Graziella Diniz Borges é psicólo-
ga, pedagoga, psicopedagoga, mestra e
doutoranda em Educação pela Univer-
sidade Estadual Paulista (Unesp), Cam-
pus de Marília. Atualmente, é docente na
Educação Básica e no Ensino Superior.
É membro do Grupo de Estudos e Pes-
quisas em Psicologia Moral e Educação
Integral (GEPPEI).
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
Ao abordar a Educação em Valo-
res na Escola, temos a certeza de que há
diferentes tipos de valores e nalidades
diversas. Os valores morais regulam nossa
convivência, qualicam o bem e o mal nas
ações, controlam nossos costumes, nossa
cultura, nos ajudam a viver. Quando fala-
mos de valores, estamos dizendo de trocas
afetivas positivas entre o sujeito e o mundo
externo. Compreendendo a Educação em
Valores, como um processo de desenvol-
vimento, onde nada é dado ou ensinado.
Não se trata de simples internalização, é
vivência. Qual é o papel da escola? A es-
cola tem o privilégio de ofertar a convi-
vência e a partir dela, construir pontes e
caminhos para que os jovens aprendam a
viver coletivamente. Sabemos que a esco-
la inuencia na formação moral, não
como negar. Sendo assim, seria justo que o
zesse de modo reexivo, criando espaços
de diálogo, de respeito, de solidariedade,
onde a convivência ética é uma regra ine-
gociável.
Valores Morais na Escola
Graziella Diniz Borges
Graziella Diniz Borges
Esta obra aborda a Educação em Valores em jovens estudantes, mensu-
rando sua presença e a forma de adesão no ambiente escolar. Apresenta
teorias e conceitos de Educação Moral. Discorre sobre os valores morais:
Respeito, Justiça, Solidariedade e Convivência Democrática. Trabalha
o plano moral e o plano ético, propõe caminhos para uma educação
democrática, relacionando os valores morais com o perl dos jovens e
o contexto escolar estudado; colabora com a reexão de estudantes de
Graduação em Pedagogia, de Psicologia, de docentes, de gestores, bem
como, de instituições educacionais interessadas em ofertar uma Educa-
ção Integral para nossos jovens e crianças.
Valores Morais na Escola
para colher é preciso semear e cultivar
VALORES MORAIS NA ESCOLA:
para colher é preciso semear e cultivar
Graziella Diniz Borges
VALORES MORAIS NA ESCOLA:
para colher é preciso semear e cultivar
Graziella Diniz Borges
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2020
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretora
Dra. Claudia Regina Mosca Giroto
Vice-Diretora
Dra. Ana Claudia Vieira Cardoso
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Imagem da capa:
Imagem de congerdesign por Pixabay
Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Borges, Graziella Diniz.
B732v Valores morais na escola: para colher é preciso semear e cultivar / Graziella Diniz Borges. Marília :
Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2020.
190 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5954-017-4 (Digital)
1. Piaget, Jean. 2. Kohlberg, Lawrence. 3. Moral. 4. Educação moral. 5. Educação. I. Título.
CDD 370.15
Copyright © 2020, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
DOI: https://doi.org/10.36311/2020.978-65-5954-017-4
AGRADECIMENTOS
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ___________ ____________ ____________ _______________ ____________ _
Um agradecimento aos meus queridos professores, todos! Desde a
primeira vez que adentrei numa escola, até hoje na Universidade.
Agradeço aos meus filhos, alunos e alunas, que me motivam e me
fazem querer ser uma pessoa melhor, uma professora melhor todos os dias.
Um agradecimento muito especial à professora Alessandra de
Morais, pessoa cheia de amorosidade, que colabora fortemente para meu
crescimento pessoal e profissional com seus exemplos e condutas éticas.
Coração de Estudante
Quero falar de uma coisa
Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar
Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor
Já podaram seus momentos
Desviaram seu destino
Seu sorriso de menino
Tantas vezes se escondeu
Mas renova-se a esperança
Nova aurora a cada dia
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê flor e fruto
Coração de estudante
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade
Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes, plantas, sentimento
Folhas, coração, juventude e
Milton Nascimento
SUMÁRIO
PREFÁCIO .......................................................................................... 13
INTRODUÇÃO ................................................................................. 17
A TEORIA MORAL DE JEAN PIAGET ............................................ 27
Relação entre cognição e afeto .............................................................. 31
O juízo moral na criança segundo Jean Piaget (1932/1994a) ................ 35
Sobre a prática e a consciência das regras em Piaget .............................. 36
PRÁTICAS DAS REGRAS .................................................................. 37
CONSCIÊNCIA DAS REGRAS ........................................................... 39
O respeito ............................................................................................ 45
Os julgamentos morais e as regras: realismo moral, a responsabilidade
objetiva e a responsabilidade subjetiva .................................................. 51
As noções de justiça .............................................................................. 53
A justiça e as sanções ............................................................................ 56
Educar moralmente na escola ............................................................... 60
A TEORIA DE JULGAMENTO MORAL DE................................... 65
LAWRENCE KOHLBERG ................................................................ 65
Os estágios de juízo moral de Kohlberg ................................................ 67
Os paralelismos entre Piaget, Kohlberg e outros estudiosos da moral .... 83
O querer fazer moral e o despertar da moral ......................................... 87
VALORES MORAIS ........................................................................... 93
Educação moral como socialização e a .................................................. 94
educação moral como clarificação de valores ......................................... 94
Educação moral como desenvolvimento ............................................... 96
Os valores morais: o plano moral e o plano ético ................................ 103
Justiça ................................................................................................ 108
Solidariedade ...................................................................................... 110
Respeito ............................................................................................. 113
Convivência democrática .................................................................... 115
RELATO DE UM ESTUDO SOBRE A ........................................... 121
ADESÃO A VALORES MORAIS DE .............................................. 121
JOVENS ESTUDANTES ................................................................. 121
Contextualizando o estudo e os participantes ...................................... 121
Instrumento e forma de análise dos dados .......................................... 123
Descrevendo os resultados .................................................................. 128
Apresentação das escalas de valores morais .......................................... 130
ESCALA DE CONVIVÊNCIA DEMOCRÁTICA.................................. 130
Descrição dos níveis de convivência democrática ................................ 132
NÍVEL I E NÍVEL II ...................................................................... 132
NÍVEL III .................................................................................... 133
NÍVEL IV .................................................................................... 133
NÍVEL V ..................................................................................... 133
ESCALA DE SOLIDARIEDADE ........................................................ 134
Descrição dos níveis de solidariedade .................................................. 135
NÍVEL I E NÍVEL II ...................................................................... 135
NÍVEL III .................................................................................... 135
NÍVEL IV .................................................................................... 136
NÍVEL V ..................................................................................... 136
ESCALA DE RESPEITO .................................................................. 136
Descrição dos níveis de respeito .......................................................... 138
NÍVEL I E NÍVEL II ...................................................................... 138
NÍVEL IV .................................................................................... 139
NÍVEL V ..................................................................................... 139
ESCALA DE JUSTIÇA ..................................................................... 139
Descrição dos níveis de justiça ............................................................ 141
NÍVEL I E NÍVEL II ...................................................................... 141
NÍVEL III .................................................................................... 141
NÍVEL IV .................................................................................... 142
NÍVEL V ..................................................................................... 142
Perfil dos sujeitos e suas percepções do ambiente escolar e familiar ..... 142
As relações entre os valores morais pesquisados, com o perfil dos jovens
no contexto escolar e familiar ............................................................. 150
Relações entre professores e alunos ..................................................... 151
USO DE SANÇÕES PELOS PROFESSORES ................................................ 151
REGRAS NA ESCOLA ............................................................................ 151
RELAÇÃO ENTRE ALUNOS ................................................................... 152
GOSTAR E SENTIR-SE BEM NA ESCOLA ................................................. 152
BOA IMAGEM DE SI ............................................................................. 153
RELAÇÃO FAMILIAR............................................................................. 153
Ampliando discussões e análises conjuntas .......................................... 154
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ...................................................... 169
REFERÊNCIAS ................................................................................. 175
13
PREFÁCIO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ __
No final da primeira década do século XX Durkheim (2007)
proferiu a palestra “O ensino da moral na escola primária” na qual expôs
que “Decidimos ensinar a moral para nossas crianças das escolas primárias
em termos puramente laicos.” Passados mais de cem anos esta proposta
continua na pauta da sociedade, seja a favor ou contra. Em nosso país, as
formas de educação moral, especialmente dos valores morais são discutidas
por Menin (2002), que mostrou as duas principais formas que este tema
foi trabalhado em nossa sociedade. A primeira, doutrinária, que apresenta
às crianças verdades prontas, que devem seguir, que teve com o ensino de
Moral e Cívica, durante a ditadura militar, que foi instalada em nosso país
em 1964, o seu ponto máximo. A forma oposta, “[…] o laissez-faire em
termos de valores: cada professor e seus alunos podem ter posições
diferentes sobre o que é correto, bom, justo, ou seja, sobre o que tem valor.
(MENIN, 2002, p. 95). Contrapondo estas posições ela propõe uma
educação democrática em que os valores morais são discutidos, tendo
como base teórica o trabalho de Piaget sobre desenvolvimento moral de
crianças.
A partir do Grupo de Trabalho Psicologia e Moralidade da
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia
(ANPEPP), pesquisadores brasileiros vêm se debruçando sobre estas
questões, tendo produzido vários artigos e livros dos quais destaco dois. O
primeiro, o livro “Crise de valores ou valores em crise” (LA TAILLE;
MENIN, 2009), que reuniu uma série de pesquisas sobre o tema e, o
segundo, “Projetos bem-sucedidos de educação em valores: relatos de
14
escolas públicas brasileiras” (MENIN; BATAGLIA; ZECHI, 2013). Parte
dos professores envolvidos na produção destes livros iniciou a construção
de uma escala para avaliar valores morais, especialmente a justiça, o
respeito, a convivência democrática e a solidariedade, sob a coordenação
das professoras Marialva Tavares, da Fundação Carlos Chagas (FCC), e
Maria Suzana Menin, da Universidade Estadual Paulista (UNESP)
(TAVARES et al., 2016).
O livro aqui apresentado, da professora Graziella Diniz Borges,
relata uma investigação desenvolvida para obtenção do título de Mestre no
Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Filosofia e
Ciências da UNESP, em que aplicou a Escala de Valores Morais em alunos
de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Neste estudo ela
fundamentou o seu trabalho nas teorias sobre a construção do pensamento
moral de Piaget e raciocínio moral de Kohlberg e expõe as bases dos valores
morais investigados: justiça, respeito, convivência democrática e
solidariedade. Tanto a forma como utilizou o instrumento como os
resultados trazem uma grande contribuição para o entendimento da
construção dos valores morais em alunos do 9
o
ano do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio. Os resultados mostram que a escola
pode trabalhar os valores morais e, atualmente dispõe não só de uma
fundamentação teórica sólida, como pesquisas empíricas indicando esta
direção, como esta que está sendo relatada neste livro.
Concluo este prefácio recomendando que pais, professores e
gestores da educação brasileira leiam com atenção este livro e pensem
como, cada um em seu domínio, pode colaborar para a formação moral
dos nossos alunos. Entendo que este trabalho poderá levar à concretização
da formação de cidadãos plenos, que saberão viver em uma sociedade
15
plural e democrática, sabendo serem justos, respeitosos, valorizando uma
convivência democrática e também sendo solidários.
o José do Rio Preto, SP, 26 de julho de 2020
Raul Aragão Martins
Professor Associado
Universidade Estadual Paulista UNESP
REFERÊNCIAS
DURKHEIM, É. O ensino da moral na escola primária. Novos estud. -
CEBRAP, São Paulo, n. 78, p. 59-75, Julho 2007. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-3300 200
7000200008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 26 Jul. 2020.
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002007000200008.
LA TAILLE, Y de ; MENI, M. S. de S. (orgs). (2009). Crise de valores
ou valores em crise? Porto Alegre: Artmed.
MENIN, M. S. de S. Valores na escola. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 28,
n. 1, p. 91-100, junho 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022002000100006&lng=em&nr
m=iso. Acesso em: 26 Jul. 2020. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-
97022002000100006.
16
MENIN, M. S. S.; BATAGLIA, P. U. R.; ZECHI, J. A. M. (Org.).
Projetos bem sucedidos de educação em valores: relatos de escolas
públicas brasileiras. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2013. v. 1. 280p.
TAVARES, M. R. et al. Construção e validação de uma escala de valores
sociomorais. Cad. Pesqui., São Paulo, v. 46, n. 159, p. 186-210, Mar.
2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art
text&pid=S0100-15742016000100186&lng=en&nrm=iso. Acesso em:
26 Jul. 2020. https://doi.org/10.1590/198053143460.
17
INTRODUÇÃO
_______ ____________ ____________ _____________________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ______
Este livro traz a mensuração e estudo dos valores morais: Respeito,
Justiça, Solidariedade e Convivência Democrática de jovens do Ensino
Fundamental II e Ensino Médio. Como eles se percebem nas suas formas
de agir junto aos colegas. Como se sentem ao estar diante de conflitos, de
dilemas, quando precisam tomar uma decisão, enfim escolher um caminho
a seguir. E, por conseguinte, como esses jovens acreditam que devem ou
deveriam ser as condutas de uma pessoa ao passar pelas situações acima
mencionadas e de que forma percebem o ambiente que experimentam no
dia a dia, seja na vida escolar, na família e na sociedade em geral. O objetivo
deste livro foi o de avaliar a presença e o modo de adesão aos valores morais
em jovens dos anos finais do Ensino Fundamental II (9º anos) e Ensino
Médio. Também se quer conhecer o perfil dos estudantes e relacionar com
os valores morais investigados (justiça, solidariedade, respeito e
diálogo/convivência democráticos) com as seguintes variáveis: convivência
familiar, atitudes e convivência com os pares e professores no espaço
escolar, regras na escola e outros.
Para tanto, foi utilizada a Escala de Valores Morais (TAVARES et
al., 2016) para tratarmos os valores convivência democrática,
solidariedade, respeito e justiça e relacionar os valores mensurados com os
perfis dos jovens participantes do estudo.
As questões acerca dos valores morais são trazidas a reflexões desde
muito tempo por filósofos, existe uma diversidade teórica representando a
complexidade do tema. Sendo assim, precisamos fazer um recorte
18
conceitual para definir fronteiras e territórios teóricos pelos quais
transitaremos.
Os valores em Psicologia vêm sendo investigados e discutidos
dentro de duas subáreas desta ciência, a Psicologia Social e a Psicologia do
Desenvolvimento Moral. A primeira, a Social, tem como foco os valores
humanos em sua dimensão mais ampla, como mostra Schwartz e Bilsky
(1987, p.551), que definem valores como
(a) princípios ou crenças, (b) sobre comportamentos ou estados de
existência, (c) que transcendem situações específicas, (d) que guiam a
seleção ou avaliação de comportamentos ou eventos e (e) que são
ordenados por sua importância” (SCHWARTZ; BILSKY apud
PORTO; TAMAYO, 2007, p. 63)
Tamayo e Schwartz (1993, p. 331) definem valores como:
[...] metas que o indivíduo fixa a si próprio, relativas a estados de
existência (valores terminais) ou a modelos de comportamentos
desejáveis (valores instrumentais) (Lovejoy, 1950; Rescher, 1969;
Rokeach, 1973). A sua raiz é de ordem motivacional, já que eles
expressam interesses e desejos de tipo individual, coletivo, ou misto,
dentro de áreas motivacionais bem determinadas (Hofstede, 1980;
Triandis, 1987; Bomtempo, Villareal, Asai & Lucca, 1988). Os valores
apresentam uma hierarquia baseada na maior ou menor importância
que eles têm na vida do indivíduo (Rokeach, 1968/69; Tamayo, 1988)
e uma função que faz com que eles sejam determinantes da rotina
diária, já que eles orientam a vida da pessoa e determinam a sua forma
de pensar, de agir e de sentir (Williams, 1968, 1970). Desta forma, a
psicologia considera os valores como um dos motores que iniciam,
orientam e controlam o comportamento humano. Eles constituem um
projeto de vida e um esforço para atingir metas de tipo individual ou
coletivo. (TAMAYO; SCHWARTZ, 1993, p. 331)
19
Nesta perspectiva os valores humanos vêm sendo investigados,
especialmente após Rokeach (1973) ter desenvolvido uma escala para a sua
avaliação, que por sua vez recebeu aperfeiçoamentos e atualmente
considera-se a existência de 10 tipos motivacionais:
Autodireção (AD) Independência no pensamento e na tomada de
decisão, criação e exploração (criatividade, independente, liberdade).
Estimulação (ES) Ter excitação, novidade e mudança na vida (ser
atrevido, uma vida excitante, uma vida variada).
Hedonismo (HE) Prazer ou gratificação sensual para a própria pessoa
(desfrutar da vida, prazer).
Realização (RE) Êxito pessoal como resultado da demonstração de
competência segundo as normas sociais (ambicioso, capaz, obter êxito).
Poder (PO) Posição e prestígio social, controle ou domínio sobre
pessoas e recursos (autoridade, poder social, riqueza).
Benevolência (BE) Preservar e reforçar o bem-estar das pessoas
próximas com quem se tem um contato pessoal frequente e não casual
(ajudando, honesto, não rancoroso, ter sentido na vida).
Conformidade (CO) Limitar as ações, inclinações e impulsos que
possam prejudicar a outros e violar expectativas ou normas sociais
(autodisciplina, bons modos, obediência).
Tradição (TR) Respeitar, comprometer-se e aceitar os costumes e as
ideias que a cultura tradicional ou a religião impõem à pessoa (devoto,
honra aos pais e mais velhos, humilde, respeito pela tradição, vida
espiritual).
Segurança (SE) Conseguir segurança, harmonia e estabilidade na
sociedade, nas relações interpessoais e na própria pessoa (ordem social,
segurança familiar, segurança nacional).
Universalismo (UN) Compreensão, apreço, tolerância e proteção em
direção ao bem-estar de toda a gente e da natureza (aberto, amizade
20
verdadeira, igualdade, justiça social, protetor do meio ambiente,
sabedoria, um mundo em paz, um mundo de beleza). (GOUVEIA et
al. 2001, p. 135 grifo do autor)
A segunda subárea da Psicologia que trata de valores é a do
Desenvolvimento Moral. Para Höffe (2004) valores morais são aqueles que
[...] exigem ações que não são boas e corretas em função de algo
externo, mas por si mesmas. Sendo fundamento de todos os outros,
estes valores se enquadram na categoria de valores básicos. Não estão
ligados às condições particulares de uma determinada comunidade,
mas são válidos para toda a humanidade. [...] já sabemos que de tal
natureza são o direito e a justiça, e sua formulação concreta, os direitos
do homem (HOFFE, 2004, p. 470).
De acordo com Piaget (1994b), um valor é um investimento
afetivo que nos faz agir; que nos move numa direção. Valores morais são,
portanto, os investimentos afetivos que colocamos em regras, princípios,
ideias, sentimentos, e que influem em julgamento e ações consideradas, na
maioria das culturas, como boas ou justas. São o que nos guia para os
chamados bons costumes.
Esta questão não é nova na educação e um exemplo é um texto de
Durkheim que só foi publicado na França em 1982, que se refere a uma
palestra ministrada por ele no ano letivo de 1908/09 (ou 1909/10), na
Universidade de Sorbonne. Esse artigo nos chama a atenção por ele afirmar
que desde o final dos anos 70 do século XIX tentava-se na França “[...]
ensinar a moral para nossas crianças das escolas primárias em termos
puramente laicos [...]”. (DURKHEIM, 2007, p. 62), mas considerava que
os resultados ainda estavam longe do desejável.
21
Passado cerca de um século da proposta de Durkheim, a sua
preocupação continua atual e aparentemente no mesmo patamar. La Taille
e Menin (2009) publicaram um conjunto de estudos sobre valores, que
intitularam “Crise de Valores ou Valores em Crise”. Entendem que “crise
de valores” nos remete a valores morais “doentes” e em “risco de extinção”
(p. 9) e “valores em crise” denotaria que eles não acabaram, mas sim, que
estão tendo novas interpretações.
Mesmo que haja transformação e não ausência de valores, é
recorrente a queixa de que os jovens têm balizado suas vidas mais em
valores ligados à aparência, ao reconhecimento momentâneo, ao sucesso, à
posse, ou mesmo, à força, do que em outros valores relacionados a uma
vida harmônica com os outros e consigo mesmo. Ou seja, são reconhecidos
como valores aqueles que mais instrumentalizam os jovens para a
competição e o “sucesso”. Essa queixa não está presente só na voz do senso
comum e na mídia; ela aparece, repetidamente e, em vários países, em
autores que estudam a pós-modernidade, tais como Lipovetsky (2010),
Bauman (1998) e Jares (2005).
No Brasil, autores que estudam desenvolvimento e educação moral
(tais como, LA TAILLE; MENIN, 2009; MENIN, 2002; LA TAILLE,
2006, 2009; TOGNETTA; VINHA, 2007; TOGNETTA, 2003; 2006;
D’AUREA-TARDELI, 2006, 2008, 2011; ARAÚJO; PUIG; ARANTES,
2007; ARAÚJO, 2007; ARAÚJO; ARANTES, 2009; VINHA, 2000,
2003), ou que estudam as relações entre ética e educação (GOERGEN,
2001, 2007; LOMBARDI; GOERGEN, 2005; SILVA, 2010) também
têm apontado essa crise dos valores morais.
As diferentes perspectivas teóricas discutem dentro da ética,
critérios para julgar o bem moral. Revelando que as escolhas podem ser
influenciadas por pertencimentos sociais, contextos e momento cio-
22
histórico. Essas relações, suas raízes e possíveis interdependências
(MENIN; TAVARES, 2013). Já no construtivismo de Piaget (1994b), o
desenvolvimento moral, bem como as escolhas do sujeito e a forma de
julgar o bem moral, são constituídas em contextos de interação, vistos por
esse autor como fruto de uma construção, de uma constante auto-
organização, seguidas de interações com os pares e objetos (LA TAILLE,
2006).
Sendo assim, valores se constroem mediante vivências em práticas
sociais, como destaca os Parâmetros Curriculares Nacionais. “Na escola,
essa formação passa a ser tarefa do professor, do diretor, da merendeira, da
secretária e dos alunos entre si (BRASIL, 1997 in MENIN; TAVARES;
2013, p. 15).
Diante desse cenário, a escola aparece como uma instituição
importante para a manutenção ou mudança de valores. Isso acontece
porque a escola promove a convivência diária entre jovens, impõe uma vida
coletiva e normas comuns; passa valores considerados importantes para a
cultura em que se vive.
Porém, conforme relatos de pesquisas, os professores
compreendem que a escola passou a ter que exercer a educação moral ou
em valores, pois, segundo eles, a família não cumpre mais esse dever, não
assume mais tal responsabilidade (MARTINS; SILVA, 2009;
TREVISOL, 2009).
Professores se queixam, considerando as incivilidades o maior
dificultador das práticas docentes, estando os alunos, os professores
imersos num ambiente onde o desrespeito parece imperar (ZECHI, 2008;
SILVA, 2004; SPÓSITO, 2001). Em nenhum momento atribuem a si, ao
23
ambiente escolar, alguma responsabilidade, não questionam sobre a sua
prática pedagógica, sobre sua responsabilidade perante o que os afligem.
Muitas pesquisas indicam, de modo geral, que a violência e
indisciplina constituem um fenômeno multideterminado. Revelando que
a problemática presente no meio escolar é reflexo da violência social, das
mudanças socioeconômicas ocorridas na sociedade e no sistema escolar, da
educação familiar, mas é também gerada e potencializada no interior da
escola, apontando a violência simbólica praticada pela instituição escolar,
o estabelecimento de regras e normas escolares, as condutas docentes e
outros problemas considerados influenciadores da dinâmica escolar
(ZECHI, 2008).
Todas essas queixas são apontamentos para a necessidade de as
escolas se voltarem para a formação em valores morais, indo além das
postulações existentes nos currículos escolares, como a rigor não vem
acontecendo de fato.
Nesse sentido, Costa (2007, p. 77), compreende nas palavras de
Savater (2000) que,
[...] de todos os empenhos humanos, a educação é o mais humano e
humanizador; educar significa então acreditar na perfectibilidade
humana; acreditar que os homens possuem uma capacidade inata para
diferentes e múltiplas aprendizagens. (COSTA, 2007, p. 77)
Costa (2007) complementa dizendo que só chegamos a ser
plenamente humanos quando os nossos semelhantes nos contagiam com
sua própria humanidade. Diante dessa reflexão, vemos a extrema
relevância conferida aqui ao papel do professor.
24
Nos postulados de Savater (2000), podemos ver surgir uma
possibilidade em meio a tantas adversidades e tantos desalentos. O
professor deve acreditar que vale a pena seu esforço, que ele é
imprescindível e ainda saber que o seu objetivo é formar indivíduos
autônomos. Acreditamos e consideramos essas reflexões bem apropriadas
e importantes às finalidades de estudos propostas neste livro. O professor
pode e deve em seu ofício não somente transmitir conhecimentos, mas
criar espaços de circulação de valores e princípios voltados para a
preservação e expansão da vida.
Os membros de uma escola devem por meio de suas ações, dar
exemplos de respeito, justiça, solidariedade, diálogo, cooperação, mais
do que fazer discursos ou agir de forma não condizente com os valores
que querem ensinar (MENIN; TAVARES, 2013, p.15)
Os estudos em psicologia moral, entre outras coisas, têm se
dedicado a pesquisar, compreender e discutir as complexas relações que
permeiam nossa sociedade e como sabemos, a escola é um palco de grandes
e recorrentes relações sociais.
Esse livro apresenta o relato de uma pesquisa em mensuração de
valores morais. Ele está organizado em cinco capítulos, sendo os três
primeiros dedicados ao referencial teórico: O desenvolvimento moral
segundo Jean Piaget”, A teoria de julgamento moral de Lawrence
Kohlberg e o “Os valores morais”.
No capítulo sobre “O desenvolvimento moral segundo Piaget”
buscamos apresentar a teoria da moral desenvolvida por Jean Piaget, na
obra “O juízo Moral na Criança”, publicado em 1932, bem como suas
contribuições para a psicologia e para a educação, serviu-nos para esclarecer
aspectos da moralidade no ser humano, mostrando que o desenvolvimento
25
acontece devido a uma evolução cognitiva, afetiva e social. No capítulo,
“A teoria de julgamento moral de Lawrence Kohlberg”, demos
continuidade a teoria da moral com o psicólogo e professor Norte
Americano, Kohlberg. Este que era fascinado pela teoria de
desenvolvimento moral de Jean Piaget, e por isso deu sequência aos estudos
piagetianos. Foi professor em Harvard desde 1968 até sua morte em 1987.
Os capítulos dois e três são destinados a fundamentações teóricas
importantes para este trabalho, enfocando vários conceitos como anomia,
heteronomia, autonomia, os dois respeitos entre outros. Finalizando este
capítulo com as contribuições desta teoria da moral para a educação.
No capítulo “Os valores morais” trazemos referenciais teóricos
sobre os valores morais contundentes com os temas em questão. E
buscamos cumprir a meta de tratar de como as virtudes e os valores podem
e devem ser fomentados no ambiente escolar. Tratamos especialmente dos
temas “Justiça”, “Solidariedade”, “Respeito” e “Convivência Democrá-
tica”, de forma a atribuir a estes maiores destaques.
No quinto capítulo, discutimos questões dos métodos,
instrumentos de coleta de dados utilizados. Ainda faremos nesse capítulo
uma breve explicação dos tipos de questões e suas alternativas, onde
mostraremos os níveis de tipos de resposta escolhida pelos sujeitos.
