teórico sobre a cultura que, em diferentes âmbitos incluindo
a educação, contribui para o perpetuar da desigualdade de direitos e das
diferentes formas de violência que acometem as mulheres. Desde a mais
tenra idade através da educação pautada nos estereótipos de gênero e na
visão androcêntrica de mundo, as crianças aprendem tais valores e, em
sendo concebidos como próprios da cultura, são vistos como naturais. Os
movimentos feministas e as teorias feministas desconstroem esta lógica que
perdurou na História da Humanidade e até os dias atuais.
Assim, é importante relembrar que, em 1993, a Assembléia Geral
das Nações Unidas, através da Declaração sobre a Eliminação da Violência
contra as Mulheres, reconheceu ocialmente o direito das mulheres de
viverem livres da violência. O direito de viver uma vida livre de violência
também foi reconhecido na Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, Convenção de Belém do
Pará, de 1994. Tais instrumentos são importantes para os movimentos de
mulheres e feministas na luta pelos direitos das mulheres na região. Após
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
26 |
a aprovação da Convenção e sua raticação pelos países, os movimentos
feministas nacionais incorporaram mudanças legislativas em suas diretrizes
de reivindicações como uma estratégia para enfrentar a violência doméstica
e familiar, que afeta principalmente mulheres e meninas.
A violência contra a mulher como resultado de sua condição de
gênero é uma problema transversal e universal que começa na infância. Sua
ocorrência não se limita a uma área especíca, possui expressões em todas as
áreas e seu combate exige um olhar amplo, para atacar suas manifestações e
erradicar sua presença. No entanto, o olhar para a violência de gênero tem
um véu cultural, o “patriarcado” que diculta sua visibilidade e gera uma
subestimação dos poucos números disponíveis.
A morte violenta de mulheres por razões de gênero é um fenômeno
global. Muitas dessas mortes ocorrem com a tolerância de sociedades e
governos, naturalizadas pelos costumes e transformadas em uma cultura
que atribui aos homens o castigo às mulheres na família, tratando-as
como objetos sexuais e descartáveis. Segundo dados apresentados pela
ONU Mulheres, a desigualdade de poder coloca mulheres e meninas em
uma situação de maior vulnerabilidade nas diferentes relações em que
participam, seja em espaços públicos ou privados.
A partir da década de 1980, as ações dos movimentos nacionais e
internacionais de mulheres e feministas contribuíram para que a questão da
violência contra as mulheres entrasse na diretriz do Direito Internacional
e dos Direitos Humanos. A partir daí, foi lançada uma agenda para dar
visibilidade às diferentes formas de expressão da violência de gênero,
sua denúncia como um problema social e a rejeição como uma violação
dos direitos humanos. Apesar dos avanços signicativos registrados nas
décadas seguintes nos campos político, jurídico e social, as mudanças para
que as mulheres pudessem viver sem violência ainda ocorrem lentamente,
conforme expõe a ONU Mulheres. Diante dessa realidade, representantes
dos movimentos de mulheres e feministas exigiram respostas mais
ecazes dos governos para enfrentar diferentes formas de violência contra
as mulheres apontando sempre o papel importante da educação para a
desconstrução dos estereótipos e visão androcêntrica de mundo, que
contribui para esta realidade que persiste. Entre esses tipos de violência,
o assassinato de mulheres e LGBTQI+ continua sendo sua expressão mais
séria e ainda não possui as ações e políticas mais ecazes para enfrentá-
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 27
la, apesar da importância da Lei Maria da Penha, ainda constatamos um
crescimento da violência.
Em suas diferentes expressões, a violência é discutida nesta
coletânea, dividida em dois volumes, abordando a temática tanto no plano
nacional quanto internacional e desde os belos e tristes poemas, expressões
da realidade, que são apresentados no início das reexões. A educação,
como âmbito importante para a transformação da cultura que promove
a desigualdade, também é abordada relembrando que a educação e o
magistério para as mulheres foram pensados por homens na perspectiva
de manter a moral, os costumes patriarcais, a pátria e a família. Estes
valores foram assimilados por muitas mulheres e ainda o são, apesar de
todo avanço em termos legais e de políticas, conseguido através das ações
dos movimentos feministas na perspectiva do respeito aos direitos das
mulheres e da igualdade de gênero.
Nas homenagens relembramos a Profa. Adenize que, com seu
exemplo de luta por equidade e justiça, deixou sua marca tanto nas
mobilizações em defesa da Universidade Pública, quanto pela Democracia
e pela diversidade. Outra homenageada é a Profa. Dra. Jane Soares de
Almeida, que dedicou sua vida aos estudos que desvelassem a realidade
injusta para as mulheres, incluindo a educação. As duas professoras
deixaram importante produção acadêmica, referências sempre atuais
para nossos estudos. Relembramos também o pequeno Jacoh que, em
sua breve passagem por este mundo, vivenciou o preconceito e a falta de
políticas públicas voltadas às crianças intersexo. Antes da publicação desta
obra, despediram-se de nós, deixando grande tristeza e saudade. Nosso
profundo respeito e homenagem a três exemplos lindos de vida que nos
motivarão para sempre na nossa luta incansável por uma sociedade mais
humana e justa.
Nesta perspectiva, na seção Direitos Humanos, gênero e cidadania,
do primeiro volume, os textos versam sobre o exemplo de exercício de
cidadania, dos movimentos feministas, na perspectiva do reconhecimento
das mulheres enquanto cidadãs iguais e com os mesmo direitos que os
homens na Espanha, Itália e no Brasil. Discorrem, também, sobre os
vários âmbitos da sociedade em que o pensamento feminista contribuiu
para mudanças na realidade desigual e as permanências das desigualdades
além de apontarem como importantes teorias, que contribuem para uma
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
28 |
análise da realidade social, abordam a questão das mulheres naquele
momento histórico.
Na seção intitulada Direitos humanos, Gênero, sexualidades e
violência, do primeiro volume, os textos versam sobre o resgate da trajetória
de luta das mulheres e LGBTQI+, nos diferentes âmbitos da sociedade
apontando para a violência vivenciada por estes grupos sociais até a
atualidade, de diferentes formas. Discorrem sobre a violência doméstica,
sobre a violência da imposição na educação da (hetero)sexualidade desde a
Educação Infantil até a Universidade, violência entre mulheres, a violência
da falta de políticas para crianças intersex e como os Sistemas de Justiça
têm tratado os crimes sexuais apresentando números da violência. Os
textos versam sobre a realidade do México, Uruguai, Argentina, Portugal
e do Brasil.
No segundo volume, na sua primeira seção, continuam as reexões
sobre Direitos humanos. Gênero, sexualidades e violência, apontando a
violência de imposição de papéis tradicionais na educação que se constata
até a Universidade e em diferentes espaços, como se constata na negação
de direitos das mulheres no Sistema Penitenciário brasileiro. Discorreram,
também, sobre a impossibilidade de acesso a conteúdos psico-sociais sobre
mulheres vítimas de violência apontando a não garantia de direitos que
têm a ver com a questão de classe do sistema patriarcal, que também
interfere na cultura do país. Tal realidade faz com que a desigualdade e a
dominação feminina continuem e, por vezes, são vistas como algo natural
sendo introjetada inclusive pelas próprias mulheres.
Na segunda seção, denominada Mulheres e gênero-literatura,
música e poesia, os textos apresentam as diculdades vivenciadas pelas
mulheres que se dedicaram à literatura ou à música na História do país.
Relembram também as importantes escritoras brasileiras e suas obras. Por
serem mulheres não eram aceitas e, inclusive na atualidade, em diferentes
áreas vivenciam diferenças salariais e rejeição. Em algumas áreas, em especial
a da música, pode-se constatar também o assédio a mulheres cantoras em
bares e restaurantes, além do salário menor em relação aos homens.
Na terceira seção Mulheres, gênero e magistério-história e atualidade
do papel da educação para a igualdade de gênero, os textos discorrem sobre
as várias formas de constituição da cultura patriarcal ressaltando que a
forma com que os costumes são vivenciados em cada época afeta não só
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 29
a produção do conhecimento mas os modelos de pensamento e as formas
de conduta que são transmitidas às crianças e jovens através da educação.
Nesta perspectiva, também é ressaltada a possibilidade de transformação
da educação tradicional, reforçadora dos valores que delegam às mulheres
uma cidadania de segunda categoria, quando há investimento para a
formação de docentes e práticas pedagógicas na perspectiva da igualdade
de gênero na escola. Relembram, ademais, o papel importante que as
mulheres tiveram na educação do país apontando a invisibilidade que elas
tiveram inclusive nos documentos ociais da educação. Quanto ao acesso
de meninas à educação e ao acesso a cargos de maior poder no Sistema
Educacional, como em outros âmbitos e que demonstram a prevalência da
desigualdade, abordam a realidade de Moçambique ( África do Sul) e de
Santiago de Compostela (Espanha).
Os textos, de autoria de renomadas(os) pesquisadoras(os) e
militantes da igualdade de direitos, ressaltam a importância do papel
político dos movimentos feministas e da teoria feminista no sentido de
desvelar a realidade de violência que vitimiza muitas mulheres além de
apontar que este problema social é um problema de Estado e de desrespeito
aos direitos humanos das mulheres. Reetiram sobre as políticas públicas
de combate à violência contra as mulheres, sobre políticas educacionais
voltadas às relações sociais de gênero igualitárias, para a preservação ou
transformação da cultura patriarcal além de pensar quais foram os avanços
em termos de direitos das mulheres na sociedade em geral com enfoque
para a diversidade do ser mulher no Brasil e em outros países.
Tais reexões objetivaram contribuir para os estudos voltados
à temática do livro além de aprofundar o debate sobre os estudos de
gênero e sobre mulheres relacionados aos movimentos sociais (feministas,
LGBTQI+ e das mulheres trabalhadoras rurais), apontando sua inuência
na educação bem como o papel da educação para a superação de
preconceitos e discriminações, na perspectiva da igualdade de gênero e dos
direitos humanos.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
Organizadora
Gênero, Sexualidades e
Violência
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Plínio A. B. Gentil
Luila Ferreira Eccheli
introdução
Com impressionante regularidade sucedem-se casos de violência
praticada por homens contra mulheres, em razão de sua condição de
esposas, amantes, namoradas, companheiras - que são, foram ou serão.
Ao invés de buscar respostas na maldade do homem, na natureza humana,
na inuência dos maus espíritos, ou em outras categorias metafísicas, este
trabalho procura investigar o ambiente objetivo em que se desenvolve
Texto fora publicado na Revista do Instituto de Políticas Públicas de Marília (RIPPMar) da Faculdade de
Filosoa e Ciências (FFC) - UNESP/campus de Marília, v. 3 n. 1 (2017), <https://doi.org/10.33027/2447-
780X.2017.v3.n1.04.p35>, sob o título “VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UMA GUERRA DOS
SEXOS NA ARENA DA LUTA DE CLASSES”, escrito também por Plínio A. B. GENTIL e Luila Ferreira
ECCHELI.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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a agressividade do homem contra a mulher, quando associada ao amor
sexuado individual, próprio de uma sociedade historicamente construída,
na qual se impôs o modelo monogâmico de união entre sexos.
A pesquisa situa-se propositadamente em momento anterior à
concretização da violência física. Faz a denúncia do casamento monogâmico
como artifício engendrado por uma sociedade de classes com objetivos
claramente econômicos e que acaba parecendo justicar, na consciência do
agressor, o emprego da violência quando a mulher, real ou supostamente,
transgride o regramento que congura o padrão da monogamia.
Aponta-se como a mulher, tornada mercadoria, encarna a
reprodução das relações de troca próprias das sociedades de classes, sendo
sempre oportuno lembrar que o modelo capitalista de produção, que vige
atualmente na maior parte do mundo conhecido, engendra um arranjo
social que se apresenta como uma sociedade de classes. Assim, como
esperado, é visível que nesse ambiente vigora também uma guerra dos
sexos, na verdade travada entre contendores desiguais, já que apenas um
deles tem a seu favor a propriedade da riqueza privada e o reconhecimento
social, fruto da ideologia dominante. Trata-se de uma guerra que não
parece ser outra coisa senão a reprodução da luta de classes, característica
de uma formação social em que há proprietários e não proprietários – que
trabalham para os primeiros.
Isto considerado, o problema do trabalho é a indagação sobre
em que patamar está situada a razão histórica para que a mulher seja a
vítima recorrente da violência masculina. Sua principal hipótese é que tal
razão pode estar assentada num processo histórico de evolução das forças
produtivas, que gesta uma sociedade de classes e que desenha, com apoio
numa ideologia de dominação, um panorama em que a mulher se vê
articialmente atirada num papel de subalternidade que facilita, para dizer
o menos, sua condição de vítima da violência por parte do homem.
A investigação, que é bibliográca, caminha no sentido de explicar
a violência homicida contra a mulher como resultado lógico de um processo
histórico de degradação do papel feminino. O referencial teórico do
trabalho é o materialismo histórico dialético, especialmente útil na tentativa
de encontrar explicações fundadas na realidade concreta, representada pela
produção da existência material, considerado um processo histórico de
eventos concatenados, cuja marcha só é compreensível a partir de uma
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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luta de forças contrárias, que enm geram um novo fenômeno, sempre
em movimento e sujeito a futuras rupturas e transformações. Funda-se
a metodologia da pesquisa na premissa segundo a qual é a vida material
que determina a consciência e não o contrário, como tão conhecidamente
exposto por Karl Marx e Friedrich Engels (2007) em suas obras.
1. A lutA de clAsses enGendrA A GuerrA dos sexos
Já se vê que a evolução das forças produtivas vai alterando,
primeiro, as relações no interior do mesmo modelo produtivo; depois irá
fazer romper o próprio modelo produtivo. Para compreensão do que sejam
forças produtivas, ou forças de produção, tome-se a anotação de Stalin
(1978, p. 13):
Os instrumentos de produção com a ajuda dos quais são
produzidos os bens materiais, os homens que manejam estes
instrumentos de produção e produzem os bens materiais, graças
a uma certa experiência da produção e aos hábitos de trabalho, eis
os elementos que, tomados em conjunto, constituem as forças
produtivas da sociedade.
Pois bem. A constante evolução de tais forças produtivas, no
interior da sociedade primitiva, culmina por provocar a ruptura do modelo
de relações de produção gestadas no seu interior e a imposição de um novo
modelo, fundado na possibilidade (criada pela evolução das forças produtivas)
de o homem fazer guerras e aprisionar escravos, que para ele trabalharão,
sendo certo que a esse homem, agora proprietário de escravos, sobra tempo
excedente para vigiá-los, posto que as forças produtivas chegaram ao ponto
de viabilizar a produção do necessário para o consumo em um tempo menor
do que o utilizado anteriormente. Está inventada a sociedade de classes. No
escravagismo haverá o senhor e o escravo; no feudalismo, o senhor e o servo;
por m, no capitalismo, o proprietário e o proletário.
A sociedade de classes é caracterizada pela existência de
proprietários e não proprietários – que alienam sua força de trabalho
para aqueles. No escravismo essa força de trabalho é arrancada pela
brutalidade; no feudalismo pela necessidade do servo e, no capitalismo, ela
formalmente é comprada pelo capitalista. Entre quem tem a propriedade
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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e que efetivamente produz a riqueza há uma luta constante, que pode ser
surda ou explícita, porque é somente por meio de algum tipo de força que
o proprietário pode obrigar o não proprietário a lhe entregar o produto do
seu trabalho.
A partir do instante em que surge a propriedade privada, ela
é exclusiva do homem, pois ele é quem sai para o trabalho gerador de
riqueza, não a mulher. Pré-existe, porém, à divisão da sociedade em classes,
uma divisão sexual do trabalho: a mulher, porque deve ser preservada da
guerra e outras atividades perigosas (já que é a maior responsável pela
procriação, como visto) e porque biologicamente é quem deve gerar, parir
e amamentar a prole, atua mais no ambiente doméstico. Até aí não há uma
guerra dos sexos, pois o homem tampouco produz riqueza: o que ele faz
gera apenas o necessário para o consumo do grupo.
A divisão sexual do trabalho representará uma desigualdade entre
mulheres e homens somente quando a atividade destes produzir riqueza
da qual apenas eles se apropriarão, de forma privada. Aí sim, permanecer
no domus
2
signicará muito mais do que uma repartição biológica de
funções, antes inofensiva, mas que agora carregará o sentido de verdadeira
desigualdade social.
Daí ser viável sustentar que a guerra dos sexos surge intimamente
associada à luta de classes (à qual se assemelha), porque, como esta, é fruto
da sociedade de classes, situando-se a mulher, quase sempre, na posição de
não proprietária, ou menos proprietária. Observe-se por m que, mesmo
quando a mulher gure nesse arranjo na condição de proprietária, num
patamar economicamente similar ao homem, ainda assim será portadora
de uma imagem de inferioridade historicamente construída, por sua
vez edicadora de discriminação, que a coloca numa posição em que a
violência contra ela parecerá legítima.
Mais oprimida a mulher ainda cará por conta do padrão
institucionalizado do casamento monogâmico, destinado a garantir a
permanência da propriedade com a descendência do homem e, ainda, a
juntar propriedades privadas de linhagens masculinas diversas, que, a seu
turno, as transmitirão aos seus descendentes.
Domus: no latim, casa.
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Volume II
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Com a sociedade de classes, o casamento é um ato negocial, fruto
de um contrato: não se casa por atração entre macho e fêmea, mas sim
pelo que é economicamente interessante para as famílias dos nubentes
no sentido de manter e, se possível, multiplicar a propriedade. Nesse
ambiente a virgindade da mulher é enaltecida, porque representa a garantia
de que seus lhos serão de seus maridos; pela mesma razão a herança,
primordialmente, cará em mãos do primogênito, já que fruto da relação
sexual de uma mulher até então virgem. O amor romântico, sexualmente
inspirado, como o vemos cantado e representado pelas artes, nada tem a
ver com o casamento. Este é um ajuste econômico, aquele uma coisa que
pode casualmente vicejar, mas que, sendo entre pessoas não casadas, ou
casáveis, está condenado aos domínios do impossível (como D. Quixote e
Dulcinéia), ou fadado à tragédia (como Romeu e Julieta).
A ideia de que a união monogâmica é a mais adequada para
nossos parâmetros sociais é tão forte, a ponto de esta ser exaltada como
um dos deveres do casamento civil; quando desrespeitada é motivadora
de responsabilidade civil e, até a revogação do tipo legal do adultério, de
responsabilidade criminal. Vale anotar que, entretanto, subsiste o crime de
bigamia (art. 235 do Código Penal).
Quanto à monogamia, aponta Lessa (2012, p. 9):
A ilusão de que nossa forma de organização da vida familiar é a
a única possível leva a uma concepção supercial e precária do
que é a monogamia. Ela seria a obrigação moral de pessoas não
traírem seus amados. E esta traição tem sempre o mesmo conteúdo:
amar ou ter relações sexuais com outras pessoas. A monogamia se
reduziria a um preceito a ser seguido na relação “honesta” entre
duas pessoas que se amam. Duas pessoas que se amam, reza a moral,
devem constituir um núcleo familiar (por isso, família “nuclear”)
separado da vida comunitária comum. E a delidade mútua dos
cônjuges é um elemento indispensável para a sobrevivência desse
núcleo familiar.
De resto, caberá à ideologia, versão fantasiosa da realidade conforme
um recorte de classe do observador (CHAUÍ, 2001), dar corpo ao padrão do
arranjo social institucionalizado e propagá-lo, no que contará com o auxílio
das agências de comunicação alinhadas com o mesmo ponto de vista.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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2. A Mulher, essA excluídA
Durante o período em que as sociedades viviam em grupos e tudo
era produzido para a subsistência de todos, a mulher era preservada de riscos
ante a nalidade de garantir a prosperidade e continuidade da espécie: se
houvesse apenas uma mulher, independente do número de homens com
que copulasse, poderia ter apenas uma prole por vez; ao contrário, existindo
muitas mulheres, seria possível aumentar o número dos representantes
garantindo sua existência. Neste sentido diz Lessa (2012, p. 18):
Como a morte de um homem adulto não alterava a quantidade
de bebês que o bando poderia ter, a vida das mulheres era mais
protegida e na divisão das tarefas não cabiam a elas, na maior parte
dos casos, as mais perigosas.
A partir do momento em que o homem começou a produzir mais
do que consumia, passou a utilizar seu tempo para escravizar e explorar
outros homens, surge a sociedade de classes. Após o escravismo ocorre o salto
para o feudalismo: senhores de terras agora permitiam que determinadas
pessoas (servos) produzissem em sua propriedade sob a condição de lhes
entregar parte da produção. O capitalismo completa o ciclo das sociedades
classistas, ao impor-se ao modelo feudal, num momento em que as forças
produtivas tinham alcançado um desenvolvimento que possibilitava a
concentração de riqueza pelo indivíduo, tornado assim o centro irradiador
das novas relações de produção, as relações capitalistas.
De tal sorte, as antigas relações igualitárias que vigiam na antiga
sociedade primitiva, de produção comunal, são substituídas por relações
de poder, próprias de uma sociedade de classes, baseadas na concentração
da propriedade; a partir daí as mulheres vão perdendo importância, já que
a elas o que está destinado é o trabalho doméstico – no domus
- e a criação
da prole, ou seja, atividades que não geram propriedade.
Como consequência, a mulher vê-se excluída da vida social,
sendo sua jornada restrita ao ambiente familiar. De novo observa Lessa
(2012, p. 37):
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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Excluídas da participação na vida social, com sua existência
reduzida ao estreito horizonte do lar patriarcal, as mulheres vão se
convertendo no feminino que predominou ao longo de milênios:
pessoas dependentes, débeis, frágeis, ignorantes, bonitas para os
homens aos quais devem servir, dóceis, compreensivas. Enm,
pessoas moldadas para a vida submissa e subalterna que lhes cabe
na sociedade de classes.
No campo afetivo, as classes fazem-se representar por uma
concepção de gêneros; muitas vezes sem compreender a origem histórica
de sua opressão, as mulheres lutam por uma certa liberdade, mas deixam
de lado a luta contra a sociedade de classes, a superação da propriedade
privada, a família monogâmica e o patriarcalismo. Reivindicando
igualdade no mercado de trabalho, na realidade rearmam a legitimidade
do modelo explorador. A respeito disso vale conferir o quanto observa
Chauí (2001, p. 121):
Defender a igualdade no mercado de trabalho não é criticar a
exploração capitalista do trabalho, mas é mantê-la, fazendo com
que as mulheres tenham igual direito de serem exploradas e de
realizarem trabalhos alienados. Seria preciso que as mulheres,
como movimento social, pudessem levar a cabo a crítica do próprio
trabalho no modo de produção capitalista, em vez de desejarem
virar força de trabalho.
.
De fato. Paradoxalmente o feminismo, muito frequentemente,
deixa de atirar no alvo adequado, de onde certamente advém a razão de
muitos dos seus problemas que, não raramente, levam a uma efetividade
apenas razoável. Mas não é objetivo deste trabalho ingressar em campo tão
extenso e complexo.
2.1. inconsistênciA dA diferençA entre Mulheres e hoMens
Já se vericou que a subalternidade da mulher não é uma
questão pré-estabelecida pela natureza, mas socialmente construída a
partir da sociedade de classes. A propósito, nem se pode falar de um perl
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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naturalmente feminino, de maneirismos e aptidões decorrentes do gênero a
que uma pessoa pertença.
Vale, a esse respeito, atentar para conhecido trabalho da
antropóloga Margaret Mead (1969), que, ao analisar a tribo Tchambuli,
da Nova Guiné, pôde perceber que existe ali uma inversão de papéis entre
os sexos, pois as mulheres se dedicam a cozinhar, a remendar redes de
pescas, à produção de mosqueteiros e à manufatura em geral, a pescar e
a colher; em contrapartida os homens se dedicam a artes como dança,
escultura, trançado, pintura e outras.
Os homens têm a permissão de realizar compras de alimentos
no mercado e a comercializar os mosqueteiros, mas, ainda assim, quem
controla os lucros são as mulheres, sendo necessário o consentimento da
mulher para que o marido possa gastar o que traz de volta das compras.
Nítida se mostra a inexistência de um papel estabelecido pelo sexo, pois
ambos são capazes de desempenhar as mesmas atividades.
Segundo a antropóloga Mead, (1969, p. 303),
historicamente, nossa própria cultura apoiou-se, para a criação de
valores ricos e contrastantes, em muitas distinções articiais das
quais a mais impressionante é o sexo. Não será pela mera abolição
dessas distinções que a sociedade desenvolverá padrões em que
os dons individuais hão de receber o seu lugar, em vez de serem
forçados a um molde mal-ajustado. Se quisermos alcançar uma
cultura mais rica em valores contrastantes, cumpre reconhecer toda
a gama das potencialidades humanas e tecer assim uma estrutura
social menos arbitrária, na qual cada dote humano diferente
encontrará um lugar adequado.
É usual a fala de que a superioridade masculina evidencia-se
pela maior força física e inteligência; anal, os grandes feitos, invenções e
descobertas são méritos do homem. Cuida-se de posturas que omitem as
condições de histórica opressão e afastamento do espaço público imposto
à mulher.
Sobre este cerceamento manifesta-se Lessa (2012, p. 65):
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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A negação da participação na vida coletiva implica imediatamente
horizontes muito rebaixados das necessidades e possibilidades
presentes na vida cotidiana, e isto conduz a individuações muito
pobres e carentes de substância social.
Conquanto se demonstre cienticamente a inconsistência de
quaisquer tentativas de xar uma subalternidade natural à mulher, o
sistema de dominação entre classes, que engendra a inferioridade social
dela, impõe-se por meio de uma ideologia capaz de contaminar até mesmo
as próprias mulheres, tendentes a naturalizar a desigualdade e explicá-la
por meios ditos cientícos. Mesmo nas hipóteses em que experimentam
alguma emancipação, sobrevive nela o fantasma do ser inferiorizado que
sempre foi ensinada a introjetar. No dizer de Kollontai, “ainda está muito
longe de ter expulsado as heroínas de estrutura moral pertencentes aos
tempos passados” (1978, p. 20). É desnecessário dizer, por um lado, que
nenhuma explicação cientíca da desigualdade é capaz de sustentar-se
e, por outro, que a expulsão das tais “heroínas morais” requer tempo,
disposição e condições objetivas favoráveis.
3. MonoGAMiA, Mulher-objeto, ciúMe e ViolênciA
De seu turno, a adoção da monogamia como padrão de uniões
entre sexos contribui para fazer aorar sentimentos de posse e ciúme.
No passado, principalmente no que se refere ao período anterior
à fase pré-monogâmica (ENGELS, 1986), não havia disputas signicativas
pela fêmea, visto que as relações eram recíprocas; porém, a partir dessa
fase, devido ao fato de muitas vezes faltarem mulheres, elas passaram a ser
literalmente compradas pelos homens, o que de certa forma fazia com que
estes as enxergassem e as tratassem como mercadoria, já que a seus olhos
tinham preço, assim como seus demais bens. Uma vez sendo adquirida,
a mulher passava a ser um objeto, sem vontade própria, dependente dos
mandos e desmandos de seu senhor. Para além dessa dinâmica interna da
sociedade primitiva, está sendo gestada a sociedade de classes, que traz a
monogamia. Assim, estabelece-se, dentro desse novo modelo de sociedade
um outro confronto: entre homens e mulheres, engendrado pela divisão
sexual do trabalho.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Sobre a relação da monogamia com o rebaixamento feminino
manifesta-se outra vez Lessa (2012, p. 74):
O casamento monogâmico tem um fortíssimo impacto sobre o
desenvolvimento dos processos femininos de individuação, acima
de tudo porque relega às mulheres atividades que foram reduzidas a
serviços privados para os senhores do lar (ou do prostíbulo).
A noção de propriedade e posse evolui para a consideração da
mulher como verdadeiro objeto, que portanto perde sua humanidade.
Coerentemente com isso, já se positivou no direito brasileiro, até a revogação
ocorrida em 1962 (pelo Estatuto da Mulher Casada), a incapacidade
relativa da mulher casada: o Código Civil de 1916
3
, não mais vigente,
em seu artigo 6º, determinava que elas eram relativamente incapazes,
permanecendo nesta condição enquanto subsistisse a sociedade conjugal;
foram dessa maneira equiparadas aos maiores de dezesseis e menores de
vinte e um anos, aos pródigos e aos silvícolas. De acordo com o mesmo
código, o sobrenome do marido foi obrigatoriamente usado pela mulher,
até a vigência da chamada Lei do Divórcio, de 1977.
Assim é que a relação de propriedade parece dar ao homem o
direito de usar, fruir e dispor de sua mulher-objeto; portanto, quando esta
não corresponde ao padrão comportamental esperado, poderá ser tratada
pelo proprietário com o adequado rigor. Aí está o panorama em que
ocorrem os incontáveis casos de violência contra o sexo feminino.
Outro sentimento decorrente dessa relação de propriedade é o
ciúme, incompreensível no tempo das uniões não monogâmicas. Quando
a mulher passa a ter o dever de exclusividade em relação a um homem, a
situação muda em seu prejuízo: o adultério masculino é tradicionalmente
tolerado, o que não ocorre com o feminino.
Para Hobbes (2002, p. 50), “o ciúme é o amor junto com o receio
de que esse amor não seja recíproco.
Acerca do ciúme assim se coloca Eluf (2007, p. 160):
 Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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O sentimento de “posse sexual” está intimamente ligado ao ciúme.
Há quem entenda não existir amor sem ciúme, mas é preciso
vericar que o amor afetuoso é diferente do amor possessivo. Em
ambas as categorias amorosas pode existir ciúme; amigos sentem
ciúme uns dos outros; irmãos sentem ciúme do amor dos pais;
crianças demonstram, sem rodeios, seus ciúme generalizado de tudo
e de todos. Embora esses sentimentos tenham a mesma natureza do
ciúme sexual, são diferentes na sua intensidade e nas consequências
que produzem na vida dos envolvidos. O amor-afeição não origina
a ideia de morte porque perdoa sempre, ainda que haja ciúme. Já
o amor sexual-possessivo é muito egoísta, podendo gerar ciúme
violento que leva a graves equívocos, inclusive ao homicídio.
Nesse tema interessa observar que a pena, normalmente denida
como “a resposta ao crime cometido pelo imputável e [que] possui,
segundo a doutrina, nalidade retributiva e preventiva” (GENTIL, 2009,
p. 85), parece não produzir qualquer estímulo aversivo no agressor. De
outro lado, o trânsito da objeticação da mulher para o ciúme possessivo
e daí à violência é compreensível: a propriedade há de ser mantida contra
qualquer turbação, se preciso for, com recurso ao desforço imediato (Código
Civil Brasileiro, art. 1210, § 1º: O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá
manter-se ou restituir-se por sua própria força).
considerAções finAis
Embora o sexo feminino tenha alcançado inúmeras conquistas,
não chegou ainda a lograr uma igualdade de fato, estando ainda numa
condição que o predispõe a sofrer variados tipos de violência, especialmente
aquela praticada por seus parceiros homens.
As mulheres não diferem dos homens, social ou intelectualmente,
carecendo de amparo cientíco qualquer pretensão neste sentido. A
sociedade, porém, dá tratamento diferente a cada um desses dois exemplares
da humanidade; sendo assim, o humano do sexo feminino é vítima de uma
sociedade na qual o seu correspondente masculino detém prerrogativas e
direitos, além de praticar a injustiça no dia-a-dia, decorrente do preconceito
e da discriminação de gênero existentes.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Que tal injustiça chega às raias da violência criminosa o atesta o
conhecimento empírico de todos, ante a frequência com que se sucedem
casos de espancamentos, torturas, físicas e psíquicas, lesões e mortes de
mulheres por homens, legitimados por uma posição de superioridade em
relação a elas, que é resultado de uma desigualdade construída no contexto
de uma sociedade de classes. O homem proprietário também o é da mulher,
que com ele tem a obrigação de um amor exclusivo e alienado.
O que se procurou fazer nesta pesquisa foi analisar o processo por
meio do qual se torna explicável – embora injusticável – o surgimento de
tal sentimento de propriedade, dessa relação senhor-objeto, dominante-
dominado, que está na raiz da violência a que este último está sujeito.
O sentimento de propriedade do qual se fala aparece
historicamente, sendo produto lógico de um processo dialético que se põe
em marcha a partir da evolução das forças produtivas e das consequentes
adequações dos modelos produtivos (e suas relações de produção).
Tal processo explica porque, a um tempo, a mulher, cuja atividade
principal acontece no ambiente doméstico, se vê atirada num cenário de
desigualdade com o homem, que passa a acumular riqueza excedente e
impõe a união monogâmica como garantia da paternidade dos lhos que
gera, aos quais pretende transmitir, com exclusividade, a propriedade da
riqueza acumulada por seu trabalho, apropriada somente por ele, de forma
privada.
O tratamento desigual (porque não produz patrimônio), o
rebaixamento de seus horizontes afetivos (porque lhe está interditada a
possibilidade de amar espontaneamente), a clausura intelectual (porque se
vê impedida de atuar fora do cenário doméstico), impõem à mulher uma
condição objetiva de subalternidade, que a conduz ao desempenho de um
papel ideologicamente visto como inferior, tornando-se, portanto, presa
fácil de uma relação de dominação na qual atua como a parte dominada,
sem dignidade, feita objeto de um proprietário.
Daí à violência, que não raramente descamba para a agressão
física, é um passo, ao qual o seu algoz – ele também alienado pelo mesmo
processo histórico – considera, com honesta sinceridade, ter direito. Como
senhora apenas do território doméstico e objeto de propriedade masculina,
ser de horizontes apequenados, incapaz de impor-se, resta à mulher o
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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triste papel de vítima da violência do homem, seu senhor, frente à qual a
sociedade ainda apresenta razoável tolerância.
Em suma e ao cabo, a luta de classes, que está no eixo do modelo
produtivo atual, como esteve no de modelos anteriores, constitui o ambiente
em que se desenrola a guerra dos sexos, ambos frutos de uma sociedade
de classes, desigual, excludente, injusta e intolerante e que, naquilo que
interessa ao tema do trabalho, faz da metade feminina da humanidade uma
de suas vítimas preferenciais.
referênciAs
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001.
ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
ENGELS, Friedrich. Ciro Mioranza. A origem da família, da propriedade privada e do
Estado. 2. ed. São Paulo: Escala, 1986.
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católica e do Direito Penal. 2009. Tese (Doutorado em Fundamentos da Educação) -
Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, 2009.
HOBBES, omas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil.
São Paulo: Martin Claret, 2002.
KOLLONTAI, Alexandra. Roberto Goldkorn. A nova mulher e a moral sexual. São
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LESSA, Sérgio. Abaixo a família monogâmica!. São Paulo: Instituto Lukács, 2012.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
MEAD, Margaret. Sexo e temperamento. São Paulo: Perspectiva, 1969.
STALIN, Joseph. Materialismo dialético e materialismo histórico. São Paulo: Parma, 1978.
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V  
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P 
Wilson Roberto Batista
Jeerson Nunes Cerqueira Guimarães
introdução
Diante da garantia ao bem estar de todos e todas, conforme
a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 3º, bem como, quanto
a igualdade entre homens e mulheres em se tratando de direitos e
responsabilidades em seu artigo 5º, observa-se que no que diz respeito a
inviolabilidade do direito à vida e à liberdade, por exemplo, o instituído
como base constitucional se torna algo desprovido de concretude na atual
conjuntura social brasileira.
Exemplo disto são as condições das mulheres em situação de
privação de liberdade no Brasil, um fato que desqualica o Estado nacional
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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enquanto Democrático e de Direitos, sendo possível generalizar como
regra a condição de toda pessoa nesta situação.
O sistema penitenciário brasileiro, tem sido um dos instrumentos
de violação sistemática de direitos humanos de homens e mulheres no
país, sendo inclusive objeto de denúncia tanto nacionalmente como
em nível internacional junto a organizações multilaterais, da parte de
entidades da sociedade civil organizada (PASTORAL CARCERÁRIA
NACIONAL, 2016).
Nas últimas duas décadas, governos do conjunto das instâncias
federativas (federal e estaduais), em razão de uma política de encarceramento
em massa que produziu a quarta maior população carcerária do mundo,
segundo dados ociais de 2014, trouxe à questão penitenciária no Brasil
uma visibilidade ao problema que fomentou debates, estudos e ações que
em parte são assinaladas nesta elaboração, em particular da condição das
mulheres presas no tocante às reexões sobre gênero.
conceituAndo Mulheres coMo cAteGoriA
Quando se elege mulheres enquanto categoria, frisamos que esta
categoria corresponde nesta oportunidade a forma de conscientização
de conceitos de modo universais da relação de homens e mulheres com
o mundo como reexo das propriedades da sociedade e do pensamento
(TRIVIÑOS, 1987).
Nisto, a construção das categorias mulher e gênero, por exemplo,
ao longo da história conheceu, e segue conhecendo, experiências sociais
radicalmente diferentes em razão dos desaos teóricos colocados à pesquisa
e a produção cientíca, numa perspectiva analítica, que segundo Scott
(1995), só foi conquistado em ns do século XX.
Neste sentido, uma concepção das mais difundidas e emblemáticas
é a de mulher criada enquanto auxiliar do homem e promotora do “pecado
original” e ainda, nascida da costela do Homem/Adão conforme o livro
do Gênesis. Outra construção, de tradição judaica, remete a gura de
Lilith, primeira criação de mulher da mesma natureza do homem (do
barro) que entretanto, foi excluída da cultura cristã por ter assumido uma
postura de autoridade (não obediente ao homem). Simone de Beauvoir
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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(1970, p. 16), ressalta que “Legisladores, sacerdotes, lósofos, escritores
e sábios empenharam-se em demonstrar que a condição subordinada da
mulher era desejada no céu e proveitosa à terra”. A fortíssima inuência
do cristianismo que perdurou por toda a Idade Média, na Europa, e a
preponderância das nações colonizadoras europeias, marcadamente
patriarcais, prezou por uma concepção da mulher subjugada. Entre aquelas
que de alguma forma rompessem com a posição estabelecida as mulheres,
sejam em práticas religiosas (misticismo) ou sexuais (em desacordo com
a heteronormatividade), por exemplo, eram condenadas a torturas ou
a morte por afogamento, fogo, dentre outras formas de punição. Com
raríssimas exceções (Diderot e Stuart Mill), conforme menciona Beauvoir,
até o século XVIII, não se ouve voz/autor que elabore acerca do feminino/
mulher em termos razoáveis.
O surgimento das cidades oriundas dos burgos e a intensicação
do comércio diante da nova sociabilidade colocada neste outro contexto de
relações sócio-produtivas, implicaram numa nova interação entre homens
e mulheres, sobretudo, com a consolidação do capitalismo e da burguesia
como classe hegemônica.
Mas é justamente o processo da revolução industrial, a partir
da segunda metade do século XVIII, que inaugura uma forma de divisão
técnica e social do trabalho, transpondo para termos econômicos as
questões ligadas as relações de gênero.
Frigga Haug (2006, p.313), elabora que o conceito de relações de
gênero deve nos permitir a estudar “como os sexos servem para reproduzir
o conjunto das relações sociais”.
Em sua leitura crítica de Marx e Engels, a autora alemã aponta
que: “O entrelaçamento da exploração capitalista e uma especíca divisão
do trabalho em relações de gênero históricas mostram que entre outros
tipos de opressão, a produção capitalista se apoia na opressão da mulher”
(HAUG, 2006, p. 317).
De toda forma, a emergência do gênero como conceito ligado ao
feminismo, não ocorreu naturalmente.
Este se ligou, inicialmente, enquanto escola de pensamento e
como prática política desde o século XIX, em países do Atlântico Norte,
Estados Unidos e Inglaterra (LOURO, 1997).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
50 |
Butler (2003, p.17-18), elabora acerca da teoria feminista que em
sua essência tem presumido:
[...] que existe uma identidade denida, compreendida pela categoria
mulheres, que não só deagra os interesses objetivos feministas no
interior de seu próprio discurso, mas constitui o sujeito mesmo em
nome de quem a representação política é almejada.
Entretanto, esta formulação predominante tem sido questionada
no feminismo, uma vez que o próprio sujeito mulheres não é mais
compreendido em termos estáveis e permanentes. Ademais, no bojo do
debate feminista, se critica as categorias de identidade que as estruturas
jurídicas contemporâneas paralisam naturalizando-as.
Nisto, demanda-se uma reexão sobre a exigência de construir
um sujeito do feminismo que conforme a autora elabora:
[...] Por tanto, la unidad del sujeto ya está potencialmente
refutada por la diferenciación que posibilita que el género sea una
interpretación múltiple del sexo. Si el género es los signicados
culturales que acepta el cuerpo sexuado, entonces no puede
armarse que un género únicamente sea producto de un sexo.
Llevada hasta su límite lógico, la distinción sexo/género muestra
una discontinuidad radical entre cuerpos sexuados y géneros
culturalmente construídos [...]. (BUTLER, 2007, p. 54).
Apresenta-se como tarefa da genealogia feminista da categoria
mulheres, determinar as operações políticas que abordam e qualica como
sujeito jurídico o feminismo (BUTLER, 2003).
A contestação da noção de mulheres como sujeito privilegiado do
feminismo, de forma a problematiza-lo, deve oportunizar ao mesmo status
de política representacional.
Feita as devidas ressalvas, Scott (1995), elenca quatro elementos
que se interrelacionam na construção da reexão sobre gênero que
ressaltamos na sequência.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 51
Primeiro, “os símbolos culturalmente disponíveis que evocam
representações simbólicas”. As guras de Eva e Maria, na tradição cristã
ocidental, são expressões de tal simbologia.
Em segundo, “conceitos normativos que expressam
interpretações dos signicados dos símbolos, que tentam limitar e conter
suas possibilidades metafóricas”.
Tais conceitos no âmbito da religião, educação, direito, política
e ciência se expressam enquanto doutrinas que xam a oposição binária
homem e mulher, masculino e feminino, categoricamente.
Em se tratando da pesquisa histórica, a intelectual coloca ainda
como desao da atualidade desta que tem o gênero como objeto de
estudo, “fazer explodir essa noção de xidez”, incluindo em sua análise,
uma concepção de política bem como uma referência às instituições e a
organização social”, como terceiro elemento.
Scott, enumera que o “quarto aspecto do gênero é a identidade
subjetiva”. E, mesmo reconhecendo a teoria da psicanálise como uma
teoria importante na reprodução de gênero, minimizando sua pretensão
universalista da reexão acerca da construção da identidade genericada,
assinala a contribuição da abordagem histórica neste quesito.
Por m, ela coloca que em seu esboço do processo de construção
das relações de gênero, poderia analisar tanto questões de ordem
etnicorracial ou classista, bem como, qualquer processo social. E enfatiza
que em sua segunda proposição, sua teorização sobre gênero, arma este
como “forma primária de dar signicado às relações de poder”.
estAdo PenAl e o Gênero encArcerAdo
Considerando que por séculos o direito não foi apenas a referência
da ressocialização, além disso, o direito havia se tornado no princípio
motivador do processo civilizatório (MARTINEZ, 2012).
Contudo, na atualidade brasileira, como em grande parte do
mundo, as decisões políticas governamentais, dirigiram ao direito enquanto
Razão de Estado, uma face estritamente punitiva.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
52 |
Desta forma, num processo de desumanização do direito, aquilo
que convergia para a justiça enquanto mediadora dos conitos sociais, é
convertido para um instrumento de controle social.
Nisto o chamado Estado Penal se estabelece, num campo
jurídico-político que vem a corroborar com os indicadores de elevação de
encarceramento em massa, de caráter seletivo e de forte feição punitivo.
Os dados ociais do Departamento Penitenciário Nacional
(DEPEN), órgão subordinado ao Ministério da Justiça, revelam a coerência
entre as teses elencadas anteriormente com os resultados da política de
encarceramento em massa no Brasil.
Diante disso, temos em se tratando do encarceramento de
mulheres em particular, índices que são signicativos:
Segundo os últimos dados de junho de 2014, o Brasil conta com
uma população de 579.7811 pessoas custodiadas no Sistema
Penitenciário, sendo 37.380 mulheres e 542.401 homens. No
período de 2000 a 2014 o aumento da população feminina foi de
567,4%, enquanto a média de crescimento masculino, no mesmo
período, foi de 220,20%, reetindo, assim, a curva ascendente do
encarceramento em massa de mulheres. (BRASIL, 2014, p.5).
Assim, como Wacquant (2007) observa com relação ao avanço
do Estado penal nos Estados Unidos na década de 1990, assistimos
no Brasil uma versão do Estado punitivo estadunidense em que uma
estrutura jurídica-política é acionada na direção de setores marginalizados
socialmente.
O sistema penitenciário brasileiro tem promovido uma política
pública atroz, pois a população mantida encarcerada corresponde a
segmentos populares que no campo das garantias sociais tem suas demandas
face a renda, educação, trabalho, moradia, saúde, cultura, entre outros
direitos, negligenciadas pelo Estado.
O perl das pessoas privadas de liberdade no país, revelam no
âmbito do sistema de justiça criminal (cujo sistema penitenciário é um
dos componentes) um recorte geracional, etnicorracial, classista e, mais
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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recentemente, de gênero que tende a agravar a marginalização histórica
dos mesmos.
Nesta perspectiva, as informações subsequentes atestam,
inquestionavelmente, no que tange ao encarceramento de mulheres, a
ampliação discriminatória de exclusão social das mesmas.
A princípio, é importante ressaltar que a adoção majoritária pela
privação de liberdade como medida punitiva rearma o caráter segregacionista
do sistema de justiça criminal, uma vez que 44,7% das mulheres estão presas
em regime fechado, sendo que 30% estão presas sem condenação formal,
segundo os dados nacionais (BRASIL, 2016). Nisto, a arbitrariedade e
violação dos preceitos constitucionais e humanos de cara já se manifesta
incompatível com a existência de um efetivo Estado de Direito.
Ressaltamos também que a faixa etária predominante das
mulheres em situação de privação de liberdade, corresponde a 50% delas
entre 18 e 29 anos.
Considerando que 63% foram sentenciadas a penas de até 8 anos,
essas mulheres serão egressas do sistema penitenciário consideravelmente
jovens, em idade produtiva e reprodutiva. No entanto, imbuídas de
um estigma impactante negativamente do ponto de vista psicológico,
emocional, afetivo, além de sócio-econômico.
Outra distorção em se tratando de direitos de cidadania, diante
deste cenário de encarceramento de mulheres, observamos com relação
a composição étnicorracial, pois entre as mulheres presas 2/3 são negras
(68%), o que está acima de sua composição societária face ao conjunto de
mulheres brasileiras.
No quesito escolarização, registra-se que 50% das mulheres em
situação de privação de liberdade no âmbito do sistema penitenciário
nacionalmente, não possuem o ensino fundamental completo, sendo que
86% não concluíram a educação básica (ensino fundamental e médio), ou
seja, num grupo de 20 mulheres presas no sistema, apenas 3 concluíram o
ensino médio.
Outro detalhe a ser apreendido na exposição, trata da natureza
do delito cometido para condenação. Nisto, os números comparativos da
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
54 |
população feminina e masculina são indicadores de um menor grau de
violência impetrada pelas mulheres privadas de liberdade.
O envolvimento com o tráco de entorpecentes somam 68% dos
delitos entre as mulheres, no caso dos homens soma 26%.
Quanto aos delitos contra o patrimônio, no caso de roubo, elas
somam 8% e eles 26%.
Por m, quanto ao envolvimento com mortes (homicídio), são
7% e 15%, entre mulheres e homens, respectivamente, isto é, eles somam
mais que o dobro nas acusações por crimes fatais.
O quadro desalentador como o demonstrado anteriormente não
seria claro se deixássemos de apontar as violações acerca dos direitos e
garantias que recaem sobre a pessoa em situação de privação de liberdade.
Assinalando ainda mais a negligência no cumprimento da lei por
parte do Estado (no caso, a própria Lei de execução penal [Brasil, 1984]),
o que o torna transgressor e protagonista de violência institucional no
campo dos direitos humanos, só para mencionarmos de forma abrangente.
Aproveitamos o ensejo para relatar outras violações de direitos
das mulheres enquanto partícipes de uma cidadania formal que se propõe
assegurar direitos sociais e outros.
Vejamos alguns números quanto ao direito ao trabalho, educação
e tratamento imposta às mulheres em situação de privação de liberdade,
na sequência.
A ViolAção dos direitos dAs Mulheres eM situAção de PriVAção
de liberdAde
O encarceramento de mulheres no Brasil, desde o período
colonial, remete a uma dominação patriarcal, fortemente inuenciada
pelos dogmas religiosos da Igreja Católica.
Neste sentido, em uma situação de maior vulnerabilidade, as
punições impingidas as mulheres buscavam rearmar o modelo dogmático
cristão, sobretudo quando a elas se atribuíam padrões e condutas morais
que confrontavam com os preceitos religiosos.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Para Mendonça e Braunstein (2017), é visível a inuência do
patriarcado na constituição dos presídios para mulheres.
Neste sentido, o aparato jurídico está sempre preparado para
exercer a pedagogia de condutas femininas (SILVA; PENNA, 2012)
Com relação ao regulado pela Lei de Execução Penal, nº 7.210
de 1984, versa em seu capítulo III o direito ao trabalho da pessoa privada
de liberdade.
A despeito da norma legal, o Departamento Penitenciário
Nacional (BRASIL, 2016), registra apenas 30% das mulheres em
atividades laborais.
Conforme já mencionado, a metade das mulheres em situação de
privação de liberdade não concluíram o ensino fundamental.
Elas teriam este como curso obrigatório de acordo com o artigo
18 da referida Lei, no cumprimento da pena, na modalidade da Educação
de Jovens e Adultos (EJA).
Registra-se que, apenas, 21% delas exercem atividades
educacionais no interior do sistema penitenciário, sendo que destas, 40% as
estão cursando no nível fundamental, sendo assim, é agrante a violação da
Lei de execução penal, face ao conjunto da população carcerária feminina.
Quanto ao artigo 14 que assiste o direito à saúde das pessoas
em situação de privação de liberdade, que enfatiza o caráter preventivo e
curativo do atendimento médico, conrma-se por dados ociais nacionais
que as mulheres identicadas com agravos (comprometimento da saúde),
somam 81%, sendo que foram diagnosticadas com HIV (47%) e Sílis
(35%).
Não é difícil de inferir que um dos aspectos de maior visibilidade
do sistema penitenciário no Brasil, a superlotação, se converte em ação de
grande insalubridade a integridade da saúde das mulheres em situação de
privação de liberdade.
Inevitavelmente, na medida em que os números de mulheres
segregadas no interior do sistema penitenciário aumenta, cresce também
proporcionalmente o número de crianças que nascem dentro do ambiente
prisional, são elas lhos e lhas do cárcere.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
56 |
São centenas de crianças destinadas a passar sua primeira
infância privadas do mundo externo, gozando do direito à liberdade e
de direitos básicos.
Segundo levantamento realizado pelo Ministério da Justiça em
2013, cerca de 345 crianças viviam no sistema penitenciário brasileiro, são
em sua maioria crianças de até um ano de idade. (BRASIL, 2008; BRASIL,
2011; BRASIL, 2014).
Acreditamos haver consenso que o ambiente prisional não é um
espaço seguro, especialmente para crianças recém-nascidas e mulher gestante.
A gestação é um momento na vida da mulher de forte carga
emocional, demandante de cuidados. Muitas vezes, um período em que
a mulher torna-se ainda mais suscetível a desenvolver certas enfermidades
físicas e psicológicas.
No interior do sistema penitenciário, devido à ausência de apoio
familiar cotidiano e das condições precárias da própria unidade prisional
que não dispõe das condições elementares que garanta um atendimento
humanizado e um acompanhamento médico especializado constante
durante o período de gestação, este período exige uma responsabilidade
signicativa.
Uma pesquisa realizada pela Secretaria de Assuntos Legislativo
(SAL), Ministério da Justiça (MJ) e Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA) em 2015, no interior das unidades prisionais femininas,
revelam a precariedade destas unidades ao destacar que:
O cárcere brasileiro é lugar de exclusão social, espaço de
perpetuação das vulnerabilidades e seletividades em prática extramuros.
Especicamente nas unidades femininas, encontramos maiores violações
no tangente ao exercício de direitos de forma geral, e em especial dos
direitos sexuais e reprodutivos, bem como de acesso à saúde especializada,
em especial a ginecologistas. (SAL/MJ; IPEA, 2015).
As condições insalubres no âmbito do sistema penitenciário se
contrapõe, novamente, diante do ordenamento jurídico brasileiro, uma vez
que o artigo 14 da Lei de execuções penais assegura em seu parágrafo 3º:
“Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no
pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido”, conforme incluso
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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pela lei federal nº 11.942, que assegura especicamente às mães presas e
aos recém-nascidos condições mínimas de assistência (BRASIL, 2009).
Assim como as gestantes, os bebês também são suscetíveis e
vulneráveis e, com um agravante em relação as crianças que emocional e
sicamente é um ser dependente, cando a cargo da mãe e/ou de um outro
adulto cuidar e proteger essas crianças.
Diante disto, o papel do Estado na preservação da integridade
destas famílias é fundamental, haja vista que tanto mães como lhos ou
lhas, durante esse período estão sob sua custódia/tutela e os direitos de
ambos devem ser preservados e garantidos.
O período que a criança passa dentro do cárcere congura uma
violência contra ela e a negação de seus direitos visto que a criança é um ser
humano e sendo assim sujeito de direitos.
Uma pesquisa realizada em uma das muitas unidades do Estado de
São Paulo seguindo a escala de avaliação de ambiente coletivo para crianças
de 0 a 30 meses desenvolvida por Harms, Cryer e Cliord, nos Estados
Unidos, apontou para problemas no espaço e no mobiliário utilizados por
essas crianças.
A pesquisa revela que:
[...] em toda a unidade não há espaços de estimulação aos bebês,
não há brinquedos, as paredes são todas da mesma cor, com
exceção de alguns quartos que têm colado nas paredes imagens de
revistas, desenhos, etc., logo as estimulações dos bebês cam sob
responsabilidade das mães (STELLA, 2010, p.37).
O Brasil é um dos países signatários das chamadas Regras de
Bangkok (traduzida para o português em março de 2016), documento
assinado em 2010, na 65.ª Assembleia das Organizações das Nações Unidas
(ONU), que reconhece a necessidade de uma atenção e um tratamento
diferenciado às mulheres em situação de privação de liberdade.
A preocupação da ONU com a mulher gestante privada de liberdade
segue na esteira dos direitos humanos, ainda que estes não encontrem
respaldo em determinados países ou não seja contemplado na sua plenitude,
os direitos da mulher presa devem ser garantidos e preservados.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
58 |
Entre as regras rmadas na Conferência de Bangok, chamamos
a atenção para os ítens 1 e 2 da regra 23 que trata dos direitos da mulher
gestante em privação de liberdade.
Nos estabelecimentos penitenciários para mulheres devem
existir instalações especiais para o tratamento das reclusas grávidas, das
que tenham acabado de dar à luz e das convalescentes. Desde que seja
possível, devem ser tomadas medidas para que o parto tenha lugar num
hospital civil. Se a criança nascer num estabelecimento penitenciário, tal
fato não deve constar do respectivo registro de nascimento. 2) Quando for
permitido às mães reclusas conservar os lhos consigo, devem ser tomadas
medidas para organizar um inventário dotado de pessoal qualicado, onde
as crianças possam permanecer quando não estejam ao cuidado das mães.
(BRASIL, 2016).
Nota-se a preocupação das entidades civis e públicas na promoção
e proteção dos direitos da mulher privada de liberdade e no cuidado com
a criança nascida no cárcere, bem como, com a gestante em cumprimento
de pena. É evidente que o artigo lança um olhar humanitário sobre essas
mulheres e crianças.
Mulher e criança, devem ser respeitados enquanto sujeito de
direitos, mesmo em situação de privação de liberdade.
No caso da progenitora no tocante à criança, esta não deve ser
penalizada pela transgressão dos adultos. Cabendo ao Estado garantir
a convivência familiar de forma a não incorrer na violação dos direitos
legalmente estabelecidos e dos direitos humanos.
o direito de ser Mãe e de ser filho ou filhA
Como já destacado anteriormente as condições da mulher
gestante dentro do ambiente prisional é uma violação direta dos direitos da
mulher e da criança que são expostos (cada uma em sua medida) de forma
vilipendiada a um modelo institucional e disciplinar rígido e embrutecido
que tem por objetivo a punição.
Se não bastasse isto, em momento algum o ambiente ou sua
arquitetura, foi pensado para a mulher gestante e/ou para a criança lha desta.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Outro fator que revela o ultraje de como essas mulheres e suas
crianças são submetidas é o tratamento dirigido a ambos após o período
de amamentação.
Também está previsto em lei que o período de amamentação será
referência para a permanência da criança junto à sua mãe.
Transcorridos o prazo (mínimo) de seis meses a criança já pode
ser afastada de sua progenitora e é entregue a um parente próximo ou a
uma instituição, dependendo das condições avaliadas pelo Juízo da Vara da
Execução Penal correspondente.
As mulheres em situação de privação de liberdade, nesses casos,
são impedidas de exercer o papel de mãe.
A ocorrência de atos como este que nos remete, em memória
histórica, à um País escravista que permite lembrar das mulheres em
cativeiro, que serviam como amas de leite, amamentando os lhos dos
escravagistas.
E, uma vez que as crianças atingissem certa idade, então eram-
lhes retiradas destas mulheres para uma formação em que este convívio,
provavelmente, caísse no esquecimento.
Permitir às mulheres em situação de privação de liberdade estar
com sua prole apenas durante o período de amamentação é submetê-la a
uma condição análoga à escravidão.
É condicioná-la a um estado de coisas onde seus direitos e
sentimentos são totalmente desrespeitados e violados.
Já contra a criança que passa por essa situação a violência é muito
mais grave por se tratar de um infante e ter seus direitos violentados, ainda,
durante sua gestação.
A criança com histórico materno de encarceramento familiar
nasce presa por ter cometido o “pior” dos crimes, ter sido gerada por uma
sentenciada.
Pelo delito de ter nascido lha ou lho de pessoa em situação de
privação de liberdade o castigo é o não direito. Ser lho ou lha, estar com
aquela que o gestou por meses em condições desumanas e, que apesar do
abandono político e institucional teimou em vir ao mundo e assim como
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
60 |
sua progenitora encontra-se privado de sua liberdade e logo da condição
de progênito de prole.
Passar pela privação de liberdade, isto é, pelo cárcere ou conviver
com alguém que passou por ele é a garantia de exclusão social devido ao
preconceito e a falta de preparo da sociedade em lidar com pessoas com
histórico de encarceramento. Mas, nascer nessas condições é vir ao mundo
com uma intensa exclusão social. É herdar o descrédito e o estigma como
destaca Goman (1980).
O indivíduo que se relaciona com um indivíduo estigmatizado
através da estrutura social – uma relação que leva a sociedade mais
ampla a considerar ambos como uma só pessoa. Assim, a mulher
el do paciente mental, a lha do ex-presidiário, o pai do aleijado
[...] todos estão obrigados a compartilhar um pouco o descrédito
do estigmatizado com o qual eles se relacionam. (GOFFMAN,
1980, p. 39).
Ainda como destaca Spagna (2008), no tocante aquele que
interage de alguma maneira com o apenado: “[...] mães, esposas, noivas,
namoradas, companheiras, entre outras, que mantêm com o interno algum
tipo de interação afetiva, estabelecida antes ou após seu encarceramento
[...]” também sofrem deste estigma.
O estigma herdado pelo familiar do privado de liberdade, em
especial, a criança lha desta, passa a vida a ser perseguida por esta marca.
Onde quer que se vá e sempre que o fato vem à tona, o julgamento alheio
se revela empurrando essa criança e/ou a família para uma realidade antes
desconhecida, a do isolamento social e a negação, muitas vezes, por não
saber lidar com o juízo de valor imposto pelos outros ou por seus pares. A
esse respeito, Goman (1980) salienta:
O que pode ser dito sobre a identidade social de um indivíduo
em sua rotina diária e por todas as pessoas que ele encontra nela
será de grande importância para ele. As consequências de uma
apresentação compulsória em público serão pequenas em contatos
particulares, mas em cada contato haverá algumas consequências
que, tomadas em conjunto, podem ser imensas. Além disso, a
informação quotidiana disponível sobre ele é a base da qual ele
deve partir ao decidir qual o plano de ação a empreender quanto ao
estigma que possui. (GOFFMAN, 1980, p. 58).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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Dessa forma, os lhos e lhas das mulheres em situação de
privação de liberdade também atravessam o processo de encarceramento.
Não podemos nos olvidar de que o encarceramento gera angústia e
insegurança, empurrando-os ao anonimato, levando-os a ocultar parte
de sua história por não saber assimilar toda essa carga emocional que as
aigem fora dos muros da prisão. Os muros que cercam o espaço prisional
transformam esse lugar em um local de violação de direitos das famílias
amplicando a desigualdade e a miséria dos que são arrastados para essa
realidade como destaca Wacquant:
O aparelho carcerário brasileiro só serve para agravar a instabilidade
e a pobreza das famílias cujos membros ele sequestra e para
alimentar a criminalidade pelo desprezo escandaloso da lei, pela
cultura da desconança dos outros e da recusa das autoridades que
ele promove. (WACQUANT, 1999, p. 7).
As crianças e os familiares também acabam se construindo
vulneráveis socialmente, devido ao estigma que carregam consigo fazendo
com que busquem apoio em outros que passem pelo mesmo drama. O
universo prisional é um mundo controverso, pois é nesse ambiente de
violência onde essas pessoas acham a força e o conforto necessário para
continuar apoiando seus entes queridos que ali se encontram tutelados e
lidar com a falta de políticas públicas que auxilie essas mulheres, lhos e
familiares a atravessar esse momento de extrema vulnerabilidade restando a
esses a solidariedade entre as famílias que compartilham do mesmo drama
e da mesma dor, transformando esse espaço (prisional) em um lugar de
refúgio” onde todos os que partilham dessa realidade são iguais.
considerAções finAis
A realidade dos dados e dos fatos impõe ao sistema penitenciário
brasileiro uma qualicação que poderíamos denominar brutal e degradante,
o colocando contra inúmeros tratados e convenções internacionais em
matéria de respeito aos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade.
No ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, no campo da
legalidade enquanto Estado Democrático de Direitos da República
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Federativa, o sistema penitenciário no Brasil é um dos seus maiores (se não
o maior) contra-testemunhos.
Por mais que possam ser apontadas ações pontuais que se dirijam
a oferecer melhores condições as pessoas em situação de privação de
liberdade (ampliação no número de vagas, oferta de educação e trabalho,
assistência jurídica por meio de defensores públicos), parece nos impossível
humanizar o cárcere tal qual ele se estabelece no País.
A seletiva e segregadora política de encarceramento em massa em
curso há décadas no Brasil, não será melhor se tal discriminação econômica,
etnicorracial, geracional ou de gênero for eliminada.
Assim como, o endurecimento das leis, a redução da maioridade
penal, a construção de presídios e a privatização da gestão do sistema
carcerário não inspiram melhores horizontes ou consensos.
É preciso expor o despropósito de tal política na redução da
violência social. E, conjuntamente, atestar a falência do sistema como um
todo no que tange a construção de uma sociedade com justiça e direitos.
Não faz sentido falar em crise do sistema penitenciário, é preciso
entender o que a realidade comprova e evidenciar um projeto que deve ser
desqualicado como política social e de segurança.
Diante do quadro de calamidade neste contexto, urge viabilizar
o desencarceramento na perspectiva do fortalecimento das práticas
comunitárias de resolução pacíca de conitos.
Neste sentido um modelo a ser difundido é a justiça restaurativa,
no entendimento do desenvolvimento dos conitos e na aprendizagem
transformativa dos mesmos (CENTRO DE DIREITOS HUMANOS E
EDUCAÇÃO POPULAR DE CAMPO LIMPO, 2017).
Um outro problema a ser abordado, trata da naturalização do
cárcere. Esta só pode promover a banalização da violência, o desprezo
pelos direitos humanos e o fatalismo da bárbarie. Nada mais razoável se
vislumbra nesta perspectiva.
No que diz respeito a questão de gênero e dos direitos das
mulheres, o sistema penitenciário se arma em sua institucionalidade
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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sexista, cujo caráter patriarcal vitimiza, agride profundamente, macula a
pretensa civilidade democrática no Brasil.
No sistema prisional, ser mulher ou armar o gênero é indicativo
de intensa violência em que a legalidade inexiste como parâmetro.
No âmbito do sistema penitenciário as violações aos direitos das
mulheres se manifestam de tantas formas quanto forem possível dení-las:
obstétrica, simbólica, de gênero, institucional, estatal, psicológica, entre
inúmeras outras.
O rompimento dos laços familiares que o encarceramento provoca
deve ser igualmente repudiado e, no mínimo, a garantia de direitos das
mulheres, mães e crianças respeitado pelo Estado.
Por m, o sistema de justiça criminal deve ser chamado à
responsabilidade de assegurar a justiça as pessoas em situação de privação de
liberdade, sobretudo daqueles segmentos marginalizados historicamente,
como no caso das mulheres.
O aparato judiciário (Ministério Público, Defensoria e
demais órgãos estatais), se apenas se mobilizassem pelo estabelecido
constitucionalmente, já oportunizaria debater a questão com alguma
civilidade.
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D   
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Maria de Fátima Rodrigues de Oliveira
introdução
O trabalho, construído a partir de pesquisas bibliográcas,
remete a reexão de quanto a violência simbólica atinge os indivíduos sem
que estes tenham consciência de tal fato, bem como dar ciência do papel
que o Estado exerce diante do poder da violência simbólica e de como
o judiciário reage diante este poder. Hoje com a Lei Maria da Penha é
possível encontrar uma luz no m do túnel, já que a mesma não pune só a
violência física, mas também a patrimonial, psicológica e moral.
O Estado tem o dever de defender os cidadãos de toda e qualquer
violência, mas em se tratando da simbólica não é o que acontece. A sociedade,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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com o seu modo patriarcal, faz da mulher em maior e dos homossexuais
em menor número, serem as vítimas desta mesma sociedade machista; só
que de forma despercebida. Não se tem consciência da violência simbólica.
Explicar o poder da violência simbólica se torna uma tarefa árdua,
visto que, ela é tão subjetiva e por isso tão poderosa. A conscientização se
faz necessária à m de combatê-la.
O enfrentamento legitimando as classes, gêneros, raças contra
a violência simbólica é muito importante para o descortinamento da
sociedade em geral, na busca do bem comum.
A violência simbólica denota relações de poder, a m de dar conta
do papel das mulheres na História desde os primórdios até o momento
presente, no seio da família por exemplo, elas vêm buscando uma nova
forma de pensar, pós-patriarcal, que desconstrua os discursos e que possam
analisar melhor o funcionamento das relações por elas representadas no
momento atual.
Outro objetivo também é de desenvolver reexões críticas
multidisciplinares sobre a violência que as cercam.
Foi utilizado como metodologia relatos de mulheres que sofrem ou
já sofreram algum tipo de violência física ou simbólica, analisados também
artigos, juntamente com levantamentos bibliográcos e historiográcos
de estudos à cerca da violência, assim como dados de produção jurídica-
códigos e legislações pertinentes.
1. o Poder dA ViolênciA siMbólicA
A violência simbólica pode ser exercida tanto para o bem como
para o mal. Trata-se da privação e da relação de usurpação como em qualquer
tipo de violência física. Porém, ela se dá de maneira sutil e invisível, o que
acaba por envolver o indivíduo de forma vertical e criando uma ciência
para o consumismo e, assim, rouba-se a possibilidade de individualização.
Para Bourdieu (1989 apud ANDRADE CUNHA, 2007, p. 23), violência
simbólica é “uma forma de violência exercida pelo corpo sem coação física,
em que causa danos morais e psicológicos. É uma forma de coação que
se apoia no reconhecimento de uma imposição determinada, seja esta
econômica, social ou simbólica.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Dessa forma, abre-se dois recortes que explicam esta ciência: o
cinismo e o desmentido. As ideias vão mudando, se articulando devido a
esses dois recortes.
O cinismo é o cimento que liga a sociedade e dá a ideia de concretude
e objetividade; já o desmentido amarra o conceito de indivíduo. É o não
reconhecimento e a não validade perceptiva e afetiva de toda a violência
sofrida. A pessoa é fragilizada constantemente sem se dar conta disso.
Enquanto que no cinismo se discute a verdade, onde se tem a oportunidade
de se falar o que se pensa sem hipocrisia, no desmentido o indivíduo está
preso em seus princípios e preceitos morais de forma que não encontra saída
ou solução adequada para nada. A minha dor é a maior e a pior de todas.
(Fernando Pessoa), o (nós) deixa de existir para dar lugar ao eu.