No sexto capítulo, são apresentados os resultados da pesquisa e
discussões sobre tais resultados. Após as apresentações dos dados, são
descritos os níveis em cada escala de valor apresentada. Adiante
apresentamos os perfis dos jovens respondentes e as relações sugeridas entre
o perfil encontrado e sua maior ou menor adesão aos valores pesquisados.
Os resultados são discutidos considerando a teoria da moralidade de Piaget
e Kohlberg por nós elegida como referencial teórico e a situação atual das
escolas e dos jovens. Por fim, no sétimo e último capítulo trazemos à tona
26
nossas considerações finais e algumas implicações para a educação em
valores.
27
A TEORIA MORAL DE JEAN PIAGET
_______ ____________ ____________ _____________________ _____________________ ____________ _______________ ____________ ___________ _______________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ _______________ __________
Neste capítulo, apresentamos os pressupostos teóricos presentes na
teoria da moral piagetiana, alguns conceitos importantes dentro dessa
teoria, como anomia, heteronomia e autonomia moral. Em seguida
trazemos algumas das contribuições do psicólogo americano Lawrence
Kohlberg, este que se debruçou sobre a teoria do desenvolvimento moral
de Piaget, propondo completá-la, e ainda dando a ela forte consolidação
como área nobre da psicologia (LA TAILLE, 2006).
No ano de 1932, o suíço Jean Piaget, publica sua obra “O Juízo
Moral na Criança”. Esse feito tem trazido até hoje grandes contribuições
por ser no campo da Psicologia Moral, um referencial e um ponto de
partida para os estudiosos da moral.
O tema da moral tem sido amplamente discutido e estudado, visto
o quão notáveis são os conflitos e embaraços vividos por nós enquanto
sociedade. Esses problemas têm algo a nos dizer enquanto professores
pesquisadores, pois estão arraigados em questões morais.
Vários estudos e autores influenciaram Piaget na elaboração de suas
teorias. O alemão Immanuel Kant exerceu determinada influência, visto a
apropriação feita por Piaget de termos da filosofia kantiana dentro de
conceitos como ética, agir moralmente, autonomia, entre outros.
Para Kant o homem transita entre dois mundos. Pegoraro (2013)
buscou clarificar o que Kant desejou dizer “O primeiro mundo é o das
coisas naturais, dos fenômenos da experiência e da sensibilidade humana;
28
este é regido e determinado pela causalidade das leis físicas e biológicas;
portanto, sem liberdade” (p. 102).
O segundo mundo, o inteligível, da liberdade, da razão, da lei do
dever. Isto posto, a ética kantiana se dá no domínio da razão prática livre,
na ética do dever. O homem, ser finito, vive nos dois mundos. Pela razão,
vontade e liberdade o homem insere-se no mundo inteligível, causa de sua
lei moral. “Esta dupla vivência gera um conflito que Kant chama mal
radical: o conflito entre a lei do dever moral e a lei particular do prazer dos
sentidos.” (PEGORARO, 2013, p. 103).
A moral kantiana se dá na passagem de um ser humano biológico
e sensível para um ser humano racional. É nesse alicerce que se fundamenta
o imperativo categórico de Immanuel Kant (PEGORARO, 2013).
Em seu imperativo categórico Kant instala a pura forma da lei
moral, dizendo: age de tal forma que consideres a humanidade, tanto em
sua pessoa, como na pessoa de todos os outros, sempre como fim e nunca
como um simples meio (PEGORARO, 2013). Nestes princípios Kant já
anunciava conceitos que adiante foram bem fundamentados por Piaget
(1932/1994a), como heteronomia, autonomia, descentração, entre outros.
Nesse sentido Freitag (1990), acrescenta dizendo que Piaget
construiu sua teoria da moralidade baseando-se no modelo kantiano,
concentrando sua atenção na autonomia da razão, no respeito às normas e
leis, na ideia de justiça. Estes conceitos citados eram para Kant ideias
centrais.
Na psicologia moral em Piaget e Kohlberg o papel da razão é
privilegiado, portanto a autonomia é possível. Piaget pensava num sujeito
epistêmico, um sujeito do conhecimento. Compreendendo que estruturas
lógicas e o conhecimento físico começam a ser elaborados desde o
29
nascimento, frutos de maturações biológicas, de experiências variadas e de
ensinamentos formais como os das escolas. Esses fatores citados precisam
estar harmonizados para culminar no que Piaget em seguida denomina
equilibração (LA TAILLE, 2006).
Essa equilibração ocorre devido à capacidade humana de
autorregulação, no sentido de um trabalho interno e individual das
estruturas da inteligência, é dessa forma que a teoria piagetiana é
denominada construtivista, exige muito trabalho psíquico (LA TAILLE,
2006).
Da mesma forma que o desenvolvimento da inteligência, o
desenvolvimento da moral também é um processo interior e construído
(PIAGET, 1932/1977 em VINHA, 2000). Essa construção se dá a partir
das experiências morais e a escola é um local propício para essas vivências.
Sendo assim, “[...] não adianta tentarmos ensinar moralidade, pois ela é
construída a partir da interação do sujeito com o meio em que vive”
(VINHA, 2000, p. 40). Sabendo que o processo de construção se dá na
interação do sujeito com o meio, e ainda precisa haver ações do sujeito
sobre esse meio. Se há pouca interação, haverá pouca construção, ou
construção parcial (LA TAILLE, 2006).
Araújo (2014) mostra a necessidade de a escola se orientar em
torno de dois eixos básicos indissociáveis, a instrução e a formação moral.
No eixo da instrução fica a responsabilidade de construção dos
conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, ou seja,
conteúdos acadêmicos. Já no âmbito da formação moral e ética do cidadão,
há que se dar aos jovens e as crianças condições físicas, psíquicas, cognitivas
e culturais necessárias para participar da vida em sociedade de forma,
crítica e autônoma.
30
Este mesmo autor em suas experiências, trabalhando em escolas
públicas e privadas, no estado de São Paulo, observou que ambas as escolas
incluem em seu projeto político-pedagógico o objetivo de trabalho com
esses dois princípios todas dizem que pretendem instruir e formar os
futuros cidadãos. Mas na realidade, a formação ética fica em segundo
plano, as escolas preocupam, objetivamente em instruir (ARAÚJO, 2014).
Mantovani de Assis (2012) relata que investigou sujeitos que
tiveram a oportunidade de conviver num ambiente moral e
intelectualmente enriquecedor, cujo clima socioafetivo lhes proporcionou
estímulos à curiosidade, à interação social, além de contar com a estrutura
física favorável. Tudo em conjunto, pôde favorecer o desenvolvimento
intelectual e fez o que Piaget denominou constrão de conhecimento.
Para aquele grupo experimental criou-se o processo chamado “Solicitação
do Meio”, que significa dizer que o meio e as situações foram
propositalmente preparados para a criança agir sobre os objetos e conhecê-
los através da ação efetiva ou mental, gerando perturbações que engendram
situações de conflito cognitivo, as quais provocam a passagem de um
estado de equilíbrio para outro, através de sucessivas regulações e
compensações, que determinam a construção de novas estruturas.
Para que ocorra a construção do conhecimento, não basta à
cognição, existem outros diversos fatores preponderantes. Essa ação nunca
é puramente cognitiva, pois nela intervêm em graus diversos a afetividade,
o interesse e os valores. “[...] No ato de conhecer e em todo
comportamento humano, afetividade e inteligência são dois aspectos
indissociáveis de uma mesma ação” (MONTOVANI DE ASSIS, 2012, p.
181).
Concordando com esta autora, sobre o paralelismo entre o
desenvolvimento das funções intelectuais, da afetividade e o
31
desenvolvimento social, daremos sequência a estas ideias no tópico a
seguir. Onde reservamos um espaço para registrar em nossa pesquisa, as
ideias de Piaget sobre a relação entre desenvolvimento da inteligência e
afetividade.
Relação entre cognição e afeto
Uma reação observada ante a leitura de Piaget é o fato de algumas
pessoas leigas e até autores, pensarem que a obra desse autor ignora a
dimensão afetiva e trata somente de cognição. Queremos nos contrapor a
esta ideia. Para tanto, vamos dedicar aqui um espaço para tratar da questão
afetiva, ou melhor, mostrar que Piaget (1954/2014), propõe um paralelo
entre os estados cognitivos e afetivos, mesmo fazendo de forma breve,
desejamos fazê-lo, pois, acreditamos que será de suma importância para a
sequência do trabalho em questão.
Em primeiro sentido, podemos dizer que a afetividade interfere nas
operações da inteligência, que pode tanto estimular quanto perturbar, no
entanto, não pode modificar as estruturas da inteligência como tal. O papel
da afetividade como acelerador ou perturbador da inteligência é
incontestável. O aluno motivado tem muito mais entusiasmo para estudar,
e assim aprenderá muito mais facilmente. Num segundo sentido,
poderíamos supor que afetividade intervém nas próprias estruturas da
inteligência, sendo fonte de conhecimento e de operações cognitivas. Sobre
essa ideia, alguns autores estão de acordo, tais como, Wallon (s/d) , que
acredita que a emoção desempenha função excitante e causa progresso no
desenvolvimento.
Malrieu (1952) afirma que a vida afetiva determina positivamente
o progresso intelectual, ainda acrescenta dizendo que ela é fonte de
estruturações. Ribot (na obra “Lógica dos Pensamentos”) afirma que, o
32
sentimento, perturbando o raciocínio lógico, cria novas estruturas a seu
favor (PIAGET, 1954/2014, p. 37-38).
Algumas definições são compreendidas como básicas, portanto,
necessárias para uma compreensão mais profunda adiante, sendo assim,
vamos a elas. Os fatores afetivos intervêm sempre. Não há mecanismo
cognitivo sem elementos afetivos. Por exemplo, quando uma criança
resolve um problema matemático, há inicialmente uma motivação
intrínseca ou extrínseca, ou até uma necessidade, ao longo do
desenvolvimento dessa atividade podem ocorrer estados de prazer, de
decepção, de fadiga e outros; ao findar o trabalho, sentimentos de sucesso
ou de fracasso; podendo ainda se juntar a isto, os sentimentos estéticos,
como na coerência de uma solução encontrada (PIAGET, 1954/2014).
Na inteligência prática também é percebido, havendo sempre
interesse intrínseco ou extrínseco nos atos cotidianos. Na percepção
também é notável, selecionamos e distinguimos sentimentos agradáveis
dos desagradáveis. Enfim, não existe estado afetivo puro, sem elemento
cognitivo.
[...] Os fatores cognitivos desempenham, pois, um papel nos
sentimentos primários e, com maior razão, nos sentimentos complexos
mais evoluídos, onde se mesclam cada vez mais com os elementos
gerados pela inteligência. (PIAGET, 1954/2014, p. 40).
Piaget se interessou especialmente pelo desenvolvimento
intelectual e, portanto, descobriu uma correlação entre cognição e afeto.
Desta forma afirma que, não pode haver conhecimento sem afeto, nem
afeto sem conhecimento. E ante este importante dado, Piaget questiona:
Qual é a relação entre os dois? Em seguida responde que, o afeto motiva
33
as operações de conhecimento e o conhecimento estrutura as relações de
afeto (HERSH; PAOLITTO; REIMER, 1998).
A teoria de Piaget, baseando-se no princípio das interações, julga
este processo como central. Para este autor, existe algo nessas interações
que chama nossa atenção e estimula nosso interesse, este que será
compreendido aqui como uma forma de sentimento. Percebendo que
somos movidos a explorar algo dentro de nós mesmos; uma nova ideia, um
conflito entre ideias, um conflito entre ideias e sentimentos. Diante destas
afirmações, Piaget declara que, uma pessoa que está emocionalmente
comprometida não pode funcionar cognitivamente, pois o afeto se
desenvolve paralelamente ao conhecimento (HERSH; PAOLITTO;
REIMER, 1998).
Em seus estudos sobre como se desenvolve a moralidade na criança,
Piaget trata mais especificamente sobre as relações entre o conhecimento e
o afeto. Sabendo que o juízo moral em si, não é uma simples estrutura
cognitiva, é algo maior, onde o princípio está no fato de estudar o juízo
moral e compreender como as crianças se orientam frente ao mundo em
suas relações sociais (HERSH; PAOLITTO; REIMER, 1998).
Em resumo, queremos expor que não existe estado afetivo sem
elemento cognitivo, nem o contrário. Usando a ideia do significado que o
combustível tem para o motor de uma máquina, que a faz funcionar.
Compreendemos que a afetividade desempenha um papel de fonte
energética, da qual dependeria o funcionamento da inteligência. Como é
o caso do combustível para o motor de uma máquina. A afetividade é o
combustível de uma ação moral. Defendemos que afetividade pode ser
causa de condutas, ela não gera estruturas cognitivas e não as modifica,
pode sim causar acelerões ou atrasos. Aciona o motor, mas não modifica
a estrutura da máquina (PIAGET, 1954/2014).
34
Os sentimentos constituem o aspecto energético presente em toda
conduta humana, é a afetividade que atribui valor e regula as energias. A
partir dos textos de Piaget (1954/2014), concluímos que a afetividade é
responsável pelo conteúdo da conduta, enquanto a inteligência a organiza.
Vinha (2000), explica um ponto de vista essencial dentro da teoria
piagetiana, que ainda não está sendo valorizado pelos educadores, que é o
papel da interação social entre o adulto e a criança e entre os pares. As
formas de interações sociais e as relações estabelecidas nos espaços escolares
podem gerar sentimentos negativos, relações onde não se considera o
sentimento do outro favorecem o egocentrismo e condutas heterônomas.
Quando o educador compreender a importância da interação social irá
valorizar o respeito mútuo, considerar opiniões, desejos e sentimentos de
todos, perceberá que as reflexões são necessárias. Para Piaget (1932/1994a)
somente a cooperação levará o sujeito à autonomia, portanto, registramos
a importância do ambiente educacional ser este lugar de relações de
cooperação.
A interação social cumpre papel importante dentro da teoria de
desenvolvimento moral de Piaget e nos processos educativos. Na obra o
Juízo Moral na Criança, Piaget (1932/1994a), propõe compreender o
juízo moral do ponto de vista da criança, desejando com a educação moral,
formar personalidades livres e responsáveis.
Piaget (1932/1994a) se refere a moral como um conjunto de regras
construídas na interação do sujeito com o mundo e suas estruturas
internas. Para esse autor, a razão é imprescindível à moral, porque dispõe
a razão decidir sobre suas direções. Nesse sentido a razão pressupõe uma
operação. Operar significa coordenar ações em plano representativo, em
plano de pensamento e quando há uma perspectiva de reversibilidade, para
Piaget seria aqui a chave para entendermos a moral. “[...] uma ação
35
reversível, segundo Piaget, é ir e vir, uma transformação de estados, com
volta ao estado inicial em que algo conserve.” (TOGNETTA; ASSIS,
2006, p. 52).
Pensemos, portanto, seguindo os passos do desenvolvimento
moral, como um valor ou uma virtude que podem ser construídos no
ambiente escolar. Que nos inclina a pensar em termos de evolução,
considerando ainda a dimensão afetiva dessa evolução. No tópico a seguir,
temos os pressupostos piagetianos sobre o desenvolvimento moral.
O juízo moral na criança segundo Jean Piaget (1932/1994a)
Na obra “O Juízo Moral na criança”, publicada originalmente no
ano de 1932, Piaget, nos propõe o estudo do juízo moral partindo do
ponto de vista da criança, ele descreve e procura compreender como se
estabelecem regras morais no decorrer de seu desenvolvimento.
Nos postulados de Piaget (1932/1994a), vemos um estudo
pioneiro da moralidade, como se constrói o respeito às regras e os
julgamentos do que fazemos e do que outros fazem frente às escolhas e
ações (MENIN, 2007a). Piaget (1932/1994a) optou pelos jogos infantis
para compreender a evolução das regras, por estes possibilitarem relações
sociais. Dessa forma, aborda a criança como um ser social. Usou como
metodologia de investigação a observação e o método clínico, utilizando
histórias que envolviam situações com questões morais e dilemas, inqueriu
crianças na faixa etária de 6 a 12 anos.
As considerações acerca da moral podem ocorrer de maneiras
distintas. Pode se compreender a moral como um sistema de regras,
normas e princípios. Podemos também pensá-la como forma de
julgamento dos atos, estes classificados, como corretos, justos, bons ou o
36
oposto. Também há de se considerar como moral, os sentimentos que
atribuímos a pessoas ou situações, como por exemplo, sentimento de
compaixão, solidariedade e altruísmo. A moral também pode ser atribuída
com base nos valores que utilizamos como critério para julgar a outrem e
seus atos, a exemplo, a liberdade, a igualdade, a honestidade e outros,
enfim também como característica de personalidade moral como em
pessoas fieis, solidárias, bondosas e outros (MENIN, 2007a).
Piaget (1932/1994a) encontrou estágios ligados à prática das regras
e à consciência das regras. Na prática das regras ele destaca os estágios
motor e individual, o egocêntrico, o da cooperação, e por fim o da
codificação da regra. Foi estudando o desenvolvimento da criança durante
o jogo de bolinhas de gude, que Piaget identificou os seguintes aspectos,
que resume os principais pontos nos achados de suas investigações.
Antes de iniciar as descrições dos estágios de desenvolvimento
moral, faz-se necessário uma observação. A definição precisa apontada por
Piaget nos estágios de desenvolvimento cognitivo não ocorre nos estágios
de desenvolvimento moral, ou seja, nenhuma criança é totalmente
heterônoma ou autônoma, estes estágios apresentam traços gerais,
portanto, menos definidos (LA TAILLE, 2006).
Sobre a prática e a consciência das regras em Piaget
Existem relações dos estágios das práticas das regras com os estágios
da consciência das regras como veremos a seguir, é importante considerar
estes estágios como representativos de uma continuidade sem interrupção,
mas essa continuidade não é linear, entretanto parece-nos seguro dizer que
há uma relação (PIAGET, 1932/1994a).
37
PRÁTICAS DAS REGRAS
A consciência e prática das regras não são rígidas e invariáveis, visto
que a primeira não garante a segunda. Do ponto de vista da prática das
regras Piaget explicita quatro estágios sucessivos.
1º Estágio: puramente motor e individual, “no decorrer do qual a
criança manipula as bolinhas em função de seus próprios desejos e de seus
hábitos motores” (PIAGET, 1932/1994a, p. 33). Neste estágio, a criança
usa a manipulação para estabelecer alguma espécie de ritualização que é
própria desse momento, como no caso de rituais como processo de
adaptação efetiva. Em relação às regras motoras, apesar de haver
regularidades, ainda não há nenhuma obrigação (PIAGET, 1932/1994a).
Desta forma, os autores a seguir complementam dizendo sobre a
importância do pensamento neste estágio, pois,
[...] os bebês são limitados, em sua interação com o ambiente, ao
exercício de suas habilidades sensoriais motoras; o ponto decisivo para
o próximo nível de desenvolvimento é a chegada do pensamento. O
pensamento, que Piaget define como representação interna de atos
externos, desenvolve-se apenas em meados do segundo ano. Antes
disso, o foco está apenas nos objetos que ele vê. Para Piaget, desenvolver
a capacidade de representar o objeto internamente, é o mesmo que,
conseguir pensar em um objeto sem que esteja visualmente presente
(HERSH; PAOLITTO; REIMER, 1998, p. 32). (Tradução da
autora).
2º Estágio: Egocêntrico (2-5,6 anos), caracterizado principalmente
pelo egocentrismo infantil. Neste momento a criança recebe do exterior,
regras codificadas. Desta forma, imita exemplos, pode jogar sozinha ou
com alguém, ainda não se preocupa em encontrar parceiros, não procura
vencer, utiliza qualquer forma para jogar (PIAGET, 1932/1994a).
38
A criança aceita as regras vindas do exterior, ou seja, dos adultos ou
de crianças mais velhas, no entanto, joga para si. Considera as regras
sagradas. Neste estágio a criança não consegue ainda considerar o outro,
pois não diferencia seu ponto de vista, com o do outro, em outros termos
as crianças desse estágio, mesmo quando juntas, jogam cada uma para si.
Há uma indiferenciação, não percebendo que o outro vê o mundo de outra
perspectiva (PIAGET, 1932/1994a). Os autores a seguir, ainda dizem que
neste estágio de desenvolvimento as crianças ainda não distinguem as
verdades. Vejamos:
[...] Da mesma forma, as crianças dessa idade não podem distinguir
entre o que é objetiva e subjetivamente verdadeiro. Eles só consideram
as duas coisas reais. O que é vivenciado no mundo adulto como
fantasia, ou superstição, está no mundo das crianças, representado para
elas como realidade (HERSH, PAOLITTO, REIMER, 1998, p. 33).
(Tradução da autora).
3º Estágio: Cooperação nascente (7-8, 9,11 e 12 anos), nesta fase
cada jogador quer vencer seu oponente, donde o aparecimento da
necessidade de controle mútuo e da unificação das regras, caracterizado
por uma cooperação que começa a surgir (PIAGET, 1932/1994a).
Complementando, veremos a seguir que as crianças nesse estágio,
[…] jogam com regras e esperam que todos façam o mesmo. Além
disso, jogam juntos, como equipe, cooperando com seus parceiros com
o objetivo de ganhar o jogo. Fazem ajustes nas regras se sentirem
necessidade. (HERSH; PAOLITTO; REIMER, 1998, p. 42).
(Tradução da autora).
4º Estágio: Codificação das regras (10-11,12 anos), neste
momento, a regra é de conhecimento de todos, até nos pormenores, as
39
partidas são regulamentadas diante das previsões possíveis de desacordo.
Existe um prazer pela disputa, tornando o jogo ainda mais interessante
(PIAGET, 1932/1994a). Neste estágio finalmente ocorre a organização do
pensamento e autonomia. Nas palavras de Hersh, Paolitto e Reimer
(1998), Piaget (1932/1994a) percebe que nitidamente uma evolução
considerável. Vejamos:
[...] Essas diferentes formas de organizar jogos, colabora para a
superação da limitação egocêntrica junto aos outros. É através do
contato e da brincadeira com o uso de regras, fazendo adaptações
cooperativa a elas podem ser consideradas em grande parte como
aliado, no tocante a evolução dos níveis na prática das regras por
crianças. Dessa forma, há progressão de um nível para outro, tanto no
grau de cooperação social, quanto no respeito às regras (HERSH;
PAOLITTO; REIMER, 1998, p. 42). (Tradução da autora).
Piaget (1932/1994a) ficou surpreso com a capacidade de
organização que observou nas crianças investigadas, no que tange a
compreensão e a prática de regras durante os jogos, por isso assinalou essa
observação como uma diferença notável entre meninos e meninas.
Relacionando questões morais as suas observações clínicas durante
o jogo de bolinhas de gude entre os meninos e de amarelinha entre as
meninas, Piaget (1932/1994a) pôde concluir que além dos estágios quanto
a prática das regras, há também três estágios relacionados à consciência das
regras: estágios da regra motora; da regra coercitiva e da regra racional.
C
ONSCIÊNCIA DAS REGRAS
Em sua obra, Piaget (1932/1994a) menciona três estágios
equivalentes à consciência das regras na teoria de desenvolvimento moral,
40
refirmando a questão da evolução moral. No quadro abaixo vamos
introduzir os estágios e em seguida os explicaremos de forma mais
detalhada.
FIGURA 1 - CONSCIÊNCIA DAS REGRAS
Fonte: A autora com base em Piaget (1932/1994a).
O primeiro estágio, o da regra motora, inicialmente a consciência
da regra é puramente individual, a criança satisfaz seus interesses motores
e suas fantasias simbólicas, não existindo ainda compromisso com a regra.
Por outro lado, Piaget ressalta que os pais já começam as regulações
externas, observadas em exemplos como: horário de sono, de banho, de
refeições, dessa forma, desde cedo a criança está inserida no contexto das
regras. “A regra motora resulta, portanto, de uma espécie de sentimento de
repetição, que nasce por ocasião da ritualização dos esquemas de adaptação
motora(PIAGET, 1932/1994a, p. 76). Por volta dos três ou quatro anos,
a criança está cercada de regras, estas podem também ter sido imitadas,
inventadas, ou seja, vindas do exterior, que mais adiante assumem
sentimento de obrigação (PIAGET, 1932/1994a).
1
Regra motora: fase
pré-verbal, onde a
criança ritualiza sua
ação sobre os
objetos e ainda faz
elaboração.
2
Regra coercitiva:
fase na qual a
criança ompreende
as regras como
sagradas e
imutáveis, porque
considera aquele
que a transmite
como ser superior.
3
Regra racional: fase
onde as regras não
são facilmente
aceitas, os jovens
as modificam desde
que todos
concordem, desde
que haja aceitação
grupal.
41
O segundo estágio, o da regra coercitiva, a criança joga
compreendendo a regra como sendo sagrada, existe um respeito místico
pela regra, não aceita modificações ou ajustes, nesta fase, toda modificação
é tida como transgressão. Há uma relação entre a prática egocêntrica do
jogo e o respeito místico da regra. Estágio marcado pela heteronomia e
respeito à coação adulta. A criança se submete a praticar leis que por hora
são imutáveis, vindas do exterior, ou seja, dos adultos. Ainda não existe
cooperação, pois cooperação nasce entre os iguais (PIAGET, 1932/1994a).
No terceiro estágio, da regra racional, Piaget marca a passagem da
heteronomia para a autonomia. Pois, encontramos uma cooperação que
sucede o egocentrismo. Percebemos as possíveis variáveis das regras, o jogo
se apresenta não mais com regras vindas do exterior, mas agora, como
resultado de uma livre decisão, passíveis de regulações e ajustes se são
mutuamente consentidas. A democracia sucede à teocracia, a heteronomia
dando lugar à autonomia (PIAGET, 1932/1994a).
A autora a seguir corrobora, nos falando sobre a heteronomia e
autonomia, dizendo da importância do trabalho cooperativo e os
benefícios que uma moral autônoma pode trazer para a humanidade.
As crianças são heterônomas quando fazem um uso imitativo das
regras e quando as consideram sagradas. As crianças são autônomas quando
fazem um uso racional e social das regras, e quando as consideram produtos
do e para o grupo. A universalização na moral começa, portanto, com a
reciprocidade no grupo. Ao aprender a fazer em grupo, aquilo que é bom
para nós, começamos a aprender a fazer, no mundo, o que é bom para a
humanidade (MENIN, 1996).
Para Vinha (2000), a construção da moralidade ocorre da mesma
forma que o das estruturas cognitivas, portanto, precisa haver trocas entre
42
o organismo e o meio, essa interação é marcada principalmente pela busca
de equilíbrio e de reciprocidade entre a ação do sujeito sobre o objeto e da
ação do objeto sobre o sujeito. Sendo assim, o juízo moral desenvolve-se
na medida em que as pessoas se defrontam com problemas, com conflitos.
Discutindo os elementos e as condutas que fortalecem na prática a
heteronomia e as que favorecem a construção da autonomia, Piaget
(1932/1994a), reafirma a importância das relações sociais, uma vez que
estas são formadoras dos sentimentos morais. O egocentrismo infantil e o
respeito unilateral abrigam-se nas relações da criança com os mais velhos,
resultando em heteronomia ou em moral do dever.
Em contraponto, a descentração é possível na vivência de relações
de cooperação com prática de reciprocidade. Sendo uma construção de
autonomia da prática e da consciência das regras. Estando dessa forma duas
morais, em dois extremos. Num extremo respeito unilateral e
egocentrismo, e no outro a cooperação com reciprocidade, esta última que
colaborará para uma evolução dos juízos morais e das concepções de justiça
entre as crianças (MENIN, 2007a).
Com referência aos estágios do desenvolvimento moral, o
epistemólogo suíço nos mostra idades relacionadas com estágios,
entretanto, afirma que tais estágios não possuem idades fixamente
definidas. Também não há correspondência totalmente fidedigna de
estágios em relação à prática e à consciência. Na verdade, em relação ao
desenvolvimento, a consciência sempre apresenta um leve atraso em
relação à prática. Piaget supõe que “o pensamento, de fato, está sempre
atrasado em relação à ação, e a cooperação deve ser praticada muito tempo
antes que suas consequências possam ser plenamente manifestadas pela
reflexão” (PIAGET, 1932/1994a, p. 60).
43
Piaget (1932/1994a) defende uma evolução da prática e da
consciência das regras, identificando três estágios distintos no
desenvolvimento moral dos indivíduos, em que um precede o outro: a
anomia, a heteronomia e a autonomia. Chamou de anomia um período
em que o sujeito desconhece as regras. Nesse período, então, a ação da
criança é voltada à satisfação de seus próprios impulsos motores e fantasias.
Piaget não se ateve muito à esse período por não se tratar de um período
em que se pode falar de uma moral propriamente dita. Quando a criança
ingressa no universo da moral Piaget (1994) denominou de heteronomia.
Na heteronomia o sujeito já age de maneira moral, mas essa moral
é exterior ao indivíduo, as regras são consideradas sagradas, imutáveis e
obrigatórias, sendo impostas por uma autoridade. Para esses sujeitos os
valores a serem seguidos são aqueles que a sociedade adulta ou uma
autoridade lhes impõe.
A criança heterônoma não assimilou ainda o sentido da existência de
regras: não as concebe como necessárias para regular e harmonizar as
ações de um grupo de jogadores e por isso não as segue à risca. (LA
TAILLE, 1992, p. 50).
Assim, a heteronomia é considerada por Piaget como sendo a
“moral do dever”, significa dizer que devo obedecer porque esta regra é
imposta por pessoas reconhecidas como autoridade legítima. É a moral do
respeito unilateral, porque o dever respeitar não é compensado pela
concepção do direito de ser respeitado, não há reciprocidade (La Taille,
2006).
Na autonomia, o sujeito age moralmente, ou seja, por volta dos 8,
9 anos de idade, a criança começa a dar sinais de autonomia de acordo com
uma moral que é construída por ele próprio dentro de um acordo mútuo
44
com o coletivo. “A criança autônoma pensa que um dever moral
primordial é tratar as pessoas sem privilegiar umas nem desprezar outras.
(LA TAILLE, 2006, p. 98).
Ainda sobre as regras, torna-se interessante mencionar a pesquisa
realizada por Menin e Lepre (2001), as pesquisadoras observaram em
escolas essa mesma evolução do respeito às regras que Piaget observou no
jogo infantil, em que crianças da primeira série do ensino fundamental
podem ter uma consciência heterônoma das regras escolares e práticas
imitativas egocêntricas. Regras como a de obedecer a professora, não sair
do lugar, não jogar lixo no chão, são afirmadas pelas crianças como
corretas, e que devem ser obedecidas sem modificação, pelo motivo
específico de terem vindo dos diretores, ou de alguém exterior à escola.
Num momento mais avançado de idade as crianças fazem na regra
obrigatória, (como a de não poder emprestar material ao colega) uma
modificação, essa modificação é válida porque é uma construção do grupo,
este que constrói a nova regra de poder emprestar o material desde que
peça ao amigo o empréstimo e em seguida faça a devolução do material. A
autora ainda ressalta a infelicidade de haver dentro das escolas poucas
oportunidades de os escolares discutirem as regras, ou até mesmo refazê-
las, as mesmas são impostas em relações de coação, de respeito unilateral,
o que reforça a prática e a consciência de condutas heterônomas (MENIN,
1996; LEPRE, 2001; apud MENIN, 2007a).
Portanto, assim como a moral heterônoma é uma moral da
obediência e do respeito unilateral, a moral autônoma é uma moral da
justiça e do respeito mútuo. Contudo, a autonomia consiste, ainda, em
ser capaz de se colocar no lugar do outro, ou seja, em fazer com que as leis
sejam universais e os ideais sejam coletivos, diferentemente do
egocentrismo encontrado na heteronomia (LA TAILLE, 2006).
45
Seguindo o caminho percorrido pelo emérito epistemólogo, antes
de iniciar as descrições dos estágios de desenvolvimento moral, faz-se
necessário uma observação. A definição precisa apontada por Piaget nos
estágios de desenvolvimento cognitivo não ocorre nos estágios de
desenvolvimento moral, ou seja, nenhuma criança é totalmente
heterônoma ou autônoma, estes estágios apresentam traços gerais,
portanto, mais vagos (LA TAILLE, 2006). Seguindo o caminho do
emérito epistemólogo Jean Piaget, abordaremos sobre o respeito.
O respeito
Antes de adentrarmos no tema do respeito, falaremos da filosofia a
moral de Kant, da sociologia de Durkheim e Bovet, assim como colocados
na obra de Piaget (1932/1994a) trataremos especificamente sobre a teoria
do dever ou da obrigação moral e da teoria do bem ou da autonomia da
consciência.
O conjunto de deveres, em dada sociedade está ligado à coação,
está sendo social e exercida pelo adulto. Neste cenário situamos o respeito
unilateral, que tem sua consciência no dever. O respeito mútuo constitui
o bem e não leva o sujeito ao conformismo. A moral do bem se elabora
progressivamente.
Para Kant, em Freitas (2003), todo homem pode ter um agir ético,
mesmo aquele que não é culto. A moral deve-se pautar por uma boa
vontade, por um querer reto. Em Kant, essa é a condição necessária e
suficiente para que um sujeito seja moral. Esse mesmo autor apregoa que
aquilo que eu reconheço como respeito, como uma lei, significa somente
a consciência de subordinação de minha vontade a uma lei. Deste modo,
o respeito que sentimos por uma pessoa é apenas o respeito à lei, “[...] nós
46
respeitamos a pessoa que respeita a lei moral.” (FREITAS, 2003, p. 63).
Para Kant, agir moralmente é agir por dever, portanto, é preciso o
conhecimento de quais regras devemos nos conformar, e então devemos
nos submeter ao imperativo categórico kantiano, para agir de tal forma,
que essa ação possa vir a ser uma lei universal. Para este autor, um ato
moral é um ato conforme o imperativo categórico (FREITAS, 2003).
Para Durkheim (s/d), a moral é um fato social por excelência, pois
se apresenta a nós como um sistema de regras e condutas, portanto era
contrário à ideia de dizer que a moral estava contida na consciência
individual. Desta forma, Durkheim, acreditava que a sociologia poderia
substituir a moral, fazendo uma crítica aos valores estabelecidos e afastando
tendências possivelmente prejudiciais (FREITAS, 2003).
Segundo Bovet (s/d), a lei não origina o respeito, mas é justamente
o respeito pelo outro, que faz com que a lei seja respeitada. Piaget concorda
com Bovet e discorda de Durkheim, que acredita que as relações sociais
existem apenas em função da relação do indivíduo com o grupo. Afirma
que a criança respeita o pai, por exemplo, pela pessoa que ele é (PIAGET,
1932/1994a).
No início do desenvolvimento da criança, afirma Bovet, a
obediência se deve ao medo ou à simpatia pelo mais velho. Por essa razão,
a criança cumpre as regras que lhe são impostas, mas não pela autoridade
do grupo, como afirma Durkheim. Assim, as teorias sobre o dever de Bovet
e Durkheim se assemelham, mas não no que diz respeito à gênese do
respeito. Piaget (1932/1994a) entende que Bovet tem razão quanto à
origem do respeito, mais ainda não estava satisfeito. Piaget dá sequência a
essa teoria e apresenta dois tipos de respeito.
47
Sobre respeito, no significado da palavra que em latim provém do
termo respicere, significa olhar para o outro. O respeito visto como
capacidade de ver uma pessoa como ela é, ou seja, na sua individualidade.
Mais ainda, respeitar significa colocar-se no lugar do outro com intenção
de compreendê-lo, e em segundo lugar coordenar o ponto de vista do outro
com o seu (PEDRO-SILVA, 2011).
Dessa forma, para Piaget, respeitar diferenças não é apenas acei-
las. Respeitar as diferenças pede a coordenação de pontos de vista. “E
coordenar significa conjugar, concatenar, interligar, isto é, dispor os
elementos numa sequência lógica. Nesse sentido, a coordenação solicita a
interpretação ou a assimilação e a coordenação recíproca.” (PEDRO-
SILVA, 2011, p. 146). Piaget ainda ressalta que o respeito mútuo aparece
desde que haja cooperação e acrescenta, “[...] quem diz respeito, diz
admiração por uma personalidade.” (PIAGET, 1932/1994a, p. 84).
Piaget observou quanto aos tipos de respeito e suas consequências
e nos relata que os efeitos do respeito unilateral e do respeito mútuo são
diferentes no que tange à personalidade. Desta forma, a coação adulta não
é capaz de reprimir o egocentrismo infantil, ao contrário da cooperação
que conduz a constituição verdadeira da personalidade. A personalidade e
a autonomia implicam-se uma em outra, enquanto o egocentrismo e
heteronomia coexistem sem se anular (PIAGET, 1998).
A coação moral é caracterizada pelo respeito unilateral, que
segundo Bovet, é origem de obrigação moral e do sentimento do dever,
vindo de uma pessoa respeitosa. A obrigação de dizer a verdade, bem como,
e o fato de não roubar. Em consequência, a moral do dever originalmente
é essencialmente heterônoma. Visto que o bem é obedecer ao adulto, o mal
é seguir sua própria opinião. Na relação das crianças com os pais não
existem apenas relações de coação, a esse efeito Piaget deixa claro. Há uma
48
afeição mútua, que leva a criança a proferir atos de generosidade (PIAGET,
1932/1994a).
Para Bovet (s/d), há um registro curioso de uma fase intermediária,
em que a criança não obedece somente às ordens dos adultos, mas a regra
em si própria, como no caso da mentira, num dado momento a criança
acha que a mentira é má, por isso, não deve mentir. Neste momento
registram-se os efeitos de inteligência trabalhando por meios das regras
morais. Para ele este momento se funda como uma semiautonomia,
podemos pensar em uma espécie de transição (PIAGET, 1932/1994a).
Emerge sinais de autonomia quando a criança descobre que a
veracidade é necessária nas relações de simpatia e de respeito mútuo. A
reciprocidade parece neste caso, ser fato de autonomia. Entretanto, há
autonomia moral, quando a consciência considera como necessário um
ideal, independentemente de qualquer processo exterior. Inversamente,
toda relação com outrem, na qual intervém o respeito unilateral, conduz a
heteronomia.
[...] A autonomia só aparece com a reciprocidade, quando o respeito
mútuo é bastante forte, para que o indivíduo experimente
interiormente a necessidade de tratar os outros como gostaria de ser
tratado. (PIAGET, 1932/1994a, p. 155).
Ainda fazendo menção ao fenômeno do respeito, queremos dizer
que a relação de cooperação provém do respeito mútuo. E essa cooperação
constitui a essência das relações entre os sujeitos, numa espécie de jogo
regulamentado, no que Piaget (1932/1994a) chama de self-government, ou
seja, uma discussão sincera e bem conduzida (PIAGET, 1998). Visto que
“[...] na medida em que se aproxima do ideal de cooperação e de self-
49
government, a criança desvincula-se da sanção expiatória e tende para a pura
reciprocidade” (PIAGET, 1998, p. 32).
Em consonância com os estudiosos da moral supracitados,
acreditamos que o respeito constitui o sentimento fundamental para a
aquisição das noções morais. Segundo Bovet (1912) apud Piaget (1998),
[...] duas condições são necessárias e suficientes para que se desenvolva
a consciência da obrigação: em primeiro lugar, que um indivíduo dê
ordens a outro e, em segundo que esse outro respeite aquele de quem
emana as ordens. (PIAGET, 1998, p. 28).
Dizendo de outra forma,
[...] é suficiente que a criança respeite seus pais ou professores para que
as ordens sejam além de aceitas, obrigatórias. Enquanto Kant vê no
respeito um resultado da lei e Durkheim um reflexo da sociedade,
Bovet mostra, ao contrário que o respeito pelas pessoas constitui um
fato primário e que mesmo a lei dele deriva. Este resultado, essencial
para a educação moral, posto que leva logo de início a situar as relações
de indivíduo acima de qualquer ensinamento oral e teórico, parece-nos
confirmado por tudo o que sabemos sobre a psicologia moral infantil
(PIAGET, 1998, p. 28).
Um dos princípios da educação construtivista é haver na sala de
aula um ambiente sociomoral, onde o respeito pelos outros é
continuamente praticado e cultivado. Nesse ambiente, as pessoas
interagem, respeitando-se reciprocamente como iguais. Entretanto,
sabemos que não se pode esperar que as crianças de pouca idade
relacionem-se com o professor de igual para igual, ela ainda é heterônoma
e nutre pelo adulto um respeito totalmente unilateral. Enquanto pequena,
50
é incapaz de vê-lo como igual, assim, a relação é assimétrica. Porém, essa
questão não impede de tratá-la num mesmo plano, de relacionar-se de
forma a imputar respeito. Um adulto pode demonstrar respeito pela
criança quando, consulta o grupo antes de tomar uma decisão, ao justificar
alguma atitude, quando se dispõe a ouvir o que a criança tem a dizer
(VINHA, 2000).
O respeito é unilateral quando, a exemplo o professor abusa da sua
autoridade, de seu poder sobre a criança, quando a humilha, quando
desconsidera seus sentimentos, quando manipula seu comportamento com
recompensas e punições, quando ensina ou induz algo que poderia ser
descoberto. Numa relação de respeito mútuo pressupõe que a legalidade
suplante a autoridade, assim se remetendo a uma relação entre iguais
(VINHA, 2000).
Refletindo ainda sobre o respeito unilateral e a forma de educação
autoritária, La Taille (1998), complementa dizendo que este tipo de
educação acaba por gerar pessoas submissas, conformadas, hábitos críticos,
posturas obedientes sem poderes argumentativos, características estas de
indivíduos heterônomos, pois sendo submetida a constantes pressões dos
adultos, a criança não tem condições de pensar sobre o que está
acontecendo ou fazendo. A postura autoritária do adulto impossibilita que
a criança caminhe em direção a moral autônoma.
Com os postulados apresentados na teoria moral de Piaget
(1932/1994a), percebemos uma reflexão sobre o ambiente encontrado nas
escolas e os tipos de relações interpessoais que são estabelecidas nesses
locais. Menin (1996) compara escolas com princípios distintos, a escola
tradicional e a escola construtivista.
51
Na escola tradicional, há o respeito unilateral, esse que implica uma
desigualdade entre aquele que respeita e aquele que é respeitado, seria o
respeito do pequeno pelo grande. Esse tipo de respeito é marcado pela
coação (MENIN, 1996). De modo geral, podemos afirmar que o respeito
unilateral como vimos anteriormente, Bovet o chamou de sentimento de
dever, mas o dever primitivo assim resultante da pressão do adulto sobre a
criança que permanece essencialmente heterônoma (PIAGET, 1998).
Já na escola construtivista podemos perceber uma forma diferente
de lidar com o respeito, neste caso os indivíduos se tratam como iguais,
sendo assim, o respeito é mútuo. Esse respeito não implica nenhuma
coação e revela um tipo de relação chamada de relação de cooperação. Esses
dois tipos de respeito, nos parece explicar a existência de duas morais
chamadas por Piaget (1932/1994a) de moral heterônoma e moral
autônoma. O resultado da pressão do adulto sobre a criança seria
essencialmente a heteronomia. Ao contrário, o respeito mútuo possibilita
o sentimento do bem, o ideal de reciprocidade, que constitui um sujeito
autônomo (MENIN, 1996).
Os julgamentos morais e as regras: realismo moral, a responsabilidade
objetiva e a responsabilidade subjetiva
Para investigar o juízo moral infantil com a questão do dever,
Piaget empregou o método clínico, que consiste em contar pequenas
histórias aos sujeitos e questioná-los para que desempenhem o papel de
juízes. Piaget (1932/1994a) fez uso de histórias que envolviam situações
com dano material, mentira e furto, em que a tarefa seria de tomar partido
sobre diversos dilemas morais. Ele confirma a existência de uma primeira
52
fase de heteronomia no desenvolvimento do juízo moral, tal heteronomia
traduzindo-se pelo realismo moral (LA TAILLE, 1992).
Com relação ao realismo moral, Piaget, compreende que é
resultado da tendência da criança em considerar os deveres e os valores a
eles relacionados como subsistentes em si.
No realismo moral o dever mencionado é essencialmente
heterônomo. O bem se define pela obediência e é mau todo ato que não
assegura a regra. Esta que é observada literalmente, acarretando uma
concepção objetiva de responsabilidade. Um dos fatores observados e
expostos por Piaget, diz respeito à coação moral, que está próxima da
coação intelectual, uma vez que são impostas pelos adultos (PIAGET,
1932/1994a).
Piaget (1932/1994a) percebe que a finalidade de sua pesquisa não
estava somente na resposta dada pela criança ao ser inquerida sobre sua
mentira, mas estava no fato de analisar o julgamento de valor moral, mais
que o ato de mentir, pois no julgamento de valor, pode-se avaliar a conduta
moral utilizada pelo sujeito.
Ao avaliar as condutas morais sobre a mentira, encontrou a
responsabilidade objetiva sendo a mais comum entre as respostas das
crianças, em que a criança considera mais grave a maior mentira”, ou seja,
que esteja mais distante da realidade desconsiderando a intencionalidade.
Por exemplo, é mais grave alguém contar que viu um cachorro do tamanho
de uma vaca do que inventar que tirou boas notas para ganhar um
chocolate. Já na responsabilidade subjetiva, a mentira mais grave é aquela
que ocorre com a intenção de enganar. “[...] os pequenos são levados a
desprezar a intenção para se ocupar apenas do próprio resultado dos atos.
53
Os grandes, ao contrário, sempre levam em conta as intenções” (PIAGET,
1932/1994a, p. 130).
Os resultados encontrados por Piaget (1932/1994a), com o estudo
do realismo moral confirmaram os da análise das regras do jogo de
bolinhas. Ou seja, são identificadas duas morais distintas, a moral da
heteronomia e a moral da autonomia. Entre essas duas morais é possível
observar que há uma fase intermediária, que é de interiorização e
generalização das regras e ordens, que se consolidará na moral autônoma.
Percebemos uma evolução de juízo moral, indo de uma moral
heterônoma a caminho de uma moral autônoma, visto que a
responsabilidade objetiva diminui com a idade, crianças entre seis e sete
anos, tendem a responder considerando os danos materiais. Em meados
dos 8 e 9 anos em diante, nos deparamos com respostas baseadas em
responsabilidade subjetiva, levando em conta as intenções sobre o ato da
mentira. O respeito unilateral, de ordem absoluta cede espaço ao respeito
mútuo onde se observa estar à fonte da cooperação.
Piaget (1932/1994a) conclui que a responsabilidade subjetiva
corresponde também à conduta dos pais com a criança, pois ressalta que
nas relações em que os pais sabem ser justos a responsabilidade objetiva
diminui de importância. Já nas relações pautadas fortemente em prejuízos
materiais são relevantes as coações adultas na vida dessas crianças. Ao
falarmos de relações justas, vamos aos conceitos trazidos por Piaget a esse
respeito.
As noções de justiça
A justiça não é uma virtude como as outras, e sim
o horizonte de todas. A justiça é a lei de sua coexistência. Virtude completa,
54
dizia Aristóteles. Todo valor a supõe; toda humanidade a requer. Não é,
porém, que ela faça às vezes da felicidade; mas nenhuma felicidade a
dispensa (COMTE-SPONVILLE, 2009).
Quanto a noções de justiça Piaget (1932/1994a), observou uma
primeira noção de justiça, a justiça imanente. Neste caso, a criança
pequena acredita que os castigos vêm diretamente dos próprios elementos
naturais, como sendo provocados pelas próprias coisas (MENIN, 2007b,
p. 17).
As noções de justiça estão presentes no desenvolvimento do juízo
moral na criança, duas noções de justiça foram as mais investigadas por
Piaget (1932/1994a), a retributiva que está marcada pela necessidade ou
não de aplicação de sanções, bem como, a sua intensidade. E a justiça
distributiva que se refere ao que é justo ou injusto pensa mais a respeito da
equidade nas relações. Vejamos mais detalhadamente na ilustração a
seguir.
FIGURA 2 - JUSTIÇA RETRIBUTIVA E DISTRIBUTIVA (PIAGET,
1932/1994A)
Fonte: A autora, baseada em Piaget (1932/1994a).
JUSTIÇA
RETRIBUTIVA: na
justiça retributiva a
criança crê na ideia
de sanção. O ato
deve ser corrigido
com uma
correspondente
punição.
Relacionando castigo
ou prêmio em função
dos atos.
JUSTIÇA
DISTRIBUTIVA: na
justiça distributiva
vemos uma ideia
contrária à sanção,
visto que o importante
é repor a perda, se
retratar ao ofendido
considerando as
condições e as
intenções ainda mais
que as consequências
dos ato
s.
55
A primeira diz sobre as consequências de uma infração e os castigos
que virão decorrentes dela. Neste tipo de justiça, uma sanção é injusta
quando pune um inocente ou recompensa um culpado, ou quando a
dosagem fica a desejar ou é demasiadamente dura. Na segunda diz respeito
à aplicação das leis em grupos de sujeitos, onde injustiça é compreendida
quando há uma repartição que favorece uns e desfavorece outros (MENIN,
2007a). “[...] Tanto para Piaget como para Kohlberg, as concepções de
justiça mostram uma evolução em função do progredir dos estágios de
desenvolvimento operatório e moral.” (MENIN, 2007b, p. 17).
Para Piaget (1932/1994a) na justiça retributiva podem vir dois
tipos de sanções: as expiatórias e as por reciprocidade. As sanções
expiatórias são aquelas em que não há relação entre a falta e a punição; são
extremamente severas, estão ligadas à coação e com as regras de autoridade,
apresentando caráter arbitrário, não havendo nenhuma relação entre o
conteúdo da sanção e a natureza do ato sancionado.
Seguindo o desenvolvimento, crianças mais velhas, já operatórias,
passam a afirmar a igualdade como princípio de justiça e a noção de
justiça distributiva, ligada ao tratamento igualitário ou equitativo entre
as pessoas, se afirma como mais importante que a retributiva”
(MENIN, 2007b, p. 18).
Piaget (1932/1994a) também percebe e afirma certa evolução no
conceito de injustiça, entre os pequenos a injustiça está ligada a
desobediência às ordens dos adultos ou ilegalidades (legal e retributiva),
em crianças já operatórias, as injustiças se relacionam ao princípio de
igualdade (distributiva), nos mais velhos as preocupações são de ordem
56
social, sendo injustas as situações econômicas e/ou políticas (social)
(MENIN, 2007b).
Podemos dizer que o valor justiça pode e deve ser fomentado, a
escola transmite valores através das vivências experimentadas nesse espaço
coletivo. Portanto, há que se ofertar possibilidades, através de reflexões,
diálogos, caminhos democráticos para construção de regras e sanções. No
próximo tópico continuamos nossas reflexões sobre a justiça e falaremos
sobre as sanções.
A justiça e as sanções
Dizemos que uma sanção é injusta quando não é dosada na
proporção exata do mérito ou da falta. Neste caso, “[...] a noção de justiça
é inseparável daquela de sanção e define-se pela correlação entre os atos e
sua retribuição” (PIAGET, 1994a, p. 157). Por outro lado, dizemos
injusta uma repartição quando favorece uns à custa de outros. Aqui temos
a noção de justiça implicando apenas a ideia de igualdade (PIAGET,
1932/1994a).
Piaget (1932/1994a) apresenta um estudo da justiça e das
punições, para tanto, pensou que poderia perguntar a opinião das próprias
crianças e sobre o julgo a respeito das histórias contadas a elas.
Os resultados encontrados nas respostas dadas foram analisados e
nessa análise percebemos dois tipos de reação em relação à sanção. Para
uns a sanção é justa e necessária; é tanto mais justa quanto mais severa.
Para outros, “[...] as sanções justas são aquelas que exigem uma restituição,
ou que fazem o culpado suportar as consequências e sua falta.” (PIAGET,
1932/1994a, p.159). Esta última reação apresentada, é observada mais
entre os maiores. Porém, a questão da severidade subsistiu em qualquer
57
idade, mesmo entre adultos. Resultado favorecido por certos tipos de
relações familiares ou sociais (PIAGET, 1932/1994a).
Conforme Piaget (1932/1994a) existem dois tipos de influências
que juntas temperam a sanção expiatória adotada pela criança:
FIGURA 3 - SANÇÃO EXPIATÓRIA (PIAGET, 1932/1994A)
Fonte: A autora com base em Piaget (1932/1994a).
Contrariamente às sanções expiatórias, as sanções por
reciprocidade possuem variedades. Conforme as faltas podem seguir certo
número de variantes. Variedades mais ou menos justas, segundo a natureza
do ato repreensível (PIAGET, 1932/1994a).
Ainda a esse respeito, vemos no caso da sanção por reciprocidade
uma evolução já mencionada, a qual ilustramos com a figura seguinte.
Influência
individual:
desejo de
vingança
Influência
social:
autoridade
adulta
Sanção
expiatória
58
FIGURA 4 - SANÇÃO POR RECIPROCIDADE (PIAGET, 1932/1994A)
Fonte: A autora com base em Piaget (1932/1994a).
As sanções por reciprocidade, “[...] eis como podemos classificá-
las, indo das mais para as menos severas.” (PIAGET, 1932/1994a, p. 162).
Num primeiro momento pode haver uma exclusão momentânea ou
definitiva do grupo. Segundo ponto, o grupo onde se localizam as sanções
apela para consequências diretas e materiais dos atos, como não dar o pão
para aquele que se recusou em comprá-lo, sabendo que faltaria o referido
alimento. Terceiro, o grupo confere privar o culpado de alguma coisa da
qual abusou. Em quarto lugar, sobre a reciprocidade simples ou
propriamente dita, estão as sanções que se resumem essencialmente em
fazer a criança aquilo o que ela própria fez. Em quinto lugar, a sanção
simplesmente restitutiva, pagar ou substituir o que fora quebrado ou
roubado. Há ainda,
[...] uma sexta categoria, que seria a simples repreensão, sem nenhuma
punição, é a repreensão que não se impõe autoritariamente, mas que se
limita a fazer compreender ao culpado em que rompeu com o elo de
solidariedade. (PIAGET, 1932/1994a, p. 164).
Sanção por
reciprocidade:
Respeito
unilateral, vindo
de uma lei,
uma autoridade
(lei de talião),
que irá evoluir
para o respeito
mútuo.
Respeito
mútuo: lei da
reciprocidade,
a sanção por
reciprocidade
(a lei moral do
perdão).
59
Finalizando nossos registros sobre as noções de justiça, conforme
Piaget (1932/1994a), constatamos que as noções de justiça e de
solidariedade ocorrem correlativamente em função da idade da criança.
Primeiramente porque no campo da justiça retributiva a reciprocidade se
afirma com a idade, e segundo lugar, vimos que a necessidade de igualdade
evolui também com a idade. Por fim, alguns traços de solidariedade, como
não trapacear, não usar de mentiras, desenvolvem-se juntamente com as
tendências mencionadas anteriormente.