Exercida por determinada pessoa ou grupo de pessoas, a violência
simbólica faz uma concordância entre o dominador e o dominado, cria-
se assim o objetivo de elucidar as relações de domínio que diferente da
violência física é exercida com o consentimento de quem sofre, ou seja,
do dominado. Essa relação não é reconhecida como violência e sim como
parte de uma interdição com base no respeito e até no medo.
Assim sinaliza Bourdieu (1989, p. 46 apud PIMENTA, 2011, p.15)
quanto aos diferentes tipos de conceitos a respeito da violência simbólica:
Supõe-se, por vezes, que enfatizar a violência simbólica é minimizar o
papel da violência física. [...] O que não é, obviamente, o caso. Ao se
entender “simbólico” como o oposto de real, de efetivo, a suposição
é de que a violência simbólica seria uma violência meramente
espiritual” e, indiscutivelmente, sem efeitos reais. É esta distinção
simplista, característica de um materialismo primário, que a teoria
materialista da economia de bens simbólicos, em cuja elaboração eu
venho há muitos anos trabalhando, visa a destruir [...].
A maior diculdade está no enfrentamento à violência como
um todo e particularmente, a violência simbólica e de gênero legitimando
vários tipos de violências de que nada mais é do que qualquer forma
de agressão ou constrangimento físico, moral, psicológico, emocional,
institucional, cultural ou patrimonial que tenha por base a organização
social dos sexos e que seja impetrada contra determinadas pessoas explicita
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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ou implicitamente, devido as suas condições ou orientação sexual, por
exemplo. A respeito do poder de violência simbólica, assevera Olney
Queiroz Assis (2011, p.24 apud NOTAROBERTO, 2013, p.18):
A norma jurídica em sua aplicação cotidiana é interpretada e
entendida de acordo com o trabalho (livros, sentenças, pareceres,
petições) de um grupo de homens (juristas, professores, magistrados,
advogados, promotores) que, na comunidade jurídica, gozam de
autoridade, liderança e reputação. Esses homens contribuem para que
a norma assuma um determinado conteúdo em cada oportunidade
em que é invocada. Na comunidade jurídica, aqueles que têm poder
(autoridade, liderança, reputação) podem inuenciar outros a adotar
a sua interpretação como premissa de procedimento.
A violência simbólica é um conjunto de símbolos e representações
agressivas e discriminatórias que se manifesta no seio da família e se
dissemina nas escolas e fora delas.
O silenciamento e o enxovalhamento do sistema capitalista são
agravantes desta violência que ameaça e mata. É preciso ver a violência não
como vis física, concreta e atual, mas no sentido de ameaça.
Não se trata de violência como instrumento de direito somente e
sim como manifestação deste (FERRAZ JUNIOR, 2003 p. 246).
A violência simbólica se dá na imposição legítima e dissimulada,
com a valorização da cultura dominante, há relação com as desigualdades
sociais, espaços escolares, as quais muitas vezes passa por desapercebida na
vida cotidiana. Esta está arraigada nos hábitos, costumes, nas leis, nas mídias,
nas escolas, universidades, etc. A pessoa pensa em função desta violência, que
deixa de ser algo circunstancial para se transformar em uma forma de modo
de ver e de viver o mundo do homem (ODALIA, 1993, p. 9).
De certa forma o poder da violência simbólica é dado por aquele
que de uma forma ou de outra detém o poder, por autoridade, liderança,
representação podendo assim inuenciar e adotar sua interpretação como
verdade sua somente (ASSIS, 2011, p. 24).
Diferente da violência física, a simbólica atinge o modo de ser do
homem contemporâneo, a mídia não se cansa de mostrar este espetáculo
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 71
todos os dias. Ela está banalizada pela inuência com que as pessoas se
habituaram a conviver com a mesma.
Os homens também sofrem as consequências da violência
simbólica quando armam sua virilidade, por exemplo, eles vivem sob a
fuga da tensão e da contenção, atraídos pela violência em geral.
O modelo masculino como é o centro do poder, como ser
superior contribui para que estes exerçam a dominação sobre as mulheres,
tornando-as submissas a eles e as excluindo dos processos decisórios.
Assim as mulheres não só passam por meio de uma lógica, como também
contribuem para a perpetuação ou para o aumento do poder masculino.
Os dominados acabam por contribuírem com a sua própria dominação.
Não se pode deixar de mencionar o papel da religião como sendo
um fator que inui e muito na decisão das pessoas. A família sendo de
modelo patriarcal sagrado onde a violência que era exercida como um lugar
privilegiado, onde ninguém poderia adentrar. Portanto a subserviência das
mulheres era e é legitimada ideologicamente até os dias atuais, justicando
sua exclusão e desqualicação de espaço e decisões na sociedade. A religião
é uma faca de dois gumes, pois vê a mulher no modelo dicotomizado
do feminismo na gura de Eva e Maria que antagônicas e marcantes
simbolizam o mal e o bem respectivamente.
O difícil é desconstruir valores e questionar esses modelos
opressores e buscar outros paradigmas de espiritualidade a partir da tradição
originária do Cristianismo e de outras culturas próximas. Graças a Deus,
hoje há mulheres profetizas, juízas, pastoras, presidentes, sacerdotisas,
rainhas que são protagonistas da história cotidiana e política, mas isso só
foi possível após a segunda metade do século XX com o sufrágio universal,
o voto o qual juntamente com os direitos trabalhistas a violência contra a
mulher passou a ser tema de importância, tornando – se competência de
políticas- públicas; o qual precisava ser resolvido urgentemente através da
saúde, segurança pública, educação entre outros.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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2. A ArticulAção que enVolVe o sisteMA judiciário e A eficáciA dA
lei nº 11.340/06 , lei MAriA dA PenhA (brAsil, 2006).
Inspirada na história real de violência desta mulher homenageada
com seu nome dada à lei nº 11.340, após muitas lutas, esta lei trouxe
grande avanço no que diz respeito ao enfrentamento à violência de gênero,
mas a mesma reconhece várias formas de violência tais como a sexual, a
moral, a psicológica e a patrimonial.
O STF, por maioria de votos julgou procedente a Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 4.424, dando a este artigo16 da
referida lei, interpretação conforme a Constituição Federal de 1988
(CF), assentando a natureza incondicionada da ação penal em caso de
crime de lesão, pouco importando a extensão desta, praticado contra a
mulher no ambiente doméstico (DOU de 17/02/12). O código também
propõe medidas protetivas de urgência, bem como medidas integradas
de prevenção.
É difícil saber quando se trata de violência simbólica ou
psicológica, por exemplo, ela se dá quando é notória a perturbação
emocional, o controle de suas ações, comportamentos, crenças e decisões
por parte de outra pessoa de convivência diária. Geralmente essas ações se
manifestam em situações de ameaça, humilhação, vigilância, perseguição,
insulto, chantagem ou limitação do direito de ir e vir.
Não é incomum que a violência doméstica física e psicológica
acompanhe também a patrimonial a qual o companheiro/a exige todo
o controle do seu dinheiro, como danicar, esconder seus objetos,
documentos ou recursos econômicos, a m de impedir que a pessoa
possa viver sua própria vida. São vários os tipos de crimes que a violência
doméstica congura com: roubo, furto, extorsão, estelionato, trabalho
escravo, agressão, ameaça de morte, estupro, aborto, a mulher também
pode ser obrigada a se prostituir, a não usar métodos contracetivos, etc.
É importante saber que em qualquer caso de violência previstos
na Lei Maria da Penha a acusação será realizada independente da vontade
da vítima, e aí não se poderá retirar a queixa e o agressor não cará livre do
processo, como acontecia antigamente. Nos casos de agressões físicas, ainda
que leves, não é necessária a representação, apenas o boletim de ocorrência.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas
10% das agressões sofridas são denunciadas. Há serviços de apoio às
mulheres e seus lhos, vítimas da violência no Brasil todo, porém é preciso
maior investimento não só para redes de apoio e sim para que haja mais
investimento para a prevenção e promoção de uma cultura de paz, livre de
violência. A proteção dos Direitos Humanos das mulheres reete acerca da
necessidade da capacitação técnica dos operadores do direito nas temáticas
de gênero, para fortalecer o enfrentamento de todas as formas de violência
contra a mulher.
A cidadania das mulheres vem se tornando mais efetiva na medida em
que ela conquista o poder político e social, apesar de toda opressão e coerção.
Faz-se também importante salientar o papel da mulher na
sociedade, mesmo na patriarcal, enquanto agente social de fato e a inclusão
dos estudos à cerca do feminismo na abordagem de gênero. Elas estão se
aproveitando de lacunas e incoerências das práticas sócio-político-culturais
vigentes para criar resistências frente à sua submissão.
A violência contra a moral deveria ser prevenida, impedindo
assim a veiculação de mensagens que atingem a dignidade da mulher,
reforçando a discriminação sexual e/ou racial, bem como outras formas de
violência simbólica de gênero como: músicas, anúncios, mídia televisiva,
etc. Estas contribuem na identidade subjetivando e diminuindo inclusive
a autoestima.
É dever do Estado combater a violência, assegurando às mulheres
o direito ao respeito e dignidade enquanto seres humanos.
A CF prevê um país sem sexismo, sem racismo e sem violência.
Os códigos e as leis são como ordenações heterogénicas e coercíveis das
relações sociais, cujas formas e conteúdos variam com o tempo e o espaço,
assim como o direito é dinâmico.
O homem se transforma em massa, agrupam-se para encontrar a
si mesmo e assim se sentir igual, mas a violência simbólica não se encontra
somente nas massas e sim em todos os lugares. Há a cumplicidade daqueles
que não querem saber que lhes estão sujeitos ou mesmo os que exercem
sem a perceção de sua existência.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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A violência simbólica é reforçada na rigidez das paisagens urbanas,
como nas casas bem protegidas com seus muros altos, cercas elétricas, nos
bancos das praças públicas quebrados, na sujeira das ruas, na poluição
dos automóveis, na poluição sonora, visual, etc. Fica expressa também
nos hábitos ao reproduzir uma violência institucionalizada na miséria, na
fome, na seca, no frio, etc. Expressa-se na lei que consagra os limites da
violência permitida a cada sociedade que normaliza muitas vezes onde o
que não é normal (ODALIA, 1993).
Os crimes hediondos se tornam cada vez mais frequentes, será
que está voltando a época da barbárie? A resposta pode estar na educação.
A ecácia das formas de juridicidade do Estado se dá juntamente
à capacidade de penetração de seus valores e sanções negativas ou positivas,
quer dizer o Estado responde ao indivíduo como cidadão que se comporta
perante as normas e regras que lhe são impostas. Estas podem ser exíveis,
assimétricas e heterogêneas de acordo com os instrumentos jurídicos deste
Estado Moderno e conguram um sistema legal voltado à domesticação do
que pode por sua vez escapar à malha do modelo organizador.
A penetração implica em poder de violência simbólica capaz
de forjar práticas sociais e ao processo produtivo, por mais que os
indivíduos não tenham consciência da signicação exata e completa de seu
envolvimento numa certa ordem os valores e as normas nela prevalecentes
têm de ser aceitos como obrigatórios, não importando quais sejam seus
pontos e vista.
Como nos explica Miranda apud NOTAROBERTO (2013, p.
6), ca claro que o sistema judiciário é regido pela violência simbólica:
Pode-se dizer que, em nosso país, os olhares estão se voltando mais
ao Supremo Tribunal Federal, fato este que não se via há alguns
anos, tendo em vista que a própria topograa da Constituição
vigente consagrou os direitos e garantias fundamentais do cidadão
em relação ao Estado, advindo consequentemente o exercício da
cidadania pela conscientização dos direitos. Assim, vem ganhando
força e notoriedade o órgão que profere a última decisão dentro
da estrutura do Poder Judiciário. Deste modo, sob uma visão
panorâmica, não se vislumbra qualquer abuso das competências
conferidas originariamente ao Supremo Tribunal Federal.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Devido ao pluralismo social dos códigos e das leis, as sanções,
a integração e a identidade de cada sistema social resultam em um
processo político de efetividade das instituições de direito e dependem da
internalização dos valores de obediência por parte dos destinatários das
normas. Enm, o direito precisa ser efetivo para ser válido.
É utilizada para a organização do consentimento mediante a
persuasão dos cidadãos no sentido de que as leis e os códigos são apolíticos
e voltados à consecução da justiça.
conclusão
A sociedade toda sofre com a violência, em especial as mulheres,
que lutam pela conquista da liberdade e da democracia. Superar a
discriminação de gênero, a divisão de classes e a dominação masculina faz
parte da revolução que cada mulher deve fazer, começando com a revolução
dentro delas mesmas, dia após dia.
Os meios de controle social têm uma natureza coercitiva sem
estabilidade e autoridade, que se intensica em função de determinada época
em que são inseridas. Toda sanção vem de um grau de coercibilidade. Se
rejeitadas essas regras, essa estrutura será rejeitada também pela sociedade.
Na busca de ascensão ao poder os indivíduos tendem a se
submeterem aos padrões da sociedade, a uma gama de controles sociais
difusos, graças aos sistemas simbólicos como a ambiguidade, o caráter
hierárquico e discriminatório dos padrões de sociedade vigentes.
Por meio deste estudo é evidente a impossibilidade de delimitar
uma fronteira entre a Ciência do Direito e a Sociologia Jurídica. Onde o real
nunca se manifesta de maneira uniforme, pois está sempre em mudança,
daí a tarefa do cientista social, cada vez mais árdua, por assim dizer, no
sentido de dar conta de seus múltiplos discursos e inúmeras variáveis.
Novas estruturas simbólicas também se sustentam naqueles
universos de que sendo examinados os problemas sociais que envolvem
a violência feminina e de gênero é que conseguiremos orientar, de forma
mais ecaz, esses vulneráveis a terem a consciência de todo o mal que os
cercam. É preciso primeiro reconhecer o inimigo para depois enfrentá-lo.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Tanto as sociedades em desenvolvimento quanto o capitalismo
são problemas do paradigma positivista, onde o Estado tenta nos envolver
a favor dele e não do próximo. Onde cada vez mais o que importa é o TER
e não o SER.
A adesão não questionadora abafa as críticas e é produzida assim
uma sucessão de universos simbólicos articulados que tendem ou não a
manterem a ordem social estabelecida ao mesmo tempo em que são criadas
outras. Essas verdades incontestáveis de cada ordem dada, congurando o
universo de símbolos.
O direito não pode ser visto como algo analiticamente dissociado
dos fenômenos econômicos, políticos e culturais ele segue os padrões de
organização da vida social, os quais podem variar de acordo com o grau
de articulação das formas de dominação. O direito assim Entre grupos e
classes da sociedade formam-se os conitos, devido as transformações de
uma determinada época, mudando assim a História.
Não se deve retroceder no que diz respeito à violência, voltando
às barbáries, e sim temos que lutar na promoção da tão almejada paz.
Porque a vida é para ser vivida e não suportada, quando as mulheres
são obrigadas a relevar tudo, ignorando seus sentimentos, ignorando as
feridas antes abertas, impõe-se a elas uma espécie de tortura psicológica.
E não se deve impor sofrimento a ninguém, incluindo a si mesmas para
agradar os outros. Elas não são obrigadas a conviver com gente que as põe
pra baixo, com um sorriso falso nos lábios e palavras pseudos - educadas.
Elas não são obrigadas a conviver com gente que rouba o seu eu, que
baixa a energia, que promove qualquer tipo de constrangimento. Não são
obrigadas a se sacricar por quem não dá a mínima por seus sentimentos.
Não são obrigadas a compreender e a demonstrar empatia por quem as
atropela feito um trator. Apenas quem sofreu a violência pode mensurar o
peso de uma ofensa e a extensão de um estrago sofrido.
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D   :  
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Nilma Renildes da Silva
introdução
A discussão do presente trabalho tem como subsídio teórico a
Psicologia Histórico-Cultural cuja concepção de homem, que perpassa
seus estudos, é de um ser ativo, que produz os meios para sua sobrevivência
e vem tecendo a sua história no decorrer das relações sociais que estabelece
com outros homens, por meio do trabalho. Este aqui entendido como
atividade vital humana, um feito que ocorre entre o homem e a natureza,
que colocou em movimento a força da qual seu corpo dispõe a m de se
apropriar da matéria e dar-lhe uma forma que lhe fosse proveitosa. Essa
ação sobre a natureza exterior provocou modicações nela e no próprio
homem, abrindo-lhe novas possibilidades de desenvolvimento.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Ao partir da compreensão de que o homem é um ser social e ativo,
é importante a discussão de que o comportamento tido como violento não
é inato, embora o homem possua a abertura para relacionar-se por meio
da violência, aqui entendida como vis (do latim = força), como o uso da
força para transformar a natureza, ou ainda, como um meio. O uso da
força como mediadora das relações sociais está tão arraigada no cotidiano
que é entendida como um instrumento natural do qual o homem se dispõe.
Historicamente temos visto que a violência está tão vinculada à produção
ou criação histórica, que às vezes não se caracteriza a violência como
meio a serviço de um m. discutimos que a violência assume diferentes
congurações e que ela se caracteriza de acordo com CHAUI, como:
todo o ato de força contra a natureza de algum ser; de força
contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém; de
violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada
positivamente por uma sociedade; de transgressão contra aquelas
coisas e ações que alguém ou uma sociedade dene como justas
e como um direito; consequentemente, violência é um ato de
brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e
caracteriza relações intersubjetivas e sociais denidas pela opressão,
intimidação, pelo medo e pelo terror. Há violência quando, numa
situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta
ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias
pessoas, em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em
sua integridade moral, em suas posses ou em suas participações
simbólicas e culturais (CHAUI, 1999, p.160).
A violência como meio está instalada na sociedade a serviço de
determinadas relações sociais, ou seja, ao império da propriedade privada
e a divisão da sociedade em classes. Esse fato também é visto nas relações
intrafamiliares permeadas não só pelo sistema capitalista, mas também pela
lógica do patriarcado, que inuencia diretamente na discussão da violência
psicológica, foco deste trabalho. Pela difusão das ideias de dominação na
ação e no comportamento humano, podemos ver como a violência deixa
seu caráter primário de instrumento transformador da natureza, para se
tornar um fenômeno essencialmente social que, muitas vezes, tem o m
em si mesma para manter-se.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 81
A ViolênciA PsicolóGicA
Os laços que prendem as mulheres, adolescentes e meninas
na condição de objeto em nossa sociedade remontam a um passado
longínquo. Essas (em sua maioria), em função desse papel social “objeto”,
não encontram ressonância para suas queixas e reivindicações em grande
parte dos espaços públicos e privados. Apesar de podermos enumerar as
conquistas das mulheres ao longo da história recente, o fato é que nos dias
atuais o que impera é a violência doméstica contra mulheres e meninas, o
feminicídio e um total descaso das políticas públicas para a implementação
dos mecanismos já previstos em diferentes leis para abolir/diminuir o crime
para com mulheres e meninas.
Neste texto vamos explorar a violência psicológica por conta
da diculdade de identicação, tanto pelos prossionais como pelas
vítimas da violência psicológica. Devido a sua complexidade e ao fato
de não deixar marcas físicas visíveis diretamente relacionadas à violência
sofrida, ela acarreta danos à saúde psicossocial da vítima, não a afetando
apenas emocionalmente, mas também se agravando em outros quadros
patológicos, o que produz impacto na vida emocional, pessoal e social.
Dada a sua característica subjetiva, perceber o sofrimento da mulher
provocado pela violência doméstica do tipo psicológico é bastante difícil,
muitas vezes, até para ela mesma.
A lei 11.340 de 07/08/2006, conhecida como a lei Maria da
Penha, traz claramente em seu artigo sétimo o entendimento do que se
caracteriza a violência psicológica e que se constitui em um crime e na
violação dos direitos humanos da mulher, conforme a lei:
a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que
lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar
ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões,
mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto,
chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de
ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação. (BRASIL, 2015).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Os constrangimentos, ridicularizações e grande parte das
demais facetas da violência psicológica são principalmente explicitados
por meio da linguagem nas discussões entre os casais. As falas do agressor
vão deixando um rastro de humilhação e desqualicação da mulher
que a faz sentir-se desumanizada. Por conseguinte, sentir-se incapaz
de pensar por si própria, fazendo com que ela não tenha condições de
reetir sobre o que está vivenciando, se há um dado de realidade naquilo
que ouve do agressor e na vivência que ele explicita ou se há distorções.
Os relatos das mulheres sobre a violência psicológica demonstram que a
manipulação do agressor atinge um limite que é insuportável, levando-as
a sentirem tanto medo e culpa que, enquanto durar a situação de vítima,
não possibilita condições de reações às violências sofridas, sejam elas no
ambiente doméstico ou públicos.
Um fator que agrava a violência psicológica no nosso entendimento
é ela ser uma forma de agressão que está associada às demais, raramente ocorre
isoladamente. Nos relatos de violência física, sexual, verbal ou moral, sempre
acompanha a violência psicológica, nenhuma mulher sofre uma agressão física
ou outra e não se sente humilhada e envergonhada. A violência psicológica,
que muitas vezes se congura como brincadeiras constrangedoras, dúvidas
em relação à fala da mulher chamando-a de louca e outros constrangimentos
como as humilhações, desprezo afetivo, desqualicações e culpabilizações,
não traz consigo gritos que podem ser ouvidos pelos familiares e vizinhos,
dicultando que ela possa ser desvelada pelo entorno da vítima. Isso facilita
para que o agressor se aproveite da situação, para usar cada vez mais a
chantagem emocional contra a vítima e a convença de sua responsabilidade
pelo ato da violência sofrida e a vítima, presa nessa trama, tem muitas
diculdades para se desembaraçar, quando consegue.
A violência psicológica normalmente não se revela, mas vem
travestida pelas suas consequências, haja vista que em um primeiro
momento (na maioria das vezes), a mulher vítima de violência psicológica
busca auxílio psicossocial para as consequências da violência que silencia:
problemas como depressão, distúrbios alimentares, ansiedade, distúrbio de
pânico, doenças de ordem física e problemas de relacionamentos familiares,
etc. Acessar as informações sobre a violência psicológica sofrida pela mulher
exige do prossional não apenas o conhecimento sobre essas queixas, mas
também a sensibilidade para buscar as causas desse sofrimento/queixa.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 83
Nesse sentido, cabe o alerta de que a abordagem prossional tem que ter
um alcance além da esfera psíquica ou física da mulher, buscando abordar
como está o seu processo de reprodução da vida. Caso contrário, corre-se
o risco de medicar “um crime”.
O medo, a culpa, a vergonha, a frustração e o sentimento de que
o agressor, por ser amado, merece ser perdoado porque prometeu mudar
seu comportamento, entre outros fatores, calam a vítima. No entanto,
assim como os demais tipos de violência contra a mulher, os episódios são
repetitivos, gerando ansiedade constante na vítima e refazendo o ciclo da
violência. De acordo com Bárbara (2005), a violência doméstica segue,
com maior frequência, uma dinâmica que se divide em três fases, sendo
a primeira: Fase da Tensão, na qual agressor vai acumulando tensões e
frustrações com as quais não sabe lidar e não consegue elaborar e, por isso,
transfere para a vítima toda a responsabilidade. Nesse primeiro momento é
comum culpar a mulher por qualquer coisa que ocorra na relação e com a
qual ele discorda. Como dizem as mulheres “eles começam a puxar briga”.
Nós entendemos que nessa fase as mulheres vítimas de violência vivenciam
um continum de violência psicológica, há uma tensão permanente que elas
também acumulam.
A segunda fase é caracterizada como a Fase da Explosão, a partir
de um detalhe irrelevante, de um motivo banal o agressor perde o controle
e inicia a agressão para demonstrar poder. Muitas vezes após a agressão ele
pode se sentir culpado ou ter medo de punição e intensica a culpabilização
da mulher. Essa culpabilização é para que a vítima não o denuncie. Já
na terceira fase, com a ilusão de que a violência não vai se repetir, vem
a que se caracteriza como Fase da Lua de Mel: o agressor manipula seu
comportamento tentando se mostrar como um bom companheiro e
prometendo mudanças, buscando proporcionar à mulher momentos bons
e sem violência. Assim o ciclo se completa, a mulher já fragilizada de tanta
violência não tem condições de reagir e o agressor retoma o controle da
situação e ela se silencia cada vez mais.
As estAtísticAsos núMeros dA ViolênciA contrA A Mulher
A violência contra a mulher alcançou números exorbitantes. É
um problema de saúde e desaa os prossionais da rede pública e privada
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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a encontrar formas de atuação que sejam capazes de prevenir essa forma
de violência e aliviar o sofrimento daquelas que já foram e são vítimas.
De acordo com informação do Portal Brasil, no primeiro semestre de
2016, o Ligue 180 – a Central de Atendimento à Mulher – registrou
555.634 atendimentos, em média 92.605 atendimentos por mês e 3.052
por dia. Ainda de acordo com essa fonte de informação, o percentual de
12,23% (67.962) foram relatos de violência. Entre esses relatos, 51,06%
corresponderam à violência física; 31,10%, violência psicológica; 6,51%,
violência moral; 4,86%, cárcere privado; 4,30%, violência sexual; 1,93%,
violência patrimonial e 0,24%, tráco de pessoas.
Esses são os dados que foram revelados, mas sabemos que a
maioria das vítimas de violência doméstica não revela seu sofrimento. No
Brasil hoje (novembro de 2017), 13 mulheres por dia não sobrevivem
para denunciar a violência sofrida, 11 mulheres por dia são estupradas,
essas foram as que denunciaram! E as que sofrem ameaças e não podem
denunciar? Entre as mulheres negras, o feminicídio vem aumentando,
ao passo que diminui entre as mulheres brancas. O que nos mostra que
a população negra é a mais vulnerável, a maior vítima. Esses dados são
apenas para ilustrar o quanto ainda se tem que avançar na proteção às
mulheres vítimas de violência doméstica e no trabalho de igualdade entre
os gêneros, pois o Brasil entre outras estatísticas funestas ainda é o:
4° país do mundo com maior número de casamentos de crianças e
adolescentes. 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes.
A maioria, meninas. 19% dos bebês nascidos vivos são lhos de
meninas entre 14 e 19 anos. Em alguns municípios onde a Plan atua,
essas taxas podem chegar a 33%. A mortalidade de crianças lhas de
mães adolescentes é 20% maior do que a das lhas de mães adultas e
jovens. (INSTITUTO NEO MONDO, 2017).
As taxas descritas acima se somam à questão de que as meninas,
que não se encontram em situação de risco ou vulnerabilidade, têm cerca de
quatro anos a menos que os garotos para a garantia de seu desenvolvimento
infanto-juvenil. Comumente, quando elas retornam da escola (as que vão
à escola) são diariamente chamadas a auxiliar a mãe ou a/o responsável
nos trabalhos domésticos e nos cuidados com os lhos (as) menores ou a
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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realizar tarefas que não são impostas aos meninos, como: cuidado com a
arrumação da casa, do quintal, das roupas, preparo da alimentação, etc.
A reprodução do patriarcado pelas mães/mulheres/responsáveis na
educação dos/das jovens, o racismo, o machismo, a misoginia, a LGBTQfobia,
etnocentrismo continuam a produzir mais violência e a objeticação da
mulher. Pesquisa Datafolha publicada em 08/03/2017 discute que uma a
cada três brasileiras de 16 ou mais anos já foi xingada, espancada, esfaqueada,
ameaçada, chutada, empurrada, nos últimos 12 meses. Enquanto cresce a
mortandade entre os garotos negros, cresce o abuso e as doenças sexualmente
transmissíveis entre as garotas, principalmente entre as negras.
Levantamento empírico para futura pesquisa realizado por grupos
de discentes da disciplina Psicologia Social II, que ministramos, demonstrou
que em nosso município, as adolescentes e jovens apesar de conhecer e ter
informações sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei Maria
da Penha, poucas denunciam ou comentam com seus responsáveis e/ou
familiares os abusos sofridos na escola, na rua ou nos serviços públicos que
participam como centros de convivência e unidades básicas de saúde, para
exemplicar. A maioria delas relata já estar “acostumada” com esses maus
tratos, naturalizando o uso da violência nas relações sociais, transformando
em natural um fenômeno que é essencialmente social.
Na disciplina de Estágio em Psicologia Social e Comunitária há
muitos anos atuamos com grupos de crianças e adolescentes em Centros de
Convivência. Temos observado, ano após ano, a violência como forma de
comunicação e de resolução de conitos entre eles e muitas vezes com os
educadores. Em muitos casos observamos, também, que os educadores ao
desenvolver suas atividades com os usuários dos serviços usam a violência verbal,
ameaças e em alguns casos a violência física. Demonstrando com isso que na
mediação do processo de sociabilidade reina o senso comum, o despreparo e a
falta de formação adequada para trabalharem com essa população, bem como,
com a especicidade das relações permeadas pelo uso da violência.
Em relação às mulheres, as estatísticas não são mais amistosas,
pelo contrário, o feminicídio ronda às portas de muitos lares brasileiros.
No ano de 2016, 503 mulheres foram vítimas de agressão física por hora
no Brasil. Representando 4,4 milhões de mulheres, de acordo com pesquisa
DataFolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ainda, essa mesma pesquisa demonstra que se contabilizar a violência
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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verbal, essa taxa cresce exponencialmente e vai aumentando conforme se
enquadra os outros tipos de violência contra a mulher.
Na maioria dos casos de violência contra a mulher (61%), o
agressor é conhecido. Sendo que 43% dos casos ocorrem dentro de casa e
39% acontecem na rua. A pesquisa ainda mostra que mais da metade das
mulheres que foram vítimas não tomaram nenhuma atitude após serem
agredidas. Pouco mais de 10% denunciaram o agressor em uma Delegacia
da Mulher e apenas 1% ligou para o número 180 (Central de Atendimento
à Mulher), de acordo com a pesquisa supracitada.
Esses dados corroboram a continuidade da violência contra a
mulher mesmo após a criação da Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha
(BRASIL, 2006) e a Lei do Feminicídio – Lei 13.104/2015 (BRASIL,
2015). A primeira teve como objetivo principal criar mecanismos para
coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e a segunda passa a
classicar o homicídio de mulheres como crime hediondo e com agravantes
quando acontece em situações especícas de vulnerabilidade (gravidez,
menor de idade, na presença de lhos, etc.).
De acordo com a Lei 13.104/2015, o Feminicídio é
caracterizado quando a agressão envolve violência doméstica e familiar,
ou quando evidencia menosprezo ou discriminação à condição de mulher,
caracterizando crime por razões de condição do sexo feminino. A violência
contra a mulher está sempre baseada em: sentimento de posse sobre a
mulher; controle sobre seu corpo, desejo e autonomia; limitação da sua
emancipação prossional, econômica, social ou intelectual; tratamento
da mulher como objeto sexual; e manifestações de desprezo e ódio pela
mulher e por sua condição de gênero.
De acordo com o Mapa da Violência de 2015:
Em 2013, o número de vítimas do sexo feminino passou de 3.937
para 4.762, incremento de 21,0% na década. Essas 4.762 mortes
em 2013 representam 13 homicídios femininos diários. Levando
em consideração o crescimento da população feminina, que nesse
período passou de 89,8 para 99,8 milhões (crescimento de 11,1%),
vemos que a taxa nacional de homicídio, que em 2003 era de 4,4
por 100 mil mulheres, passa para 4,8 em 2013, crescimento de
8,8% na década. (WAISEFISZ, 2015, p. 15).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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Em relação à morte de mulheres no Brasil, a taxa de feminicídio é
de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo, segundo dados
da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2015, o Mapa da Violência
sobre homicídios entre o público feminino revelou que, de 2003 a 2013,
o número de assassinatos de mulheres negras cresceu 54%, passando de
1.864 para 2.875, enquanto a taxa de mortes de mulheres brancas caiu
9,8%. E também como nos outros casos de violência, os homicidas eram
parceiros ou ex-parceiros da vítima.
A ViolênciA nuA e cruA
Esse texto foi produzido a partir do minicurso que ministramos
no Encontro da Mulher de 2016 – UNESP/Marília XIII Semana da
Mulher - Mulheres e Gênero: olhares sobre a educação, mídia, saúde e
violência, no qual utilizamos uma dinâmica de grupo com uma história
ctícia sobre “gaslighting”, uma forma de violência psicológica. O termo
vem de 1938, da peça Gas Light, na qual o marido busca deixar sua mulher
louca diminuindo todas as luzes (que funcionavam a gás) da casa e quando
a mulher notava a diferença ele negava. É uma forma de abuso emocional
que faz com que a vítima questione seus próprios sentimentos e sanidade,
o que possibilita muito poder ao marido abusivo que, ao conseguir fazer
a vítima perder a habilidade de conar em si mesma, prende-a na teia do
relacionamento abusivo.
Para a apresentação da dinâmica de grupo no minicurso, a
estagiária Monique Cassiano Motta traduziu e organizou um material
intitulado “Quando nos fazem de loucas” para utilizarmos com as/os
participantes do minicurso
1
. Este material foi utilizado em uma dinâmica
de grupo e constitui-se como uma atividade bastante interessante como
referência para pensarmos a violência psicológica no cotidiano. Ela
consultou diversas fontes entre elas o site www.livredeabuso.com.br.
O material preparado foi constituído por um questionário com
quatorze perguntas e uma tabela com os atos de violência que explicitam
o gaslighting. Nas perguntas, para serem respondidas com “sim” ou “não”,
foram descritas diversas situações que as mulheres vítimas de violência
Auxiliaram na dinâmica de grupo no minicurso as estagiárias Nassin Golshan e Monique Cassiano Motta. A
elas meus agradecimentos por esta e outras parcerias.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
88 |
psicológica enfrentam no seu cotidiano. Foi um facilitador para reconhecer
se o relacionamento é abusivo e para reetir sobre os impactos emocionais
que essas práticas violentas provocam.
As perguntas tinham intuito de questionar se as mulheres
duvidavam constantemente de si mesmas no relacionamento, se elas se
perguntavam se estavam cando loucas ou se pediam desculpas mesmo
quando sabiam que estavam certas; também foi perguntado se elas
precisavam esconder informações de amigos ou familiares para evitar
constrangimento ou se mentiam para seus parceiros para evitar que fossem
mal interpretadas; foi indagado se elas começaram a ter diculdade em
tomar decisões fáceis, se pensavam que eram mais conantes antes do
relacionamento e se começaram a sentir insegurança com muita frequência,
dentre outras perguntas.
A tabela teve o objetivo de identicar os atos de violência: retenção
do diálogo, contestação, bloqueio ou desvio do assunto, banalização,
esquecimento ou negação. A seguir, exemplicá-los e deixar um espaço
para que as mulheres preenchessem com suas lembranças de atos violentos
sofridos e pudessem, assim, compreender o que sofreram.
Percebemos durante o minicurso o quanto os prossionais
careciam de materiais que os instrumentalizassem para atuar diretamente
com a violência psicológica, no entanto, gostaríamos de ressaltar a
importância da formação continuada dos prossionais que atuam com
mulheres vítimas de violência doméstica. Se basear em um conjunto de
perguntas e em uma tabela não deixa de ser um bom ponto de partida, mas
a complexidade das relações mediadas pela violência traz consequências
muito danosas para todo o seu entorno, seja familiar ou não. A atenção à
vítima de violência doméstica carece de uma equipe preparada para ir do
acolhimento ao acompanhamento do caso, passando pelos diferentes tipos
de tratamentos aos quais ela vai se inserir.
Dependendo da relação entre agressor e vítima é muito comum
que a vítima queira apenas que o agressor mude sua compreensão e que os
prossionais e legisladores possam desenvolver outras tipicações especícas
nos relacionamentos entre os gêneros na sociedade capitalista. Muitas
reivindicam os “centros de educação e de reabilitação para os agressores
para que esses homens sejam obrigados a se integrarem em programas de
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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reeducação e deixem de praticar atos ofensivos à integridade das mulheres,
encaminhamento já previsto no artigo 45 da Lei Maria da Penha.
A experiência com grupos de mulheres vítimas de violência
doméstica, nos seus diversos tipos, tem nos mostrado que a oportunidade de
falar, escrever ou desenhar sobre a vivência traumática é um dos caminhos
para superação das diversas consequências/sequelas provocadas na vítima.
Vai ser muito bom falar sobre isso porque para mim vai ser um desabafo [ ...]
não sei nem como começar”. (Caso 3). Bem como, oportuniza que outras
mulheres se percebam como vítimas e se encorajam para denunciar tal
violência. A seguir, transcreveremos alguns trechos de falas de mulheres
que sofreram agressões, nos quais é perceptível a Violência Psicológica
entrelaçada com os demais tipos de violência. Toda forma de violência
marca e deixa um traço psicológico nas mulheres que as impede de ter uma
vida leve ou até a buscar novos relacionamentos, mesmo após muito tempo
da separação.
Caso 1
[…]Eu jamais podia contrariá-lo ou fazer alguma crítica – ele
sempre estava certo. Então me sentia envergonhada de expor essa situação.
Eu me sentia cada vez mais torturada psicologicamente. O medo também
era um motivo que me impedia.e com isso me manipulava para acreditar
em tudo que ele falava. Ele inventava mil histórias que escondiam traições.
Apesar de eu desconar de certas atitudes, ele sempre me convencia ao
contrário, sempre se fazendo de vítima das situações, e eu, como sempre,
era a louca, a ciumenta, a descontrolada. O medo também era um motivo
que me impedia. Além da vergonha, medo, também a culpa. Sempre
que ele me agredia, ele falava que a culpa era minha. Ele fazia grandes
chantagens emocionais para me usar ... quando eu precisava de ajuda,
a resposta era sempre um não carregado de desprezo. E quanto mais eu
procurava por certos objetos, mais coisas eu descobria que haviam sumido.
De joia até roupas caras, maquiagem, e até objetos de decoração. Mais uma
vez, eu era a louca, a que desconava sem motivos. Ele queria me convencer
que eu havia perdido essas coisas... Ele me fazia me sentir pra baixo, e
qualquer tentativa de conversar eu sempre saía como a louca e culpada”.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Caso 2
[...]Começa com uma tensão, já tenho medo de fazer uma simples
pergunta. Meu falar é tenso, medroso. Ele diz desembucha! Seu olhar é
de repreensão. Não consigo sustentar meu olhar, minha fala me soa
estranha. Desisto da pergunta me calo. Começo a roer as unhas. Dentro
de mim confusão total, não sou mais aquela pessoa que era. Ele me pede
dinheiro para comprar “droga” às vezes, eu não tenho. Ele manda eu pedir
para minha mãe e diz que se eu disser para o que é, ele me mata. Sinto
medo e vou até lá que é perto, minto para ela. A vergonha me impede
de contar...um dia ele me pegou pelo pescoço, nem sei porque. Quando eu
estava quase sem ar, rezei e me disse: que se eu saísse viva eu ia me separar.
Essa situação se repetiu por muitas vezes, quando não está bêbado ou
drogado ele é uma boa pessoa...olha meu dedo...ele que quebrou, por isso
é torto. Da última vez que ele me enforcou vi a morte e aí tive coragem de
procurar minha mãe [...] só eu sei o que isso deixou dentro de mim, não
cono mais nas pessoas [...].
Caso 3
Nós estávamos para casar. Eu tinha 27 anos. Ele era muito carinhoso,
me enviava ores e bombons. Mas também vivia me dizendo que eu era
caipira que eu tinha o pé vermelho, desprezando minha origem. Estas
palavras caiam feito bomba em minha mente eu casse péssima, pois,
muito tempo que eu tinha vindo do sítio [...] No mês antes do casamento ele
me convenceu de que podíamos ter relações sexuais. A gente vai casar ele dizia!
Passado duas ou três semanas após o casamento percebi que estava passando mal.
Fui ao médico sozinha ele não quis ir comigo [...] Depois do casamento ele já
vinha me tratando diferente, quando eu cheguei na minha casa ele estava
deitado no sofá, mostrei o resultado do exame que comprovava a gravidez ele
amassou e jogou pela janela. Você não tem ideia do que ouvi, ele queria
que eu abortasse e disse que eu era uma idiota, retardada e que não soube
me cuidar. Eu me sentia culpada e por aí foi, muita humilhação. Ali se
foi um pedaço da minha vida. Ele tentou me persuadir a tirar a criança,
eu era uma menina em termos de maturidade e era totalmente contra
o aborto. Não adiantou eu tentar explicar que eu não sabia como evitar.
Virou uma discussão. Meu casamento acabou ali, mas eu continuava com a
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 91
educação familiar que eu trouxe, mulher tem que aguentar o marido.
Ali eu percebi que o homem com quem eu casei era um monstro. Eu tinha
medo de dormir com ele, porque era uma violência o que ele fez comigo e
não podia tomar pílula. Eu trabalhava e ganhava mais que ele. Depois de 9
meses engravidei e volta todo o sofrimento novamente... E depois de dois anos
e meio, nova gravidez [...] aí começaram mais humilhações para mim e à
minha família. Muitas ameaças de me matar e tive depressão pós parto.
Ele passou a não me dar dinheiro para ajudar na criação dos meus lhos.
Após isso, a relação se deteriorou muito caminhando para agressões físicas e
ameaças de morte. Ele espalhava mentiras de que eu o agredia... o que
sobrou de mim eu não consigo explicar eu não me sinto forte mas não
quero carregar a síndrome de coitadinha. As palavras, as humilhações,
as comparações e as marcas que ele deixou no meu corpo eu ainda consigo
mostrar para as pessoas, mas as marcas que ele deixou no meu EU isso
nunca vai apagar. Os meus sonhos de mulher... eu não sei o que sobrou
da minha vida eu não sei... Você ser humilhada por uma pessoa que você
entregou sua vida, isso nunca, nunca vai apagar [...].
Essas mulheres, após muitas lutas e quase morrerem nas mãos de
seus agressores, conseguiram a separação. Todas elas carregam as marcas
das vivências violentadas. Reiteramos o que disse uma participante no
minicurso: “a mulher vítima de violência doméstica, seja qual for o tipo,
vive em pânico, sob estresse porque nunca sabe quando será “atacada”!” O
medo, a paralisia e a vergonha não deixam as vítimas exporem a violência,
a humilhação e a desqualicação constantes eliminam a autoestima. Com
isso, a naturalização e negação da violência doméstica se reproduzem cada
vez mais. No entanto, a coragem elimina o medo, enfrentar a vergonha
e denunciá-la aumenta a autoestima e os grupos organizados contra a
violência doméstica fortalecem e reavivam as mulheres vítimas de violência
doméstica. “As mulheres devem tentar detectar qualquer sentimento que as
deixe para baixo, vulneráveis se sentindo pior do que já sentem, muitos homens
demonstram com palavras que são manipuladores”. Caso 2.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
92 |
uMA breVe considerAção finAl
Estamos vivendo tempos difíceis também em termos econômicos
e políticos, porque ao mesmo tempo em que vemos o crescimento da
violência contra a mulher, assistimos a retirada de diversos direitos e
da possibilidade da discussão sobre gêneros, sexualidade e violência na
Educação, lócus privilegiado para ações no campo da promoção de direitos
e de coibição do uso da violência nas relações sociais. Homens, mulheres e
outros gêneros precisam se engajar na luta rumo à eliminação de todas as
formas de violência contra a mulher.
Atualmente, mais que necessário, precisamos pensar um
conjunto de ações nos diferentes níveis de atenção em políticas públicas
que abordem sobre o fenômeno da violência contra as meninas e mulheres,
a m de desnaturalizá-la. Bem como, promover debates e outras formas
de discussão com a população de meninas e mulheres que tratem sobre
seus direitos, explicitar as formas de abusos, evidenciar supressão de seus
direitos, informá-las e orientá-las para buscar formas de protegê-los.
É preciso informar e discutir com a comunidade que considerar
a mulher e a menina objetos da ação masculina, que discriminar por
questão de gênero, etnia e outras discriminações, que a misoginia e que
discriminar pela orientação sexual, é desumano e passível de punição e
atenta contra os direitos de mulheres e meninas de terem autonomia no
seu desenvolvimento pessoal e social. Nos projetos sociais para a juventude,
precisamos desenvolver ações que busquem identicar vulnerabilidades e
situação de risco tanto das meninas como das mulheres.
Outras ações necessárias são: organizar e/ou potencializar os grupos
e programas que visam dar assistência aos casos de violação de direitos das
mulheres; lutar pela ampliação dos serviços já existentes e propor a criação
onde não há desenvolvimento de ações às mulheres e meninas vitimizadas
e em situação de risco; propor formação continuada e acompanhamento
para os prossionais que atuam com meninas e mulheres vitimizadas, pois
a atuação com vítimas de violência acarreta estresse ao prossional que ca
desamparado na sua atuação.
Finalizando este capítulo, reiteramos nossa posição de que além
da luta no campo singular que cada mulher vítima tem que travar contra
a violência doméstica, no campo particular não é possível discutir as
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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opressões sofridas pelas mulheres descontextualizando as questões de classe
e raça. A primeira porque, de acordo com Saoti (2015), a opressão das
mulheres traz grandes vantagens ao capitalismo e congura-se como um
instrumento de gestão da força de trabalho e a segunda porque, segundo
Davis (2017, p. 37):
[...] as mulheres da classe trabalhadora, em particular as de
minorias étnicas, enfrentam a opressão sexista de um modo que
reete a realidade e a complexidade das interconexões propositais
entre opressão econômica, racial e sexual. Enquanto a experiência
das mulheres brancas da classe média com o sexismo incorpora
uma forma relativamente isolada dessa opressão, a experiência
das mulheres das classes trabalhadoras obrigatoriamente situa o
sexismo no contexto da exploração de classe – e as experiências das
mulheres negras, por sua vez, contextualizam a opressão de gênero
nas conjunturas do racismo.
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Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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| 97
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  
Stela Miller
Mulheres escritorAs eM contextos desfAVoráVeis
Em todas as instâncias da organização social - política, prossional,
confessional, cientíca, artística, familiar, etc. - há ainda enormes
desigualdades entre homens e mulheres no tocante ao lugar ocupado por
estas na estrutura das diversas instituições sociais representativas dessas
instâncias e, por extensão, no desempenho dos diferentes papéis sociais
que exercem em tais instituições. No exercício de uma prossão, esse fato
é notório; mesmo quando se consideram os mesmos cargos ocupados por
ambos, a valoração atribuída ao trabalho do homem, em muitos casos,
é maior que a atribuída ao trabalho da mulher. Nas relações familiares,
ainda são muito graves os conitos entre homens e mulheres, em grande
parte deles resultando em ações praticadas em detrimento da mulher e até
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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mesmo de sua integridade física. Há, portanto, muitas condições de vida
desfavoráveis a serem superadas pela mulher e, por isso, muita batalha a
travar e muito espaço a conquistar, apesar dos avanços que historicamente
já foram conseguidos.
No que diz respeito à participação da mulher na literatura, a situação
não é diferente dos outros campos de atividade; também houve avanços,
mas estes são ainda insucientes. Embora a mulher venha ocupando novos
espaços, está longe de se equiparar ao homem quanto aos ocupados por ele
nessa área. Ou seja, “[...] a literatura ainda não é um espaço igualitário
(ROBINSON, 2015, p. 1). Na literatura brasileira contemporânea, por
exemplo, em uma pesquisa feita com 258 romances, publicados de 1990 a
2004, constatou-se que os autores são brancos (93,9%), homens (72,7%),
de classe média e moradores de regiões privilegiadas como Rio de Janeiro
(47,3%) e São Paulo (21,2%) (ROBINSON, 2015). Ou seja, mulheres,
negros e pessoas de classes sociais menos privilegiadas constituem a minoria
no contexto da produção literária. Essa tendência, longe de ser restrita à
realidade brasileira, se repete em nível mundial, muito embora já estejamos
no século XXI, terceiro milênio da Era Cristã.
Além do fato de ser muito reduzido, o espaço hoje ocupado pelas
mulheres no campo da literatura foi conquistado, ao longo da história
humana, com muita diculdade, com muita superação de obstáculos e
empecilhos. Quando revisitamos o passado, vislumbramos um cenário
em que, via de regra, a mulher ocupava um papel secundário em relação
ao homem, os papéis sociais eram bem delimitados, cabendo à mulher
restringir-se aos afazeres domésticos. Nesse contexto, não havia espaço para
a mulher expressar-se com autonomia em qualquer campo da atividade
humana, incluindo-se aí o campo da produção literária. Na literatura
internacional do século XVIII e do início do século XIX, por exemplo,
destacou-se, no Reino Unido, a romancista Jane Austen, que viveu de
1775 a 1817. Dentre as obras que ela escreveu, três são muito conhecidas
e chegaram a se transformar em lmes recentemente: Razão e sensibilidade,
Orgulho e preconceito e Emma. Entretanto, a desvalorização da gura
feminina no âmbito das artes era tão forte naquele momento histórico,
que “Seus primeiros romances foram recusados pelos publicadores, e ela
teve de esperar quinze ou vinte anos depois de começar a escrever antes de
que qualquer romance fosse aceito” (THORNLEY, 1970, p. 115, tradução
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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nossa): dois de seus romances acima mencionados, Razão e Sensibilidade e
Orgulho e Preconceito, já haviam sido escritos e oferecidos por seu pai a um
editor em 1797, mas foram recusados por ele, e somente em 1811 e 1813,
respectivamente, essas obras foram publicadas com a exigência de que o
nome de Austen não aparecesse, e a autoria fosse mencionada apenas como
sendo de “Uma Senhora”. Só posteriormente, seu nome foi divulgado e
reconhecido, e suas obras vieram a ser consideradas como clássicos da
literatura inglesa (FRAZÃO, 2017a).
Por sua condição subalterna em relação aos homens, as mulheres
escritoras da Europa nos séculos XVIII e XIX, precisavam, para ter suas
obras publicadas, não revelar “sua identidade feminina, pois, como
atividade e como carreira, uma mulher dedicar-se à literatura soava egoísta,
não-feminino e até mesmo não-cristão.” Por essa razão, “muitas grandes
escritoras permaneceram no anonimato; muitos grandes nomes foram
perdidos, muitas obras renegadas para serem aceitas apenas posteriormente
– ou postumamente.” (ROBINSON, 2015, p. 1).
A impossibilidade de revelar a própria identidade levou muitas
escritoras daquela época ao uso de pseudônimos, “um artifício recorrente
entre mulheres, que usavam nomes de homens para poder publicar”. E
isso se prolongou por muito tempo, pois, mesmo “[...] em pleno século
20, vários países europeus tinham leis que impediam que mulheres
ganhassem dinheiro sem a permissão do marido” (EHLING, 2013, p. 1).
Naquele momento histórico, “havia um modelo que se impunha quanto
ao papel social de mulher: o de esposa e mãe. Esse modelo permeia todos
os romances, independentemente da liação literária e das diferenças nas
posições políticas assumidas ou historicamente atribuídas a seus autores
(LOPES, 2011, p. 136-137).
O uso de pseudônimos aplicou-se também a outros nomes que
foram destaques na literatura internacional, como George Sand, George
Eliot e os irmãos Acton Bell, Currer Bell e Ellis Bell. George Sand era,
na verdade, Amandine Aurore Lucile Dupin, que viveu na França entre
1804 e 1876. Deu início a sua carreira escrevendo para o jornal Le Figaro,
em parceria com Jules Sandeau, de quem derivaria o sobrenome de seu
pseudônimo – Sand – e com quem escreveria, em 1831, o livro Rose et
Blanche. A partir de 1832, iniciou sua carreira solo e escreveu seu primeiro
romance, Indiana, adotando o pseudônimo masculino de George Sand,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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para que pudesse ser aceita no meio literário (VIEIRA, 2016). Por sua vez,
George Eliot escondia a verdadeira identidade de Mary Ann Evans, uma
escritora britânica que viveu entre 1819 e 1880. Apesar de incentivada a
escrever por seu companheiro de mais de vinte anos, George Henry Lewes,
Mary Ann sabia que o tipo de romance que escrevia não seria aceito no
mundo literário, e então adotou esse pseudônimo, “[...] para assegurar
que seus trabalhos fossem considerados seriamente em uma era quando as
mulheres autoras eram usualmente associadas com romances românticos.
Ela foi “[..] uma das principais romancistas britânicas do século 19. Seus
romances, sendo Middlemarch o mais famoso, foram celebrados por seu
realismo e insights psicológicos” (BBC, 2014, p. 1). Usando do mesmo
artifício para lançarem sua coleção de versos, intitulada Poemas, editada
em 1846, as irmãs Brontë - Charlotte Brontë, Emily Brontë e Anne
Brontë - adotaram pseudônimos masculinos que mantinham apenas a
primeira letra de seus verdadeiros nomes, respectivamente Currer, Ellis e
Acton Bell, tendo por base a mesma motivação de Eliot - serem levadas
a sério em uma sociedade amplamente machista. Para elas, entretanto, o
recurso ao uso de pseudônimo foi breve; nas próximas obras publicadas,
já puderam adotar seus próprios nomes e foram muito bem sucedidas:
Charlotte fez sucesso com o romance Jane Eyre, Emily, com O Morro
dos Ventos Uivantes e Anne, com Agnes Grey, obras que ganharam status
de clássicos, dando-lhes a oportunidade de superar a situação inicial de
anonimato. Entretanto, a aceitação inicial das três obras não foi igual
para as irmãs Brontë: os romances de Charlotte e Anne foram muito bem
aceitos pela crítica e pelos leitores, porém o de Emily sofreu severas críticas:
“[...] para muitos críticos era impossível uma história tão densa ter saído
da mente de uma mulher” (LEE-MEDDI, 2009, p. 1), declaração que
revela explicitamente o preconceito em relação à gura feminina. E, em
acréscimo a essa crítica, Emily era “[...] vista por alguns como se tivesse um
demônio dentro de si para criar tão amoral personagem [...]”, em alusão
ao personagem central da trama, Heathcli, “[...] uma das personagens
mais inquietantes da literatura universal, [que] desperta ódio e paixão
entre os leitores, [e] é a própria essência bruta de todos os sentimentos
(LEE-MEDDI, 2009, p. 1). Comparada à obra de Shakespeare, Rei Lear,
principalmente pelas paixões grandiosas e incontroláveis (THORNLEY,
1970), O Morro dos Ventos Uivantes causou não só um mal-estar nos
leitores, como no próprio gênero literário da época, com sua temática e
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estilo despidos do maniqueísmo moralista vigente, onde os bons e os maus
não se distinguiam entre as personagens. O livro quebrava com o retrato
literário do seu tempo, fugia ao romantismo estilizado e sucumbia ao
realismo literário puro, desfazendo o momento literário em que foi escrito.
Com o passar do tempo, quebraram-se os preconceitos e O Morro dos
Ventos Uivantes tornou-se imprescindível, a obra mais importante escrita
na literatura inglesa daquele tempo (LEE-MEDDI, 2009).
Embora esses fatos pertençam à história literária passada,
preconceitos e discriminações à mulher literata não são exclusivos desse
tempo; “[...] ainda hoje escritores e escritoras muitas vezes sentem a força
dos estereótipos. Para o senso comum, mulheres devem produzir obras
românticas e ‘leves’. Aos homens são reservados os thrillers” (EHLING,
2013, p. 1). Essa talvez tenha sido a motivação para que a conhecida autora
da série Harry Potter, J. K. Rowling, da literatura contemporânea, escrevesse
os romances policiais como O chamado do Cuco e O bicho da seda sob o
pseudônimo de Robert Galbraith. E não é só: outra forma de ocultação da
verdadeira identidade é a utilização de iniciais em vez do nome completo:
a própria Rowling, cujo nome original é Joanne Rowling, apresentou-se
ao público com as iniciais J. K. seguidas de seu sobrenome, provavelmente
buscando uma identidade “neutra” para melhor transitar nos contextos
marcados pela presença majoritariamente masculina (EHLING, 2013).
A Mulher nA literAturA brAsileirAuMA conquistA recente
A participação da mulher na literatura brasileira é tardia. No
Brasil colonial (séculos XVI, XVII e XVIII), tivemos, de acordo com a
historiograa ocial, poucas mulheres que se dedicaram à produção
literária. A educação escolar, nessa época, era majoritariamente destinada
aos homens, cando as mulheres, em grande parte, excluídas do processo
educacional, o que cerceava o aparecimento de mulheres dedicadas às letras
(BATISTA, 2012). Poucas mulheres, nesse período, tiveram oportunidade
de se dedicar aos estudos e à produção de obras literárias. Alguns exemplos
são Bárbara Heliodora, Beatriz Francisca de Assis Brandão, Ildefonsa
Laura César e Ana Eurídice Eufrosina de Barandas (BATISTA, 2012).
Bárbara Heliodora (1758-1819) foi casada com Alvarenga Peixoto, poeta
árcade, e escreveu os poemas: Conselhos de Bárbara Heliodora a seus lhos e
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Amada lha; Beatriz Francisca de Assis Brandão (1779-1868) dedicou-se
à poesia, à prosa e à tradução, assinando seus textos com o pseudônimo
‘D. Beatriz’. Voltada para as questões educacionais, dirigiu, em Vila Rica,
um educandário para meninas” (BATISTA, 2012, p. 268); Ildefonsa Laura
César (1794?) foi a primeira baiana a ter seus versos publicados em livro,
e Ana Eurídice Eufrosina de Barandas (1806?) [...] “exercitou diferentes
gêneros discursivos: poemas, contos, pequena novela e crônica dialogada
(BATISTA, 2012, p. 269).
A possibilidade de a condição feminina começar a se alterar deu-
se quando, em 1827, foi implantada “[...] a primeira legislação referente
à educação feminina, garantindo à mulher os estudos elementares [...]”
(BATISTA, 2012, p. 266), inserindo um contingente maior de mulheres
no meio cultural de sua época. Todo esse demorado processo de inclusão
da mulher no contexto educacional e cultural colaborou para que apenas
no início do século XX as mulheres viessem a ter mais visibilidade no meio
literário.
No Brasil do século XIX, a participação da mulher na literatura
ainda era restrita. Nessa época, tivemos um exemplo de mulher literata que
sofreu preconceitos por ser mulher, negra e bastarda. Seu nome era Maria
Firmina dos Reis, tida como a primeira romancista brasileira. Nascida no
Maranhão, em 1825, Maria Firmina viveu parte de sua vida na casa de
uma tia materna, responsável por sua formação. Teve ainda o apoio do
escritor e gramático Sotero dos Reis, seu primo por parte de mãe, e pôde,
com isso, dedicar-se aos estudos na busca pelo conhecimento, e o fez como
autodidata, baseando sua instrução em muita leitura – lia e escrevia francês
uentemente (MENDES, 2006). Maria Firmina escreveu em jornais, fez
poesias e escreveu romances como Úrsula, de 1859, tido como precursor
do romance escrito por uma mulher em nosso país, e como representante
da “primeira voz feminina no Brasil que registraria a temática do negro”.
Como costumava acontecer com as mulheres escritoras dessa época, esse
seu romance foi “[...] assinado simplesmente por ‘uma maranhense’,
recurso bastante usado no século XIX, principalmente pelas mulheres que
se aventuraram a escrever [...]” (MENDES, 2006, p. 95). Ao longo dos
seus 92 anos de vida, teve diversas publicações. Além do romance Úrsula,
escreveu, durante a campanha abolicionista, o livro A Escrava, reforçando
sua postura antiescravista, que ela expressa também como compositora do
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Hino da Abolição da Escravatura. “Fundadora da primeira escola mista e
gratuita do estado, a escritora sempre lutou pela educação, igualdade racial
e de gênero” (PEREIRA, 2016, p. 1). Representante da fase romântica
de nossa literatura, Maria Firmina dos Reis, trazia para seus escritos as
questões ligadas à natureza, como o trecho de Meditação pode mostrar-nos
(FENSKE, 2015, p. 1):
Vejamos pois esta deserta praia,
Que a meiga lua a pratear começa
Com seu silêncio se harmoniza esta alma,
Que verga ao peso de uma sorte avessa.
Outra mulher literata, nascida no século XIX, mas que viveu
a maior parte de sua vida no século XX e se destacou como poetisa no
cenário literário nacional, foi Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins
dos Guimarães Peixoto Bretas. A importante poeta brasileira nasceu na
cidade de Goiás, vivendo entre os anos de 1889 e 1985. Criou, em 1908,
o jornal de poemas femininos A Rosa, junto com outras duas amigas. Seu
primeiro livro - Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais -, entretanto, só
foi publicado em 1965, quando ela já estava com 76 anos. Além de ter se
consagrado escritora, era também doceira famosa, atividade que exerceu
até o nal de sua vida (FRAZÃO, 2017b). Muito do que dela conhecemos
está em seus próprios poemas. Falou de si mesma: “Sou mulher como outra
qualquer. Venho do século passado e trago comigo todas as idades. [...]”
(RODRIGUES, 2001). Falou de sua terra natal, de suas ruas e becos, dos
muros, das plantas, das calçadas... Nas palavras de Oswaldino Marques:
“É extraordinária a maneira como absorve, assimila o tempo e a geograa
desse perdido paraíso dos trópicos, reofertado a nós em sua autenticidade
inaugural” (MARQUES, 2006, p. 15).
Escreve, também, sobre o cotidiano, sobre as pessoas e fatos
acontecidos em sua vida, amalgamando o singelo ao belo. Carlos Drummond
de Andrade, em carta a ela escrita em 14 de julho de 1979, diz: “[...]
seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais” (CORALINA,
2006). Embora tenha vivido boa parte de sua vida no século XX, Cora
Coralina sofreu as consequências do modo de funcionamento da sociedade
dominante até aquele momento, tendo de se submeter às restrições feitas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
104 |
ao papel da mulher na sociedade da época, que se limitava à procriação
e educação dos lhos. Um fato ocorrido em sua vida, quando ainda era
casada, ilustra essa realidade: Cora Coralina foi convidada a participar da
Semana de Arte Moderna, de 1922, mas seu marido a impediu de aceitar
o convite, perdendo, assim, a oportunidade de ter sua produção literária
reconhecida já naquele momento histórico.
Com as transformações socioeconômicas provocadas pela
Revolução Industrial e pela luta da mulher em defesa de seus direitos
e conquista de sua independência, os espaços de participação foram se
ampliando a partir do século XX, quando, então, muitos preconceitos e
tabus foram se quebrando, e o papel da mulher na literatura foi tomando
novas proporções. Um destaque dessa época, nas letras nacionais, foi Cecília
Meireles: pintora, professora, jornalista e poeta, que dedicou seus escritos
aos leitores adultos e também às crianças. Natural do Rio de Janeiro, onde
nasceu em 1901, Cecília Meireles “[...] sofreu uma sucessão de perdas
em sua história, o que não a deixou amarga nem derrotista. Motivos não
faltariam. Seu pai morreu três meses antes de ela nascer, sua mãe faleceu
três anos depois do nascimento da lha, que foi criada pela avó materna.
(CARPINEJAR, 2014, p. 14).
Gravados em sua memória, esses acontecimentos seriam
lembrados em seus versos (MEIRELES, 2014, p. 51):
[...]
Tão longe, a minha família!
Tão dividida em pedaços!
Um pedaço em cada parte...
Pelas esquinas do tempo,
brincam meus irmãos antigos:
uns anjos, outros palhaços...
Seus vultos de labareda
rompem-se como retratos
feitos em papel de seda. [...]
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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Teve ainda outras perdas, como a de seus três irmãos e de seu
primeiro marido. Em função desta última perda precisou cuidar sozinha
de suas três lhas. Mais tarde casou-se novamente e deu continuidade a
uma carreira que já vinha se estabelecendo de forma promissora. Publicou
muitas obras, entre elas: Espectros (1919), Viagem (1939), Romanceiro da
Incondência (1953), Canções (1956), Flores e Canções (1979). Cecília
Meireles “[...] foi a primeira voz feminina de grande expressão na literatura
brasileira, com mais de 50 obras publicadas” (FRAZÃO, 2017c, p. 1).
Outro nome de destaque na literatura nacional do século XX
é Carolina Maria de Jesus, “[...] considerada uma das primeiras e mais
destacadas escritoras negras do País” (FRAZÃO, 2017d, p. 1). Carolina
Maria de Jesus nasceu em uma família pobre, na cidade de Sacramento,
interior de Minas Gerais, no dia 14 de março de 1914 e faleceu em São Paulo
no dia 13 de fevereiro de 1977. Neta de escravos, era lha de uma lavadeira
analfabeta e recebeu ajuda e incentivo de uma das freguesas de sua mãe -
Maria Leite Monteiro de Barros – para frequentar a escola. A partir dos
sete anos, frequentou o colégio Alan Kardec, onde cursou os dois primeiros
anos do ensino fundamental. “Apesar de pouco tempo na escola, Carolina
logo desenvolveu o gosto pela leitura e escrita” (FRAZÃO, 2017d, p. 1). Foi
lavradora, empregada doméstica e catadora de papel e ferro velho. Quando
estava morando em São Paulo, na favela Canindé, conheceu o jornalista
Audálio Dantas, que fazia, em 1958, uma reportagem sobre essa favela e
se interessou pelos seus 35 cadernos com anotações em forma de diário.
Em 1959, Dantas publica trechos desses diários na revista O Cruzeiro e,
em 1960, edita o conteúdo dos diários e publica o livro Quarto de Despejo:
Diário de uma Favelada, que teve notável sucesso editorial (FOLHA...,
2016). Esse livro “[...] trata do dia a dia repleto de discriminação de uma
mulher negra, mãe, pobre e favelada” (PEREIRA, 2016, p. 1) e retrata
uma realidade que ainda persiste em nossos dias – a dura realidade de
quem não tem seus direitos humanos básicos garantidos, o que pode ser
observado nos trechos do diário de Carolina de Jesus que está publicado
no livro Quarto de Despejo (JORNAL PLÁSTICO BOLHA, 2008, p. 1):
“Deixei o leito às 4 horas para escrever. Abri a porta e contemplei o céu
estrelado. Quando o astro-rei começou despontar eu fui buscar água. Tive
sorte! As mulheres não estavam na torneira. Enchi minha lata e zarpei. [...]
Fui no Arnaldo buscar o leite e o pão.” Além de Quarto de Despejo, foram
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
106 |
também lançados os livros Casa de Alvenaria, Pedaços de fome e Provérbios,
e trabalhos póstumos, como o de 2014, Onde Estaes Felicidade.
Contemporânea de Carolina Maria de Jesus, destacou-se também
no cenário das letras a Ucraniana Clarice Lispector, que nasceu em 1920 e
aos dois anos veio com sua família para o Brasil. Inicialmente estabelecida
na cidade de Maceió, em Alagoas, muda-se, em 1925, para a cidade de
Recife, em Pernambuco, onde Clarice passa sua infância. Aos dezessete
anos, vai para o Rio de Janeiro, e, nessa cidade, forma-se em Direito no
ano de 1943, mesmo ano de seu casamento com Maury Gurgel Valente e
do lançamento de seu primeiro romance Perto do Coração Selvagem, com
o qual recebe, em 1944, o Prêmio Graça Aranha. Depois disso, Clarice
passa a morar em vários lugares fora do Brasil para acompanhar seu marido
que assumiu carreira diplomática. Em 1959, separa-se de seu marido e
volta ao Rio de Janeiro com seus dois lhos, Pedro, nascido na Suíça em
1949 e Paulo, nascido nos Estados Unidos em 1953. A partir daí trabalha
em jornais - Correio da Manhã, Diário da Noite – ao mesmo tempo em
que continua a escrever seus romances (FRAZÃO, 2017e, p. 1). Clarice
Lispector, “[...] reconhecida como uma das mais importantes escritoras do
século XX”, escreveu romances como O Lustre (1946), A Cidade Sitiada
(1949), A Maçã no Escuro (1961), A Paixão Segundo G. H. (1961), Uma
Aprendizagem ou Livro dos Prazeres (1969) e Água Viva (1973); e seleções de
contos como Contos (1952), Laços de Família (1960), Felicidade Clandestina
(1971) e Imitação da Rosa (1973). Escreveu também obras de literatura
infantil, dedicando aos pequenos leitores histórias como: O Mistério do
Coelho Pensante (1967), A Mulher Que Matou os Peixes (1969) e A Vida
Íntima de Laura (1974). Seu último romance, A Hora da Estrela (1977), foi
escrito no ano de sua morte (FRAZÃO, 2017e). A respeito dele, Castello
arma que “Pouco antes de morrer, em 1977, Clarice Lispector decide
se afastar da inexão intimista que caracteriza sua escrita para desaar a
realidade. O resultado desse salto na extroversão é A Hora da Estrela, o livro
mais surpreendente que escreveu” (CASTELLO, 1998, grifo do autor).
Por meio de um falso autor que cria para seu livro, o narrador Rodrigo S.
M., a autora cria um modo peculiar de escrita:
Acho com alegria que ainda não chegou a hora de estrela de cinema
de Macabéa morrer. Pelo menos ainda não consigo adivinhar se
lhe acontece o homem louro e estrangeiro. Rezem por ela e que
todos interrompam o que estão fazendo para soprar-lhe vida, pois
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 107
Macabéa está por enquanto solta no acaso como a porta balançando
ao vento no innito. Eu poderia resolver pelo caminho mais fácil,
matar a menina-infante, mas quero o pior: a vida. Os que me lerem,
assim, levem um soco no estômago para ver se é bom. A vida é um
soco no estômago. (LISPECTOR, 1998, p. 83).