Concluindo sobre a justiça, Piaget (1932/1994a), diz da existência
de três grandes períodos no desenvolvimento da justiça na criança:
[...] um período estendendo-se até mais ou menos os sete, oito anos,
durante o qual a justiça está subordinada à autoridade adulta, um
período compreendido entre oito e onze anos aproximadamente, e que
é o do igualitarismo progressivo, e finalmente um período que se inicia
por volta dos onze-doze anos, durante o qual a justiça puramente
igualitária é temperada pelas preocupações de equidade (PIAGET,
1932/1994a, p. 236).
Em conclusão sobre a justiça, encontramos nesse campo, como
nos anteriores, a oposição de duas morais sobre as quais Piaget insiste
frequentemente: A moral da autoridade, do dever, da obediência,
conduzindo no campo da justiça, à confusão do que é justo, como
conteúdo da lei que fora estabelecida e à aceitação da sanção expiatória. Já
na moral do respeito mútuo, que é a do bem, por opor-se ao dever
simplesmente, e da autonomia, que fica a cargo de conduzir no campo da
justiça, ao desenvolvimento da igualdade, noção central da justiça
distributiva e da reciprocidade. A solidariedade entre os iguais também
aparece como sendo de grande importância por formar um conjunto de
60
noções morais complementares e coerentes, caracterizando uma
mentalidade racional (PIAGET, 1932/1994a).
Educar moralmente na escola
Piaget (1932/1994a) compreendeu que a autonomia era uma
conquista esperada, em termos de evolução como foi dito durante todo
esse capítulo, mas por poucos, conquistada. Todas as pessoas tendem a
uma moral autônoma, mas a maioria permanece na heteronomia. Na
verdade, identificam-se muitas variáveis que compõem a interação do
sujeito com o meio, possíveis de favorecer ou não o desenvolvimento
moral. Dessa forma, influem significativamente na evolução da
heteronomia para a autonomia (TOGNETTA, 2003).
As descobertas de Piaget indicam implicações para a educação
moral nas escolas, entre muitos fatores citamos a busca pela autonomia, no
sentido da capacidade de construir valores e regras com as quais se
concorda em submeter-se, considerando os seus benefícios para todos os
envolvidos, os métodos dessa ação pedagógica não podem ser autoritários,
mas ativos para que contribuam na construção da autonomia moral
(MENIN, 2007a).
Piaget (1931/1997) propõe uma pedagogia ativa, que não deve ser
pautada em metodologias autoritárias, passando por descobertas,
redescobertas, experiências morais, partindo de trabalhos coletivos e
experimentos. Dessa forma, o sujeito de fato construirá ativamente seu
conhecimento. Piaget (1931/1997) elenca três pontos:
61
1. Para suportes de uma escola ativa, a educação moral não é um
ramo especial da educação, mas um aspecto particular de todo o
sistema. Dessa forma, a educação como um todo, e a atividade que a
criança está a fazer sobre cada uma das disciplinas escolares assume um
caráter de esforço e um conjunto de conduta moral. Ela está ocupada
analisando as regras da gramática, resolvendo um problema de
matemática, a criança trabalha "ativamente". É importante que o
sujeito e o seu grupo social, compreendam que são uma "equipe”
(PIAGET, 1931/1997).
2. Na escola ativa, todos são de igual importância, envolve
necessariamente a colaboração de todos. Na escola tradicional, todos
trabalham para si: a classe escuta o mestre e cada um deve, em seguida,
mostrar suas apropriações individuais, seja nas aulas ou em casa. A
classe não é bem como uma soma de indivíduos, a comunicação entre
os alunos é proibida e a colaboração quase inexistente. Na perspectiva
da escola ativa, pelo contrário, na medida em que o trabalho exige a
iniciativa da criança, torna-se coletiva porque se a criança é
autocentrada, a cooperação não ocorre, ou ao menos se torna
inadequada (PIAGET, 1931/1997).
3. Depois das duas observações gerais, devemos voltar agora para
o processo "ativo" especificamente moral. Estes métodos são baseados
na noção bem conhecida de autogoverno. Para saber física ou
gramática, o sujeito redescobrirá a si próprio pela experiência ou pela
análise de textos, as leis da matéria ou regras da linguagem, bem como,
para adquirir senso de disciplina, solidariedade e responsabilidade, a
escola "ativa" tem tentado colocar a criança em uma posição onde ele
experimenta diretamente as realidades e, gradualmente, descobre-se
leis constitutivas. A classe forma uma verdadeira parceria, uma
associação com base no trabalho conjunto dos seus membros
(PIAGET, 1931/1997).
A educação moral deve permear todas as disciplinas, o trabalho
proposto na pedagogia ativa, prevalece a colaboração e a cooperação. A sala
de aula transforma-se num espaço essencialmente social, os sujeitos
62
ativamente organizam essa “sociedade”. Afinal, se o desenvolvimento
moral ocorre graças às relações de respeito mútuo, como demonstrou
Piaget, a cooperão é a forma mais eficaz para se chegar à autonomia
(PIAGET, 1996).
No quadro que segue apresentamos alguns fatores extraídos das
descobertas de Piaget sobre as condições para que ocorra o
desenvolvimento moral das crianças no espaço escolar (MENIN, 2007a).
FIGURA 5 - FATORES DE HETERONOMIA E AUTONOMIA NA ESCOLA
63
Diante da síntese apresentada no quadro acima, registramos a
importância e o desafio que se coloca para a escola, no fato de estruturar
um ambiente onde relações baseadas em respeito mútuo, cooperação e
reciprocidade sejam a norma que orienta as ações (MENIN, 2007a).
Para que um ambiente sociomoral exista de fato e que seja propício
a construção da autonomia, faz-se necessário cuidar da forma como a
construção e aquisição de conhecimento está posta. Também é preciso
cuidar do convívio com os pares, propiciando que o aluno vivencie
situações em que a democracia, o respeito, a cooperação, a justiça, a
igualdade estejam presentes, momentos em que as situações-problema
sejam discutidas e refletidas continuamente (TOGNETTA, 2007). O
grande objetivo a atingir é que o indivíduo ao agir moralmente o faça pela
consciência e liberdade, este sim será um homem moral, homem aqui
referenciado pela consciência de sua moralidade (LIMA, 2004).
No capítulo a seguir, apresentamos a teoria moral de Lawrence
Kohlberg (1927-1987), que nasce com raízes em sua experiência, e se
revela como teoria em sua tese de doutorado em 1955.
64
65
A TEORIA DE JULGAMENTO MORAL DE
LAWRENCE KOHLBERG
_______ ____________ ____________ _____________________ _____________________ ____________ _______________ ____________ ___________ _______________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ _______________ ____________ __________
Para compreender a teoria de Kohlberg, se faz necessário a
contextualização de suas origens, que são piagetianas. Lawrence Kohlberg
se baseou nas ideias de Piaget, aprofundando o estudo do desenvolvimento
moral. Em relação a Piaget, Kohlberg parece apresentar uma conceituação
mais precisa e discriminada dos estágios da moralidade, sob os quais
também perpassa a dimensão da heteronomia-autonomia (BIAGGIO,
2006).
La Taille (2006) considera que Kohlberg, com sua teoria de
desenvolvimento moral, tornou-se o autor mais completo da psicologia
moral e é visto como importante referência até hoje. As principais
publicações de Kohlberg são as seguintes: The development of modes of
thinking and choices in the years from 10 to 16 (1958), From is to ought
(1971) entre outras produções (BIAGGIO, 2006).
As pesquisas sobre desenvolvimento moral, na perspectiva
construtivista, têm como base as investigações inicialmente realizadas por
Piaget e retomadas por Kohlberg, entre as décadas de 60 e 80. Esse caráter
de retomada é enfatizado por alguns autores (BIAGGIO, 2006;
CAMINO, 1998; FREITAS, 2003; MARTINS; SILVA, 2009;
YOUNISS; DAMON, 1992), os quais ressaltam que embora Kohlberg
tenha se inspirado nas ideias de Piaget, ele tinha o seu próprio projeto e
propôs uma teoria que é divergente em alguns pontos da formulação de
66
seu predecessor (DELLAZZANA-ZANON et al. 2013). Nesse sentido no
Brasil,
[...] o estudo do desenvolvimento moral também foi bastante
influenciado pelas ideias de Piaget e Kohlberg. Contudo, continua
sendo uma área do desenvolvimento humano estudada por
pesquisadores filiados a diferentes perspectivas teóricas (Beluci;
Shimizu, 2007; Biaggio, 1972; Freitas, 1999; Martins, 1988; Sirota,
2008; Souza; Vasconcelos, 2003). Quanto aos temas pesquisados, no
entanto, observa-se pouca variabilidade até o final do século XX,
considerando-se o predomínio de pesquisas sobre a justiça (La Taille,
2000) (DELLAZZANA-ZANON et al., 2013, p. 343).
As pesquisas de Kohlberg (1992) estão incluídas no grupo das
teorias cognitivo-evolucionistas, como principal base está o pressuposto de
que o desenvolvimento se dá por meio de transformações básicas das
estruturas cognitivas, enquanto organizadas num sistema de ralações, as
quais conduzem a formas superiores de equilíbrio, estes que resultam de
processos de interação entre o organismo e o meio. Kohlberg acredita que
a moral, bem como os aspectos cognitivos, ocorre por meio de evoluções
de estágios. Os estágios de raciocínio moral em Kohlberg são referentes a
raciocínios de justiça e não de emoções ou ações. Para este autor o centro
da moralidade é a justiça (BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010).
Kohlberg sempre deixou claro que seus estágios são de raciocínio
de justiça, sempre se preocupou com o que se julga da moralidade. Suas
definições de moralidade tiveram antecedentes nas ideias neokantianas de
Hare (1982), que propõem que o cerne da moralidade é a justiça ou os
princípios da justiça (BIAGGIO, 2006). Percebemos que Kohlberg
acreditava que os conceitos de heteronomia e autonomia de Piaget
(1932/1994a), não bastavam para classificar os tipos de raciocínios morais,
67
a partir desse problema Kohlberg propõe os seis estágios de raciocínio
moral em sua teoria (BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010).
A teoria kohlberguiana é uma busca da definição científica e
filosófica a respeito da moralidade, onde qualquer descrição da forma ou
modelo de estrutura social é necessariamente dependente de estruturas
cognitivas, dessa forma, os afetos e as atitudes dos indivíduos também estão
juntos dessa estrutura. Os motivos de uma ação moral têm também um
elemento cognitivo formal. Suas descobertas na área da moral estruturam-
se em estágios e são construções tipológicas ideais que delimitam diferenças
qualitativas nas organizações psicológicas da evolução do indivíduo, sendo
previsíveis e consequenciais em uma escala ordinal. Kohlberg acreditava
que havia dentro de cada estágio uma perspectiva sociomoral, dessa forma
confrontava a perspectiva cognitivo-evolutiva com perspectiva da
socialização no desenvolvimento moral (LIMA, 2004).
Os estágios de juízo moral de Kohlberg
Os seis estágios de desenvolvimento moral propostos por Kohlberg
apresentam-se em três níveis: pré-convencional, convencional e pós-
convencional.
No nível pré-convencional, temos a maioria das crianças menores
de 9 anos, alguns adolescentes e alguns criminosos, sejam eles adolescentes
ou adultos. Neste nível os sujeitos ainda não chegaram a compreender e
respeitar normas morais, expectativas compartilhadas, a moralidade é
essencialmente heterônoma. Sendo assim, do ponto de vista das regras,
bem como, nas relações entre o eu e as regras sociais, estas são
compreendidas como externas (BIAGGIO, 2006).
68
No nível convencional, encontram-se a maioria dos adolescentes e
adultos da sociedade. Do ponto de vista das relações, neste nível o eu
identifica-se com, ou internaliza as regras e expectativas dos outros,
especialmente de figuras de autoridade (BIAGGIO, 2006).
No nível pós-convencional encontramos uma minoria de adultos,
geralmente com idade entre 20 a 25 anos. O termo convencional nesse
caso não significa que indivíduos nesse nível são incapazes de fazer uma
diferenciação entre a moralidade e a convenção social, mas que a
moralidade consiste num sistema de regras morais, papéis e normas
socialmente compartilhadas. Os pós-convencionais fazem seus próprios
julgamentos, pensam de acordo com seus princípios e não apenas pela
convenção (BIAGGIO, 2006). No quadro 1 apresentamos os níveis e
estágios de Kohlberg.
QUADRO 1 – OS ESTÁGIOS MORAIS E SEUS CONTEÚDOS
NNíveis
O que é correto?
Por que agir
corretamente?
estágio
Nível I Pré-convencional
EEstágio 1:
Moralidade
heterônoma.
Evita transgredir as
regras apenas por medo
da punição. Obedece e
evita causar danos
físicos a indivíduos e
bens.
Evitar as punições e os
castigos das figuras de
autoridade.
egocêntrico. Não
considera os
interesses dos outros,
nem reconhece que
eles podem ser
diferentes dos seus;
não relaciona dois
pontos de vista. Só há
uma perspectiva
correta, a da
autoridade.
Consideração física
dos fatos.
69
EEstágio 2.
Individualismo
instrumental e
troca.
Seguir as regras é apenas
no interesse imediato.
Agir bem para obter
benefícios e alcançar
algum interesse ou
necessidade (hedonismo
e pragmatismo). A
reciprocidade está
emergindo, dessa forma
é certo o que é justo, o
que é uma troca, um
acordo.
Para atender às suas
necessidades e
interesses em um
mundo no qual outras
pessoas também agem
dessa forma.
individualista
concreta. A
consciência de que
todos têm seus
interesses para
perseguir. É um
estágio egoísta,
marcado pela
satisfação pessoal (no
sentido individualista
concreto).
Nível ll: Convencional
EEstágio 3.
Relações de
expectativas
interpessoais
mútuas e
conformidade
interpessoal.
Vivendo da maneira que
as pessoas ao seu redor
esperam de um bom
menino, ou de uma boa
menina. Ser bom é
importante e significa
que você tem boas
intenções, e leva a
aprovação dos outros.
A necessidade de ser
uma boa pessoa diante
de você e dos outros.
Acredita na Regra de
Ouro, o desejo de
manter as regras e ser
bom exemplo para as
figuras de autoridade,
mantendo estereótipos
de boa conduta.
perspectivas.
Consciência de
sentimentos
compartilhados que
prevalecem sobre
interesses individuais.
Surge a noção de
equidade, mas ainda
é difícil se colocar em
dois papéis
diferentes. Relaciona
opiniões através da
“Regra de Ouro”,
colocando-se no lugar
de outra pessoa.
Ainda não considera
a perspectiva do
sistema generalizado.
EEstágio 4.
Sistema Social
e Consciência
Cumpre as obrigações e
os acordos. As regras
devem ser mantidas,
mesmo em casos
Manter a instituição
funcionando como um
todo, evitar o colapso
do sistema se todos o
ponto de vista da
sociedade e as razões
ou acordos
70
extremos em que elas
conflitam com outros
direitos e deveres sociais
estabelecidos. É
igualmente bom
contribuir para a
sociedade, para o grupo
ou para a instituição.
fizeram, ou seja,
precisamos manter a
ordem social. O
imperativo da
consciência para
cumprir obrigações
automarcadas.
a visão do sistema
que define as regras e
papéis. A justiça esta
relacionada com a
ordem social, não é
questões de escolha
pessoal.
Nível llI: Pós-Convencional
EEstágio 5.
Contrato
social ou
utilidade e
direitos
individuais.
Alguns valores e normas
são relativos ao seu
grupo. Essas regras
relativas devem, no
entanto, ser mantidas no
interesse da
imparcialidade, e porque
são o acordo social.
Alguns valores e direitos
não relativos, como a
vida e a liberdade,
também devem ser
mantidos em qualquer
sociedade,
independentemente da
opinião da maioria.
Um senso de
obrigação com a lei
para o contrato social.
É preciso fazer e ser
fiel às leis para o bem-
estar de todos e a
proteção dos direitos
de todos. Um
sentimento de
compromisso,
livremente aceito em
relação aos amigos,
familiares e obrigações
de trabalho. Leis e
obrigações são
baseadas em um
cálculo racional da
utilidade total, o
melhor possível para o
maior número
possível de pessoas.
consciência
individual racional
dos valores e direitos
anteriores aos
contratos e
compromissos
sociais. Integra
perspectivas por
mecanismos formais
de acordo, contrato,
imparcialidade
objetiva e devido
processo legal.
Considere opiniões
legais e morais;
reconhece que às
vezes eles entram em
conflito e têm
dificuldade em
integrá-los. A
mudança deve ser
buscada através de
canais legais e de
contratos
democráticos.
71
EEstádio 6.
Princípios
éticos
universais.
Seguira princípios éticos
autoescolhidos. Leis ou
acordos sociais
particulares são
normalmente válidos
porque são baseados em
tais princípios. Quando
as leis violam esses
princípios, a ação é
tomada de acordo com o
princípio, este sendo
universal, como o da
justiça: igualdade dos
direitos humanos e
respeito à dignidade dos
seres humanos como
indivíduos.
Crença na validade
dos princípios morais
universais, e um senso
de compromisso social
com eles. Permanência
fiel a seus princípios,
dentro de uma moral
universalista.
ponto de vista moral,
do qual os acordos
sociais derivam. A
perspectiva é a de
qualquer indivíduo
racional que
reconheça a natureza
da moralidade ou o
fato de que as pessoas
terminam em si
mesmas e devem ser
tratadas como tal.
Fonte: (KOHLBERG, 1992, p. 188-189; BIAGGIO, 2006). (Tradução da autora).
A teoria de julgamento moral de Kohlberg é única pelo fato de
postular uma sequência universal, da qual os estágios mais altos (5 e 6)
constituem o que ele chamou de pensamento pós-convencional. Ao
contrário da maior parte das explicações sociais e psicológicas, que
consideram a internalização de valores da sociedade como o ponto terminal
do desenvolvimento moral como nas perspectivas de Durkheim, Freud e
do behaviorismo. Para Kohlberg a maturidade moral é atingida quando o
indivíduo consegue compreender que a justiça não é a mesma coisa que a
lei e que algumas leis existentes podem ser moralmente erradas e deveriam
até ser modificadas. Na perspectiva kohlberguiana, todo indivíduo é
potencialmente capaz de transcender os valores da cultura em que ele foi
socializado, não devendo incorporá-los passivamente. Este é o ponto
central na teoria de Kohlberg e que representa a possibilidade de um
72
terreno comum com teorias sociológicas cujo objetivo é a transformação
da sociedade. O pensamento pós-convencional, enfatizando a democracia
e os princípios individuais de consciência, parece essencial à formação da
cidadania. Kohlberg argumenta também que a sequência de estágios
aparece em todas as culturas, o que é geralmente confirmado, conforme
dados de Colby e Kohlberg (1984). Snarey (1985) apresentou revisão de
mais de 40 pesquisas realizadas em 27 culturas, que evidenciam que a
noção de sequência de estágios se mantém nas várias culturas, com algumas
peculiaridades, estas que podem ser atribuídas a fatores culturais, mas que
não modificam a ideia de universalidade que Kohlberg propôs (BIAGGIO,
2006).
Para Feltran (1990), considerar que o julgamento moral é
cognitivo, significa dizer que ele está submetido a implicações do
pensamento lógico. Dessa forma, para fazer juízos morais mais elevados, o
sujeito precisaria fazer proposições lógicas, também classificar, considerar
possibilidades e hipóteses, deduzir implicações. Portanto, a pessoa que
apresenta um alto nível de raciocínio moral precisa possuir,
necessariamente, um estágio lógico suficientemente desenvolvido para que
lhe dê suporte cognitivo. Notadamente, é fundamental investir numa
pedagogia que estimule o desenvolvimento cognitivo, pois para alcançar
um patamar mais elevado de juízo moral é necessário também alcançar o
pensamento lógico formal. Porém, o contrário não ocorre, visto que
muitas pessoas desenvolvem altos níveis intelectuais, mas estão nos
patamares menos elevados de raciocínio moral. Diante desses pressupostos
a escola deve oferecer estímulos além dos intelectuais, precisa criar
condições para um ambiente cooperativo, para assim ser capaz de favorecer
o desenvolvimento do raciocínio moral (FELTRAN, 1990).
73
Enfim, podemos dizer que no nível pré-convencional (estágios 1 e
2) não há ainda uma internalização de princípios morais, pois o ato é
julgado pelas consequências e não pelas intenções de quem o pratica. Se as
consequências caminham para receber um castigo, o ato foi mau, se levam
a prazer, o ato foi bom (BIAGGIO, 1997).
O nível convencional é o nível de internalização por excelência. O
indivíduo acredita no valor daquilo que julga como certo e afirma sua
decisão em nome da amizade e da aceitação pelos companheiros (estágio
3) ou do respeito à ordem estabelecida (estágio 4). Observe-se que o
respeito à ordem aqui é diferente do primitivo medo da autoridade e da
punição que caracteriza o pensamento do estágio 1. No estágio 4 podemos
identificar o aparecimento do respeito à sociedade, ao bem-estar do grupo
e às leis estabelecidas socialmente (BIAGGIO, 1997).
No nível pós-convencional, encontramos de forma inaugural o
questionamento das leis estabelecidas e o reconhecimento de que elas
podem ser injustas, sendo assim, devem ser alteradas. Nesse nível vai-se
além da internalização. Na perspectiva de Kohlberg, há limitações óbvias
à perspectiva do estágio 4, valorizando-se a manutenção das leis, enquanto
no nível pós-convencional tem-se a criação de novas leis ou a modificação
de leis (BIAGGIO, 1997).
No nível pós-convencional o valor das ações, dependem menos de
sua conformidade com as leis, e mais da sua conformidade com os
princípios éticos universais. Esses princípios devem ser salvaguardados e
respeitados em contextos concretos. Caso contrário, as leis devem ser
transformadas e, em último caso, se não ocorrer a transformação, devem
ser desobedecidas. A manutenção da sociedade conversa com um sujeito
de moralidade convencional, entretanto sua transformação está para a
moralidade pós-convencional. Compreendendo o dever, o direito de
74
indignar-se e movimentar-se rumo a manifestações diante de possíveis
imperfeições ou rompimentos com os princípios universais
(LOURENÇO, 2006).
Ainda sobre o último estágio de desenvolvimento, este que para
Kohlberg deveria ser o objetivo almejado por todas as pessoas, por ser um
estágio de maior equilíbrio psicológico e ter ainda uma forte
fundamentação filosófica que defende os valores morais universais
(ARAÚJO, 1993).
As pesquisas sobre o desenvolvimento moral, baseadas em
Kohlberg, resultaram na elaboração de alguns instrumentos de avaliação
do juízo moral e da competência moral, que foram traduzidos e também
adaptados à realidade brasileira, dentre eles, recebem maior destaque a
entrevista semiestruturada de Kohlberg (Moral Judgmente Test), o
Defining Issue Test (DIT) e o Moral Judgment Test (MJT) (BATAGLIA;
MORAIS; LEPRE, 2010).
Kohlberg propôs uma técnica de avaliação do nível de
desenvolvimento do raciocínio moral que utiliza a entrevista individual
(MJI). A avaliação do estágio predominante de julgamento moral é feita
por meio de uma análise das respostas a dilemas morais propostos pelo
pesquisador, dentre os quais é protótipo o conhecido dilema do marido
que rouba um remédio de uma farmácia para salvar a vida da sua esposa
(BIAGGIO, 1997). A proposição do estágio predominante de raciocínio
moral é realizada por meio da análise às perguntas que seguem os dilemas
propostos. “[...] O (MJI) permite identificar a problemática, a norma e o
elemento utilizados nas respostas do entrevistado, possibilitando a
construção de um perfil moral. A problemática é o tema moral suscitado
pelo dilema” (BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010, p.27).
75
Isto posto, torna-se importante notar que a teoria de Kohlberg é
estrutural, de modo que os estágios refletem maneiras de raciocinar, e não
somente conteúdos morais. Dessa forma, pode-se classificar uma pessoa
em qualquer um dos estágios, tanto dizendo que se deve roubar o remédio,
como dizendo que não se deve. O importante é a justificativa e não
simplesmente a decisão da pessoa.
Outro método utilizado é o (DIT), o teste é composto por seis
dilemas morais que compõem uma versão longa, ou três dilemas, que
seriam estes da versão curta. Para cada um deles o sujeito submetido deve
avaliar doze alternativas de respostas, havendo nelas uma escala de cinco
graus de importância para a resolução. O sujeito deve avaliar
hierarquicamente quatro alternativas que assegura importantes para a
resolução do dilema (BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010).
Kohlberg formulou outro constructo, Moral Judgment Test (MJT),
para investigar o juízo moral e estágios de desenvolvimento moral. A
proposta de Kohlberg era de avaliar a competência do juízo moral, ou seja,
a capacidade de tomar decisões e emitir juízos morais baseados em
princípios internos. Lind (1999) deu prosseguimento a essa pesquisa
acrescentando a ela as investigações sobre a competência moral do sujeito.
No (MJT), temos a avaliação da capacidade do sujeito em aplicar a
estrutura de juízo em situações adversas, fatores não mensurados nos
instrumentos citados anteriormente. Da mesma forma que o (MJI) e o
(DIT), o (MJT) trabalha com dilemas morais, porém no (MJT) o sujeito
é orientado a argumentar com diversas orientações morais, refletindo sobre
as opiniões a favor e contra a decisão, desta forma o indivíduo prossegue
na reflexão sobre os argumentos. Neste movimento acontece um grande
exercício interno envolvendo a estrutura cognitiva, que é o
76
reconhecimento da qualidade dos argumentos contrários à própria opinião
(BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010). Desta forma,
[...] o MJT se baseia na teoria do duplo aspecto do desenvolvimento
moral, ou seja, há aspectos cognitivos e afetivos envolvidos na
competência moral. A teoria do duplo aspecto do desenvolvimento
moral tem suporte nas ideias de Piaget a respeito do paralelismo
afetivo-cognitivo. É bem conhecido que Piaget considerava afeto e
cognição como aspectos indissociáveis e complementares de uma
mesma conduta (Piaget, 1977) e a comparação que faz entre a
afetividade como aspecto energético, e a inteligência com aspecto
estrutural do comportamento humano (Piaget, 1954). (BATAGLIA;
MORAIS; LEPRE, 2010, p. 30).
Blatt em sua tese de doutorado com a orientação de Kohlberg
criaram a técnica de discussão de dilemas de grupo, visando o
desenvolvimento moral (BLATT; KOHLBERG, 1975). Nesta técnica
defenderam a ideia de que o contato do indivíduo com um estágio
imediatamente superior ao próprio estágio ocasionava a evolução moral,
visto que os sujeitos rejeitavam as mensagens abaixo de seu nível de
pensamento e não compreendiam bem o raciocínio moral de dois estágios
acima. O ganho moral acontece por meio de uma reflexiva organização de
pensamentos e contradições percebidas na estrutura de seu estágio atual.
Dessa forma, as experiências de conflito cognitivo colocam os sujeitos de
frente a situações que suscitem contradições internas nas estruturas do
pensamento moral. Os ganhos em julgamento moral foram expressivos e
ainda relatam que os efeitos são duradouros. A técnica de discussão de
dilemas morais de Blatt e Kohlberg é um método que promove a educação
moral, usando confronto de opiniões entre os membros participantes,
gerando conflitos, que conduzirão a um estágio superior. Tal técnica
77
necessita de um coordenador para debater e direcionar as discussões sem
usar a forma doutrinária (BIAGGIO, 2006).