A Hora da Estrela extrapolou os limites do meio literário
convencional, convertendo-se em outra linguagem: transformou-se em
lme que teve grande repercussão nacional e internacional. “A versão
cinematográca desse romance, dirigida por Suzana Amaral em 1985,
conquistou os maiores prêmios do festival de cinema de Brasília e deu à
atriz Marcélia Cartaxo, que fez o papel principal, o troféu Urso de Prata em
Berlim em 1986” (FRAZÃO, 2017e, p. 1).
A situAção PArticulAr dA AcAdeMiA brAsileirA de letrAs
Apesar do século XX ter sido caracterizado como um século menos
cerceador da participação das mulheres no campo literário, a Academia
Brasileira de Letras, até 1976, impedia a presença da gura feminina entre
os imortais. “O projeto inaugural a partir do qual a Academia Brasileira
de Letras foi criada assegurou-lhe uma compleição marcadamente
androcêntrica, característica esta que permaneceu inalterada por décadas a
o” (FANINI, 2010, p. 346). Tentativas de ingresso das mulheres escritoras
à Academia houve já a partir sua fundação, em 1897, quando Júlia Lopes
de Almeida teve seu nome indicado, mas negado sob a alegação de que a
instituição seguia as mesmas normas da francesa, que não admitia a presença
feminina em seus quadros (FANINI, 2010). Para a manutenção dessa
restrição, os acadêmicos incluíram no Regimento Interno da Academia, de
1927, o disposto no Art. 2º do Estatuto da Academia Brasileira de Letras,
que estabelece que “[...] só podem ser membros efetivos da Academia os
brasileiros que tenham, em qualquer dos gêneros de literatura, publicado
obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livro de valor literário
[...]” (ABL, 1897). Por essa via, “[...] o Art. 30 do Regimento Interno
da agremiação (que, nas edições posteriores a 1964, corresponde ao Art.
17) reitera o Estatuto, e postula que ‘os membros efetivos da Academia
serão eleitos dentre os brasileiros, nas condições do Art. 2.º dos Estatutos,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
108 |
[...]’” (FANINI, 2010, p. 347), mantendo, durante muito tempo, uma
interpretação enviesada desse artigo, que compreendia a expressão “os
brasileiros” como sinônima de pessoas do sexo masculino.
É nesse contexto que, em 1930, surge a candidatura de Amélia
Beviláqua, esposa de Clóvis Beviláqua – um dos membros fundadores da
Academia – e que, ao cabo de muitas discussões acerca da participação das
mulheres nesse colegiado, foi rmada a recusa do pedido da candidata,
tendo como suporte essa interpretação enviesada do dispositivo regimental,
o que ocasionou a ruptura de Beviláqua com a Academia.
Mais de vinte anos depois, essa interpretação ganhou substância
com “[...] a modicação do referido Artigo, em 1951, que passou a
incorporar o aposto restritivo ‘do sexo masculino’”, conrmando, de forma
explícita “a postura ‘misógina’ da entidade, até então tácita [...]” (FANINI,
2010, p. 347).
Em 1970, apesar do interdito expresso da Academia à participação
da mulher em seus quadros, Dinah Silveira de Queiroz inscreve-se para
concorrer a uma cadeira na instituição. E o debate vem mais uma vez à
tona, porém sem sucesso para a as pretensões de Dinah: o presidente da
Academia Brasileira de Letras à época, Austregésilo de Athayde, nega seu
pedido, alegando o dispositivo expresso de proibição da presença feminina
naquele colegiado, o Art. 17 do Regimento Interno (FANINI, 2010). Sua
admissão seria possível apenas dez anos mais tarde. Após seis anos desse
acontecimento, “no dia 2 de setembro de 1976, foi votada a proposta de
alteração do Art. 17 do Regimento Interno, dando-se interpretação ampla
à palavra ‘brasileiros’, constante no Art. 2º dos Estatutos, para permitir a
candidatura de escritoras à Academia Brasileira de Letras” (BOLETIM...,
2016), ao que parece, preparando a eleição de Rachel de Queiroz que seria
concretizada no ano seguinte.
Entre a aprovação da elegibilidade feminina e a posse de Rachel
de Queiroz passaram-se quase dez meses. O pleito que a sagrou imortal
ocorreu em 4 de agosto de 1977, no qual a escritora disputou com Pontes
de Miranda a Cadeira 5, na sucessão de Cândido Motta Filho. Foram 23
votos pra Rachel de Queiroz contra 15, dedicados a Pontes de Miranda,
além de um voto nulo. Assim, com uma margem de 8 votos de vantagem,
Rachel de Queiroz obteve uma vitória relativamente “folgada”, tornando-
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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se notícia de primeira página em todos os jornais da época (FANINI,
2010, p. 356).
Ao ser eleita, Rachel de Queiroz tornou-se a primeira mulher
imortal daquela instituição. Porém, isso não signicou igualmente uma
vitória para o movimento feminista; antes, foi o resultado de uma articulação
política que revelou a força das ingerências externas nas decisões da Academia:
Rachel de Queiroz era prima de Humberto de Alencar Castello Branco, o
primeiro presidente militar do Brasil após o golpe de 1964 e um dos que
participaram de seu planejamento. Além disso, ela própria fez parte do
movimento que instaurou a ditadura que se seguiu a esse golpe. “Tratava-
se menos de aprovar a elegibilidade feminina do que de criar condições
favoráveis para a viabilização de um ingresso especíco” (FANINI, 2010,
p. 351). Rachel de Queiroz, ocupante da Cadeira 5 da Academia Brasileira
de Letras, projetou-se no cenário da literatura nacional, publicando mais de
duas mil crônicas, e inúmeros livros (ABL, 2017a). Nascida em Fortaleza
(CE), em 17 de novembro de 1910, a escritora estreou seu trabalho em
1927, usando o nome de Rita de Queiroz, com uma publicação em um
jornal do Ceará. Em 1930, Rachel publicou o romance O Quinze, que teve
uma grande repercussão no Rio de Janeiro e em São Paulo: “não tendo cado
incólume às rotulações, a escritora teve sua obra considerada como um
antípoda das representações literárias sobre o feminismo e sobre o feminino,
tendo o seu estilo denido repetidas vezes como másculo, viril” (FANINI,
2010, p. 361). Graciliano Ramos chegou a pensar que o nome Rachel de
Queiroz fosse ctício e escondesse uma autoria masculina, apenas com base
em uma escrita que expressava mais dura e cruamente a realidade, como se
observa no trecho a seguir:
Encostado a uma jurema seca, defronte ao juazeiro que a foice dos
cabras ia pouco a pouco mutilando, Vicente dirigia a distribuição
de rama verde ao gado. Reses magras, com grandes ossos agudos
furando o couro das ancas, devoravam conadamente os rebentões
que a ponta dos terçados espalhava pelo chão. Era raro e alarmante,
em março, ainda se tratar de gado. Vicente pensava sombriamente
no que seria de tanta rês, se de fato não viesse o inverno. A rama já
não dava nem para um mês. (ABL, 2017b, p. 1).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Rachel de Queiroz morreu em 4 de novembro de 2003, no
Rio de Janeiro (ABL, 2017a). Depois dela, mais sete mulheres escritoras
ingressaram na Academia Brasileira de Letras: Dinah Silveira de Queiroz
(1980), Lygia Fagundes Telles (1985), Nélida Piñon (1989), Zélia Gattai
(2001), Ana Maria Machado (2003), Cleonice Berardinelli (2009) e
Rosiska Darcy de Oliveira (2013).
A escritora Dinah Silveira de Queiroz foi eleita pela academia em
10 de julho de 1980, ocupando a Cadeira 7. “A eleição de Dinah Silveira
de Queiroz, a segunda mulher a entrar para a Academia Brasileira de
Letras, [...] foi a consagração de uma escritora vinda de uma das famílias
brasileiras mais voltadas às letras.” (ABL, 2017c, p. 1). Nascida em São
Paulo em 9 de novembro de 1911, viveu desde menina com uma parente,
pois perdeu muito cedo sua mãe. As visitas que o pai lhe fazia eram sempre
preenchidas com leituras que tiveram grande inuência em seus futuros
escritos (ABL, 2017c). Casou-se aos 19 anos com Narcélio de Queiroz,
primo de Rachel de Queiroz, que faleceu em 1961. No ano seguinte,
casou-se com “o diplomata Dário Moreira de Castro Alves, que chegou a
atuar como Embaixador do Brasil em Portugal” (FANINI, 2010, p. 350).
Desde 1970, quando se candidatou a uma cadeira na Academia Brasileira
de Letras e teve seu nome vetado em função da proibição ao ingresso de
mulheres na instituição, Dinah manteve-se em constante luta para anular o
dispositivo regulamentar dessa interdição e possibilitar a presença feminina
na Academia. Mas, como armamos antes, somente dez anos depois, em
1980, foi concretizado o seu ingresso nessa agremiação. Sua primeira obra
de destaque foi o romance Floradas na serra, de 1939, “contemplado com
o Prêmio Antônio de Alcântara Machado (1940), da Academia Paulista
de Letras, e transposto para o cinema em 1955” (ABL, 2017c, p. 1).
Foi também inspiração para a telenovela homônima produzida pela TV
Cultura em 1981. Um pouco do estilo da autora pode ser observado neste
trecho extraído de Floradas na serra:
Cobria-se a Serra de ores. Correu primeiro um balbucio de
primavera. Seria já a orada? Botões, aqueles pequenos sinais?
No meio dos bosques escondidos entre os montes, o amarelo e
o vermelho salpicavam, abriam no verde sorridente espanto. Em
lugares mais resguardados, mais favorecidos, em breve surgia a
neve orida cobrindo as pereiras e transformando, enriquecendo a
paisagem. (ABL, 2017d, p. 1).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Dinah publicou contos, novelas, crônicas e romances. Viveu seus
últimos anos em Lisboa com o segundo marido, de onde publicou sua
última obra: Guida, caríssima Guida (1981). Morreu em 27 de novembro
de 1982, no Rio de Janeiro.
A terceira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras foi
Lygia Fagundes Telles, ocupando a Cadeira nº 16. Seu ingresso ocorreu em
1985, então com uma carreira consolidada e muitos prêmios importantes
recebidos, tais como “[...] o Prêmio Afonso Arinos da Academia Brasileira de
Letras, em 1949, o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1965 e o
Prêmio Coelho Neto da Academia Brasileira de Letras, em 1973” (FRAZÃO,
2016a, p. 1). Nascida em São Paulo, em 1923, Lygia Fagundes Telles passou
sua infância em várias cidades do interior. Desde muito cedo interessou-se
pela leitura e pela escrita; aos 15 anos publicou seu primeiro livro, Porão e
Sobrado. Embora formada em Direito e Educação Física, pela Universidade
de São Paulo, seu maior interesse sempre foi literatura (FRAZÃO, 2016a).
Além dos prêmios já citados, recebeu também o Prêmio Jabuti, por sua obra
Invenção e Memória (2001) e o Prêmio Camões (2005), em Porto, Portugal
(FRAZÃO, 2016a). Em 2016, teve uma merecida indicação ao prêmio
Nobel de Literatura, tornando-se, aos 92 anos de idade, a primeira mulher
brasileira a receber tal distinção. Na elaboração de suas obras, desenvolveu
um estilo “caracterizado por representar o universo urbano e por explorar de
forma intimista a psicologia feminina” (FRAZÃO, 2016a, p. 1).
Vivendo a realidade de uma escritora do terceiro mundo LFT
considera sua obra de natureza engajada, ou seja, comprometida
com a difícil condição do ser humano em um país de tão frágil
educação e saúde. Participante desse tempo e dessa sociedade a
escritora procura apresentar através da palavra escrita a realidade
envolta na sedução do imaginário e da fantasia. Mas enfrentando
sempre a realidade desse país: em 1976, durante a ditadura
militar, integrou uma comissão de escritores que foi a Brasília
entregar ao Ministro da Justiça o famoso “Manifesto dos Mil”,
veemente declaração contra a censura e que foi assinada pelos mais
representativos intelectuais do Brasil. (ABL, 2017e, p. 1).
De seu estilo marcante podemos ter uma pequena mostra no
trecho reproduzido a seguir, retirado do conto Herbarium, que integra a
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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coletânea Os melhores contos de Lygia Fagundes Telles, de 1984 (ABL,
2017f, p. 1).
[...] As folhas persistentes duravam até mesmo três anos mas as
cadentes amareleciam e se despregavam ao sopro do primeiro vento.
Assim a mentira, folha cadente que podia parecer tão brilhante mas
de vida breve. Quando o mentiroso olhasse para trás, veria no nal
de tudo uma árvore nua. Seca. Mas os verdadeiros, esses teriam
uma árvore farfalhante, cheia de passarinhos - e abriu as mãos para
imitar o bater das folhas e asas. [...]
Quatro anos depois de Lygia Fagundes Telles, em 1989, Nélida
Piñon tornou-se a quarta mulher a ingressar na Academia Brasileira de
Letras, ocupando a Cadeira 30 e foi a primeira mulher, em 100 anos, a
presidir essa instituição, entre nos anos de 1996 e 1997, por ocasião de seu I
Centenário, e também a primeira mulher a presidir uma Academia de Letras
no mundo (ABL, 2017g). Descendente de Galegos, nasceu em 1937, no
Rio de Janeiro, e formou-se em jornalismo pela Faculdade de Filosoa da
Pontifícia Universidade Católica do Rio, tendo escolhido, desde criança,
o seu ofício: quando era ainda uma menina, escrevia pequenas histórias e
as vendia ao pai e familiares (ABL, 2107g). Sua primeira obra publicada
foi o romance Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, em 1961. Recebeu inúmeros
prêmios e condecorações nacionais e internacionais, e também homenagens,
como a Biblioteca Nélida Piñon, no Morro Santa Marta (Botafogo – Rio
de Janeiro). Escreveu mais de vinte obras, entre romances, como Madeira
Feita Cruz (1963), Fundador (1969), Tebas do Meu Coração (1998) e Vozes
do Deserto (2004); contos, como Tempo das Frutas (1966), Sala de Armas
(1973) e O Cortejo do Divino e outros Contos Escolhidos (1999); ensaios,
como Aprendiz de Homero (2008) e discursos, como O Presumível Coração da
América (2002). Escreveu também A roda do vento, em 1996, para o público
infanto-juvenil (ABL, 2017g). Conforme reportagem de Silva (2015, p.1),
o Prêmio Nobel Mario Vargas Lhosa, ao tecer elogios aos livros de Nélida
Piñon, teria armado que eles “[...] permitem a imersão num mundo de
grande riqueza verbal, que explora sutilmente a condição humana e desvela
a innita variedade de atitudes e reações de homens e mulheres frente a
experiências do amor, da amizade, da fantasia, da palavra e da própria
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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literatura.” Uma pequena amostra do que disse o autor observa-se no trecho
selecionado de Colheita, conto publicado na coletânea Sala das Armas (1997):
Um rosto proibido desde que crescera. Dominava as paisagens no
modo ativo de agrupar frutos e os comia nas sendas minúsculas das
montanhas, e ainda pela alegria com que distribuía sementes. A cada
terra a sua verdade de semente, ele se dizia sorrindo. Quando se fez
homem encontrou a mulher, ela sorriu, era altiva como ele, embora
seu silêncio fosse de ouro, olhava-o mais do que explicava a história
do universo. Esta reserva mineral o encantava e por ela unicamente
passou a dividir o mundo entre amor e seus objetos. Um amor que
se fazia profundo a ponto de se dedicarem a escavações, refazerem
cidades submersas em lava. (NOGUEIRA JR., 2015, p. 1).
Quinta mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, a
escritora Zélia Gattai foi eleita em 2001 e ocupou a Cadeira 23, que cou
vaga com a morte de seu marido e também escritor Jorge Amado. Zélia
nasceu em São Paulo, no dia 2 de julho de 1916 e faleceu em 31 de março de
2008. Filha de “imigrantes italianos, passou sua infância e adolescência no
bairro de Paraíso. Participava junto com a família do movimento político-
operário organizado por imigrantes italianos, espanhóis e portugueses, que
reivindicavam melhorias no trabalho” (FRAZÃO, 2015, p. 1). Depois
de separar-se de seu primeiro marido, Zélia, tendo já um lho, conheceu
Jorge Amado, e ambos passaram a viver juntos em 1945, ano em que Jorge
foi eleito para a Câmara Federal, pelo Partido Comunista Brasileiro. Em
1948, o Partido foi considerado ilegal, e Jorge cassado, passando a morar
no exterior com a família, que percorreu vários países nesse tempo de exílio
(FRAZÃO, 2015). Dentre seus vários livros de memórias, o primeiro
foi Anarquistas Graças a Deus, lançado em 1979, dando início à carreira
literária de Zélia. É dele o trecho transcrito a seguir:
[...] Os valores daqueles idos, comparados aos de hoje, no entanto,
eram outros; as mais mínimas coisas, os menores acontecimentos,
tomavam corpo, adquiriam enorme importância. Nossa vida
simples era rica, alegre e sadia. A imaginação voando solta,
transformando tudo em festa, nenhuma barreira a impedir meus
sonhos, o riso aberto e franco. Os divertimentos, como já disse,
eram poucos, porém sucientes para encher o nosso mundo.
(GATTAI, 1986, p. 23).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Escreveu livros de memórias, como Um Chapéu para Viagem
(1982), Senhora Dona do Baile (1984) e A Casa do Rio Vermelho (1999);
romance, como Crônica de Uma Namorada (1995) e literatura infantil,
como Pipistrelo das Mil Cores (1989), O Segredo da Rua 18 (1991) e Joana
e a Sereia (2000).
A sexta mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras foi Ana
Maria Machado, nascida no Rio de Janeiro, em 1941. Iniciou sua carreira
como pintora, mas decidiu formar-se em Letras e dedicar-se à literatura.
Nos anos sessenta foi exilada pelo regime militar indo morar na Europa.
Continuou seus estudos de pós-graduação na França - fez doutorado em
Linguística sob a orientação de Roland Barthes. Quando voltou ao Brasil,
deu continuidade ao seu projeto, anterior a seu exílio, de escrever livros
dedicados ao público infantil, constituindo-se como a primeira acadêmica
dedicada, prioritariamente, à Literatura Infantil (FRAZÃO, 2016b).
Recebeu vários prêmios por sua produção literária, como o Prêmio
João de Barro pelo livro História Meio ao Contrário (1977); Prêmio Hans
Christian Andersen (2000), considerado o prêmio Nobel de Literatura
Infantil Mundial; e Prêmio Literário Nacional Machado de Assis, pelo
conjunto de sua obra (2001) (FRAZÃO, 2016b). Ana Maria Machado
foi eleita como membro da Academia Brasileira de Letras no dia 24 de
abril de 2003, tendo presidido a instituição nos anos 2012 e 2013. Ocupa
atualmente a Cadeira 1.
A sétima mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras foi
Cleonice Berardinelli, ocupante da Cadeira 8, eleita em 16 de dezembro
de 2009, aos 93 anos de idade. Nascida no Rio de Janeiro em 28 de
agosto de 1916, morou em vários lugares do Brasil, em virtude de seu
pai ser ocial do Exército e passar por sucessivas transferências. No Rio,
diplomou-se no Instituto Nacional de Música e, em São Paulo, cursou
Letras Neolatinas na USP. De volta ao Rio, começou a trabalhar como
assistente do Professor iers Martins Moreira, denindo, assim, o que
viria a ser uma carreira plena de sucesso (ABL, 2016). Em reportagem
do nal de agosto de 2016, Goulart (2016, p.1) fala-nos sobre a festa dos
100 anos de Cleonice Berardinelli, uma acadêmica cujo trabalho “[...] fez
dela uma referência mundial nos estudos de língua portuguesa, e rendeu,
mesmo que a contragosto, o apelido de ‘divina’”. Nessa data, recebeu
as homenagens de ex-alunos seus que fazem parte da Academia, dentre
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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eles, Zuenir Ventura, Domício Proença Filho e Antônio Carlos Sechin.
Conquistou seu título de “Livre-docente de Literatura Portuguesa por
concurso pela Faculdade Nacional de Filosoa (1959), defendendo a Tese:
Poesia e poética de Fernando Pessoa, a primeira tese sobre o autor feita
no Brasil” (ABL, 2016, p. 1, grifo no original).
A última mulher, a oitava até o presente momento, a ingressar na
Academia Brasileira de Letras é Rosiska Darcy de Oliveira. Ocupante da
Cadeira 10, foi eleita em 11 de abril de 2013. Nascida no Rio de Janeiro,
em 1944, forma-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica.
Nos anos 60, rma-se prossionalmente como jornalista, mas tem sua
carreira interrompida, em 1970, ao ser exilada para a Suíça, em virtude das
denúncias que fazia dos crimes de tortura praticados por agentes da ditadura
militar instaurada no país a partir do golpe de 1964. No exílio, encontra-se
com Paulo Freire e estuda com Jean Piaget, voltando seus interesses para
a educação. Juntamente com Freire, envolve-se em projetos educacionais
levados a efeito em países africanos de língua portuguesa recém libertados
do regime colonial. Participa também do movimento internacional de
mulheres de cujo envolvimento produz os ensaios Les Femmes en Mouvement
et l’Avenir de l’Education (Universidade de Genebra, 1978) e Educations et
sociétés (UNESCO, 1979). Sua tese de doutorado defendida na Faculté de
Psychologie et Sciences de l’Education: La Formation des Femmes comme
Miroir de l’Ambiguité focaliza o tema do Feminino (ABL, 2017h). Ao retornar
ao Brasil, em 1980, continua com sua atividade ensaística, focalizando os
temas da Educação e do Feminino e escreve seu mais importante ensaio,
Elogio da Diferença (Brasiliense, 1991), que também foi publicado nos
Estados Unidos sob o título de In Praise of Dierence (Rutgers, 1998) e teve
uma reedição brasileira pela Editora Rocco em 2012. Além disso, produziu
crônicas e contos: A Dama e o Unicórnio (Rocco, 2000), Outono de Ouro e
Sangue (Rocco, 2002), A Natureza do Escorpião (Rocco, 2006) e Chão de
Terra (Rocco, 2010) (ABL, 2017h).
considerAções finAis
De todo o exposto, concluímos que o espaço literário feminino
foi uma longa e árdua conquista social desde o tempo em que mulheres
autoras eram reduzidas ao título de “Senhora Fulano de tal” (consideradas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
116 |
apenas por estarem casadas), ou tinham que usar nomes masculinos para
angariar mínimo respeito por suas obras, ou, ainda, não tinham suas obras
aceitas pelas editoras exatamente por serem mulheres. A conquista de um
espaço mais amplo a partir do século XX é um processo em andamento,
não terminou. Há ainda muitos obstáculos a superar e muito espaço a
conquistar. Em termos da presença feminina na Academia Brasileira de
Letras, “[...] é possível dizer que, se desde 1976, as mulheres não mais
se deparam com uma entidade cujos umbrais até então lhes estavam
completamente cerrados, agora, suas portas ao menos se encontram
entreabertas” (FANINI, 2010, p. 364), o que, historicamente, representa
um avanço, considerando-se que, durante os (quase) 80 anos iniciais de
sua existência, essa instituição não admitiu o ingresso de mulheres em seus
quadros. É preciso, pois, estado de alerta e constante mobilização contra
preconceitos de toda ordem, contra as gigantescas diferenças entre classes
sociais quanto às possibilidades de alimentação, moradia, saúde, educação
e acesso aos bens culturais e aos espaços sociais.
É preciso ainda que tenhamos um sistema de ensino ocial que
proporcione às escolas as condições necessárias e sucientes para realizar
um trabalho educativo eciente, que de fato promova o desenvolvimento
do educando, de modo que todos os sujeitos sociais, indiscriminadamente,
tenham acesso aos conteúdos da cultura e, no caso especíco do assunto
aqui tratado, que tenham acesso à produção literária brasileira e estrangeira,
capaz de inseri-los no universo daqueles que apreciam a boa leitura e que se
aventuram na arte da escrita.
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Sandra Mara Pereira dos Santos
introdução
Carrego no semblante o tempo inteiro
A face de uma mãe que cria o lho que é guerreiro
Que cresce enxergando que é difícil
Dando valor ao pão posto na mesa com serviço
Com muito sacrício, empreitando os conitos
Meu rap alimenta minha alma, eu acredito
Por isso, não desisto, no dia-a-dia insisto
Teimosa, relutante, olhar sereno, gosto disso
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
122 |
Sou Cris, sou mulher, vem ver qual é que é
[...]Com meu povo (pobre), com meu povo (preto)
O mundo é machista, revelo o valor da alma
É que te salva pela calma dos homens que estão na palma
Humanos que são bons, que na vala esconde a bala
As mães de Maio choram, no morro a fala cala
Digo: Machismo não, digo: Sim pra igualdade
1
Tendo em vista que o rap
2
é um gênero musical juvenil, cultural
e político, desenvolvido e praticado principalmente pelos (as) moradores
(as) das periferias brasileiras e, portanto, de classe baixa, se faz necessária
uma breve apresentação sobre sua formação. Os(as) praticantes do rap e
estudiosos (as) desse gênero musical (ANDRADE, 1996; GUASCO,
2001; VIANNA,1988), reconhecem que foi por volta de 1970 que jovens
caribenhos e afro-estadunidenses iniciaram nos Estados Unidos a formação
de um movimento cultural, que veio a ser denominado Hip-Hop (hip:
quadril; hop: quebrar). Esse movimento engloba basicamente três práticas
artísticas: a música (rap), a dança (break) e o grate (arte visual). Além
dessas três formas de arte, entre os(as) praticantes do Hip-Hop discute-se a
possibilidade de que o trabalho do(a) DJ
3
e o objetivo dos(as) hip-hoppers
4
em propagar conhecimentos aos(as) jovens principalmente da classe baixa
sejam, respectivamente, a quarta e a quinta prática artística e/ou política
desse movimento. Pelo fato do rap ser música, e tal formato o faz circular
de modo especíco entre a juventude das periferias do Brasil em relação as
demais artes que caracterizam o Hip-Hop, tratarei neste artigo apenas desta
modalidade musical.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ltxh-QJ3IB0 . Acesso 20 nov. 2019. A citação são dois
trechos da letra que faz parte da música intitulada “Guerreira” da rapper Cris SNJ. Uma mulher negra que é
uma das referências educacional não formal e artística do rap brasileiro. Nestes trechos destaquei em negrito
alguns termos que representam a perspectiva social de uma mãe de classe baixa e de uma mulher negra que
critica o machismo.
 Rap: iniciais de rhythm and poetry (ritmo e poesia).
DJ: iniciais de disck-jockey (discotecário). Este é o prossional que coloca e/ou “arranha” (samplea) os discos
nos sintetizadores (bateria eletrônica) e nas pick-ups para as pessoas cantarem e/ou dançar.
São os (as) participantes assíduos (as) do Hip-Hop e as pessoas que praticam uma ou mais arte desse
movimento cultural.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 123
Para diversos(as) sujeitos(as) do Hip-Hop e para pesquisadores(as)
os conhecimentos deste movimento cultural é uma forma de educação
transmitida pela oralidade, que tem sua matriz nas tradições orais africanas,
isso porque são saberes que participam da formação de valores, modos de
pensar e atuar de jovens nas periferias e demais espaços da sociedade. Uma
forma de educação que no título deste artigo denominei de “educação
informal”. Escolhi o termo “educação informal” pelo fato das ideias
educacionais do Hip-Hop não serem construídas exclusivamente e/ou
principalmente nas instituições educacionais como, por exemplo, escolas,
universidades, institutos e outras similares. A construção e valorização de
algumas ideias presentes nas letras dos raps, além de narrarem e expressar
enfrentamentos sociais da comunidade periférica, muitas vezes questionam
relações sociais que promovem a reprodução de uma sociedade desigual,
como por exemplo, o racismo, a divisão de classe social e mais recentemente
(porque era raro nos primeiros raps) o machismo, bem como as normas de
gênero oriundas de uma sociedade cisheteropatriarcal.
As ideias, valores, críticas e saberes produzidos que compõem um
rol educacional são denominados aqui de informais, mas em muitas falas
dos rappers e das rappers aparecem como “os saberes da rua ”. Os “saberes
informais ou da rua” são aqueles que frequentemente são construídos e
propagados a partir de vivencias e experiências que os(as) compositores(as)
dos raps tiveram em suas casas, ruas dos bairros e dos centros das cidades,
no ambiente do trabalho, que não raramente são trabalhos precarizados
e de menor valor social, nos espaços de lazer, nas casas das patroas (lugar
de trabalho de muitas mulheres negras), nos relacionamentos afetivos/
sexuais abusivos do cotidiano etc. A autora negra e estadunidense Patrícia
Hill Collins (2019) revela em seu livro, que as experiências do cotidiano
também devem participar na formação da teoria crítica e dos ativismos
das mulheres negras, e não exclusivamente as teorias construídas nas
academias. Tal conciliação entre mais de uma perspectiva de produção
de conhecimento tem para a autora, o potencial de revelar e fortalecer a
consciência e a prática política de grupos subalternos.
O tema central do presente artigo é fruto de uma trajetória que
tem um ponto importante a partir do mestrado, atravessa o doutorado em
ciências sociais (2011-2015) e permanece até a data presente. A discussão
desenvolvida neste texto também é baseada em pesquisa de campo, com
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
124 |
alguns dados, fontes, inquietações e perspectivas selecionadas entre o
período de 1999 a 2015. Essas pesquisas cientícas desde a graduação
compreenderam os seguintes métodos: análises das letras dos raps de
cantores e cantoras
5
de diversos locais do Brasil, observação participante
em shows e demais eventos de rap na cidade de Marília
6
, entrevistas
semiestruturadas com conversas informais desenvolvidas com cantores e
com o público desses artistas na cidade de Marília.
Diferentemente da graduação e do mestrado, onde a pesquisa foi
centrada na cidade de Marília, no doutorado, além de atuar em Marília,
entrevistei e dialoguei informalmente com cantores e cantoras de outras
cidades do Estado de São Paulo. Dessa forma, no doutorado desenvolvi
entrevista semiestruturada com diálogos informais com uma cantora de
São Carlos, uma de Santos e uma de São Paulo; e, ainda, com um cantor
de Piracicaba, um de São Paulo e sete de Marília. Também em Marília
desenvolvi conversas informais com 10 ouvintes desse gênero musical.
Porém, até meados de 2014 durante a pesquisa de campo nesse município
não soube da existência de nenhuma cantora de rap para o desenvolvimento
de um contato a m de solicitar sua contribuição para a pesquisa.
Já no ano de 2017 realizei observação participante em um evento
de rap na cidade de Marília e em um na cidade de São Paulo, os dois
eventos contaram com apresentações de cantoras desse gênero musical.
Além dessa observação feita em São Paulo, realizei conversa informal com
duas cantoras que se apresentaram nessa ocasião, o diálogo foi acerca da
atuação e do papel do gênero feminino nas produções e representações de
feminilidades presentes nas canções que elas elaboram para seus álbuns.
Ainda durante as observações participantes nos shows e demais
eventos
7
de rap, me chamou a atenção o fato de o número de moças ser menor
não apenas no quadro geral do rap (palco e plateia), mas principalmente
nos palcos, lugar central para comunicação de valores educacionais para
O mais comum no rap brasileiro é a pessoa que compõe uma canção ser a mesma que a canta. Intérpretes
existem no rap, mas são raríssimos. Por isso, neste texto o MC, rapper, cantor e compositor são termos usados
como sinônimos, bem como a MC, cantora e compositora.
Localizada na região centro-oeste do Estado de São Paulo e que, segundo o Instituto Brasileiro de Geograa e
Estatística possui 220 mil habitantes.
No cenário do rap os eventos dessa modalidade musical podem ter apenas o formato de um show e/ou
ser mesclado com o formato de saraus, de campeonatos de rimas, com o de bailes, entre outras formas de
apresentações de canções e de ideias.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 125
a juventude das periferias. Notei que em um grupo de rap que estava no
palco havia cinco jovens e apenas uma moça. Na época em que desenvolvi
essa pesquisa, questionei se essa diferença era somente quantitativa, mas,
após análises realizadas por mais de cinco anos, essa diferença revelou-se
também como uma expressão da discriminação, ora sutil e camuada e ora
explícita, do gênero feminino.
Desta forma, signicados atribuídos ao gênero feminino muitas
vezes são apropriados por alguns sujeitos para deslegitimar as rappers e
algumas das suas experiências, vivências, e perspectiva política na produção
de saberes periféricos. Essas são formas de violência e marginalização que
muitas cantoras problematizam, enfrentam e resistem, a exemplo das cantoras
Preta Rara
8
, Sara Donato
9
, das cantoras do grupo Odisseia das Flores
10
entre outras, com as quais tive a oportunidade de dialogar presencialmente,
virtualmente e ainda acompanhar nas redes sociais do Facebook e no Youtube
algumas das suas canções e publicações sobre tal temática.
AsPectos dA cenA do hiP-hoP e relAções de Gênero
Para uma reexão acerca de quais são os gêneros das pessoas que
possuem “voz” para educar informalmente e conscientizar a juventude da
classe baixa acerca de problemas sociais, é necessário lançar um olhar em
direção aos espaços onde cantores e cantoras alcançam esse público. Na
cena do rap, um desses espaços são os palcos presentes nos shows e eventos
nos quais esse gênero musical se faz presente.
Comecei a frequentar os bailes/shows
11
de Hip-Hop em meados
de 1999. Nesse período, devido à minha falta de conhecimento do cenário
desse movimento, quase sempre cava em um canto do espaço apenas
observando as manifestações artísticas desenvolvidas nesses bailes/shows,
 Disponível em: https://www.facebook.com/pretararaocial/. Acesso em: 16 ago. 2017.
9
Disponível em: https://www.facebook.com/sara.donato.92. Acesso em: 16 ago. 2017.
10
Disponível em: https://www.facebook.com/odisseiadasores.perl2. Acesso em: 16 ago. 2017.
11
O termo baile/show é para explicitar o fato de os jovens e as moças das periferias de Marília se reunirem
em diferentes tipos de espaços como, por exemplo, um salão, no Espaço Cultural Municipal, em um centro
comunitário, em um ginásio esportivo entre outros similares. Nesses espaços, os DJs frequentemente projetavam
músicas para esses jovens e moças só dançarem, e somente partir de aproximadamente umas duas horas,
iniciavam as apresentações dos raps, dessa maneira, esse evento passava a ser um momento para dançar, como
em bailes, mas também para discursar sobre temas sociais e cantar.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
126 |
visto que me sentia deslocada e uma estranha no local
12
. Como já mencionei,
o rap está mais presente nas periferias do que nos setores de classe média e/
ou alta e, por isso, deveria ser familiar para mim que, anal, sou moradora
de um bairro da periferia de Marília. Porém, destaco que os (as) moradores
das (as) periferias não constituem um grupo homogêneo, dessa forma,
nem todos (as) estão familiarizados com esse gênero musical. No entanto,
hoje compreendo que quando tive a oportunidade de conhecer o rap, as
narrativas deste gênero musical rapidamente foram entendidas por mim
como “verdades sociais da periferia”, e isso pelo fato da questão de raça e
de classe presentes nos raps estarem muito próximos do meu cotidiano.
Além dos motivos citados no parágrafo anterior, atualmente vejo
que, no início da minha trajetória como pesquisadora, o fato de eu car
em um canto durante os bailes/shows também era porque possuía uma
concepção na qual a pesquisadora deveria apenas observar, e não participar
dos eventos que pesquisava, uma visão que foi sendo desconstruída na
medida em que aprofundei ao longo dos anos minhas leituras e reexões
sobre o método de pesquisa de observação participante e da importância
do lugar social da pesquisadora nos trabalhos acadêmicos das mulheres
periféricas brasileiras.
No início das pesquisas de campo, cava parada em um canto do
espaço da festa, todavia, ao contrário de mim, a maioria dos (das) jovens
circulava por todos os espaços, principalmente antes de começar o baile/
show. Os rapazes e as moças conversavam uns com os outros, tiravam fotos,
bebiam, dançavam, namoravam e assim por diante. Os (as) frequentadores
(as) dos bailes/shows normalmente eram adolescentes e jovens na faixa
etária entre 15 e 20 anos. Notei que os (as) jovens eram na sua maioria da
cor-raça negra e moradores (as) das periferias de Marília. A maioria desses
(as) jovens chegavam no espaço dessas festas de ônibus ou a pé, o que nos
informa o poder aquisitivo deste grupo.
Após estabelecer contato com alguns dos rapazes e algumas das
moças por meio de conversas informais antes do momento de apogeu
desses bailes, e ir às suas casas para as entrevistas e continuação das
conversas iniciadas no evento, notei que além da casa do (da) jovem que
me recebia para essa interlocução, as demais residências tinham em média
12
Aos poucos esta minha postura foi mudando e atualmente me sinto mais à vontade e, por isso, eu interajo
mais com as pessoas nos eventos de rap, e às vezes quando não atrapalha minha pesquisa de campo, eu canto
junto com a plateia e as cantoras de rap.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 127
cinco cômodos e raramente estavam com a estrutura material concluída,
e em algumas faltavam muro, reboque e pintura. As famílias desses (as)
jovens eram compostas por aproximadamente cinco pessoas e suas rendas
familiares variavam de zero a três salários mínimos. Diante desse cenário
de infraestrutura urbana, o processo analítico de estranhamento para o
caminho da desnaturalização das relações sociais tornou-se, mesmo durante
o doutorado, distante e árduo, anal, suas categorias como classe social,
cor-raça, entre outras, eram e ainda me são familiares.
Ao observar as moças que estavam presentes nesses eventos se
sobressai o fato de elas arrumarem o cabelo com tranças e os modelarem
em cachos para ressaltar o visual de orgulho “black. Uma certa quantidade
dessas jovens vestia calças largas como os rapazes, mas muitas usavam
uma blusinha consideravelmente justa e curta, uma peça de roupa eleita
socialmente mais como um dos símbolos de feminilidade do que as blusas
largas. Elas completavam o visual com tênis, às vezes com botas e sandálias.
As moças ainda colocavam toucas, bonés e correntes grossas no pescoço
como os rapazes.
Nessas festas/bailes de rap, os moços basicamente usavam calças,
jaquetas e blusas bem largas. Eles completavam seu visual com bonés e lenços
na cabeça. E não apenas cores neutras eram utilizadas, mas quase todos
esses rapazes propositadamente exageravam nas tonalidades coloridas. O
uso de roupas coloridas, esportivas e juvenis revela não apenas a faixa etária
desses sujeitos, mas também que as artes do Hip-Hop signicam canais
populares e democráticos de informação, crítica social e atuação política,
e ainda diversão e festividade em um único espaço e temporalidade.
Raramente ocorrem nesses momentos dos bailes/shows uma concepção
e uma prática de lazer e de festa que sejam inconciliáveis com reexões
socioeconômicas e antirracistas. Além disso, a junção de lazer e debates
sociais em um único momento e lugar revela o potencial epistemológico de
recriação e reinvenção da tradição da música negra na diáspora africana da
qual o Hip-Hop é lho, aspecto este mencionado por Paul Giroly (2001)
em seu livro “Atlântico Negro”.
Certa vez em um baile/show de rap, uma pessoa que estava fazendo
uma visita nesse evento comentou comigo, com certo espanto e decepção,
que os (as) jovens se produziam demais para uma festa de rap. A surpresa
dessa pessoa ocorreu por ela estar habituada a frequentar um espaço onde
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
128 |
é comum a ideia de que para questionar os padrões da sociedade não se
deve ter preocupação com a estética. Além disto, para essa pessoa as moças
e os rapazes são de baixa renda e, por isso, deveriam usar roupas ainda mais
simples para assumir sua real situação econômica. E essa seria a única forma
de eles utilizarem a estética das roupas para contestar e criticar a desigualdade
social para os seus “iguais” e para “os de fora” das periferias.
A visão desse sujeito que defendia uma estética e um vestuário
ainda mais simples por parte dos (das) jovens, não leva em consideração
que estas moças e rapazes utilizam um visual baseado no padrão do
Hip-Hop norte-americano, ou seja, com diversos acessórios e roupas
coloridas, para questionar o “modelo formal” da elite nacional. Soma a
isso o fato de que tais moças e rapazes possuem poucos espaços de lazer
e de sociabilidade. Assim, uma festa de rap é uma oportunidade para
os “manos” e “minas
13
renovarem sua produção estética juvenil negra,
iniciarem relações afetivas/amorosas, demonstrarem por meio do canto, da
sonoridade e da performance, o que muitos desses(as) jovens chamam de
talento que vem das ruas e das quebradas, e ainda articularem suas visões
de mundo, conquistarem uma atividade prossional e também fortalecer
seus elementos identitários, que são constantemente fragmentados pela
sociedade de classe, racista e machista. Nesse sentido, ao focar na questão
entre estética e raça negra no Hip-Hop, Silva (1998) esclarece que:
A identidade se processa de forma diferente do discurso político
engajado porque se inscreve no plano da estética em que um
conjunto de elementos aparentemente desconexos passam a
signicar uma nova forma de existir. Em meio ao lazer, à festa,
à rede de amizades típicas da juventude, observa-se no plano do
sensível, práticas relativas à reconstrução da negritude. (SILVA,
1998, p. 127).
A autora negra brasileira Lélia Gongales (1982, p.23-34), também
aponta a importância das artes negras na luta contra o racismo no Brasil,
ao dizer que as manifestações e agrupamentos culturais da população negra
brasileira atuaram na organização política do movimento negro.
13
Os termos “manos” (irmão) e “minas” (irmã) são frequentemente utilizados no cenário do Hip-Hop. Ambos
possuem um sentido de irmandade entre os (as) jovens da mesma classe social, da cor-raça negra e que
compartilham valores e gostos culturais similares.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 129
Nos bailes/shows, quando os cantores entram no palco o espaço
físico da festa já está quase cheio. Neste momento, a maioria do público
começa a se concentrar em frente ao palco. Em quase todas as festas que
presenciei, os cantores elaboravam um pequeno discurso para o público.
Os MCs falavam, entre outras coisas, contra a violência urbana, contra o
racismo, como votar nas eleições, e mais recentemente (a partir de 2017)
quando eram as cantoras as protagonistas no palco, elas falavam contra as
faces do machismo dentro e fora das periferias, entre outros temas. Na foto
abaixo, os rappers já aparecem cantando logo após terem realizado seus
discursos para a conscientização de seus pares da periferia:
Imagem 1 – Pensando relações de gênero no rap
Fonte: Acervo pessoal. Foto elaborada no ano 2000, na escola Estadual Amélia Lopes, localizada na periferia
da zona norte de Marília.
Além de ser uma representação de uma atividade de rap, selecionei
explicitar essa imagem pelo fato de ela contribuir para a reexão acerca
da questão de gênero no rap, visto que a imagem revela quase nenhuma
presença de pessoas do gênero feminino. Esta atividade cultural do rap foi
realizada em uma escola, espaço onde há a presença de alunas em todas as
salas de aula, mas como podemos ver na imagem, não há nenhuma aluna
próxima do microfone, da mesa escolar disponibilizada para o DJ realizar
a discotecagem, e de todo esse lugar central onde a educação informal
era propagada, ou seja, nessa atividade pessoas do gênero feminino não
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
130 |
eram as coadjuvantes (como normalmente acontecia nas atividades de rap
e nos bailes/show) e nem as protagonistas, elas simplesmente não estavam
presentes e ninguém se pronunciou sobre essa ausência. Voltarei a esse
assunto nas próximas páginas com a exposição de uma outra imagem,
realizada quinze anos após esta imagem 1.
Seja no início ou no meio do baile/show e das demais atividades
de rap, quase todas as pessoas presentes param para prestar atenção naquilo
que é falado no palco. E assim que a música recomeça, o público volta a
acompanhar os raps cantando e/ou dançando. Os bailes/shows costumavam
durar por volta de três a quatro horas, as atividades mais simples,
duravam menos horas. Mas, mesmo quando acabavam, algumas vezes,
os organizadores deixavam alguma música tocando e poucos (as) jovens
ainda continuavam dançando, mas, paulatinamente, a maioria desses (as)
adolescentes se retirava do local, a m de voltar para suas residências.
Eu sempre achava a hora de regressar para casa a mais cansativa,
um fardo que hoje entendo como mais do âmbito social do que do físico.
Assim como eu, os rapazes e as moças tinham que esperar cerca de duas
horas pelos ônibus para regressarem aos seus lares e, no período de inverno,
o frio tornava essa espera ainda mais difícil. Outros (as) participantes
voltavam caminhando, e quando mencionei tais formas de retorno para um
dos jovens, ele mesmo me disse que tinham tão poucas oportunidades de
lazer como aquela que as diculdades para voltar não os impediria de ir aos
bailes/shows. Pensando nos perigos que poderia enfrentar como mulher ao
andar sozinha pelas ruas durante a madrugada, uma estratégia que adotei
foi solicitar a um casal de namorados ou grupo de amigos(as) para que me
deixasse retornar com eles: nunca tive uma resposta negativa, e uma vez até
me deixaram pousar na casa de uma das moças que já conhecia muito bem,
e que morava próximo de onde tinha ocorrido a festa.
Porém, não é para expressar heroísmo individual diante de tantas
adversidades que revelo neste texto a quantidade de horas e as condições
climáticas desagradáveis que esses sujeitos enfrentavam para retornar aos
seus lares, mas sim para problematizar desigualdades sociais ocultas. Em
outras palavras, essa revelação mostra que vivemos em uma sociedade com
grupos hegemônicos, que coloca em prática a lógica de que a juventude
periférica não possui o direito a lazer. A falta de transporte coletivo para os
deslocamentos desses (as) jovens explicita o modo como os representantes
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 131
do poder concebem seu acesso ao espaço público: eles podem sim se deslocar
pela cidade, mas apenas para se prepararem para o mundo do trabalho, e
não para viverem outras formas de experiências humanas. Um setor com
poder político e econômico que situa os lhos dos (as) trabalhadores (as)
da classe baixa como não dignos de terem oportunidades para usufruir das
festividades da mesma forma que os (as) lhos (as) da elite brasileira.
No show do grupo “Odisseia das Flores” que presenciei no ano de
2017 no parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo, foram as cantoras
(duas mulheres negras e uma branca) que solicitaram para as pessoas que
transitavam pelo local para se aproximar do palco, um pedido que foi aos
poucos atendido. Além desse aspecto novo em relação aos que presenciei
nos bailes/shows em Marília, as cantoras não manifestaram discurso
apenas falado e sem musicalidade, as críticas sociais apareceram também
no formato de “palavras de ordem”. Tais aspectos observados nos bailes/
shows revelam que os eventos de rap possuem variações e diferenciações
nas apresentações artísticas dos grupos, dos cantores e das cantoras, mas
a crítica social direcionada para o aprendizado da juventude periférica é o
elemento em comum em todos os formatos de apresentações artísticas, o
objetivo para com a educação informal da juventude negra periférica, não
pode ser negligenciada no rap brasileiro.
Durante minha pesquisa de campo realizada no mestrado,
desenvolveu-se uma inquietação analítica, que ao lado dos temas sobre
periferias, relações étnico-raciais e desigualdade social, recebeu minha
atenção. Esse incômodo foi a respeito das diferenças e desigualdades entre
mulheres e homens no rap. Lembro-me que quando assistia aos bailes/
shows e eventos de rap comecei a perceber que as pessoas que estavam
nos palcos como protagonistas eram as do gênero masculino, e dessa
constatação elaborei a seguinte questão: por que no rap brasileiro são os
homens que ocupam o papel de cantores principais e as mulheres possuem
o papel de coadjuvantes ou como destaquei na imagem 1, algumas vezes
nem estão presentes? Atualmente aprendi com o movimento LGBTQI+
a questionar também acerca da ausência ou de uma presença depreciativa
das pessoas com orientações sexuais não heterossexual e identidades de
gênero não cisgênero.
A partir do nal do mestrado, comecei a ler sobre relações de
gênero, feminismos e a condição das mulheres no Brasil e no mundo. E
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
132 |
muito devido a essas leituras uma das frases que me chamou atenção e foi
dita por um dos meus interlocutores em Marília, quando lhe perguntei a
respeito da menor presença das mulheres, a frase foi a seguinte: “A mulher
que faz rap orido não consegue público neste estilo musical”.
Esclareço que “rap orido” não é uma vertente ou linhagem
do rap brasileiro, pois só ouvi tal termo deste interlocutor, “rap orido
seria no contexto da fala dele as canções que narram qualquer forma de
relacionamento afetivo/sexual e/ou acontecimentos que muitas pessoas
consideram como “triviais” ocorridos em festa e demais espaços, um sentido
que já foi discutido de modo mais aprofundado em textos anteriores. Ao
analisar essa frase no contexto do diálogo com o interlocutor, trago que a
razão das mulheres não terem legitimidade no rap nacional seria pelo fato
de elas cantarem o que os homens não querem ouvir no rap. E os temas
considerados “triviais” nas letras das mulheres seriam aqueles construídos
a partir da perspectiva do cotidiano delas, que sempre é atravessado por
questões de gênero.
Essa frase oculta também uma justicativa para situar as pessoas
do gênero feminino do rap em segundo plano, visto que tal frase deixa
transparecer que as mulheres são as responsáveis pela menor presença e
legitimidade delas no rap. Ainda, notei nesse discurso uma recorrente
associação entre o feminino e “formas especícas” de expressar emoção.
E, por isso, também iniciei leituras sobre concepções de emoções e as
maneiras pelas quais estão ligadas às representações de feminilidades
e masculinidades. Enfatizei a expressão “formas especícas” pelo fato
de nesse período ter analisado que a expressão das emoções no rap
não é proibida, porém, as que recebem reconhecimento como aquelas
necessárias para a elaboração de críticas que propiciam a emancipação da
consciência dos (as) jovens são as que envolvem raiva, revolta etc. e não as
diversas formas de afetividades do gênero feminino e masculino. Sendo as
primeiras formas de emoção atreladas aos signicados de masculinidade,
e a segunda, de feminilidade.
A menor presença de moças na posição de cantoras congura
um modo camuado de marginalização do gênero feminino, pelo fato de
que, se por um lado não há referência explícita à proibição da participação
feminina no rap, por outro lado cantoras relatam em algumas de suas
músicas e entrevistas concedidas para veículos de comunicação, que ouvem
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 133
pessoas do gênero masculino menosprezando suas canções e apresentações.
Um exemplo deste menosprezo machista desses sujeitos me foi apresentado
por uma das cantoras com as quais conversei no ano de 2015 na cidade de
São Paulo, ela me disse que após descer do palco durante uma atividade de
rap um rapaz lhe falou o seguinte: “lugar de mulher é na cozinha”.
A imagem 1, apresentada anteriormente, auxilia na compreensão
dessas relações de gênero no rap brasileiro. Como mencionado, a escassez
de moças em relação à quantidade de rapazes no evento que aparece nessa
imagem é gritante. O que mudou desta época para os eventos que fui
frequentando ao longo desses anos foi o aumento de moças se apresentando
como cantoras, porém, atualmente quando comparado com o número de
rapazes esse número ainda é signicativamente menor. E além da questão
numérica, as jovens que estão atuando como cantoras revelam conitos
e discriminações sobre elas, por serem do gênero feminino e estarem
ocupando tal espaço. Diversos sujeitos formados e educados em uma
sociedade patriarcal entendem que o protagonismo do microfone não é
um lugar para as cantoras, bem como a atuação delas na construção de um
conhecimento não formal, que para os (as) participantes do rap são saberes
válidos e imprescindíveis na educação dos (as) jovens das periferias.
Pelo fato de na foto anterior os protagonistas serem todos do
gênero masculino, apresento que os sujeitos que possuem “voz” para
descrever, representar e problematizar aspectos das desigualdades e demais
opressões sociais são os que deixam transparecer e podem revelar suas
masculinidades. Uma atuação de gênero gritantemente naturalizada no
rap, principalmente nessa época na qual a imagem foi produzida, e que
devido às lutas das mulheres em diversos espaços sociais e os feminismos,
paulatinamente, passou a ser tensionada principalmente pelas mulheres
brancas, negras e as demais que são racializadas no Brasil e no mundo.
A questão de representações femininas no rap passou a ser
investigada durante o doutorado e continuou após o término desse período
de minha formação. Aproximadamente dezesseis anos após a primeira foto,
continuei a frequentar os espaços do rap, o que propiciou a possibilidade
de encontrar um evento de rap que suponho não ter existido no rap no ano
2000, a seguir há uma imagem de um momento do evento:
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
134 |
Imagem 2 - Rap feminino
Fonte: https://www.facebook.com/FrenteNacionalMulheresNoHipHop/photos/. Acesso em: 2016. Antes de
disponibilizar a imagem nesse endereço, sua autoria (Fridas Fhotos e Vídeos) foi adicionada pela fotógrafa no
canto inferior esquerdo da foto.
O evento que a imagem 2 retrata foi organizado pelas artistas
e voltado, principalmente, para demais pessoas do gênero feminino. Isso
passou a acontecer após as cantoras perceberem a necessidade e importância
política de espaços diferenciados dos que já existiam e organizados pelas
próprias mulheres, com a nalidade de terem suas especicidades de gênero
expressas, contempladas e repensadas nesse cenário artístico. Diferentemente
da imagem 1, a imagem 2 traz as jovens como protagonistas, percebam que
quem está com o microfone é uma moça da periferia e negra.
A imagem 2 é representativa de aspectos de mudanças nas
relações de gênero no rap e na sociedade, um desses pontos é aquele que
se refere à presença de moças que conquistaram o direito de cantar letras
com representações das experiências do gênero feminino das classes mais
baixas e não apenas do gênero masculino. Porém, práticas e concepções das
relações patriarcais ainda permanecem atuantes no rap, o que conduz e/ou
orienta as cantoras a criarem espaços para expressar sua arte com enfoque
nas vivências e enfrentamentos sociais das jovens negras e brancas.
Dessa maneira, se o rap é para educar os (as) jovens das periferias
do Brasil, as cantoras e alguns cantores estão conscientemente seguindo
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 135
essa premissa que está desde o início da formação do rap no Brasil, para
denunciar as discriminações e, simultaneamente, educar os (as) jovens no
âmbito das relações de gênero, visando, assim, contribuir para a criação
de práticas de respeitabilidade para com as diversas formas das pessoas
viverem as identidades de gênero.
feMinilidAdes e Poder educAtiVo
Frequentemente temos no rap uma alusão ao tradicional discurso
popularizado e binário, no qual as mulheres estariam naturalmente
inclinadas à emoção, enquanto os homens ao sexo e à razão. Esta concepção
gera estranhamento social quando as mulheres demonstram interesse,
por exemplo, só pelo erótico, e pelo desejo sexual eventual ou fora de
relacionamentos que se pretendem duradouros, e os homens interesse
apenas pelo âmbito emocional/afetivo, e isso ocorre pelo fato de estarem
desaando a considerada ordem natural dos gêneros e das emoções.
Desta forma, as cantoras que ousam dissertar acerca de
sentimentos afetivos/sexuais podem ser mais facilmente deslegitimadas
intelectualmente (normalmente no início de suas carreiras), principalmente
no aspecto eleito neste meio artístico como sendo o principal objetivo do
rap: educar e instruir os jovens. Neste meio musical, quando as cantoras
expressam determinadas emoções como lágrimas, afeto/ sexual e outras
similares, elas podem ser confrontadas por uma ideia de inferiorização
feminina, que deslegitima as ações intelectuais de cantoras. Visto que
tais expressões emocionais de seu cotidiano no rap com experiências
atravessadas por gênero, podem ser vistas por alguns sujeitos como pessoas
sem racionalidade e sem experiências políticas para educar os (as) jovens
das periferias do Brasil.
A resposta de algumas cantoras aos seus opressores problematiza o
discurso biologizante implícito na fala de diversos sujeitos acerca da ligação
determinista e unilateral entre relações amorosas/afetivas e feminilidades.
Enquanto que, segundo Moutinho (2004), em boa parte da literatura
brasileira do nal do século XIX e início do XX, as personagens que
demonstram desejos afetivos/sexuais são representadas como dominadas
pela histeria e demais manifestações corporais que controlam seus corpos
e raciocínios. Analiso que na leitura machista do patriarcado é socialmente
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
136 |
aceitável o homem heterossexual viver o desejo sexual, um dos motivos de
tal liberdade é o fato dessas pessoas do gênero masculino serem entendidas
como as únicas que conseguem dar provas sociais de seu controle racional
em demais instâncias da vida, o que a mulher não conseguira fazer sem a
tutela de uma pessoa do gênero masculino.
Desperta a atenção uma prática descrita por uma das
contribuidoras desta pesquisa, a cantora Preta Rara. Durante uma de
nossas conversas informais na casa dela na cidade de Santos, ela relatou um
costume recorrente no rap, em que alguns cantores objetivam atrair pessoas
do gênero feminino para aumentar sua plateia durante suas apresentações
artísticas, e para tal nalidade passam a produzir e cantar letras sobre
afetividade/sexual ou como é mais conhecido no senso comum “letras que
expressam e narram amor” e não somente de protesto político, ou seja, de
críticas às relações do sistema capitalista que ocorrem no espaço público e
do trabalho.
Esse depoimento da Preta Rara e a ligação entre o gênero feminino
e amor no rap vão ao encontro de um episódio que presenciei durante a
apresentação de um MC no teatro municipal de Marília, quando, após
seu relato acerca do sistema carcerário brasileiro e dos problemas sociais
existentes nas periferias, já no nal da sua apresentação armou o seguinte:
agora vamos falar de mulher”, declamando em seguida uma poesia de
amor (afetividade/sexual). Notei que a plateia era formada por muitas
pessoas do gênero feminino e entre elas professoras do ensino médio das
escolas públicas e estudantes universitárias, mas ninguém se manifestou
acerca desta conexão direta e unilateral entre amor/sexual e feminilidade,
nem mesmo eu, visto que não é uma tarefa fácil problematizar esse tema
em certos espaços e dinâmicas sociais.
A relação entre essa forma de emoção e feminilidade está
em evidência, todavia, os motivos desta conexão determinista entre
feminilidades e essa forma de afetividade/sexual são cercados de silêncio.
Mas nas teorias críticas dos feminismos aprendemos que as pessoas do
gênero feminino expressam com maior frequência as emoções entendidas
como do âmbito afetivo/sexual, pelo fato de estarem socialmente
autorizadas para manifestarem esse tipo de emoção em espaços coletivos,
como observou Alison Jaggar (1997):
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 137
Embora a emocionalidade das mulheres seja um estereótipo cultural
familiar, seu fundamento é bastante frágil. As mulheres parecem
mais emotivas do que os homens porque, juntamente com alguns
grupos de pessoas de cor, lhes é permitido e até exigido expressar
emoção mais abertamente. Na cultura ocidental contemporânea
as mulheres emocionalmente inexpressivas são suspeitas de não
serem mulheres de verdade, enquanto os homens que expressam
livremente suas emoções são suspeitos de serem homossexuais,
ou, de alguma outra forma, desviantes do ideal masculino. Os
homens ocidentais modernos, em contraste com os heróis de
Shakespeare, por exemplo, devem mostrar uma fachada de calma,
falta de excitação, até de tédio, expressar emoção só raramente e
assim mesmo por acontecimentos relativos triviais, como eventos
esportivos, onde as emoções expressas são reconhecidas e podem
ser dramatizadas e, dessa forma, não são levadas inteiramente a
sério. Assim, as mulheres formam, em nossa sociedade, o principal
grupo ao qual é permitido ou mesmo solicitado sentir emoção [...].
(JAGGAR, 1997, p. 171).
A partir de estudos das letras de rap, compreendo que neste
estilo brasileiro existem discursos de artistas que transmitem a noção de
uma desvalorização do poder pedagógico de certas formas de afetividade.
E como, para os produtores e compositoras, a afetividade é um dos
signicados de um gênero com atributos femininos, estas pessoas também
são orientadas, ora de modo explícito, ora implícito, a permanecerem em
segundo plano como criadoras de valores éticos para as moças e rapazes das
periferias. O aspecto da inferiorização da produção dos conhecimentos do
gênero feminino tem sido percebido por cantoras, como podemos perceber
a seguir no depoimento da MC Issa em seu Facebook:
[...] E é importante! É indispensável a presença feminina dentro do
RAP! Pois como um movimento que tem atrelado à sua essência
a luta por justiça, igualdade e liberdade, é essencial que essa luta
reita nos próprios espaços aonde o movimento habita![...].
14
14
Disponível em: http://issa.blogspot.com.br/2014/12/por-que-precisamos-de-mais-mulheres-no.html. Acesso
em: 17 ago. 2017.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
138 |
Issa nos permite indicar uma ambiguidade no rap, que engloba
o fato de que neste gênero musical, frequentemente um(a) artista arma
se apresentar para seu público com um rol de visões críticas, no entanto,
Issa enxerga que esta reivindicação, operacionalizada no âmbito das
discriminações sociais, pouca vezes envolve as relações de gênero e as
vozes” das artistas.
Quando Issa percebe as desigualdades nas relações de gênero,
coloca na pauta do rap não apenas um olhar questionador para o exterior do
movimento Hip-Hop, mas também para o seu interior. Ela solicita, então,
que mudanças ocorram nas concepções de feminilidades e masculinidades
de cantores e cantoras. Neste sentido, essa cantora, entre outras, traz para
o rap brasileiro um aspecto inovador, objetivando uma discussão coletiva
das tensões em torno da questão de gênero, que até aproximadamente duas
décadas atrás era quase inexistente neste meio musical.
A assertiva anterior da cantora Issa ainda contribui para a reexão
no âmbito da presença secundária no rap sobre como se dão as dinâmicas
de gênero na sociedade, nesse caminho certos cantores perdem uma
oportunidade de questionar o modelo hegemônico de masculinidade que
com suas performances e normas que também sustentam a desigualdade
social e as relações de poder. Dessa forma, voltar-se para as relações de
gênero, ao lado de classe e raça, pode ser uma forma de construir um
discurso contra hegemônico com os próprios signicados de feminilidades
desvalorizados por esses sujeitos.
A discussão acerca das relações de gênero onde há associações de
feminilidades e masculinidades com modos hierarquizados de produção,
construção, representação e transformação das realidades é realizada por
Jane Flax (1991). Além desta questão a autora trata dos binarismos em
torno das noções de razão e emoção, objetividade e subjetividade, gênero
masculino e feminino e o modo como estão ligados às representações e
conhecimentos da realidade em uma visão de mundo baseada nesses
princípios da sociedade moderna.
Segundo Jane Flax (1991, p. 225), as feminilidades têm poder
de formação dos sujeitos para uma transformação social, uma vez que
alguns de seus signicados contribuem para as incertezas de fundamentos,
métodos, representações e interpretações das experiências humanas, que
ainda estão predominantemente nas mãos das pessoas do gênero masculino
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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e heterossexuais. Para ela, a teoria feminista pós-moderna questiona as
crenças construídas no iluminismo, tais como: um “eu” estável e coerente,
a razão (transcendental e atemporal), a ciência e a razão como o único
paradigma para todo o conhecimento da realidade social. Ela acrescenta
que existem problemáticas de gênero por trás da racionalidade, que está,
por sua vez, ligada às relações sociais e, por isso, não é neutra e imparcial.
Assim, algumas feministas começaram a suspeitar que as armações
iluministas e transcendentais contemplam somente a experiência de homens
brancos ocidentais e não oferecem uma possibilidade de emancipação e de
representação para o gênero feminino.
Jane Flax (1991, p. 228) narra mais de uma vertente feminista.
Essas linhas de pensamento apresentariam conitos nos contextos e nas
práticas sociais, e não verdades universais, a-históricas, e com caminhos
denidos para o conhecimento e modos de vida; é nesse sentido que se deve
pensar em gênero, arma a autora. Ainda, segundo ela, a ideia de razão do
iluminismo pretende representar o verdadeiro, o neutro e a linguagem por
meio da qual o real é manifestado pela concepção da pura racionalidade.
Esta discussão do modo de produzir conhecimento nas sociedades
modernas e presente entre diversas feministas nos auxilia na compreensão
de alguns dos motivos pelos quais existe, no rap, o discurso de que é
principalmente por meio da racionalização das ideias e sentimentos que as
músicas devem ser cantadas, a m de representar a realidade das periferias
e educar os (as) jovens que residem nesses espaços.
Sendo assim, se nas referências de “civilização” provenientes
do iluminismo as mulheres são desprovidas de poder de ação válida nas
arenas de disputas políticas, simplesmente pelo fato de serem vistas como
portadoras de determinadas emoções, as mesmas são pensadas como
pessoas naturalmente emocionais e amorosas no rap; pois certos discursos
deste estilo musical estão em consonâncias com os demais e algumas de suas
ideias não estão desligadas das outras representações do mundo. Assim,
acerca destas visões em nossa sociedade Jane Flax (1991) arma que:
Eu acredito, pelo contrário, que não há força ou realidade ‘fora’ de
nossas relações sociais e atividades (por exemplo, história, razão,
progresso, ciência, alguma essência transcendental) que nos livrará
de parcialidade e diferenças. Nossas vidas e alianças dizem respeito
àquelas que buscam mais profundamente descentralizar o mundo
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
140 |
– embora devamos nos reservar o direito de suspeitar igualmente
de seus motivos e visões. As teorias feministas, como outras formas
de pós-modernismo, devia nos estimular a tolerar e interpretar a
ambivalência, a ambiguidade e a multiplicidade, bem como a expor
as origens de nossas necessidades de impor ordem e estrutura, não
importa quão arbitrárias e opressivas essas necessidades possam ser
(FLAX, 1991, p. 249-250).
A autora ainda arma que a instabilidade projetada pelo feminino
na realidade, ou seja, no cenário social, manifesta-se no “perigo” para o
contexto sociohistórico ocidental, caracterizado pela perspectiva da razão
iluminista “objetiva” e eurocêntrica para quem o mundo é formado pela
xidez e não pela uidez. Essa forma de perspectiva de mundo entre razão
e emoção também é destacada por Alison Jaggar (1997):
Embora a tendência da epistemologia ocidental tenha sido a de
privilegiar a razão ao invés da emoção, ela nem sempre excluiu
completamente esta última da esfera da razão. Em Fedro, Platão
retratou emoções como raiva ou a curiosidade, como ímpetos
irracionais (cavalos) que precisam sempre ser controlados pela
razão (o cocheiro). Nesse modelo, as emoções não eram vistas
como necessitando ser totalmente reprimidas, mas como algo que
precisava ser dirigido pela razão [...]. (JAGGAR, 1997, p. 157).
No rap, a ideia de uma forma de racionalidade se torna um
discurso de resistência quando esta noção é acionada pelos (as) artistas para
questionarem a maneira como os representantes do poder inferiorizam
pessoas carentes materialmente. Os rappers e as cantoras manifestam um
discurso questionador que confronta o status quo. Eles falam de um lugar
social, e este espaço é o do subalterno. O discurso crítico deste sujeito é
aquele de luta e resistência, assim, ele é distinto do poder hegemônico
em muitos sentidos, ainda que possa se aproximar desse em outros, como
vimos no aspecto do amor, emoção e feminilidades.
A tensão na visão que permeia a questão da racionalidade e
emoção está no fato de se conceber a existência de poder de mudança
social mais ao rap de protesto do que aos raps que tratam de afetividade/
sexual. Um modo de conceber e atuar na realidade presente nas relações da
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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nossa sociedade moderna. Sendo assim, muitas referências de amor estão
atreladas à concepção moderna de individualismo ou de escolhas amorosas
totalmente livres das relações sociais, que uma sociedade burguesa propagou
nas dinâmicas sociais (VIVEIROS DE CASTRO; BENZAQUEM DE
ARAUJO, 1977). Contudo, essas noções de emoção (acompanhas de
uma crítica à concepção burguesa do amor) podem ser um modelo para o
questionamento de certos fundamentos atuais como, por exemplo, a pura
racionalização e a especialização do conhecimento. É neste sentido que o
âmbito da feminilidade ganha poder e deixa de ser subjugado e desprovido
de potencialidades para ações sociais transformadoras.
Para Catherine Lutz (1990), entender os discursos sociais é
compreender como a categoria emoção está organizada, e como ela se
associa à mulher, o que conduz a discussão para o campo do gênero.
A emoção tornaria a mulher livre da pura racionalidade e, por isso,
um “perigo social”. Tal risco reside no fato de ela representar o poder
de desestabilização da crença nas relações baseadas na onipresença do
controle racional.