Kohlberg e seus colaboradores se interessaram por trazer as
discussões de dilemas para o nível prático. Para tanto, (KOHLBERG;
POWER & HIGGINS, 1989) utilizaram-se do método denominado
“Comunidade Justa”, que ocorreu no ano de 1974, numa grande escola
pública chamada Escola Cluster, em Cambridge, que tinha 64 alunos, seis
professores e pessoal administrativo. Essa escola funcionava, de forma
geral, da seguinte maneira: uma vez por semana, alunos e professores
realizavam a reunião da comunidade, na qual discutiam as regras, bem
como a manutenção das mesmas, cada um tinha direito a um voto e
predominava a decisão da maioria; na véspera da reunião, acontecia o
encontro dos grupos com Kohlberg.
Neste momento, Kohlberg e os componentes dos chamados
grupos conselheiros, discutiam os temas mais propícios a uma discussão
moral na reunião. A reunião era o acontecimento mais importante na
escola. Nestas ocasiões eram tratadas questões que necessitavam de
discussão para uma tomada de decisão democrática. As punições eram
decididas e feitas numa comissão de professores e alunos, a punição não
era compreendida como vingança, mas como forma simbólica de reafirmar
a autoridade democrática (BIAGGIO, 2006).
Na Escola Cluster, os professores tinham que resistir à tentação de
impor regras unilaterais, deviam se submeter a disciplinar-se quanto ao
horário de chegada, quanto ao tipo de vocabulário utilizado com todos
igualmente. Essa comunidade pode ser entendida como um ambiente
onde havia o objetivo de construir uma atmosfera justa e comunitária
(BIAGGIO, 2006).
78
A teoria da comunidade justa enfatiza que não pode haver um exercício
eficaz de autoridade sem a presença de uma comunidade viável à qual
todos os membros têm o sentimento de pertencer. (BIAGGIO, 2006,
p. 50).
Conforme Biaggio (2006) mais do que um programa de
desenvolvimento moral, a "comunidade justa" visava também uma
aprendizagem de participação democrática, um aumento do senso de
responsabilidade, motivação para o trabalho escolar, cidadania e
autoestima.
Para Beluci e Shimizu (2006), esse método de discussão de dilemas
a nível prático, como no método “comunidade justa” é muito interessante.
As autoras acreditam que seria a solução para muitos problemas de
inúmeras escolas, principalmente para aquelas que focam a violência e a
indisciplina como problemas únicos, esquecendo-se dos fatores que geram
as mesmas.
Para que ocorra uma educação comprometida com a evolução
moral, Kohlberg (1997) defende um enfoque evolutivo, e sugere os
trabalhos com três ideologias educacionais: a romântica, a de transmissão
cultural e a evolutiva progressiva, as quais os educadores poderiam recorrer
na busca de oferecer aos sujeitos uma educação moral.
1. Desenvolver valores e habilidades em alunos, contribui para um
estilo de vida psicologicamente saudável e satisfatório (romântica); 2.
Ensinar aos alunos comportamentos e atitudes que reflitam os valores
tradicionais de sua sociedade (transmissão cultural); 3. Ensine aos
alunos certas técnicas que lhes permitam viver de forma mais eficaz e
bem-sucedida como membros de sua sociedade (transmissão cultural);
4. Promover o desenvolvimento das habilidades dos alunos em áreas
79
de funcionamento cognitivo, social, moral e emocional (evolutivo)
(KOHLBERG; POWER; HIGGINS, 1997, p. 30). (Tradução da
autora).
Na teoria de Kohlberg (1992), salienta-se durante todo o percurso
a importância de uma educação evolutiva, o desenvolvimento cognitivo
tanto moral quanto intelectual deve ser nessa perspectiva uma meta da
educação, sendo, portanto, uma prática constante.
Em conformidade com Kohlberg (1992), De Vries e Zan (1995
apud VINHA, 2000), apontam que se as crianças desde tenra idade
tiverem oportunidades de lidar com diversidades, forem construindo
atitudes sociomorais no seu espaço de sala de aula, serão capazes de no
futuro expandirem essas condutas para a vida em sociedade, desta forma o
professor estaria auxiliando na formação de futuros cidadãos, adultos que
poderão vir a assumir responsabilidades de democracia, cidadania e que
trabalhem para a igualdade nos relacionamentos entre as pessoas.
Araújo (1993) contribui com seu estudo sobre o ambiente
cooperativo e o desenvolvimento moral na criança, analisou três grupos de
crianças em ambientes escolares distintos. As crianças que compartilhavam
de um ambiente cooperativo, onde as relações e o contexto são de
cooperação, apresentam uma maior habilidade de julgamento moral, em
relação as que convivem em ambientes que privilegiam a coação e o
respeito unilateral. Reforçando que ambientes onde não existe cooperação,
onde as relações estabelecidas são autoritárias, locais onde se privilegiam
relações de coação, fundamentadas no respeito unilateral, não lhes
propiciava oportunidades de tomar decisões por conta própria,
demonstraram maior heteronomia em seus julgamentos. Ao conviverem
num ambiente cooperativo, as crianças foram constantemente estimuladas
a sair do egocentrismo e a levar em conta o ponto de vista de seus pares,
80
tomar decisões coletivas, exprimir suas ideias, trazendo para as discussões
argumentos coerentes (ARAÚJO, 1993).
Em síntese, as trocas de experiências a partir dos grupos na escola
com ambiente cooperativo, poderá favorecer ainda, a construção de
sistemas lógicos, que por sua vez influenciam sobre o julgamento moral,
que contribuiriam, portanto, para que progredissem no desenvolvimento
cognitivo. Tudo isso porque um nível mais elevado de julgamento moral
implica na existência de sistemas lógicos mais estáveis, subjacentes ao
modo como o sujeito resolve ou se coloca frente aos dilemas morais
(ARAÚJO, 1993).
Sobre o ambiente escolar, Lukjanenko (1995), na sua dissertação
de mestrado traz elementos sobre a relação entre o julgamento moral do
professor e o ambiente moral por ele proporcionado, obtendo como
resposta em sua pesquisa, a conclusão que professores com argumentos de
julgamento moral de nível mais elevado parecem proporcionar um
ambiente mais cooperativo e os com argumentos de nível menos elevado
parecem proporcionar um ambiente menos cooperativo. Desta forma,
podemos pensar se os professores tiverem níveis mais elevados de juízo
moral, provavelmente, seus alunos também terão. O ambiente ideal seria
aquele livre de tensões e coações, sendo, portanto, um ambiente
cooperativo. Entretanto, este mesmo ambiente deve ser disciplinado por
normas que assegurem a reciprocidade na coordenação de pontos de vista
conflitantes, criando um ambiente onde exista a oportunidade de cada
membro se expor e assumir papéis, enfim de participação social.
Nessa perspectiva de ambiente cooperativo, Bataglia (2013) nos
apresenta a experiência de Camocim, escola onde acontecem projetos
como o T.E.S.E. (Tecnologia Empresarial Socioeducacional), uma filosofia
de gestão empresarial, porém, atua também como um projeto
81
humanístico, objetiva entre outros o empreendedorismo, a
corresponsabilidade e o protagonismo juvenil. Essa experiência foi
destacada, segundo a autora, por, entre outros motivos, mobilizar a
formação e participação de toda a escola em um trabalho de construção de
valores que não se limita a uma disciplina somente, e também por ser
decorrente da implantação de uma filosofia de gestão, que enfatiza a
convivência. Este projeto passa por constantes avaliações e adaptações.
O ponto central do projeto citado é o protagonismo juvenil,
envolvendo a conscientização do aluno em relação a sua própria vida. O
aluno, ao ingressar na escola e no projeto, elabora um Projeto de Vida.
Sempre que necessário revisita esse projeto e o reavalia. Outra experiência
neste ambiente que merece destaque é a do Diretor de Turma, onde o
escolar tem o papel de acompanhar a turma diante de suas demandas, sem
se tornar um “pai” ou “e”. A escola compreende a todos como parceiros.
Diante do exposto, podemos com certeza situar esta escola como um
ambiente cooperativo, que valoriza o respeito mútuo, a solidariedade, a
construção da autonomia e principalmente o Ser. As condições oferecidas
são essenciais para o desenvolvimento da autonomia moral, na condição
que as relações ocorrem em um ambiente democrático e por agentes que
valorizam a participação ativa dos alunos nas decisões e oportunidades de
reflexões dirigidas (BATAGLIA, 2013).
O desenvolvimento moral corresponde a uma progressiva
integração da moral à personalidade, que segundo Piaget (1932/1994a), a
cooperação promove e reforça a moral autônoma, porque neste tipo de
relação social a criança investe sua personalidade. No despertar do senso
moral, elementos intelectuais e afetivos, num primeiro momento aparecem
isolados e se entrelaçam a partir das possibilidades do desenvolvimento
moral. Articular o plano moral e ético nos leva a expressão personalidade
82
ética, pois a ética engloba a moral, a expansão de si, o sentimento de
obrigação, de dever, de autorrespeito (LA TAILLE, 2006).
Nessa perspectiva, La Taille (2009) nos diz que o educador precisa
acolher e valorizar o convívio escolar, que este seja um lugar de
desabrochar, que este período escolar seja tempo de desabrochar os
princípios morais, que os educadores não permitam que as regras engessem
os princípios morais, as virtudes, a generosidade. Na escola observa-se a
falta de incentivo à generosidade, falta admiração a essa virtude, em lugar
disso se sobrepõe competições intelectuais e esportivas em demasia. Sendo
assim, ressalta-se a importância que deve ser dada a formação acadêmica e
moral do professor, este que precisa se responsabilizar e comprometer-se,
reafirmando a necessidade de os educadores receberem uma formação
consonante ao que se espera deles. Em suma, este autor questiona, como
seria possível, homens heterônomos educar crianças que deverão se tornar
autônomas? (LA TAILLE, 1996).
Vinha (2000), complementa chamando a atenção ao
comprometimento ético do educador, pelo fato de trabalhar com seres
humanos em formação, sua práxis e responsabilidade tomam consideráveis
proporções, ampliam-se de maneira significativa. De acordo, entendemos
que
[...] somente um ambiente no qual o aluno experimente viver situações
que o levem a construir seus valores morais pelo respeito mútuo, a
praticar justiça como um exercício constante e a tomar decisões e
assumir responsabilidades pode promover uma autodisciplina que o
tornará capaz de regular o seu próprio comportamento, não se
limitando a simplesmente obedecer a ordens exteriores à sua
consciência (TOGNETTA; VINHA, 2007, p. 133).
83
Para que o ambiente sociomoral exista e seja de fato propício à
evolução cognitiva moral e intelectual, como tratamos anteriormente, é
preciso cuidar do ambiente escolar, do convívio, fazendo com que o aluno
vivencie situações em que a democracia, o respeito, a cooperação, a justiça
e a igualdade estejam presentes, e ainda que seja continuamente solicitado
que as ações dos sujeitos sejam coerentes com esses princípios, de forma a
suscitá-los diante das situações-problema, para que as mesmas sejam
discutidas e refletidas, trabalhando assim a apropriação racional dos valores
e normas (TOGNETTA; VINHA, 2007).
Os paralelismos entre Piaget, Kohlberg e outros estudiosos da moral
Como vimos até aqui, Piaget e Kohlberg nos apresentam muitos
elementos importantes acerca do desenvolvimento moral, sendo o
desenvolvimento cognitivo para ambos, um aspecto necessário, pois a
moral precisa da razão, mas Kohlberg dizia que não basta a razão, ela
puramente não é elemento suficiente. Os dois autores acreditaram que a
descentração era uma necessidade para a consciência moral, pois colocar-
se no lugar do outro é de suma importância (TOGNETTA, 2003). Vimos
que Piaget fala em estágios, porém eles não são definidos numa tendência
dominante, somente em traços gerais, não houve por parte desse autor um
aprofundamento na elaboração mais específica deles.
Segundo La Taille (2006), “Piaget deixou dois grandes problemas
em aberto. O primeiro diz respeito à definição de o que é moral. Com
efeito, tentou dizer que a moral é um conjunto de regras e princípios. Mas
isso é insuficiente.” (LA TAILLE, 2006, p. 99). O segundo problema
deixado por Piaget foi à questão do conceito da autonomia, pois esse
84
conceito é muito amplo, é uma tarefa árdua para que se possa ter a certeza
de sua conquista aos 8 anos de idade em diante.
Que autonomia moral é essa, que Piaget viu florescer durante a
infância? Das duas uma: ou ela, misteriosamente, se dissolve durante
os anos subsequentes, ou é exercida em pequenos dilemas caseiros de
pouca complexidade, como aqueles empregados por Piaget. (LA
TAILLE, 2006, p. 100).
Um estudioso da moralidade, Turiel (1993), o primeiro
orientando de doutorado de Kohlberg, acabou por discordar de seu
orientador, pois encontrou em suas pesquisas, crianças bem pequenas com
a capacidade de identificar elementos morais, eram crianças precoces se
comparadas aos estágios de moral pós-convencional de Kohlberg. Para
explicar e comprovar suas ideias, Turiel passa a falar em três domínios do
conhecimento social. O pessoal, onde se localizam as condutas
dependentes do livre-arbítrio. O convencional, onde as regras sociais são
arbitrárias, convencionais, com restrição de liberdade. Por último, o
domínio moral, onde estão as regras de condutas baseadas no princípio da
justiça. Para Turiel (1993) as crianças pequenas já fazem distinção entre os
três domínios. Para este autor, o desenvolvimento moral é precoce,
portanto, seria incorreto afirmar que inicialmente as crianças não se
baseiam nas palavras de autoridade (LA TAILLE, 2006).
A teoria de Turiel (1993) traz questionamentos, mas por hora
vamos aceitar o que nela merece ser aceito. Podemos então, juntamente
com La Taille (2006) concordar que “[...] as crianças pequenas têm certa
capacidade para pensar a moral, e isso além das influências dos adultos.
Elas talvez não sejam capazes de traçar fronteiras tão claras entre os
domínios, mas certamente estão atentas as regras que lhe são apresentadas
85
e impostas” (LA TAILLE, 2006, p. 104). Também acreditamos que a
dimensão afetiva deve ter sua contribuição, pois dessa dimensão vemos
surgir às regras sociais, valores como solidariedade entre outros (LA
TAILLE, 2006).
A teoria de Piaget (1932/1994a) e Kohlberg (1992) sofreu e ainda
sofrem críticas duras. No entanto, a teoria de Kohlberg sofreu muitos
ataques dentre algumas vertentes teóricas dentro da psicologia, entre elas a
behaviorista, a culturalista e a maior das críticas aconteceu com Gilligan
(1982), que compreendeu a teoria kohlberguiana como preconceituosa do
ponto de vista do gênero, ao dizer e constatar que as mulheres ficam pouco
abaixo dos homens na evolução dos juízos morais. Kohlberg respondeu
justificando que a diferença encontrada entre homens e mulheres não
estava no gênero, mas na interação que elas estabelecem com a sociedade,
afirmando onde há menos interações também acontece menor
desenvolvimento (TOGNETTA, 2003).
Nas pesquisas de Gilligan (1982), demonstradas no livro “In a
Different Voice”, a autora evidencia suas preocupações sobre os escritos de
desenvolvimento psicológico do ser humano, percebendo que a voz das
mulheres esteve subordinada e ainda não era ouvida e nem respeitada. A
autora citada propõe refletir e analisar uma ética do cuidado e afirma essa
“voz diferente”, que se inicia na concepção de separação, na diferente visão
que homens e mulheres têm sobre essa referida experiência. A necessidade
de separar-se é apresentada para o homem, como condição necessária ao
estabelecimento de sua masculinidade, já a identidade feminina se dá na
conexão com a figura materna. A masculinidade ocorre frente à separação,
à feminilidade através do apego. A masculinidade é ameaçada pela
intimidade, ao contrário da feminilidade que é ameaçada pela separação
(GILLIGAN, 1982 apud LIMA, 2004).
86
Para Gilligan (1982) a voz diferente que as mulheres possuem é a
voz do cuidado, em contraposição à voz da justiça presente nos homens.
Nos seus estudos esta autora afirma que o desenvolvimento moral e a
evolução do conceito de moralidade são os mesmos. As mulheres foram
definidas como fracas moralmente, contudo a sua grande força moral,
encontra-se nos mesmos aspectos que foram usados para criticá-las, ou seja,
sua grande força moral está na ética do cuidado (LIMA, 2004).
Gilligan (1982) não deixa dúvidas na relação das virtudes com a
razão, com o conhecimento, mas o que ainda não tinha sido discutido era
o fato de sensibilizar as pessoas e chamar atenção para a ética do cuidado.
O que podemos afirmar é que na ética do cuidado, está o exercício de
muitas virtudes, como a do amor, a da tolerância, a compaixão, a
fidelidade, a generosidade entre outras. As pesquisas trouxeram
indicadores das ligações afetivas na determinação da moralidade, inclusive
na diferenciação entre juízo moral expresso e ação moral correspondente.
Desta forma, voltamos as nossas reflexões sobre as proposições que nos
levam a agir dessa ou daquela forma (LIMA, 2004).
Nesse sentido, concordamos que para a Psicologia, razão e
afetividade são inseparáveis. Encontramos também a hipótese na qual a
afetividade é responsável pela motivação das condutas e a inteligência pela
sua operacionalização. A dimensão afetiva, bem como sua articulação com
a dimensão racional, representa uma questão central das explicações
psicológicas da moralidade (LA TAILLE, 2002).
Partindo dos pressupostos apontados pela teoria de Gilligan
(1982), compreendemos que a virtude é a capacidade do ser humano para
o domínio moral, em outras palavras, são inerentes ao ser humano e se
relacionam com suas ações no mundo (LA TAILLE, 2006). A virtude é
uma disposição e que exige esforço, quer dizer que a virtude é uma busca,
87
não uma obrigação, é preciso querer ser virtuoso. Uma pessoa virtuosa
nesses termos é aquela que age e quer o bem para si e para os outros
(KAWASHIMA; MARTINS, 2013).
Fazendo um paralelismo entre Piaget, Kohlberg e Gilligan,
verificamos que os dois autores se preocuparam amplamente com a razão
e o conhecimento, do contrário Gilligan traz a ética do cuidado de maneira
acentuada e como vimos, no cerne dessa ética citada estão localizados o
exercício de muitas virtudes (LIMA, 2004).
No entanto, o que dissemos sobre Piaget e Kohlberg não será
compreendido por nós como críticas, e sim como modos de compreensão
do desenvolvimento moral distintos, pois ambos têm suas contribuições a
nos servir de base para pensarmos mais adiante nos conceitos que ainda
iremos tratar, entre outros queremos destacar os valores morais.
O querer fazer moral e o despertar da moral
Por que aprovamos ou desaprovamos algo? Por que queremos agir
moralmente? O que nos move a agir moralmente? Estas questões,
desejamos responder utilizando as contribuições da psicologia cognitiva.
Como já dissemos, em Piaget (1932/1994a) identificamos como
principal o fator cognitivo, no entanto não deixamos de dizer que o autor
referido tratou do tema da afetividade. Na sua palestra em Paris, na
Universidade de Sorbonne, em 1954, ainda jovem, Piaget se esforça para
explicar e confirmar a coexistência de duas qualidades no homem: a
inteligência e a afetividade. Para este jovem pesquisador não existe um ato
destituído de um fim, a inteligência nos dá um meio para realizar uma
dada tarefa, a afetividade nos dá o fim, o objetivo a cumprir. Como nos
88
lembra Tognetta, “[...] é preciso, para agir, que a pessoa esteja motivada
por uma espécie de energia que a move” (TOGNETTA, 2009, p. 32).
Em acordo, Souza (2003), fala da vontade, que é representada pela
responsabilidade de hierarquização dos sentimentos e valores, obtendo um
papel importantíssimo no desenvolvimento da moral. Piaget equipara a
vontade ao plano afetivo, a operação ao plano cognitivo. Dessa forma,
permite a regulação das forças em jogo para tomar decisões, julgar e
estabelecer metas a serem atingidas. Piaget (s/d) retoma o conceito de
vontade, dizendo que está nela a introdução da reversibilidade, à vida
afetiva nos levando a pensar numa ideia de certa lógica dos sentimentos. É
no contexto de correspondências que Piaget inseriu o conceito de vontade.
Para Tognetta (2009) a afetividade é uma energia que nos move
desde os primórdios da vida, nos levando em direção primeiramente a nós,
e depois ao outro, decorrentes de interesses canalizados pelas escolhas. Esse
movimento de investimentos afetivos é regulado pela vontade.
Entendemos que, querer nada mais é do que investir ou valorizar.
Piaget (s/d) concluiu que o desenvolvimento afetivo depende de
um querer, de uma força chamada por ele de vontade. Pensando na escola,
vamos aceitar a necessidade de reconhecer e considerar os sentimentos,
entendendo que não há como controlar comportamentos, é a energia a
força que alimenta a ação. Desta forma, a energia é a via para a construção
do respeito por si e pelo outro. Identificamos aqui, uma valorosa
contribuição da Psicologia Moral, ou seja, somente quando os sujeitos
desejarem ser vistos como generosos, justos, solidários, será possível
estarem sensíveis aos sentimentos alheios (TOGNETTA, 2009).
Diante disso, o que a escola pode fazer? La Taille (2009) propõe
que a escola traga à luz temas morais. Este feito seja por intermédio da
89
filosofia, de outras ciências ou por momentos de reflexão e imperiosamente
que haja uma gestão respeitosa das relações interindividuais. Ao propor
que a moral seja objeto de reflexão e que inspire pessoas, estamos na
contramão da cultura da vaidade, nesta que o outro tende a ser invisível.
Ao propormos que a escola seja de fato uma instituição justa com e para o
outro, estamos nos movimentando contra uma sociedade que coloca seus
interesses particulares em detrimento da cooperação e da solidariedade.
Tognetta (2009) propõe a educação do sentimento na escola,
trabalhando a temática afetividade sob três dimensões caracterizadas pelas
relações interpessoais e intrapessoais: A primeira são relações estabelecidas
com as figuras de autoridade, a segunda dimensão são as relações com seus
pares. A terceira, relações consigo e com autoridades.
Sabemos da importância da relação da criança com o adulto,
sobretudo uma relação que proporcione o alcance da autonomia moral.
Vimos também que existe um misto de sentimentos nesta relação, amor,
medo e confiança. O professor neste caso é alguém a se admirar. Porém,
sabemos que existem relações com a autoridade baseadas em humilhação,
punição, exposição. “[...] É verdade que a presença de uma autoridade
influencia significativamente na hierarquização dos valores que uma
criança construirá” (TOGNETTA, 2009, p. 96). À autoridade cabe, o
reconhecimento das energias que movem as ações. Reconhecer os
sentimentos e descre-los no lugar de acusar. Sem a acusação, não há
necessidade de defesa e assim abrimos espaços às reflexões e permitimos a
manifestação de sentimentos, que poderá adiante se tornar representações
mais evoluídas. As crianças precisam ter sentimentos aceitos e respeitados,
o que devemos limitar são ações para assegurar preceitos centrais na
convivência humana (TOGNETTA, 2009).
90
Na segunda dimensão, na relação com os pares, Tognetta (2009)
confere legitimidade às palavras de Piaget, quando este disse que “[...] a
cooperação é o único remédio para que se possa chegar à autonomia
(TOGNETTA, 2009, p. 105). É preciso respeitar o aluno de tal forma que
ele possa ser verdadeiramente humano, que ele possa manifestar seus
sentimentos presentes na ação. Que nessas relações o sujeito se perceba
como valor.
Para La Taille (2006), a simpatia é muito importante nas relações
com os pares, pois como aponta Piaget, a simpatia
[...] sensibilizada pelos estados afetivos alheios e procurando a eles
corresponder, a criança é levada a esforços de descentração, de procura
por compreensão do ponto de vista alheio, e tal descentração é como
sabe, processo essencial do desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral
(LA TAILLE, 2006, p. 117).
A terceira dimensão trata das relações consigo e com autoridades.
Falamos da importância de que crianças e adolescentes se autoconheçam,
para que possam controlar suas emoções, possam conhecer seus
sentimentos e os dos outros, e ainda regular suas relações no cotidiano
escolar e em outros locais fora da escola. Foram pensados jogos, atividades,
brincadeiras prazerosas para que dessa forma, seja de fato um prazer falar
de si. Nos jogos e atividades propostas encontramos possibilidades de que
meninos e meninas se conheçam e possam respeitar-se para assim respeitar
o outro. Desenhar, falar, escrever e dramatizar são formas de representação.
São situações que possibilitam que aqueles estados afetivos que nos movem
a agir, sejam pensados, repensados. São na verdade representações, porque
passam por uma ação mental. “Falar de si, de suas próprias experiências
morais pode levar o sujeito a repensar sua própria moral, tornando-se
91
autoridade sobre elas, ele pode ter o domínio sobre suas ações e dos
próprios sentimentos causadores ou consequentes nessa situação
reconstituída” (TOGNETTA, 2009, p. 153).
Tognetta (2009) apresenta na prática atividades e jogos para falar
de si. Reconhecemos aqui grande esforço dessa autora para pensar as ações
morais, buscar a expansão de si mesmo, em outras palavras, está trazendo
a oportunidade para que esses jovens busquem um sentido para suas vidas.
Tognetta (2009) utiliza as palavras de Freire (1996) para finalizar, dizendo
que o respeito à autonomia e a dignidade de cada um é um imperativo
ético e não um mero favor que podemos ou não conceder aos outros.
Não há soluções generalizáveis, mas isto não significa que se deve
pegar o caminho da indiferença. Significa que do ponto de vista
educacional, os professores devem levar os alunos a refletir sobre os valores
com os quais podem sentir-se comprometidos e responsáveis. Cada sujeito
é responsável pela construção de sua própria vida. A formação moral é algo
complexo. Uma das características dessa complexidade são a compreensão
e concepção de valor como processo. O valor não é estático, que sempre
possa ser conhecido, reconhecido e depois conservado. Ao contrário,
depende das experiências e da maturação dos sujeitos. Contudo, o que a
educação pode e deve fazer é estimular o aluno a assumir o próprio
processo de valoração. Entendemos a formação moral como processo,
abrigando diversos aspectos dentre eles as convenções sociais, bem como,
a formação da consciência moral autônoma. Sendo assim, “a educação
moral, entendida como um conjunto de todos estes movimentos é um
processo de construção sociocultural da personalidade ou do sujeito moral”
(GOERGEN, 2005, p. 1005).
Embora a educação e ética estejam relacionadas desde muito tempo
em nossa civilização, existe ainda uma discrepância muito nítida. Ao passo
92
que todos reconhecem a importância da relação entre ética/moral e
educação, o tratamento dispensado à ética denota menosprezo e pouco
apreço (GOERGEN, 2005).
Depois de percorrermos este caminho de revisão literária de Piaget
(1932/1994a) e Kohlberg (1992), Turiel (1993), tratamos também das
contribuições da psicologia cognitiva de Gilligan (1982). Gilligan
concentra atenções e grande valor à ética do cuidado. Também tratamos
da questão do afeto, este que é muito importante para entendermos sobre
o querer fazer moral. Acreditamos enfim, que construímos uma base
teórica sólida, que nos dará suporte para entendermos a questão dos valores
morais.
Desta forma, vamos agora direcionar o trabalho no capítulo
seguinte para o território dos valores morais, sabendo da grande
dificuldade que as instituições educativas e a sociedade em geral vêm
enfrentando, como os mais diversos tipos de violência, desrespeito,
incivilidades, indisciplina, bulllyng, corrupção e outros problemas de
convivência.