Ao reetir em torno das análises da antropóloga estadunidense
Catherine Lutz a autora brasileira Maria Claudia Coelho (2006) declara
que na tradição cultural euro-americana a emoção foi criada como uma
expressão espontânea, natural e irracional, e associada às características do
que compõem as referências de feminilidade. Assim, a partir dessa tradição
a emoção enquanto atributo do feminino é concebida como uma fraqueza
negativa em um contexto no qual é comparada com o controle racional,
mas, em outras situações, exatamente por ser concebida como espontânea
e incontrolável, a emoção pode ser uma força poderosa, na medida em que
essa irracionalidade ameaça o poder racional e masculino que a subjuga.
É importante esclarecer que o poder patriarcal só vê com bons
olhos essa irracionalidade e emotividade das mulheres, se tais características
estiverem sob o domínio dos homens, separadas da racionalidade e
connadas em guetos sociais, como por exemplo, nos hospitais psiquiátricos
e no ambiente doméstico. No mundo dos negócios, da política, da ciência
e outros espaços entendidos como lugar onde a vida pública acontece, as
pessoas do gênero feminino não devem estar presentes e se tais sujeitas
atuarem nesses lugares não devem expressar suas emotividades.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
142 |
Desta maneira, considero que, diferentemente do discurso que
prevalece no rap, a afetividade/sexual e demais signicados de feminilidades
possuem poder de mudanças sociais e políticas, embora raramente recebam
esse reconhecimento e sejam utilizadas para essa nalidade. Tal fato conduz
especialmente as cantoras a frequentemente exigirem dentro do cenário do
rap que suas produções de saberes e experiências de vida participem do
projeto educativo não formal das pessoas das periferias brasileiras.
considerAções finAis
Na contemporaneidade houve um aumento no número de
cantoras no gênero artístico do rap e passou a existir uma maior variação
na temática das letras, o que conseguimos visualizar nos trechos da rapper
Cris SNJ, que foi apresentado na Introdução deste texto. Trechos que nos
traz a questão da maternidade na periferia, da identidade racial de uma
mulher negra, e do machismo. Essas problemáticas raramente estavam
presentes nas canções dos homens na década de 1980, e tendo em vista que
no rap as letras são construídas a partir do cotidiano dos(as) próprios(as)
compositores(as), tais problemáticas também raramente estão atuantes nas
letras dos cantores a partir do ano 2000.
Os conteúdos de algumas canções já problematizam as diferenças
e as relações de poder entre os gêneros. Por essa razão, já é possível encontrar
letras que abordem problemas cotidianos enfrentados pelas cantoras na
esfera pública ou fora do lar e também no espaço doméstico. Apesar dessa
conquista do gênero feminino as concepções sexistas que violentam esse
gênero e demais pessoas que expressam signicados de feminilidades,
ainda se encontram presentes no cotidiano das cantoras, pressionando-as
ou conduzindo-as a utilizarem sua arte a m de não permitir que os abusos
sobre pessoas do gênero feminino se reproduzam de modo natural.
Os trabalhos artísticos de muitas cantoras de rap e de cantores
exigem implicitamente reconhecimento por parte de seu público de um
poder educativo e informativo. As cantoras direcionam uma crítica para
o determinismo biológico presente em discursos e práticas no que diz
respeito a relação entre gênero feminino e formas de emoções, visto que,
na discussão presente neste artigo, esse determinismo encobriria o poder
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 143
educacional e o potencial transformador dos signicados e perspectivas
políticas do feminino.
A m de reivindicarem legitimidade para essa forma de poder
educacional, é possível encontrar cantoras que se autodeclaram feministas.
Isso ocorre porque o objetivo da proposta de muitas feministas é conhecer e
representar as realidades sociais a m de questionar os atuais e construir novos
caminhos epistemológicos. Pessoas do gênero feminino no rap almejam
usufruir do direito à participação na “provocação”, questionamentos e/ou
construções de valores e visão de mundo para aqueles (as) que entendem
não ter oportunidade à educação formal e formação humana libertadora.
Nesse processo, educar com alguns dos signicados de feminilidades
pode contribuir para ampliação de possibilidade de igualdade entre os
gêneros, bem como de construção de caminhos para rupturas com padrões
hegemônicos e opressores.
Por m, o rap pode reproduzir e/ou transformar relações e
concepções sociais, visto que possui ambiguidades que estão atuando
em contextos próprios e, ao mesmo tempo, dialogando com discursos e
referências de diversos setores sociais. No contexto apresentado neste texto,
as mulheres negras e brancas do rap brasileiro também são educadoras e
passaram a reivindicar e assumir a responsabilidade pela educação não
formal das jovens das periferias, ou seja, da classe baixa.
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| 145
A   ,
    :
  
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza
introdução
O presente artigo se principia com uma concisa discussão sobre
o histórico das famílias tradicionais patriarcais existentes desde tempos
longínquos, abordando o machismo incrustado na sociedade patriarcal,
caminhando até os tempos atuais, dessa forma, entendendo gênero como
construtor de relações sociais baseadas nas diferenças entre os sexos e como
primeira forma de signicar as relações de poder, em acordo com Scott
(1995), o objetivo do artigo dará enfoque às mulheres artistas e suas lutas
descritas em suas composições musicais.
Assim, em inicial momento, este estudo se inicia com a construção
da mulher na família, e a história social desta, que considerava o casamento
como a única forma de constituí-la. Ainda será analisada a necessidade
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
146 |
desta norma de conduta, o casamento, sob a ótica patriarcal e marital que
era imposta às mulheres até o século passado.
Adiante será dissertada a inexistência dos direitos das mulheres
no referido modelo familiar patriarcal, machista e sexista dos tempos
antigos e, nos novos tempos, a árdua e contínua batalha contra o
machismo, bem como a luta para a concretização das letras das leis, antes
mortas, para as mulheres.
Ao nal são discutidas as concepções da palavra mulher no latim,
dicionário físico e on-line, em que se pode notar conotações pejorativas
e degradantes relacionadas a palavra mulher, como também é realizado
um passeio histórico por algumas mulheres fortes da história, desde
Lilith, personagem encontrada na bíblia que pela recusa de submissão, foi
denominada como um demônio, assim como, mulheres trabalhadoras e
artistas que lutaram contra o machismo, enfatizando a arte como meio de
voz para as oprimidas.
histórico: Mulheres, MAchisMo, fAMíliA e sociedAde
Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de
qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião
política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição. (ONU, 1948, art. 2º,
grifo nosso).
O machismo é o mal que assola a sociedade brasileira. Pode-
se ilustrar aludida armação com a existência da essência do modelo
patriarcal/marital, em que a sociedade ainda se encaixa. Em tempos não
tão longínquos, a mulher precisava de um homem para ser reconhecida
perante a sociedade como uma “pessoa” digna de respeito. Coloca-se pessoa
entre aspas, pelo motivo de que a mulher era vista como objeto; um ser que
não possuía o direito de resolver ou decidir nada por si mesma.
A mulher devia obediência ao patriarca da família, fosse ele pai,
marido, cunhado, etc. Também era necessário que ela se casasse logo, para
não ser vista como “solteirona, mulher indigna e sem qualquer utilidade”,
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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a mulher era vista como um ser apenas para procriar, como também cuidar
da casa, educar os lhos e satisfazer as vontades do marido, homem este,
que era tratado como se dono fosse das vontades e anseios da esposa.
Salienta Martins:
É preciso relembrar que até poucos anos atrás, conforme o Código
Civil vigente desde 1916, as mulheres eram relativamente incapazes
e a prática de atos como comprar, vender e trabalhar dependia
da anuência de seus maridos. O casamento era indissolúvel e a
adoção do nome do marido pela mulher era obrigatória. Os lhos
concebidos fora do casamento eram considerados ilegítimos, o que
desonerava o pai e atribuía à mãe as responsabilidades com as crianças
“bastardas” como forma de punição simbólica ao desrespeito com
a família. Esta situação de subalternidade legal das mulheres foi
alterada apenas em 1962, com o advento do Estatuto da mulher
Casada, em que as mulheres recuperaram sua plena capacidade
civil. Apenas neste momento, tornou-se inexigível a permissão
masculina das mulheres para trabalhar. A indissolubilidade do
casamento foi revogada somente em 1977, quando se aprovou a Lei
do Divórcio. A alteração signicativa do status da mulher diante da
lei se deu apenas com a Constituição de 1988. Pela primeira vez, há
apenas 26 anos, enfatizou-se a igualdade entre homens e mulheres
– em direitos e obrigações – no ordenamento jurídico brasileiro.
(MARTINS, 2014).
A mulher não possuía o direito de decisão sobre como iria seguir sua
vida, como, por exemplo, se iria se casar, ter lhos ou ser solteira, dependia
totalmente de um homem para que se encaixasse nos moldes da sociedade
machista e sexista em que vivia. O matrimônio era ocialmente declarado
como o vínculo gerador de uma sociedade conjugal, independente de afeto
ou amor, era um contrato de livre vontade de escolha do pai da família.
A mulher era um objeto com a anuência dos homens, do Estado,
bem como da religião. Alega Badinter (1985, p.35):
O imaginário de família cristã indicava que “O homem deve ser
o chefe do casal, pois foi criado em primeiro lugar e deu origem à
mulher. É a ele, portanto, que cabe o poder de mandar. Embora São
Paulo acrescente que as ordens do marido deverão ser temperadas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
148 |
pelo amor e o respeito que deve à sua mulher, embora reconheça
nesta um poder de persuasão (simples poder da retórica), é ao
marido que compete a decisão nal. São Paulo resumiu as relações
do casal numa fórmula famosa durante séculos: “Vós, maridos,
amai as vossas próprias mulheres, como também Cristo amou a
Igreja...assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim também as
mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos.
Hoje, com tanta resistência e luta, as mulheres continuam
sofrendo as mais diversas opressões, sendo que apesar de possuírem direitos
nas letras da lei, o caminho ativo, a “vida real” a ser percorrida, ainda é
árdua e longa.
Destaca-se que, as famílias também percorreram os caminhos
da desconstrução da sociedade marital, como por exemplo, mães solteiras
com seus lhos já são reconhecidas pela lei como famílias, apesar de
toda discriminação que ainda sofrem e o afeto se constitui como agente
formador das famílias (DIAS, 2015).
Há não muito tempo atrás, era impossível a dissolução de uma
união onde não havia mais amor e afeto, enfatizando a importância do
reconhecimento do Estado para as multiformações familiares, na mesma
linha de pensamento salienta Tosi (2016):
Até 1962, as mulheres casadas só podiam trabalhar fora de casa
se o marido permitisse, uma limitação imposta pelo Código Civil
de 1916. As próprias mulheres se mobilizaram e apresentaram
propostas década após década para mudar o quadro legal.
Também até pouco tempo não era considerado juridicamente
possível que houvesse estupro entre cônjuges e assassinato por
honra era aceitável.
Na História, fazer do outro um objeto é quase que uma tradição,
a sociedade brasileira se moldou em padrões machistas, sendo que para
manter a salvo a “honra da família tradicional”, eram deixados de lado o
amor, o respeito e a consideração de uma pessoa como ser humano.
Badinter relata aludida proteção:
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Vital para a manutenção de uma sociedade hierarquizada, em que a
obediência era a primeira virtude, o poder paterno devia ser mantido
a qualquer preço. Exercia-se nesse sentido uma pressão social tão
forte que quase não sobrava lugar para qualquer outro sentimento.
O Amor, por exemplo, parecia ser muito débil para que sobre ele se
construísse alguma coisa. (BADINTER, 1985, p. 29).
A união pautada nos valores de “família tradicional” possuía perl
hierárquico e patriarcal, onde mulheres eram destinadas exclusivamente
para aos cuidados com o lar, tendo suas vontades e ações submetidas aos
mandos dos cônjuges, obrigadas a educar suas vontades às de seus esposos,
sem direitos, apenas cumpridoras dos deveres impostos.
A construção de subordinação da mulher foi construída no
modelo familiar dissertado, sendo que tais condutas degradantes vividas
no lar eram reproduzidas na vida pública. As tradições como as mudanças
sociais, começam no ambiente familiar, um ambiente de guerra e paz.
À luz de Dias:
A família, apesar do que muitos dizem, não está em decadência. Ao
contrário, houve a repersonalização das relações familiares na busca
do atendimento aos interesses mais valiosos das pessoas humanas:
Afeto, solidariedade, lealdade, conança, respeito e amor. (DIAS,
2015, p. 34).
Ares de mudanças começam a rondar o mundo, leis protetivas e
mais libertárias são escritas, em concordância, disserta Dias (2015), que,
com a mulher no mercado de trabalho, o homem deixou de ser o único
recurso de subsistência da família, alterando-se assim, a estrutura familiar
que, agora deixava de ter caráter único e exclusivamente produtivo e
reprodutivo.
Novas leis começaram a se encaixar de fato na sociedade, trazendo
vida para as “mulheres de decoração”. Com a instauração da igualdade
entre homem e mulher, igualdade de lhos, a extensão da proteção à
família (união estável/ monoparental), bem como, a possibilidade da
dissolução extrajudicial do casamento, o direito, começou a se encaixar
na sociedade de fato.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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A evolução legislativa se fez presente, não há mais hierarquia e
diferenças entre lhos biológicos e adotivos, bem como, não há o pátrio
poder, e sim, o poder familiar, o qual acoberta a igualdade entre os cônjuges.
Houve o reconhecimento social dos vínculos afetivos, a pluralidade
de arranjos familiares construídos pelo afeto, passaram a ter relevância
no mundo formal jurídico. Frisa-se também a Lei Maria da Penha n.
11.340/2006, visando à proteção das mulheres com relação às violências
domésticas. Apesar da Lei ainda não alcançar e proteger efetivamente todas
as mulheres, dada a ausência de políticas públicas para sua efetivação, é um
avanço jurídico brasileiro, formalidade necessária para mudanças sociais.
Tantas mudanças escritas em lei
Tanto sangue derramado
Para que essa lei fosse real
Efetiva
Tanta revolta
Tantas mulheres choraram
E tantas outras sangraram
Para uma igualdade que ainda não é igual
Ainda não é igual...
Mulheres que lutArAM; Mulheres que AindA lutAM: históricAs,
trAbAlhAdorAs e ArtistAs
A procura do signicado do substantivo mulher, foram
encontrados signicados enfatizando funções culturalmente construídas,
como por exemplo, a ligação da signicação de mulher com esposa
pessoa do sexo feminino; esposa” (SILVEIRA BUENO, 2000, p. 527).
Ximenes (2013) também menciona as origens da palavra mulher com
ligação a fraqueza:
A palavra “MULHER” tem origem do latim “MULIER”, que
signicava o mesmo, ou seja, “mulher”, especialmente as casadas.
“MULIER”, por sua vez, já é uma derivação de outra palavra latina,
“MOLLIOR”, que é o superlativo relativo de “MOLLIS” que,
em m, é o latim para “mole”. Isso mesmo, “mole”! Como em
molenga, fraco, sem consistência, etc. (XIMENES, 2013).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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Buscando em dicionários online, enfocando encontrar múltiplas
signicações da palavra mulher, foi encontrado que mulher seria um
membro adulto da espécie humana do sexo que produz óvulos e dá à luz
a crianças, bem como nas buscas próximas apareceram: Mulher de vida
fácil, mulher da vida, mulher pública
1
. É notória a signicação fraca, baixa
e com a função procriatória de que foi imposta historicamente à mulher,
a violência começa na linguagem sexista, em consonância com Macedo
(2015, p.17):
O sexismo da linguagem é reexo de sociedades profundamente
androcêntricas, que colocam as mulheres em subordinação; esta
é de tal forma naturalizada que muitas vezes as próprias mulheres
não desenvolveram consciência sobre ela e contribuem para a sua
reprodução. Esta questão tem sido objeto de amplo debate teórico.
Exemplo amplamente conhecido é a utilização da palavra Homem
para referir a Humanidade como um todo, sob o argumento de
que “a mulher” está representada no “H” maiúsculo. Tratando-se,
claramente da utilização de um “universal neutro” (LISTER, 1997),
a que subjaz um sujeito masculino dito universal e a que corresponde
a invisibilização social naturalizada das mulheres (MACEDO, 2009).
Podendo servir à manutenção de um poder hegemônico masculino,
o sexismo da linguagem constitui uma forma de violência social
sobre as mulheres. (MACEDO, 2015, p.17)
Quebrando regras e padrões desumanos para com as mulheres,
existiram e ainda existem mulheres que não desistem e lutam, enxergando
a loucura atroz imposta pelo machismo.
Em primeiro lugar a mulher de grande importância a aparecer
neste artigo, é Lilith, a qual muitos desconhecem; Na história contada
pela Bíblia, Lilith foi a primeira mulher de Adão que não se submeteu ao
machismo e a dominação do homem, sendo que desta forma, por sair do
tradicional machismo incrustado pela sociedade, tornou-se um demônio.
Vejamos:
Existe, contudo, uma outra interpretação, que nos parece mais
fascinante, a de que, a exemplo do que foi feito com os animais,
DICIONÁRIO ONLINE GLOSBE. Signicados de mulher. Disponível em: https://pt.glosbe.com/pt/la/
mulher. Acesso em: 17 jul. 2017.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
152 |
Deus teria criado um casal: Adão e uma mulher que antecedeu
a Eva. Esta mulher primordial teria sido Lilith, gura bastante
conhecida da antiga tradição judaica. Lilith não se submeteu à
dominação masculina. A sua forma de reivindicar igualdade foi a
de recusar a forma de relação sexual com o homem por cima. Por
isso, fugiu para o Mar Vermelho. Adão queixou-se ao Criador, que
enviou três anjos em busca da noiva rebelde. Os três anjos eram
Sanvi, Sansanvi e Samangelaf. Os emissários do Senhor tentaram
em vão convencer a fujona. Ameaçaram afogá-la no mar. Lilith,
porém, respondeu: “Deixem-me, não sabeis que não fui criada em
vão e que é meu destino dizimar recém-nascidos; enquanto é um
menino tenho poder sobre ele até o oitavo dia, se é menina, até
o vigésimo. No entanto, ela jurou aos anjos, em nome do Deus
vivo, de que sempre que avistasse as guras ou apenas os nomes dos
mensageiros de Deus, deixaria a criança em paz. Também aceitou o
fato de que diariamente iriam perecer cem de seus próprios lhos.
(Gorion, :53). Lilith foi transformada em um demônio feminino,
a rainha da noite, que se tornou a noiva de Samael, o Senhor das
forças do mal. (LARAIA, 1997, p. 149).
Lilith representa todas as mulheres que quebram o padrão,
mulheres que mostram a força de decisão e competência, sendo assim
são subjugadas e taxadas como Lilith que foi julgada como um demônio,
ser das trevas, indesejável por todos, sem o merecimento de respeito.
Por analogia, é possível a comparação da mulher Lilith com a mulher
moderna atual.
Mulheres fortes, que não aceitam a submissão e a falta de
dignidade imposta por tradicionais machistas são vistas pelo homem e pela
sociedade como uma mulher sem valor. Uma mulher que não segue o
padrão do patriarcado ainda é vista como rebelde, “descabeçada”, safada,
entre outros tantos adjetivos pejorativos. O padrão patriarcal é descrito por
Saoti (2015), como sendo uma ordem social baseada no controle dos
homens sobre as mulheres, o qual não permite que as mulheres permeiem
longe da feminilidade, submissão e obediência ao sexo masculino.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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Entre tantas as mulheres fortes e libertárias, encontram-se Patrícia
Rehder Galvão, a Pagu
2
, Frida Kahlo
3
e Maria da penha
4
, a mulher que,
com sua luta possibilitou a criação da Lei Federal 11.340/2006 (BRASIL,
2006), para a proteção das mulheres que sofrem violência doméstica, como
também foi indicada para o prêmio nobel da paz em 2017.
Com relação ao mundo artístico, enfatizando a música, existem
inúmeras cantoras famosas e não famosas que lutam diariamente para
conseguir um espaço no meio musical. As diculdades são imensas, desde
as diferenças no cachê, sendo pago o maior ao músico do gênero masculino,
bem como com relação ao assédio e ao desrespeito pela mulher cantora.
Rita Lee foi a primeira cantora de rock no Brasil. Mulher autêntica
e de coragem exposta em suas composições, observemos: Durante os anos
70, a cantora e compositora Rita Lee conseguiu, por meio e suas letras,
questionar, zombar e, na medida do possível, romper com as imposições
Escritora, jornalista, produtora cultural e militante na política brasileira. Apesar de ser lha de família
tradicional brasileira, ela se comportava de forma atípica, fora dos padrões. A escritora defendia a antropofagia
de Oswald de Andrade, a libertação sexual da mulher e a sua busca pela autossuciência amorosa, possuía
uma coluna feminista nomeada “A mulher do povo”, notemos: A defesa da mulher pobre e a crítica ao papel
conservador feminino na socialidade permearam a vida e as obras da idealista Pagu. (PORTAL EBC, 2016).
Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderon, conhecida como Frida Kahlo, nasceu em 6 de julho de 1907,
em Coyoacan, no México, para uma vida cheia de percalços. Frida era uma revolucionária. Ao contrário da elite
de sua época, ela gostava de tudo o que era verdadeiramente mexicano: jóias e roupas das índias, objetos de
devoção a santos populares, mercados de rua e comidas cheias de pimenta. Fiel ao seu país, a pintora gostava de
declarar-se lha da Revolução Mexicana ao dizer que havia nascido em 1910.Militante comunista e agitadora
cultural, Frida usou tintas fortes para estampar em suas telas, na maioria auto-retratos, uma vida tumultuada
por dores físicas e dramas emocionais (...) Frida sempre pintou a si mesma: ‘Eu pinto-me porque estou muitas
vezes sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor’. Suas angustias, suas vivências, seus medos e
principalmente seu amor pelo marido, o pintor mexicano Diogo Rivera (...) Frida amargou muitas amantes do
marido, seu grande amor e reconhecido mulherengo. Mas também viveu romances paralelos com mulheres e
homens, o mais famoso com o revolucionário russo León Trotski. (REVISTA ÉPOCA, 2015).
A violência contra a mulher é um tema que tem sido objeto de muitas discussões. A violência doméstica contra
as mulheres ocorre em todo o mundo e perpassa as classes sociais, as diferentes etnias e independe do grau de
escolaridade. Cada vez mais, a violência de gênero é vista como um sério problema da saúde pública, além de
constituir violação dos direitos humanos. Em todo o mundo, pelo menos uma em cada três mulheres já foi
espancada, coagida ao sexo ou sofreu alguma outra forma de abuso durante a vida. O agressor é, geralmente,
um membro de sua própria família. A Lei Federal 11.340/2006 de Combate à Violência Doméstica e Familiar,
sancionada pelo presidente Lula, em agosto de 2006, foi batizada como Lei Maria da Penha, em homenagem à
professora universitária cearense Maria da Penha Maia que cou paraplégica por conta do marido ter tentado
assassiná-la. A Lei Maria da Penha criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e a Violência contra a
Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código
de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências (MORENO, 2014).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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de costumes e de comportamentos o gênero feminino (MAGI, 2017). Suas
letras quebravam regras e padrões machistas, ilustremos:
PAGu
Mexo, remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira
Sabe o que é ser carvão
Eu sou pau pra toda obra
Deus dá asas à minha cobra
Minha força não é bruta
Não sou freira, nem sou puta
Porque nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem
Nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem
Ratatá! Ratatá! Ratatá!
Taratá! Taratá!
Sou rainha do meu tanque
Sou Pagu indignada no palanque
Hanhan! Ah! Hanran!
Fama de porra louca, tudo bem!
Minha mãe é Maria Ninguém
Hanhan! Ah! Hanran!
Não sou atriz, modelo, dançarina
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Meu buraco é mais em cima
Porque nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem
Nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem
Nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem
Ratatá! Ratatatá
Hiii! Ratatá
Taratá! Taratá! (RITA LEE)
Nesta letra, Rita impõe a mulher que é quebrando padrões do
corpo “Nem toda brasileira é bunda/Meu peito não é de silicone” e de
moral “Não sou freira e nem sou puta”. Uma composição defensora das
mulheres, desmiticando a mulher ideal cultuada pelo ideário machista
e patriarcal:
Rita Lee, em seu trabalho como compositora nos anos 70, teve
êxito em questionar, tirar sarro e, na medida do possível, romper
com as imposições de costumes e de comportamentos ao gênero
feminino. Na sua escrita, a mulher é também um ser racional, que
luta pelo que deseja, que toma decisões, que tem outras ambições
e nada limitadas ao espaço privado e à família e, sobretudo, não é
uma mulher dócil e preenchida apenas por romantismo e ansiosa
pela chegada do príncipe encantado. (MAGI, 2017).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Outra cantora que luta através de suas músicas é Elza Soares
5
,
sendo que como mulher e negra enfrenta além do machismo, o racismo
que oprime tanto quanto, sendo também uma construção cultural das
sociedades que oprimem em razão da cor da pele.
O álbum A mulher do Fim do mundo, na canção Maria da Vila
Matilde, enaltece as mudanças das leis, salientando o 180, número da
Elza Soares nasceu em 23 de Junho de 1937 no Rio de Janeiro. Filha de uma lavadeira e de um operário, foi
criada na favela de Água Santa, subúrbio de Engenho de Dentro. Cantava, desde criança, com a voz rouca e o
ritmo sincopado dos sambistas de morro. Aos 12 anos, já era mãe e aos 18, viúva. Foi lavadeira e operária numa
fábrica de sabão e, com 20 anos aproximadamente, fez seu primeiro teste como cantora, na academia do professor
Joaquim Negli, sendo contratada para cantar na Orquestra de Bailes Garan e a seguir no Teatro João Caetano. Em
1958, foi a Argentina com Mercedes Batista, para uma temporada de oito meses, cantando na peça Jou-jou frou-
frou. Quando voltou, fez um teste para a Rádio Mauá, passando a se apresentar de graça no programa de Hélio
Ricardo. Por intermédio de Moreira da Silva, que a ouviu nesse programa, foi para a Rádio Tupi e depois começou
a trabalhar como crooner da boate carioca Texas, no bairro de Copacabana, onde conheceu Silvia Teles e Aluísio
de Oliveira, que a convidou para gravar. No seu primeiro disco, gravado em 1960, pela Odeon, cantou Se acaso
você chegasse (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins), alcançando logo grande sucesso. Esse samba fez parte de
seu primeiro LP, com o mesmo título da música. A seguir, foi para São Paulo SP, para trabalhar no show Primeiro
festival nacional de bossa nova, no Teatro Record e na boate Oásis, gravando depois seu segundo LP, A bossa negra.
Em 1962, como artista representante do Brasil na Copa do Mundo, que se realizava em Santiago, Chile, cantou ao
lado do representante norte-americano, Louis Armstrong. Nessa época cou conhecendo o futebolista Garrincha,
com quem casaria mais tarde. No ano seguinte, gravou pela Odeon o LP Sambossa, tendo como destaque as músicas
Rosa morena (Dorival Caymmi) e Só danço samba (Tom Jobim e Vinícius de Moraes); e, em 1964, lançou pela
Odeon Na roda do samba (Orlandivo e Helton Meneses), faixa-título do LP. Realizando inúmeras apresentações
pelo Brasil e nas emissoras de televisão, os LPs se sucederam: em 1965, foi a vez de Um show de beleza, pela Odeon,
com, entre outras, Sambou, sambou (João Melo e João Donato), e Mulata assanhada (Ataulfo Alves); em 1966, saiu
pela mesma gravadora o LP Com a bola branca, onde cantou Estatuto de gaeira (Billy Blanco) e Deixa a nega gingar
(Luís Cláudio). Apresentou-se, em 1967, no Teatro Santa Rosa, no show Elza de todos os sambas, e, novamente pela
Odeon, gravou em 1969, o LP Elza, Carnaval & Samba, cantando sambas-enredo, como Bahia de todos os deuses
(João Nicolau Carneiro Firmo, o Bala, e Manuel Rosa) e Heróis da liberdade (Silas de Oliveira, Mano Décio da
Viola e Manuel Ferreira). Em 1970 foi para a Itália, apresentando-se no Teatro Sistina, em Roma, e gravando Que
maravilha (Jorge Ben e Toquinho) e Mascara negra (Zé Kéti). Nesse mesmo ano, gravou o LP Sambas e mais sambas,
pela Odeon, interpretando músicas como Maior é Deus (Fernando Martins e Felisberto Martins) e Tributo a Martin
Luther King (Wilson Simonal e Ronaldo Bôscoli). De volta ao Brasil, em 1972, lançou, pela mesma etiqueta, o
LP Elza pede passagem, onde interpretou Saltei de banda (Zé Rodrix e Luís Carlos Sá) e Maria-vai-com-as-outras
(Toquinho e Vinícius de Morais), e apresentou-se no teatro carioca Opinião, no show Elza em dia de graça. Ainda
nesse ano, passou uma temporada realizando um show no navio italiano Eugênio C, fez um espetáculo de duas
semanas na boate carioca Number One, cantou no Brasil Export Show, realizado na cervejaria Canecão, do Rio
de Janeiro, e recebeu o diploma de Embaixatriz do Samba, do conselho de música popular do Museu da Imagem
e do Som, do Rio de Janeiro. Em 1973, gravou o LP Elza Soares, pela Odeon, cantando Aquarela brasileira (Silas
de Oliveira) e Pranto de poeta (Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito); e apresentou-se no show Viva Elza, que
estreou no T.B.C., na capital paulista, e que depois foi levado em vários Estados. Nos dois anos seguintes, lançou
pela Tapecar mais dois LPs, Elza Soares, com Bom-dia, Portela (Davi Correia e Bebeto de São João) e Chamego da
crioula (Zé Di); e Nos braços do samba, com faixa-título de Neoci Dias e Dida. Gravou ainda Pilão+Raça=Elza
(1977), Somos todos iguais (1986) e Voltei (1988). A partir de 1986, com a morte de Garrinchinha, seu lho com o
jogador de futebol Garrincha (1933 – 1983), passou nove anos na Europa e nos EUA De volta ao Brasil, gravou em
1997 o CD Trajetória, só de sambas, com músicas de Zeca Pagodinho, Guinga e Aldir Blanc, Chico Buarque, Noca
da Portela, Nei Lopes e outros. Nesse mesmo ano, saiu o livro Cantando para não enlouquecer, biograa escrita por
José Louzeiro (Editora Globo). Biograa: Enciclopédia da Música Brasileira. Art Editora e PubliFolha. In: http://
www.mpbnet.com.br/musicos/elza.soares/.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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Delegacia da Mulher, enaltece a coragem da mulher, de não se calar diante
de um agressor. Vejamos:
MAriA dA VilA MAtilde
Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar
Eu solto o cachorro
E, apontando pra você
Eu grito: péguix guix guix guix
Eu quero ver
Você pular, você correr
Na frente dos vizinhos
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Eu solto o cachorro
E, apontando pra você
Eu grito: péguix guix guix guix
Eu quero ver
Você pular, você correr
Na frente dos vizinhos
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
E quando o samango chegar
Eu mostro o roxo no meu braço
Entrego teu baralho
Teu bloco de pule
Teu dado chumbado
Ponho água no bule
Passo e ofereço um cafezim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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Eu solto o cachorro
E, apontando pra você
Eu grito: péguix guix guix guix
Eu quero ver
Você pular, você correr
Na frente dos vizinhos
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
E quando tua mãe ligar
Eu capricho no esculacho
Digo que é mimado
Que é cheio de dengo
Mal acostumado
Tem nada no quengo
Deita, vira e dorme rapidinho
Você vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Mão, cheia de dedo
Dedo, cheio de unha suja
E pra cima de mim? Pra cima de moi? Jamais, mané!
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim. (ELZA SOARES)
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Elza Soares sofreu muitas críticas morais, bem como com
sua história de muita luta de mulher negra, nascida pobre, encarou o
julgamento moral da sociedade patriarcal machista e racista:
Nesta semana, uma mulher branca sugeriu um boicote ao álbum
Mulher do Fim do Mundo, de Elza Soares. O motivo é que o álbum
não seria feminista, já que na sua produção trabalharam homens
machistas. O argumento dá a entender que Elza estava sendo
usada e não possuía consciência da potência do álbum. Nele, Elza
canta sobre a liberdade da mulher e a necessidade de uma vida
sem violência. Logo, várias reações surgiram. A armação da moça
foi vista como um desrespeito à trajetória de Elza, já contemplada
com o título de “cantora do milênio”. E eu concordo. Querer
deslegitimar uma obra como essa por conta do envolvimento de
homens machistas não é argumente que se preze. Fosse assim,
nada na indústria cultural seria produzido porque machismo é
um elemento estruturante da sociedade, e como tal, não há espaço
que esteja isento – o mesmo acontece com o racismo. (RIBEIRO,
2016, grifo nosso).
Ante o racismo e machismo como estruturantes sociais que
foram construídas e reproduzidas historicamente na sociedade, não há
possibilidade de condenação de obras feministas por estarem envoltas de
pessoas machistas. O feminismo é um exercício de desconstrução diária,
possibilitando o olhar para dentro, nos fazendo perceber os preconceitos
em que fomos construídas. Essas duas cantoras, Elza e Rita, além de tantas
outras famosas e não famosas representam as mulheres que dão força a voz
que muito foi e ainda é calada pela cultura machista, sexista e racista em
que a sociedade foi construída. A Arte integra, educa e, aos poucos abre os
ouvidos de quem ainda não ouve.
considerAções: uMA coMPositorA do interior
dePoiMento
Fui cantora de mpb e pop rock por quase seis anos pelas noites
marilienses, poetisa, bailarina de dança do ventre e cigana, amante das
artes, moradora da cidade de Marília, interior de São Paulo. Por muitas
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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vezes senti na pele o machismo, pela razão de assumir minhas ideias e
gostos, como também pela iniciativa de cantar pelas noites da cidade.
Eu cantei por alguns anos com outra mulher, bem como,
frequentemente recebíamos cachês menores do que os cantores do sexo
masculino recebiam, além da grande diculdade de conseguir um espaço
no mercado de trabalho artístico pelo simples fato de sermos mulheres.
Certa vez, o dono de um bar questionou minha companheira de
canto do sobre o porquê de não cantarmos com um homem, acrescentando
de que a noite mulher deveria car em casa.
Nos shows, homens eram invasivos; A sociedade musical é
machista, e não diferente da sociedade mundial. A mulher é desvalorizada,
mesmo com tantas leis formais visando a nossa proteção. Era complicada
qualquer ação positiva ou negativa durante os shows, ou éramos vistas
como “mulher fácil” ou como lésbicas, não que tais características fossem
problemáticas, mas, a questão que pretendo enfatizar é que a dualidade
feminina coloca as mulheres em “ruas sem saída”. A vida da mulher cantora
não é fácil, principalmente para as não famosas.
Penso que, por eu ser compositora, presto muita atenção nas
palavras e nos signicados múltiplos que elas podem ter; Nunca me esqueço
de quando fui chamada de “Mulher da noite” de forma pejorativa; como
se espalhar a música popular brasileira fosse um erro, um pecado capital!
Sublimei o pejorativo e disse a mim mesma:
Sim! Sou mulher da noite...
Sou mulher do dia
E de tantas alegrias
Minhas lutas são diárias
Minhas lágrimas insecáveis
Sou mar de emoção
Pela minha música tenho gratidão
Devota dos sentimentos
Realizo tudo
Tudo o que me inquieta por dentro!
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
162 |
referênciAs
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Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
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em: 12 jul. 2017.
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A   
  
C C
Daniele Aparecida Russo
Ana Claudia Bazé de Lima
Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto
Sandra Aparecida Pires Franco
Andressa Cristina Molinari
Silvana Paulina de Souza
Todo texto, escrito ou oral, está conectado dialogicamente com outros
textos. (PONZIO, 2016, p. 102).
Pretendemos compreender a tecitura poética de Cora Coralina
a partir das ideias de Voloshinov – Bakhtin nos estudos de Ponzio (2016)
sobre as formas do discurso reproduzido na manipulação da palavra alheia.
A partir da realização do minicurso “Minha vida, meus sentidos,
minha estética [...] de mulher”: práticas de leitura e as múltiplas vozes na
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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poesia de Cora Coralina, sob coordenação de Cyntia Graziella Guizelim
Simões Girotto (UNESP - Marília), Sandra Franco (UEL - Londrina - PR),
Daniele Aparecida Russo (PPGE - UNESP - Marília) e Ana Cláudia Bazé
de Lima (PPGE UNESP - Marília), realizado no evento “XIII Semana
da Mulher - Mulheres e gênero: olhares sobre a educação, mídia, saúde
e violência,” promovido pela Universidade Estadual Paulista – UNESP,
campi de Marília em 28 a 30 de março de 2017, ousamos dizer que Cora
Coralina não era pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas,
Cora Coralina era a própria Ana Lins.
A coerência entre pessoa e poetisa era intensa e visível na sua
hisria de vida e nas suas obras e, por isso, relacioná-la às ideias de Voloshinov
– Bakhtin sobre as formas do discurso reproduzido na manipulação da palavra
alheia (PONZIO, 2016) é relevante. Conforme abordado no fragmento
“Minha vida, meus sentidos, minha estética [...] de mulher” encontramos as
vozes que compõem Cora Coralina no poema Todas as Vidas.
todAs As VidAs
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e lharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze lhos.
Seus vinte netos.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras. (Cora Coralina).
Não é difícil, assim, para o leitor iniciante de Cora, perceber as
múltiplas vozes em sua poética tecida e entremeada com e em própria
biograa, seus sentidos e sua estética de Mulher.
Ana Lins nasceu dia 20 de agosto de 1889 na Cidade de Goiás,
local em que passou a infância e adolescência, começou a escrever poemas
com quatorze anos de idade tendo estudado até a quarta série do primário,
atual quinto ano do Ensino Fundamental. Casou-se e se mudou com o
marido, o advogado paulista Cantilho Bretas, para o interior de São Paulo
em 1911 e lá, constituiu sua família. Segundo pesquisas, foi neste tempo
que se tornou doceira para sustentar os quatro lhos, após a morte do
marido em 1934.
Se constituiu Cora Coralina num contexto histórico em que as
mulheres estavam para serem esposas habilidosas, mães e cuidadoras do lar.
Para falarmos da poetisa Cora, mulher que vivia neste tempo, implica nos
remetermos à gura feminina visionária que rompeu paradigmas sociais
para dar voz às suas Vidas... Não poderíamos deixar de citar o romper
com um tempo marcado pelas produções literárias masculinas, presente e
representado em seu próprio livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias
Mais, que, no prefácio apresentado por Oswaldino Marques, podemos
ler em “Cora Coralina Professora de Existência” quando nos fala entre
expressões que marcam a sensibilidade de Cora, onde apresenta também,
que ao lermos os poemas pensamos num Guimarães Rosa transposto
para a poesia de Goiás. Seria um elogio, se desconsiderássemos que
naquele contexto histórico se vivia a negação da legitimidade cultural da
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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mulher como sujeito do discurso (SCHIMIDT, 1995) e Aninha, como
era docemente chamada, viveu esse tempo na busca da legitimidade dos
sentidos de sua vida.
Coelho (1991) corrobora ao armar que foi um momento que
se compreendeu a força com que a Literatura Feminina veio impondo à
crítica, como um fenômeno especial que exigia atenção; mesmo a despeito
das muitas vozes (inclusive de muitas escritoras...) que vieram nessa
distinção (feminino versus masculino) mais uma discriminação. Isto posto,
não se tratava de saber se a produção literária feminina era melhor ou pior
do que a masculina, pois o valor literário não estava condicionado ao sexo,
mas na força criativa e na qualidade do espírito que a produz. Assim, a
poetisa do Estado de Goiás, doceira famosa, principalmente pelos doces de
abóbora e go, deixou muita doçura em seu legado não pelas receitas, mas,
ao tocar corações que até hoje, e seguramente nas gerações futuras, leem
cada poesia deixada por ela como palavras vivas.
A partir do entendimento de que todo discurso é um discurso
reproduzido, que recorre ao discurso alheio, entendemos que se fala
sempre por meio da palavra do outro ou outros, buscamos em introdução
do teórico literário Terry Eagleton, em sua Teoria da Literatura (2003),
questionamento indispensável para, anal, trazer mais lucidez a essa intricada
questão: o que signicaria tal discurso alheio? Anal, nosso objeto de reexão
é o discurso poético de uma mulher de seu tempo, discurso esse recepcionado
em sociedade como singularidade metafórica, sobretudo, literária.
Eagleton em introdução de sua Obra: Teoria da Literatura_
Uma Introdução, faz-nos uma provocação: O que é literatura? Com
essa pergunta vem ampliar-nos horizontes quanto nossa recepção do
que signica o discurso literário. Para o teórico, deveríamos trazer outra
abordagem daquela que comumente trazemos há muito para conceituar
literatura, talvez redimensionar o discurso ccional e ir além do conceito de
certo senso comum que vê o discurso da cção como apenas ”imaginativo”.
Nesse trilhar, vamos abrindo clareiras nos discursos poéticos criados por
Cora Coralina, que transformam e intensicam a linguagem comum,
afastando-se sim da fala cotidiana, criando uma desconformidade entre
os signicantes e os signicados. Em movimento ininterrupto, a poesia de
Cora para um leitor dedicado, chama a atenção sobre si mesma expondo
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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existência real e material para o contexto histórico na época em que os
textos ccionais da poetisa foram criados.
No âmbito da Poesia, as vozes femininas que (tal como as dos
homens) se fazem ouvir a partir dos anos 60, embora apresentando
as mais variadas tendências de estilo, processos ou temas, apresentam
um traço comum que as aproxima e identica como participantes
de uma mesma força criadora: a consciência experimentalista no
sentido do reajustamento da linguagem ás solicitações dos novos
tempos e o impulso dinâmico de integração do ser humano e
da poesia no processo histórico em desenvolvimento. Isto é,
uma nova conança na condição humana, devido à sua possível
transcendência através da Arte e do Espírito. Ou ainda, uma nova
interrogação do ser-poeta. O amor desaparece como tema ou passa
para segundo plano. Em primeiro, aparece predominantemente o
tempo e suas mutações. (COELHO, 1991, p. 96).
Na voz poética da poetisa, em seus poemas, podemos acompanhar
o tempo vivido e as mutações de Ana Lins ao ir constituindo sua alteridade
e a identidade de Cora Coralina. Como vemos, a propriedade sobre a
palavra não é exclusiva e total. A apropriação linguística é um processo que
vai desde a repetição da palavra alheia à sua reelaboração, capaz de fazê-lo
ressoar de forma diferente, de conceder-lhe uma nova perspectiva, de fazer-
lhe expressar um ponto de vista diferente. Porém, permanece semi-alheia
ou própria-alheia, em qualquer caso. (PONZIO, 2016, p.101).
Isto posto, impõem-se que as palavras que usamos provêm do
discurso alheio e não são palavras isoladas, neutras e vazias de valorações,
mas palavras alheias trazidas e usadas com uma determinada direção
ideológica, expressando um determinado nexo com a práxis. Além disso,
provêm de “determinadas linguagens, registros, de determinados gêneros
de discurso, cotidiano, literário, cientíco etc.” (PONZIO, 2016, p.102).
Neste sentido, podemos dizer que as linguagens que constituem os poemas
de Cora Coralina são linguagens do cotidiano, resultantes das suas vivências,
subjetividades e experiências que foram objetivadas em seus poemas com
muita sabedoria e encharcadas de sentimentos.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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A palavra é alheia e tem valorações diferentes, é axiológica, o
acento valorativo que cada um dá é que a caracteriza como palavra própria-
alheia ou semi-alheia.
Falar, tanto na sua forma escrita como na oral, signica empregar
peças que se obtêm desmontando discursos alheios, e essas peças
não são as mesmas da dupla articulação da linguagem (fonemas e
morfemas), não pertencem à língua como sistema abstrato, mas a
discursos concretos, ligados a contextos situacionais e linguísticos
concretos. São materiais já manipulados, e, como tais, no plano
semântico não são somente semantemas, mas também ideologemas;
não têm só um signicado geral, mas também um sentido
ideológico preciso. (PONZIO, 2016, p.102).
Portanto, a palavra não é entendida aqui como isolada e no
sentido dicionarizado, mas entendida como enunciações carregadas de
sentidos dados por meios de quadros axiológicos.
A poesia de Cora Coralina mostra-nos um exemplo,
particularmente claro do que se armou. Seu discurso torna estranha a
fala comum, mas ao criá-lo, porém, nos leva a experimentar, no campo
estético e paradoxal vivência íntima e intensa, como se registrássemos
aquele universo criado como nosso, podendo até mesmo antecipar o que
um próximo verso de um poema materializará para o leitor. Como na
época em que retornou para Goiás, viúva e sozinha em 1956. Quando seu
coração transbordou em palavras vivas dando voz àquele tempo vivido,
compartilhando com seus leitores... seus sentidos de Mulher.
o chAMAdo dAs PedrAs
A estrada está deserta.
Vou caminhando sozinha.
Ninguém me espera no caminho.
Ninguém acende a luz.
A velha candeia de azeite
de a muito se apagou.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
170 |
Tudo deserto.
A longa caminhada.
A longa noite escura.
Ninguém me estende a mão.
E as mãos atiram pedras.
Sozinha...
Errada a estrada.
No frio, no escuro, no abandono.
Tateio em volta e procuro a luz.
Meus olhos estão fechados.
Meus olhos estão cegos.
Vêm do passado.
Num bramido de dor.
Num espasmo de agonia
ouço um vagido de criança.
É meu lho que acaba de nascer.
Sozinha...
Na estrada deserta,
sempre a procurar
o perdido tempo
que cou pra trás.
Do perdido tempo.
Do passado tempo
escuto a voz das pedras:
Volta... Volta... Volta...
E os morros abriam para mim
imensos braços vegetais.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 171
E os sinos das igrejas
que ouvia na distância
Diziam: Vem... Vem... Vem...
E as rolinhas fogo-pagou
das velhas cumeeiras:
Porque não voltou...
Porque não voltou...
E a água do rio que corria
chamava... chamava...
Vestida de cabelos brancos
Voltei sozinha à velha casa, deserta.
(Cora Coralina, Meu Livro de Cordel, 1994, p. 84).
E “vestida de cabelos brancos”, já em Goiás, para se manter, Ana
Lins fazia e vendia seus saborosos doces caseiros de frutas feitos em tachos
de cobre na “velha casa” à beira do rio Vermelho onde atualmente é um
museu com seus pertences pessoais, espaço encharcado de memórias e
histórias.
Talvez esse fenômeno possa ser explicado pelo fato de que todo
texto, seja ele escrito ou oral, está conectado dialogicamente com outros
textos. Pensa-se que Cora Coralina ao escrever seus poemas, antecipa
possíveis respostas, objeções e se orienta em direção a textos anteriormente
produzidos. Ponzio (2016) elucida-nos que em todas as vezes que se produz
um discurso existem duas perspectivas, são elas: a temática, de conteúdo,
referencial e a outra formal, gramatical e estilística.
Assim a inovação ideológica, de gênero, de discurso, de registro,
em Cora Coralina bem como em outras poéticas de seus antecessores ou
contemporâneos pressupõe o passo obrigatório a ter assimilado tradições,
práticas e modelos signicantes pertencentes a outros modelos. Trata-se de
palavra viva, já que a palavra alheia é manipulada, prevendo e prevenindo
suas possibilidades de retroação, de resistência, de recusa ou de eliminação
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
172 |
de novos sentidos que lhe são atribuídos. Ou ainda, buscando em Focault
outra reexão para a função da linguagem que seria “reetir” o pensamento
e conhecimento de mundo, pois o ser humano nessa operação subjetiva
representa para si o mundo por meio da linguagem, num determinado
espaço e momento, seu discurso, invariavelmente se constitui em “espelho no
mundo”, produz sentidos que para o outro que os recepcionam encontram
diferenças. Em cada época, a linguagem apropria-se de certo objeto
porque “[...] funciona a partir de regras discursivas determinadas.” Melhor
exemplicando, a análise histórica como único meio para se analisar certo
discurso é insuciente, pois escapa-lhe uma origem de busca e repetição em
que: “O outro a destina ser interpretação ou escuta de um já dito que seria,
ao mesmo tempo um não-dito. (FOUCAULT, 1987, p. 28).
Aproximando a teoria da linguagem de Foucault (1997) e
Ponzio (2016) seria-nos possível armar que toda enunciação enquanto
expressa seu objeto, expressa direta ou indiretamente sua própria posição
sobre a palavra alheia. E ainda enxergar em tais enunciações peculiares
transformações sociais e humanas e rupturas do senso comum, não apenas
repetições das coisas como se elas em sua origem nos apresentassem
isoladamente, mas como discursos de seres humanosque as movimenta
juntamente com o passar dos anos, que cada época transforme-se, de modo
que a linguagem seja uma técnica e prática para o indivíduo se socializar. ”
(AZEVEDO, 2013, p.161).
Ponzio (2016) arma que a relação básica na fala é triangular,
ou seja, apresenta outros dois com quem nos relacionamos ao falar: a
pessoa de quem tomamos as palavras e a pessoa a quem nos dirigimos.
“O triângulo tem a vértice no ponto de vista deste último e os outros dois
ângulos coincidem com o ponto de vista do falante e com o ponto de
vista que os demais têm da palavra a que o falante recorre e utiliza nesse
momento. ” (PONZIO, 2016, p.103).
Dessa forma, ao representar seu estilo, o autor (o falante) já
não se identica mais com a palavra alheia, esta que já se transformou
em convencional. Contrariamente à estilização, o autor pode introduzir
nessa palavra uma intenção que é completamente oposta à intenção alheia.
Portanto, pode-se armar que a forma como nos colocamos em relação a
palavra alheia depende também do diálogo interior.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 173
O diálogo interior entendido a partir da dialogia da palavra alheia
com as vivências, experiências e intenções do autor, considerando também
o lugar de onde este fala e neste caminho, enveredamos a vida de Cora para
compreender seus sentidos.
Logo, a dialética entre a própria palavra e a palavra alheia, tema
de Voloshinov em “Marxismo e losoa da linguagem”, manifesta-se de
forma direta, nos casos em que a própria palavra assume explicitamente
a função de reproduzir a palavra alheia, sob a forma do discurso direto,
indireto e indireto livre.
As condições sociais concretas são as que conduzem ao predomínio
de alguns modos de situar-se diante do discurso alheio e a inuência que
exercem estes modelos sobre o comportamento dos falantes dependem
também dos fatores históricos-sociais.
O contexto do autor e a palavra reproduzida estão intimamente
ligados e relacionam-se entre si. É a relação dialógica do “eu” com o “outro”,
entendendo este outro não só por diferentes sujeitos que nos relacionamos
e esbarramos durante a vida, mas entendendo este “outro” como todos os
objetos da cultura humana em que me relaciono.
A mulher de vanguarda que nos encorajou pensar no “Minha
vida, meus sentidos, minha estética [...] de mulher”: práticas de leitura e as
múltiplas vozes na poesia de Cora Coralina, é conceituada como uma das
mais importantes escritoras brasileiras do século XX. Considerada como
presença relevante, em junho de 1965 publicou seu primeiro livro (Poemas
dos Becos de Goiás e Estórias Mais), quando já tinha quase 76 anos de idade.
Cora Coralina vem rearmar mais uma ideia de Bakhtin em
um ensaio de 1970 quando ele diz que os fenômenos de sentidos podem
perdurar durante períodos históricos e se manifestar inclusive quando a
cultura a que pertenciam já não existe, revelando-se em contextos culturais
de épocas sucessivas capazes de lhes dar uma compreensão responsiva.
(PONZIO, 2016, p. 98).
Isso signica que o sentido não está sempre fechado ao contexto ao
qual pertence, não está limitado ao contexto em que está inserido, que lhe é
contemporâneo. Nem sempre as fronteiras espaciais, temporais, axiológicas,
culturais, linguísticas, favorecem o despertar de determinados autores, artistas,
de determinadas obras, enm, podem se manifestar quando “o sentido não
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
174 |
nasce completamente de seu contexto, de seu presente e existe por estar ligado
a um passado concreto, a uma tradição, por pertencer a um âmbito muito
mais amplo que o das capacidades interpretativas dos interlocutores diretos e o
de todos os seus contemporâneos”. (PONZIO, 2016, p. 98).
Cora Coralina teve o início de seu reconhecimento como escritora
no nal de sua vida, mas o reconhecimento posterior a seu tempo perdura
e perdurará como objeto da cultura humana em que muitas gerações
tiveram e terão acesso. Nos poemas de Cora Coralina o que estão presentes
são enunciados compostos de signos verbais e não verbais que emocionam
e contam uma história de vida intensa de tantos momentos dialógicos
existentes nela.
As relações que Ana Lins foi estabelecendo durante sua vida,
foram a constituindo Cora Coralina e ao ser imersa na cultura humana
expressou em seus poemas sentimentos, melodias, ilustrações, valorações,
entonações, sentidos, vivências, afetamentos, contextos, revelando-se.
A ProcurA
Andei pelos caminhos da Vida
Caminhei pelas ruas do Destino –
procurando meu signo.
Bati na porta da Fortuna,
mandou dizer que não estava.
Bati na porta da Fama,
falou que não podia atender.
Procurei na casa da Felicidade,
a vizinha da frente me informou
que ela tinha mudado
sem deixar novo endereço.
Procurei a porta da Fortaleza.
Ela me fez entrar: deu-me veste nova,
perfumou-me os cabelos,
fez me beber de seu vinho.
Acertei meu caminho.
(Cora Coralina, Meu Livro de Cordel, 1994, p. 81).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Neste contexto de vida e estética, de representatividade de
vozes que entre conceitos de Bakhtin e alguns poemas e histórias de vida
deixado por Cora Coralina, o minicurso “Minha vida, meus sentidos,
minha estética [...] de mulher”: práticas de leitura e as múltiplas vozes na
poesia de Cora Coralina, aconteceu no evento “XIII Semana da Mulher
- Mulheres e gênero: olhares sobre a educação, mídia, saúde e violência
entre 28 a 30 de março de 2017 na Universidade Estadual Paulista –
UNESP, campi de Marília.
Permeado de discussões sustentadas pela teoria bakhtiniana, da
apreciação da palavra viva de Cora, encorajou as participantes a narrarem
suas vivências e experiências naquele momento de diálogo oportunizado na
dinâmica do minicurso, oferecemos alguns poemas de Cora Coralina que
foram lidos, relatados e relacionados com os afetamentos e entendimentos
das participantes. Dentre estes Mulher da Vida foi analisado e discutido.
Mulher dA VidA
Contribuição para o Ano Internacional da Mulher, 1975.
Mulher da Vida,
Minha irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais
torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
176 |
Mulher da Vida,
Minha irmã.
Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
Desprotegidas e exploradas.
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
Necessárias siologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e infamadas sempre por
aqueles que um dia as lançaram na vida.
Marcadas. Contaminadas,
Escorchadas. Discriminadas.
Nenhum direito lhes assiste.
Nenhum estatuto ou norma as protege.
Sobrevivem como erva cativa
dos caminhos,
pisadas, maltratadas e renascidas.
Flor sombria, sementeira espinhal
gerada nos viveiros da miséria, da
pobreza e do abandono,
enraizada em todos os quadrantes
da Terra.
Um dia, numa cidade longínqua, essa
mulher corria perseguida pelos homens que
a tinham maculado. Aita, ouvindo o
tropel dos perseguidores e o sibilo
das pedras,
ela encontrou-se com a Justiça.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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A Justiça estendeu sua destra poderosa e
lançou o repto milenar:
Aquele que estiver sem pecado
atire a primeira pedra”.
As pedras caíram
e os cobradores deram as costas.
O Justo falou então a palavra de eqüidade:
“Ninguém te condenou, mulher...
nem eu te condeno”.
A Justiça pesou a falta pelo peso
do sacrifício e este excedeu àquela.
Vilipendiada, esmagada.
Possuída e enxovalhada,
ela é a muralha que há milênios detém
as urgências brutais do homem para que
na sociedade possam coexistir a inocência,
a castidade e a virtude.
Na fragilidade de sua carne maculada
esbarra a exigência impiedosa do macho.
Sem cobertura de leis
e sem proteção legal,
ela atravessa a vida ultrajada
e imprescindível, pisoteada, explorada,
nem a sociedade a dispensa
nem lhe reconhece direitos
nem lhe dá proteção.
E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
que um homem a tome pela mão,
a levante, e diga: minha companheira.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Mulher da Vida,
Minha irmã.
No m dos tempos.
No dia da Grande Justiça
do Grande Juiz.
Serás remida e lavada
de toda condenação.
E o juiz da Grande Justiça
a vestirá de branco em
novo batismo de puricação.
Limpará as máculas de sua vida
humilhada e sacricada
para que a Família Humana
possa subsistir sempre,
estrutura sólida e indestrurível
da sociedade,
de todos os povos,
de todos os tempos.
Mulher da Vida,
Minha irmã.
Declarou-lhe Jesus: “Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no Reino
de Deus”.
Evangelho de São Mateus 21, ver.31.
(Cora Coralina, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, 1993, p. 203-206).
Foi possível extrairmos dos relatos que os poemas de Cora tocam
o SER feminino. Nossa poetisa também se dedicou aos menos favorecidos,
os que precisavam de apoio e voz... cedeu sua tessitura poética para
contribuir com os que vivam ocultos na sociedade.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Nessas reexões permeadas por um entremeio de vivências e
contribuições teóricas que oportunizaram olhar para a vida de uma poetisa
e suas vozes, compreendemos como o romper com os estereótipos de
mulher e garantir uma tessitura poética do “eu” e do ‘outro” pôde e ainda
pode ser recepcionado como palavra viva que representa muitas mulheres
brasileiras. É possível armar tal recepção aos poemas de Cora Coralina
em dias atuais, pelo envolvimento das participantes no minicurso e pelas
reexões e depoimentos que se encontraram nas vidas de Cora.
referênciAs
AZEVEDO, Sara Dionízia Rodrigues. Formação discursiva e discurso em Michel
Foucault. Revista Filogênese, Marília, v. 6, n. 2, p. 148-162, 2013. Disponível em: http://
www.marilia.unesp.br/#!/revistas-eletronicas/logenese/edicoes-anteriores/2013---
volume-62/. Acesso em: 25 ago. 2017.
COELHO, Nelly Novaes. A literatura feminina no Brasil contemporâneo. Língua e
Literatura, São Paulo, v. 16, n. 19, p. 91-101, 1991.
CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais. São Paulo: Global, 1993.
CORALINA, Cora. Meu Livro de Cordel. São Paulo: Global, 1994.
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martin Fontes, 2003.
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
PONZIO, Augusto. A revolução bakhtiniana: o pensamento de Bakhtin e a ideologia
contemporânea. São Paulo: Contexto, 2016.
SCHIMIDT, Rita Terezinha. Repensando a cultura, a literatura e o espaço da autoria
feminina. In: NAVARRO, Márcia Hoppe (org.). Rompendo o silêncio. Porto Alegre:
Editora UFRGS, 1995. p.182-189.
Mulheres, Gênero e
Magistério-História e
atualidade do papel da
Educação para a igualdade
de Gênero
| 183
M   1920:
,  

Jamilly Nicacio Nicolete
Jane Soares de Almeida
Nas primeiras décadas do século XX, o alcance das informações
se ampliava e nessa transição o acesso a uma determinada literatura
1
,
discursos, modos de proceder, normas e regras sociais haviam sido herdados
do século XIX, mas o mundo era outro e uma Segunda Grande Guerra
se aproximava. A República Brasileira intentava se rmar no panorama
político e o último imperador havia morrido na Europa há alguns anos.
Elegiam-se presidentes, a indústria se desenvolvia e avançava, a economia
se rmava em outras áreas que não somente a agricultura, o espaço urbano
A Coleção das Moças, livros românticos da francesa Madame Delly; os romances de Jane Austen, Charlotte e Emily
Brontë (séc. XIX), são exemplo da literatura estrangeira do século XIX, destinada às mulheres. No Brasil, as obras
de Machado de Assis e Aluízio de Azevedo também impregnavam o imaginário social acerca das guras femininas.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
184 |
ampliava-se, se abriam ruas e as portas das residências. A cultura letrada se
rmava em variadas publicações: romances, revistas, imprensa periódica,
livros escolares, almanaques, manuais de civilidade, entre muitos outros.
Quem eram os autores nacionais ou estrangeiros que publicavam seus
artigos, suas opiniões e notícias, veiculavam novos modos de pensar e se
situar num mundo que já não era o mesmo daquele de antes da Primeira
Grande Guerra?
Certamente, participar das construções culturais estava
reservado aos homens letrados, pois raras mulheres, com o as intelectuais
feministas, ou que desempenhavam uma prossão, se atreviam à
exposição ao espaço público, mesmo que fosse pelo mundo das letras.
Chartier (1991, p. 179), observa:
Os que podem ler os textos, não os leem de maneira semelhante,
e a distância é grande entre os letrados de talento e os leitores
menos hábeis, obrigados a oralizar o que leem para poder
compreender, só se sentindo a vontade frente a determinadas
formas textuais ou tipográcas.
Como homens e mulheres, estas em especial, se apropriavam
da leitura dos populares almanaques que adentravam aos lares com
periodicidade regular? O que diziam estes panetos? Que representação
ou impacto suas matérias aligeiradas e histórias açucaradas, com fartas
ilustrações, causavam sobre as mulheres leitoras num mundo que se
modicava? E quem eram as mulheres que agora transitavam regularmente
no mundo que se ampliava pela via do letramento, das artes, do lazer?
Onde e o que estudavam; o que liam; como se situavam no mundo do pós-
guerra que modicou as gerações? No dizer de Chartier (1991, p. 181), “a
leitura não é somente uma operação abstrata de intelecção: é por em jogo
o corpo, é inscrição num espaço, relação consigo ou com o outro”.
Essa relação construída com corpos mais leves, menos aprisionados,
abertos para a moda, as novidades externas, a bem vinda educação, era
aliada dos novos tempos exibidos pelos atrativos almanaques? As leitoras dos
almanaques trabalhavam, lecionavam para crianças, escreviam, praticavam
esportes ou se deixavam car em casa à espera de um bom marido?
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 185
Quase um século se passou e vestígios que hoje possam ser
reinterpretados à luz de uma História, que reconheça seu protagonismo
social, se esgarçam perante o mundo da tecnologia e da aceleração das
informações. Estes vestígios estão perpetuados em fotos, jornais, pinturas,
cartas, escritos, documentos que escaparam da voragem dos anos e da
destruição de sua passagem.
A raridade das fontes sempre se congurou num obstáculo quando
se quer escrever sobre mulheres. É possível reescrever sua História de forma
a entender tempos passados onde se zeram presentes? Perrot, (1988, p.
212) nega que a condição feminina de mulheres passivas e submissas seja
verdadeira ao observar que, “a miséria, a opressão, a dominação, por reais
que sejam não bastam para contar sua história”.
A História das Mulheres também se processa nas entrelinhas
da alteridade e da dicotomia que esta insere entre o público e o privado.
Como escrever esta História se os feitos femininos foram mantidos na
invisibilidade? Como reescrever um protagonismo feminino numa história
escrita pelos homens? Perrot (2012) também refere-se ao “silêncio das
fontes”, conceito que considera a diculdade de localizar mulheres ocultas
no mundo cotidiano, que eliminou maiores vestígios de sua passagem.
No início do século XX, os sexos possuíam entre si um processo
relacional ainda marcado pelo exercício do poder dos homens sobre as
mulheres. As redes de poder se representam por processos fenomenológicos
imbricados com atitudes práticas, ambas ligadas num processo de
construção social. As práticas e os sujeitos são efeitos de poder e do saber,
os quais se fabricam nas diversas instituições presentes nas sociedades das
diversas culturas e se estabelecem nos sentidos que atribuímos aos gestos,
aos comportamentos, às pessoas e a nós mesmos:
[...] o poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os
indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de
exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são os alvos inertes
ou consentidos de poder, são sempre centros de transmissão [...],
aquilo que faz com que um corpo, gestos, discursos e desejos
sejam identicados e constituídos enquanto indivíduos é um dos
primeiros efeitos de poder. (FOUCAULT, 1981, p. 1).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
186 |
As redes de poder se expressam na alteridade e compreender essa
relação implica no entendimento do conceito de gênero
2
, que justica a
percepção dos processos corporais, por meio de uma construção social de
sentidos estabelecidos na determinação do caráter dos indivíduos e suas
relações com os conceitos de masculinidade e feminilidade.
O uso do termo gênero representa um procedimento que procura
explicitar os atributos especícos que cada cultura impõe ao sexo masculino
ou feminino, ao considerar a construção social construída hierarquicamente
como uma relação de poder entre os sexos (SCOTT, 1990, p. 13).
Por outro lado, as interfaces culturais transformam a biologia, e
a inscrição do gênero é feita nos corpos e tem características históricas. O
sujeito será masculino ou feminino e isso é construído pelos padrões de
uma determinada cultura, da qual recebem signicado e ao mesmo tempo
é por ela modicado (LOURO, 1995, p. 177). Se determinada cultura
estabelece a diferença como um fator de desigualdade, isso se constitui,
historicamente, como uma ordem de poder, o que justica, em nome da
opressão, a negação efetiva da igualdade e se reveste na escala valorativa
de mais ou menos direitos para cada indivíduo ou grupo social, ao inserir
subjacente a ideia de domínio.
A igualdade, proposta pela crítica teórica feminista, não signica
a adoção do paradigma masculino, nem que as diferenças devam ser
eliminadas, pois estas, no bom sentido, denem a identidade de cada sexo.
Sua negação pode levar ao extremo oposto, quando se pensa em descrever
o feminino pelo ponto de vista masculino:
Las mujeres se esforzaran em un principio para obtener los mismos
derechos que los hombres, para igualarse com ellos. Sin embargo,
uma vez alcanzado um certo grado de emancipación, a mediados
del siglo XX, se dieron cuenta de que abdicar a su diferencia
implicaba renunciar a conocer el mundo desde sí mismas, a
valorar sus cuerpos, a experimentar suas sexualidades y a toda
libertad particular. A la par, implicaba desgastar-se em imitar um
modelo incanzansable porque, precisamente, es diferente de ellas.
(GARGALLO, 2007, p. 90).
Entre as décadas de 1980 e 1990 o conceito de gênero e sua representação social como relação de poder,
se edicou, quando o movimento feminista se voltou para construções propriamente teóricas, além das
preocupações sociais e políticas que até então o marcavam. Sua introdução, como categoria cientíca que
expressa as relações sociais entre os sexos, surgiu da necessidade de pensar o feminismo a partir de uma
perspectiva teórica, representada pela não aceitação da desigualdade.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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O gênero procura dar signicado às relações de poder e se congura
como um elemento estabelecido nas relações sociais, baseado sobre as
diferenças entre os sexos e se manifesta como um meio de decodicar o
sentido e compreender as relações complexas presentes no meio social.
Scott (1990) propõe a análise dessas relações a partir de sistemas culturais
assinalados pelo poder e sugere a existência de uma relação de parceria,
com a eliminação da oposição binária entre homens e mulheres.
As identidades de gênero não são estabelecidas e xadas num
determinado momento, mas constantemente construídas e transformadas.
Homens e mulheres se edicam como atores sociais masculinos ou femininos,
e todas as estruturas como família, religião, meios de comunicação, escola
estão envolvidas nessa dinâmica: “o fazer-se homem e o fazer-se mulher é um
processo, ou seja, aprende-se a ser homem ou mulher, conforme as visões de
mundo que orientam as práticas dos indivíduos” (PARAÍSO, 1997, p. 27).
Os estereótipos decorrentes das relações de gênero, por sua vez,
situam-se numa escala axiológica e são manifestados ao longo da existência
humana. Este processo ocorre desde a mais tenra idade pela educação, não
apenas a formal, mas também a familiar e social, quando o conjunto de
características estereotipadas signica um dos mais ecazes mecanismos de
perpetuação das desigualdades entre homens e mulheres.
A abordagem de gênero na História das Mulheres objetiva a
desconstrução da ordem de poder estabelecida nos documentos ociais
e na historiograa escrita por homens, na qual estas ocupam nichos
derivados do imaginário acerca da feminilidade, e o discurso simbólico
ocupa espaços não representativos da realidade:
A prolixidade do discurso sobre as mulheres contrasta com a
ausência de informações precisas e circunstanciadas. O mesmo
ocorre com as imagens. Produzidas pelos homens, elas nos dizem
mais sobre os sonhos ou os medos dos artistas do que sobre as
mulheres reais. As mulheres são imaginadas, representadas, em vez
de serem descritas ou contadas. Eis aí outra razão para o silêncio
e a obscuridade: a dissimetria sexual das fontes, variável e desigual
segundo as épocas. (PERROT, 2012, p. 17).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
188 |
os corPos feMininos nA esferA dA AlteridAde
A frase de Perrot (2012, p. 42) é lapidar: “Nos campos de
antigamente, os sinos soavam por menos tempo para o batismo de uma
menina, como também soavam menos para o enterro de uma mulher.
O mundo sonoro é sexuado”. O mundo, as práticas sociais, o lazer, a
sociabilidade, a educação, os costumes, a saúde, a arte, a história, entre
outros, e que representam uma rede complexa que rege o mundo civilizado
e decorrem de formas sexuadas de ordenar o universo social e cultural.
Nascer mulher é adaptar-se às restrições e expectativas do modelo masculino.
Mulheres devem ser belas, limpas, honestas, prendadas, submissas, puras,
numa lista inndável dos predicados femininos delimitados e delineados,
ao longo do tempo, pelos desejos modelares masculinos, apoiados
pelos femininos, e pela ordem sexuada que estes estruturam para o
funcionamento da sociedade, como no exemplo abaixo retirado de um
Manual de Economia Doméstica de meados do século XX:
Existem casas e existem lares. Casa é o imóvel em que moramos
e onde nos abrigamos contra as intempéries. Lar é muito mais do
que isto: é a casa e a vida sentimental e espiritual da família. Para
que exista um lar no interior das quatro paredes de uma habitação,
é necessário que ali resida o verdadeiro espírito da família: e este
espírito, compete à mulher cria-lo e conservá-lo. Jamais permitirá
a verdadeira mãe de família que a chama do amor e do sacrifício
se apague no recesso de sua casa. Tão complexos se apresentam
os problemas da família que a dona de casa, no seu viver diário,
necessita de um conjunto sistematizado de variados conhecimentos
cientícos, am de que suas tarefas não sejam desempenhadas
empiricamente. São-lhe indispensáveis noções de higiene,
nutrologia, contabilidade, puericultura, enfermagem, etc. A jovem
deve compenetrar-se de que será um dia responsável por uma casa,
um lar e uma família. (SERRANO, 1950, p. 15).
Nos anos 1920, assim como nas décadas anteriores e posteriores,
a responsabilidade pelo mundo doméstico repousava exclusivamente em
mãos femininas, com consequências para sua individualidade e autonomia.
Manter a família ao abrigo dos males advindos de problemas sociais do
exterior dos lares era sua missão e vocação. A imagética social, ao ser
veiculada por jornais, revistas, lmes, teatros, escolas referendava o destino
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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das mulheres das classes médias e altas – era a expectativa do cumprimento
de papeis predeterminados. As mulheres pobres cavam relegadas à luta
cotidiana pela sobrevivência.
Do término da Segunda Guerra até os anos 1950, com o advento
da televisão, com mais produção de lmes e sua popularização, houve
alterações signicativas no campo social. As mulheres passaram a ter
protagonismo como cidadãs com acesso ao direito de votar, o que lhes
oportunizou maiores oportunidades educacionais e consequentemente ao
mundo do trabalho.
Como se processavam as relações de gênero, num país como o
Brasil, dependente das ideias europeias e norte-americanas, quanto ao
protagonismo feminino no panorama social?
Os romancistas mais lidos no País e exterior idealizavam as
mulheres como seres dotados de atributos de pureza e bondade, castas e
abnegadas; os positivistas lhes atribuíam a mais nobre missão de serem
indispensáveis à família, em cujas mãos repousava a grandeza da Nação; a
Igreja católica lhes estampava o exemplo da Virgem Maria, impossível de
ser dissociado do destino irrecusável de serem mães.
As mães deviam ser sacrossantas e puras, o sacrifício do corpo e da
beleza era depositado no altar sacricial do matrimônio e da maternidade.
Impensável serem mães sem antes serem esposas, passando pelos inevitáveis
rituais do noivado, do recebimento da corbeille, (joias de compromisso,
acompanhadas de um ramalhete de ores) e, nalmente, pelo casamento
sacramentado na Igreja Católica e reconhecido pelas leis civis. Impensável
o divórcio, as indelidades, a simples atração pelo sexo oposto, a vivência
do espaço público por meio do trabalho, das prossões ou da política.
Os corpos femininos eram a arca do tesouro, ciumentamente
guardados pela família e, por mais que se apontem as razões econômicas
da descendência, o fato é que estes eram vistos como propriedade
masculina, preservados com zelo e isso signicava controle físico, da
alma e do pensamento. Como conseguir isso? Censurando às mulheres
as leituras, as amizades não recomendáveis, a exposição ao espaço
público e suas contaminações, vigiando a educação e os conteúdos
escolares, mantendo-as atreladas aos dogmas religiosos ao incentivar a
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
190 |
extrema religiosidade, convencendo-as que o ápice de seu destino era o
matrimônio e a maternidade.
É claro que o amor conjugal pode existir. Mas é um golpe
de sorte ou o triunfo da virtude. O amor se realiza mais fora
do casamento: amplamente tolerado para os homens, cuja
sexualidade seria incoercível, é muito menos tolerado para as
mulheres, cujo adultério é passível de ser levado aos tribunais,
enquanto o dos maridos só pode ser condenado se praticado no
domicílio conjugal. O casamento por amor é, por conseguinte,
a única opção honrosa para uma mulher, seu abrigo seguro.
A mulher casada é, ao mesmo tempo, dependente e dona de
casa. Cabe a ela usar dos poderes que lhe são conferidos ou
relegados. Dependente juridicamente, ela perde seu sobrenome.
[...]. Dependente sexualmente está reduzida a “dever conjugal”
prescrito pelos confessores. E ao dever de maternidade, que
completa sua feminilidade. Temida, vergonhosa, a esterilidade é
sempre atribuída à mulher, esse vaso que recebe um sêmen que se
supõe sempre fecundo. (PERROT, 2012, p. 47).
Em contraponto à imagem de mães e de virgens, assexuadas,
o corpo das mulheres emergiu ao longo dos séculos como um pilar do
erotismo e da sedução. Expostos desnudos nas telas e no mármore dos
grandes mestres, aos poucos foram sendo encobertos até que as décadas
iniciais do século XX modicaram os comportamentos, os quais,
esporadicamente entravam em conito com a Igreja católica. Nas escolas,
a educação assexuada ignorava o mundo que se esculpia em contornos
mais exíveis e menos puritanos. As famílias almejavam a pureza e a
inocência de suas lhas, desejando alianças e casamentos tradicionais e
investindo em expectativas para o desempenho da maternidade. Os meios
de comunicação avançavam na defesa de costumes mais modernos e até
mesmo transgressores.
No cenário contraditório das décadas iniciais do século XX,
os almanaques em voga nos anos 1920/30 apelavam para o imaginário
erótico ao retratar as estrelas de cinema, as divas dos teatros, as burguesas
endinheiradas que ofuscavam a cena social com modismos, transgressões,
roupas, rostos maquiados e cabelos curtos. Ousadas, as jovens casamenteiras
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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das famílias burguesas eram retratadas nas mesmas revistas ornadas de
atrizes que ditavam modas e comportamentos.
Por outro lado, o conservadorismo social vigente, ainda
insistia em ancorar na virtude o principal ornamento da mãe de
família, na visão veiculada sumamente pela imprensa feminina, nos
jornais escritos por e para mulheres, e “a renúncia ao luxo traduz-
se, na visão da imprensa feminina, em renúncia ao exercício de sua
vaidade e da valorização de seus predicados físicos no espaço público
da rua” (BICALHO, 1989, p. 95).
Entre esses paradoxos, com dois tipos de representações sociais,
cabem mais interrogações: de que forma os almanaques eram lidos,
decodicados, interpretados, como produtores de sentido e signicado
no imaginário das leitoras, se costumavam encerrar tantas ambiguidades
acerca da gura feminina? Estas confrontavam com os ideais feminis
expressos pela sociedade e alardeados pelos jornais escritos por mulheres?
Ou traziam para dentro da família valores avançados, comportamentos
inaceitáveis, corpos expostos, vaidade e sensualidade? Não consta que os
almanaques fossem de circulação restrita ou proibida sua leitura. Muito
pelo contrário, eram frequentes nas livrarias e nas assinaturas. Como
entender essa complexidade, a qual, no tocante ao sexo feminino se revestia
de maiores nuanças do que se supõe?
AlMAnAch Eu sEi tudoAs Mulheres coMo ornAMento nos
esPAços do lAzer
O século XX realmente começa com o nal da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918), no que tange especicamente às mudanças
comportamentais. A carnicina dos tempos de guerra substituiu as
manifestações sociais num mundo conturbado, que atingiu o espaço
público e o privado. Com o término das lutas que destruíram famílias e
nações, houve mudanças estruturais na vida pública e na vida privada, pela
ausência dos homens mortos nas batalhas. Durante os anos do conito e nos
que os antecederam, as mulheres ocidentais se mantinham numa situação
de submissão, interrompida a espaços com reivindicações femininas por
maiores direitos como educação, voto e mais liberdade.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
192 |
Os anos de 1920 estamparam novos comportamentos femininos,
principalmente nas classes sociais mais elevadas. Ao descrever a mulher
portuguesa desses anos, em Portugal, Barreira (1992, p. 17), observa:
Os anos 20 iniciam paulatinamente outra forma de estar da
mulher burguesa. Desde as modas que além Pirineus atravessam
fulgurantemente, através de revistas da especialidade, uma
Lisboa bem mais pacata, até à pequena elite de intelectuais que
frequentavam a Universidade, escreviam poemas e romances ou
tentavam, de tribunas feministas, intervir politicamente. Tudo isto
numa santa paz e moderação bem portuguesas.
Os Estados Unidos e demais países europeus, embarcavam numa
sociabilidade recente derivada dos tempos de conito. O Brasil denotava
a inuência norte-americana e inglesa, o que se revelava ecazmente na
popularização do cinema, na diversicação de revistas e almanaques, nos
programas de rádio, na literatura da época. Paris, na França, atraía artistas
e intelectuais ávidos por fugir de sociedades conservadoras, opressoras e
sexistas que sufocavam a liberdade e a livre expressão.
Os meios de comunicação se aceleravam, embora a aviação
comercial ainda não fosse acessível. Navios de passageiros saíam
do porto do Rio de Janeiro e Recife rumo à Europa e América do
Norte. Modelos de cabelos, roupas, sapatos, trejeitos de atrizes eram
imitados no mundo ocidental recém- saído do conflito. Em São
Paulo, a Semana de Arte Moderna em 1922 foi a maneira expressa
para renovar o ambiente cultural e mulheres como Anita Malfatti
e Tarsila do Amaral causavam impacto no mundo das artes. Com
as primeiras transmissões de rádio e o cinema, uma nova sociedade
se desenhava e nela o protagonismo de uma mulher educada, mais
atuante, se edificava na classe média e na elite econômica, afastando-
se de uma vez das mulheres de antes da guerra.
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Figura 1 - Um casal da classe média. O homem faz a pose séria, do pai de
família. A esposa, ao seu lado, mantém-se em atitude respeitosa, a uma
distância que denota a pouca exposição do casal ao público.
Fonte: Acervo particular, aproximadamente 1910/15.
Como era a vida das mulheres no Brasil nos anos 1920? O que
faziam, como se divertiam, o que liam? Costumeiramente se pensa que
jovens e senhoras eram mantidas longe do espaço público e só poderiam
sair para assistir à missa, como as mulheres coloniais. Serão verdadeiras
essas representações? Como podemos recuperar o passado histórico do
sexo feminino, se ainda tão pouco se sabe sobre as mulheres brasileiras nos
interstícios da sociabilidade?
Barreira (1992, p. 22), fala da mulher cantada em prosa e verso nos
romances lidos na época pela população feminina alfabetizada, enaltecida
como “fada do lar, amante delíssima, esposa exemplar”. E sobre a jovem
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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exposta aos riscos de desejar trabalhar fora de casa, ou ser artista, “condição
dicilmente aceite por uma mentalidade mais conservadora”. Almeida
(1998, 2007), refere-se às professoras como destinatárias da imagética social
ao alocar seu desempenho prossional ao papel de esposas e mães. Magaldi
(1992, p. 61), relata seus estudos sobre mulheres no mundo da casa nas
obras de dois romancistas na virada do século XIX ao XX no Rio de Janeiro,
como centro da vida social, “destinado a expressar o cenário privilegiado
da modernidade brasileira, o paradigma do progresso nacional, a vitrine
de um país que, aos olhos das classes dominantes da época, civilizava-se
anal”. Perrot (1988, p. 181), atribui ao letramento feminino, derivado da
necessidade de educar os lhos, avanços na sua condição, que “progrediu
rapidamente nas cidades do século XIX, e a leitura privada de romances e
jornais modelou seu imaginário”.
Como entender as representações femininas nos almanaques,
sobejamente divulgados entre as famílias, objeto de leitura atenta e
comentários à mesa do jantar, com as expectativas sociais e familiares
acerca da educação das moças e dos comportamentos esperados das esposas
e mães? Como entender a audácia explícita das atrizes, das cocotes francesas,
das emancipadas norte-americanas ilustradas nesses periódicos, ao
adentrar no sacrossanto recesso dos lares? E como cotejar com os modelos
comportamentais femininos enovelados entre o conservadorismo do
século XIX e a modernidade do pós-guerra? Onde localizar o movimento
feminista, as mulheres operárias, as mulheres educadas? O “silêncio
das fontes” tem sentido e signicado; é difícil encontrar as pegadas das
mulheres, sejam elas em qualquer espaço.
O conceito de dicotomia sexual proposto pelos estudos de gênero
referendam os estereótipos culturais acerca de masculino e feminino,
estabelecendo conceitos antagônicos:
Cuando se habla de dos sexos, masculino y feminino, se está
abarcando em esta dicotomía um disciplinamiento de aspectos muy
diveros de la sexualidad humana. Por supuesto el sexo anatómico,
con el que a primera vista y al nacer se classica a casi todos los seres
humanos: tan fuerte es el dogma sobre la dicotomía anatómica, que
cuando no se encuentra se la produce. (MAFFÍA, 2007, p. 88).
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Nos almanaques são agrantes as dicotomias sexuais, nas quais o
sexo biológico é produto de uma leitura cultural. E quando a diferença é
usada como controle ideológico e hierarquia que facilita a opressão de um
sexo (feminino) pelo outro (masculino), se converte em uma experiência
histórica. Os produtos culturais dessa experiência, ao se concretizarem nas
escrituras com forte apelo ideológico, trazem em si a justicativa da ordem
universal de poder baseada na natureza. No caso dos almanaques, o uso
dos corpos é agrante: a beleza, que ao se expor seminua, emblematizada,
metamorfoseada em poses sensuais e roupas ousadas, são objeto de desejo
e imitação.
Originários do estrangeiro, as revistas e almanaques circulavam
entre o público feminino ditando modas e alterando os costumes. E que
diferença dos manuais de civilidade, regras de boas maneiras, tratados de
perfeição cristã e romances edicantes lidos até então!
Os manuais de civilidade ditavam normas comportamentais
restritivas ao sexo feminino; os tratados de civilidade, etiqueta e boas
maneiras sufocavam o espaço da sociabilidade e as relações de gênero ao
impor cânones sociais a serem seguidos, desde as injunções das jovens e
senhoras não saírem desacompanhadas, até os impedimentos dentro do
próprio lar, como atenderem à porta ou receberem visitas particulares. Os
catecismos pregavam costumes ascéticos de acordo com as normas religiosas
e as obras literárias, especialmente os romances femininos, impingiam
imagens de mulheres pudicas, controladas, castas, caladas, sufocadas pelas
normas sociais.
As revistas femininas que circulavam no período, embora
reivindicassem maiores direitos para as mulheres, em grande parte se
mostravam conservadoras quanto aos papeis sexuais. Os almanaques
eram outra história e pareciam reinventar o social, embora por si só seu
conteúdo fosse contraditório, pois aliavam todos os aspectos acima quando
se referiam ao sexo feminino, acrescentando comportamentos avançados e
irreverentes, o que torna sua leitura paradoxal e deveras instigante.
Do Almanaque “Eu sei tudo”, foram escolhidos pelo critério de
localização, cinco números de 1926, 1927 e 1928. Os exemplares eram
publicados mensalmente, com uma edição especial anual, no Rio de
Janeiro desde 1917, pela Casa Americana, até os nais dos anos 1950,
quando as revistas em geral passaram a ser ultrapassadas pela televisão,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
196 |
com maior apelo ao público. Publicados primeiramente na França com o
nome Je sais tout em 1905, nos Estados Unidos eram denominados I know
everything, na mesma época.
Esses almanaques, pontualmente assinados e lidos pelas famílias
nos vários estados brasileiros, compunham um quadro cultural que
importava os modos de vida europeus e norte-americanos, e inseriam
matérias das diversas regiões brasileiras. Os periódicos eram uma alternativa
aos austeros manuais de civilidade, aos catecismos ascéticos de doutrina
cristã, aos romances edulcorados com heroínas trêmulas e submissas,
aos livros escolares veiculadores de contenção e disciplina, até mesmo às
publicações femininas como jornais e panetos, que reivindicavam mais
educação e o sufrágio.
Como entender essa complexidade? Como cotejar a educação e o
comportamento esperado das moças das boas famílias, contidas e educadas
segundo a austeridade católica, com a liberdade exposta nos almanaques
vendidos livremente?
Os almanaques ofereciam ao público leitor uma miscelânea
informativa mediana, ao longo de mais de cem páginas, com variada
ilustração, com destaque para mulheres, principalmente atrizes, bailarinas
e esportistas. No entanto, suas fotos eram apenas ornamentos e logo abaixo,
pequenas legendas elogiosas expunham seus nomes e o que faziam.
Além destas, as jovens burguesas ou da classe média, também
eram notícia, quando lançavam o “último grito” da moda, ou apresentavam
comportamentos excêntricos e modos de ser afastados dos modelos
femininos até então adotados, como praticar esportes, dirigir, participar
de competições ou simplesmente usar os cabelos curtíssimos e vestidos
avançados.
As publicações, extremamente populares entre as famílias,
provavelmente competiam com os jornais femininos dos anos 1920,
engajados na luta pelo sufrágio e liderados por notórias feministas que
pertenciam à elite econômica e intelectual, dos maiores centros brasileiros.
Essas publicações, que possuíam forte caráter político e reivindicatório,
contraditoriamente eram moderadas e pregavam o valor da maternidade,
a importância das mulheres na manutenção do espaço familiar e criação
dos lhos.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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Os almanaques analisados sequer se referiam ao movimento
feminista, bastante atuante e agressivo na Inglaterra e outros países
europeus, mais moderados nos Estados Unidos e francamente contidos no
Brasil. As publicações existiam para o lazer, o divertimento, a curiosidade,
as roupas eram audaciosas, as atrizes seminuas expunham as pernas e os
seios, o apelo erótico era evidente.
Como as mulheres brasileiras decodicavam esse modo de
vida tão diverso do seu? Será que comparavam, sentiam anseios por essa
liberdade tão aberta de suas páginas? Como se equilibravam entre modos
de viver certamente admirados com a sua própria existência ainda atrelada
ao domínio masculino e enquadrada em normas sociais tão diversas?
Figura 2 - ALMANACH, fevereiro de 1926,
p. 51.
Até pouco tempo contido em roupas recatadas,
os corpos femininos eram expostos pelas
atrizes do moderno cinematógrafo sem muita
pudicícia, veja-se a foto de Miss Esther Tanya,
do Vanities de New York publicada em abril
de 1926, (p. 27), nua, de perl com apenas
uma echarpe translúcida, que mal a cobre
frontalmente, em pose sugestiva, erótica.
A contenção dos corpos pregada pela moral vigente se dilui na
generalidade informativa dos almanaques, que não parecem adotar uma
linha política declarada. São amorfos, ligeiros, destituídos de crítica
social. As fotos servem apenas como moldura para novelas românticas ou
aventureiras, não são mulheres reais que ali se expõem, são como enfeites
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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numa prateleira, na pose montada, com seu arsenal de roupas, apelo
sensual e bocas desenhadas em vermelho. Feitos para distrair e informar
supercialmente, o apelo das fotos prima por uma pretensa ilustração para
trazer ao cenário brasileiro os usos e costumes de outros países, em especial
Estados Unidos e Europa. Os almanaques apresentam mulheres em trajes
caprichados e vaporosos, pernas e braços descobertos, dançando, atuando
em peças teatrais, ou em trajes de banho nas praias, mostrando os corpos;
praticando esportes ou fazendo ginástica. O culto aos corpos delgados se
anuncia na ênfase dada à atividade física, como a natação em roupas de
banho não muito comportadas. A obesidade parece ser objeto de repúdio,
ao se exigir mulheres saudáveis, esbeltas, como mostram as fotos na prática
de exercícios físicos. Mulheres acima do peso, que fogem aos padrões da
moda de corpos bem denidos se transformam em objeto de escárnio
como na imagem:
Figura 3 - ALMANACH, abril de 1926, pág. 48
No próprio Almanaque a legenda é: Uma família de peso – quatro senhoras membros da família Carlson,
de Brocklins (mãe e três lhas), que representam um peso total de 700 kilos. Nada sabemos, infelizmente,
a respeito do gasto de alimentos em sua casa. O pai de tais macróbios morreu recentemente. Ou melhor,
renunciou...
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As artistas sorriem com boquinhas pintadas em arcos delineados,
o arco de Cupido”, numa referência ao Deus do Amor da Mitologia
Grega, ou em formato de delicados corações vermelhos. Os olhos são
sombreados, sedutores, a postura estampa a sensualidade; os vestidos
mostram as últimas tendências da moda, com bainhas pouco abaixo dos
joelhos, tules esvoaçantes, calças largas com túnicas, braços e colo expostos.
As meias são presas com guizos, declarando o que se usa na França, e nelas
as jovens pintam retratos dos noivos, fotografadas numa postura risonha
e natural, outras colocam fotos masculinas nos brincos; as ousadias são
muitas e variadas.
Figura 4 - ALMANACH, Junho de 1927, p. 24.
Miss Patrícia Avery, de New York, que lançou a moda da gravata com a foto pintada do noivo.
A moda é vista com complacente tolerância, anal os tempos são
outros. A Primeira Grande Guerra abriu as comportas para novos modos
de vida. Nesse cenário, muitas mulheres que caram repentinamente
sozinhas, donas do próprio destino, responsáveis pela sua sobrevivência,
dos lhos e até de pais idosos ou doentes adentram ao espaço público
nos mais diversos níveis. Os cabelos curtíssimos são cuidados com Loção
Brilhante e Tricofero de Barry. As jovens dirigem automóveis no Rio de
Janeiro, São Paulo e demais cidades em vertiginoso crescimento. Algumas
se arriscam ao pilotar aviões, ou jogam bilhar nos espaços públicos, outras
são nomeadas pregadoras presbiterianas nos Estados Unidos. As mulheres
se perfumam, usam cremes contra rugas da marca Rugol ou Simon, que
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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as paulistas compram na Rua Alvim Freitas em São Paulo, que anunciava
“3000 dólares de prêmios se não desaparecerem as rugas” (ALMANACH,
1927, p. 107). O sabonete Reuter é o preferido, assim como o Gessy. Para
a beleza da aparência pálida, o pó de arroz Les Poudres de Riz ou L. P. Piver
vindos de Paris; as unhas são esmaltadas em cores vivas de vermelho e rosa
da marca Cutex; os depilatórios higienizam e dão uma aparência limpa.
O físico é exposto e as questões de higiene íntima deixam de ser
somente privadas e transpõem o público quando se anunciam medicamentos
para moléstias de senhoras: o Mercethylina disputa espaço com o Regulador
Fontoura, não há mais barreiras excessivamente pudicas quanto aos corpos
femininos e suas funções, mantidos na linha com Emagrina. Os seios não
são mais contidos em roupas apertadas, colos sedutores transparecem entre
rendas e decotes, as pílulas Orientales, indicadas para fazê-los crescer, são
vendidas nas farmácias de São Paulo e Rio de Janeiro. O preparado Magic
evita a transpiração excessiva, pois uma senhora elegante não pode ser
suada. Para a manutenção da boa saúde indica-se Ovomaltine e Biotonico
Fontoura.
Os Piquetes entram e saem dos portos no Rio de Janeiro, com
frequência levam para temporadas na Europa mulheres campeãs de
natação, arqueiras, atiradoras e tenistas. As jovens e senhoras são leitoras
de jornais e romances, passeiam de barcos pelo Tâmisa em Londres,
ou pelo Sena em Paris, saem em safáris para os países africanos e ilhas
isoladas, onde são fotografas ao lado de animais selvagens. Os cabelos a
la garçonne, curtíssimos, ora são elogiados como modernos e avançados,
ora são objeto de piadas. As poses em lingerie são sensuais e nas fotos as
atrizes Joan Crawford e Clara Bow marcam presença constante. Dança-se
o Charleston, romances são divulgados e o moderno cinematógrafo, ao
lado das peças teatrais, embora com maior apelo, se conguram como a
grande atração no espaço do lazer.
A educAção feMininA e o MAtriMônio coMo AsPirAção sociAl
Com exceção de preceitos higiênicos para os cuidados e a saúde
das crianças, por meio de conselhos úteis, pouco ou nada se abordava
sobre educação nos almanaques, embora esta fosse condição para o
desempenho da maternidade. Os matrimônios continuavam a ser o grande
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acontecimento social e máxima aspiração das jovens casadouras. O paneto
eugênico Como conseguir um bom marido, de Renato Kehl fazia sucesso nos
meios sociais:
Todas as mulheres, ao chegar à cupidinea idade da juventude, a
essa deliciosa fase da vida em que tudo parece sorrir, são tocadas
por doce e estranha preocupação de encontrar uma parte do seu
eu, uma qualquer coisa incompreendida, mas que faz falta; são
tocadas, repito, pelo desejo de encontrar a outra ‘metade’, enm de
descobrir um noivo, um marido. (KEHL, 1935, p. 16).
Equilibrando-se entre as aspirações sociais, as normas cristãs de
religiosidade, os padrões comportamentais, as aspirações de pureza da
raça pregada pela Eugenia, as restrições sociais e familiares, o apelo do
novo século e a vida entrevista pela cultura dos almanaques, se debateriam
as mulheres brasileiras na angústia existencial da vida a ser aproveitada
ao máximo proposta pelo apelo parisiense dos annés follés? Como se
apropriavam dos postulados pela emancipação defendida pelas feministas
norte-americanas e europeias? Onde se inseriam essas novidades no arcaico
sistema escolar brasileiro atrelado ao catolicismo ultramontano, que não
se fortaleceu no início do século XX, mesmo com os ideais do liberalismo
republicano e as inovações introduzidas pelos missionários protestantes, no
sistema de ensino público e privado?
A conquista do voto, que mobilizou as mulheres no mundo
ocidental foi, no plano simbólico, a representação de sua inserção no
espaço público e nas estruturas de poder, mas sua participação política
continuou restrita a pequenos grupos de mulheres educadas pertencentes a
uma classe social melhor situada economicamente.
A constatação da capacidade das mulheres para o trabalho
fora do âmbito doméstico, e o consequente ganho de autonomia que
isso lhes proporcionou, mais as necessidades de sobrevivência ditadas
pelas circunstâncias, iniciaram uma reviravolta nas expectativas sociais,
familiares e pessoais acerca do sexo que até então estivera connado no
resguardo do espaço doméstico e no cumprimento da função reprodutiva.
Essas mudanças possibilitaram a emergência de uma imagética feminina
que atravessou as fronteiras por meio da imprensa, do rádio e do cinema,
inuenciando as mentalidades nos países periféricos, entre eles o Brasil,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
202 |
principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, embora
outros estados também devam ter participado. Para isso, a contribuição da
imprensa feminina foi decisiva e as mulheres instruídas aproveitaram esse
espaço aberto no mundo das letras para serem ouvidas e expor sua nova
maneira de pensar.
Figura 5 - ALMANACH, março de 1928, p. 52
As atrizes são imitadas nos seus estilos de roupas, cabelos e maquilagem. Os olhos são profundos e as bocas
sensuais, sem disfarce do erotismo, embora delicado.
Os populares almanaques caram ausentes do debate político
proposto pela onda feminista. Em suas páginas as mulheres eram belos
enfeites que atraíam e seduziam a imaginação. Como no cinema, não eram
seres reais; mesmo assim eram imagens a serem imitadas, transpostas das
telas e páginas de revistas para a vida cotidiana. Em contraponto com o
cerceamento da liberdade, enquadradas na submissão que delas se esperava,
continuariam a aceitar o papel de reprodutoras da raça, como haviam
pregado os higienistas e positivistas nos anos novecentos? Passariam a
reivindicar, ainda que brandamente, o direito de viver a própria vida e
de realizar escolhas sem os grilhões impostos pelo sexo? Os anos em devir
supriram algumas lacunas, mas ainda se sabe muito pouco sobre mulheres
do passado, pela invisibilidade histórica de que nos fala Michelle Perrot.
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AlGuMAs (PoucAs) considerAções
No século XX, o acesso à educação e prossões foi conquistado
pelas mulheres, embora parcial, porque restrito a determinados espaços,
o que se revelou como mais um mecanismo de opressão. A educação
das mulheres possibilitou conservar nos lares, nas escolas e na sociedade
a hegemonia masculina; detentores do poder econômico e político, os
homens se apropriaram do controle educacional e passaram a ditar as regras
da instrução feminina e a limitar o seu ingresso em prossões consideradas
adequadas à sua capacidade intelectual e desempenho físico.
Disciplinada pelos homens, a educação das mulheres continuou
sendo um prolongamento da educação familiar. Enquanto estudavam,
as jovens aguardavam o casamento e o estudo, na maior parte das vezes,
era uma preparação para a relevante missão de esposa e mãe, que era o
que realmente importava em suas vidas. Não eram mais as procriadoras
incultas, mas as futuras esposas educadas, conhecedoras das necessidades
do marido e dos lhos, alicerces da moral e dos costumes, éis guardiãs
do lar cristão e patriótico. Romper com tais estruturas, e sempre houve
quem o zesse, signicava o degredo ou a condenação social. Portanto, o
poder não se nivelou equitativamente, nem sequer signicou a liberação
das mulheres, mas apenas se humanizou ao consentir na sua instrução
(ALMEIDA, 2007).
As relações pedagógicas construídas nas escolas eram carregadas
de simbolizações, e alunos e alunas aprendiam normas, conteúdos,
valores, signicados, que lhes permitia interagir e conduzir-se de acordo
com o gênero com o qual se identicavam, assumindo especicidades
comportamentais de acordo com essa identicação. A educação feminina
era demarcada por sólidos limites quanto ao sexo e as atribuições do
protagonismo social reservadas a homens e mulheres. Poss ive l me nte ,
apesar do apelo do cinema e do rádio, dos modismos importados, da
cultura dos almanaques, dos comportamentos produtores de rupturas, em
que se considere sua inuência, isso não chegou propriamente a abalar os
alicerces edicados em torno da imagética acerca das mulheres e homens e
as relações de alteridade que se processavam entre os sexos.
A educação era a veiculadora e mantenedora do conservadorismo
herdado do século XIX. A cultura brasileira se mostrava fragmentada, objeto
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
204 |
de várias inuências, e o lazer era no mínimo dicotômico, ora ampliando seus
espaços, ora aprisionando homens e mulheres aos cânones ultrapassados que
não compactuavam com o novo mundo civilizado que se queria construir
no alvorecer do século XX. A educação feminina, por muito tempo, ainda
defenderia os valores tradicionais que se estenderam ao longo da primeira
metade do século XX. Estes só deixaram de ter continuidade quando as
conquistas, lideradas pelos movimentos sociais e os modernos formatos
educacionais femininos, juntamente com as reivindicações ao direito de
votar, se impuseram no cenário social e exigiram novas atrizes que não
aquelas expostas nas telas do cinema e nas revistas e jornais da moda.
Quanto aos almanaques, até que ponto o imaginário social foi
inuenciado? As práticas e símbolos veiculados ocasionaram mudanças de
comportamento; afrouxaram os rígidos laços familiares que encarceravam
as jovens e as mulheres naquilo que seria considerado sua missão: o
desempenho materno, a preservação da virtude?
Como isso repercutiu ao adentrarem nos lares e introduzirem
a modernidade dos costumes? O apelo sensual das atrizes, das jovens
americanas, inglesas e francesas se introduziu no imaginário do espaço
privado? E criou uma nova geração de mulheres que se identicavam com
modelos que não o de suas mães e avós?
Os fragmentos iconográcos ou escritos do passado histórico,
de fontes hoje silenciadas pela voragem dos anos permitem estudar as
mulheres em veículos diferenciados, que popularizavam toda forma de
palavra impressa dirigida a ambos os sexos. Nas relações de alteridade, vale
a pena reetir sobre como homens e mulheres na ordem burguesa, ao longo
das décadas, decodicavam os sentidos e atribuíam novos signicados à
vida cotidiana.
Os anos 1920 foram o ponto de partida? As revistas, magazines e
almanaques compuseram novos rearranjos sociais e alteraram os rumos dos
destinos impostos ao sexo feminino? Provavelmente, tal pode ter acontecido.
Mas, isso podemos apenas inferir. A História das Mulheres ainda não foi
sucientemente desvendada para podermos armar com certeza.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 205
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1927.
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A   M
  B -
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A  E  E
 S P (1907-1927)
Rosane Michelli de Castro
Alexandre de Castro
introdução
No nal do século XIX, durante o processo de universalização
do ensino primário, processo este então consolidado em países da Europa
e Estados Unidos da América do Norte, como armou Souza (1998, p.
20-21), as discussões em torno da necessidade da difusão da instrução
pública no Brasil ressurgiram estreitamente atreladas aos novos interesses
sociopolíticos e às novas concepções educacionais.
No interior do projeto republicano a instrução pública no Brasil
ressurgiu com uma nalidade especíca de impulsionar a reconstrução de
uma nova sociedade brasileira com bases rmadas na crença comum na
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
208 |
época em todo o mundo, de que a difusão da instrução, começando-se
pelo curso preliminar, “era a mais criadora das forças econômicas, a mais
fecunda de todas as medidas nanceiras”, como observou Degani (1973).
Rearmando e, ao mesmo tempo, saindo como estado que
deveria ser modelar em suas ações em torno desse compromisso, os
discursos das chamadas “altas autoridades” da instrução pública paulista
ganham espaço de circulação nos Annuarios do Ensino do Estado de São
Paulo - AEs
1
, publicados entre 1907-1927, primeiramente, pela Inspetoria
Geral do Ensino e, após 1909, pela Diretoria Geral da Instrução Pública do
referido estado, sobre a situação e os direcionamentos da instrução pública
primária paulista e, particularmente, do seu professorado no interior do
aparelho escolar paulista.
2
De acordo com os estudos realizados por Pinto (1994, p. 111-
4), sobretudo durante a década de 1900 e 1910 foi grave o quadro de
desemprego e de miséria em São Paulo. O acelerado processo de mudanças
na estrutura econômica em busca de uma nova era de progresso não
conseguiu dar conta da situação de miserabilidade da população. A ampla
propaganda empreendida pela política imigrantista cafeeira para atrair
mão de obra barata engrossou o exército de desempregados em todo o
estado de São Paulo, que se mostrou economicamente incapaz para
acomodar o amplo contingente da classe trabalhadora disponível para o
processo produtivo. Em outras palavras, ocorreu na capital paulista um
súbito aumento populacional, desproporcional à sua capacidade de gerar
empregos, ocasionando o aparecimento de um clima de miséria e de busca
por oportunidades de ascensão social e, no limite, da própria sobrevivência.
Nesse contexto, a educação escolarizada surgiu como instrumento
privilegiado de ascensão social e a prossão de docente público primário
personicou as esperanças de mobilidade das diversas camadas da população
inamadas pelos discursos laudatórios acerca do papel a ser desempenhado
pelos professores primários. Certamente que tais discursos não chegaram
até as massas populacionais via AEs, visto que a sua circulação foi restrita
às autoridades da instrução pública. Entretanto, é muito provável que
Daqui em diante, os Annuarios do Ensino do Estado de São Paulo serão referendados pela abreviatura AEs.
A expressão aparelho escolar paulista , por vezes utilizada nesta pesquisa, fora uma expressão de época utilizada
para designar o conjunto das instituições de ensino público e está vinculada à ideia dos primeiros republicanos
de fazê-lo funcionar como um conjunto integrado.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 209
os discursos de exaltação da prossão de docente tenham chegado até a
população por meio dessas autoridades, haja vista o grande prestígio social
de que gozavam e, em virtude do qual se faziam ouvir por toda a população
local, habitualmente frequentadora dos eventos escolares, como festas
de encerramento do ano letivo, inauguração de escolas e comemorações
cívicas, considerados verdadeiros eventos sociais.
Segundo Souza (1998, p. 253-5),
A festa de encerramento compreendia, pois, uma festa ocial,
uma solenidade na qual, reunindo toda a comunidade escolar,
as famílias, as pessoas “gradas” da sociedade, as autoridades e a
imprensa, a escola rearmava sua identidade e o seu valor social.
Por isso, nada melhor para divulgar o seu trabalho e o seu prestígio
do que o ar solene, grave, formal dessas festas, juntamente com o
espetáculo, a encenação realizada pelos próprios alunos - sentido
primeiro da existência da escola. A escola tornava-se palco e cenário,
algumas vezes caprichosamente ornamentado, onde alunos-atores
encenavam para a sociedade o espetáculo da cultura, das letras, da
ordem, das lições morais e cívicas.
...
Nas festas de encerramento, a grande celebração da cultura
era revestida de pompa e gala. As primeiras festas realizadas nas
escola-modelo da capital contaram com a presença do presidente
do Estado e do secretário do Interior, demonstrando o prestígio
atribuído à escola pública e às instituições de ensino renovado.
Nesse sentido, o que apresentamos neste texto, são aspectos do
processo de feminização do magistério no Brasil, no início do século XIX,
os quais já contam com bibliograa vasta e representativa na História da
Educação, mas que, porém, em tempos de busca e lutas pelos direitos e
manutenção de conquistas sociais históricas das parcelas populacionais
consideradas “minorias”, precisam ser retomadas para que se possa
perspectivar outras conquistas que ainda necessitam do engajamento das
várias áreas da pesquisa no Brasil.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
210 |
Profissão docente: nobre função sociAl nos discursos dos
annuarios do Ensino do Estado dE são Paulo – aEs
No AE de 1909-1910 ([1910], p. 1-4), o então Diretor Geral da
Instrução Pública, Oscar ompson, em relatório apresentado ao Secretário
do Interior, assim se pronunciou, relativamente à atividade docente dos
professores primários: “O papel dos mestres, melhor compreendido,
avulta constantemente aos olhos de todos os espíritos previdentes que
os consideram not merely leaders of children, but makers of society.” [...]
Nossas escolas ensinam bem geralmente e têm contribuído bastante para a
cultura da nossa sociedade. Entregues a professores competentes, cheios de
entusiasmo e vocação pelo ensino, elas aí se encontram prontas para novos
empreendimentos.
No AE de 1911-1912, o então Diretor Geral da Instrução Pública,
João Chrysostomo Bueno dos Reis Junior, em relatório apresentado ao
Secretário do Interior, referiu-se aos professores do ensino primário como
“Obreiros da nova cruzada em prol do ensino paulista.” (p. 10). E, no AE
de 1913 (1913, p. 13), o mesmo João Chrysostomo traçou as seguintes
considerações: “Não se deve esquecer nunca que o futuro de um país
depende muito do professor público primário.
Incentivados ou não pela tônica laudatória dos discursos das
autoridades da instrução pública da época, o certo é que o número de
homens e principalmente de mulheres em busca das escolas de formação
para o exercício de tal prossão aumentou consideravelmente a cada ano,
principalmente se comparado ao número de alunos matriculados nos
ginásios ociais do estado voltados para o ingresso nos cursos superiores.
Sem dúvida, a crescente procura pela prossão de docente primário,
via escolas normais, sofreu a inuência de outro determinante relacionado
com a variação do valor da taxa de matrícula entre os diferentes tipos de
estabelecimentos: 100$000 para a matrícula nas escolas normais e escolas
complementares, enquanto que para a matrícula nos ginásios do Estado
era cobrada uma taxa maior igual a 150$000 e 200$000, respectivamente.
O pagamento de qualquer uma das taxas citadas poderia ser efetuado em
duas prestações, uma no começo e outra no m do ano letivo, e, segundo
a letra da Lei regulamentadora dessas disposições, poderia ser concedida,
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 211
na proporção de 10% a matrícula gratuita a alunos pobres que viessem
requerê-la.
3
O número anual de matrículas nas escolas de formação nem
sempre foi o correspondente ao número de alunos que, ao concluírem esse
curso, iriam se dedicar a prossão de docente primário. Relativamente às
mulheres, Almeida (1998, p. 121) armou que muitas delas, “[...] solteiras
e casadas formavam-se professoras, mas eram impedidas de ensinar pelos
pais e maridos, inclusive necessitando da autorização do cônjuge as casadas
que quisessem matricular-se na Escola Normal.
Mesmo considerando essa discrepância entre o número de
matrículas e o número de alunos formados que efetivamente ingressaram
no magistério, os dados numéricos, relacionados no quadro I, II, III, IV,
V e VI, e no gráco I, sobre o número de matrículas nas escolas normais e
nos ginásios da Capital, Campinas e Ribeirão Preto, informados mediante
as várias publicações dos AEs podem ser tomados como um indicativo
do fenômeno da grande demanda pela prossão de docente primário do
ensino público:
Quadro I - Número de matrículas nas escolas normais e nos ginásios do
Estado, em 1914.
Ano de 1914 Alunos Matriculados
Escolas secundárias 767
Escolas Normais do Estado 3.192
Fonte: Annuario do Ensino... de 1914, [1915?], p. 6-7.
Quadro II - Número de matrículas nas escolas normais e nos ginásios do
Estado, em 1916.
Ano de 1916 Alunos matriculados Total de alunos matriculados
Ginásios do Estado 385 385
Escola Normal secundária 473 1.051
Escola Normal primária
anexa
578
Fonte: Annuario do Ensino... de 1917, 1918, v.2, p. 37 e 48.
Quadro III - Número de matrículas nas escolas normais e nos ginásios da
Capital, Campinas e Ribeirão Preto, em 1918.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
212 |
Ano de 1918 Total de alunos matriculados
Ginásios do Estado 890
Escolas Normais (mantidas pelo Estado) 3.396
Fonte: Annuario do Ensino... de 1918, [1919?], p. 542-7.
Quadro IV - Número de matrículas nas escolas normais e nos ginásios do
Estado, em 1919.
Ano de 1919 Total de alunos matriculados
Ginásios do Estado 901
Escolas Normais (mantidas pelo Estado) 2.597
Fonte: Annuario do Ensino... de 1920-21, [1921?] p. 448-9.
Quadro V – Número de matrículas nas escolas normais e nos ginásios do
Estado, em 1920.
Ano de 1920 Total de alunos matriculados
Ginásios do Estado 764
Escolas Normais (mantidas pelo Estado) 2.597
Fonte: Annuario do Ensino... de 1920-1921, [1921?], p. 448-9.
Quadro VI – Número de matrículas nas escolas normais e nos ginásios do
Estado, em 1923.
Ano de 1923 Total de alunos matriculados
Ginásios do Estado 867
Escolas Normais 1.511
Fonte: Annuario do Ensino... de 1923, 1924, p. 564 e 9.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 213
Gráco Demonstrativo I - Número de matrículas nas escolas normais e
nos ginásios do Estado, entre 1914 e 1923.
Fonte: Elaboração dos autores.
As construções discursivas materializadas nos AEs apontaram
para o fenômeno de demanda crescente para o magistério primário,
mesmo considerando o decréscimo no número das matrículas nos seus
cursos de formação após o ano de 1918, fato este que não implicou num
aumento do número de alunos matriculados nos ginásios estaduais, que se
mostraram estáveis.
No AE de 1911-12 e 1917, essas foram as observações do então
Diretor Geral da Instrução Pública, João Chrysostomo Bueno dos Reis Junior
relativamente ao excessivo número de alunos da Escola Normal da Capital:
Presentemente a Escola Normal da Capital continua, como
sabemos, a preparar candidatos ao magistério. Devido, porém, ao
avultado número de alunos que a freqüentam, ela constitui hoje
uma verdadeira colmeia humana. Lentes estudantes, funcionários,
aulas, horas de trabalho, tudo ali se multiplicou. (ANNUARIO do
Ensino... de 1911-1912, 1913, p. 11).
As nossas escolas normais continuam a atrair uma grande parte
da nossa mocidade, principalmente de moças, que buscam no
respectivo curso, senão a realidade de uma vocação para que se
sentem atraídas, pelo menos, a procura de um meio de habilitação
para a luta pela vida. Quer num, quer noutro caso, é sempre
louvável esse movimento, que tem como resultante a cultura dos
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
214 |
nossos jovens patrícios, em benefício próprio ou da coletividade,
conforme o destino ou as inclinações de cada um. (ANNUARIO
do Ensino... de 1917, 1917, p. 5-6)
Clamam alguns contra a superabundância de professores, dizendo
que já temos demais. Os que assim se manifestam entendem que
somente precisamos de um professor para cada escola, quando
bem ao contrário deve ser o nosso ideal. Cada professor que saia
das nossas escolas com o espírito e o coração bem formados, será
uma energia a mais na propulsão do nosso progresso e irá inuir
poderosamente no seio da sociedade para o seu aperfeiçoamento e
a realização dos seus altos destinos.
Formem-se, pois professores às centenas, aos milhares, todos os
anos e com isso só terão a lucrar a nossa cultura geral e o nosso
engrandecimento. (ANNUARIO do Ensino... de 1917, 1917, p. 5-6)
As construções discursivas de João Chrysostomo dos Reis
Junior, de um lado exaltaram a gura do professor primário a indicar a
tal prossão como sendo socialmente promissora; de outro, ressaltaram os
parcos vencimentos percebidos pelos professores e as péssimas condições
de trabalho, tecendo uma imagem da prossão de docente primário pouco
rentável economicamente:
Ainda outra medida, que considero de urgente necessidade e, ao
mesmo passo, de muita justiça é a melhoria de vencimentos aos
professores públicos. Tendo eles sofrido, por força das circunstâncias
nanceiras do Estado, um desconto em seus vencimentos até
agora não tiveram, como teve o resto do funcionalismo público,
o restabelecimento ou melhoria de sua situação econômica.
(ANNUARIO do Ensino... de 1911-1912, 1913, p. 20).
Ora, conhecendo eu a extrema bondade de V. Exa. e de muitos
excelentíssimos senhores senadores e deputados, no sentido de
restabelecer os vencimentos do professorado, conto certamente que
não será transferida para mais tarde tão justa e necessária medida,
agora que as condições nanceiras do Estado, penso, já não exigem
mais este sacrifício de seus servidores, e que o orçamento doméstico
mais bem equilibrado sofreu um aumento de 25% (A porcentagem
é bem mais elevada, como ninguém desconhece) nas despesas, em
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 215
virtude da carestia geral. (ANNUARIO do Ensino... de 1911-
1912, 1913, p. 20).
A condição precária do professor torna-se penosa se tem de exercer
o magistério em S. Carlos, Jaú, Ribeirão Preto, Santos ou Capital,
onde o aluguel de uma sala lhe absorve mais de um terço de seus
vencimentos, pelo que é tolerado o funcionamento de escolas em
salas pouco espaçosas, com má disposição de luz e difícil renovação
de ar, isto é, em salas onde escasseiam as condições pedagógicas e
higiênicas. (ANNUARIO do Ensino... de 1911-1912, 1913, p. 33).
Em meus anteriores relatórios, tenho me referido a várias medidas,
que considero de grande alcance em benefício do ensino, algumas
de ordem geral e outras de ordem propriamente administrativa.
Entre as medidas que se destacam estão:
- a melhoria dos vencimentos dos professores públicos.
(ANNUARIO do Ensino... de 1915, [1916?], p. V).
Ninguém ignora as prementes diculdades econômicas com que
lutam os professores, principalmente os da Capital; mas uma tal
medida, por pequeno que fosse o aumento a se fazer exigindo-se
assim uma melhoria em seus vencimentos, avultaria de tal modo
as despesas do Estado, à vista do número de funcionários, que
constituiria um ônus pesadíssimo, só aconselhável em época mais
folgada (ANNUARIO do Ensino... de 1915, [1916?], p. XXI).
No primeiro extrato reproduzido, no AE de 1911-1912 (p. 20),
João Chrysostomo Bueno dos Reis Junior fez referência a um desconto
de 15% que o professorado sofreu em seus vencimentos e que ainda não
tinha sido restabelecido. Segundo Catani (1989, p. 279), houve uma
promessa do Governo do Estado de que, tão logo a situação econômica
melhorasse, cessaria o desconto, já que se armou tratar-se apenas de
uma ajuda ao Estado.
Também na publicação do AE de 1918, as construções discursivas
dos inspetores escolares Benedito M. Tolosa (p. 753-5), e Cypriano da
Rocha Lima (p. 821-2), respectivamente reproduzidas na sequência abaixo,
ressaltaram os baixos vencimentos do professorado público primário
paulista e os percalços encontrados no exercício do trabalho docente:
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
216 |
Aconselhar que os professores façam economias é uma irrisão, uma
dura ironia. O professor ganha atualmente apenas o suciente
para não morrer de fome, morando pessimamente e vestindo mal;
não pode, pois, economizar um tostão sequer para constituir um
pecúlio capaz de ampará-lo na adversidade.
É humanamente impossível que o novel professor trabalhe
procuamente, pois se for consciencioso, não iniciará seu papel
na espinhosa missão de educar e instruir, sem primeiro estudar
meticulosamente o meio em que vai residir, dada a natureza do cargo
que vai exercer.
A respeito dos baixos vencimentos do professorado público
primário paulista, em 1918, a Revista de Ensino, periódico da Associação
Benecente do Professorado Público do Estado de São Paulo
4
, reproduziu
o discurso do Sr. Piza Sobrinho, solicitando o aumento equitativo dos
vencimentos dos professores de escolas de bairros (isoladas) e dos grupos
escolares, pois os vencimentos dos professores dessas escolas eram ainda
mais baixos que os dos professores dos grupos:
Ninguém contestará que o professorado público do nosso Estado é
muito mal remunerado, e que os seus vencimentos absolutamente
não são bastantes sequer para a necessidade mais urgente da vida,
quanto mais para o conforto material e a representação que ele deve
ter na sociedade.
A tabela vigente dos vencimentos do professorado é a do decreto
n. 1.239, de 30 de setembro de 1904, pela qual percebem os
professores de bairro 2:400$000; em cidades, 3:100$000, e em
grupos escolares, 3.500$000 anuais.
As construções discursivas sobre as condições de vida e trabalho,
e vencimentos dos professores da instrução pública primária por parte das
várias autoridades da instrução pública criaram uma imagem ambígua
sobre a prossão de docente primário que colocava esses prossionais entre
duas situações aparentemente contraditórias: a dos prossionais dotados
de importante papel social e, ao mesmo tempo, a dos prossionais que
viviam em situação de grandes diculdades nanceiras.
Sobre a Associação Benecente do Professorado Público do Estado de São Paulo e seu periódico, a Revista de
Ensino, ver estudo aprofundado de Catani (1989).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 217
Entretanto, em tempos em que a grande maioria dos trabalhadores
dos centros industriais, quando conseguiam se manter no emprego estavam
sujeitos aos “salários de fome”, e, sem qualquer qualicação, não gozavam
de qualquer prestígio social, como armou Pinto (1994, p. 74), o discurso
laudatório sobre a prossão de docente primário certamente deu a esta
última uma imagem atraente, principalmente aos olhos de operários e
pequenos proprietários, de muitas famílias de imigrantes e das mulheres
que tentavam inserir-se no mercado de trabalho assalariado e conquistar
status e respeitabilidade no interior da sociedade.
Profissão docente: Missão sAcerdotAl do Professor PriMário
nos discursos dos annuarios do Ensino do Estado dE são Paulo
– aEs
Ao discurso de exaltação da prossão de docente primário
relacionando-a a uma prossão de nobre função social, porém sem visar
lucros, juntou-se o discurso da missão sacerdotal do professor primário,
de obscurecimento da própria individualidade, de sacrifícios dos desejos
pessoais de enriquecimento material, no sentido de que o professor
primário deveria render votos de obediência e disciplina em função de um
plano maior ocialmente preestabelecido pelas urgências políticas e sociais
da época. A respeito das medidas propostas para uma melhoria do estado
da instrução pública paulista em função do que era considerado urgências
sociais, Sud Mennucci, no AE de 1923 (1924, p. 135), elogiou a reforma
da instrução pública do estado de São Paulo de 1920, que estabeleceu,
entre outras coisas, a obrigatoriedade e gratuidade de instrução a todas as
crianças de nove e dez anos de idade, e facultativa, nas vagas, às crianças de
outras idades, chamando-a de “lei de salvação”:
Tendo sido, antes de tudo, um plano alfabetizante insistentemente
reclamado por todos quantos neste país levam a sério os problemas
capitais da raça, poder-se-lhe-ia chamar, sem exageros retóricos,
“lei de salvação pública”, e nessas condições todas as sugestões
tendentes a aperfeiçoa-la devem ser bem aceitas.
5
Lei n. 1.750, de 8-12-1920, da Reforma da Instrução Pública do Estado de São Paulo (COLEÇÃO das Leis
e Decretos..., 1920, p. 35-6).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
218 |
No AE de 1917, v. 1º, os discursos de Olavo Bilac pronunciados
aos alunos da Escola Normal, e de Oscar ompson, então Diretor Geral da
Instrução Pública, deixaram claro a existência de um excessivo interesse em
situar a prossão de docente da instrução primária no interior do projeto
político-social ocial, impregnado de inequívoco sentido disciplinador,
inuenciados por ideais e nalidades cívico-patrióticos, apregoados pela
Liga de Defesa Nacional, fundada, segundo Nagle (1966), pelo próprio
Olavo Bilac, juntamente com Pedro Lessa, e pela Liga Nacionalista de São
Paulo, da qual, conforme Monarcha (1999, p. 298), ompson teria sido
um dos líderes. Tratava-se, pois, de acordo com De Luca (1999, p. 27), de
um momento de proliferação de ligas e facções políticas que careciam de
“indivíduos aptos a contribuir no trabalho de legitimação das pretensões
hegemônicas acalentadas por diferentes grupos”.
Quando um verdadeiro professor primário sente a completa e
clara responsabilidade do seu cargo, a sua alma é invadida de uma
anagogia estática, como o arrebatamento do espírito, que, nos
primeiros tempos da vida monástica, transgurava o asceta. Na
sua cadeira de educador, o mestre recebe a visita de um deus: é a
Pátria que se instala no seu espírito. O professor, quando professor,
quando professa, já não é um homem; sua individualidade anula-
se: - ele é a Pátria, visível e palpável, raciocinando no seu cérebro
e falando pela sua boca. A palavra, que ele dá ao discípulo, é
como hóstia, que, no templo, o sacerdote dá ao comungante. É
a eucaristia cívica. Na lição, há a transubstanciação do corpo, do
sangue, da lama de toda a nacionalidade.
Este é o mais belo dever, e o mais nobre sacrifício do professor:
a abdicação de si mesmo. Abdicação que é conquista e
engrandecimento. Porque, depois da investidura, o sacerdote é
tudo, quando deixa de ser homem: - é a Nação.
Diz-lhe a Pátria, quando lhe dá a honra do sacerdócio; ‘És o
representante direto da minha força e da minha necessidade. Aqui
dentro desapareces: sou eu quem em ti aparece e se arma ... (Bilac,
ANNUARIO do Ensino...de 1917, v. 1, 1917, p. 210-2)
Quanto à pedagogia social, precisamos convir que a educação,
no Estado, não pode ter os mesmos moldes e ns absolutamente
idênticos em toda a parte, devido à sua grande extensão territorial.
A da zona urbana, mais esclarecida e mais exigente, quanto à
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 219
extensão do ensino, requer melhores e mais aperfeiçoados aparelhos
escolares.
Pode-se dizer que ela está feita, porque não há localidade, em São
Paulo, que não tenha, segundo a sua importância, um ou mais
Grupos Escolares, ou, simplesmente, escolas. Há ainda na mesma
zona três ginásios, três escolas prossionais, onze escolas normais,
além da Escola Agrícola de Piracicaba, subordinada à Secretaria da
Agricultura, e outras casas de ensino superior.
A educação, aí, apresenta, pois, uma outra feição pedagógica,
diferente da do povo, que habita a zona marítima e o chamado
Nordeste de São Paulo, cuja população rural, constituída, quase
exclusivamente, de descendentes de caboclos que se dedicam ao
amanho da terra, precisa ter escolas que cuidem, primordialmente,
de afastar as causas do seu abatimento moral; levantar-lhes o
caráter; dar-lhes hábitos de trabalho e fazer a propaganda dos novos
processos de agricultura.
Nas zonas Oeste e Nordeste, cuja população rural é, na sua grande
maioria, descendente de estrangeiros, a principal preocupação
da escola deve ser o ensino da língua, como primeiro fator de
assimilação, e o conhecimento dos homens e da terra brasileira.
(THOMPSON, ANNUARIO do Ensino... de 1917, v. 1, 1917,
p. 9-10)
O professor, em geral, e o professor público primário, especialmente,
tem uma pesada tarefa a desempenhar na sociedade. Ou seus
alunos são oriundos de famílias já nacionalizadas, isto é, que já se
elevaram à concepção real da pátria; ou de família ainda num grau
medíocre de civilização, nas quais a idéia de pátria apenas se limita
à do campanário e das fronteiras do município que os viram nascer;
ou de famílias vindas de outros países, umas já educadas e tendo no
coração uma idéia elevada de pátria; e outras com uma civilização
elementar, muito semelhante à do nosso caboclo.
O professor tem, pois, de elaborar uma matéria assaz heterogênea
para fazer dela um produto útil à nacionalização de nosso grande
e vasto país.
A idéia de pátria, com a dupla intuição de direitos e deveres, é o
resultado da cultura, deve o seu desenvolvimento aos esforços da
educação fornecida pelas escolas em grande parte.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
220 |
Não é mister agora exibir largos raciocínios para demonstrar
a importância do papel do educador em face do caboclo e do
estrangeiro. É mister, entretanto, que o professor não se contente
apenas com saber que seu papel é importante, mas sim que
essa importância desaparecerá, por completo, se não der bom
desempenho a seu papel, se não souber corresponder às esperanças
em sua ação depositadas”. (ANNUARIO do Ensino...de 1918,
[1919?], p. 744)
No período imediatamente anterior a 1920, quando as primeiras
manifestações nacionalistas apareceram de maneira mais sistemática e
mais inuente no campo da escolarização, os pronunciamentos de Oscar
ompson sobre as condições de trabalho dos professores públicos primários
e de exaltação da prossão de docente, ao mesmo tempo em que sugerem
uma leitura das preocupações de urgências político-sociais relativamente
aos rumos da instrução pública paulista, permite a identicação de um
poderoso mecanismo mobilizador das decisões das pessoas no momento da
escolha por essa prossão, de maneira que fossem atraídas para magistério
primário aquelas pessoas capazes de adequarem-se nos padrões exigidos:
Há, porém, uma diculdade a vencer de que depende a boa
orientação da escola e a sorte das crianças que a freqüentam: a
escolha de professores.
Não basta a competência que o diploma leva a pressupor; além
das indispensáveis qualidades intelectuais, esses professores devem
possuir muita afetuosidade, muito amor à infância, muita dedicação
ao cumprimento de seus deveres e uma nítida compreensão do
inestimável serviço que prestam ao indivíduo e à sociedade.
A sua seleção, pois, é de grande responsabilidade, porque pode
comprometer o futuro da instituição.
Entretanto, como esses professores terão de justiça maiores
vencimentos, visto só viverem na escola e para a escola, não faltará
candidatos ao preenchimento de tão difícil quão honroso cargo.
Parece-me haver um meio de facilitar a seleção: apelar o Governo
para a honorabilidade e responsabilidade do Sr. Dr. Diretor Geral
da Instrução Pública e dos Srs. inspetores escolares, para que, tendo
em vista tão só e unicamente o elevado m a colimar, indiquem
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 221
professores e professoras que, pela sua competência, bondade
e dedicação reconhecida, estejam realmente em condições de
bem desempenhar a alta missão que lhes incumbe. Assim, estou
certo de que só serão indicados os mais dignos, os mais capazes.
(THOMPSON, ANNUARIO do Ensino...de 1917, v.1, 1917,p.
197).
Entretanto, estava claro que a formação e atuação docente que
compartilhavam, fez dos homens e mulheres, imigrantes ou nacionais,
pessoas em condições compatíveis para estarem e ocuparem as várias
funções do magistério público primário.
breVes considerAções finAis
Além de as próprias construções discursivas das autoridades da
instrução pública poderem ser interpretadas como poderosos mecanismos
de indução da demanda pela prossão de docente primário, elas permitem
também que se proceda a uma análise e interpretação de outros mecanismos
próprios utilizados pelos poderes ociais no âmbito da instrução pública
com a mesma nalidade.
Neste texto, são justamente aspectos desses mecanismos que
procuramos interpretar à luz das formações discursivas contidas nos
Annuarios do Ensino do Estado de São Paulo – AEs, que apontam alguns
dos fenômenos peculiares ao processo da demanda pela prossão de
professor primário durante as primeiras décadas do século XX, como o
da feminização do corpo docente que se dirigia para o interior das salas
de aula da instrução pública primária, a presença maciça dos homens nos
cargos de comando do aparelho escolar paulista e, a inevitável e gradativa
inserção dos descendentes de estrangeiros na atividade docente.
Relativamente às mulheres, o fato de o magistério público
primário garantir-lhes o direito a dias de licenças, signicaria poder exercer
uma atividade prossional remunerada sem, no entanto, deixarem de
dedicar-se aos deveres domésticos.
Conforme Pinto (1994, p. 74), durante as primeiras décadas
republicanas, também as mulheres se viram às voltas com a necessidade
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
222 |
de ingressarem no mercado de trabalho para auxiliar a renda familiar, ou
mesmo, como única fonte de renda da família em decorrência ao alto
índice de desemprego. Assim, de maneira particular, a Lei n. 1.310 K,
de 30-12-1911, Artigo 22, supõe-se ter sido importante para mulheres:
À mulher, em estado de gravidez, que exercer qualquer função, cargo ou
emprego público, será concedida, com todos os vencimentos, uma licença
de dois meses, correspondentes ao último mês que precede e ao primeiro
que sucede ao parto.” (COLEÇÃO das Leis e Decretos..., 1911, p. 185)
As possibilidades de a mulher poder desfrutar de licenças ou
então, de um período maior de férias proporcionadas aos professores
públicos, teria signicado maior tempo de dedicação aos lhos e ao marido.
Diante dessas condições, as mulheres puderam, segundo Almeida (1998,
p. 115) considerar-se duplamente beneciadas, pois, podiam ser mães e
professoras, “com aceitação e autorização social”.
João Chrysostomo, no AE de 1914, imprimiu ao trabalho de
docente primário o caráter de trabalho domiciliar, podendo ser exercido
na chamada casa-escola.
Ou seja, se à docência era importante e necessária a presença
e atuação das mulheres, signica dizer que esse não foi um espaço
concedido” pelos homens às mulheres, por ter deixado de ser signicativo
pelos parcos vencimentos e ou condições de trabalho. Na verdade, esse
espaço, rearmamos neste artigo, assim como outros pesquisadores, foi
uma conquista social das mulheres, de um espaço de trabalho caro a todas
as pessoas em um momento sócio-político-econômico com reduzidas
possibilidades para ingresso e manutenção no mundo do trabalho, como
no momento em que estamos, meados da segunda década do século XXI.
Com relação aos imigrantes, nos anos de 1910, de acordo com
Ghiraldelli Jr. (1987, p. 40-1), no interior das fábricas e indústrias, onde a
composição do operariado pautou-se pela predominância dos imigrantes,
principalmente de italianos, espanhóis e portugueses, o trabalho foi
severamente vigiado, disciplinado e hierarquizado e frequentemente
eclodiram greves contra o regime opressivo de trabalho.
ompson e demais autoridades da instrução pública ressaltaram
os perigos advindos com a denominada de “questão social”. Conforme
Ghiraldelli Jr. (1987, p. 36-86), o Governo e elites dominantes trataram os
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 223
conitos gerados pelas pressões e reivindicações dos operários paulistas, de
maneira a dissimular os problemas sociais e a luta de classes.
Frente a esse contexto, os inspetores escolares apostaram no
argumento do necessário despertar dos sentimentos patrióticos entre a
população heterogênea do estado, por meio da ação das escolas públicas.
Revelando a sua predileção implícita pela substituição dos
indivíduos de origem estrangeira, considerados os responsáveis pelos
conitos sociais, por indivíduos disciplinados nos limites dos ideais
patrióticos, ompson nos AEs de 1917, v. 1º, e 1918, ressaltou a
importância de um bom preparo prossional dos nacionais e sobretudo do
professorado paulista:
Mas, certamente movidos pelo desejo e necessidade de buscarem
oportunidades de sobrevivência, integração, reconhecimento e ascensão
social, os descendentes dos imigrantes constituíram importante contingente
dos alunos das escolas normais e dos professores do quadro do magistério
público primário, mesmo considerando a existência de uma aversão dos
estrangeiros às ideias pedagógicas e educacionais hegemônicas na esfera da
instrução pública do estado de São Paulo, exaustivamente analisadas por
Ghiraldelli Jr. (1987).
As obras de Ghiraldelli Jr. (1987) e Pinto (1994), informaram
que durante as primeiras décadas do século XX, o operariado paulista vivia
inseguro perante a inexistência de leis trabalhistas que garantissem-lhe
direitos básicos, como por exemplo: a estabilidade no local de trabalho e
direito à licenças e férias. Além disso, que percebiam um “salário de fome”,
sofriam repreensões e, muitas vezes, agressões físicas.
Nesse sentido, as “excelências”, garantias de direitos trabalhistas
da prossão de docente primário, foram essenciais também aos imigrantes
e seus descendentes, frente às pouquíssimas chances de ascensão e
reconhecimento social.
Assim, no início do século XIX, não se tratou de concessão do
espaço do magistério, tanto às mulheres, quanto aos imigrantes e seus
lhos, pelos homens nacionais. Sim, como armamos, de conquistas
sociais, às quais acreditamos ser motivadoras das lutas que, atualmente, as
ditas “minorias” têm travado por inserção social.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
224 |
referênciAs
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| 227
T   
:   
  
  (1932-1960)
Jorge Luís Mazzeo Mariano
Arilda Ines Miranda Ribeiro
introdução
O presente trabalho se trata de um recorte da tese de doutorado
intitulada As inuências do trabalho docente feminino na cultura escolar do
extremo oeste paulista (1932-1960), defendida no ano de 2016, no âmbito
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual
Paulista – UNESP (Campus de Presidente Prudente).
O referido estudo analisou as contribuições das professoras
primárias na construção da educação escolarizada no período de implantação
e edicação dos primeiros grupos escolares da região de Presidente Prudente/
SP. Para isso, investigou-se o conjunto de conhecimentos produzidos
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
228 |
pelas mulheres, no período de estudo (1932-1960), nos municípios de
Presidente Bernardes e Presidente Venceslau, os quais se incorporaram ao
acervo cultural do período republicano, e/ou auxiliaram, posteriormente,
no processo de feminização do magistério.
O principal objetivo foi analisar a participação das professoras
primárias na construção da cultura escolar em alguns dos últimos
municípios que receberam a Estrada de Ferro Sorocabana (Presidente
Bernardes e Presidente Venceslau), no “sertão paulista
1
. Sendo assim,
os objetivos especícos consistiram em: retomar a trajetória histórica dos
municípios de Presidente Bernardes e de Presidente Venceslau bem como a
de seus respectivos grupos escolares; problematizar as inuências das relações
de gênero na atuação prossional das docentes; e detectar quais foram as
estratégias utilizadas pelas professoras para lidar com a precariedade material
e as demais diculdades presentes nas instituições escolares.
A inauguração das estações da Estrada de Ferro Sorocabana foi o
critério utilizado para a seleção dos municípios que comporiam o recorte,
isto é, seguindo-se a sequência temporal da chegada da linha do trem após
Presidente Prudente. Destarte, o recorte temporal abrange os anos de
1932 (implantação do Grupo Escolar de Presidente Bernardes e do Grupo
Escolar de Presidente Venceslau) e 1960 (inauguração do prédio do Grupo
Escolar “Alfredo Westin Junior”, em Presidente Bernardes).
A atuação das primeiras professoras foi narrada, principalmente,
pelas vozes das educandas do período abordado. Maurice Halbwachs
(2006, p. 31) enfatiza que os fatos buscados através de relatos orais, não
necessitam ser especicamente descritos pelos seus protagonistas diretos,
presentes sob uma forma material e sensível. Aliás, eles não seriam
sucientes”. Assim, ao visibilizar as contribuições das professoras primárias
– através de seus próprios depoimentos ou dos fornecidos pelas/os suas/
seus educandas/os –, o presente trabalho também se apresenta relevante na
O extremo oeste do Estado de São Paulo encarnava bem esse ideário por ser considerado, ainda no início
do século XX, um território desconhecido, selvagem, habitado apenas por índios. Monbeig (1984, p. 124)
enquadra o desbravamento dessas regiões inóspitas em uma realidade mais ampla das Américas: “Em todos
os países novos, do norte ao sul do continente americano, observa-se a sedução das terras novas e a paixão
pelo ganho rápido do dinheiro. Apelo do Grande Norte ao Canadá, marcha para oeste, ainda não há muito
tempo, nos Estados Unidos, desbravamento do sertão paulista, não passam de um grande tema continental.