93
VALORES MORAIS
_______ ____________ ____________ _____________________ _____________________ ____________ _______________ ____________ ___________ _______________ ____________ ______-
A ética filosófica clássica ou a filosofia moral não conheciam a
expressão valor. Nestas áreas se falava de bem (agathon), de virtude (arete,
virtus), também de dever (kathêkon, officium). São conhecidos os termos
como virtude moral e dever moral. Sendo assim, o valor estaria a integrar
a ética, que então significa modelo de orientação ou aquelas representações
orientadoras de nossas ações, no caso da ética descritiva tica de um
grupo) e no caso da ética normativa (a ética do que deve ser; do dever)
(HOFFE, 2004).
Sendo para a filosofia um modelo de orientação, os valores podem
ser abordados pela instituição educativa de forma direta, em disciplinas.
Entretanto, os valores não podem ser um know that (sabe que), mas
precisam ser um know-how (saber como), como Hoffe (2004) enfatiza,
indicando que esse saber não pode apenas ser instrutivo, apenas verbal, mas
essencialmente e realmente vividos e exercitados. “Justos ou tolerantes não
nos tornamos por meio da leitura de tratados sobre justiça ou tolerância,
mas pela ação justa e tolerante” (HOFFE, 2004, p. 477). Todavia, as aulas
não podem resultar em doutrinação.
A educação moral envolve a formação da personalidade consciente,
livre e responsável, capaz de tomar posições de forma equilibrada nos
planos pessoais e coletivos, com o objetivo de assegurar a criação de formas
de vida viáveis, desejáveis, justas e livres. Não se trata somente de decidir
como se quer viver no seio da comunidade, mas de decidir uma boa
maneira de viver a própria vida dentro dessa coletividade. Está para a
94
educação moral a tarefa de construir recursos para que o ser humano em
sua complexidade consiga viver e conviver com o outro e ainda administrar
os conflitos provenientes de suas relações (PUIG, 1998).
Educação moral como socialização e a
educação moral como clarificação de valores
Os autores vinculados às posições sociológicas costumam entender
a educação moral como um processo mediante o qual o sujeito recebe da
sociedade um dado sistema de valores. Puig (1998) cita Durkheim (1947)
em sua obra La Educación Moral, dizendo do esforço desse autor em traçar
linhas para uma educação moral leiga, apoiando-se em critérios
racionalmente justificáveis. Durkheim acreditava que a regra moral
precisava conter em si uma força a qual todos os indivíduos entendam e
acatem como superior a eles, esta entidade superior aos indivíduos seria
então a sociedade e mais ainda, a adesão aos grupos sociais. Desta forma,
“conduzir-se moralmente é agir conforme certas normas estabelecidas pela
sociedade. Por isso, a moral é um conjunto de regras definidas previamente
que determinam de maneira imperativa a conduta dos homens” (PUIG,
1998, p. 32). Neste sentido, a vida moral é uma vida regularizada por
normas sociais impostas aos sujeitos.
Puig (1998) critica esta educação moral de Durkheim (1947), pois
percebe que está baseada em mecanismos de adaptações heteronômicas às
normas sociais. Nessa base de compreensão, a responsabilidade do sujeito
fica limitada. Entretanto, faz justiça ao autor dizendo que em “parte” sua
teoria estava correta, porque a socialização é elemento a ser considerado,
mas deixou a desejar no respeito pela autonomia real da consciência pessoal
(PUIG, 1998).
95
A educação moral entendida como clarificação de valores tem suas
conexões baseadas na concepção relativista dos valores. Neste caso, valorar
quer dizer tomar uma decisão utilizando-se de critérios subjetivos, que
podem ser determinados por demasiadas circunstâncias. Sendo pessoais,
contextuais, emocionais, não havendo valores melhores uns do que os
outros, de modo que, surgem conflitos de valores de forma recorrente. Esta
forma de postura insiste na responsabilidade dos sujeitos na construção de
sua própria vida, trazendo uma visão muito individualista do lugar que
cada pessoa ocupa na sociedade (PUIG, 1998).
É comum observarmos modelos educativos baseados em valores
absolutos, e quando estes entram em crise, é usual que se adotem posturas
que, de certa maneira recorrem à ideia de educação moral baseada em uma
concepção relativista de valores. Estes modelos geram conflitos porque não
se conseguem soluções universais pelo motivo de haver controvérsias
dentro delas. Do ponto de vista pedagógico, a clarificação de valores,
pautadas numa ação consciente e sistemática dos educadores, estimula
processos de valorização que poderá levar os alunos a compreensão de quais
são realmente seus valores, assumindo responsabilidade sobre eles. Para
que isso ocorra de fato, o educador deve promover situações que favoreçam
o autoconhecimento consciente quanto aos valores preferidos, evitando a
doutrinação (PUIG, 1998).
Para este mesmo autor, a teoria sobre a clarificação de valores
trouxe aspectos inovadores e até interessantes, porém deixou de lado
elementos que não podem ser esquecidos, como a questão da
interdependência, acabando por revelar certo individualismo, pois não leva
em consideração a perspectiva do outro, facilitando e alimentando posturas
interesseiras e não solidárias, valorar neste caso se converte em decisões
pouco reflexivas. “Podemos dizer que se levássemos os princípios dessa
96
corrente ao extremo, nos encontraríamos diante de uma proposta de
educação moral que poderia com facilidade justificar posturas
excessivamente interesseiras e não-solidárias” (PUIG, 1998, p. 44).
Educação moral como desenvolvimento
Diferentemente da educação moral como socialização ou como
clarificação de valores, temos uma proposta de educação moral cognitiva e
evolutiva baseada no desenvolvimento do juízo moral.
Nesta perspectiva teórica se entende que o domínio progressivo das
formas de pensamento é um valor desejável e que nos leva cada vez mais
para juízos otimizados e valiosos. No campo da educação moral como
desenvolvimento, temos como principal contribuição à teoria piagetiana
que tem como objetivo principal construir personalidades morais
autônomas. Portanto mais uma vez reforçamos que a intervenção
educativa dever estar pautada na passagem da heteronomia para a
autonomia. Para tanto, necessita o abandono da moral autoritária para o
favorecimento e valorização do respeito mútuo e da autonomia (PUIG,
1998).
Para falar de valores, retomamos o referencial de Piaget, sobre o já
mencionado curso ministrado em Paris, na Universidade de Sorbonne, em
1954 de nome “Les relations entre le developpement mental de l’enfant
(PIAGET, 2014). Neste curso, Piaget refere a valores como uma troca
afetiva, tendo como base, as projeções afetivas que o sujeito realiza com o
exterior, objetos ou pessoas, portanto na sua perspectiva, interacionista e
construtivista trata os valores como sendo construídos nas interações
cotidianas.
97
Assumindo esta ideia, ao mesmo tempo Piaget discorda tanto das
teses aprioristas que consideram que os valores são inatos, quanto recusa as
teses empiristas de que os valores são resultados das pressões do meio social
(ARAÚJO, 2007). “Nessa concepção de um construtivismo radical, os
valores nem estão predeterminados nem são simples interações, mas
resultantes das ações do sujeito sobre o mundo objetivo e subjetivo em que
ele vive” (ARAÚJO, 2007, p. 20).
Essa ideia de sujeito ativo nos permite entender o princípio de que
os valores são resultantes de projeções afetivas nas interações do sujeito
com o mundo. A ação do sujeito nos confere suporte para compreender o
porquê de duas ou mais pessoas num mesmo ambiente, construírem
valores diferentes.
Em acordo com essa ideia piagetiana e outros estudos e pesquisas,
Araújo (2007) acredita que os valores são construídos com base na projeção
de sentimentos positivos que um sujeito tem sobre objetos, pessoas,
relações e de si mesmo. Ao passo que se pode caminhar na direção
contrária, pois, as pessoas também projetam sentimentos negativos sob os
mesmos alvos, objetos, pessoas, relações e sobre si mesmas. Nesse caso o
que se constrói sob uma forte carga afetiva são os contravalores. Estes que
se referem ao que não gostamos, do que temos raiva, do que odiamos
(ARAÚJO, 2007).
Fazendo analogia com a escola. Se a criança gosta do ambiente, se
é bem tratada, respeitada, se vê sentido no que aprende ali, a instituição
escolar pode se tornar alvo de projeções afetivas positivas e um valor para
ela. Essa criança terá o desejo de voltar à escola todos os dias. Entretanto,
se ela é constantemente humilhada, desrespeitada, questionada em suas
capacidades e competências intelectuais e sociais, é bem provável que esse
espaço seja alvo de projeções afetivas negativas, que não seja valorizado,
98
que não se constitua como um valor para ela, mas num contravalor. Nesse
caso, pode ser um espaço odiado, desqualificado, pode ser depredado,
vandalizado, ignorado (ARAÚJO, 2007).
Educação em valores é uma proposta educativa em que as
dimensões cognitivas afetivas, biológicas e socioculturais são consideradas
juntamente. No processo de desenvolvimento psicológico, durante nossa
vida, os valores se organizam em sistemas onde alguns são mais centrais
outros mais periféricos. “Na realidade cotidiana de cada ser humano estas
dimensões estão de tal forma indissociadas que não é possível diferenc-
las” (ARAÚJO, 2007, p. 124). Cada sujeito constrói um sistema de
valores. Se os valores construídos como centrais na identidade de tal pessoa
forem de natureza ética, possivelmente existe uma maior probabilidade de
que haja comportamentos éticos, lembrando que o contrário também
ocorre (ARAÚJO, 2014).
Ainda na perspectiva educacional, segundo Garcia e Puig (2010) o
principal objetivo da educação em valores é ajudar os alunos a viver. “Por
conseguinte, “Como viver?” Esta questão se converte numa pergunta
eterna; numa interrogação que nossos alunos devem aprender a formular
e responder procurando novas e melhores soluções” (PUIG, 2007, p. 67).
Isto posto, esse mesmo autor, nos fala que não podemos nos limitar a
nenhuma dimensão particularmente. Pois, aprender a viver exige uma
educação completa, incluindo todas as facetas humanas. Dessa forma,
apresentaremos as quatro éticas para aprender a viver:
99
FIGURA 6 - QUATRO ÉTICAS PARA APRENDER A VIVER
Fonte: (PUIG, 2007, p. 68)
Expostas as quatro éticas, iremos em seguida explicar a
aprendizagem ética que cada uma delas pressue: aprender a ser, aprender
a conviver, aprender a participar e aprender a habitar o mundo. Aprender
a ser compreende o trabalho formativo sobre si, libertando-se das
limitações utilizando-se da própria maneira de ser para enfrentar a vida.
Aprender a ser é construir uma ética de si mesmo: a autoética (PUIG,
2007, p. 69).
Essa ética pessoal precisa incluir alguns aspectos como a formação
do pensamento aunomo e crítico que permite ao sujeito construir
critérios, para que no momento necessário tome decisões com
responsabilidade e autonomia. Em segundo, desenvolver sensibilidade
moral, para quando estiver diante de situações consideradas inaceitáveis,
posicionar-se, indignar-se e ainda motivar-se para provocar mudanças. Em
100
terceiro, construir em si capacidades de regulação de suas próprias
condutas, ou seja, à vontade e a autorregulação. Em quarto seria a atitude
e a capacidade de auto-observação, dessa forma potencializando o trabalho
sobre si mesmo. E em quinto desenvolver a vida espiritual, de modo a
incrementar a consciência de si mesmo e a harmonia com o mundo
(PUIG, 2007).
Aprender a conviver tem como base a superação do
individualismo, está para estabelecer vínculos, compreender os demais.
“Aprender a conviver é edificar a ética da alteridade, uma ética relacional
preocupada em criar vínculos entre as pessoas: uma alter-ética” (PUIG,
2007, p. 70). Aprender a conviver também está incluso o
comprometimento em colaborar para projetos comuns, não apenas
compreender o outro cognitivamente, mas também se aproximar dele pelo
caminho da ação conjunta, no compromisso do trabalho compartilhado.
Nos nossos dias, trabalhar em conjunto, colaborar em projetos, tornou-se
um valor ético, educativo e econômico de grande magnitude (PUIG,
2007).
Aprender a participar indica que o jovem faz parte de uma
coletividade. Dentro desse meio esse sujeito tem direitos e deveres,
podendo manifestar virtudes cívicas, visando uma democrática vivência.
“Aprender a participar é trabalhar por uma ética cívica que nos torne
cidadãos: uma socioética a arte sem receitas que vale a pena praticar,
conscientes de que os outros podem estar com a razão” (PUIG, 2007, p.
72).
Aprender a habitar o mundo visa construir em cada jovem de
maneira reflexiva, uma ética universal de responsabilidade pelo presente e
pelo futuro (PUIG, 2007). “Aprender a habitar o mundo é adotar uma
ética global e ecológica: uma ecoética. A ética da responsabilidade
101
pressupõe implantar a preocupação com as condições futuras da vida
humana” (PUIG, 2007, p. 75).
Nestas perspectivas mencionadas, a educação moral e a formação
de hábitos virtuosos, estes que são epígrafes desde o tempo de Aristóteles,
continuam entre nós, porém, tomando formas diferentes. Entretanto,
ainda nos direcionam a manter o diálogo com as posições cognitivo-
evolucionista do desenvolvimento moral.
A melhor forma de descrever uma pessoa é pelas suas condutas. O
sujeito não pode ser considerado moral apenas por conhecer o bem. Para
ser moral, é necessário que haja uma linha de conduta virtuosa, seguida de
preceitos e atitudes habitualmente virtuosos. Como vimos, a moral
pressupõe ação, esforço complexo de elaboração das formas de vida.
Entendemos a educação moral como construção dialógica com a
personalidade moral.
Discordando da moral como algo dado de antemão, passamos
juntamente com Puig (1998) a alternativa de compreendê-la como tarefa
de construção ou reconstrução pessoal e coletiva de formas morais
virtuosas. Enfim, a moral é uma construção que depende de cada sujeito.
Falando em construção Puig (2007) apresenta vias educativas que
nos permitem deixar manifestos os valores. Veremos as ações em três
níveis: via interpessoal, via curricular e via institucional.
A primeira trata da formação dos valores focalizando a atenção aos
vínculos interpessoais estabelecidos entre os educadores e os educandos. As
relações interpessoais aparecem e fazem parte de qualquer momento
educativo. Essas relações têm efeitos insubstituíveis na formação moral. A
relação educativa pressupõe uma responsabilidade ética vindo do adulto
para com o jovem, quando esse jovem se vê apreciado pelo adulto,
102
valorizado, acaba por ter apreço por ele. Estamos diante de uma dupla
obrigação moral onde o afeto é recíproco (PUIG, 2007).
O segundo, que é a via curricular, refere-se ao modelo de formação
em valores, numa localização temporal variável. As tarefas curriculares
destinadas aos valores morais, precisa tratar de tudo que preocupa o grupo.
Dessa forma, estamos elucidando capacidades morais, como o
autoconhecimento, a empatia, o diálogo, a autorregulação. Tudo isso fora
da dimensão doutrinária de transmissão de conhecimento. Esses conteúdos
serão trazidos pra reflexões, seções de deliberação, cooperando, debatendo,
ajudando-se mutuamente (PUIG, 2007).
No terceiro nível, a via institucional, temos um modelo de
formação em valores no qual o foco está voltado para o formato das
instituições escolares, para o clima nela estabelecido. Sabemos que a
instituição exerce certa pressão formativa nos sujeitos, considerando de
forma demasiada conteúdos acadêmicos e acabando por trabalhar a moral
com fundamentações no acaso, e ao contrário disso, precisa ser consciente
e minuciosa. Pensar em propostas que atendem as necessidades formativas
dos alunos aponta para a reconstrução do mundo, da vida, da escola. A
colaboração para um espaço educativo por si mesmo, passando por
planejar, construir e praticar meios. Todos os esforços para dar novos
contornos às instituições escolares nos parecem essenciais para se atingir
uma formação moral (PUIG, 2007).
As práticas propostas por Puig (2007) ao encontro dos objetivos e
indicativos de capacidades que os alunos devem ser contemplados dentro
da escola. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, está selecionado um
conjunto de valores morais para que sejam implementados na prática de
construção de valores no ambiente educativo. Visto que “[...] sem moral,
uma sociedade democrática, pluralista, por definição é totalmente
103
impossível de ser construída e o conceito de cidadania perde seu sentido”
(BRASIL, 1997, p. 102). E ainda com caráter legalista, reforçamos, pois
“[...] os conteúdos apresentados aqui estão referenciados no princípio da
dignidade do ser humano, um dos fundamentos da Constituição
Brasileira” (BRASIL, 1997, p. 101).
Os PCNs, especialmente nos temas transversais abordam a ética,
com a pergunta ética por excelência, “como agir perante os outros?” A
reflexão sobre as variadas condutas humanas deve fazer parte dos objetivos
maiores da escola comprometida com a formação para a cidadania e o
desenvolvimento da autonomia moral (BRASIL, 1997).
Diante dos referenciais teóricos apresentados até o momento e
ainda suas discussões, compreendemos como fator essencial para que as
sociedades sejam construídas, de forma a vivermos de maneira solidária,
justa, pacífica e respeitosa, precisamos considerar aspectos cognitivos,
morais, afetivos, ambos necessários para a construção dos valores.
Portanto, iniciaremos o tópico seguinte com os temas, justiça,
solidariedade, respeito e convivência democrática, que são valores morais
que iremos buscar compreender e medir sua adesão junto aos jovens
participantes desta pesquisa.
Os valores morais: o plano moral e o plano ético
Antes de adentrarmos nos conceitos e nos estudos das virtudes,
reconhecemos a pertinência de falarmos sobre o plano moral e o plano
ético. Conforme La Taille (2010b), para haver uma compreensão
psicológica dos comportamentos morais de uma pessoa, há que se conhecer
a perspectiva ética que esses indivíduos adotam. Desta forma, ao falarmos
de perspectiva ética, precisamos diferenciar os conceitos de moral e ética.
104
Mesmo que algumas vezes encontramos os dois conceitos empregados
como sinônimos, acreditamos ser importante fazer a diferenciação.
Para este mesmo autor, a preocupação com o outro é uma dentre
tantas outras variedades das tendências humanas, para a Psicologia do
desenvolvimento humano e em especial a formação da personalidade
moral (LA TAILLE, 2006).
As palavras moral e ética nos remetem a costumes, a condutas
sociais, condutas essas referenciadas em valores, em apreciações do que
seria desejável, bom, obrigatório. Ressaltamos o fato da palavra ética, estar
sendo mais utilizada ultimamente devido ao fato, “[...] que sua irmã, “a
moral”, tem sido frequentada por sistemas autoritários, coercitivos, e por
pessoas cuja grande finalidade de vida é controlar a dos outros” (LA
TAILLE, 2010a, p. 68). Este autor ainda diz do perigo de nos enganarmos
no refúgio da palavra ética, pois isso nada garante contra abusos de poder
ou concepções extremamente controladoras pois, no seu afã normatizador,
confunde humor com humilhação, respeito com contenção verbal e
princípios com regras (LA TAILLE, 2010a).
Apesar de moral e ética, serem na base, sinônimas, juntamente com
La Taille (2010a) atribuímos significados diferentes e complementares a
elas. Para este mesmo autor, podemos chamar de moral, diversas regras e
valores dos homens. Ética, o estudo dessas regras e valores (seja filosófico,
seja psicológico, sociológico e outros). A ética é para a moral, como a
epistemologia é para a ciência. La Taille propõe a seguinte diferenciação:
“Moral refere-se às leis que normatizam as condutas humanas, e a ética
corresponde aos ideais que dão sentido à vida” (LA TAILLE, 2010a, p.
68).
105
A ética sendo um conjunto de ideias e ações bem sucedidas que
aspiram uma vida boa, uma busca de felicidade, tendo como orientação a
pergunta, que vida quero viver? Enfim, no plano ético está à busca de
sentido para a vida. La Taille toma emprestada, as palavras de Paul
Ricoeur, para dizer que “[...] perspectiva ética é a perspectiva de uma vida
boa, para e com o outrem, em instituições justas.” (LA TAILLE, 2013, p.
35). Para o referido autor, estamos diante de um programa completo: a
perspectiva de uma vida boa, em que o outro comparece de duas formas
com o outro seria a ideia de grupo, da cooperação mas também para o
outro que é a ideia da benevolência, da generosidade (LA TAILLE,
2013).
No plano moral temos um sujeito que conhece os fins de seus atos,
conhece os fins morais e pensam como eles afetam as pessoas. La Taille
(2010a) utiliza as palavras de Comte-Sponville (1995), para dizer que a
moral visa responder à pergunta “[...] como devo agir?” (LA TAILLE,
2010a, p. 69).
Do ponto de vista psicológico, precisamos acreditar na existência
psicológica do plano moral, pois se não o fizermos, voltaríamos ao
princípio de que o homem age conforme o dever, ao passo que
esperaríamos numa moral autônoma, que ele agisse por dever. Se assim
não for, a moral não passa de um discurso. Moral e hipocrisia seriam
sinônimos (LA TAILLE, 2006).
Quando se age de modo livre, segundo os costumes e valores da
cultura, estes estão interiorizados de tal forma que parecem pertencer a
nossa própria vontade, temos o dever moral (TUGENDHAT, 2012). O
conjunto de valores, normas, fins e leis estabelecidas pela cultura que
pressupõem o acordo pleno entre a vontade subjetiva e a objetiva, diante
106
daquilo que é orientado para aquilo que deve ser (D´AUREA-TARDELI,
2008).
Tugendhat (2012) problematiza o conceito formal de moralidade
apontando três perspectivas orientadoras. A primeira diz respeito às
normas legais, seu descumprimento acarreta uma sanção, um castigo
externo, vindo da jurisdição. Em segundo lugar está o fato de a moralidade
estar vinculada a concepções sociológicas com pouca distinção, como o
caso das convenções e normas morais, portanto variáveis, dependentes da
cultura em questão. E em terceiro a norma moral, que está no fato de uma
conduta ser rejeitada em simples análise, ou seja, não se deve agir assim.
“Essa rejeição já é a fundamentação, e não tem a pretensão de, por sua vez,
ainda ser fundamentada.” (TUGHENDHAT, 2012, p. 47). Essa rejeição
está na instância e no julgamento de acharmos mau, um certo modo de
agir.
Para Tognetta (2009) a moral é inspirada por um dever agir bem
e pela consciência desse dever agir bem que guiamos nossas ações. E ainda
ressalta que nesse agir bem há algo que o move, ou seja, faz-se necessário
que o sujeito queira agir bem, “[...] se agimos bem é porque somos movidos
por uma força interior que busca satisfação de um querer.” (TOGNETTA,
2009, p. 22).
Sobre essa força interior que move o sujeito a uma determinada
ação, nos faz pensar sobre os elementos que podem estar contidos no tema
da afetividade. Sobre essa temática, La Taille, (2010b), afirma que Piaget
e Kohlberg nos ficaram devendo. Porém, logo explica que essa constatação
não equivale a uma crítica, pois “[...] o objetivo das investigações desses
dois autores foi o de observar e analisar a dimensão racional da moralidade,
não sua dimensão afetiva.” (LA TAILLE, 2010b, p. 108).
107
Sobre isso Tognetta (2009), afirma que por mais que Piaget não
tenha uma teoria sobre afetividade, não significa que o autor não a tenha
estudado. Esta mesma autora completa, dizendo que “[...] apesar de não
termos no Brasil muito acesso aos textos de Piaget escritos sobre
afetividade, eles existem.” (TOGNETTA, 2009, p. 32).
Todavia, sabe-se que as virtudes não podem ser ensinadas, mas
pode-se oferecer ao sujeito possibilidades de participação ativa em práticas
de valor, próprias de uma comunidade. Garcia e Puig (2010) chamam
nossa atenção ao dizer sobre as virtudes morais e diferenciam a capacidade
de um agir moral, do querer e estar disposto a esse agir. “As capacidades e
disposições só se transformam em valores vitais quando alguém, ao
apren-las, passa a apreciá-las e compromete-se a utilizá-las corretamente”
(GARCIA; PUIG, 2010, p. 21).
Dessa forma, o filósofo francês Comte-Sponville (2009)
compreende nas palavras de Aristóteles que a virtude nada mais é que o
próprio bem, e sendo bem, não para se contemplar a sua beleza, mas para
conhecê-lo e ainda aplicá-lo.
Conforme Tognetta (2003), a relevância de se estudar as virtudes,
atende uma condição atual, vivemos uma necessidade e objetivo único,
claro, preciso, que é a formação de cidadãos conscientes, pessoas respeitosas
e solidárias. Entretanto, não é simples, sabemos. Falar em virtudes implica
construção e consideração de aspectos do psiquismo humano. Dessa
forma, há que se considerar afetos, sentimentos, pois estes influenciam no
desenvolvimento moral das pessoas. “[...] Talvez essa seja uma das razões
pelas quais a educação não entendeu, ainda, o que fazer para “disciplinar”
seus alunos: falta considerar o que sentem.” (TOGNETTA, 2003, p. 23).
108
Comte-Sponville (2009) fala das virtudes, pois há várias, e não se
pode reduzi-las a uma só, nem nos contentar com apenas uma, da mesma
forma os nossos valores morais, há que se vivê-los e não somente conhecê-
los. Nesse sentido, Kawashima e Martins (2013), quando se referem a
Aristóteles na obra Ética a Nicômaco, compreendem que a prática das
virtudes é a forma mais plena da excelência moral, sendo o modo de agir
perante os outros, perante si, perante a humanidade de forma virtuosa.
Das várias virtudes que se contempla no âmbito da psicologia
moral, existe uma que está dada como mais importante para Piaget
(1932/1994a) e em Kohlberg (1992), a justiça.
Justiça
Para Piaget (1932/1994a), a justiça é a mais racional de todas as
virtudes. Para Comte-Sponville (2009), a justiça é a mais admirável e
perfeita das virtudes, virtude geral, completa. “A justiça, lemos em Spinosa,
é uma disposição constante da alma, a atribuir a cada qual o que lhe cabe,
em outras palavras, é chamado justo quem tem vontade constante de
atribuir a cada um o que lhe cabe;” (COMTE-SPONVILLE, 2009, p. 83).
Como um valor moral, a justiça também passa por uma construção
até que possa num dado momento se constituir no sujeito em formas mais
completas e ser utilizada em todos os seus atributos (MENIN;
BATAGLIA; MORO, 2013).
O tema justiça une os princípios éticos e políticos na procura da
equidade e articula-se com outros valores morais, como a dignidade, o
respeito, o diálogo. Fazer justiça deve derivar de cálculo de
proporcionalidade, como por exemplo, uma pena proporcional ao crime
cometido. Nesse sentido, o critério para tal é o da equidade que restabelece
109
a igualdade respeitando as diferenças: o símbolo da justiça é, precisamente,
uma balança. “Uma sociedade democrática tem como principal objetivo
ser justa, inspirada nos ideais de igualdade e equidade.” (BRASIL, 1997).
Num primeiro princípio a justiça se inspira na igualdade, todos os
seres humanos são iguais, dessa forma, é injusto privilegiar um aluno
porque é filho de uma pessoa socialmente prestigiada. Outro princípio é o
de equidade, que faz tornar iguais os diferentes. Para exemplificar, é injusto
cobrar impostos do mesmo montante a ricos e pobres, devendo o justo
optar por uma forma de proporcionalidade para buscar o equilíbrio das
diferentes posições socioeconômicas. A justiça é compreendida, como
virtude moral necessária para toda ética. Enfim, sem justiça não há
sociedade possível, não há ética legítima (LA TAILLE, 2006).