Ali o colono moderno se põe a serviço do caçador; acolá se converte em herdeiro do pioneer; em São Paulo é o
continuador do bandeirante”.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 229
medida em que exibe a ação pedagógica e cultural dessas educadoras no
contexto do oeste paulista.
As entrevistas foram embasadas pela teoria da História Oral,
optando-se pela utilização da História Oral temática, isto é, os sujeitos
foram inquiridos apenas sobre o seu período de vivência no grupo escolar
e não como ocorre na História de Vida, na qual o intento é captar o relato
de toda a vida do indivíduo.
Assim, segundo Voldman (2006, p. 41), os/as pesquisadores/as
que se utilizam de fontes orais possuem um desao, que podem ou não
aceitar: “[...] colaborar, por meio da entrevista histórica, na transformação
do objeto em sujeito”. Nós o aceitamos.
o trAbAlho dAs docentes
Após concluírem a sua formação como normalistas, as professoras
que atuariam na região do extremo oeste paulista passaram por diversas
experiências prossionais em outras escolas antes de ingressarem no Grupo
Escolar “Dr. Álvaro Coelho” e no Grupo Escolar “Alfredo Westin Júnior”.
Grande parte dessas jovens docentes iniciou a sua vida prossional nas
escolas espalhadas pela zona rural. (MARIANO, 2016).
A ida de professoras recém-formadas para lecionar na zona rural
fazia parte de uma política de Estado que determinava que “o professor
deveria começar sua carreira pela escola isolada rural, do interior ou da
capital. Só depois de cumprido um determinado tempo poderia ser ele
removido para uma escola urbana”. (MARCÍLIO, 2005, p. 174-175).
Entretanto, tendo em vista que o objetivo era xar as docentes no campo,
essa medida se mostrou inecaz:
Em termos, essa proposta se mostrou fracassada, pois os professores
permaneciam nas escolas primárias rurais apenas durante o período
obrigatório e, assim que possível, solicitavam transferência para
áreas urbanas ou mais desenvolvidas. E novamente professores
novatos involuntários chegavam para dar continuidade a esse ciclo
de descontinuidade. (MORAES, 2014, p. 29-30).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
230 |
Essa transitoriedade também era percebida no extremo oeste
paulista. O Relatório da Inspetoria Sanitária de Presidente Prudente
indicava que a distância dos grandes centros era um dos motivos pelos
quais as/os docentes não permaneciam por muito tempo na região:
Pelo facto de estar a zona bastante afastada da Capital e das cidades
mais populosas do Estado, todos os elementos que são nomeados
para as unidades escolares anceiam por encontrar o momento
opportuno para conseguirem remoção para outras localidades onde
a vida seja de mais conforto. É por isso que um pequeno número
de professores nomeados, poucos se acham exercendo o seu mister,
pois que a maioria se encontra comissionada em outra Região.
(RELATÓRIO..., 1935, p. 148).
Esse período na zona rural constituía-se como um tipo de estágio
para as docentes que trabalhariam nos grupos escolares da região
2
. Isto
porque, em se tratando de municípios no início da colonização, a estrutura
física que encontrariam nas escolas primárias graduadas urbanas não seria
muito diferente daquela encontrada nos sítios e fazendas.
Após a conclusão da experiência inicial na zona rural, as professoras
ingressavam nas instituições de ensino urbanas. Os grupos escolares de
Presidente Bernardes e de Presidente Venceslau foram instalados no ano
de 1932, entretanto, uma longa trajetória foi percorrida até que ambos
tivessem os seus prédios denitivamente construídos. No caso de Presidente
Venceslau a espera foi de 25 anos, tendo seu prédio inaugurando somente
no ano de 1957; em Presidente Bernardes, a demora foi maior, pois como
a edicação foi concluída somente no ano de 1960, as/os docentes e as/os
educandas/os tiveram que aguardar por 28 anos.
Neste período, essas prossionais estavam iniciando as suas carreiras
e tiveram que lidar com as diculdades relativas ao trabalho em si, em função
de sua inexperiência, e a medida que entravam em contato com a rotina nas
instituições aprendiam e ao mesmo tempo construíam as culturas escolares.
O Prof. Miguel Omar Barreto, delegado regional do ensino, expressava em seu relatório referente ao ano de
1940, uma perspectiva otimista em relação ao fato de as professoras permanecerem por pouco tempo. No item
intitulado “O rendimento escolar: alfabetisação, promoção e o problema dos repetentes”, o professor aponta
que, não obstante os problemas que as escolas da região enfrentavam, o rendimento dos/das educandos/as havia
melhorado sensivelmente e que um dos elementos que contribuíam para isso seria “[...] o grande esforço das
professoras, anciosas para regressarem ás zonas onde residem suas famílias”. (RELATÓRIO..., 1941, p. 12).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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| 231
Para exibir essa ação docente no período de estruturação dos primeiros grupos
escolares dos municípios que compõem o recorte, alguns elementos da
organização e da rotina de trabalho destacados pelas prossionais entrevistadas
e pelas/pelos discentes em suas entrevistas serão discutidos a seguir.
A maioria das professoras entrevistadas para a pesquisa
não frequentou os grupos escolares nos primeiros anos em que estes
funcionaram. Para grande parte delas a experiência como docente de um
grupo escolar teve início a partir da década de 1940. Todavia, Lila Aoshi
e Terezinha Strazzer Tannus frequentaram o Grupo Escolar de Presidente
Bernardes como discentes entre 1936 e 1940 e relataram elementos da
cultura escolar daquele período.
Aoshi enfatiza que frequentou as duas edicações que foram
alugadas pelo Estado para o funcionamento do então Primeiro Grupo
Escolar de Presidente Bernardes:
[...] me passaram para o grupo escolar e ele era lá em cima, na
rua de casa, para cima do Bradesco. Nem sei que nome que tinha.
Depois é que colocaram o nome do prefeito Alfredo Westin Júnior.
Eu estudei lá até o 2o ano e no 3o ano construíram [um prédio]
aqui em frente à Igreja e aí o Grupo se mudou para lá. Então o 3o
e o 4o ano eu z aqui. (AOSHI, 2013).
Uma das memórias mais vívidas de Terezinha em relação ao
período em que frequentou a escola primária graduada, refere-se às aulas de
trabalhos manuais, que eram ministradas pela Prof.ª Apparecida Alvarenga.
Naquele tempo tinha os trabalhos manuais, e quando a professora
Aparecida chegou no começo, ela disse: “Nós vamos levar quase um
ano para fazer o que eu quero, mas vocês sempre terão que fazer
o trabalho. Vocês farão uma renda para depois colocar em uma
camisola que cará em exposição no nal do ano. Primeiro vocês
comprarão linha e agulha para fazer o crochê”. Aí ela ensinou e
nós zemos durante não sei quanto tempo aquele pedaço de renda
grande. Depois ela pediu para comprar o pano e colocar a renda. No
dia de expor, cada camisola era de uma cor e cou bonito o trabalho
que ela fez. Dela eu me lembro bem, agora as outras [professoras]
davam umas coisinhas bobas que eu acho que nem ligava muito. Não
sei nem o que era. (TANUS, 2013).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
232 |
De acordo com Souza (2006, p. 88) a disciplina de trabalhos
manuais envolvia atividades como “[...] dobramento de papel, modelagem,
alinhavos em cartão, executados a cores sobre modelos diversos,
representando guras de animais, ores, etc”. A disciplina previa diferentes
atividades de acordo com cada sexo, deste modo, para os meninos os
trabalhos envolviam “modelagem, cartonagem e carpintaria” e para as
meninas “[...] o crochet, pontos, alinhavos, pospontos, pontos de remate,
franzidos duplos, serziduras, pregas, bainhas, casear e pregar botões,
colchetes, pontos russos e de ornamento, pontos de marca”. (SOUZA,
2006, p. 89).
É possível perceber a distinção dos tipos de trabalhos e a forma
como o binarismo de gênero era construído. Ao direcionar educandos e
educandas para um tipo de trabalho manual distinto, a escola construía
a imagem que se esperava dos meninos (destinando-os aos trabalhos mais
pesados) e de meninas (encaminhando-as aos afazeres ligados à esfera
doméstica). Concordando com Louro (1997, p. 64), “Currículos, normas,
procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos, processos
de avaliação são, seguramente, loci das diferenças de gênero, sexualidade,
etnia, classe — são construídos por essas distinções e, ao mesmo tempo,
seus produtores”.
Inclusive a legislação previa não só a existência da referida
disciplina, como também a distinção de atividades para meninos e
meninas. A título de exemplo, no início do século, o Annuario do Ensino
do Estado de São Paulo referente ao ano de 1907-1908, exibia os tipos
de trabalhos manuais que foram executados e enviados para a primeira
Exposição Escolar do Estado
3
, contendo uma descrição pormenorizada do
que as meninas produziram em cada série:
Do I.o anno da Escola Modelo, encontrámos apenas: crochet de
linha e lan aplicado em toalinhas, guarnições de lavatório, porta-
toalhas, paletots, capinhas, etc. [...]
Do 2.o anno: — costura feita em paninhos com pontos diferentes,
tais como desados; aplicação desse trabalho em aventais”. [...] Do
3.o anno: — paninhos com ponto russo, preguinhas, desados,
Essa exposição que ocorreu em 15 de março de 1908 era uma preparação para a seção pedagógica que seria
apresentada pelo Estado de São Paulo na Exposição Nacional no Rio de Janeiro, no mês de junho.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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remendos, camisas, aventais, etc; ponto de marca em talagarça,
étamine, etc; trabalhos simples com aplicação dos mesmos pontos.
E do 4.o anno: — costura branca; desados, preguinhas e pontos
russos apllicados em roupas de criança. (SÃO PAULO, 1908, p.
56-57).
Em Presidente Bernardes existiu uma tentativa de quebra desta
delimitação entre trabalhos femininos e masculinos no ano de 1944,
quando a professora Maria de Nazareth Miméssi Gonçalves subverteu tal
disposição ao solicitar que alguns garotos realizassem atividades que eram
tradicionalmente destinadas às garotas
4
. Este é o caso de Zelmo Denari que
cursava a terceira série na ocasião – turma sob a responsabilidade de Maria
de Nazareth, que ingressava justamente naquele ano no Grupo Escolar –, e
que foi escolhido para fazer um trabalho com o qual não estava habituado.
Chamava-se Dona Nazaré a professora que me amou. Gostava
muito de mim, mais, talvez, do que merecesse, pois nunca fui um
aluno exemplar. Um belo dia, na sala de aulas, disse-nos que havia
recebido instruções da Diretoria para aplicar trabalhos manuais, com
nalidade educativa. Após uma breve exposição do projeto escolar
passou a atribuir tarefas e, dirigindo-se a mim, sentenciou: — Você
vai executar um trabalho em “talagarça”... A palavra me soou estranha,
mas como “manda quem pode e obedece que tem juízo”, naquela
mesma tarde saí à procura dos diversos itens da lista que recebi,
imaginando o que faria com um metro de talagarça, acompanhada
de vários pacotes de lã coloridas e uma agulha de grosso calibre.
A resposta veio a galope. No dia seguinte, aprendi com outros colegas
de classe, como bordar uma paisagem campestre ou natureza-morta,
numa tela de talagarça, utilizando a agulha e os de lã coloridos.
Durante o rápido aprendizado fui me dando conta da vergonha
que iria passar quando fosse surpreendido pelas alunas “bordando
talagarça”, no recinto da escola. (DENARI, 2009, p. 15).
Na Era Vargas, o Estado se mostrava preocupado com o encaminhamento das crianças (sobretudo as
empobrecidas) ao mundo do trabalho, sem descuidar da preservação da moral burguesa. Ao mesmo tempo
que o Estado procurava iniciar as crianças precocemente ao trabalho, também disseminava representações
indicando qual o caminho deveria ser trilhado pelas meninas. O Código de Educação do Estado de São Paulo,
instituído em 1933, previa a existência de escolas prossionais primárias e secundárias, e, dentro desta proposta,
criava também as Escolas Domésticas. A referida escola destinava-se às meninas que tivessem concluído o curso
primário. Com isso, o Estado reforçava o ideário de que as mulheres deveriam cumprir uma missão no lar
(missão que se estendia para as atividades laborais femininas fora do âmbito doméstico).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
234 |
Entretanto, essa nova proposta da professora não foi aceita
amistosamente. Como se referia a um trabalho relacionado às tarefas
historicamente reservadas ao gênero feminino, alguns educandos não se
sentiam à vontade para executar a atividade proposta. Zelmo, incomodado
com a possibilidade de ser motivo de chacota em sua turma e em sua casa,
resolveu nalizar logo o trabalho, mas não da forma esperada pela Prof.ª
Maria de Nazareth:
— Menininha... menininha! E como sabe bordar, gritariam,
surpresas, minhas coleguinhas de classe. Não foi difícil achar uma
saída: assumi o compromisso de executar o trabalho nos nais de
semana em minha casa, com a promessa de devolvê-lo o mais rápido
possível. Passaram-se os meses e eu não havia bordado nem metade
da tela. Pior ainda, quando brigava com meu irmão mais velho,
tinha que suportar a chacota: — Vai bordar talagarça, menininha
bunda suja...
Numa bela manhã de domingo, acordei com a pá-virada e ao me
deparar com o trabalho de talagarça, abandonado e incompleto,
em cima da mesa de costura, não pude conter a minha revolta:
apanhei a tesoura e retalhei-o por inteiro. Uma estranha sensação
de bem-aventurança tomou conta de mim. Não tinha mais
nenhum motivo para me aborrecer e, de resto, estava em paz com
a minha consciência. Passadas algumas semanas, durante a aula,
Dona Nazaré aproximou-se de mim e segredou:
— Sabe, Neninho, esta noite tive um sonho horrível... sonhei que
você pegou o bordado de talagarça com muita raiva e o retalhou
inteirinho, com uma tesoura! Meio sem graça, diante do olhar
desaador da professora, devolvi admirado: — Nossa professora!
Que pesadelo!
Em casa, minha mãe sempre negou que tivesse revelado meu
segredo a Dona Nazaré, mas sem conseguir disfarçar um leve
sorriso no rosto... (DENARI, 2009, p. 16).
Isso mostra que o trabalho com as disciplinas e os conteúdos
é ao mesmo tempo um território de controle e de liberdade. Controle,
porque existia um conjunto de normativas legais (Código de Educação,
circulares das Delegacias Regionais do Ensino, etc.) e uma inspeção
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 235
(exercida principalmente pelos inspetores de ensino e pelos diretores dos
grupos escolares) que buscavam formatar o trabalho docente dentro de
limites estreitos. Mas mesmo com esse aparente engessamento da ação,
a diversidade das regiões, da formação das professoras e das convicções
que cada uma possuía, fazia com que o trabalho dessas prossionais no
cotidiano da sala de aula seguisse ritmos próprios. (MARIANO, 2016).
O controle exercido pelo governo visava garantir o cumprimento
dos regulamentos e dos conteúdos tendo em vista a nova orientação que a
educação pública tomava a partir da década de 1930, quando o ideário da
Escola Nova passou a nortear a organização escolar do Estado de São Paulo.
Grande parte das docentes que atuou nos grupos escolares
de Presidente Bernardes e de Presidente Venceslau relatou a existência
de um excessivo controle exercido sobre o seu trabalho no cotidiano
escolar. Maria de Nazareth armou que “tinha inspetor escolar e, de vez
em quando, ele ia lá para olhar o caderno dos alunos e ver o andamento
da sala”. (GONÇALVES, 2013). A professora Bernardina Aredes de
Araújo lembrou que na década de 1940, no Grupo Escolar de Presidente
Venceslau, “Planejávamos as aulas, tínhamos até que apresentar o diário
para o diretor. Ele conferia, dava visto”. (ARAÚJO, 2013).
A professora Wanda também exibiu em seu depoimento essa
vigilância constante que chegava a incomodar:
Tinha e vinha de longe. De vez em quando o inspetor vinha.
O inspetor era um homem que vinha, sentava e olhava a sala.
Perguntava em que lição nós estávamos, mandava um aluno na
lousa e falava: “Escreva aí: Eu estou com dor de dente”. Eu estava
já cansada de fazer isso… Aí ele falava: “Que beleza a sua classe!”.
(MORAD, 2013).
Ainda a respeito do controle burocrático exercido pelo Estado, a
Prof.ª Maria A. L de Olyveira também acreditava que este era excessivo:
Às vezes se não entregava o diário, o servente passava e eu fazia o diário na
hora, porque eu alfabetizava e pensava: ‘Por que diário para alfabetizar?’.
(OLYVEIRA, 2013).
Essa insistência no rígido cumprimento dos conteúdos, fazia
com que a scalização fosse uma constante. Contudo, como se percebe,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
236 |
essa atitude causava um sufocamento na ação docente e acabava
perturbando até mesmo as relações prossionais no âmbito dos grupos
escolares. Isto pode ser aferido no exemplo de Maria A. L de Olyveira,
que se indispôs com um dos diretores que passaram pelo Grupo Escolar
Alfredo Westin Junior:
Uma vez eu me ofendi com o diretor [...]. Era assim: tinha caderno
de linguagem, caderno de ocupação, naquele tempo tinha tudo
isso. No caderno de linguagem tinha preparo, execução e correção.
Hoje você preparava o texto, amanhã fazia e, depois de amanhã,
corrigia. E eu me ofendi, ele (o diretor) chegou em minha sala
– naquele tempo eu ainda não estava alfabetizando – e foi olhar
na segunda-feira, na terça-feira. Eu achei aquilo tão mesquinho
por parte dele. Ele foi conferir se eu estava dando no caderno de
linguagem. É demais, né?
Isso já foi lá no [Grupo Escolar Alfredo] Westin [Junior]. Ele foi
diretor por um tempo, antes do Sr. Jayme [Avanço]. Eu achei
aquilo tão mesquinho, ver se eu estava dando a matéria certo. Será
que hoje é assim? (OLYVEIRA, 2013).
E essa vigilância do trabalho docente prosseguiu na década de
1950, como armou a Prof.ª Maura: “O diretor chegava de repente:
‘Quero ver o diário!’ Tinha que estar em cima da mesa e a matéria na lousa
como você colocou no diário”. (ESTRELA, 2013). Maria erezinha
também relatou essa cobrança exercida pelos diretores: “Eles olhavam tudo.
Depois que acabava [a aula] ele olhava o semanário
5
, olhava a escrituração,
olhava tudo. Durante a aula, o diretor era o encarregado [da inspeção]”.
(CARVALHEIRO, 2013).
Contudo, mesmo com toda a pressão exercida sobre as professoras,
o trabalho dentro da sala de aula seguia o ritmo imposto por elas. Ao
analisar a ação dos dispositivos no cotidiano escolar, Anne-Marie Chartier
(2002) ressalta a importância de se atentar para o fazer dos/das docentes:
O semanário era um caderno no qual as professoras faziam o planejamento de todo o conteúdo que seria
abordado durante a semana. Inicialmente o material era individual, mas posteriormente passou a ser realizado
de maneira coletiva, como armou a Prof.ª Silvia: “Ultimamente nós fazíamos em conjunto: uma fazia em uma
semana e a outra na semana seguinte. Aí era todas as matérias: primeiramente o civismo, depois as matérias
de língua pátria, matemática e estudos sociais. Então nós fazíamos o que iríamos dar, os problemas. Nós
colocávamos quatro problemas, quatro questões e depois, no nal, nós dávamos para o diretor, para ele ver que
a gente fez e ele colocava uma anotação lá”. (MAXIMINO, 2013).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Não seriam então os dispositivos nada mais que práticas pedagógicas?
Os ditados, as lições de leitura são práticas ordinárias que podem ser
analisadas como dispositivos. Porém as lições mais rotineiras, mais
conformistas, são também atribuíveis a atores e nunca se repetem
exatamente talvez porque não existem duas situações idênticas,
porque as crianças crescem e os professores (que diferem uns dos
outros e evoluem) a cada manhã são obrigados a fazer escolhas?
[...] Descrever um “dispositivo de formação” ou de “recuperação” é
descrever um quadro ao mesmo tempo abstrato e normatizado, mais
potencial que real, cujos conteúdos (quais atividades, qual programa?)
e modalidades de pôr em prática (quantas horas, com quem, onde?)
existem apenas se esse quadro é investido “praticamente” por aqueles
que têm o encargo de executá-lo e que ele instala na duração das
práticas escolares. [...] Todos os textos prescritivos de que está
repleta a história da escola descrevem dispositivos desse tipo, mas é
necessário investigar as práticas de sala de aula para saber se eles se
tornaram ou não dispositivos reais; esquecimento frequente, basta
ler as histórias da pedagogia obnubiladas pelos escritos dos grandes
pedagogos. (CHARTIER, 2002, p. 13-15).
Destarte, não obstante o controle e a exigência de cumprimento
dos conteúdos, os teóricos da educação, respaldados nos pressupostos
escolanovistas, iam na contramão dessa postura, recomendando a
exibilização dos conteúdos. E essa tensão entre o que era recomendado e
o que era de fato exigido, repercutia na ação das professoras. Deste modo,
a professora Arthuzina de Oliveira D’Incao, de Presidente Venceslau,
escreveu um artigo denominado “Porque não é possível aplicar as regras
modernas na técnica atual do ensino”, e o publicou no jornal A Tribuna,
na edição de 17/10/1954, em que discute a diculdade de se aplicar as
recomendações da Escola Nova.
A docente se utiliza da obra A República, de Platão, como o
condutor para realizar a sua análise. Primeiramente expõe o mito da
caverna, armando que o lósofo pretendia “remodelar a terra de modo
que se tornasse uma imagem mais perfeita do céu... Não o conseguiu,
cou meramente em sonho a sua “República”... e a expressão “platônico
restou como síntese de tudo o que é apenas sonhado, desejado, nunca
realizado”. (D’INCAO, 1954, p. 2). E, em seguida, D’Incao (1954, p.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
238 |
2) faz uma comparação com as tentativas de renovação metodológicas:
As regras modernas de ensino estão para o nosso meio escolar como a
‘República’ desse admirado lósofo está para o nosso planeta de aspectos
tão discordantes e onde o homem, este ser cheio de tanta potencialidade,
curva-se às mesquinhas contingências”.
A professora prossegue o texto apontando que uma das medidas
sugeridas por Platão para que a educação integral fosse executada, era
igualar o meio no qual as crianças nascem e se desenvolvem. Na opinião
da professora, esse era o primeiro obstáculo imposto para a aplicação das
modernas regras de ensino”:
Contamos, numa classe, com alunos oriundos dos meios os mais
diversos não só do ponto de vista material como do ponto de
vista moral. Para receber as luzes da instrução sentam-se, lado a
lado, o bem nutrido lho do industrial capitalista e o famélico
lho do miserável operário; o requintado lho de casal legalmente
constituído e o já displicente lho de pai incógnito, cuidado, muitas
vezes, à sombra dos prostíbulos; a criança sicamente perfeita e a
infeliz que possui algo a mais ou a menos. (D’INCAO, 1954, p. 2).
Na concepção da docente o cerne da questão residia no fato de
que a renovação do ensino preconizada pelo Estado não era fomentada pelo
mesmo. Arthuzina cita uma frase do professor João Augusto de Toledo
6
no trecho abaixo para exemplicar que apesar de a teoria recomendar a
exibilização dos conteúdos e a preocupação com o desenvolvimento das
crianças, a extensão do programa continuou aumentando, assim como a
exigência de seu cumprimento.
“João Augusto de Toledo nasceu em Tietê, Estado de São Paulo, em 12 de maio de 1879 e faleceu em 21 de
dezembro de 1941, na cidade de São Paulo; portanto, bem vividos os 72 anos.
Como outros assim chamados normalistas, entre os quais Sud Mennucci, Lourenço Filho, Leo Vaz, Tales de Andrade
e João Toledo que pertencem às primeiras gerações de intelectuais, cujo trunfo inicial é o diploma de professor
do ensino primário, obtido em escolas complementares ou em escolas normais paulistas, na época da Primeira
República. [...] 1925-1927. É elevado à diretoria Geral do Ensino; nas conjunturas das revoluções de Outubro
de 1930 e Constitucionalista de 1932, é nomeado Assistente Técnico do Ensino Normal, na administração de
Lourenço Filho, e logo depois, novamente Diretor Geral do Ensino; por m, em 1932, é nomeado Professor-
Assistente da Cadeira de Prática de Ensino do Instituto Pedagógico, ex-Escola Normal da Praça.
Nessa fase da trajetória de vida, João Toledo sobressaira nas leiras do magistério nacional como autor didático,
sociólogo, historiador e psicólogo”. (MONARCHA, 2011, passim).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Mas não é somente a disparidade de berços das crianças conadas
a nossa orientação que se opõe a completa realização das regras
modernas da educação. A própria maquina administrativa do
ensino concorre para torna-las pura utopia— Vejamos:
Repousando a escola nova, segundo um de nossos educadores, no
seguinte: “Não há padrão de cultura a ser adquirido, há uma alma e
um corpo que, no curso de seu desenvolvimento, devem sofrer, através
de exercícios mentais e de treino físico, modicações que os façam
mais resistentes, mais belos, mais úteis, mais felizes do que o seriam
se abandonados a si próprios”; porque, então, somos presenteados
com tão vastos programas? Porque dá-se tanta importância ao número
de promoções do professor, fazendo com que a sua maioria veja no
aglomerado de crianças que constituem a sua classe, porcentagens e
não almas tenras a serem conduzidas para a formação de uma sociedade
cada vez melhor? (D’INCAO, 1954, p. 2).
Em seguida, Arthuzina critica o produtivismo ao qual as docentes
estavam submetidas e naliza o texto criticando também outros problemas
para além da questão do cumprimento dos programas, que afetavam
diretamente os grupos escolares da região da Alta Sorocabana, como a falta
de materiais e de um prédio adequado:
Como prisioneiros acorrentados dessa caverna que é a vida”, nós,
professores, coagidos por humanos interesses pessoais, vemo-nos
obrigados a olhar para a quantidade de nossa produção descurando-
nos completamente da qualidade... Não temos tempo de deter-nos
a estudar problemas íntimos de cada um de nossos alunos, nem de
encher lacunas espirituais. Olhando para a vastidão do programa
e para a importância da porcentagem de promoção, dedicamos
quase que exclusivamente a encher supercial e atabalhoadamente
as cabecinhas infantis com conhecimentos gerais, completamente
esquecidos de que ensinar não visa apenas matéria, visa, sobretudo,
espírito! Esses, a meu ver, os dois obstáculos capitais à completa
realização das regras modernas na técnica educacional de nosso
meio; obstáculos esses ante os quais já tão batidos: — falta de
conforto dos prédios escolares, carência de material, variações
atmosféricas desaparecem. (D’INCAO, 1954, p. 2).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
240 |
Isto mostra a clareza que as docentes possuíam acerca do processo
no qual estavam enredadas, e que a efetividade ou não dos novos métodos
passava pelo cotidiano das salas de aula dos grupos escolares.
Observadora atenta da realidade social e professora de destaque
no Grupo Escolar Dr. Álvaro Coelho, Arthuzina de Oliveira D’Incao se
posicionava nos periódicos de Presidente Venceslau acerca de várias
temáticas concernentes à educação. Um exemplo desse posicionamento
pode ser encontrado no artigo publicado no jornal “A Tribuna”, intitulado
Fala à Sociedade de Proteção à Maternidade e Infância, no qual a docente
discutia a situação de desamparo e fome que algumas crianças sofriam,
endossando, assim, a importância do trabalho que era executado fora
do grupo escolar pelo centro de puericultura do município. Contudo, a
professora acreditava que apenas suprir as necessidades mais básicas não
solucionaria o problema que, em sua avaliação, era muito mais complexo:
No entanto, se já temos feito alguma coisa pela redenção de nossas
crianças, precisamos fazer muito mais ainda! — Nosso auxílio
precisa ir além da assistência material que lhe damos. Além do leite,
da fruta, da roupa, que remediam mas não solucionam a situação.
— Precisamos atacar de frente a fonte de todos os males. Precisamos
cooperar com a Escola no combate sistemático e cerrado à grossa
crosta de ignorância e superstição, que envolve o nosso povo.
(D’INCAO, 1956, p. 2).
A docente prossegue, apelando à população de Presidente
Venceslau, para que o problema da educação fosse assumido por todos/as:
“Por que, baseados em nosso sentimento cívico, não organizamos uma vasta
corrente educativa, tornando-se cada um de nós, dentro de seu raio de ação,
um batalhador pela elevação de nosso povo?”. (D’INCAO, 1956, p. 2).
A professora Arthuzina não foi a única docente a se manifestar
fora do âmbito escolar. Maria Augusta Monteiro foi nomeada para a
2ª Escola Mista Urbana de Presidente Venceslau em 12 de fevereiro de
1927, e em maio do mesmo ano, participou da sessão solene que instalou
o município de Presidente Venceslau. Naquela ocasião, a docente não se
restringiu apenas a assistir a sessão, mas também participou dela fazendo
um discurso:
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Assim como a cândida e modesta violeta se esconde dos olhos
profanos, assim também ocorre com o trabalho executado pelo
ilustre, simpático e modesto Cel. Balmaceda. Grande batalhador,
aureolado por imenso prestígio, pôde com a sua lhaneza e
diplomacia, elevar Presidente Venceslau à categoria de município.
É, a esse modesto Presidente de Diretório, que devemos a
prosperidade deste cantinho de terra, que Deus prodigalizou
formoso, fértil, majestoso e bom. Não fosse o seu prestígio político,
Cel. Balmaceda, não teríamos um destacamento, a escola e o próprio
município. Também ao Senhor Exmo. Dr. Álvaro Coelho, talento
sem peias, orador de escol, ínclito companheiro do Cel. Balmaceda,
as nossas saudações. Ao Senhor, Dr. Álvaro Coelho, entregamos o
município de Presidente Venceslau e, contando com o seu talento,
entusiasmo e tirocínio, esperamos ótima administração de nossos
bens, que são os bens do povo. (A VOZ DO POVO, p. 3, 1927).
Esse tom elogioso que a professora utilizou para exaltar Manoel
Antônio Balmaceda Júnior, não deixava de se constituir como uma forma
de tentar reduzir a importância que se atribuía à Álvaro Antunes Coelho
7
,
como sendo o principal artíce da instalação do município: “Sua atuação
na criação do município é ressaltada no discurso da Prof.ª Maria Augusta
Monteiro; não se pode olvidar entretanto que ao fazê-lo, ela buscava,
sutilmente, antes de tudo, ofuscar o brilho de Álvaro Antunes Coelho
[...]”. (ERBELLA, 2006, p. 110).
Deste modo, o trabalho das professoras marcava não somente
a cultura escolar dos grupos de Presidente Bernardes e de Presidente
Venceslau, mas também a sociedade, a medida que seus posicionamentos
extrapolavam os muros escolares, representando relevantes contribuições
para a comunidade.
considerAções finAis
É possível perceber que as professoras tiveram um importante
trabalho na construção da cultura escolar nas cidades de Presidente
O português Álvaro Antunes Coelho (1878-1931) é considerado o fundador de Presidente Venceslau, tendo
sido chefe político local do Partido Republicano Paulista (PRP), foi o primeiro prefeito do município, entre os
anos de 1927 e 1930.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
242 |
Bernardes e de Presidente Venceslau. Isto não se deu sem diculdades, mas
essas docentes conseguiram trabalhar entre o rígido controle burocrático
que lhes era imposto e a liberdade que possuíam dentro da sala de aula.
Mesmo com todas as diculdades apresentadas pela estrutura
física decitária na qual essas professoras atuaram, a perspectiva de ver que
o seu trabalho fruticou e que as crianças conseguiram atingir os resultados
esperados, as estimulava a seguir no magistério.
Assim, mesmo vivendo a adversidade de ministrar aulas em locais
cuja estrutura ainda estava em desenvolvimento (em grande medida, por
meio do próprio trabalho docente), essas mulheres, ao mesmo tempo em
que construíam as suas carreiras, contribuíam de forma relevante para a
formação da cultura escolar do extremo oeste paulista.
referênciAs
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AOSHI, Lila. Lila Aoshi: depoimento [jun. 2013]. Entrevistador: Jorge Luís Mazzeo
Mariano. Presidente Bernardes: 2013. 1 arquivo .mp3 (1 h 40 min). A entrevista
encontra-se transcrita em mídia digital no arquivo pessoal do pesquisador.
ARAÚJO, Bernardina Aredes de. Bernardina Aredes de Araújo: depoimento [out. 2013].
Entrevistador: Jorge Luís Mazzeo Mariano. Presidente Venceslau: 2013. 1 arquivo .mp3
(57 min 52 seg). A entrevista encontra-se transcrita em mídia digital no arquivo pessoal
do pesquisador.
CARVALHEIRO, Maria erezinha de Granville Ponce. Maria erezinha de Granville
Ponce Carvalheiro: depoimento [maio 2013]. Entrevistador: Jorge Luís Mazzeo Mariano.
Presidente Venceslau: 2013. 1 arquivo .mp3 (4 h 12 min 18 seg). A entrevista encontra-
se transcrita em mídia digital no arquivo pessoal do pesquisador.
CHARTIER, Anne-Marie. Um dispositivo sem autor: cadernos e chários na escola
primária. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, n. 3, p. 9-26, jan./jun.
2002.
D’INCAO, Arthuzina de Oliveira. Porque não é possível aplicar as regras modernas
na técnica atual do ensino. A Tribuna, Presidente Venceslau, 17 out. 1954. A Tribuna
literária, p. 2.
D’INCAO, Arthuzina de Oliveira. Fala à Sociedade de Proteção à Maternidade e
Infância. A Tribuna, Presidente Venceslau, 15 mar. 1956. A Tribuna literária, p. 2.
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| 243
DENARI, Zelmo. Recordações de minha aldeia... e outros sítios. Presidente Venceslau:
Letras à Margem, 2009.
ERBELLA, Inocêncio. Rabiscos históricos de Presidente Venceslau. Presidente Venceslau:
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ESTRELA, Maura Pereira. Maura Pereira Estrela: depoimento [maio 2013].
Entrevistador: Jorge Luís Mazzeo Mariano. Presidente Venceslau: 2013. 1 arquivo .mp3
(3 hrs 48 min 48 seg). A entrevista encontra-se transcrita em mídia digital no arquivo
pessoal do pesquisador.
GONÇALVES, Maria de Nazaré Miméssi. Maria de Nazareth Miméssi Gonçalves:
depoimento [out. 2013]. Entrevistador: Jorge Luís Mazzeo Mariano. Presidente
Prudente: 2013. 1 arquivo .mp3 (1 h 24 min 41 seg). A entrevista encontra-se transcrita
em mídia digital no arquivo pessoal do pesquisador.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. de Beatriz Sidou. São Paulo:
Centauro, 2006.
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Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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OLYVEIRA, Maria Apparecida Lotto de. Maria Apparecida Lotto de Olyveira:
depoimento [jun. 2013]. Entrevistador: Jorge Luís Mazzeo Mariano. Presidente
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| 245
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Ana Paula Romano
introdução
As conquistas humanitárias, entre seus avanços e recuos, são
reexos de marcos históricos permeados por elementos culturais, sociais,
econômicos e plurais que dividem de forma desigual, culturas e populações.
Atualmente a alta tecnologia não apaga, pelo contrário, ela registra essas
desigualdades entre homens e mulheres em busca de direitos e deveres
sociais. No processo de transformação social, lentas são as mudanças
obtidas e no registro das diferenças entre homens e mulheres verica-se que
essas sempre existiram de forma acentuada reetindo elementos patriarcais
de poder, construídos e consolidados por vários séculos.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
246 |
É histórica e cultural a desvalorização da mulher perante
o homem em diferentes civilizações e sociedades, tidas até mesmo
como inferiores física e mentalmente. Ao homem era assegurada a sua
incontestável importância nos âmbitos familiar e social e às mulheres lhes
cabia obrigatoriamente a postura de submissão, subserviência ao homem,
ao pai, ao irmão e ao esposo.
Nesse artigo trazemos a temática da igualdade de gênero relatando
o processo de inserção da mulher no contexto educacional universitário
da sociedade espanhola a partir do nal do século XIX. De igual modo,
discorremos sobre a história do ingresso das primeiras discentes da
Universidade de Santiago de Compostela, localizada na região da Galícia
na Espanha e o processo que se deu em busca da igualdade de gênero nessa
instituição de ensino superior.
As indagações a respeito do assunto, resultantes de ampla
investigação e reexão crítica são também expostas em TRAJETOS PARA
A IGUALDADE DE GÊNERO: O CASO DA UNIVERSIDADE DE
SANTIAGO DE COMPOSTELA, ESPANHA (2017). Seus resultados
investigativos possibilitaram o retorno ao assunto sempre questionador e
necessário uma vez que, a mulher, de elemento secundário e submisso passa
a exercer cada vez mais um papel de protagonista de sua própria história.
Fatos relevantes na Espanha contribuíram para essa possibilidade
e dentre eles, a Constituição Republicana e Liberal de 09 de dezembro de
1931 é considerada como um grande avanço do direito feminino ao voto.
Foi estabelecido no artigo 36 desta mesma constituição e outorgado às
mulheres a qualidade de direito ao voto em condições iguais às do homem,
sendo maiores de vinte e três anos.
Se para a maioria esse foi o maior êxito das mulheres ao longo
dos séculos, muito ainda seria feito e conquistado principalmente no
âmbito da educação. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de
10 de dezembro de 1948, o reconhecimento da dignidade inerente a todos
os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis
é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Ressalta a
Declaração em seu Artigo 26 e§1 que toda pessoa tem direito à instrução
(ONU, 1948).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 247
O que se registra, já no nal do século XIX, quanto a presença
da mulher discente nas instituições de ensino superior é que essa presença
era ainda escassa, e bastante burocrática, delimitando-a a determinadas
carreiras, se comparadas ao número de homens presentes nas universidades
e em suas distintas carreiras.
Nesse contexto, devido às barreiras culturais e legais de uma
sociedade patriarcal e sexista do nal do século XIX, o caminho percorrido
pelas mulheres espanholas para ingressarem no universo acadêmico foi um
processo paulatino e árduo. Processo esse que ainda se registra, com novas
conquistas até em nossos dias.
o Percurso dA Mulher no âMbito AcAdêMico discente dA
uniVersidAde de sAntiAGo de coMPostelA
Considerando os signicativos avanços já conquistados pelas
mulheres, avanços esses marcados por lutas, preconceitos e discriminação
ao longo de toda a história, ainda observam-se disparidades de gênero tanto
na escolha pelas diferentes áreas de atuação e carreiras como na ocupação
de cargos de chea, com maiores salários e/ou de maior prestígio.
Esse é um cenário presente em praticamente todos os países e
setores, inclusive na ciência desde o princípio da civilização greco-romana
e a consequente formação das sociedades europeias de modo geral.
Nessas notamos o comportamento secundário que é atribuído a mulher,
principalmente, nos âmbitos sociopolíticos, familiar e educativo.
Ao longo dos séculos as mulheres lutaram para conquistarem
seus espaços, público e privado, na sociedade ocidental. A produção
de conhecimentos relativos ao assunto, em um contexto histórico e da
contemporaneidade, que experimenta processos de mudanças constantes
torna-se fundamental no sentido de orientar reexões e discussões em
torno da legitimidade dessa transformação. A entrada da mulher no
campo da discência e da docência, redeniu valores e princípios patriarcais
e mesmo com um novo perl a mulher ainda se encontra dependente de
sua condição histórica.
No contexto educativo espanhol, a luta e a conquista do direito
de inserção de mulheres como alunas matriculadas em cursos universitários
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
248 |
começaram a ganhar notoriedade no nal do século XIX. Dessa maneira,
apesar de não conseguir alcançar avanços expressivos em número da
participação da mulher como discente, no âmbito universitário espanhol
durante o século XIX na Espanha, foi no ano de 1872 que se registrou a
matrícula ocial da primeira aluna de uma universidade espanhola.
María Elena Maseras Ribera, se matriculou no ano de 1872,
na carreira de Medicina da Universidade de Barcelona. Dois anos mais
tarde nesta mesma universidade e carreira matriculou-se Dolores Aleu
Riera. Estas mulheres foram precursoras da participação feminina em
carreiras universitárias.
Mas, esse feito ainda não garantiria o direito de acesso à
universidade de futuras mulheres, e uma década depois das primeiras alunas
matriculadas em uma universidade espanhola, ainda era negado o acesso
de novas alunas aos estudos universitários. Situação que durou até o ano de
1888, quando a “Real Ordem de 11 de junio” (GARCÌA, 1996) validou
o direito das mulheres de estudar na Universidade, porém era necessário
que se zesse um pedido ocial às autoridades para que pudessem realizar
suas matrículas. O Acesso destas mulheres sem nenhuma restrição só foi
regulamentado no ano de 1910.
Tuvo que pasar aún una década del nuevo siglo para que se
acordara la admisión de mujeres en todos los estudios dependientes
del recién estrenado Ministerio de Instrucción Pública y Bellas
Artes –a lo que no fue ajeno la insistencia con que ellas mismas
lo seguían solicitando–, sin necesitar un permiso especial que las
situaba personal y socialmente ante una experiencia de exclusión
previa (GARCÍA, 1996, p.149).
1
Desde então, a presença das mulheres nas universidades
espanholas, vem ganhando expressividade tanto em números quanto em
importância e desenvolvimento social. Segundo Mosteiro (2006) em seu
texto de tese doutoral “Elaboración de un modelo causal explicativo de
las diferencias de género en la elección de estudios superiores” arma que:
Demorou uma década do novo século para que a admissão de mulheres fosse acertada em todos os estudos
dependentes do recém-inaugurado Ministério de Instrução Pública e Belas Artes – ao que não foi alheio a
insistência com que elas mesmas continuavam solicitando -, sem precisar de uma autorização especial que as
colocasse pessoalmente e socialmente ante de uma experiência de exclusão prévia (GARCÍA, 1996, p. 149).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 249
[...] La presencia de las mujeres se va haciendo cada vez más
visibles, aunque su evolución será lenta y progresiva no alcanzando
una cifra considerable hasta la década de los 50. [...] Será a partir
de los años 70 cuando la realidad académica empieza a cambiar
y la población universitaria femenina comienza su recuperación
paulatina y denitiva hasta hoy en día (p.18).
2
No mesmo texto a autora nos traz dados sobre a inserção de
mulheres, como alunas, na Universidade de Santiago de Compostela
pertencente a Comunidade Autônoma de Galícia.
En Galicia, [...] hasta el curso 1913-1914 no existe constancia
de la matrícula de mujeres en la Universidad de Santiago de
Compostela, única institución de educación superior existente
en aquel momento. (...)En el 1977/78, el número de mujeres
matriculadas en la universidad supera al de hombres (MOSTEIRO,
2006, p.21).
3
No entanto, ainda devido a cultura sexista de gerações passadas
– e ainda perpetuada –, a inserção da mulher no âmbito universitário
aconteceu lentamente e à margem de estereótipos que “[...] representan
las características (rasgos, conductas, actitudes, valores, normas) que
generalmente se piensa que son típicas (y esperables) en los varones y en las
mujeres” (BARBERA, 1998, p. 37), dos quais alguns persistem até os dias
atuais. Assim, cria-se um conceito sobre carreiras, destinada ao homem e
outras carreiras destinada às mulheres. Dentre as áreas de conhecimento
em que mais se encontram mulheres matriculadas de modo geral, são
em Humanas e Ciências Sociais. Já os homens, o maior número está
concentrado nas Exatas e Engenharias.
A presença das mulheres universitárias realiza-se aos poucos,
com o respaldo das mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais.
A presença das mulheres se vai tornando cada vez mais visível, embora sua evolução seja lenta e progressiva, não
atingindo um número considerável até os anos 50. [...] Será a partir dos anos 70 quando a realidade acadêmica
começa a mudar e a população universitária feminina começa sua recuperação gradual e denitiva até hoje
(MOSTEIRO, 2006, p.18).
Na Galiza, [...] até o curso de 1913-1914 não há registro de matrícula de mulheres na Universidade de
Santiago de Compostela, a única instituição de ensino superior existente na época. [...] Em 1977/78, o número
de mulheres matriculadas na universidade supera o de homens (MOSTEIRO, 2006, p.21).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
250 |
Mudanças essas que vêm acontecendo desde a metade do século XX, na
Espanha e em todo o mundo, modicando costumes, inserindo novos
valores e novas mentalidades.
Na Universidade de Santiago de Compostela, até o ano de 1913,
não havia a presença de mulheres matriculadas em seus cursos. Conforme
Mosteiro (2003), “Las hermanas Jimena y Elisa Fernández de la Vega, les
correspondería el honor de haber sido las primeras mujeres que acudían
a las aulas de la Facultad de Medicina, junto a 1.077 alumnos varones”.
4
A Universidade de Santiago de Compostela foi fundada no ano
de 1495 por Lope Gómez de Marzoa, que foi regedor da cidade, e quem
criou a escola Estudo de Gramática latina, obtendo alguns anos depois,
com a participação do arcebispo e mecenas Alonso III da Fonseca, seus
conceituados colégios universitários de Gramática, Arte e Teologia.
Atualmente, a universidade, com mais de quinhentos anos de
história e formação, é bastante conceituada na comunidade autônoma
da Galícia, na Espanha. Essa instituição de ensino superior espanhol
privilegia o desenvolvimento de investigações cientícas que contribuam
para a formação de uma sociedade do conhecimento.
A busca pela qualidade educativa fez com que a USC, ofertasse
cada vez mais diferentes carreiras, chegando a oferecer mais de sessenta
titulações distintas. A universidade também investe em seu corpo docente,
na infraestrutura, nos recursos metodológicos, parcerias com universidades
estrangeiras, entre outros, para condicionar um ensino qualicado aos seus
alunos e alunas, que chegaram na década de noventa, ao expressivo número
de 45.000,00 –quarenta e cinco mil –, matrículas. Em sua página web a
universidade aponta esses dados armando que:
A USC seguiu crecendo ata chegar a contar nos anos 90 con máis
de 45.000 estudantes. Na actualidade entre os dous campus, de
Santiago e Lugo, os universitarios dispoñen de preto de 30 centros,
cerca de oitenta departamentos e máis de sesenta titulacións, ademais
de numerosas instalacións como os institutos de investigación, as
As irmãs Jimena e Elisa Fernández de la Vega, lhes corresponderia a honra de terem sido as primeiras
mulheres a participar nas salas de aula da Faculdade de Medicina, juntamente com 1.077 estudantes homens.
(MOSTEIRO, 2003).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 251
residencias universitarias, as instalacións deportivas ou culturais e
as bibliotecas. (USC, 2017).
5
A presença da mulher na Universidade de Santiago de Compostela,
a partir dos cursos de 1913-1914, consta nesse período com a matrícula
de três mulheres. Quatro anos mais tarde passou para cinco o número
de mulheres matriculadas, com uma porcentagem de menos de 1%. É
nos próximos nove anos, nos cursos de 1927-1928, que essa porcentagem
chega a ultrapassar os 5%, de mulheres matriculadas, sendo a porcentagem
restante de 94,55% para os homens.
A partir desse período e desde então, o número de mulheres
matriculadas nos cursos e carreiras oferecidos pela USC aumentam
consideravelmente, chegando no ano de 1977 a ultrapassar o número de
homens matriculados. Em 2003 e segundo dados do artigo de investigação
da professora M.ª Josefa Mosteiro García, “Situación Educativa y Laboral
de la Mujer en la Universidad de Santiago de Compostela”, o que se
registra é que:
A partir del curso 1930/31 se registró un aumento continuo de las tasas
de feminización, proceso que alcanza su momento culminante en el
curso 1971/72 donde el porcentaje de mujeres ya asciende al 37, 54%.
Esta superioridad numérica se mantuvo hasta el curso de 1975/76 en
el que ya puede hablarse de una equiparación entre ambos sexos. Un
año más tarde, en el curso 1977/78, él número de mujeres que estudia
en la Universidad de Santiago supera al de hombres, manteniéndose
dicha superioridad numérica hasta hoy en día.
6
Em números de cursos, no período de 1999-2000, o total de
matrículas na USC somam 41.493 discentes, dos quais 62,44% são
A USC continuou crescendo até que chegou a contar nos anos 90 com mais de 45.000 estudantes. Atualmente,
entre os dois campi, Santiago e Lugo, os estudantes universitários têm cerca de 30 centros, cerca de oitenta
departamentos e mais de sessenta graus, além de numerosas instalações, como institutos de pesquisa, residências
universitárias, instalações esportivas ou culturais. e as bibliotecas (USC, 2017).
A partir do ano acadêmico de 1930/31, houve um aumento contínuo nas taxas de feminização, um processo
que atingiu seu ponto culminante em 1971/72, quando a porcentagem de mulheres ascendia aos 37, 54%. Essa
superioridade numérica foi mantida até o curso 1975/76, no qual já podemos falar de uma comparação entre ambos
os sexos. Um ano depois, no ano acadêmico de 1977/78, o número de mulheres que estudam na Universidade de
Santiago excedia o dos homens, mantendo essa superioridade numérica até hoje. (MOSTEIRO, 2003).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
252 |
mulheres, em um total de 25.909 alunas, enquanto que 37,56% são
homens, 15.584 alunos.
Esses dados são de grande valia para realizarmos uma análise mais
atual da presença de mulheres matriculadas nos últimos cursos de 2009-
2010, nas diferentes carreiras oferecidas pela USC.
A Universidade, que nos cursos de 1999-2000 oferecia
aproximadamente 52 titulações distintas entre diplomaturas, licenciaturas,
engenharias e masters, aumentou sua oferta para 92 titulações, ou seja, houve
nesse período uma reestruturação acadêmica e pedagógica com a inclusão de
40 novas opções de títulos em uma década, aumento esse possibilitador de
novas e amplas oportunidades educacionais para as mulheres.
Se tomarmos por comparação ainda a presença e a porcentagem
de mulheres e homens matriculados na USC, vemos que ainda nos cursos
de 2009-2010, o número de alunas matriculadas é superior ao de alunos,
64,43% a 35,57%. Traduzido em números são 16.635 (dezesseis mil,
seiscentos e trinta e cinco) alunas, e 9.184 (nove mil, cento e oitenta e
quatro) alunos de total considerável de 25.819 (vinte e cinco mil, oitocentos
e dezenove) matrículas.
As alunas matriculadas nos cursos oferecidos, entre 2009-
2010, são dominantes em titulações de licenciatura. As discentes
destacam-se em: Filologia Alemã (80,77%), Clássica (72,55%), Francesa
(85,54%), Galega (73,50%), Inglesa (78,47%), Hispânica (77,97%),
Jornalismo (70,18%), História da Arte (77,75%), Pedagogia (82,56%),
Psicologia (81,84%) e Psicopedagogia (84,95%), áreas essas associadas a
humanidades.
Por outro lado, em áreas de engenharia, cuja carreira está
culturalmente relacionada ao sexo masculino, eles são a maioria dos
matriculados em: Engenharia Técnica Agrícola (63,93%), Engenharia
Técnica Agrícola especialidade em Exploração Agropecuárias (73,12%),
Engenharia Técnica Agrícola especialidade em Mecanização e Construções
Rurais (73,44%), Engenharia de Informática de Sistemas (75%),
Engenharia Técnica Florestal, especialidade em Exploração Florestais
(61,42%), Engenharia Técnica de Obras Públicas, Transportes e Serviços
Urbanos (68,55%) e Engenharia Técnica em Topograa (69,06%). Nesse
universo das ciências encontramos algumas exceções, como Engenharia
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 253
Química (54,95%), Engenharia Técnica Industrial, especializada em
Química Industrial (56,08%), em que as mulheres são a maioria.
Observando os dados da própria universidade, dos alunos
e alunas matriculados/as nos cursos em dois períodos distintos, com
espaço temporal de uma década de cada curso, entre o de 1999-2000 e
o 2009-2010 observa-se que os números baixaram consideravelmente,
passando de 41.493 matrículas anteriormente, para 25.819 nos cursos
mais recentes (2009-2010), ou seja, houve uma queda de 15.674 (38%)
quanto as matrículas. Apesar da queda no número de matrículas ainda
assim o número de mulheres matriculadas é superior ao dos homens.
Um dos fatores que pode ter contribuído para a queda nas
matrículas da USC refere-se ao crescimento de ofertas educativas
universitárias de outras instituições. Visando atender as demandas de
alunos e alunas que provém de regiões mais distantes, assim, outras
instituições foram criadas e aprimoradas a m de oferecem um ensino
acadêmico mais próximo, geogracamente, daqueles que procuram
uma carreira universitária. Certamente outros fatores também podem
ter contribuído para explicar esta queda nas matrículas, mas, para se ter
essas informações, um estudo mais detalhado sobre este tema especíco
deve ser realizado.
Nas titulações ofertadas pela Universidade de Santiago de
Compostela, se analisarmos a classicação por sexo – mulheres e homens/
feminino e masculino – em títulos de diplomaturas, engenharias e
licenciaturas, observamos que as áreas de Humanidades e Sociais são as
quais há maior procura do sexo feminino, já as áreas de Exatas, na qual
constitui as Engenharias, o número de alunos matriculados é maior que o
de alunas em quase todas elas.
Na tabela a seguir podemos visualizar os números em porcentagem
de alunos matriculados em algumas titulações ofertadas pela USC e
dividida por sexo do curso de 2009-10.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
254 |
Tabela
Titulações % Homens % Mulheres
Diploma em Educação Social 17,43% 82,57%
Diploma de Enfermagem 20,45% 79,55%
Diploma de Enfermagem (Campus de
Lugo)
13,89% 86,11%
Diploma em Serviço Social 16,54% 83,46%
Engenharia Florestal (Campus de Lugo) 56,32% 43,68%
Engenharia Química 45,05% 54,95%
Engenharia Técnica Agrícola (Campus
de Lugo) (1º curso ordinário dos quatros
departamentos de engenharia)
63,93% 36,07%
Engenharia Técnica Agrícola, especialização
Agricultura (Campus de Lugo)
73,12% 26,88%
Engenharia Técnica Agrícola, especialização
em Industrias Agrárias e Alimentares
(Campus de Lugo)
42.16% 57,84%
Engenharia Técnica Agrícola, especialização
Mecanização e Construções Rurais
(Campus de Lugo)
73,44% 26,56%
Engenharia Técnica de Obras Públicas,
Transportes e Serviços Urbanos (Campus
de Lugo)
68,55% 31,45%
Engenharia Técnica em Informática de
Sistemas
75,00% 25,00%
Engenharia Técnica em Topograa (Campus
de Lugo)
69,06% 30,94%
Engenharia Técnica Florestal, especialização
em Exploração Florestal (Campus de Lugo)
61,42% 38,58%
Engenharia Técnica Industrial,
especialização em Química Industrial
(Campus de Lugo)
43,92% 56,08%
Licenciatura em Administração e Direção
de Empresas (Campus de Lugo)
37,90% 62,10%
Licenciatura em Biologia 33,83% 66,17%
Licenciatura em Ciência e Tecnologia dos
Alimentos (Campus Lugo)
29,41% 70,59%
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 255
Licenciatura em Ciências Políticas e da
Administração
44,13% 55,87%
Licenciatura em Farmácia 27,06% 72,94%
Licenciatura em Filologia Alemã 19,23% 80,77%
Licenciatura em Filologia Clássica 27,45% 72,55%
Licenciatura em Filologia Francesa 14,46% 85,54%
Licenciatura em Filologia Galega 26,50% 73,50%
Licenciatura em Filologia Hispânica 22,03% 77,97%
Licenciatura em Filologia Hispânica
(Campus de Lugo)
30,30% 69,70%
Licenciatura em Filologia Inglesa 21,53% 78,47%
Licenciatura em Filologia Italiana 33,33% 66,67%
Licenciatura em Filologia Portuguesa 44,44% 55,56%
Licenciatura em Filologia Românica 22,08% 77,92%
Licenciatura em Filosoa 53,10% 46,90%
Licenciatura em Física 67,64% 32,36%
Licenciatura em História 59,20% 40,80%
Licenciatura em História da Arte 22,25% 77,75%
Licenciatura em Humanidades (Campus de
Lugo)
29,66% 70,34%
Licenciatura em Matemáticas 43,68% 56,32%
Fonte: Adaptação própria, das variáveis homens e mulheres, a partir de dados da Vice-reitoria de
Responsabilidade Social e Qualidade da Universidade de Santiago de Compostela.
Deste modo, podemos observar nos dados e pela tabela que, há
predominância de mulheres matriculadas, totalizando o alto percentual de
64,43%. Porém a presença feminina, em quase todas as engenharias –13
no total – é menor, não passando de 45% das matriculas nestas titulações.
Esses números mostram também que por mais que a mulher
venha conquistando seu espaço na sociedade, através da educação,
colocando-se em postos de trabalhos, antes tão somente desempenhados
pelos homens, ainda possa existir resquícios histórico-culturais a respeito
das carreiras ditas propícias aos homens e às mulheres, bem como vemos
entre as engenharias e as licenciaturas.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Das 35 titulações de licenciaturas ofertadas pela USC, as discentes
são a maioria em 31 delas. À vista disso, cam abaixo dos 52% apenas
em licenciaturas como: Filosoa sendo 46,90% de mulheres e 53,10%
de homens, Física 32,36% de alunas a 67,64% de alunos, Licenciatura
em História 40,80% a 59,20%, e Licenciatura em Geograa 32,35% de
mulheres a 67,65% de homens matriculados.
Por conseguinte, observamos que alguns dogmas sexistas que
restringem a gura da mulher no meio laboral, ainda existem, mesmo
que em menor proporção. Uma vez que, alguns desses dogmas sofreram
adaptações, provindas das mudanças que ocorreram em todas as sociedades.
Como sabemos, através de registros bibliográcos e históricos,
por várias gerações o papel da mulher estava relacionado somente a família
e as obrigações do lar, a cuidar e educar seus lhos, e estar subordinada
a autoridade do homem. A partir de atuais mudanças sociais, políticas,
laborais e econômicas, na contemporaneidade, a mulher também passa
a ter acesso à educação escolar e acadêmica e assim ingressa no âmbito
laboral e econômico, tão qualicada em estudo quanto o homem.
Consequentemente por essa preparação educacional, ela torna-se capaz de
dividir nanceiramente as despesas de casa e a tomar decisões, ou seja,
pode atuar de igual para igual aos homens em todas as esferas sociais.
Porém, não podemos deixar de ressaltar que embora a mulher nas
distintas sociedades tenha conquistado, a duras lutas, a igualdade em seus
direitos civis e políticos, ainda exista uma relação de poder fundamentada
na distinção entre os sexos: homem e mulher, a qual chancela a desigualdade
de gênero que ainda, na contemporaneidade, vivemos.
A historiadora norte-americana Joan Scott, em seus estudos de
gênero defende que há uma hierarquia nesse trato social, e que gênero
é uma construção social. Scott (1995) descreve que “[...] gênero é a
organização social da diferença sexual”, e também “signica o saber a
respeito das diferenças sexuais”.
Devido essas características relacionadas à mulher, de conseguir
lidar com diversas situações, de saber conciliar, de estar atenta e cuidar
das pessoas e da família que as cercam, de administrar as funções dentro
de casa, entre outras, muitas prossões que requerem essas qualidades
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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costumam atrair associações prévias no momento de oferta e escolha da
carreira prossional a ser elegida tanto para mulheres como para os homens.
A professora universitária Ester Barberá, em uma passagem do seu
livro Psicología del Género menciona como se conceitua os estereótipos
presentes em nossa sociedade, com as seguintes palavras:
En cuanto esquemas cognitivo-sociales, los estereotipos se arraigan
profundamente en la estructura psíquica del sujeto, quien no
participa de forma pasiva sino que colabora activamente en su
construcción, interviniendo en el desarrollo de los procesos de
categorización y conceptualización, así como en el establecimiento
del propio autoconcepto. Los esquemas de género, a su vez,
van a ser decisivos sobre el desarrollo de comportamientos,
actitudes, preferencias y valores, vinculados especícamente con
la masculinidad y con la feminidad. Pero también las conductas
tipicadas de género repercutirán sobre el proceso de identidad,
contribuyendo a reforzarlo, exibilizarlo o transformarlo,
generando una estructura dinámica de interacción continua
(BARBERA, 1998, p.92).
7
No contexto atual, em que a luta de mulheres e movimentos
feministas em diferentes sociedades busca a ordem do desenvolvimento
da igualdade de gênero, alusões patriarcais e sexistas a respeito da escolha
acadêmica não podem ser válidas.
Além disso, o olhar sobre o curso e exercício prossional está
mudando, as referências estereotipadas de escolha acadêmica limitadas em
características femininas e ou masculinas, culturalmente criadas, já não é
mais um padrão. O que deve reger as escolhas de cada um, é a identicação
e motivação que se tem, e essa é independente do gênero.
A Universidade de Santiago de Compostela buscando dar
continuidade a sua evolução para a igualdade real entre homens e mulheres
Como esquemas cognitivo-sociais, os estereótipos estão profundamente enraizados na estrutura psíquica
do sujeito, que não participa passivamente, mas colabora ativamente em sua construção, intervindo no
desenvolvimento dos processos de categorização e conceituação, bem como no estabelecimento de autoconceito
Os esquemas de gênero, por sua vez, serão decisivos no desenvolvimento de comportamentos, atitudes,
preferências e valores, especicamente ligados à masculinidade e à feminilidade. Mas os comportamentos
tipicados por gênero também terão impacto no processo de identidade, contribuindo para reforçá-lo, exibilizá-
lo ou transformá-lo, gerando uma estrutura dinâmica de interação contínua (BARBERA, 1998, p. 92).
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258 |
criou no nal do curso de 2005-2006 uma Ocina de Igualdade de Gênero,
a qual seu objetivo é rmar um compromisso com a sociedade para a
reexão e implementação de políticas e ações que garantam a igualdade
entre todos. Assim:
Esta ocina ten como misión Diagnóstico sobre a Igualdade na
USC Vicerreitorado de Calidade e Planicación. Ocina de
Igualdade de Xénero fundamental levar a cabo termo o compromiso
da Universidade de Santiago de Compostela coa sociedade na
consecución da igualdade real entre homes e mulleres, asumindo
os principios de dignidade humana con independencia do sexo
das persoas, igualdade e equidade de xénero como elementos
fundamentais da vida universitaria. Hai que subliñar como un
importante logro da USC o ter sido pioneira no establecemento
dun organismo de igualdade na súa organización, adiantándose así
a normativa estatal vixente (LO 4/2007) (USC, 2017d, p.6-7).
8
Dessa maneira, a universidade divulga em sua página web da ocina
documentos que corroboram o seu compromisso em incentivar práticas e
conceitos de igualdade. Entre eles estão planos estratégicos de igualdade de
oportunidades entre mulheres, de 2009-2011 e 2014-2018, documentos
que trazem um levantamento quantitativo do percentual de mulheres que
estão inseridas em todas as esferas da universidade como pessoal de serviços
e gestão, corpo docente e discente, assim como um texto diagnóstico da
igualdade na USC na qual arma sua posição de defesa da real igualdade
entre homens e mulheres tanto na vida acadêmica quanto social.
considerAções finAis
As considerações efetuadas, no âmbito das informações e registros
disponíveis, dos aspectos políticos e sociais em permanente mudança,
tendo em relevância a redução da desigualdade entre mulheres e homens no
Esta seção tem como missão o Diagnóstico da Igualdade no Vice-Reitor de Qualidade e Planejamento da
USC. A seção de Igualdade de Gênero é essencial para cumprir o compromisso da Universidade de Santiago de
Compostela com a sociedade em alcançar a igualdade real entre homens e mulheres, assumindo os princípios
da dignidade humana independentemente do sexo das pessoas, igualdade e equidade de gênero como elementos
fundamentos da vida universitária. Há que ressaltar a importante conquista da USC como pioneira no
estabelecimento de um órgão para a igualdade em sua organização, seguindo os atuais regulamentos estaduais
(LO 4/2007). (USC, 2017d, p. 6-7).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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campo educacional e social signica pensar na necessidade de reformular
políticas de educação e pensar que os desaos do ensinar e aprender na
contemporaneidade são exigentes de uma mudança de mentalidade.
Torna-se necessário desenvolver a consciência de que, uma vez
em mudança todos os aspectos da sociedade, também se faz necessário
alavancar o processo de mudança de mentalidade no perl educacional. É
um longo e processual percurso educacional, social e moral.
O percurso para a igualdade de gênero no mundo e especicamente
dentro da Universidade de Santiago de Compostela no âmbito discente
se encontra em um processo contínuo. Embora, atualmente, o acesso à
universidade e seus cursos seja igualmente ofertado entre os discentes e
como observamos há um crescente e signicativo número de alunas
matriculadas na USC, entendemos que somente isso não é o bastante para
extirpar as desigualdades de gênero no âmbito acadêmico.
Além disso, outras ações como oferta de disciplinas em que
se discuta a tônica da igualdade de gênero em diferentes carreiras e
a formação de grupos de estudos que abordem o tema, também são
relevantes no processo de conscientização de toda comunidade acadêmica
sobre a importância de se debater, reetir e inserir essa temática no meio
universitário e consequentemente laboral.
A partir dessas reexões a respeito de dados quantitativos e
bibliográcos sobre a inserção da mulher no espaço acadêmico espanhol
como discente, e mais especicamente na universidade galega de
Santiago de Compostela, percebemos que apesar de, nas últimas décadas,
o percentual feminino ser maior em número de matrículas ainda
permanece o desao da desconstrução de conceitos patriarcais enraizados
nas diferentes esferas sociedades.
Contudo, compreende-se que a USC ao organizar seus dados
quantitativos sobre o número de alunos e alunas matriculados/as, e
incentivar e divulgar estudos que abordem a história da inserção da mulher
no seus campus está caminhando também qualitativamente para a evolução
da igualdade de gênero em seu espaço de formação acadêmica.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
260 |
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P   
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M
Rui Amadeu Bonde
contextuAlizAção
Souza (2006) refere que “nas últimas décadas, vem sendo
retomada a preocupação com os estudos de políticas públicas, bem como
das instituições, regras, estratégias e modelos que regem as decisões,
formulações, implementações, monitoramentos e avaliações destas
(SOUZA, 2006, p. 22). Também no campo da pesquisa sobre politicas
educacionais vem se expandido e se fortalecendo, principalmente no
âmbito dos programas de Pós-Graduação, (AZEVEDO, 2004). Ball e
Mainardes (2011, p.143), armam que tanto no cenário nacional quanto
internacional a pesquisa sobre politicas educativas vem se constituindo
em um campo de investigação distinto e em permanente busca de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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consolidação O campo da análise de politicas educacionais(policy analysis)
tem se mostrado receptivo ao desenvolvimento teórico-metodológico que
caracteriza as ciências sociais como um todo desde o inicio dos anos 1970
(MARSHALL; PETER, 1999).
Durante todo o século XX e início do século XXI as lutas pela
igualdade de gênero, têm sido constantes. Todavia, o predomínio de
atitudes e convenções sociais discriminatórias, em todas as sociedades,
ainda é uma realidade tão persistente quanto naturalizada.
Viana e Unbehaum, (2004), armam que “a interseção das
relações de gênero e educação ganhou maior visibilidade nas pesquisas
educacionais somente em meados dos anos de 1990, com grandes avanços
na sistematização de reivindicações que visam à superação, no âmbito
do Estado e das políticas públicas, de uma série de medidas contra a
discriminação da mulher” (VIANA; UNBEHAUM, 2004, p.78). Os
autores referem que as tais medidas se revelam porém de contradições entre
a defesa da ampliação dos direitos e a ótica da restrição do papel do Estado
nas políticas públicas sociais, entre elas a educação.
Olhando para aquilo que é a realidade das políticas de
educação em Moçambique, a maior parte delas inserem se no âmbito da
internacionalização das políticas educacionais introduzidas nos nais do
século XX ou seja a partir da década 90. A política de acesso a educação
de meninas é uma delas. Akkari, (2011),aponta que “nas últimas décadas
observam um processo de internacionalização das políticas educacionais,
que se manifesta em diversos níveis”(AKKARI, 2011, p. 9).Corroborando
com a mesma ideia, Meyer e Kames (1992) armam que as agências
internacionais fornecem orientações em termos de políticas nacionais
educacionais, descrevem as reformas escolares como movimentos
planetários que atravessam o mundo. Os países da África Subsaariana onde
Moçambique se localiza, aparecem por sua vez como os mais premiáveis
às inuencia externas sobre suas politicas educacionais, mas também como
menos preparados para regula-las.
Rosemberg (2001), arma que “após a adopção, em 1989,
pela Assembleia Geral da Organização da Nações Unidas (ONU), da
convenção dos direitos da criança, o conselho executivo da UNICEF
elegeu a ‘menina’ (Girl Child) como foco de suas prioridades para a década
de 1990” (ROSEMBERG, 2001, p. 516). Para uma análise das politicas
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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educacionais Moçambicanas contemporâneas na perspectiva do género
não teria sem como incidir sobre as reformas educacionais que vem sendo
implementadas desde 1990. Estas reformas enquadram se no modelo atual
das politicas sócias neoliberais.
Bolacha, (2013), arma que “a promoção da igualdade de género
e dos direitos humanos constituíram sempre uma prioridade do Governo
de Moçambique desde a altura da independência nacional (BOLACHA,
2013, p.125). A Estratégia de Género do Sector de Educação e
Desenvolvimento Humano para o período 2016-2020 implementado em
Moçambique refere que:
O Estado Moçambicano é signatário de diversas convenções
internacionais e regionais relativas aos direitos humanos das
mulheres e das raparigas, na busca do reforço de princípios e
práticas da igualdade de género, dando mais ênfase aos que fazem
referência ao direito e à educação. (MOÇAMBIQUE, 2016, p. 4).
Foi no ambito dessas convenções que se concretizou na conferência
mundial de ”Educação para todos” de 1990, em Jomtien na Tailândia onde
se realçou a necessidade da inclusão do género (mulher) na educação. Por
exemplo, no artigo 3 sobre a universalização e o acesso à educação dizia:
A prioridade mais urgente é melhorar a qualidade e garantir
o acesso à educação para meninas e mulheres, e superar todos
os obstáculos que impedem sua participação ativa no processo
educativo. Os preconceitos e estereótipos de qualquer natureza
devem ser eliminados da educação. ( UNESCO, 2005, p.4).
O Documento de monitoramento da Educação Para Todos
aponta que “Embora muitos países em todas as partes do mundo tenham
realizado progressos signicativos rumo à paridade de gênero nos níveis
primário e secundário durante a última década, existem ainda grandes
disparidades, principalmente nos Estados Árabes, na África ao sul do Saara
e na Ásia Meridional e Ocidental” (UNESCO, 2005, p.16).
Bolacha (2013), arma que:
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A mulher tem sido considerada vítima de uma sociedade machista,
mantendo-se a sua ausência dos níveis de decisão ao longo da história,
na vida pública e em muitos contextos humanos. Uma das causas desta
exclusão é a falta de formação, e uma baixa educação em relação aos
homens. Daí que a prioridade da educação é para que as mulheres
adquiram uma visão mais crítica dos problemas que a sociedade lhes
apresenta. É através da educação que as mulheres podem participar no
processo do desenvolvimento. (BOLACHA, 2013, p. 29).
Educar uma mulher não é um favor, mas sim, uma necessidade
urgente, a m de que ela, por si só, seja protagonista no
desenvolvimento da sociedade. Pois, no meio das discriminações
ou injustiças contra a mulher, vê-se que ela é naturalmente pacíca
e revela a sua capacidade para apaziguar os conitos, criar um clima
de paz e desenvolver a nação. Daí que, tanto os rapazes como as
meninas devem ter os mesmos direitos e oportunidades de serem
educadas de forma a poderem contribuir de forma igual para o
desenvolvimento humano”. (BOLACHA, 2013, p. 30).
Em 1993, Moçambique adotou e raticou a Convenção das
Nações Unidas sobre eliminação de todas as formas de discriminação
contra a Mulher (CEDAW), mediante a resolução n° 4193 da Assembleia
da república a 2 de Junho, a qual entrou em vigor a 16 de Maio de 1997.
Esta convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação
contra as Mulheres (CEDAW) consagra, entre outros aspetos, a adoção de
medidas apropriadas para garantir o desen
volvimento e o progresso das mulheres nas esferas política, social,
económica e cultural, com o objetivo de lhes garantir o exercício e o gozo
dos seus direitos e liberdades fundamentais em igualdade de condições
com os homens.
Bolacha (2013) arma que:
No seu artigo 7, alíneas a) e b), a Convenção obriga os Estados a
tomarem medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra
as mulheres na vida politica e a garantir-lhes o direito de votar
e de serem votadas em todas as eleições ou referendos públicos;
a ocupar cargos e a participar na formulação e execução das
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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políticas governamentais em todos os programas governamentais.
(BOLACHA, 2013, p. 129).
A adoção de medidas é justicada pelo Comité do CEDAW
como necessário e aconselhável, porque “as mulheres sofreram e continuam
a sofrer, várias formas de discriminação pelo fato de serem mulheres
sublinha-se aqui a posição subalterna ocupada pelas mulheres no seu
percurso histórico e social em todas as esferas das sociedades.
Hyde e Miske (2000),aponta que em 2000, realizou-se uma nova
conferência Mundial de Educação Para Todos, em Dakar, que avaliou
e retomou os princípios da conferência de Jomtien, dando novamente,
atenção especial à educação das meninas.
Entre os 6 objetivos da “Educação Para Todos” estabelecidos
no Fórum Mundial de Educação em Dakar, em 2000, está o alcance da
paridade de género e igualdade no setor da Educação e estes documentos
serviram de base para as intervenções no âmbito da igualdade de género
neste Sector.
Paridade de gênero e igualdade de gênero na educação signicam
coisas diferentes. Segundo o relatório de monitoramento de educação
Para Todos (2003/4), O primeiro é um conceito puramente numérico.
Atingir paridade de gênero na educação implica que a mesma proporção
de meninos e meninas- em relação a seus grupos etários respetivos entrem
no sistema educacional e participem dos seus diversos ciclos. “Igualdade
de gênero, por outro lado, signica que meninos e meninas tenham as
mesmas vantagens ou desvantagens em termos de acesso educacional, de
tratamento e de resultados” (UNESCO, 2003/4, p. 44).
O mesmo relatório refere ainda que a igualdade de gênero na
educação não será possível sem que ocorra uma transformação mais ampla
em muitas sociedades (UNESCO, 2003/4, p. 116). Escola pública para
meninas em maior numera e de melhor qualidade continuam sendo um
desao fundamental para políticas.
Portanto, foi no âmbito da conferência da “Educação Para Todos
e outros protocolos internacionais que Moçambique começou a desenhar
as suas políticas incluindo a de acesso à educação para a educação de
meninas. Por exemplo, a IV Conferência mundial sobre a mulher, que se
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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realizou em Pequim (Setembro de 1995), também sublinhou a necessidade
de uma luta contra as imagens estereotipadas da mulher e a desigualdade
de acesso à participação na vida pública.
Na conferência realizada em Pequim, foi constatado o problema
da alta taxa de analfabetismo entre as mulheres do mundo, de modo
particular nos países em via de desenvolvimento. Como se sabe, a mulher,
cou durante muito tempo à margem da sociedade que a considerava
capaz de se dedicar unicamente às tarefas do lar. Com o despertar das
consciências e em contraposição a esta maneira de pensar e de agir que
via na mulher um ser socialmente inferior ao homem, surgiram diversos
movimentos de emancipação da mulher e de defesa da sua dignidade.
Foi neste contexto que se realizaram igualmente as diversas
conferências sob a égide da ONU nas duas ultimas décadas, a
Conferência de Beijing realizada em 1995, a Declaração do Género
da SADC (1997), a Declaração Solene de Género em África (2004),
o Protocolo Opcional a Carta Africana sobre os Direitos Humanos e
dos Povos Relativos a Mulher (2005) e o Protocolo da SADC sobre
o Género e Desenvolvimento assinado em 2008 e raticado a 29 de
Junho de 2010, visando contrariar todo o tipo de discriminação e
injustiças contra a mulher. (BOLACHA, 2013, p.35).
A Declaração e Plataforma de Ação de Beijing (1995) para o caso
de Moçambique, traduziu se no Plano Nacional para o Avanço da Mulher
(PNAM). Entre as 12 áreas prioritárias, há um capítulo especíco sobre a
rapariga e o acesso à educação e formação prossional”, (MOÇAMBIQUE,
2016, p.5).
A Declaração Mundial de Educação Para Todos EPT (1990),
reforçada como protocolo de Dakar em 2000 no Senegal, no art. 3 sobre
a universalização do acesso à educação e promoção da equidade, o ponto
3 referiu se à prioridade mais urgente da melhorar de garantir o acesso
à educação para meninas e mulheres e superar todos os obstáculos que
impedem a sua participação no processo educativo.
Os participantes do encontro, incluindo o Estado Moçambicano,
comprometeram-se a alcançar os objetivos e as metas de Educação para Todos
(EPT) até 2015, objetivos estes que não chegaram de serem materializado
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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pelo setor de educação em Moçambique, a quando da divulgação do
relatório da UNESCO em 2015 sobre o cumprimento dos objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM). Por exemplo, o relatório Publicado
pela Minedh e Unesco (2019) mostra que “o índice de paridade de gênero
mostra variações entre as províncias, sendo mais alto nas províncias do sul
que para as províncias do centro e Norte do pais”. (UNESCO; MINEDH,
2019, p. 84). As províncias do sul têm taxas mais altas de alfabetização
feminina do que as do Centro e do Norte (MINEDH; UNESCO, 2019).
As província com mais desvantagens em termos de paridade de gênero por
exemplo no Ensino Secundário Geral(ESG) são as da Zambézia, Nampula,
Cabo Delgado e Manica.
O relatório de monitoramento de educação para todos (2003/4),
refere que nos locais onde a paridade de gênero ainda está longe e onde os
sistemas educacionais são precários, tanto os meninos como as meninas têm
maus resultados (UNESCO, 2003/4, p. 148). Moçambique se enquadra
neste tipo de sistema de ensino
A Declaração Solene sobre Igualdade do Género da União
Africana através da Resolução nr,1325, defendeu a melhoria do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), adoptando o princípio da paridade.
Também o protocolo da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
Relativo aos Direitos da Mulher em África, surge como um instrumento
que visa reforçar medidas de erradicação, em África, de todas as formas de
discriminação e práticas prejudiciais contra as mulheres. O Protocolo da
SADC sobre Género e Desenvolvimento, visa garantir o empoderamento
da mulher, eliminar a discriminação e alcançar a igualdade e a equidade de
género, xando metas, prazos e indicadores mensuráveis e realistas para o
alcance da igualdade e equidade de género.
PoliticA de Acesso à de educAção de MeninAs no setor de
educAção eM MoçAMbique
A política de acesso a educação de meninas em Moçambique
vem plasmado nos vários documentos do governo, desde a constituição
da Republica de 1990 e a de 2004, o Plano Estratégico de Educação, de
2006/2010/11, o Plano Estratégico de Educação de 2012/ 2016 (PEE-
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2012-2016), bem como no Relatório de Estratégia de Género do Ministério
de educação e Desenvolvimento Humano para o período de 2016/2020.
A Estratégia do Género do Ministério de Educação e
Desenvolvimento Humano de Moçambique tem como objetivo:
Promover a igualdade de direitos e oportunidades tanto para
crianças, bem como para jovens e adultos de ambos os sexos no
acesso à educação de qualidade e os seus benefícios, garantindo um
desenvolvimento humano integral e sustentável com um horizonte
para a transformação cultural, social e económica. O mesmo
documento refere que Moçambique tem vindo a desenvolver
diferentes instrumentos legais gerais e especícos sobre igualdade
de género e empoderamento das mulheres para o setor da educação.
(MOÇAMBIQUE, 2016, p. 6).
O ministério de Educação e Desenvolvimento Humano de
Moçambique tem desenvolvido, desde o seu primeiro Plano Estratégico,
instrumentos para orientar a implementação dos seus planos na perspectiva
de género, dando enfoque à equidade de género através da promoção da
entrada para a escola aos seis anos, particularmente das meninas.
O cometimento de Moçambique pela promoção da igualdade e da
equidade do género está reetido na Constituição da República do país desde
1975, pós a Independência Nacional, a igualdade do género assumiu o valor
da dignidade Constitucional de Moçambique proibindo a discriminação no
emprego e os outros setores . Quer dizer que, nenhuma mulher moçambicana
deve ser discriminada pelo simples facto de ser mulher.
O Estado Moçambicano, inspirando-se nos vários documentos e
compromissos assumidos a nível internacional, regional e nacional , tem
dado um grande enfoque na provisão de educação para todos sem nenhum
tipo de discriminação. Assim, em Moçambique, a educação constitui
direito e dever de cada cidadão, conforme o consagrado no artigo 92 da
Constituição da República e demais legislação em vigor, e que o Estado
deve promover a extensão do acesso à educação e à formação prossional
contínua, em igualdade de condições, a todos os cidadãos, especialmente
a crianças incorporando o aspecto de género. A Constituição de 2004 é,
ainda, mais explícita através dos artigos 35 e 36: ao armar de que “ Todos
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão
sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem
étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social,
estado civil dos pais ou prossão”. (MOÇAMBIQUE, 2004)
Este direito à educação é concedido através do Sistema Nacional
de Educação, cujos princípios foram estabelecidos pela Lei no 6/92, de 6
de Maio. e da atual nova lei do ensino (a lei n.18 de 28 de dezembro de
2018), que estabelece o regime jurídico do Sistema Nacional de Educação.
O Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano assim
designado em Moçambique, possui uma nova Estratégia de Género (2016-
2020) que visa promover a transversalização do género no Setor. A estratégia
possui um plano de ação com indicadores claros e proposta de orçamento.
O ministério de Educação e Desenvolvimento Humano de
Moçambique ,desenvolveu, desde o seu primeiro plano estratégico,
instrumentos especícos para orientar a implementação dos seus planos
na perspectiva de género, promovendo, particularmente, a integração
de uma perspectiva de género em todo o sistema da Educação. Durante
a implementação do PEEC (2006-2011), deu-se um grande enfoque à
igualdade de oportunidades através da promoção da entrada para a escola
aos seis anos, particularmente das meninas (principalmente através da
construção de escolas mais próximas das comunidades).
Ao mesmo tempo, encorajou- se o ingresso das meninas nos
Institutos de Formação de Professores, no Ensino Técnico-Prossional e
no Ensino Superior (nas áreas de ciências, matemáticas e engenharias).
Promoveu- se a integração de questões de género no currículo e de materiais
didáticos sobre este assunto em todos os subsistemas de ensino.
Ao nível institucional, promoveu-se o equilíbrio de género na
planicação e gestão dos recursos humanos, por via do recrutamento de um
número signicativo de professoras e de gestoras. “Foram criadas unidades
de género ao nível do Ministério, bem como ao nível das províncias
(estados), para a elaboração das ações especícas e para a monitoria da sua
implementação,” (MOÇAMBIQUE, 2012-2016, p. 44).
O governo comprometeu-se a ter em consideração as questões de
género na planicação e implementação das atividades em todas as áreas,
promovendo, para isso, a igualdade das relações de género, incluindo a
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
270 |
remoção de barreiras que afetam os cidadãos, em particular, as mulheres e
as meninas, como condição essencial para um desenvolvimento sustentável
centrado na pessoa humana.
A Constituição da República de Moçambique (2004), no seu artigo
88, consagra a Educação como um direito e um dever de cada cidadão. De
acordo com Ussene (2016),”este fundamento constitui um dos suportes na
elaboração da Política de Gênero e Estratégia de Implementação (PGEI)”,
(USSENE, 2016, p.3)
A política de gênero em Moçambique explicita que o governo
promove a igualdade das relações de gênero, incluindo a remoção das
diculdades que afetam os cidadãos, em particular as mulheres, como
condição para um desenvolvimento sustentável centrado na pessoa humana.
Neste contexto, a política de gênero consubstancia-se num conjunto
de princípios e orientações com vista a permitir a tomada de decisões e
identicação de ações mais acertadas e pertinentes que contribuam para a
elevação do estatuto da mulher e para a garantia da igualdade das relações
de gênero em todos os setores da vida do país.
O Governo no seu Programa Quinquenal, também, chama
atenção para a observância de questões de gênero na planicação em todos
os setores, daí que o setor da educação não foi exceção. É importante
realçar que a política de gênero na educação em Moçambique é fruto
da conjuntura global, pois, sabe-se que a Plataforma de Ação da quarta
Conferência Mundial sobre as Mulheres, em Pequim, em 1995 referiu que
o desenvolvimento econômico de um país deve estar assente nas questões
de gênero, visto que a pobreza não pode ser reduzida de forma sustentada
se não se promover a capacitação da mulher (AMÂNCIO, 1998).
Em 1998, o Ministério da Educação elaborou um documento
complementar ao Plano Estratégico da Educação, denominado Plano de
Ação para a Integração da Perspectiva de Gênero no Plano Estratégico
da Educação (PAIPG), cuja intenção era orientar o Plano Estratégico da
Educação nas questões de gênero. “O PAIPG surgiu como resposta aos
inúmeros constrangimentos encarados pelas raparigas e mulheres, em
relação ao acesso e ao aproveitamento no Sistema Nacional de Educação”,
(USSENE, 2016, p. 3)
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 271
Além disso, existe uma política de gênero no setor da educação, a
“Política Nacional de Gênero no Setor da Educação e Cultura”. Segundo
o MEC (MOÇAMBIQUE, 2009), algumas das suas principais ações são:
isenção de taxas escolares e concessão de bolsas de estudo; prioridade das
meninas em relação aos rapazes em casos de vagas limitadas, Principalmente
nos centros internatos; aumento de numero de professoras particularmente
nas zonas rurais.
A Política Nacional de Género e Estratégia de Implementação
de 2006, assenta na necessidade de incorporar a abordagem de Género
na Legislação, política, programas, estratégias planos de ação, orçamento
e em todos os aspectos e processos de desenvolvimento do País,
(MOÇAMBIQUE, 2016, p.6)
A igualdade de género é, desde há muito, um dos objetivos
primordiais para o Estado Moçambicano. São várias as diretivas que têm
sido criadas com fundamentos da igualdade de direitos e de oportunidades
entre homens e mulheres, meninas e rapazes. Contudo, apesar da existência
de um quadro legal abrangente, a igualdade de género não foi ainda
alcançada. Segundo como mostra a tabela seguinte
Tabela 1: Evolução das matriculas do ensino médio em Moçambique de
acordo com Homes e Mulheres-, de 2010- 2015 e de 2015-2019
Mandatos Presidenciais Anos A evolução das Matriculas
dos Homens
A evolução das Matriculas
das Mulheres
2010-2014 2010 454775 371997
2011 458690 395877
2012 455481 399699
2013 456109 408051
2014 464181 419813
2015-2019 2015 477270 438708
2016 489151 454024
2017 509116 481258
2018 557383 523840
2019 590301 545335
Fonte: MINEDH, 2019
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
272 |
Os dados indicam que o acesso das meninas no ensino médio
em Moçambique está a baixo relativamente a dos rapazes. Isso mostra que
o sistema não é inclusivo, é desigual e apresenta problemas de equidade
educacional. “Segundo o relatório de monitoramento da Educação
Para Todos, Unesco (2005), a disparidade de gênero nas matrículas é
característica de muitos dos países com baixa taxa global de matrícula
(UNESCO, 2005, p. 93).
Portanto, a adopção da Estratégia de Género por si só não é
suciente para o alcance do progresso de género e o exercício pleno dos
direitos humanos das mulheres e dos homens. Torna-se necessário fazer-se
acompanhar de ações que reforcem a vontade política e a apropriação por
todos a todos os níveis.
O Relatório da Unesco (2018) refere que garantir que todos
os meninos e meninas se matriculem e frequentem a escola é um
projeto conjunto. “Os governos são responsáveis por leis, regulamentos
e políticas que promovam oportunidades iguais na educação. Pais,
estudantes e comunidades têm papéis a desempenhar para garantir a
frequência” (UNESCO, 2018, p. 50) Embora a maioria dos países tenha
se comprometido por meio de tratados internacionais e leis nacionais a
garantir a igualdade de gênero, esse relatório mostra que o princípio da
igualdade é frequentemente violado mundialmente.
Os documentos do setor reconhecem a fragilidade dessa politica
segundo como documenta:
Não obstante os esforços e avanços alcançados, ainda persistem
disparidades de género em relação ao acesso, retenção e conclusão
de nível nas escolas a todos os escalões e subsistemas, com maior
incidência nas classes subsequentes à 1
a
classe(series). Ocorrem
também discrepâncias no acesso das mulheres aos postos e estruturas
de tomada de decisão, no Ensino Técnico Prossional. A presença
de prossionais femininos é escassa, a persistência, em muitos
casos, de um inadequado ambiente para a presença da rapariga e
da mulher tanto como de alunas e prossionais nas instituições de
ensino bem como nos centros internatos, a deciente integração
dos assuntos transversais nos currículos e materiais de ensino,
entre outros. Tudo isto compromete o alcance dos objetivos do
Governo que aloca recursos nanceiros e materiais à educação,
mas que não produzem os efeitos desejados que se traduziriam na
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 273
redução da pobreza, participação de todos: mulheres e homens no
desenvolvimento efetivo do país. (MOÇAMBIQUE, 2016, p.1).
O governo arma “apesar das várias medidas e políticas traçadas
para se alcançar a equidade e igualdade de género no sector, as estatísticas
mostram que ainda é necessário desenvolver esforços para alcançar
resultados efetivos. Embora a taxa de analfabetismo tenha reduzido de
60% em 2001 para 48% em 2008, quase 2/3 das mulheres moçambicanas
são ainda analfabetas (MOÇAMBIQUE, 2016). O mesmo documento
aponta que:
A insuciência de programas educacionais alternativos para raparigas
adolescentes fora da escola e mães jovens tem contribuído para
tais índices. O Governo Moçambicano está ciente da necessidade
do incremento quantitativo de raparigas nas últimas classes do
primário e no secundário com vista a reduzir as disparidades de
género e elevar a paridade. (MOÇAMBIQUE, 2016, p.10).
Vericam-se ainda disparidades nas taxas de alfabetização por
sexo e região, sendo as taxas das mulheres muito baixas; A presença
feminina na escola diminui à medida que as alunas crescem e o nível de
escolaridade aumenta. As taxas de desistência e repetência continuam
bastante altas à medida que o nível aumenta, particularmente nas meninas;
As mulheres continuam uma minoria no domínio das matemáticas,
ciências naturais e tecnologias; Há cursos técnico-prossionais sem
nenhuma representatividade feminina em termos de estudantes bem como
de professoras; “O Governo coloca prioridade em prover a educação para
todos, dando especial atenção às raparigas / mulheres”. (MOÇAMBIQUE,
2016, p.14) “Atribuição de bolsas para meninas no ensino secundário e
técnico prossional; estabelecimento de quotas para professoras da área das
ciências naturais e matemáticas assim como para as áreas técnicas ainda é
considerada masculinas” (MOÇAMBIQUE, 2016, p. 5).
Apesar destas iniciativas, persistem desigualdades de género no
sistema educacional como um todo. A isto, se acrescenta a falta de uma
orçamentação na óptica de género neste Sector. A pesquisa recomenda às
direções distritais de educação e Cultura( secretarias de educação ) como
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
274 |
implementadores das politicas de educação em Moçambique, para rever
a atual politica de género de forma a envolver mais mulheres nas escolas
para todos os níveis e promover uma politica de formação continuada com
cota elevada para as mulheres para reduzir as assimetrias que existem na
educação em Moçambique , e divulgar mais, na comunidade escolar e
circunvizinhas, os instrumentos legais de proteção das rapariga, perante o
assédio e abuso sexual, criar mais e operacionalizar os clubes da rapariga,
como um espaço de aprendizagem e partilha, dos alunos e alunas.
considerAções finAis
Analisados os documentos do setor de educação e outros
documentos divulgados pelas ONGs internacionais a pesquisa chegou as
seguintes conclusões: A política de acesso de educação de meninas é um
assunto internacional e foi bastante discutido nas grandes conferências
mundiais sobre a educação do século XX e XXI.
A política de acesso de educação para as meninas e para as
mulheres adultas sempre foi preocupação do governo de Moçambique
desde que o pais se tornou independente. Existe uma contradição no que
vem escrito nos documentos ociais do governo com os resultados dessas
políticas. Isso signica que há problemas de implementação com a atual
política de acesso de educação de meninas em Moçambique. Nos seus
documentos ociais, o governo reconhece que apesar das várias medidas
e políticas traçadas para se alcançar a equidade e igualdade de género no
sector de educação em Moçambique, as estatísticas mostram que ainda é
necessário desenvolver esforços para alcançar resultados efectivos.
O aceso a educação de meninas na educação em Moçambique faz
se sentir mais nas capitais províncias do que no interior do pais. Este fator
esta aliada a fraca divulgação dos instrumentos que norteiam esta politica e
não só, nas zonas mais recônditas do pais (seu interior) as questões culturais
tem contribuído para o fracasso na implementação desta política. Existe
uma tradição muito forte nas sociedades moçambicanas não escolarizadas
onde os pais das meninas priorizam mais os casamentos das suas lhas em
vez de uma educação formal.
A situação do acesso a educação para as mulheres em Moçambique
ainda é mais triste para o grupo etário dos 30 anos a mais. Isto porque a
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 275
maior parte deste grupo etário das mulheres adultas encontram se casadas
e são poucos maridos que aceitam que as suas esposas continuem com os
seus estudos. Na medida que saímos do ensino básico (fundamental) para o
ensino superior ou de pós graduação, o efectivo das mulheres na educação
(nas salas de aulas) diminui cada vez mais. O estado Moçambicano
precisa de formular políticas fortes de acesso de jovens e adultos para que
as mulheres consigam enquadrar -se na sociedade atual onde a educação
constituí a chave para o desenvolvimento de qualquer pais.
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Luceli Calle
introdução
Cada vez mais se presencia, em nossa sociedade, todo tipo de
preconceito e discriminação. A falta de tolerância e empatia geram
variados tipos de exclusões que leva a se reetir sobre como desconstruir os
preconceitos existentes. É entendendo e valorizando a diversidade que se
deve lutar por um mundo justo.
Crê-se que é desde a mais tenra da infância que tais pré-conceitos
são formados, ou seja, tanto na base familiar quanto na escola. A reexão
deve ter início com os educadores, os que estão em contato direto com os
educandos. Devem ser estimulados a reetirem sobre suas práticas escolares,
conhecerem a si mesmos em relação aos seus conceitos referentes ao outro
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
280 |
e chegarem à conclusão de que apenas trabalhar conteúdos programáticos
com alunos não é o suciente.
Educadores sensibilizados com a injusta realidade devem
pesquisar e trabalhar com atividades, partindo da realidade dos educandos,
sendo estas interessantes levando os alunos reetirem quanto ao respeito e
a diversidade. Tal trabalho que têm como objetivo maior a desconstrução
da prática do preconceito contra as mulheres, idosos, racial, contra a
homossexualidade, as diferentes religiões, formas de corpos e classes
sociais. Exigem planejamentos, pesquisas, engajamento e atitudes perante
as injustiças.
Nesse viés, em concordância com Freire (1987, p. 37) que defende
a tese de que, os educadores não devem ser neutros em nossa prática e
arma que, desse modo fala-se que é: “mesmo a minha neutralidade senão
a maneira cômoda, talvez, mas hipócrita, de esconder minha opção ou
meu medo de acusar a injustiça? Lavar as mãos em face da opressão é
reforçar o poder do opressor, é optar por ele”.
A educação se dá em dois movimentos distintos, ou seja, para
manter o estado inicial, deixando a situação como está, ou ser um mecanismo
de emancipação humana, de modo a corroborar com as liberdades e
transformação do cotidiano. Pelos ideais a serem defendidos e pelo que
se pratica, podem ser caracterizados como liberais ou conservadores,
libertários ou opressores, democráticos ou autoritários.
Por via de consequência, a formação de docentes, seja esta
inicial ou continuada, institui-se como um lugar relevante, não só para
meditar e debater sobre tais assuntos, como para geração e a efetivação de
proposições que permitem vislumbrar novos rumos e progressos no que
tange ao respeito relacionado à diversidade no contexto escolar.
Segundo Freire (1987, p. 77), deve-se acreditar e investir na
capacidade de discernimento de nossos estudantes e docentes, no sentido
de que, tendo uma visão ampla do que acontece tanto no território em que
vivem, como no mundo em que se vive, terão condições de analisar o que se
passa em sua volta e, das circunstâncias concretas, do mundo em que vivem,
em todos os campos de conhecimento, inclusive do conhecimento sensível.
Educar não é apenas constatar; mas seria mudar para tentar
transformar o mundo. Desse modo, assiste ao Estado a incumbência de
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 281
oferecer o ensino de modo que não haja distinção, tampouco preconceito
de qualquer natureza no âmbito escolar, trazendo segurança aos que são
vulneráveis as difamações e injúrias. Assim, faria jus ao disposto no texto
constitucional, em destaque ao princípio da isonomia de forma a garantir
a relevância do cidadão na democracia e levando-se em consideração o
contexto atual e a função deste na sociedade.
Outrossim, o direito à Educação não se inicia nem termina com
a Educação Básica, mas deve ser garantido a todos os cidadãos ao longo
da vida, já que, primeiramente, deve-se defender a educação completa.
Alicerçado no texto constitucional, sua execução se dá visando “o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualicação para o trabalho”, sendo assim, o processo natural educacional
contribui com a redução das desigualdades atuais (BRASIL, 1988).
Primeiramente, este trabalho propõe uma breve análise
histórica desde criação dos Diretos Humanos pela ONU, passando pela
importância da prática das Diretrizes Nacionais em Educação de Direitos
Humanos no Brasil.
Em seguida, pretende-se destacar as formas de preconceito contra
a mulher, mesmo que recentemente esta fora amparada por lei especíca,
vislumbra-se, de igual modo, ainda em ambiente escolar, formas de
discriminação e preconceito que podem ter maus resultados se medidas
urgentes e ecazes não forem tomadas. A educação, como sendo um direito
social deve ser garantida a todos, sendo um dever tutelado pelo Estado
brasileiro de modo que o aluno não seja prejudicado por atos atentatórios
à sua dignidade e/ou honra.
Nesse diapasão, fortalece a denição de multidisciplinariedade e
a diversidade nas escolas, cujo foco central testica a necessidade preditiva
em combate à violência, de modo a unir, cada vez mais, a família-escola-
sociedade. Nessa tríade em prol da saudável convivência escolar, naliza-se
o presente trabalho, destacando as formas de preconceitos e discriminações
existentes na escola e a busca de soluções a m de minimizá-la.
Segue um relato de experiência da gestora de uma escola estadual,
em que foi criado um projeto multidisciplinar tendo o início baseado
na reexão de solucionar problemas enfrentados pela comunidade, ou
seja, preconceito e violência contra a mulher. Ocorreu o incentivo e a
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
282 |
participação de todas as disciplinas, de todas as séries que compõe a escola,
envolvendo também toda comunidade escolar.
Sendo assim, o objetivo geral deste trabalho é discorrer sobre a
importância da equipe escolar em relação aos alunos que discriminados, seja
por cor, raça, religião, opção sexual, gênero, obesidade ou qualquer outra
forma, devendo a Escola se ater à integridade física e moral do educando.
Por m, utilizou-se o enfoque dedutivo e o levantamento bibliográco,
além da pesquisa qualitativa.
1. uMA breVe retrosPectiVA históricA dos direitos huMAnos
Os Direitos Humanos são direitos fundamentais de todo ser
humano, para que possa ter uma vida digna na sociedade em que vive.
São direitos à igualdade, independente de religião, raça, sexo, entre outros.
Trata-se de um conjunto de regras, as quais, o Estado e sociedade devem
respeitar e obedecer, visando à manutenção da justiça e da paz de todos os
cidadãos.
Proteger os indivíduos das injustiças, autoritarismos, do assédio
moral, da demonstração de poder é a principal função dos Direitos
Humanos, ao menos deveria ser na prática. Direitos Humanos são
sinônimos de igualdade, liberdade, os quais formam um conjunto de leis
tidas como essência dos seres humanos. A ideia de Direitos Humanos
aparece A.C., onde já existiam algumas atitudes para proteção do Ser
humano em relação ao Estado.
Segundo Carvalho (2008, p. 04), na antiguidade já havia um
direito superior criado pelos deuses e não pelos homens. Durante a Idade
Média, com as propriedades privadas, iniciam-se formas de opressões e
subordinações dos proprietários aos vassalos. De acordo com Pinheiro
(2008, p. 05), foi durante esse período que aparecem as lutas que assegurem
as liberdades dos homens, ou seja, os primeiros ideais pelos Direitos
Humanos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada
em 1948, foi o primeiro documento de maior visibilidade ao mundo,
surgindo durante a Segunda Guerra Mundial, devidos aos atos de barbárie
e de perversidades contra seres humanos. Tais injustiças foram o impulso
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 283
propulsor para tal Declaração. Tendo como reconhecidos os valores de
igualdade, fraternidade e liberdade.
A nova comissão das Nações Unidas adotou em uma Assembleia
Geral que vários países aliados foram designados para representar a
comunidade global, sejam estes, Austrália, Bélgica, Bielorrússia, Chile,
China, Cuba, Egito, França, Índia, Irã, Líbano, Panamá, Filipinas, Reino
Unido, EUA, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Uruguai e
Iugoslávia. Sob a presidência dinâmica de Eleanor Roosevelt, a viúva do
presidente Franklin Roosevelt (GOULART, 2012).
Os membros de tais estados que formaram as Nações Unidas
trabalharam em conjunto e criaram trinta artigos de Diretos Humanos.
Muitos desses direitos, atualmente, fazem parte de nações democráticas
e de suas leis. A História dos Direitos Humanos no Brasil está atrelada
às Constituições Brasileiras. A primeira Constituição Imperial, em 1824,
descreveu alguns direitos humanos, mesmo que a maioria ainda estivesse
concentrada nas mãos do Imperador.
O Brasil passou por outras várias Constituições, porém, somente
em 1988 que foi o marco jurídico da ruptura do regime Militar para a
transição democrática, institucionalizando assim os Direitos Humanos
no Brasil. Nosso país tornou-se democrático, porém acompanhando a
forma democrática liberal, isso é, tendo como princípios fundamentais a
igualdade, liberdade e fraternidade.
Segundo Marques (2008, p. 56) “O paradigma democrático
moderno precisa ser revisto, pois o fundamentalismo do direito de igual
respeito e consideração exige uma esfera pública pluralista na qual se assente
o respeito recíproco e simétrico ás diferenças.” Assim, os três princípios
fundamentais citados acima, não são sucientes para que haja de fato uma
democracia participativa, necessitam passar por questionamentos crítico,
visando a subjetividade.
Nesse sentido, o Estado centralizado criou uma subjetividade
coletiva, transformando os sujeitos em unidades iguais, em caráter
universal. É necessário ir além do limitado campo tradicional da cidadania
e com isso ampliar o domínio da prática dos direitos democráticos.
De acordo com Marques (2008, p. 56), a democracia participativa
não se resume apenas ao ato de votar. Oque deve ocorrer são diferentes
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espaços de interação social e diversas formas de participação política,
valorizando igualdade, respeito ás diferenças, solidariedade e autonomia.
Em resumo, as Diretrizes Nacionais para Educação em Direitos
Humanos, criada em 2012, baseou-se em tais reexões. Tal declaração é
bem mais ampla e tem em seu texto maior abrangência contemplando a
diversidade e a subjetividade do cidadão. Portanto, a análise das DNEDH
faz com que educadores reitam sobre práticas a serem realizadas no sentido
de melhorar situações desumanas existentes em nossa sociedade, buscando
ir além da simples memorização de conteúdos, valorizando assim uma
formação mais solidária, justa, enm, mais humana.
2. forMAs de Preconceitos e discriMinAções existentes nA escolA
De início, é mister destacar que há vários tipos de discriminação,
tais como a étnico-racial, religiosa, física, linguística, de gênero, política,
social e econômica, geracional, contra homossexuais e a transfobia. Assim,
tal preconceito pode ser compreendido por vários prismas, como restringir,
excluir ou violar a dignidade e da igualdade de tratamento alheio. Tal
fato representa aversão a esses que foram destacados e, obviamente, a
consequente e inevitável violação dos Direitos Humanos.
Nesse viés, entender a diversidade, fundado na Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948), é caracterizá-la como um
elemento notável de qualquer tipo de vida social, o que determina o
respeito às diferenças na sociedade, em vez de utilizá-las como critério de
exclusão política e até mesmo, social.
Ademais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)
é muito clara quando começa cada um de seus artigos com o seguinte:
“Todo ser humano tem direito a [...]”. Portanto, a única circunstância
para que uma pessoa seja considerada como sujeito de direito é que seja
humana, pois se trata de um conceito antropológico, ético, losóco e
jurídico, já que nenhuma característica deve levar à carência dos direitos
que são universais. Assim, o documento ratica que:
Para a sua consolidação, a Educação em Direitos Humanos precisa
da cooperação de uma ampla variedade de sujeitos e instituições
que atuem na proposição de ações que a sustentam. Para isso, todos
os atores do ambiente educacional devem fazer parte do processo
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 285
de implementação da Educação em Direitos Humanos. Isso
signica que todas as pessoas, independente do seu sexo, origem
nacional, étnico-racial, de suas condições econômicas, sociais ou
culturais, de suas escolhas de credo; orientação sexual, identidade
de gênero, faixa etária, pessoas com deciência, altas habilidades/
superdotação, transtornos globais e do desenvolvimento, têm a
possibilidade de usufruir de uma educação não discriminatória e
democrática (BRASIL, 2012).
Nesse caminho, a escola torna-se um local rodeado por diferenças,
tendo a discriminação e o desrespeito como fatos triviais que devem ser
tratados e minimizados desde os primeiros anos dos alunos. Outrossim,
é um espaço caracterizado por relações, conitos, e elos sociais, pois se
apresenta como um âmbito na qual a intervenção educacional pode
desencadear um elemento de formação ética e de construção cidadã,
direcionado para a justiça, a diversidade e a igualdade.
Sobre tal aspecto, Cavalleiro (2000) arma:
É agrante a ausência de um questionamento crítico por parte
das prossionais da escola sobre a presença de crianças negras no
cotidiano escolar. Esse fato, além de conrmar o despreparo das
educadoras para relacionarem com os alunos negros evidencia,
também, seu desinteresse em incluí-los positivamente na vida
escolar. Interagem com eles diariamente, mas não se preocupam
em conhecer suas especicidades e necessidades (CAVALLEIRO,
2000, p. 35).
Cabe destacar que, as condições oferecidas em termos de
materiais nas escolas e a formação dos docentes ainda permanecem
insucientes para ofertar a educação de qualidade para todos, da mesma
forma o reconhecimento e valorização histórica, cultural e de identidade
dos afrodescendentes.
Mas, o que se vislumbra no cotidiano escolar é que, infelizmente,
há violência em quaisquer das proporções, ultrapassando a agressão física,
migrando para verbal, psicológica, emocional, moral, e que muitas vezes
são oriundas da discriminação e do preconceito, e advém de posturas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
286 |
violentas dirigidas a pessoas em formação de caráter e cidadania e em
constante transformação.
Em se tratando de preconceito na escola, trata-se de uma opinião
preestabelecida, que é imposta pelo meio, época e educação. Ele regula
as relações de uma pessoa com a sociedade. Ao regular, ele permeia toda
a sociedade, tornando-se uma espécie de mediador de todas as relações
humanas. Ele pode ser denido, também, como uma indisposição, um
julgamento prévio, negativo, que se faz de pessoas estigmatizadas por
estereótipos (SANT’ANA, 2005, p. 06).
Convém ressaltar que a escola ajuda a construir com os alunos
valores, pois todos educadores estão de todas as formas, não somente
professores, mas os demais funcionários a elaborarem e disseminarem ações
educacionais que transmitem valores sejam morais, éticos, entre outros.
Assim, tal fato deve ser construído tanto na formação inicial, quanto na
continuada da equipe escolar.
Entretanto, a escola faz parte de um contexto social múltiplo
que envolve diferentes realidades. Essa diversidade social frequentemente
é alvo de comparações, desigualdades e preconceitos, e a escola, sendo
parte da sociedade, sofre reexos dessas desigualdades. A educação se
traduz em interações sociais com as quais as pessoas procuram modicar
o comportamento, as disposições comportamentais e as características
de personalidade de outras pessoas tendo em vista uma meta (SCOPEL;
GOMEZ, 2006, p. 02).
Assim, é imprescindível que os adultos tenham, sem exceção, a
mesma forma de tratamento com os jovens e as crianças, reconhecendo os
direitos iguais e para todos, ofertando àqueles que mais carecem devido às
condições necessárias a m de alcançá-los, mas não os privilegiando, mas,
sim, o exercício da isonomia, e cando atentos às situações que devem ser
intervindas efetivamente.
Em resumo, destaca-se que os alunos poderão, dessa forma,
reconhecer e respeitar os direitos daqueles que tem opiniões e opções
distintas de alguns, de modo a valorizar o coletivo, visualizando de maneira
crítica o mundo em que vivem, buscando-se, assim, os ideais da inclusão
social e lutando sempre que se depararem com discriminações e injustiça
social.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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3. discriMinAção contrA A Mulher - A MAis AntiGA forMA de
desiGuAldAde sociAl
A violência contra as mulheres não é atual na história da sociedade,
pois compõe um sistema sociohistórico que regularizou as mulheres numa
situação hierarquicamente inferior no nível de perfeição metafísica, em relações
assimétricas entre o gênero masculino e feminino. Assim sendo, vislumbra-se
o preconceito em relação ao gênero feminino, a discriminação e a intolerância
que constituem predicativos da violência, trazendo à baila a interpenetração de
módulos distintos, seja o gênero, raça, etnia e classe social.
Segundo o pensamento pós-estruturalista, a identidade de gênero
não é um dado natural, mas sim o resultado de uma série de discursos que
permeiam as relações de poder entre as pessoas. Esses discursos hierarquizam
grupos e validam o que é considerado normal a partir do que é estabelecido
pela ordem dominante. O termo gênero, portanto, diz respeito aos processos
culturais que atuam mediante relações de poder, construindo padrões
hegemônicos, a partir de corpos sexuados (SCOTT, 1995).
Nesse viés, cabe salientar que mesmo com os altos índices
estatísticos de preconceito e violência contra as mulheres e, com os tímidos
avanços sociais, políticos e jurídicos nessa seara, a m de se minimizar a
violência, defende-se o ideal de que o movimento dos direitos humanos
ainda necessita buscar meios efetivos na propagação da cidadania e dos
direitos das mulheres.
A identidade de gênero pode ser compreendida como a
autopercepção de cada pessoa em relação às categorias sociais que dizem
respeito ao masculino e ao feminino, a parte de uma representação biológica
que se constrói pelos fatores sociais e culturais que são predominantes na
formação. É um dos elementos constituintes da identidade, mas não a
denidora desta. Seu desenvolvimento ocorre desde o nascimento, numa
interação constante entre o indivíduo e os outros, não se constituindo nem
se apresentando de maneira xa (LOURO, 2003; RIBEIRO, 2003).
Analisando brevemente a história da mulher em nossa sociedade,
Perrot (2008) destaca que pouco se falava e se registrava sobre a mulher, até
as mesmas eram convencidas de sua pouca importância e assim participavam
da destruição de seus papeis sociais. A partir de 1960, com advento da
história das mulheres deu-se na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, e na
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
288 |
França uma década depois, a mulher foi colocada como objeto de estudos
nas ciências humanas e na história, devido a vários fatores cientícos,
sociológicos e políticos.
Entretanto, a violência que a mulher passa está no seu cotidiano,
incorporada e arraigada no seio social e coletivo da nossa sociedade, tanto
de homens, como, também, de mulheres, que autenticam a subordinação
do gênero ao domínio do masculino. Ademais, tal violência está velada no
mascaramento e na subordinação cotidiana, entre tantos outros tipos, cujo
reexo se transforma num objeto tão desvalorizado, além de servir às leis
imperativas em que algumas são submetidas, como as do comércio e do
turismo sexual.
Contemporaneamente, há um avanço signicativo quanto
à participação da mulher na sociedade e em outros níveis sociais, antes
considerados “masculinos”. Porém, ainda há um enorme contingente de
mulheres que atuam em prossões “femininas”, setores vindos já bem
delineados histórica e socialmente.
Corroborando com essa linha de raciocínio, Leonardo (2016)
aduz que:
Apesar de a sociedade viver em tempos modernos, em que o tema
deveria ser visto e tratado com a naturalidade que lhe condiz, ainda
se faz necessário enfatizar a obrigação da igualdade, cujo princípio
se encontra na Lei Maior, pois são frequentes os episódios de
preconceito vividos por milhares de pessoas, devido à orientação
sexual a que pertencem. Em alguns casos, o desfecho pode ser
de forma brutal, ceifando vidas e cultivando a intolerância e
discriminação. (LEONARDO, 2016, p. 208).
Dessa forma, contra essa forma de violência que a luta feminista
deve lutar, haja vista que, a violência vai ser compreendida além de mera
agressão física ou de qualquer outra forma. Assim, a violência de gênero
pode ser interpretada como uma celebração do preconceito, de atos
discriminatórios e do sentimento intolerante pelos quais as mulheres vêm
passando ultimamente.
A produção de conhecimento sobre o atual desenvolvimento de
políticas públicas de educação pela perspectiva da redução da desigualdade
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 289
de gênero no sistema público de ensino brasileiro é ainda escassa e segue
a tendência geral das pesquisas de gênero na educação, caracterizadas pela
precária divulgação (ROSEMBERG, 2001).
Ademais, são carentes as investigações que abarcam o impacto
discriminatório de gênero nas políticas públicas nas escolas no país, como
a retirada do tema em abordagens curriculares, bem como a escassez dessas
abordagens testica-se na diculdade de análises densas acerca do debate
da igualdade entre homens e mulheres disposto na Carta Magna de 1988.
Em suma, destaca-se que a igualdade de condições das mulheres
perante os homens se pressupõe por meio do desenvolvimento de conceitos
éticos, morais e de respeito e solidariedade mútuas. Entretanto, é de
grande relevância que haja estudos e práticas acerca do tema que envolve
a construção de identidades de gênero, sobre estereótipos, preconceitos e
discriminações, e intimamente sobre as maneiras sutis com as quais elas são
dispostas pelo jugo perverso da sociedade.
4. MultidisciPlinAridAde e diVersidAde
Fazendo uma breve análise histórica sobre a formação de docentes
para trabalharem multidisciplinarmente em todas as etapas de ensino, deve
ser realizada uma prática educacional em várias disciplinas, todavia em sua
formação deve-se vivenciar rotineiramente a multidisciplinaridade teórica
e prática nesse sentido.
Dessa forma, com o m do período ditatorial, as experiências que
visavam reformular o currículo de Pedagogia se ativeram para a formação
de professores, contudo, somente para o início do Ensino Fundamental
que objetivaram corrigir a dissonância e a atingir níveis satisfatórios de
qualicação, que já eram comprovados devido o desempenho desses
educadores nos concursos e processos seletivos.
Tais alterações contribuíram para que a formação de educadores
também fosse possível por meio do Ensino Superior ofertando chances
de diversos tipos de ensinos à distância, reduzindo, assim, a qualidade
educacional. Dessa maneira, convém ressaltar que é necessário que
aconteça uma reformulação curricular para a formação de professores sobre
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
290 |
a multidisciplinaridade para envolver a diversidade, o qual caracteriza o
cotidiano em que se vivem hodiernamente.
Ball e Mainardes (2011) realizaram um estudo sobre as reformas
educacionais duas realidades distintas: Reino Unido e Estados Unidos.
A reforma tem como objetivos a resolução dos problemas educacionais.
No Reino Unido a escola é gerenciada como um a empresa, em que os
professores são liderados pelo diretor, seguindo assim um modelo comercial
em que provoca o abandono das pesquisas.
Há a presença marcante de avaliações que buscam mensurar a
educação por meio de números a m de estabelecer a responsabilização
do professor pelo possível fracasso e também é comum a imposição de
procedimentos. Nesse modelo o professor é apenas um trabalhador que
não reete sobre suas ações, somente seguem modelos prontos impostos.
No caso dos Estados Unidos, os educadores são atores da
reforma, pois participando do processo de decisão e não apenas são objetos
delas. Professores agentes de transformação que se baseiam em pesquisas
acadêmicas promovendo visões mais plurais. Diante do exposto, no
cotidiano escolar deve haver a gestão democrática, a qual evolve gestão,
educadores, educandos e toda comunidade. Assim, todos se tornam agentes
de transformações que nossa sociedade tanto precisa.
Portanto, de nada valem todas as pesquisas, dados levantados e a
não existência da prática. Nessa linha de raciocínio, Tiba (2011) ressalta
que: “Pensar precede o fazer, mas não adianta só pensa e não fazer. É a ação
de nadar quer me torna um nadador. Conhecimento é informação em
ação. Para existir, preciso agir”.
De acordo com Freire (2014, p. 22) “a educação exige pesquisa,
alegria, esperança, a convicção de que a mudança é possível e também que
a educação é uma das formas de intervenção na sociedade” e que eles, como
futuros docentes e pedagogos, tem um papel fundamental a desempenhar
na educação e particularmente na escola.
Contudo, é partindo da prática da gestão democrática e do
comprometimento de todos os envolvidos que se atingirão os objetivos de
valorizar a diversidade humana e a igualdade de oportunidades a todos os
componentes da sociedade.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 291
5 unindo teoriA à PráticA
Crê-se que a teoria é muito importante, porém a prática é o
exercício e a constatação de atingirmos ou não os objetivos propostos.
Nesse capítulo faremos um relato de experiência, no qual constatamos
que é possível fazer a diferença, unindo conteúdos sistematizados a
temas que valorizem o respeito ao indivíduo e a diversidade existente
em nossa sociedade.
Assim sendo, devido esta autora exercer a função de Diretora de
Escola Estadual, destaca-se a iniciativa e coordenação de tais projetos. Há
dois anos perceberam-se problemas que aconteciam fora da escola, ou seja,
na comunidade local, os quais eram trazidos também dentro da escola e da
sala de aula. Tais problemas prejudicavam a convivência entre os alunos,
bem como a aprendizagem dos mesmos.
Nessa escola estadual cursam alunos desde a 1ª série do Ensino
Fundamental, até a 3º série do Ensino Médio, ou seja, Fundamental I, II e
Ensino Médio. Partindo de tal realidade, começamos a discutir em reuniões
semanais com os educadores de todas as disciplinas sobre possíveis soluções
para tais problemas.
Trabalha-se com a formação continuada dos professores todas
as semanas e depois de alguns meses, tais educadores já começaram
a realizar pesquisas e criar atividades multidisciplinares. Para tanto, é
preciso proporcionar e estimular o professor em formação continuada
subsídios para que ele seja “capaz de analisar, criticar, reetir de uma forma
sistemática sobre sua prática docente, com o objetivo de conseguir uma
transformação escolar e social e uma melhora na qualidade do ensinar e de
inovar” (IMBERNÓN, 1994, p. 50).
Para tal autor, tanto a formação inicial, quanto a continuada são
de extrema importância e devem ter qualidade, pois exercer o cargo de
educador é uma atividade desaadora a qual exige disposição do prossional
para pesquisarem, aprenderem e manterem-se atualizados, acompanhando
assim as diversidades existentes em nossa sociedade.
Outrossim, a equipe gestora e professores realizam vários projetos
que visam fazer o aluno reetir sobre tais problemas e através de atividades
praticarem soluções mais viáveis para a resolução dos mesmos. Tudo
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
292 |
começou com os temas violência contra as mulheres, machismo, ou seja,
questão de gênero.
Criou-se um Blog da escola em que cada professor realizou e
registrou alguns projetos. Com o tempo foram surgindo mais temas de
acordo com a realidade e necessidade dos educandos e da sociedade, sendo
esses: bullying, preconceito racial, contra idosos, empatia, gordofobia,
nanismo, homofobia, respeito mútuo, solidariedade, ética, cidadania,
feminicídio, entre outros.
Em momento algum deixamos de trabalhar os conteúdos já
programados, todas as disciplinas foram contempladas, para tanto fazemos
uso da multidisciplinariedade, utilizando pesquisas, em especial com
materiais atuais divulgados na mídia, o que estimulou muito a participação
de todos os envolvidos.
Durante as atividades desenvolvidas, sempre procuramos envolver
a comunidade, através de pesquisas com os mesmos, debates, palestras e
exposições. Com o decorrer dos projetos fomos constatando que a maioria
mudou o comportamento tanto nas salas de aulas, quanto fora delas.
Assim, vericamos que os objetivos que estão sendo atingidos, estamos
formando alunos reexivos, críticos e empáticos.
Devemos ressaltar que no início não foi muito fácil, porque
houve resistência de alguns professores, porém aos poucos a maioria foi
revendo suas atitudes, fazendo auto avaliações das atitudes e também
dos próprios preconceitos que carregavam e assim puderam trabalhar
juntamente com os alunos e comunidade, produzindo muitos trabalhos
de excelente qualidade.
Portanto, é graticante executar tal projeto, o qual envolve toda
escola e a comunidade, pois são temas de extrema importância para nossa
sociedade. Temas que os cidadãos precisam reetir e praticarem, em seu dia
a dia, como a igualdade, empatia e justiça para todos.
considerAções finAis
Apresentou-se a pesquisa cujo teor se trata da maneira com que
algumas pessoas, no âmbito escolar, sofrem discriminação por seguirem
determinados ideais ou preconceito por questão racial, de gênero entre
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 293
outros fatores. Nessa seara, é salutar que educadores transmitam valores
junto com alunos, equipe escolar e comunidade a m de reduzir ou
procurar sanar de vez esse mal do preconceito que assola a sociedade.
Com a presente pesquisa pode-se constatar que a escola é uma
extensão da sociedade e deve-se partir da realidade na qual está inserida,
pois todos os envolvidos na educação devem agir com responsabilidade,
compromisso ético e político tanto da pesquisa quanto no contexto em
que se insere a partir dos quais é desenvolvida.
Além do mais, são válidas todas tentativas concretas de promoção
da justiça social em contextos educacionais em que todos são agentes e
sujeitos que participam do processo. Portanto, é necessário esclarecer que é
fundamental que os prossionais da educação não assumem a mediocridade
da sociedade preconceituosa e se tornem, ou seja, militem favoravelmente
contra as desigualdades e as injustiças.
Abordaram-se, então, após discorrer acerca da história dos Direitos
Humanos, as formas de disseminação de violência de qualquer forma,
oriundas do preconceito e aversão àqueles que mantem um posicionamento
ou ideal distinto, sobretudo, no âmbito escolar. A sociedade em geral deve-
se ater a este problema uma vez que tal ódio a essas pessoas pode migrar a
ns catastrócos, como homicídio.
Discorreu-se, em seguida, a forma discriminatória sobre a questão
de gênero, que afeta às mulheres, no polo passivo, também se tratando do
espaço escolar. Ademais, destacaram-se os ideais de multidisciplinariedade
e diversidade, sendo assuntos indispensáveis a boa rotina, cujo trabalho
deve ser empenhado por toda equipe, alunos e comunidade. Doravante,
destacou o relevo do trabalho executado por esta autora junto a alunos e
equipe escolar que rendeu resultados satisfatórios que podem servir de base
para futuras pesquisas nessa área da educação.
Por derradeiro, pode-se abstrair do exposto que uma escola que
promove a igualdade será, também, um local para todos e todas de maneira
isonômica e sem discriminações, tendo a potência de formar uma sociedade
livre do ódio, violência, perseguição, ou seja, que pratique, realmente, os
direitos humanos.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
294 |
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LGBT
Matheus Estevão Ferreira da Silva
Talita Santana Maciel
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
introdução
Desde 2017 temos publicado os resultados de uma pesquisa
desenvolvida a partir de uma colaboração cientíca, inicialmente entre
nós, autoras e autor do presente texto, Matheus, Talita e Tânia (MACIEL;
SILVA; BRABO, 2017; SILVA; MACIEL; BRABO, 2017, 2019), e depois
junto da prezada Alessandra de Morais (SILVA; BRABO; MORAIS,
2019). Este texto encerra o primeiro ciclo dessa pesquisa, iniciado no
nal de 2016 e encerrado em meados de 2019, em que nos limitamos
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
298 |
a investigar o reconhecimento dos direitos das mulheres e da população
LGBT
1
(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros em geral)
por meio de pesquisa bibliográca e documental, elegendo as literaturas
da Teoria das Gerações dos Direitos Humanos e de gênero como principais
norteadores da investigação.
Na época em que propusemos essa colaboração desenvolvíamos
pesquisas individuais cada
2
, cujo encontro de seus resultados e interesses
culminou nessa pesquisa colaborativa. Ao mesmo tempo em que aqui
publicamos seus resultados nais, anunciamos o início do segundo ciclo
da pesquisa, agora com os documentos ociais nacionais e internacionais
de direitos humanos como corpus de análise, a procura de mapear o
reconhecimento dos direitos humanos de ambos os públicos, mulheres
e LGBTs, do ponto de vista normativo. Nessa nova empreitada, estão
Matheus e Tânia como membros de sua equipe.
Neste texto, portanto, ressalta-se que por meio das gerações/
dimensões de direitos, conforme as demandas de reinvindicações de
direitos caram conhecidas, mudanças signicativas foram postas aos
paradigmas culturais, sociais e jurídicos antes armados ao redor do
mundo. A culminância de tais mudanças foi dada a partir da promulgação
da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em 1948, pela
Organização das Nações Unidas (ONU), fundada em 1945 no período
pós-guerra, quando houve o reconhecimento universal de que todas as
pessoas são dotadas de direitos naturais e inerentes a qualquer sujeito que
integra o gênero humano.
Assim, a declaração pôde armar as reivindicações promovidas
por movimentos sociais e políticos em momentos anteriores em busca
de igualdade e melhores condições de vida. Movimentos que se referem
aos períodos da primeira e segunda gerações/dimensões de direitos – de
direitos civis e políticos, e de direitos econômicos, sociais e culturais,
respectivamente. Dada a gravidade encarada já no início do século XX em
relação ao cumprimento e reconhecimento dos direitos reivindicados até
aquele momento, surge, principalmente pelas mobilizações e discussões
trazidas com o nal da Segunda Guerra Mundial, a denominada terceira
geração/dimensão de direitos, novo fenômeno que se incumbiria, sobretudo,
de consolidar e guardar a paz entre as nações e armar o reconhecimento e
cumprimento dos direitos humanos.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 299
No entanto, elaborada no interior desse terceiro evento de direitos,
a DUDH e, consequentemente, a própria ONU, mostraram-se excludentes
no que se refere aos direitos de determinados grupos/sujeitos sociais e/ou
categorias humanas. Por muito tempo, a ONU não se manifestou a respeito
de temas como identidade de gênero, orientação sexual e igualdade de
gênero, os quais, na contemporaneidade, são reconhecidos formalmente
pela organização e documentos/tratados internacionais como os “novos
direitos humanos e estão entre suas prioridades de exercício (MACIEL;
SILVA; BRABO, 2017; SILVA; BRABO; MORAIS, 2019).
É nesse sentido que o presente texto assume como objetivo
investigar, a partir de revisão bibliográca e análise documental, a trajetória
histórica do reconhecimento dos direitos humanos na perspectiva do
desenvolvimento da categoria de gênero – com enfoque aos dois públicos
que protagonizam a categoria social e estudos de gênero –, a armação
dos direitos das mulheres junto ao Movimento Feminista e armação,
junto ao reconhecimento recente, dos direitos das pessoas LGBT, junto
ao Movimento LGBT. Apresenta-se, outrossim, uma análise e reexão da
conjuntura política educacional contemporânea a respeito dos desaos que
se apresentam à Educação diante deste cenário de mudanças de (antigos
para novos) paradigmas conitantes.
breVe histórico dos direitos huMAnos
As várias constituições ocidentais do século XIX, que surgiram em
consequência das declarações do m do século XVIII, como a Declaração
da Virgínia (Estados Unidos da América – 1776) e a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão (França – 1789), marcam a chamada primeira
3
geração/dimensão de direitos humanos. Este primeiro ciclo de direitos tem
na Revolução Francesa de 1789 um marco divisor, a qual deixou como
legado o reconhecimento de três valores fundamentais: a igualdade, a
solidariedade e a liberdade.
É importante destacar, com base nos escritos de Piovesan (2002), que uma geração/dimensão de direitos
não substitui a outra, nem, tampouco, estão dissociadas. São ciclos que se interagem, estão organicamente
relacionados, de tal forma que uma dimensão de direitos complementa e se realiza junto com as outras e, mesmo
quando entendida sob o olhar de linearidade histórica, ou seja, como evolução da implementação de direitos,
cede espaço aos já rmados conceitos de indivisibilidade e interdependência e, sobretudo, cede espaço ao fato de
que todas as categorias encontram seu ponto de convergência na dignidade humana.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
300 |
Embora a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tenha
consagrado direitos básicos, importantes no reconhecimento de sujeitos de
direitos e necessários ao desenvolvimento integral de todos os seres humanos,
o lema amplamente divulgado no processo revolucionário (liberdade,
igualdade e fraternidade) não foi integralmente garantido no documento
redigido. Mesmo diante da luta de mulheres que reivindicavam direitos
especícos e mais amplos, como a proteção à maternidade e o direito ao
salário igualitário, a igualdade entre os sexos foi desconsiderada na escrita
da Declaração de 1789. Como armam Toscano e Goldenberg (1992, p.
45), no ano de 1787, a líder feminista e lósofa Olympe de Gouges redigiu
as seguintes palavras no décimo artigo da Declaração dos Direitos da Mulher
e da Cidadã: “ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo de
princípio; se a mulher tem o direito de subir ao patíbulo deve ter também
o de subir ao pódio, desde que suas manifestações não perturbem a ordem
pública estabelecida pela lei”.
Porém, Olympe de Gouges, juntamente com outras mulheres,
não conseguiu garantir, durante a Revolução Francesa, direitos que
colocam os sexos feminino e masculino em situação de igualdade, e ainda
foi condenada à morte sob a acusação de “[...] ter querido ser homem e ter
esquecido as virtudes próprias do seu sexo”, conforme declara a petição de
1793, em que Robespierre pede sua execução em guilhotina. Cerca de 500
outras mulheres foram executadas neste mesmo período (CARVALHO;
RABAY; BRABO, 2010).
Os direitos reclamados nesse primeiro ciclo de direitos humanos
atendiam, na verdade, às necessidades da classe que emergia naquele
momento (a burguesia) no processo de constituição do mercado livre e,
consequentemente, criavam as condições favoráveis à consolidação do
modo da produção capitalista, sendo, por isso, fundamental a consolidação
do Estado liberal e a regulamentação constitucional dos direitos dos
indivíduos (DORNELLES, 2006). Neste sentido, Nodari e Botelho (2008,
p. 137) armam que, hoje, essa primeira geração de direitos humanos
inclui os direitos civis e políticos:
[...] como o direito à vida, liberdade, propriedade, segurança
pública, a proibição da escravidão, a proibição da tortura, a
igualdade perante a lei, a proibição da prisão arbitrária, o direito
a um julgamento justo, o direito de habeas corpus, o direito
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 301
à privacidade do lar e ao respeito à própria imagem pública, a
garantia de direitos iguais entre homens e mulheres no casamento,
o direito de religião e de livre expressão do pensamento, a liberdade
de ir e vir dentro do país e entre os países, o direito ao asilo político
e de ter uma nacionalidade, a liberdade de imprensa e informação,
a liberdade de associação, a liberdade de participação política direta
ou indireta, o próprio princípio da soberania popular e regras
básicas de democracia (liberdade de formar partidos, de votar e ser
votado, etc.).
Localiza-se, ainda, nesse primeiro ciclo de direitos humanos,
uma das lutas mais importantes das mulheres, pertencente às primícias
do então chamado Movimento de Mulheres e que viria a ser conhecido
posteriormente como Movimento Feminista: a que diz respeito à
participação política (especialmente o direito ao voto), reivindicação só
conquistada no século XX em alguns países do Ocidente.
A chamada segunda geração/dimensão de direitos humanos
relaciona-se com as lutas implementadas devido à ascensão da classe
trabalhadora industrial. Emergiu no contexto de desenvolvimento do
pensamento socialista e das diversas conquistas trabalhistas, representando,
portanto, de acordo com Peruzzo (2002), o ciclo de reivindicações por
direitos sociais, como o usufruto de um modo de vida digno com acesso
ao patrimônio social: Educação, Saúde, aposentadoria, lazer, entre outros.
Assim, na sequência histórica em que evoluíram os acontecimentos,
os direitos considerados de primeira geração passaram a ser violados
sistematicamente e, com o avanço do capitalismo e as mudanças no modo
de produção, surgiram lutas pela ampliação dos direitos humanos. Os
direitos humanos de segunda geração expressam as chamadas liberdades
positivas do cidadão, ou direitos econômicos, sociais e culturais e buscam
proteger a integridade social do homem. Não se tratava mais de considerar
o direito à sobrevivência, mas sim “[...] de construir condições para uma
vida digna, no mundo do trabalho, dentro do modo de vida capitalista
(PIRES, 2011, p. 52).
Nesse momento, movido pela crítica de que o sistema capitalista
é incapaz de efetivar uma sociedade justa e igualitária, o movimento
socialista impulsionou tentativas de mudanças no decorrer do século XIX
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
302 |
e início do século XX, evidenciando, inclusive, os problemas vivenciados
pelas mulheres trabalhadoras, como a dupla jornada de trabalho e
a desvalorização do trabalho doméstico. Observa-se, portanto, uma
preocupação quanto à igualdade neste período, no âmago das discussões
sobre as ideias socialistas.
A chamada segunda geração/dimensão de direitos compreende,
nos dias de hoje, segundo Nodari e Botelho (2008, p. 137-138):
[...] o direito à seguridade social, o direito ao trabalho e à segurança
no trabalho, ao seguro contra o desemprego, o direito a um salário
justo e satisfatório, a proibição da discriminação salarial, o direito
a formar sindicatos, o direito ao lazer e ao descanso remunerado,
o direito à proteção do Estado e do Bem-Estar-Social, a proteção
especial para a maternidade e a infância, o direito a participar da vida
cultural da comunidade e de se beneciar do progresso cientíco e
artístico, a proteção dos direitos autorais e das patentes cientícas.
Nas primeiras décadas do século XX, os direitos humanos de
segunda geração/dimensão foram incorporados à ordem jurídica de alguns
Estados e nas constituições mexicana (1917), russa (1918) e da República
de Weimar, na Alemanha (1919). Além dessas constituições, a criação da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo tratado de Versalhes
(1919), contribuiu para a ampliação da realidade sociopolítica e para a
abrangência dos direitos humanos, que deixaram de ser entendidos apenas
como direitos individuais e passaram a agregar o entendimento dos direitos
coletivos de natureza social.
A terceira geração/dimensão de direitos humanos teve início após
as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial (em que a ideia
de direitos humanos esteve próxima de ser extinta), mais especicamente,
após a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH),
em 10 de dezembro de 1948, pela Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU). Foram proclamados, por meio desta, direitos civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais, em caráter de indivisibilidade
e interdependência
4
. A autora Benevides (2002, p. 128) acrescenta que
a terceira geração/dimensão de direitos refere-se “[...] à defesa ecológica,
Mais tarde, tal caráter de interdependência e indivisibilidade foi reiterado pela Conferência Mundial sobre os
Direitos Humanos, realizada em Viena no ano de 1993.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 303
à paz, ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, à partilha do
patrimônio cientíco, cultural e tecnológico”.
Candau (1995) aponta para uma quarta geração/dimensão de
direitos humanos referente ao direito à vida em sua dimensão planetária,
que inclui o direito à vida saudável em harmonia com a natureza, aos
princípios ambientais e ao desenvolvimento sustentável, conforme posto
na Declaração do Rio em 1992
5
.
Assim como destaca Peruzzo (2002), ainda no terceiro ciclo de
direitos, os titulares de direitos humanos não são apenas os indivíduos,
mas os grupos humanos, reconhecendo-se o direito de autodeterminação
dos povos e grupos historicamente discriminados e hostilizados, os
direitos dos negros, das crianças, das mulheres, etc. Contudo, observa-
se aqui que, apesar dos avanços propiciados pelas diversas lutas por
direitos e pela promulgação da DUDH, nem sempre esses direitos foram
contemplados e se efetivaram para determinados grupos e sujeitos sociais.
A DUDH, ainda que prevendo os direitos das mulheres no que concerne
à igualdade perante os homens (breve e ligeiramente logo no artigo 1.º e
nomeadamente no artigo 2.º, mostrou-se excludente nas especicidades de
reinvindicações dessa população, assim como em outros grupos/sujeitos e
categorias humanas: não houve manifestação alguma sobre a situação em
que gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e transgêneros em geral (LGBTs)
se encontravam naquela época, tampouco sobre identidade de gênero,
orientação sexual e igualdade de gênero, inclusive pela conjuntura teórica
dos temas.