Desde cedo as crianças são sensíveis às manifestações de justiça e
injustiça, mesmo que não saibam se expressar abertamente existe sua
aceitação ou repúdio. Se elas forem submetidas a situações de
autoritarismo, tenderão a heteronomia. E ao contrário, “[...] vivendo
situações nas quais os critérios de justiça sejam aplicados, tomam
consciência deles, assimilam-nos e os tornam seus. (BRASIL, 1997, p.
126).
A generosidade é a virtude do dom, diferentemente da justiça que
dá ao sujeito o que lhe é de direito, a justiça guarda em si algo mais
específico, objetivo, universal, mais intelectual ou mais refletido, a justiça
parece estar temperada com a razão (COMTE-SPONVILLE, 2009). Este
mesmo autor compreende Chamfort, (na obra, Máximas e Pensamentos)
quando este diz que é preciso ser justo antes de ser generoso. Justiça e
generosidade se dizem respeito, porém a generosidade é mais afetiva, mais
espontânea, mais subjetiva. Solidariedade é de fato um estado antes de ser
110
um dever, um estado da alma, antes de ser um valor ou mesmo uma virtude
(COMTE-SPONVILLE, 2009).
Solidariedade
“A solidariedade é, antes de mais nada, o fato de uma coesão, de
uma interdependência, de uma comunidade de interesses ou de destino.
Ser solidário, nesse sentido é pertencer a um mesmo conjunto e partilhar”
(COMTE-SPONVILLE, 2009, p. 98).
A generosidade e a solidariedade são, por vezes, compreendidas
como sinônimas. Sendo assim, decidimos por bem clarificar os conceitos
e diferenciá-los.
FIGURA 7 - SOLIDARIEDADE DO PONTO DE VISTA DA FILOSOFIA E DA
PSICOLOGIA
Fonte: A autora baseada em (TOGNETTA, 2003; TOGNETTA, 2007; COMTE-SPONVILE,
2009).
A generosidade para La Taille (2006), não está relacionada a um
direito, quando agimos generosamente damos ao outro o que corresponde
FILOSOFIA
SOLIDARIEDADE: é um estado antes de
ser um dever, adiante é vista como
coesão, interdependência, comunidade de
interesses, demasiadamente interessada
para ser virtude (generosidade mal
entendida). É mais ausência de defeito do
que qualidade.
PSICOLOGIA
SOLIDARIEDADE: as vezes disfarçada
em assistencialismos, mas exprime o
cuidado com o outro, caracterizando
assim uma virtude. Enquanto preceito, é
também compreendida como valor moral.
Querer ser bom aos nossos próprios
olhos, o apenas aos olhos do outro.
Construída a partir de estruturas
cognitivas, morais e afetivas. o afeto seria
o motor da ação solidária.
111
a uma necessidade singular, e não o que lhe é de direito, não existe o dever
de fazer. O exercício dessa virtude é uma decisão livre do sujeito, sendo
assim, ninguém pode exigir ser tratado de forma generosa, pode tão
somente desejar ser. “O ato de generosidade favorece quem é por ele
contemplado, não quem age de forma generosa. E por ser a generosidade
a inteira dedicação a outrem que digo que ela traduz plenamente o
altruísmo” (LA TAILLE, 2006, p. 62).
Comte-Sponville (2009) refere-se à solidariedade partindo de sua
definição etimológica, acreditando numa estreita ligação entre a
solidariedade e o dever. Segundo Tognetta (2003), compreendendo desta
forma, a solidariedade passa a conter certo egoísmo, partindo de uma ideia
que o sujeito solidário, somente faz algo partindo da ideia do agir para
receber reconhecimento ou outro ganho.
Além disso, Tognetta (2007) propõe a compreensão da
solidariedade do ponto de vista psicológico, tomando como princípios as
lições da psicologia moral, que estuda entre outros temas, a gênese das
virtudes morais. Uma ação virtuosa, e para exemplo também solidária, é
resultante de um juízo equilibrado, que conseguiu no embate com outros
pontos de vistas, considerar a si e ao outro. Dessa forma, revelando um
sentimento de autodomínio.
Para La Taille (2002), a solidariedade em seu sentido mais global
é a de um elo que envolve todos os seres humanos em uma grande
comunidade. A solidariedade no âmbito da moral tem função de apontar
cada indivíduo como responsável pelas ações, desejos, lutas, méritos de
outros sujeitos.
Para Tognetta (2007), há que se tomar certo cuidado para que a
solidariedade não seja confundida com assistencialismo, pois dessa forma
112
não se caracterizaria como virtude. “Enquanto preceito, a solidariedade é
também chamada de valor moral” (TOGNETTA, 2003, p. 58). Esta
autora ainda caracteriza dois tipos de solidariedade, uma externa e outra
interna. Na primeira, há limitação de um pensamento heterônomo, num
preceito de obediência. Na segunda, que é a solidariedade propriamente
dita, não existe a obediência cega às regras, impera a capacidade do sujeito
de pensar com controle recíproco, regular afetividades, compreender o
ponto de vista do outro e agir acima da ordem do dever e do direito,
inclinado pelo desejo de ser solidário (TOGNETTA, 2003).
Inspirados em Tognetta (2007) compreendemos que a ação
solidária é movida por um sujeito que é capaz de pensar de forma recíproca,
que consegue regular a sua carga afetiva a ponto de compreender o ponto
de vista do outro, e de agir acima do dever, pela força de vontade, com
disposição a ser solidário. Para Piaget (1932/1994a), a virtude da
solidariedade vai ao encontro ao conceito de autonomia.
A virtude mais pesquisada é a justiça, por conferir a ela grande
valia. Entretanto, vimos que outras virtudes não devem ser rejeitadas, uma
vez que, algumas virtudes se originam de outras, sob esses argumentos,
Kawashima e Martins (2013) optaram por contemplar as duas virtudes,
generosidade e justiça, investigando os juízos a respeito da virtude
generosidade e da justiça entre os professores da educação infantil e
comparam os resultados com os das crianças. Ao analisarem os achados nas
entrevistas clínicas piagetianas, a história-estímulo, que aborda um dilema
moral, em que o sujeito da entrevista emite uma decisão final, eles
concluíram que para as professoras, parece mais importante cumprir
regras, e assim estaria, agindo com justiça, ou seja, no cumprimento do
combinado. Diante das respostas dadas, parece que o afeto e o particular
deveriam ficar fora da escola. Em relação às crianças, verificou-se o
113
contrário, a maioria das crianças valoriza a virtude da generosidade em suas
respostas, concordando com a professora da “história-estímulo”, que age
com generosidade.
Nas considerações finais os pesquisadores concluem que para as
crianças, a generosidade está lado a lado com o cuidado que elas requerem
nessa etapa da vida. Mostrando que mais importante que o combinado é
o cuidado. Enfim, espera-se mais generosidade dos adultos ao cuidar de
crianças.
Feitos os devidos acertos conceituais, desejamos deixar registrado
que o termo utilizado por nós nesta pesquisa será o de solidariedade. Sendo
compreendida como uma virtude, como um valor, numa dimensão que
não permite ao sujeito voltar-se para o autointeresse. Nessa perspectiva, a
virtude é uma capacidade humana de domínio moral (D’AUREA-
TARDELI, 2008).
Respeito
Respeito é tema central na moralidade. Segundo o dicionário
Houaiss (2009), respeito é o sentimento que leva a tratar alguém ou algo
com grande atenção, com consideração e reverência. Conforme Piaget
(1932/1994a), a criança pequena relaciona-se com o outro pela via de
respeito unilateral, essa relação tende a evoluir para a reciprocidade, em
que se deve respeitar e ser respeitado.
O respeito mútuo expressa-se de várias formas complementares. Uma
delas é o dever do respeito pela diferença e a exigência de ser respeitado
na sua singularidade. Tal reciprocidade também dever valer entre
pessoas que pertençam a um mesmo grupo (BRASIL, 1997, p. 104).
114
A dignidade do ser humano deve ser compreendida como um ideal
democrático de convívio social pressupondo, respeito mútuo e não o
respeito unilateral (BRASIL, 1997). Piaget (1932/1994a) pontua que
duas maneiras de socialização dos homens, a primeira exercida pelo
respeito unilateral. É necessário, mas tem forte limitação, dificulta a
construção da autonomia, as trocas são menos equilibradas, não há crítica
mútua. A segunda é pelo respeito mútuo, na qual há uma cooperação
possível, e consequentemente o favorecimento da autonomia intelectual e
moral (TOGNETTA; VINHA, 2012). Nesse sentido,
[...] a cooperação é fruto do sentimento de respeito mútuo, só possível
em posições de igualdade entre os sujeitos. Piaget deixou-nos clara a
pertinência da relação entre pares, dizendo o quanto são privilegiadas
em possibilidades de evolução moral. Entre iguais, entre as próprias
crianças, elas experimentam resolver seus conflitos e suas dúvidas sem
o peso de qualquer espécie de obediência (TOGNETTA; ASSIS, 2006,
p. 55).
Conforme Tugendhat (2012), ao contrário do respeito não é o
ódio, mas sim a humilhação e a indiferença. Alencar e La Taille (2007)
concordam e dizem que não há nada mais inverso ao respeito que a própria
humilhação, sendo esta nas suas mais variadas formas. Para esses autores,
no quesito humilhação, a humanidade sabe ser criativa. É necessário que
saibamos colocar limites, não só nas crianças, mas nas pessoas.
Entretanto, o como fazer, é uma grande questão, precisamos
primeiramente respeitar as crianças, se não o fizermos, tornaremos inviável
a construção do autorrespeito e do respeito mútuo. A humilhação pode
destruir o autorrespeito, gerando consequências graves, prejudiciais ao
desenvolvimento das crianças e jovens no âmbito dos relacionamentos
115
interindividuais e sociais. “Alguns pesquisadores têm considerado a prática
da humilhação como nefasta ao desenvolvimento infantil, uma vez que ela
conduz às consequências psíquicas danosas.” (ALENCAR; LA TAILLE,
2007, p. 220). Sendo esse aspecto ainda mais atenuante, quando o
desrespeito e as humilhações são feitos em público, gerando entre outras
coisas o abalo na estrutura afetiva, expressos como na timidez, na revolta e
outros (ALENCAR; LA TAILLE, 2007).
Ao propor o respeito mútuo, Piaget também se referia às relações
com os adultos. O respeito mútuo entre uma criança e um adulto
pressupondo uma diminuição de qualquer autoridade. Dessa forma, a
relação com a autoridade deixa de ser uma relação de subserviência; ou, em
seu extremo, uma relação de paternalismo para atingir seu caráter de
confiança. Sem dúvida, se a cooperação proposta por Piaget se baseia num
sentimento de respeito, é também elucidado seu lado afetivo
(TOGNETTA; ASSIS, 2006).
Todo esse conteúdo moral e ético, presente nas relações de
cooperação, não deve ser separado do convívio, pois, se bem observado
teremos oportunidades a todo o momento para se discutir e refletir fazendo
conexões com fatos rotineiros. Não convém e não funciona falar de virtude
e de generosidade quando se vive num ambiente de desrespeito,
intolerância, indiferença. La Taille (2006) aponta que existe uma ponte
entre a vida e a reflexão sobre a vida, então dessa forma faz sentido discutir
justiça e generosidade num ambiente fundamentado nestes princípios.
Convivência democrática
A convivência democrática pressupõe a participação ativa dos
sujeitos, por meios de trocas dialógicas, nas decisões que são escolhidas,
116
nas discussões e elaborações de regras, de leis que propõem certa regulação
de comportamento. Um ambiente democrático aceita a participação dos
envolvidos, não funciona de forma autoritária (BRASIL, 1997). Isto posto,
faz-se necessário discutir sobre os ambientes escolares. Sabemos que
ambientes escolares coercitivos, onde as relações são unilaterais e o
professor é autoritário e baseia suas ações em mecanismos coercitivos,
favorece a prática das mais diferentes formas de violência entre os
estudantes. Entretanto, se os sujeitos convivem numa sala de aula onde as
relações são cooperativas, as regras são estabelecidas em conjunto, com
alunos e professores dialogando a fim de resolver possíveis conflitos,
baseando-se em relações de respeito mútuo, todos se favorecem
(TOGNETTA; VINHA, 2012).
Para Garcia e Puig (2010), participar da vida escolar, junto com os
iguais e ainda obtendo a colaboração dos adultos, é uma experiência de
educação moral insubstituível, pois permite que os escolares se
comprometam e assumam responsabilidades na dinâmica coletiva.
Portanto, a melhor maneira de aprender a conviver democraticamente é
envolver-se de verdade na regulação das relações, dos conflitos, dos
dinamismos grupais.
Conforme Tognetta e Vinha (2007), muitos estudos nos
legitimam a afirmar da importância de um ambiente sociomoral
cooperativo para a formação de cidadãos. Ambientes onde o respeito
mútuo, a justiça, o diálogo e a solidariedade são incentivados,
experienciados e refletidos, favorecem a qualidade das relações sociais
harmoniosas e recíprocas. Enfim, o ambiente e as relações nele
estabelecidas influenciam na formação de crianças e de jovens. Portanto, a
prática pedagógica que não propicia a convivência democrática há de ser
reformulada, repensada. Como bem ressalta a autora citada, não queremos
117
simplificar as coisas, nem esgotar um assunto tão importante, mas que o
professor saiba que ele não é um simples intermediário, ele possui papel
central, cada vez mais significativo, o de estimular e criar um ambiente
propício para que os sujeitos possam se desenvolver plenamente, em todos
os aspectos.
Segundo Beluci e Shimizu (2007), as complicações e problemas
sociais que vivemos em nossa sociedade, tem refletido no contexto
educativo sob vários tipos de representações, como violência, indisciplina
e desinteresse. Concorda-se aqui, que são necessárias novas propostas
escolares, desde a educação básica até o meio acadêmico. Neste âmbito
iremos destacar juntamente com as autoras dois aspectos:
[...] Por um lado, as novas propostas que têm como principais
representantes os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental e Médio (Brasil, 1997, 1998) assim como diferentes
pesquisadores (Araújo, 2002, 2003, 2004; Buxarrais, 1997; Menin,
2000, 2002a, 2002b; Puig, 1998; Shimizu, 1998; Shimizu e cols.,
2003) defendem que cabe à escola participar da formação moral de seus
alunos, atuando dentro dos princípios democráticos visto que é mais
um meio social na vida dos indivíduos. Por outro lado, constata-se que
a implantação dessas propostas é, ainda, um grande desafio e envolve
uma diversidade de fatores que, segundo Araújo (2002), perpassam
desde os conteúdos escolares e a metodologia das aulas até os valores
dos membros da comunidade escolar e a maneira como as relações
interpessoais se dão, dentre outros fatores (BELUCI; SHIMIZU,
2007, p. 354).
A teoria piagetiana leva-nos a crer que oportunidades educativas,
em que se cultivem valores e permitam que os sujeitos reflitam suas
condutas são essenciais para a construção de sujeitos morais. Diante dessas
evidências, Oliveira; Caminha; Freitas (2010), propuseram-se a pesquisar,
118
e revisitar a literatura em torno da moralidade permeadas pelas relações de
convivência, buscando estabelecer relações entre o saber conviver, a
apropriação de valores e a compreensão de justiça no espaço escolar entre
os períodos de janeiro de 2000 a maio de 2009. O método foi uma revisão
de literatura sistemática, onde os textos considerados próprios para a
análise deveriam ser completos, com coleta de dados e análise de dados
feitos no Brasil. O primeiro grupo, como descritores criança e moral
totalizaram 1413 artigos. O segundo, pelos descritores valores sociais e
moral, resultaram em 25 artigos. Foram excluídos artigos repetidos, e
outros que não contemplavam os critérios de inclusão para estudo,
considerados nesta pesquisa. Finalizando com o total de 21 artigos
selecionados. Foi observado que nesse período houve 57,2% de artigos de
cunho teórico, e 42, 8% em pesquisas de campo, sem desmerecer a
pesquisa teórica, os autores citam a importância de mais ações efetivas na
formação de sujeitos morais.
Houve também disparidade nas regiões brasileiras, a maior
concentração de estudos foi registrada na região sudeste, 66,7%, a região
sul 19%, centro-oeste 9,5%, nordeste 4,8%. Nenhum artigo foi
selecionado na região norte (OLIVEIRA; CAMINHA; FREITAS, 2010).
Na pesquisa mencionada, os artigos foram encontrados em
periódicos da mesma natureza. Nos estudos pesquisados foi comum a
preocupação quanto a urgência em problematizar a educação moral na
escola, evidenciou-se também a importância de efetivar práticas de
educação moral no cenário escolar, contribuindo para a construção de um
mundo mais tolerante e justo (OLIVEIRA; CAMINHA; FREITAS,
2010).
Concluindo sobre os achados nessa pesquisa, sobre convivência e
educação moral, as interações sociais são essenciais por contribuírem para
119
o descentramento do sujeito, por considerar a partir dessa descentração os
pontos de vistas das outras pessoas. Compreendendo Estevão (2008), os
autores registram que a escola precisa ser potencializadora da convivência
democrática. Os fundamentos epistemológicos que nutrem a educação
moral precisam ser estudados, compreendidos e considerados dentro da
escola, abrindo espaços para reflexões e discussões, por meio de práticas
educativas. Sobre o tema justiça e educação moral, o processo de formação
moral do sujeito requer o envolvimento num ambiente social cooperativo.
Sendo necessário ainda, instigar formas superiores de justiça, conduzindo
a criança a perceber a intenção em que o ato foi presidido e contribuindo
dessa forma, na formação de sujeitos cooperativos, justos, respeitosos com
o semelhante. “No entanto, parece contraditório defender projetos
escolares que visem à formação do juízo moral das crianças, já que
identificam-se diversas ocorrências de injustiça no cotidiano da escola por
parte dos gestores” (OLIVEIRA; CAMINHA; FREITAS, 2010, p. 268).
No que se refere ao processo de educação moral, percebemos e
desejamos registrar que a escola precisa passar por constantes reflexões,
valorizar autonomia, convivência, respeito mútuo, relações justas, enfim, é
necessária uma revisão crítica dos modelos tradicionais que andam em
vigor até hoje.
No âmbito escolar parece-nos importante a qualidade das relações,
portanto, os agentes educativos devem fomentar os valores contidos nas
relações de boa convivência, porém, sabendo que os grandes protagonistas
são os próprios educandos, estes devem fazer parte da solução e da
resolução dos conflitos que eles mesmos vivem e padecem cotidianamente.
Construir ferramentas e formas coletivas que incidem sobre as questões
relacionais e institucionais, nessa medida, os fará autores participantes e
responsáveis pelas soluções que eles possam por si mesmos alcançarem.
120
Pensamos na escola como lugar de experiências compartilhadas,
com convivência digna e justa. Neste viés a escola é local privilegiado de
relações constantes, podendo oferecer oportunidades aos educandos,
espaços reais de vida em sociedade, convívio com diferenças, sistema de
regras e condutas desejáveis a vida em grupo, são tantas as possibilidades
de construção e experiências possíveis de se partilhar, que necessariamente
estariam contribuindo para formação humana do sujeito. Seria um espaço
de transpor o saber fazer acadêmico. Nesta perspectiva, estamos nos
referindo aos valores morais, às condutas morais, contribuindo para a
formação de um sujeito crítico, reflexivo, e que nessa reflexão perceba e
contemple o outro numa convivência compartilhada, solidária, respeitosa
e justa.
121
RELATO DE UM ESTUDO SOBRE A
ADESÃO A VALORES MORAIS DE
JOVENS ESTUDANTES
_______ ____________ ____________ _____________________ _____________________ ____________ _______________ ____________ ___________ _______________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____
Contextualizando o estudo e os participantes
Esse livro é um estudo fruto da dissertação de Mestrado em
Educação, realizado com jovens dos anos finais do Ensino Fundamental II
e Ensino Médio. Esse relato se apoia nas abordagens quali-quantitativas
compreendendo a aplicação de uma escala de valores morais em uma
amostra de 276 alunos, com o objetivo de avaliar a presença e o modo de
adesão aos valores morais.
Com a utilização da escala mencionada, conhecemos o perfil da
amostra estudada e relacionamos com os valores morais investigados
(justiça, solidariedade, respeito e diálogo/convivência democrática) com as
seguintes variáveis: escola, ano escolar, sexo dos respondentes, convivência
familiar, atitudes e convivência com os pares e professores no espaço
escolar, regras na escola e outros.
Para alcançarmos estas pessoas realizamos contatos com a rede de
escolas particulares e públicas de um município de médio porte, visando o
desenvolvimento da pesquisa. O tema pesquisado, bem como a proposta
de pesquisa foi aceito somente pelas escolas particulares.
Participaram da pesquisa 276 alunos, distribuídos por três escolas
(Tabela 1), que não serão identificadas por questões éticas.
122
TABELA 1 - FREQUÊNCIA ABSOLUTA DOS ALUNOS POR ESCOLA,
CADERNO RESPONDIDO E NÍVEL/ANO DE ENSINO.
Escola 1 Escola 2 Escola 3 Total
Cad.
8
Cad.
9
Cad.
8
Cad.
9
Cad.
8
Cad.
9
9º ano
EF
9 9 26 22 17 17 100
1º ano
EM
15 16 0 0 13 12 56
2º ano
EM
17 18 13 16 15 17 96
3º ano
EM
11 13 0 0 0 0 24
Totais 52 56 39 38 45 46 276
108 77 91
Fonte: Dados da pesquisa.
Quanto ao sexo dos participantes da pesquisa somam um total de
134 pessoas do sexo masculino e 141 pessoas do sexo feminino, temos um
respondente que não marcou o tipo de sexo. Nestes dados numéricos
podemos constatar que há um número equiparado de respondentes entre
ambos os sexos.
123
Instrumento e forma de análise dos dados
O instrumento de coleta de dados desta pesquisa é uma Escala de
Valores Morais, no qual os respondentes não precisam se identificar. O
referido instrumento foi construído por uma equipe de pesquisadores
especialistas em Psicologia da Moralidade, reunidos pela Fundação Carlos
Chagas que durante os anos de 2012 a 2014, desenvolveram um
instrumento capaz de auxiliar professores e pesquisadores a avaliar e
investigar como crianças, adolescentes e adultos pensam determinados
valores, e para então posteriormente, poder orien-los em ações de
intervenção (TAVARES, 2013, TAVARES et al., 2016).
O instrumento é composto de vários cadernos com as questões
sobre valores morais, cadernos (1 ao 5 para crianças e adolescentes do 5º
até o 8º ano do Ensino Fundamental), cadernos (6 ao 10 para jovens do
9º ano do E.F. II até o Ensino Médio) e cadernos (11 ao 15 para
professores, coordenadores, diretores).
Os itens foram construídos no formato de múltipla escolha, as
quais são compostas por pequenas histórias sobre valores, passadas em
diferentes espaços: família, escola, internet ou ambientes sociais diversos.
As alternativas representam formas de se comportar diante de um
suposto problema apresentado. Foram elaboradas respostas em níveis nos
quais o sujeito pode se situar para mostrar como adere ou não a um valor.
A segunda parte do caderno contém questões gerais sobre o perfil
dos escolares respondentes. Nesta etapa contém perguntas que visam a
compreensão das características sociodemográficas dos participantes e
ainda deseja contemplar as relações sociais por eles experimentadas na
escola e na família (TAVARES, 2013).
124
Nas histórias contêm cinco alternativas de respostas, sendo três
opções pró-valor e duas contravalor. Como por exemplo, o valor respeito,
justiça, solidariedade, convivência democrática pode ser contraposto por
contravalores como, desrespeito, descaso, individualismo, indiferença.
Cada participante deve escolher apenas uma alternativa. Além das
situações das respostas apresentarem pró e contravalores, as alternativas
apresentam níveis de perspectivas sociais, que visam evidenciar modos
diferentes das pessoas aderirem aos valores (TAVARES, 2013).
Conforme as respostas é possível observar e compreender a posição
social na qual o indivíduo encontra-se. O sujeito pode partir de uma
posição autocentrada ao aderir a um valor, fazendo-o apenas para atender
suas próprias necessidades e pontos de vistas, estando numa perspectiva
social egocêntrica.
Outro nível é a perspectiva social sociocêntrica, nesta posição os
sujeitos estendem suas considerações aos outros, compreende o próximo
como importante, sejam eles, figuras afetivas como familiares e amigos ou
as autoridades, as regras e convenções sociais.
Num terceiro nível, finalmente as pessoas passam a aderir aos
valores reconhecendo-os como necessários, bons, justos, para quaisquer
pessoas, ligando-os a um princípio maior referente à dignidade humana
como meio e fim de qualquer princípio moral, numa perspectiva para além
da sociedade ou propriamente moral (TAVARES et al., 2015)
Tavares (2013, p. 257-258) ao descrever a construção da escala
apresenta o seguinte exemplo de item:
125
Matriz Valor Solidariedade
Descritor: Compreender que o nosso papel nas relações interpessoais
deve ser o de cooperar para o bem de todos e de cada um.
Lócus: social
Público: adolescente / professor
Item: Rosana volta todos os dias do trabalho muito cansada e no ônibus
sempre vem em pé, sendo jogada de um lugar para o outro. Na última
sexta feira, ao subir no ônibus, viu um lugar onde poderia vir sentada
sem ser empurrada; assim, tratou de sentar-se rapidamente. No ponto
seguinte entrou uma senhora idosa que a cada movimento do ônibus
ameaçava cair. Então ela deveria
(A) dar o seu lugar, que é o que se espera das pessoas mais jovens.
(nível 2/p-valor P2)
(B) deixar outra pessoa ceder o lugar, para não ficar mais cansada
do que já estava. (nível 1/contravalor C1)
(C) deixar outra pessoa ceder o lugar, já que há muitas pessoas
jovens no ônibus. (nível 2/contravalor C2)
(D) dar o seu lugar, pois é preciso garantir a segurança da senhora.
(nível 3/p-valor P3)
(E) dar o seu lugar serviria de exemplo para as outras pessoas. (nível
1/pró-valor P1) (TAVARES, 2013, p. 257-258)
Como vimos na descrição do item acima, trabalha-se o valor
solidariedade, dentro dessa ideia a solidariedade tem como descritor a
identificação e a busca pela realização do ideal de solidariedade, o fato de
cooperar, de forma generosa com os outros, independente do benefício
próprio, partilhando de um sentimento de interdependência, tomando
para si questões comuns do dia a dia, responsabilizando-se pessoal e
coletivamente, indo ao encontro do sentimento de repúdio por situações
126
egoísticas, individualistas, competitivas e outras que acabam por extrair
benefícios para si em função de prejuízos alheios.
No presente estudo apresentamos os resultados encontrados nos
cadernos 8 e 9. Os temas expostos nos quadros 2 e 3 mostram os assuntos
tratados nas seis histórias de cada item por valor moral.
QUADRO 2 - DISTRIBUIÇÃO DOS ITENS DO CADERNO 8 POR VALOR
MORAL
Valor Item Tema
Convivência
democrática
1 Organização de uma festa.
7 Limpar um terreno para construir uma quadra de vôlei.
10 Divisão da classe para um trabalho em grupo.
13 Amigos retiram de um site os dados confidenciais de pessoas
para utilizar comercialmente.
16 Moradores de um condomínio se acusam de estragarem os
guarda-sóis.
19 Dois amigos em viagem, recebem uma nota falsa de troco do
taxista.
Solidariedade
6 Três amigos encontram um cãozinho abandonado e decidem
o que fazer.
9 Dois irmãos, um deles ganha dois ovos de páscoa e o outro
apenas um. Aquele que ganhou o segundo ovo, deve ou não
dividir com o irmão?
12 Mesmo atrasada para o trabalho, Rosana deve ou não ajudar
o deficiente visual atravessar a rua?