Sobre os direitos das mulheres, a declaração pôde ser vista
como uma mera carta de intenções, uma vez que, com a diculdade em
armar seus direitos de forma efetiva, as mulheres organizaram-se em
movimentos sociais em todo o mundo antes mesmo da promulgação
da DUDH: nascia-se o Movimento Feminista. Tal movimento seria o
responsável, então, pelas reivindicações para o reconhecimento dos direitos
das mulheres de forma plena, sendo atendidos formalmente pela ONU
somente em 1993, com a Declaração de Viena, e pelo desenvolvimento da
chamada categoria social de gênero, um dos principais meios adotados pelo
Movimento Feminista para abordagem e análise do tema pelas Ciências e,
Nodari e Botelho (2008) armam que a quarta geração de direitos é uma nova categoria, ainda em discussão,
que se resume a um compromisso de deixar o mundo em que vivemos melhor para as gerações futuras.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
304 |
então, responsável pela legitimidade das questões relacionadas às mulheres
(e mais tardiamente à diversidade sexual e de gênero) nos meios legais e
dispositivos constitucionais dos Estados.
Não obstante ao silêncio da declaração a respeito da diversidade
sexual e de gênero, nas décadas seguintes, a população LGBT também
se organizou em um movimento social, passou a reivindicar direitos
especícos, dividindo o protagonismo da categoria social de gênero,
e teve seus direitos rmados como direitos humanos. Em virtude deste
fato, é possível armar a existência da chamada atual geração de direitos
humanos, que emergiu por meio dos novos movimentos sociais, ou seja,
lutas por direitos especícos de grupos historicamente subalternizados.
Conforme Carvalho, Rabay e Brabo (2010, p. 240), “essa especicação se
deu em relação ao gênero, à sexualidade, às várias fases da vida e estados
excepcionais da existência humana [...]”.
o desenVolViMento dA cAteGoriA sociAl de Gênero junto Aos
MoViMentos feMinistA e lGbt
O Movimento Feminista, movimento social que traz como
propósito a libertação das mulheres, é autodeclarado e ocialmente armado
no século XX, porém com origens em períodos anteriores. Teve suas causas
dadas diante das iniquidades em que as mulheres foram e são vítimas ao
longo da história humana, em razão da ideologia, sustentada por séculos, da
inferioridade feminina perante o ser masculino, a qual opõe-se, portanto,
à nova ideologia fomentada pelo movimento: o feminismo, com a ideia de
igualdade entre homens e mulheres.
A história do Movimento Feminista, de acordo com Carvalho
(2010), é registrada na história em ondas progressivas e sequenciais: a
Primeira Onda contou com o Movimento Sufragista – primeiro manifesto
coletivo feminista – como precursor no nal do século XIX e início do
século XX, movimento que tratou dos direitos relacionados à cidadania
da mulher, desde a participação política (o direito ao voto) até o direito à
Educação. Pelas conquistas obtidas no período anterior, a Segunda Onda
tem início na década de 1960 sob o slogan “O pessoal é político”, agora
reivindicando não somente direitos civis iguais, como também direitos
sociais, principalmente sobre a participação igual perante o homem na
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 305
esfera pública e privada: “[...] corresponsabilidade pelo trabalho doméstico
e cuidado/Educação das crianças; direitos reprodutivos; controle do próprio
corpo; acesso à contracepção e legalização do aborto [...] bem como direito
ao prazer” (BRABO, 2015, p. 111).
Durante esse segundo momento do Movimento Feminista, os (as)
estudantes iniciaram reivindicações nas universidades para a inclusão de
estudos relacionados aos movimentos sociais daquele momento histórico,
considerados não acadêmicos na época. Deste modo, as reivindicações das
mulheres feministas originariam um campo acadêmico de estudos que
passaria a ser conhecido como Womens Studies (Estudos das Mulheres),
estabelecido no início da década de 1970. Tal institucionalização dos
Estudos das Mulheres nas universidades durante a Segunda Onda do
Feminismo ocorre concomitantemente ao estabelecimento conceitual da
categoria social de gênero, adotada pelos estudos de/sobre mulheres e que
passaria “[...] a ser usada no interior dos debates que se travaram dentro do
próprio movimento, que buscava uma explicação para a subordinação das
mulheres” (PEDRO, 2005, p. 79).
A palavra gênero, até a primeira metade do século XX, sempre
denotou sua função gramatical de uso classicatório por meio de caracteres
em comum e, em seguida, passou a ser utilizada para divisão e classicação
dos discursos nas naturezas masculino e feminino – em que gênero adquire
a compreensão de sinônimo de sexo (PLEBE, 1978). Porém, Segundo
Suárez (1995), a partir da Antropologia da década de 1930 ocorrem as
primeiras abordagens do conceito de gênero conhecido hoje pelos estudos
e teorizações feministas: a antropologia se ateve ao estudo das relações entre
os homens e as mulheres em sociedades orientais, nas quais as relações
instituídas contrastavam-se com àquelas da sociedade ocidental moderna.
Os estudos abordavam gênero indiretamente e ainda sem a conceituação
da categoria, ao buscarem comprovar que o comportamento humano não
é determinado pela biologia do corpo, isto é, pelo sexo biológico, mas que
pode ser compartilhado tanto por uma pessoa de um sexo quanto de outro,
mediante a cultura em que se insere.
A ideia central do conceito de gênero é trazida pela escritora e
lósofa francesa Simone de Beauvoir no livro O Segundo Sexo, de 1949,
e que serviu como prelúdio para as reinvindicações da Segunda Onda
do feminismo: “Não se nasce mulher, torna-se mulher. Nenhum destino
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
306 |
biológico, psíquico, econômico dene a forma que a fêmea humana assume
no seio da sociedade [...]” (BEAUVOIR, 1975, p. 9).
No entanto, apenas em 1955 a palavra “gênero” seria utilizada
pioneiramente, pela medicina clínica, como signicado de um papel social
humano (gender role). Sua adoção foi feita pelo cirurgião e pesquisador
estadunidense John Money, durante um trabalho com pessoas intersexuais
(GUIMARÃES; BARBOZA, 2014). Mesmo assim, essa adoção foi
insuciente, pois ignorava as questões relacionadas à identidade individual
humana: Money ignorou a identidade de seus pacientes alterando seu sexo
pela cirurgia de redesignação sexual sob justicativa de que seu gênero
caria intacto, uma vez que é um atributo social. Dessa forma, a (re)
conceituação de gênero ocorre, nalmente, em 1968 por Robert Stoller,
psiquiatra e psicanalista norte-americano que considerou, pela primeira
vez, que o gênero pode ser atribuído a um corpo de determinado sexo que
não coincide como sua identidade de gênero
6
.
Com o assentamento do conceito de gênero, contemplado pelos
Estudos das Mulheres ainda na Segunda Onda do Feminismo, redesigna-
se o objeto central do movimento e de pesquisa do próprio campo,
mudando o enfoque de “[...] mulher para mulheres, já considerando a
diversidade do ser mulher, com especicidades e demandas gerais, mas
algumas especícas, incluindo classe, geração, etnia, sexualidade, além de
outras” (BRABO, 2015, p. 110). Os Estudos das Mulheres aborda agora
outras temáticas sobre desigualdades sociais: as relações étnico-raciais, o
multiculturalismo, as sexualidades, a luta de classes, etc., fato que resulta
na extensão de estudos no interior do próprio campo, desde os Gender
Studies (Estudos de Gênero), acompanhando o desenvolvimento da
categoria de gênero no âmago das teorizações feministas, até os Gays and
Lesbian Studies (Estudos Gays e Lésbicos), que surgiram a partir de intensas
reinvindicações das feministas lésbicas perante as primícias do chamado
movimento homossexual
7
, como ressalta Cascais (2004).
Mesmo sem negar as contribuições de Stoller, ressalta-se aqui o movimento empreendido para a despatologização
da transexualidade/transgeneridade pela psiquiatria em torno do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM), elaborado pela Associação Psiquiátrica Americana (APA), listando-as como “disforia de gênero”,
um transtorno mental. No Brasil, a professora doutora Berenice Bento da UFNR desenvolve umas das pesquisas
em andamento em âmbito global em relação à despatologização do discurso psiquiátrico.
7
Primeiro nome atribuído ao Movimento LGBT, bem como com a sigla GLS, gays, lésbicas e simpatizantes.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 307
Uma vez consolidados os Estudos das Mulheres e campos de
estudos decorrentes, no início da década de 1990 surge um signicativo
rompante nas teorizações acadêmicas pelas correntes teóricas trazidas pelo
movimento pós-estruturalista/pós-modernista, o qual foi responsável pelo
estabelecimento da Terceira Onda do feminismo. As teorizações feministas
da época foram criticadas, especialmente no que diz respeito à limitação
do conceito de gênero. Explorou-se, no momento das reexões críticas,
a origem e justicação da naturalização das identidades no binarismo de
gênero feminino/masculino de matriz heterossexual. Constitui-se nesse
momento, pois, uma nova literatura feminista, denominada de Teoria
Queer, que deu origem aos atuais Queer Studies (Estudos Queer) (SILVA;
BRABO; MORAIS, 2019).
Com a Teoria e Estudos Queer, os estudos feministas conguram
maior enfoque à gênero e sexualidades no íntimo das teorizações pós-
modernas, ambos tópicos especícos e característicos da Terceira Onda
do feminismo. Assim, questionam-se as categorias identitárias humanas
fundamentais, pensadas não mais em uma dualidade genericada, e a
população LGBT adentra no público protagonizado pela categoria social
de gênero, sejam gays, lésbicas e bissexuais no âmbito da orientação sexual
ou transexuais e transgêneros em geral no âmbito da identidade de gênero.
Se, antes, a categoria social de gênero era exclusiva às mulheres, agora
atende à pluralidade humana: feminilidades e masculinidades, díspares ou
semelhantes entre si em variados graus, sob múltiplas combinações, uma
vez que a masculinidade (homem) e feminilidade (mulher) são polaridades
identitárias construídas e armadas histórica e culturalmente (SILVA;
BRABO, 2016; MACIEL; SILVA; BRABO, 2017).
Se inicia, então, um resoluto período de responsabilização dos
Estados e organizações na garantia dos direitos reivindicados de tais
grupos e sujeitos, a partir das contínuas reinvindicações das ondas do
Movimento Feminista e teorizações acadêmicas da categoria de gênero
– em seus esforços para explicar, analisar e contribuir na superação da
situação subalterna que as mulheres vivenciam historicamente – e, mais
adiante, junto ao Movimento LGBT, que permitiu a revisão das categorias
identitárias humanas excludentes quanto à diversidade identitária sexual e
de gênero.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
308 |
Tal período é marcado, particularmente na década de 1990, por
contínuas conferências promovidas pela ONU, seus órgãos executivos e
demais ONGs de direitos humanos. Em 1993, aconteceu a II Conferência
Internacional de Direitos Humanos realizada em Viena, ocasião em que
foi promulgada a Declaração de Viena, considerando os direitos das
mulheres em suas especicidades no espaço público e privado. Em 1994,
ocorreu a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento
das Nações Unidas, no Cairo, Egito, reunião marcada como o primeiro
encontro que considerou todos os momentos da vida humana, dentre suas
especicidades, como direitos (PATRIOTA, 1994). E, nalmente, no ano
de 1995 o mundo foi contemplado com a IV Conferência Mundial sobre
a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz, ocorrida em Pequim, China,
com a abordagem das principais questões referentes aos direitos humanos
das mulheres. Nesse último evento, inseriu-se nas discussões, ineditamente,
a igualdade de gênero – em que gênero entrou em substituição da categoria
sexo – e, ali, nalmente, as questões referentes às teorizações de gênero
passam a ser consideradas e ponderadas pela ONU e demais órgãos
multilaterais.
Os direitos da diversidade sexual e de gênero, contemplados pelas
teorizações acadêmicas da época – sob maior visibilidade nas discussões de
direitos humanos a partir da Conferência de Pequim – são fomentados no
âmbito legal somente com a pandemia do vírus HIV/Aids entre as décadas
de 1980 e 1990, em que a doença chamada Síndrome da Imunodeciência
Adquirida torna-se um caso de saúde pública e as pessoas LGBT adquirem
visibilidade nas sociedades, ainda que sob estigma e de forma pejorativa. É
apenas após este evento que se desenvolve uma agenda entre o movimento,
os estudos e os Estados preocupados com a proteção e reparação dos direitos
dessas pessoas, reconhecidos como direitos humanos nas décadas posteriores.
A AfirMAção dos direitos huMAnos dA PoPulAção lGbt
A armação explícita dos direitos humanos para a população
LGBT é um fenômeno recente, muito embora a chamada cultura gay
tenha começado a se esboçar a partir do nal da década de 1940, ainda que
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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circunscrita a ambientes fechados
8
. Apenas no ano de 2011, a Organização
das Nações Unidas (ONU) declarou, pela primeira vez, que os direitos
LGBT são direitos humanos.
O resgate histórico voltado para o reconhecimento da diversidade
sexual e identidade de gênero revela que muitos foram os sofrimentos e
lutas enfrentados pelas pessoas LGBT. Assim como destaca Bersntein
(2009), os homossexuais não tinham qualquer representação política e,
esse fato, somado às leis homofóbicas da década de 1960, zeram com
que a população LGBT fosse hostilizada e odiada, contexto herdado
historicamente. Somente no nal da década de 1960 é que a cultura gay
começa a ganhar espaço nas ruas, após a vivência de muitos anos de terror
(CASTELLS, 1999).
Na década de 1960, as pessoas homossexuais eram tratadas como
psicopatas promíscuas e doentes mentais
9
. De acordo com Gorisch (2013),
no mínimo 500 pessoas foram presas no ano de 1968, na cidade de Nova
York, por considerar-se que cometeram crime “contra a natureza”, ou seja,
pela prática de relação sexual entre pessoas do mesmo sexo. No mesmo
período, entre 3.000 e 5.000 pessoas foram presas por crimes ligados à
orientação sexual e muitas foram também assassinadas e/ou violentadas.
Na primeira década do século XXI, algumas entidades da ONU
defenderam e incluíram em suas resoluções, ainda de que maneira implícita,
a defesa dos direitos humanos da população LGBT
10
. A Organização, em
si, manifestou-se ainda mais tarde. Contudo, o fato que nos dias de hoje é
considerado como marco inicial da luta pelos direitos humanos LGBT, já
havia acontecido em 28 de junho de 1969: o Stonewall Uprising. Durante
esse importante acontecimento, segundo Carvalho, Rabay e Brabo (2010),
pessoas homossexuais se rebelaram contra a perseguição policial no Bar
8
Como retrata Gorisch (2013), o único refúgio das pessoas LGBT eram os bares gays, que recepcionavam tal
população longe dos olhos da sociedade. As batidas policiais eram constantes, com prisões e espancamentos e a
comunidade LGBT assistia a tudo ainda sem coragem de exigir direitos iguais.
9
Na época, várias clínicas de “tratamento” para homossexuais estavam em pleno funcionamento, onde eram
aplicados choques, esterilização, castração e até lobotomia. A clínica mais famosa era em Atascadero, na
Califórnia, mais conhecida como a “Dachau” dos homossexuais – termo que remete ao campo de concentração
nazista, construído na Bavária, Alemanha, em 1933.
10
Pode-se citar o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que manifestou-se no ano de
2010; o Fundo das Nações Unidas para a Infância, também no ano de 2010; a Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura, no ano de 2009; a Organização Internacional do Trabalho (OIT), no
ano de 2007; a Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 2009; o Fundo de População das Nações
Unidas, no ano de 2009 e o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids, também no ano de 2009.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
310 |
Stonewall, em Nova York, travando uma batalha de dias seguidos, com o
apoio da comunidade local.
Organizou-se, a partir deste fato histórico, uma passeata de
visibilidade, conhecida como primeira Parada Gay, – hoje denominada
Parada do orgulho LGBT – a qual reuniu mais de duas mil pessoas, homens
engravatados e mulheres com vestidos de forma proposital, com o intuito
de mostrar que as pessoas homossexuais são iguais a todos os outros seres
humanos. Nesse momento, marcou-se o início do moderno movimento
gay mundial. A Parada do Orgulho LGBT, que acontece na cidade de São
Paulo (SP/Brasil), é a maior que acontece em todo o mundo, embora os
movimentos homossexuais só tenham conquistado notoriedade no país no
início da década de 1980, juntamente com os novos movimentos sociais
surgidos durante o período de redemocratização, como armam Carvalho,
Rabay e Brabo (2010).
É interessante observar o engajamento da nação brasileira quanto
aos direitos humanos LGBT na primeira década do século XXI, mesmo
que esse país tenha (ainda) um alto índice de violência homofóbica. Em
maio do ano de 2009, a Secretaria dos Direitos Humanos do Brasil lançou
o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT,
um documento que surgiu a partir da ação do Conselho Nacional de
Combate à Discriminação, com o principal objetivo de:
Orientar a construção de políticas públicas de inclusão social e de
combate às desigualdades para a população LGBT, primando pela
intersetorialidade e transversalidade na proposição e implementação
dessas políticas. (BRASIL, 2009, p. 10).
Mais tarde, em 09 de dezembro de 2010, o então presidente
Luiz Inácio Lula da Silva tornou o referido conselho parte integrante da
estrutura básica da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República, através do Decreto n.º 7.388.
No ano de 2003, o Brasil apresentou uma Resolução
11
ao
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, englobando os direitos
humanos e a orientação sexual. Em seguida, o documento foi dirigido
11
Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/LTD/G03/136.pdf?OpenElement. Acesso
em: 23 jun. 2019.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 311
à Comissão de Direitos Humanos e incluído na 59ª sessão, no décimo
sétimo item da pauta. A discussão desta Resolução foi adiada para 2004,
por falta de apoio de alguns países.
No ano de 2008, a Organização dos Estados Americanos (OEA)
aprovou, de forma unânime, uma declaração que arma as proteções
dos direitos humanos como válidas também para a orientação sexual e
identidade de gênero. O projeto de resolução foi apresentado pelo Brasil.
Ainda em 2008, ao passo que alguns países clamavam por avanços, outros
revelavam-se resistentes
12
.
Uma nova versão da declaração redigida pela França e Holanda
foi apresentada na Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU
e a quantidade de assinaturas coletadas nos diversos países começou a se
tornar signicativa. Muitos países que não haviam assinado a Resolução
em 2008 acabaram revendo suas posições, assinando em 2011.
Desta forma, o ano de 2011 entrou para a história da comunidade
LGBT mundial: no mês de junho a ONU editou uma Resolução
13
no
Conselho de Direitos Humanos, de nº A/HRC/17/L.9/56, considerando
que os direitos LGBT são direitos humanos. Tal Resolução resulta na
seguinte interpretação: o país que não cuidar dos seus cidadãos LGBT,
não estará respeitando os Tratados Internacionais de Direitos Humanos
e tantos outros documentos internacionais. Os impactos dessa Resolução
foram enormes, com relevantes mudanças no próprio governo brasileiro
14
,
observadas por ocasião da 2ª. Conferência Nacional LGBT, que ocorreu
em dezembro de 2010, bem como no reconhecimento da União Civil
homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011 e na resolução
emitida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013 que obriga os
cartórios de todo o país a celebrar o casamento civil e converter a união
estável homoafetiva em casamento.
12
A Anistia Internacional, juntamente com a França, então presidente da União Europeia e a Holanda,
apresentaram uma Declaração sobre a descriminalização da homofobia no âmbito internacional. A Liga Árabe,
por sua vez, apresentou outra Declaração, contrária à descriminalização (GORISCH, 2013, p. 28).
13
Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/58106434/UN-Resolution-on-Sexual-Orientation-and-Gender-
Identity. Acesso em: 22 jun. 2019.
14
Na Resolução em estudo, o Brasil foi um dos propositores originais. Sendo assim, tem aceitação tácita no país,
já que surgiu de um desejo do próprio Estado brasileiro.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
312 |
Em novembro de 2011, um relatório (Relatório do Alto
Comissariado para Direitos Humanos da ONU pós-resolução
15
), foi escrito
com as principais intenções: reiterar e proteger os direitos humanos LGBT;
documentar as leis discriminatórias, práticas e atos de violência contra
indivíduos, baseados na orientação sexual e identidade de gênero; apontar
a necessidade de prevenção à tortura ou outra forma cruel, degradante ou
tratamento desumano com base na orientação sexual ou identidade de
gênero. O documento sinaliza, ainda, como as normas internacionais de
direitos humanos podem ser usadas como argumento pelos Estados para
acabar com a violência relacionada à orientação sexual, relacionando atos
discriminatórios como violadores de direitos humanos (GORISCH, 2013).
O posicionamento da Organização das Nações Unidas
representa um grande avanço na luta pela igualdade, visto que a realidade
vivenciada ainda nos dias de hoje em todo o mundo, quanto à legislação
e, principalmente, quanto à homofobia, necessita de especial atenção.
Atitudes homofóbicas e transfóbicas ainda são, infelizmente, comumente
encontradas em todo o mundo, expondo muitas pessoas a agrantes
violações de direitos humanos.
Dados do Segundo Relatório sobre Violência Homofóbica em
2012, divulgados pela Secretaria dos Direitos Humanos, apresentam
números assustadores no Brasil: somente no ano de 2012, o governo
federal registrou quase 10 mil denúncias
16
de violações de direitos humanos
relacionadas à população LGBT, sendo que, em 2011, esse número não
chegou a sete mil – o que demonstra um aumento preocupante da violência
homofóbica no país.
A m de encontrar soluções a este cenário, as agências e programas
das Nações Unidas no país desenvolvem, nos dias de hoje, diversas ações
e programas, dentre eles, a Campanha “Livres & Iguais” uma campanha
global da ONU que visa à promover a igualdade da população LGBT e,
como expresso no site ocial das Nações Unidas no Brasil
17
, “[...] tem por
objetivo aumentar a conscientização sobre a violência e a discriminação
homofóbica e transfóbica e promover um maior respeito pelos direitos
das pessoas LGBT, em todos os lugares do mundo” (ONU, 2017). A
15
Foge do escopo deste texto apresentar detalhes sobre o Relatório. Para aprofundamento, ler Gorisch (2013).
16
O número exato é o seguinte: 9982 denúncias.
17
Site ocial das Nações Unidas no Brasil: https://nacoesunidas.org.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 313
campanha é fruto de um projeto do Alto Comissariado das Nações Unidas
para Direitos Humanos (ACNUDH), implementado em parceria com
a Fundação Purpose. Um livro de 60 páginas foi lançado e amplamente
divulgado a partir da campanha
18
, com o título Nascidos Livres e Iguais:
Orientação sexual e identidade de gênero nas normas internacionais de direitos
humanos (em tradução livre para a língua portuguesa).
Outras iniciativas merecem destaque, como a criação do
manual: Construindo a igualdade de oportunidades no mundo do trabalho:
combatendo a homo-lesbo-transfobia, o qual, por meio de histórias verídicas
de pessoas que sofreram discriminação no ambiente de trabalho, oferece
diretrizes para a promoção dos direitos humanos de pessoas LGBT no
âmbito prossional. Cita-se, também, uma ação de combate ao bullying
homofóbico nas escolas: a Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO) lançou, no ano de 2013, um caderno
destinado aos(as) professores(as), gestores(as) e outros sujeitos ativos da área
de Educação para que possam enfrentar o problema e para que consigam
desenvolver ações concretas em busca da efetivação da Educação inclusiva.
A educAção frente A noVos PArAdiGMAs
Até o momento, vericou-se que, principalmente pelas
reinvindicações por parte do Movimento Feminista e do Movimento LGBT
junto aos campos de estudos acadêmicos desenvolvidos nas trans, inter e
multidisciplinaridades a respeito de gênero e sexualidades, as pautas trazidas
por ambos os grupos são levadas para discussões e debates promovidos
pelos órgãos e organizações de direitos humanos, em âmbitos nacional
e internacional. Assim, concebeu-se maior visibilidade e legitimidade
aos temas então reivindicados, do ponto de vista legal/normativo, e uma
série de ações estão sendo desencadeadas para a criação de documentos e
tratados que os contemplem.
No contexto de avanços no que se refere ao reconhecimento
dos direitos de grupos e sujeitos negligenciados e excluídos (tanto pela
truculência vivenciada ao longo da história, quanto pelo silêncio por
parte da ONU), o Brasil propiciou novas concepções – e estabeleceu
18
Para consulta, documento disponível em: http://acnudh.org/wpcontent/uploads/2013/02/
BornFreeAndEqualLowRes_SP.pdf. Acesso em: 23 jun. 2019.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
314 |
transições – às políticas públicas. Esse fato deu-se em virtude das novas
diretrizes trazidas pelas conferências e declarações promulgadas na década
de 1990, das quais o país é signatário, e também porque, segundo Vianna
e Unbehaum (2007, p. 119), o país vivenciou “[...] a partir do nal da
década de 1980 uma signicativa fase de mudanças políticas e econômicas
acompanhadas por pressões de movimentos sociais [...] por transformações
no âmbito social”, isto é, com a redemocratização, um novo paradigma de
Estado de direito fora construído gradualmente.
Sob fortes pressões e vigilância dos movimentos sociais, com
destaque à inuência que o Movimento Feminista brasileiro obteve ao longo
de sua atuação no país, a Educação esteve entre as áreas mais impactadas pelas
mudanças nas políticas públicas, após ser submetida a um grande número de
legislações e sanções constitutivas. De acordo com Brabo (2004), na década
de 1990 a escola pública brasileira passou por mudanças essenciais para sua
conguração pós-ditatura: houve a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, em 1996, seguida dos Parâmetros Curriculares Nacionais
que, “[...] tendo sempre as feministas como protagonistas”, contemplam
gênero e outros temas relativos à diversidade humana, conforme também
relembra Brabo (2015, p. 114).
A partir desse momento, o país iniciou um período de constantes
elaborações nas políticas públicas para os direitos das mulheres e da
diversidade sexual e de gênero, dado seu compromisso com os documentos
e tratados internacionais de direitos humanos e com as reinvindicações dos
movimentos sociais perante a sociedade democrática que ali se instaurava:
“[...] a educação sempre foi uma das grandes preocupações do movimento,
desvelando o quanto a educação contribuía para a desigualdade de gênero
e para a manutenção da ordem patriarcal” (BRABO, 2015, 114).
Na primeira década do século XXI, observa-se a continuidade
desse modelo de defesa dos direitos humanos e de direitos de públicos
mais especícos. Destaca-se, aqui, as considerações do I Plano Nacional de
Políticas para Mulheres (PNPM), criado em 2004; o II Plano Nacional de
Políticas para Mulheres, do ano de 2008; o Programa Brasil sem Homofobia,
de 2004; o Plano Nacional de Proteção da Cidadania e Direitos Humanos
de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNPCDH de LGBT),
elaborado em 2009; e o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
(PNEDH), com sua primeira versão em 2006 e atualização em 2013.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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Se, todavia, por um lado tais iniciativas governamentais
representam ganhos, por outro lado o país protagoniza a persistência de
antigos paradigmas – calcados nas conhecidas desigualdades denunciadas
pelos movimentos sociais e estudos acadêmicos. Armados historicamente,
estes são paradigmas difíceis de serem superados, já que possuem o amparo
de dispositivos e instituições amplamente consolidados na conjuntura
política da Educação no Brasil contemporâneo. Na passagem para o
século XXI, com o avanço das políticas educacionais voltadas à gênero,
sexualidades, multiculturalismo, etnia, raça, dentre outros tópicos ligados
à diversidade, os quais objetivam uma formação que preze e respeite
as diferenças e, da mesma forma, contemple a igualdade de direitos,
constatou-se que conforme:
[...] se ampliaram os impactos desta formação na sociedade
brasileira, também se ampliaram as reações a este movimento, que
passaram na mera indisposição de um ou outro professor quanto ao
conteúdo trabalhado a efusivas manifestações de parlamentares em
plenário e mesmo à elaboração de diversos projetos de lei coibindo
e até buscando punição de caráter penal contra quem, na escola, se
vinculasse a tais temas. (DESLANDES, 2015, p. 15).
Diante da entrada desses temas na Educação brasileira, movimentos
de resistência passaram a ser organizados, sob principal liderança de
setores religiosos e conservadores do país. Contrários a essa perspectiva
de Educação dedicada à efetivação de documentos vinculados aos direitos
humanos, nos quais se inserem os temas relacionados à diversidade sexual
e de gênero, tais movimentos de resistência, mais adiante, fariam o que
estivesse ao seu alcance para impedir, retardar ou retroceder à situação que
a Educação brasileira e, portanto, demais instancias sociais – públicas e
privadas – se encontravam antes.
Assim como retratam Barreiro e Martins (2016, p. 97):
[...] os debates acerca das discussões de gênero nas escolas passaram
a adquirir uma dimensão escatológica, que chegou, inclusive, a ser
tratada como uma medida que destruiria a “família tradicional”
brasileira. Algumas lideranças políticas e religiosas argumentavam
que as práticas de gênero confundiriam a orientação sexual das
crianças e dos adolescentes, conduzindo-os à homossexualidade, à
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
316 |
bissexualidade e à transexualidade e, em alguns casos, poderiam ser
relacionadas com a permissão da prática da pedolia.
As consequências dos movimentos de resistência adquiram maior
relevância, portanto, na medida em que os debates acerca da dimensão
de gênero na Educação passaram a ser mais intensos, mesmo que as ações
contrárias tenham se iniciado em momentos anteriores, a cada objeção
sobreposta às conquistas na política brasileira, principalmente a educacional.
Uma das reações do movimento contrário foi o veto aos cadernos
referentes ao projeto Escola sem Homofobia, quando estes estavam prestes a
entrar nas escolas públicas do país. Cabe ressaltar que este projeto, enquanto
parte do Programa Brasil sem Homofobia, representa um importante
instrumento escolar para a convivência na diversidade, além de fomentar os
objetivos do Programa. O projeto tornou-se alvo de ataques por uma espécie
de campanha religiosa que se referia aos cadernos de forma pejorativa como
kit gay, reiterando antigos preconceitos a partir da alegação de que o material
estimularia o comportamento homossexual e a promiscuidade.
Outra reação foi marcada pelo Estatuto da Família do ano de
2015, o qual “[...] postula que família se dene pela união de um homem
com uma mulher por meio de casamento ou comunidade formada por
qualquer um dos pais com lhos” (SILVEIRA, 2016, p. 21). As palavras
do Estatuto serviram como ataque ao reconhecimento jurídico da união
homoafetiva como ação aplicável ao instituto da união estável, inclusive
com a possibilidade de sua conversão em casamento, a partir da Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de número 132,
no ano de 2011.
Segundo Silva, Brabo e Morais (2017), em meio a esses desaos
que a Educação em/para gênero e sexualidades enfrenta, providenciam-
se os principais agentes do movimento reacionário: essencialmente, as
ações contrárias são protagonizadas por grupos religiosos, juntamente a
políticos que representam seus interesses individuais, sobrepondo-os aos
interesses daqueles(as) que seriam beneciados. Cria-se, neste contexto, a
chamada ideologia de gênero (FURLANI, 2016). Tal narrativa, elaborada
por determinados setores da Igreja Católica e pelo movimento (inter)
nacional autointitulado “Movimento Pró-Vida e Pró-Família”, sustenta-
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 317
se em confusões teóricas e usos inadequados dos estudos de gênero sob
uma narrativa homofóbica, numa tentativa de assustar e, ao mesmo
tempo, desinformar a sociedade civil, deslegitimando e ridicularizando os
estudos de gênero e os sujeitos que se beneciam e se dedicam às questões
relacionadas ao tema.
Com apontam Diógenes, Rocha e Brabo (2015, p. 307),
vivenciamos na atualidade:
[...] a inuência de alguns setores religiosos nas políticas, como
pudemos constatar recentemente na mobilização para a retirada
do termo gênero dos Planos de Educação, desde os municipais ao
nacional, sob a justicativa de que contemplar gênero signicava
trabalhar na perspectiva da ideologia de gênero, poderia acabar
com a família tradicional heterossexual, vista como modelo e
consolidada no Estatuto da Família, de 2015.
A respeito desse assunto, isto é, a retirada dos termos gênero e
orientação sexual dos Planos Municipais, Estaduais e Nacional de Educação
em 2014 e 2015, pode-se dizer que a Educação que contempla gênero,
sexualidades e outras temáticas relativas à diversidade humana sofreu
graves censuras. Com o término dos debates nas câmaras municipais e dos
Deputados, e censura do texto do Plano Nacional de Educação, a decisão
prevalecente foi a de que os municípios decidiriam se retirariam ou não
os termos gênero e orientação sexual dos Planos Municipais de Educação
(SILVA; MACIEL; BRABO, 2019). Embora essa decisão tenha instaurado
o entendimento de que as instituições de ensino não cam proibidas de
trabalhar tais questões com as crianças e jovens, para muitos permanece
a impressão de retrocesso: iniciou-se uma caminhada rumo à extinção de
discussões dessa natureza na Educação brasileira. Caminhada que, decerto,
inibe educadores(as) de abordar os temas na escola.
A boa notícia, no entanto, apesar da constituição do cenário
exposto até então, encontra-se nos escritos de Barreiro e Martins (2016, p.
98): “[...] existe um arcabouço legal que autoriza, fundamenta e entende o
desenvolvimento de atividades e projetos que abordem as relações de gênero
em sala de aula [...]”, isto é, há um amparo legal, promulgado nas duas
últimas décadas na política educacional, que garante o ensino e discussão
de questões relacionadas à gênero e sexualidades. Além disso, tais questões
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
318 |
continuam apoiadas pelos estudos acadêmico-cientícos desenvolvidos
por especialistas e prossionais de Educação, e também são apoiadas pelas
reinvindicações dos movimentos sociais, já que as temáticas aqui tratadas
representam “[...] medidas relevantes e de extrema importância para o
desenvolvimento do exercício da cidadania e da dignidade humana”.
considerAções finAis
Ao considerar a trajetória histórica do reconhecimento de
direitos inerentes e naturais aos seres humanos, aponta-se, num primeiro
momento, para a formação de ciclos na acepção dessa ideia, no que se
refere ao envolvimento gradativo de determinados grupos e sujeitos: nem
sempre ser parte constituinte do gênero humano signicou condição única
e satisfatória para se gozar de direitos. A ideia de direitos humanos foi
ressignicada constantemente ao longo do tempo e, ainda que inicialmente
foi utilizada como pretexto para a ascensão da burguesia, hoje contempla
o que movimentos sociais têm reivindicado com anco durante a história,
ou seja, o respeito, a igualdade e estima entre povos, grupos, identidades
e sujeitos.
As mulheres foram grandes pioneiras na formação de movimentos
políticos e sociais organizados contra a exclusão presente nos primeiros
manifestos sobre direitos, desde os feitos de Olympe de Gouges até a
constituição dos campos acadêmicos-cientícos de estudos de/sobre
mulheres para explicação e análise das desigualdades a que foram e ainda
são submetidas na coexistência com seus pares (os homens).
Da mesma forma, o movimento promovido pelo público da
diversidade sexual e de gênero seguiu as mobilizações pioneiras das mulheres.
Com a composição desse movimento em âmbito global, simbolicamente
fundado com a Revolta de Stonewall pelo m da opressão, o protagonismo
da categoria social de gênero passa, pois, a ser dividido entre as mulheres
e as pessoas LGBT, conforme os fatos históricos brevemente relembrados
neste texto.
Assim, a construção da categoria de gênero e teorizações ans pelos
estudos e pesquisadoras(es) feministas, foi e é
19
vital para a consideração dos
19
Arma-se que ainda é vital considerando que não há interrupção no processo de construção de uma categoria
cientíca.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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| 319
direitos das mulheres em suas amplas especicidades e aspectos, conforme
reivindicado e conquistado nas Conferências promovidas pela ONU na
década de 1990. Igualmente, representa extrema importância aos direitos
da população LGBT, evento recente, mas que pôde ocializar e efetivar
junto aos Estados uma luta árdua e, assim como em relação às mulheres,
ainda há muito a se conquistar.
Mais precisamente no Brasil, as políticas públicas criadas a partir
da década de 1990 e desenvolvidas em decorrência das reivindicações e
reconhecimento ocial dos direitos dessas duas populações, conseguiram
trazer para a realidade nacional conquistas e determinada otimização na
qualidade de vida das mulheres e das pessoas LGBT. É preciso levar em
consideração, porém, que essas políticas se encontram, nos dias de hoje,
em constante ameaça, dado o movimento retrógrado que a sociedade
brasileira tem vivenciado na conjuntura política contemporânea. Cita-se,
em especial, a Educação: política social que tem sido um dos principais
alvos de ataque, graças a sua potencialidade para mudança dos paradigmas
enfrentados historicamente na armação de direitos. A Educação assume
um dos papéis principais na concretização de um novo e tão estimado
paradigma: a obtenção de um mundo mais justo e igualitário.
Com o desenvolvimento vindouro do segundo ciclo de nossa
pesquisa colaborativa sobre o reconhecimento dos direitos humanos das
mulheres e da população LBT, pesquisa que então simbolicamente aqui
se encerra em seu primeiro ciclo, espera-se compreender esse processo de
um ponto de vista mais especíco, atendo-se agora ao campo normativo
com maior profundidade. Espera-se, portanto, desvelar os impactos que os
movimentos sociais e as teorizações acadêmicas tiveram nesse campo, de
modo a mensurá-los, a saber em quais momentos e contextos viabilizaram-
se e, antes de tudo, mapear os principais documentos, nacionais e
internacionais, de direitos humanos que comtemplam as especicidades
das mulheres e LGBTs.
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S
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| 325
AidA MAriA Monteiro silVA
Professora Titular da UFPE, Centro de Educação, atua nos cursos de graduação,
especialização, mestrado e doutorado nas áreas de: formação do professor,
didática, gestão escolar, Educação em Direitos Humanos. Coordenadora do
Núcleo de Educação em Direitos Humanos, Diversidade e Cidadania-UFPE.
Ex-Coordenadora da Rede Latino-americana e Caribenha de Educação em
Direitos Humanos. Líder do grupo de Pesquisa sobre Educação em Direitos
Humanos no CNPQ. Integra grupo de estudos sobre DH da Universidade de
Salamanca. Participou da Elaboração das Diretrizes Nacionais para Educação
em Direitos Humanos. É co-autora do Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos. Coordenadora da Coleção de Educação em Direitos
Humanos da Editora Cortez/São Paulo. E-mail: trevoam@terra.com.br
AlexAndre de cAstro
Alexandre de Castro é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP
Câmpus de Marília/SP onde graduou-se em Ciências Sociais Bacharelado
(1995); Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília
- UNIVEM (2002), Mestre em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro
Universitário Eurípedes de Marília - UNIVEM (2005). Atualmente é professor
do Curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul,
Unidade Universitária de Paranaíba, onde ingressou em 2011, responsável pela
disciplina de Ciência Política. A partir de 2013 está vinculado ao Programa de
Pós Graduação Lato Sensu em Educação ministrando a disciplina de Sociologia
da Educação e em 2014 vincula-se ao Curso de Pós Graduação Lato Sensu
em Direitos Humanos ministrando a disciplina de Fundamentos Sociológicos
dos Direitos Humanos na mesma Unidade Universitária. Membro integrante,
na qualidade de pesquisador, do Grupo de Pesquisa, cadastrado no CNPQ
e certicado pela UNESP, GP FORME - Formação do Educador - linha de
pesquisa: Metodologias e Práticas de Ensino. Membro integrante, na qualidade
de estudante, do Grupo de Pesquisa, cadastrado no CNPQ e certicado pela
UNESP, Direito, Cotidiano e Construção da Sociabilidade - linha de pesquisa:
Direito e Cotidiano. E-mail: xadrecas@gmail.com
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
326 |
AliciA cAbezudo
Doctora en Educación - Especialidad Ciencias Sociales - Universidad de las
Naciones Unidas para la Paz, Costa Rica y Universidad de Ginebra, Suiza.
Maestría en Educación en Ciencias Sociales con especialidad Educación para
los DDHH y la Democracia en América Latina. Universidad de Barcelona,
España. Profesora de Historia y Educación Democrática. Instituto Nacional
Superior del Profesorado, Rosario. Argentina. Licenciada en Historia.
Especialidad Historia de América Latina Contemporánea. Universidad
Nacional de Rosario, Rosario. Argentina.Maestra Normal Nacional. Escuela
Normal Nro 1. Rosario, Argentina. Es profesora Emérita en la especialidad
Metodología y Enseñanza de las Ciencias Sociales de la Escuela de Ciencias
de la Educación de la Universidad Nacional de Rosario / Argentina y de la
Catedra UNESCO de Cultura de Paz y Derechos Humanos de la Universidad
Nacional de Buenos Aires, dirigida por el Premio Nobel de la Paz - Arquitecto
Adolfo Pérez Esquivel así como de la Catedra de Derechos Humanos de la
Facultad de Filosofía de la Universidad de Buenos Aires dirigida por el escritor.
E-mail: acabezudo@unr.edu.ar
AMAndA VAlienGo
Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho - Campus de Marília (2005). Concluiu Mestrado em
Educação (2008) e Doutorado em Educação, com estágio em Portugal (2012)
pela mesma Universidade. Atualmente é Pós-doutoranda pela Universidade
Federal do Espírito Santo e professora Adjunta da Universidade Federal
de São João Del Rei, MG, no Departamento de Ciências da Educação. É
pesquisadora na área de Educação Infantil, brincadeira e leitura literária para
a infância. Membro dos grupos de pesquisa: Grupo de Estudos e de Pesquisa
em Especicidades da docência na Educação Infantil (GEPEDEI, Unesp -
Marília) e Grupo de Pesquisa sobre Formação Docente e Práticas Pedagógicas
à luz da Psicologia da Educação e da Didática (Ua, Lavras). Foi professora na
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, MG, nos Curso
de Licenciatura em Pedagogia e Bacharelado em Humanidades (2013-2016).
E-mail: amanda.valiengo@ufsj.edu.br
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 327
AnA clAudiA bAzé de liMA
Formação em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Faculdade de Filosoa
Ciências e Letras Ministro Tarso Dutra (2000). Pós graduação Lato
Sensu em Metodologia do Ensino Superior pelo Centro Universitário da
Grande Dourados(2011) e Pós graduação Lato Sensu em MBA em Gestão
Empreendedora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (2012).
Mestranda em Educação na Universidade Estadual Paulista - Câmpus de
Marília (2017). Atua na Secretaria Municipal de Educação, na Assessoria
da Educação Infantil desenvolvendo ações de assessoria, tutoria e formação
continuada aos prossionais que atuam com as crianças de 0 a 6 anos. Membro
do Conselho Gestor do Fórum Regional de Educação Infantil Costa Leste-
MS, Pesquisadora estudante cadastrada no Grupo de Pesquisa do CNPq-
PROLEAO _Processos de leitura e de escrita: apropriação e objetivação.
E-mail: anabazeti@hotmail.com
AnA lAurA bonini rodriGues de souzA
Mestranda pelo programa de Pós-Graduação em Educação na Faculdade de
Filosoa e Ciências, da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita
Filho" - UNESP/, Campus de Marília - SP, na linha de história e losoa da
Educação, sob orientação da Dra. Rosane Michelli de Castro, possui graduação
em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília - UNIVEM (2017).
Tem como interesse de pesquisa os seguintes temas: Educação, História da
Educação, Gênero, Direitos Humanos das mulheres, Mulheres professoras.
Faz parte do corpo editorial da Revista do Instituto de Políticas Públicas de
Marília - IPPMar. É integrante dos Grupos de Estudos e Pesquisas: HiDEA-
Brasil - História das disciplinas escolares e acadêmicas no Brasil (Saberes,
práticas e culturas escolares e acadêmicas), e, NUDISE - Núcleo de Gênero
e Diversidade Sexual na Educação, ambos na UNESP/ Campus de Marília.
É amante das artes, feminista, bailarina de dança oriental e cigana, com
experiência de cantora nos gêneros musicais de música popular brasileira e
pop rock e também poetisa, utiliza sua atuação militante e cientíca com o
objetivo de dar voz às mulheres que sofrem diariamente os mais diversos tipos
de violência. E-mail: ana.bonini@unesp.br
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
328 |
AnA PAulA roMAno
Mestre em Políticas Educacionais, Gestão de Sistemas e Organizações, Trabalho
e Movimentos Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Filosoa e Ciências (PPGE), da Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Campus de Marília/SP. Orientador: Prof. Dr. Carlos da Fonseca
Brandão. E-mail: anap.romano@hotmail.com
AndressA cristinA MolinAri
Formada em Letras estrangeiras modernas e Pedagogia pela Universidade
Estadual de Londrina, especialista em formação de professores de Línguas
pela Universidade Estadual de Maringá, Mestre em Estudos da Linguagem e
doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Londrina. Atualmente
é professora colaboradora na área de formação inicial de continuada de
professores de Inglês da Universidade Estadual de Londrina, e professora da
rede Estadual de ensino na cidade de Londrina. Seus interesses de pesquisa
situam-se nas áreas de educação e formação de professores de Línguas Inglesa.
E-mail: andressacmolinari@gmail.com
ArildA ines MirAndA ribeiro
Doutora em Filosoa e História da Educação pela Universidade Estadual de
Campinas (1987 e 1993), Livre-Docente em Estrutura e Funcionamento da
Educação Básica (2000) e Professora Titular em História da Educação pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2012). Criou em
2003 o NUDISE-Núcleo de Diversidade Sexual em Educação e em 2015 o
GPECUMA-Grupo de Pesquisa em Educação, Cultura, Memória e Arte (FCT/
UNESP). Fez parte da Pesquisa sobre Homosuicídio (Unesp Assis)do programa
Dst/Aids (Ministério da Saúde) e atuou no GDE (Gênero e Diversidade na
Educação-UaB/Unesp-Rio Claro). Tem experiência na área de Educação,
com ênfase em História da Educação e da Formação de Professores no Brasil,
principalmente nos seguintes temas: formação de professores presenciais e
EaD, diversidade sexual, gênero, história da educação, história das instituições
escolares e em gestão educacional. Possui diversos livros e artigos publicados
sobre Educação Feminina, Gestão Educacional e História das Instituições
Escolares. Aposentou-se do Curso de Graduação em Pedagogia (1992-2016),
da Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) no Programa de Educação da
FCT-Unesp (2001-2019), e hoje atua como membro do Instituto Histórico e
Genealógico de Campinas- SP. E-mail: arildainesribeiro@gmail.com
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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cyntiA GrAziellA GuizeliM siMões Girotto
Livre-docente em Leitura e Escrita pela Universidade Estadual Paulista (2016).
Pós-doutorado em Leitura e Literatura Infantil pela Universidade de Passo
Fundo (2015). Doutora em Educação pela Unesp (1999). Mestre em Educação
pela Universidade Federal de São Carlos (1995). Pedagoga pela Faculdade de
Filosoa e Ciências - Unesp - Marília (1992). Desde 2000 é professora da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Câmpus de Marília,
junto ao Departamento de Didática, onde integra o corpo docente da graduação
em Pedagogia, ministrando aulas de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado
da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Compõe, na
mesma unidade universitária, o quadro de orientadores do programa de Pós-
Graduação em Educação, liderando linha de pesquisa do grupo PROLEAO
"Processos de leitura e de escrita: apropriação e objetivação". Participa de mais
dois grupos de pesquisa "Implicações Pedagógicas da Teoria Histórico-Cultural"
(Unesp - Marília) e "Formação de professores e as relações entre as práticas
educativas em leitura, literatura e avaliação do texto literário” (Unesp - Presidente
Prudente). Integra, ainda, o grupo de pesquisadores do CELLIJ (Centro de
Estudos em Leitura e Literatura Infantil e Juvenil). É orientadora nos programas
MINTER e DINTER.Seus estudos e pesquisas estão focados na apropriação da
leitura e da escrita, com ênfase no papel da literatura infantil na formação de
crianças leitoras e produtoras de textos. As articulações com a Educação Literária
na infância e o aprendizado e o desenvolvimento de crianças pequenininhas e
pequenas norteiam as publicações recentes de artigos em revistas, coletâneas e
organização de livros. Escreveu artigos que compuseram dois livros selecionados
pelo PNBE - Professor. Realizou e realiza pesquisas nanciadas pela FAPESP, na
linha políticas públicas e em editais especiais, bem como pelo CNPq e CAPES,
como o projeto interinstitucional do Programa PROCAD (Programa Nacional
de Cooperação Acadêmica). E-mail: cyntia.girotto@unesp.br
dAniele APArecidA russo
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade
Estadual Paulista - UNESP, campus de Marília, linha de pesquisa Teoria e
Práticas Pedagógicas. Mestre em Educação (2012) também pelo mesmo
PPGE. Graduada em Pedagogia com habilitação em Administração Escolar
(2008) pela mesma unidade da UNESP. E-mail:danirusso1@hotmail.com
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
330 |
jAMilly nicAcio nicolete
Bacharel e Licenciada em História pela Universidade Federal de Viçosa,
Licenciada em Pedagogia, pela UNIFRAN, Mestra em História e Sociedade
com ênfase em História Cultural, pela Faculdade de Ciências e Letras - UNESP,
Campus de Assis, com bolsa concedida pelo CNPq e Doutora em Educação pela
Faculdade de Ciências e Tecnologia - UNESP, campus de Presidente Prudente,
com bolsa de Doutorado FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo e Bolsista de Estágio de Pesquisa no Exterior - BEPE/ FAPESP na
Universitat de València, Espanha. Durante seu Estágio de Pesquisa no Exterior
ministrou aulas na disciplina de Pedagogia Social. Tem diversas publicações
nacionais e internacionais relacionadas a essas temáticas. Membro do NUDISE
- Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual na Educação. É palestrante e atuante
em projetos nas áreas de Cidadania, Gênero, Feminismos, Políticas Públicas em
Educação e Violência contra a Mulher. Presidenta da Casa Maria de Araçatuba.
E-mail: jamillynicacio@hotmail.com
jAne soAres de AlMeidA (in-MeMoriAn)
Graduada em Pedagogia e Artes Industriais. Mestra em Educação pela
Universidade Federal de São Carlos; Doutora em História e Filosoa da
Educação pela USP-SP; Pós-doutora por pela Harvard University, Estados
Unidos, e pela Universidad Autónoma de Barcelona, Espanha - FAPESP.
Professora aposentada do Departamento de Educação da Universidade
Estadual Paulista, UNESP/ Araraquara. Atuou como docente do Programa
de Pós-Graduação em Educação da UNISO. Liderava o GEHE - Grupo de
Estudos de História da Educação (Gehe) - Universidade de Sorocaba-SP.
Pesquisadora do CNPq. Desenvolveu estudos na área de História da Educação,
formação de professores, gênero e diversidade cultural. É autora de diversos
trabalhos nacionais e internacionais que abrangem essas temáticas. Faleceu em
2018 depois de anos contribuindo com a História da Educação Brasileira, nos
deixando com uma imensa saudade.
jefferson nunes de cerqueirA GuiMArães
Professor com licenciatura plena em História pela Universidade do Sagrado
Coração USC. Militante dos Direitos Humanos e membro da Coordenação
do NUDHUC- Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 331
Membro fundador do NRPPM- Núcleo de Resistência Popular Primeiro de
Maio. Atuou por 9 anos como professor em Unidade Prisional lecionando e
promovendo formação para as pessoas em privação de liberdade. E-mail: je.
guimaraes79@hotmail.com
jorGe luís MAzzeo MAriAno
Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista - Unesp (Câmpus
de Presidente Prudente). Mestre em Educação pela Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar). Graduado em Pedagogia pela FCT/Unesp. Está vin-
culado ao Núcleo de Diversidade Sexual na Educação - Nudise, ao Grupo de
Pesquisa em Educação, Cultura, Memória e Arte - Gpecuma e coordena o
Grupo de Estudos e Pesquisas Histórias e Memórias da Educação (Hismee).
É professor do curso de Pedagogia e docente permanente do Mestrado em
Educação na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS (Câmpus
do Pantanal). E-mail: jorge.mariano@ufms.br
luceli cAlle
Atualmente Diretora de Escola Estadual, efetiva há mais de 11 anos. Possui
Habilitação especíca do magistério/ CEFAM (Centro de Formação e
Aperfeiçoamento do Magistério). Graduação em Pedagogia(2002) e Mestra em
Educação(2020) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
Experiência de 10 anos como Professora do Ensino Fundamental Ciclo I na
Rede Municipal de Educação de Marília/SP. Recebeu a premiação de "Diretor
da Paz" do Rotary Club Marília Pioneiro, por ter sido primeiro classicada no
Projeto Paz nas Escolas e ter se empenhado pela paz na comunidade escolar
(2013). Idealizou e coordenou Blog e Projeto Igualdade de gênero/Respeito
à Diversidade com a participação de toda bem como da comunidade/2016
e 2017.Coordenou o Minicurso: "Promovendo o respeito à diversidade e a
igualdade de gênero na escola", no Evento " XIII Semana da Mulher - Mulheres
e gênero: olhares sobre a educação, mídia, saúde e violência", UNESP-Marília
(2017). Coordenou Curso de extensão "Respeito as mulheres e diversidade na
escola", FAIP/Marilia (2019). Faz parte do NUDHUC, bem como do grupo
de estudos NUDISE, ambos UNESP/Marília. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Educação. E-mail: lucelicalle@hotmail.com
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
332 |
luilA ferreirA eccheli
Bacharel em Direito (Unipa-Catanduva) e advogada. Pesquisadora na área
de Educação e gênero. E-mail: lu_eccheli@hotmail.com
luiz henrique MoreirA soAres
Doutorando e mestre em Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/
Ibilce), Campus de São José do Rio Preto. Graduado em Letras/ Inglês pela
Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Campus de Jacarezinho.
Integrante do grupo de pesquisa Gênero e Raça da UNESP/Ibilce. Atua nas
seguintes áreas: literatura contemporânea, estudos de gênero, estudos queer,
narrativas de mulheres trans. E-mail: luizhsoares83@gmail.com
MAriA de fátiMA oliVeirA
Graduanda do décimo termo de Direito pelo UNIVEM, membro da
Comissão de pesquisa do NAPEX/UNIVEM, participante dos grupos de
pesquisa NUDISE e LIEG, ambos da UNESP, e membro do NUDHUC/
UNESP. Pesquisa gênero e direitos humanos. E-mail: m.fatimaro@hotmail.
com
MAriânGelA sPotti loPes fujitA
Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Universidade Estadual Paulista (Unesp) concluiu o doutorado
em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo em 1992.
Realizou concurso público de Análise Documentária e Linguagens alfabéticas
documentais pela Faculdade de Filosoa e Ciências Unesp - Marília em 2003
e como Titular em Indexação em 2010. Atualmente desenvolve atividades
de pesquisa com bolsa de Produtividade em Pesquisa nível 1B do CNPq. É
membro das sociedades cientícas de sua especialidade: Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação - ANCIB e Capítulo
Brasileiro da International Society for Knowledge Organization-ISKO, no
Brasil e no exterior, International Society for Knowledge Organization - ISKO.
Foi assessora do comitê da área de Comunicação, Artes e Ciência da Informação
do CNPq. É assessora ad hoc de agências e participa como revisor e membro de
Comitês Cientícos de revistas cientícas em Ciência da Informação no Brasil
e no exterior. Participou do grupo de pesquisadores que criou e implantou o
Instituto de Políticas Públicas de Marília (IPPMar) e Rede Mulheres Vivas da
Faculdade de Ciências - Campus de Marília. Atualmente é membro do Conselho
e também gestora do Portal de Periódicos Eletrônicos da Faculdade de Filosoa
e Ciências da Unesp - Marília. E-mail: mariangela.fujita@unesp.br
MAtheus esteVão ferreirA dA silVA
Membro do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília (NUDHUC).
Pedagogo pela FFC/UNESP/Marília, Mestrando em Educação pelo PPGE da
FFC/UNESP/Marília e Graduando em Psicologia pela Faculdade de Ciências
e Letras (FCL/UNESP), Campus de Assis. Integrante do NUDISE – Núcleo
de Gênero e Diversidade Sexual na Educação, e do GEADEC – Grupo de
Estudos e Pesquisas em Aprendizagem e Desenvolvimento na Perspectiva
Construtivista. E-mail: matheus.estevao2@hotmail.com
nilMA renildes dA silVA
Possui graduação em Licenciatura em Psicologia, em Formação de Psicólogo
e em Bacharel em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (1992), mestrado em Psicologia (Psicologia Social) pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1998), Especialização em
Violência sexual contra Crianças e Adolescentes pela USP/SP (2000) e
doutorado em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2006) e continua se especializando em diversos temas
ao longo dos últimos anos. Participa de diversos grupos de estudo e pesquisa,
dentre eles, o da Rede Mundial Mulheres Vivas. Professora de Psicologia Social
e Supervisora de Estágio em Psicologia Social e Comunitária da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Bauru/SP. Desenvolve pesquisa
e extensão na área de violência doméstica contra crianças e adolescentes,
violência contra as mulheres e violência nas escolas, visando a garantia de
direitos humanos e a coibição do uso da violência nas relações sociais. O
trabalho com esses temas é feito a partir da intersecção necessária entre raça,
gênero e classe. E-mail: nilma.renildes@unesp.br
Plínio Antônio britto Gentil
Doutor em Educação e em Direito. Professor universitário de Direitos
Humanos (PUC-SP). Procurador de Justiça no Estado de S. Paulo. Membro
do Grupo de Pesquisa Educação e Direito da UFSCar. E-mail: pabgentil@
apmp.com.br
rosAne Michelli de cAstro
Mestre (2000) e Doutora (2005) em Educação - Programa de Pós-Graduação
em Educação – PPGE – da Faculdade de Filosoa e Ciências – FFC – UNES-
P-Marília. Pós-Doutorado (2010) - Fundação Carlos Chagas – SP. Professora
Assistente Doutora junto ao Departamento de Didática e junto ao Progra-
ma de Pós-Graduação em Educação – PPGE – da Faculdade de Filosoa e
Ciências – FFC – UNESP-Marília. É líder do Grupo de Estudos e Pesquisas
“HiDEA-Brasil – História das disciplinas escolares e acadêmicas no Brasil”,
e membro integrante do Grupo de Pesquisa “GP FORME - Formação do
Educador”, ambos da Faculdade de Filosoa e Ciências – FFC – UNESP-
-Marília. Também é membro integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas
sobre cultura e Instituições escolares – GEPCIE, da Faculdade de Ciências e
Letras – FCLAr – UNESP-Araraquara e do Instituto de Políticas Públicas de
Marília – IPPMar. E-mail: r.castro@unesp.br
rosiney APArecidA loPes do VAle
Graduada em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho - Unesp/Assis (2000), mestre em Letras pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho -Unesp/Assis (2005), doutora em Educação
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp/Marília
(2015). Atualmente é professora adjunta dos cursos de Letras (Português/
Inglês e Português/Espanhol) do Centro de Letras, Comunicação e Artes da
Universidade Estadual do Norte do Paraná, campus de Jacarezinho. É integrante
do Grupo de Pesquisas Preservação dos Bens Culturais: História, Memória,
Identidades e Educação Patrimonial da UENP/CJ, do Núcleo de estudos afro-
brasileiros e indígenas (Neabi) - UENP e da Comissão de Acompanhamento
das Ações Armativas (Caaf) - UENP. Atua, principalmente, na área de Letras
e da Educação com ênfase na Formação inicial e continuada de Professores,
Estudos afro-brasileiros, Políticas Educacionais e curriculares, Linguística
Aplicada, Língua Portuguesa e Língua Latina. E-mail: rosineyvale@uenp.edu.br
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
| 335
rui AMAdeu bonde
Possui graduação em ensino de História e Geograa pela ex- Universidade
Pedagógica (UP) Maputo - Moçambique (2005), MESTRE em Ciências, em
Políticas Públicas Estratégias e Desenvolvimento pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro no Instituto de Economia UFRJ/IE (Brasil), (2016),
Doutorando em educação desde 2018, no Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo ( FE-USP), na área
de concentração Estado, Sociedade e Educação, tem experiência na área de
educação desde 2003 como professor do ensino médio e Universitário, em
Maputo (Moçambique). E-mail:ruiabonde@gmail.com
sAndrA APArecidA Pires frAnco
Possui Graduação em Letras pela UEM, Graduação em Pedagogia, Mestrado
em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2003), Doutorado em
Letras na UEL(2008) e Pós-Doutorado em Educação pela UNESP de Marília
- SP (2016). Tem experiência na área de educação, atuando principalmente
nos seguintes temas: Leitura e Educação, leitura, ato de ler, ensino e
aprendizagem, literatura, planejamento e teorias pedagógicas. O Doutorado
em Letras na UEL foi centrado nos Estudos Literários, Linha de Pesquisa
Cânones, Ideias e Lugares. É líder do Grupo de Pesquisa Leitura e Educação:
práticas pedagógicas na perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica. Faz parte
do Grupo de Pesquisa PROLEAO - Processos de leitura e Escrita: apropriação
e objetivação da UNESP - Campus Marília - SP e do projeto PROCAD
2014. Foi professora QPM de Língua Portuguesa até 2010 e PDE- 2007. É
professora adjunto do Departamento de Educação da Universidade Estadual
de Londrina - UEL, na área de Didática e professora do Programa de Pós-
Graduação em Educação - UEL. Foi coordenadora do Projeto OBEDUC:
A práxis pedagógica: concretizando possibilidades para a prática pedagógica
na Universidade Estadual de Londrina e bolsista OBEDUC e atualmente é
coordenadora do projeto leitura e atividade de estudo: práticas pedagógicas
com a leitura literária na Educação Básica. É integrante do Comitê Assessor
de Área de Ciências Humanas (CAAs) da Fundação Araucária no período de
2020 a 2024. E-mail: sandrafranco26@hotmail.com/sandrafranco@uel.br
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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sAndrA MArA PereirA dos sAntos
Pós-doutoranda, com bolsa, junto ao Programa de Pós-graduação em
Ciências Sociais na UEM. Possui Doutorado (2015), Mestrado (2007) e
Graduação (2001) em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP/Marília). Atua principalmente com os seguintes temas: Hip-Hop,
Rap, Periferias, Relações Étnico-Raciais, Relações de Gênero, Sociologia
e Antropologia das Emoções, Conjugalidades inter-raciais e entre pessoas
negras, Interseccionalidade de gênero, cor/raça e classe social e Feminismo
Negro. Tem experiência como pesquisadora e professora de Antropologia no
ensino superior e de Sociologia, História e Geograa no ensino fundamental
e médio. E-mail: soul_mara@yahoo.com.br
silVAnA PAulinA de souzA
Professora efetiva da Universidade Federal de Alagoas - Campus Maceió,
setor de Planejamento, Currículo e Avaliação. Professora do Programa de
Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática - Ufal/Maceió. Possui
graduação em Educação Artística pela Universidade de Marília (1991),
graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (1994), Mestrado (2009) e doutorado (2013) em Educação
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência
na área de Educação com ênfase na sala de aula, atuando principalmente nos
seguintes temas: teoria histórico-cultural, educação, ensino - aprendizagem,
leitura e escrita, prática pedagógica e projetos pedagógicos. E-mail:
silvanapaulina@uol.com.br
stelA Miller
Doutorado em Ensino na Educação Brasileira pela Faculdade de Filosoa
e Ciências - Unesp - Campus de Marília (1998). É docente aposentada do
Departamento de Didática da Faculdade de Filosoa e Ciências da Unesp –
Campus de Marília (SP) e professora voluntária do programa de Pós-Graduação
em Educação na mesma Instituição. É membro do Grupo de Pesquisa
“Implicações pedagógicas da teoria histórico-cultural”. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa
(Fundamental I). É coordenadora da Ocina de Leitura da UNATI –
Universidade Aberta à Terceira Idade – da Faculdade de Filosoa e Ciências da
Unesp – Campus de Marília (SP). E-mail: stelamillercel@gmail.com
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume II
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suelen cristinA lAndi rAMos
Graduada em Psicologia pela Universidade de Marília (UNIMAR). Já atuou
como coordenadora do Grupo de Estudos em Psicologia Social da UNIMAR,
mediou palestras acerca das temáticas: Direitos Humanos, gênero, sexualidades
e educação na Universidade Estadual Paulista (UNESP/FFC). Atualmente,
trabalha como psicóloga clínica de orientação psicanalítica. Desenvolve
estudos com ênfase em Psicologia Social e Psicanálise. E-mail: suelen.landi@
hotmail.com
tAlitA sAntAnA MAciel
Pedagoga pela FFC/UNESP/Campus de Marília. Mestre em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UNESP-FFC-Campus
de Marília. Integrante do Grupo de Pesquisa e Estudos NUDISE – Núcleo de
Gênero e Diversidade Sexual na Educação. Professora da Educação Infantil da
Rede Municipal de Ensino de Marília. Pedagoga pela FFC/UNESP/Marília,
Mestra e Doutoranda em Educação pelo PPGE da mesma instituição. E-mail:
talita.s.maciel@hotmail.com
tâniA suely Antonelli MArcelino brAbo
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (1991), mestrado em Educação pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1997), doutorado em Sociologia
pela Universidade de São Paulo (2003) e pós-doutorado em Educação pela
Universidade do Minho-Braga-Portugal (2007). Investigadora visitante no
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (2007). Professora
assistente doutora efetiva do Departamento de Administração e Supervisão
Escolar, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de
Marília. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Administração
de Unidades Educativas e Políticas Educacionais, atuando principalmente
nos seguintes temas: gestão democrática, direitos humanos, gênero, cidadania
e educação. Líder do Grupo de Pesquisa NUDISE- Núcleo de Gênero e
Diversidade Sexual na Educação, Membro do NUDHUC-Núcleo de Direitos
Humanos e Cidadania de Marília e do Observatório de Educação em Direitos
Humanos da UNESP. E-mail: tania.brabo@unesp.br
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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thAis eMíliA de cAMPos dos sAntos
Doutora e mestre em Educação na Unesp. Psicopedagoga. Consultora em
Educação Inclusiva, Diversidade e Educação Sexual. Presidente e fundadora da
ABRAI- Associação Brasileira Intersexo. Membro da Rede de Apoio a Familia
e Pessoa Intersexo “Jacob (y) Cristopher”, parceria projeto Dê Coração/
ABRAI/Unifesp. Mãe de intersexo. E-mail: thais.emilia@hotmail.com
Wilson roberto bAtistA
Doutor e mestre em educação pelo Programa de Pós Graduação da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, câmpus Marília. Licenciado em
História (1998-Unesp) e Pedagogia (2004-Uniban). Professor do Programa
de Pós Graduação (lato sensu) de Educação em Direitos Humanos da
Universidade Federal do ABC – Santo André. Diretor de Escola de Educação
Infantil da Rede Municipal marilense – EMEI Arco Íris. Coordenador do
Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília – NUDHUC. Agente
da Pastoral Carcerária do Ede São Paulo. Membro dos grupos de pesquisa
Núcleo de Gênero e Diversidade na Educação (NUDISE) e História Política
e Contemporânea (UFMT). E-mail: brnosliw07@gmail.com
cAtAloGAção
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
norMAlizAção
Maria Elisa Valentim Pickler Nicolino
CRB - 8/8292
Elizabete Cristina de S. A. Monteiro
CRB - 7963/0
Isabelle Ribeiro Ornelas Coelho Lima
cAPA e diAGrAMAção
Gláucio Rogério de Morais
Produção GráficA
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
AssessoriA técnicA
Renato Geraldi
oficinA uniVersitáriA
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
forMAto
16 x 23cm
tiPoloGiA
Adobe Garamond Pro
Papel
Polén soft 70g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
tirAGeM
100
iMPressão e AcAbAMento
2020
sobre o liVro
CULTURA
ACADÊMICA
E d i t o r a
MULHERES, GÊNERO E SEXUALIDADES NA SOCIEDADE -
DIVERSOS OLHARES SOBRE A CULTURA DA DESIGUALDADE
A violência contra a mulher tem sido uma das características
marcantes da sociedade brasileira e perpassa todas as
classes sociais, muitas vezes vista de forma natural. Os dados
do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020,
evidenciam índices preocupantes de aumento: 648 mulheres
foram vítimas de feminicídios no primeiro semestre de 2020, ou
seja, um aumento e 1,9% em relação ao mesmo período em
2019.
Essa é uma constatação histórico-cultural que exige ações
educativas consistentes, sistemáticas de maneira que
possam trabalhar as subjetividades das pessoas, a partir de
valores da dignidade, do respeito ao ser humano, na
concepção de direito à diferença na igualdade.
Tratar de temas dessa natureza são contribuições
imprescindíveis para os processos formativos de todas as
pessoas, em todos os níveis de escolarização e, em todas as
áreas de conhecimento.
Este livro, portanto, contribui para ampliar e fortalecer o
debate, com uma vasta e importante produção, ao tratar da
violência em sua relação com: Gênero, Sexualidade e como os
mesmos são tratados na sociedade.
Aida Monteiro – novembro, 2020.
ISBN 978-65-86546-85-9