15 Um cachorro que incomoda os vizinhos com seus latidos,
some. O proprietário do cão pede ajuda aos vizinhos para
127
compartilharem com conhecidos a notícia do sumiço do
cachorro.
18 Oferecer ou não carona para uma colega que mora perto de
casa, pois ela sempre chega atrasada ao trabalho, que é
distante de sua casa.
21 Uma assistente social inicia uma campanha para arrecadar
brinquedos. Os funcionários do hospital que ela trabalha
dizem que ganham pouco para ter que ajudar o hospital.
Fonte: Dados da pesquisa.
QUADRO 3 - DISTRIBUIÇÃO DOS ITENS DO CADERNO 9 POR VALOR
MORAL
Valor Item Tema
Respeito
2 Um cachorro que late durante todo o dia e incomoda os
vizinhos do prédio.
8 Olavo descobre a senha do email de seu irmão.
11 Alunos zombando de um garoto que viveu no Japão.
14 Contar o segredo de uma pessoa que pediu que não revelasse.
17 Professora católica que está habituada a rezar com os alunos
recebe uma aluna mulçumana e fica confusa sobre o que fazer.
20 No Twiter uma pessoa vê que seu amigo postou uma mensagem
zoando um garoto de sua classe.
Justa
4 Postura da professora diante das dúvidas de alunos que
atrapalham as aulas com mau comportamento.
7 Um cadeirante que encontra dificuldades de locomoção para
chegar em um auditório, onde haverá apresentação de sua
turma.
128
10 Diretor dá os melhores horários de aula para professores que
seus alunos têm melhores notas.
13 Uma senhora furta uma bandeja de carne, após ser flagrada diz
que seus filhos estão passando fome.
16 Caio é desafiado por um amigo a dirigir o carro de seus pais
mesmo não tendo habilitação.
19
Jovens se reúnem e conseguem arrecadar fundos para reformar o
salão de jogos. Após ver a quantidade de dinheiro arrecadado, a
diretoria quer usar o dinheiro para outras coisas.
Fonte: Dados da pesquisa.
O perfil dos jovens participantes foi considerado a partir da
aplicação de questionários nas três escolas que aderiram a pesquisa. O
questionário foi aplicado em cadernos compostos de duas partes: a
primeira trata das pequenas histórias sobre os valores, passadas nos variados
espaços vivenciados pelos jovens, como família, escola, internet, ou outros
ambientes sociais, a segunda parte, trata do perfil dos participantes e
inquerimos sobre algumas situações vividas dentro do ambiente escolar e
familiar.
Descrevendo os resultados
Os valores constituintes dessa pesquisa foram considerados pelos
pontos de vistas teóricos dos conceitos da Psicologia da moralidade de
Piaget (1994a) e Kohlberg (1992) e do ponto de vista da legislação
educacional brasileira, a partir dos referenciais utilizados nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), pontualmente no volume 8 (BRASIL,
1997), o qual pauta a ética como um dos temas transversais. Ao fazer essa
129
associação, elegem os valores de respeito mútuo, justiça, solidariedade e
diálogo como os mais relevantes a serem trabalhados com os jovens. Sobre
o diálogo, desejamos registrar que este foi substituído nesta escala de
valores por convivência democrática, por se compreender o diálogo como
um operador, mais do que um valor (TAVARES et al., 2016).
Neste primeiro momento, apresentamos os resultados dos alunos
nos cinco níveis investigados, para os quatro valores. Num segundo
momento, apresentaremos os resultados encontrados na segunda parte do
caderno, que são relativos ao perfil dos respondentes e suas percepções do
ambiente escolar e familiar.
As alternativas de respostas apresentam posições pró ou contra os
valores. Além disso, as alternativas apresentam níveis de perspectivas sociais
que trazem para o sujeito modos diferentes de adesão aos valores.
Sendo assim, os indivíduos podem partir de uma posição muito
autocentrada, a qual chamamos de perspectiva social egocêntrica (Nível
Pró-Valor 1).
Adiante, passam por um período em que suas posturas consideram
o próximo, as figuras de autoridade, as regras, as convenções sociais,
denominada por perspectiva social sociocêntrica (Nível Pró-Valor 2).
Por fim, as pessoas passam a aderir aos valores reconhecendo suas
necessidades, por serem bons, justos, para qualquer pessoa, em
consonância com um princípio maior referente à dignidade do ser humano
como meio e fim de qualquer princípio mora, sendo então a perspectiva
para além da sociedade ou propriamente moral (Nível P-Valor 3)
(TAVARES et. al, 2015).
Os contravalores apresentam dois níveis, o nível 1, em uma
perspectiva egocêntrica e, o nível 2, sociocêntrica.
130
Estes cinco níveis, para fins de análise e exposição dos resultados,
foram identificados com números de 1 a 5, em que o 1 representa o
contravalor egocêntrico, o 2, o contravalor sociocêntrico, o 3, o pró-valor
egocêntrico, o 4, o pró-valor sociocêntrico e, o 5, o pró-valor moral.
Fizemos uma tabela para cada valor. Iniciamos pela escala de
“Convivência Democrática”, em seguida a escala de “Solidariedade”, na
terceira tabela taremos da escala de “Respeito” e por fim a escala da
“Justiça”. Após esta apresentação, são trazidas as características do perfil e
os cruzamentos dos quatro valores por característica correspondente do
perfil.
Apresentação das escalas de valores morais
E
SCALA DE CONVIVÊNCIA DEMOCRÁTICA
A convivência democrática tem como descritores as situações de
conflitos, e a busca de soluções dialógicas. Em situações de atribuições de
tarefas, considerar e priorizar formas democráticas e participativas para a
construção autônoma de saídas dos conflitos. Coordenar as próprias ações
com as dos outros, visando o alcance de ganhos comuns e coletivos.
Compreender que o espaço social é um bem de todos e sendo assim é dever
comum o zelo desse espaço. Os contra valores nessa situação seriam a
violência, o individualismo, a indiferença, a omissão, a postura autoritária,
a submissão à autoridade e a arbitrariedade (TAVARES et al., 2015).
Nesta escala temos a apresentação dos níveis que vão desde uma
atitude contrária ao valor (os contra valores nível 1 e 2), prosseguindo na
busca de uma solução dialógica para resolver os conflitos, porém fazendo
para evitar problemas e consequências para si (nível 3 - egocêntrico).
131
Em outro nível mais elaborado, busca soluções envolvendo o
coletivo, mas se utiliza de regras, de regimentos, recorrendo à autoridade e
buscando aprovação social (nível 4 - sociocêntrico).
No nível 5, propriamente moral, encontramos a busca de soluções
para situações conflituosas envolvendo o grupo através do diálogo,
participação de todos, garantindo o bem estar comum, havendo repúdio a
manipulação, a desonestidade e a violência.
TABELA 2 - FREQUÊNCIA RELATIVA DAS RESPOSTAS DOS NÍVEIS DE
PERSPECTIVA SOCIAL DOS ALUNOS POR ITENS DO VALOR
CONVIVÊNCIA DEMOCRÁTICA
Item Tema do item 1 2 3 4 5
1 Organização de uma festa. 4,4 7,4 47,8 11,8 28,7
7 Limpar um terreno para
construir uma quadra de
vôlei.
5,9 13,3 35,3 42,6 2,9
10 Divisão da classe para um
trabalho em grupo.
2,2 5,9 44,9 44,1 2,9
13 Amigos retiram de um site
os dados confidenciais de
pessoas para utilizar
comercialmente.
7,4 16,2 45,6 24,3 6,6
16 Moradores de um
condomínio se acusam de
estragarem os guarda-sóis.
17,6 19,1 29,4 27,9 5,9
19 Dois amigos em viagem
recebem uma nota falsa de
troco do taxista.
7,4 5,9
52,2
7,4 27,2
Fonte: Dados da pesquisa.
132
Na tabela 2, sobre a Convivência Democrática, vemos a
predominância do nível 3 ou seja, na perspectiva social egocêntrica. No
nível 4 temos um percentual próximo ao nível 3 nas questões 10 e 16.
Encontramos registros de respostas em nível 5 em porcentagens baixas
como nas questões 7 e 10, onde o tema da história se refere a “limpar um
terreno para construir uma quadra de vôlei (questão 7) e a “divisão da
classe para um trabalho em grupo” (questão 10). Percebemos a presença
de contra valores principalmente na questão 16, onde somados C1 e C2
temos 36,7%, onde os contra valores são violência, individualismo,
indiferença, omissão.
Descrição dos níveis de convivência democrática
NÍVEL I E NÍVEL II
Nestes níveis, uma pessoa pode se omitir em qualquer atitude,
sobrepõe o interesse individual ao coletivo, procura evitar consequências
negativas para si. Pode-se igualmente omitir-se, ignorando a situação por
não haver regras que orientem sua conduta, acomodando-se em condutas
sociais ou delegando a responsabilidade a outrem que por hora o
compreende competente (TAVARES et al., 2015).
A pessoa nesse nível pode optar por uma solução imposta pela
autoridade que a beneficie ou que seja tendenciosa, que se utiliza de
estratégias de vigilância e punição; ou ainda buscar soluções por
reciprocidade simples “toma lá, dá cá”. Como contravalores podemos
encontrar atitudes de violência, individualismo, autoritarismo e outros
como já citamos (TAVARES et al., 2015).
133
NÍVEL III
Neste nível a pessoa tentará buscar alguma forma de solução mais
dialógica para resolver conflitos coletivos, mas fará para evitar
consequências negativas para si, ou ainda visando uma boa imagem, a
manutenção de vínculos pessoais, ou qualquer favorecimento, buscará
soluções pautadas em obediência, exemplo de boa conduta, e aplicará
punições previstas por lei (TAVARES et al., 2015).
N
ÍVEL IV
Neste nível, a pessoa opta por buscar soluções envolvendo o grupo,
mas fará pautando-se em regras, em regimentos, recorrendo às autoridades
competentes para se resguardar. Mesmo usando o diálogo, busca ainda a
aprovação social e deseja estar cumprindo com as convenções sociais
(TAVARES et al., 2015).
NÍVEL V
Neste nível, uma pessoa busca soluções para situações conflituosas
através de diálogo, priorizando a participação de todos e garantindo o bem
estar coletivo. Visa à justiça, à equidade e à reparação sendo respeitosa.
Não aceita a omissão, a manipulação, o uso de prestígio ou condição
financeira para alcance de benevolências, repudia desonestidade e
violência. Em situação de conflito envolvendo o meio ambiente, busca
soluções e assume seu papel ativo, visa o bem coletivo e toma consciência
que é dever de todos e de cada qual a busca do bem comum e da
preservação do meio ambiente (TAVARES et al., 2015).
134
ESCALA DE SOLIDARIEDADE
Seguimos agora na tabela 3 com a frequência dos resultados
obtidos no valor Solidariedade.
TABELA 3 - FREQUÊNCIA RELATIVA DAS RESPOSTAS DOS NÍVEIS DE
PERSPECTIVA SOCIAL DOS ALUNOS POR ITENS DO VALOR
SOLIDARIEDADE
Item Tema do item 1 2 3 4 5
6 Decisão sobre destino de
cachorro abandonado.
5,1 0,7 64 22,1 8,1
9 Dois irmãos dividirem um
segundo chocolate após terem
recebido um.
5,1 4,4 41,2 36 13,2
12 Ajudar pessoa deficiente em
detrimento do seu tempo.
2,9 2,9 37,5 41,2 15,4
15 Procura de cachorro
desaparecido.
1,5 8,1 64,7 19,9 5,9
18 Oferecer carona para alguém
fora do seu percurso.
5,9 1,5 26,5 20,6 45,6
21 Campanha arrecadação
brinquedos.
4,4 0,7 47,1 18,4 29,4
Fonte: Dados da pesquisa.
Na escala de solidariedade também há o predomínio do nível 3, na
perspectiva social egocêntrica. Em nível 4, que seria a perspectiva social
sociocêntrica obtivemos nas questões 9 e 12 porcentagens próximas, ou
135
seja, condutas dividas entre nível 3 e nível 4. No nível 5 encontramos
números consideráveis nas questões 18 e 21, com porcentagens altas.
Neste descritor encontramos maior adesão ao valor, sugerindo a
integração desses níveis.
Descrição dos níveis de solidariedade
NÍVEL I E NÍVEL II
Nestes níveis, a pessoa opta por não reconhecer o outro. Não
solidária por não conformidade a uma regra ou à autoridade. Pode também
não ser solidária por entender que o outro tem culpa do seu infortúnio e
acredita que cada qual deve arcar por si. Os contravalores predominantes
nesse descritor solidariedade são: individualismo, a competição, a omissão,
o corporativismo, o cepticismo ou descrédito na busca do bem, submissão
a autoridades ou autoritarismo, indiferença (TAVARES et al., 2015).
NÍVEL III
Neste nível a opção pela solidariedade pode ocorrer por interesse
próprio, sendo possível a necessidade de manter uma boa relação com o
próximo, por reciprocidade simples onde se paga o bem, com o bem ou
para evitar reações contrárias, vinganças, ser mal visto, ou ainda para
receber algo em troca (TAVARES et al., 2015).
136
NÍVEL IV
Neste nível, ocorre a adesão ao valor na maioria das vezes, movida
por atender às convenções sociais, por obediência e manutenção de regras.
Mesmo sendo a favor da solidariedade o sujeito encaminha a questão às
autoridades ao invés de agir por si. Podendo ser solidário em situações onde
há ausência de ações da autoridade competente (TAVARES et al., 2015).
N
ÍVEL V
Neste nível, a pessoa opta mais veemente pela solidariedade, para
atender ao outro ou ao coletivo, buscando igualdade ou bem comum. O
sujeito se sente sensibilizado pela necessidade do outro, ou deseja
compartilhar sentimentos e perspectivas (TAVARES et al., 2015).
ESCALA DE RESPEITO
Apresentaremos na tabela 4 os resultados encontrados no valor
Respeito nos cinco níveis que irão desde a postura contrária ao valor até
sua adoção na perspectiva propriamente moral.
TABELA 4 - FREQUÊNCIA RELATIVA DAS RESPOSTAS DOS NÍVEIS DE
PERSPECTIVA SOCIAL DOS ALUNOS POR ITENS DO VALOR RESPEITO
Item Tema do item 1 2 3 4 5
2 Um cachorro que late
durante todo o dia e
incomoda os vizinhos do
prédio.
13,6 7,1 35,7 25 18,6
137
8 Olavo descobre a senha do
email de seu irmão.
5 3,6 45,7 34,3 11,4
11 Alunos zombando de um
garoto que viveu no Japão
e fala diferente.
12,1 8,6 52,9 19,3 7,1
14 Contar o segredo de uma
pessoa que pediu que não
revelasse.
4,3 5 61,4 25,7 3,6
17 Professora católica que esta
habituada a rezar com os
alunos recebe uma aluna
mulçumana e fica confusa
sobre o que fazer.
12,9 20 31,4 32,9 2,9
20 No Twiter uma pessoa vê
que seu amigo postou uma
mensagem zoando um
garoto de sua classe.
8,6 2,9 17,1 61,4 10
Fonte: Dados da pesquisa.
Na escala do respeito também se repete a maior adesão ao valor
concentrada em respostas de Nível 3. No nível 3 a pessoa respeita
objetivando evitar consequências negativas ou desejando obter
consequências positivas, identificamos nesse nível a intenção do benefício
próprio. Também encontramos situações onde o sujeito age por
reciprocidade simples, onde se faz ao outro o que ele fez.
No nível 4, especialmente na questão 20, encontramos
isoladamente uma melhor adesão ao valor com 61,4% neste caso, o
respondente opta pelo respeito, por simples conformidade, pela
138
manutenção das convenções sociais, por obediência. Também se localiza
nesse nível a reciprocidade advinda da regra de ouro.
No Nível 5 verificamos pouca adesão como ocorrido
anteriormente com os outros valores pesquisados e expostos nas tabelas
anteriores. Na escala do respeito, queremos registrar os números notáveis
nos níveis 1 e 2 (contravalores) que somando-os teríamos uma
concentração grande nas questão dois, com o tema: “Um cachorro que
late durante todo o dia e incomoda os vizinhos do prédio”, na questão onze
com o tema: “Alunos zombando de um garoto que viveu no Japão e fala
diferente” e na questão dezessete, com o tema: “Professora católica que está
habituada a rezar com os alunos recebe uma aluna mulçumana e fica
confusa sobre o que fazer”.
Descrição dos níveis de respeito
NÍVEL I E NÍVEL II
Neste nível a pessoa opta na maioria das vezes pelo desrespeito ao
outro na forma de indiferença, descaso e até exclusão. Essas atitudes
ocorrem para manter um acordo com o seu grupo e manter-se fiel a ele.
Destro dessa escala os contravalores (nível 1 e nível 2) são o desrespeito, a
humilhação, o preconceito, a exclusão, o descaso, a depredação e a
discriminação (TAVARES et al., 2015).
N
ÍVEL III
Neste nível, o sujeito opta mais frequentemente, pelo respeito,
porém para evitar consequências negativas ou obter benefícios. Pode optar
139
por respeitar, mas transfere a responsabilidade para a autoridade
(TAVARES et al., 2015).
N
ÍVEL IV
Neste nível, o indivíduo opta pelo respeito por conformidade,
transmissão de convenções sociais, obediência a regras, ou ainda por
reciprocidade “não faças ao outro o que não queres que te façam”
(TAVARES et al., 2015).
NÍVEL V
No nível 5, o indivíduo opta pelo respeito considerando os
princípios que envolvem a dignidade, a integridade de todos os seres
humanos. Desta forma, há o respeito pelo ambiente, pelo bem público,
meio ambiente e outros (TAVARES et al., 2015).
ESCALA DE JUSTIÇA
Na tabela 5 mostramos os níveis de adesão ao valor justiça. Nesta
escala destacamos três aspectos de justiça: justiça retributiva, que trata da
atribuição de consequências aos atos considerados como infrações, a justiça
distributiva, que está relacionada a deveres, direitos onde os valores
maiores são a igualdade e a equidade, e por último a justiça processual que
vem fazer relações às formas de julgamento estabelecidas entres as pessoas
daquele grupo (TAVARES et al., 2015).
140
TABELA 5 - FREQUÊNCIA RELATIVA DAS RESPOSTAS DOS NÍVEIS DE
PERSPECTIVA SOCIAL DOS ALUNOS POR ITENS DO VALOR JUSTIÇA
Item Tema do item 1 2 3 4 5
4 Postura da professora diante das
dúvidas de alunos que
atrapalham as aulas com mau
comportamento.
5,7 12,9 52,9 15 13,6
7
Um cadeirante que encontra
dificuldades de locomoção para
chegar num auditório, onde
haverá apresentação de sua
turma.
2,9 2,1 82,9 5,7 6,4
10
Diretor que dá os melhores
horários de aula para professores
que seus alunos têm melhores
notas.
0 3,6 71,4 18,6 6,4
13 Uma senhora furta uma bandeja
de carne, após ser flagrada diz
que seus filhos estão passando
fome.
2,1 17,1 65 9,3 6,4
16 Caio é desafiado pelo
amigo a
dirigir o carro de seus pais,
mesmo não tendo habilitação.
4,3 7,1 51,4 29,3 7,9
19
Jovens se reúnem e arrecadam
fundos para reformar o salão de
jogos. Após ver a quantidade de
dinheiro arrecadado, a diretoria
quer usar o dinheiro para outros
fins.
4,3 6,4 47,9 28,6 12,9
Fonte: Dados da pesquisa.
141
Na tabela 5, percebemos a adesão ao valor justiça
predominantemente em Nível 3, com porcentagens bem marcantes em
todas as três escolas para esse nível. No Nível 4 temos uma menor expressão
de resposta em comparação as outras escalas neste mesmo nível. No Nível
5 obtivemos pouco alcance de jovens.
Descrição dos níveis de justiça
NÍVEL I E NÍVEL II
Neste nível, no campo da justiça distributiva, a pessoa opta na
maioria das vezes pela desigualdade, em função de poder e de autoridade,
ou ainda quando não há regras delimitando as ações não há obrigações
com a justiça e a com a igualdade. Quanto àjustiça distributiva, a pessoa
nos momentos conflituosos opta pela sanção expiatória apelando à
autoridade familiar. Podemos encontrar nesses níveis, contravalores a
justiça distributiva tais como: discriminação, individualismo,
desigualdade, autoritarismo. Em situações nas quais se veja necessário
avaliar, a pessoa avaliará conforme a autoridade (TAVARES et al., 2015).
NÍVEL III
No Nível 3, a pessoa opta na maioria das vezes por um tipo de
tratamento pautado na igualdade para evitar conflitos por conveniência
pessoal ou institucional, também para manter o apoio do grupo. Nas
situações conflituosas no ambiente escolar opta pela imposição, pela
autoridade, acredita na justiça vinda da reparação proporcional a infração
(TAVARES et al., 2015).
142
NÍVEL IV
No Nível 4, na maioria das situações a pessoa opta pela igualdade
com base no respeito ao desempenho de papéis convencionais e na
obediência à lei. Em situações escolares de quebra de regras ou com
conflitos com autoridade, a pessoa opta pela conversa e não mais por uma
sanção expiatória, embora ainda possa fazê-lo para evitar conflitos pessoais
(TAVARES et al., 2015).
N
ÍVEL V
Em Nível 5, onde seria o campo da justiça distributiva, a pessoa
opta com mais frequência pela igualdade entre indivíduos em função do
respeito a dignidade e dos direitos e deveres iguais a todos quando em
mesmas condições. A pessoa busca o diálogo ao invés de sanções. Ainda é
capaz de identificar erros e injustiças em pessoas de autoridade. No
descritor justiça os contravalores são a desigualdade, a discriminação, o
individualismo, o autoritarismo e a deslealdade (TAVARES et al., 2015).
Perfil dos sujeitos e suas percepções do ambiente escolar e familiar
Descrevemos os resultados encontrados dentro da temática da
família e na convivência familiar: desobediência e punição, como por
exemplo, ao solicitar aos respondentes que marcassem sim ou não, para
frases que traziam afirmativas: “Quando desobedeço sou punido”, como a
combinação de tarefas familiares, “Temos o costume de combinar as
tarefas de cada um” ter ou não apoio familiar, “Sempre tem alguém para
me apoiar” como são as regras dentro da família, se os pais dão regras,
143
“Quem dá as regras são meus pais”, faz o que se quer fazer ou, o que os
pais permitem, “Cada um costuma fazer o que quer”.
No lócus da escola investigamos o interesse do jovem sobre a escola.
Se gosta de ir à escola, se gosta de frequentar as aulas, se deseja mudar de
escola. Iremos tratar da percepção que os sujeitos têm de si, dentro da
família e no espaço escolar. Como se percebem e/ou são tratados pelos
professores. Inquirimos se na escola existem situações ou vivências com
professores gritando, colegas e/ou professores proferindo apelidos, alunos
se agredindo, questões de homofobia, professores colocando alunos para
fora da sala de aula, professores chamando pais para conversar e tratar de
problemas ocorridos na escola.
Analisamos o entendimento dos sujeitos sobre as regras, ao
perguntar: As regras são justas para todos? Há favorecimento de alguns
alunos por parte dos professores? Todos os alunos conhecem a regras?
Ocorrem punições sem que se ouçam os envolvidos? Ainda inquerimos se
os sujeitos tinham dentro da escola o conselho de classe, se sabiam do que
tratava.
Na tabela 6, apresentamos os dados junto ao tema convivência na
família, na qual se evidencia que as relações nas famílias dos sujeitos são
vistas como punitivas (88%) e autoritárias (93,5%), ao mesmo tempo,
protetoras (apoio com 84%).
O fato de existirem ou não combinados de tarefas nestas famílias,
pois 61,8% consideram a existência desta situação, pode sugerir certa
polêmica sobre o tema e reforçando o fato de autoritarismo onde não há
combinados e contratos e sim imposições de regras e obediências.
144
TABELA 6 - FREQUÊNCIA ABSOLUTA E RELATIVA DAS RESPOSTAS
POSITIVAS EM RELAÇÃO AOS MODOS DE CONVIVÊNCIA DOS ALUNOS
NA FAMÍLIA
f
%
Quando desobedeço sou repreendido ou punido 242 88,0
Temos o costume de combinar as tarefas de cada um 170 61,8
Sempre tem alguém para me apoiar (ajudar) 231 84,0
Quem dá as regras em casa são meus pais 257 93,5
Cada um costuma fazer o que quer 57 20,7
Só posso fazer o que meus pais deixam 197 71,6
Fonte: Dados da pesquisa.
Na tabela 7, que expõe sobre a relação do aluno com a escola,
mostra que os jovens avaliam a escola positivamente, pois identificamos
porcentagens altas para as respostas positivas sobre gostar da escola, e ainda
ficaria triste se mudasse de escola e negativa sobre mudar de escola, na qual
80% não gostariam de mudar de escola.
Sobre a questão de gostar ou não de frequentar as aulas, as opiniões
foram divididas. O número encontrado para os que gostam de frequentar
as aulas foi o 58, 3% equivalente 161 alunos. Subtraindo o número total
de alunos, temos um percentual de 41,7%, equivalente a 115 alunos, que
não gostam de frequentar as aulas.
145
TABELA 7 - FREQUÊNCIA ABSOLUTA E DAS RESPOSTAS POSITIVAS
SOBRE GOSTAR OU DE IR À ESCOLA
f
%
Gosta de ir à escola 196 71,0
Gosta de frequentar as aulas 161 58,3
Ficaria triste se tivesse de mudar de escola 204 73,9
Se pudesse mudaria de escola 51 20,0
Fonte: Dados da pesquisa.
Na tabela 8 mostramos como os alunos avaliaram certas relações
na escola, em alternativas que indicaram frequências de ocorrência como:
Nunca Raramente Às vezes e Sempre. Mostraremos as porcentagens
representando a junção das escolhas de: Muitas vezes e Sempre que, em
parte das questões foram mais acentuadas que o seu contrário: Nunca e
Raramente.
TABELA 8 - FREQUÊNCIA RELATIVA DE RESPOSTAS SOBRE COMO
PERCEBEM AS RELAÇÕES NA ESCOLA
Nunca Raramente Às
vezes
Sempre
Alunos fazendo brincadeiras ou gozações
que aborrecem ou deixam o colega
constrangido.
4,0 18,5 48,0
29,5
Alunos agredindo, gritando, ameaçando
outros alunos.
45,5 33,1 16,4
5,1
Alunos humilhando alguém por causa da
condição sexual e/ou trejeitos.
47,3 26,9 20,0
5,8
146
Alunos trazendo drogas para a escola. 66,2 21,5 9,5
2,9
Alunos trazendo armas para a escola. 85,1 9,5 4,4
1,1
Professores ou funcionários colocando
apelidos.
40,4 31,3 22,2
6,2
Professores ou funcionários gritando com
alunos.
30,2 39,6 24,0
6,2
Professores ameaçando chamar pais dos
alunos para resolver um problema de
briga.
28,2 39,6 21,2
11,0
Professores colocando para fora aqueles
que “bagunçam”.
2,5 14,5 45,1
37,8
Fonte: Dados da pesquisa.
Na primeira linha da tabela 8 no item “Alunos fazendo
brincadeiras ou gozações que aborrecem e constrangem”, temos as
porcentagens de Muitas vezes e sempre predominantes, 77,5%.
Na segunda linha, que trata das relações entre alunos, que se refere
a “Alunos agredindo, gritando ou ameaçando”, ou seja, situações de
violências físicas ou morais. Temos o número de 22% para as respostas de
Sempre e Muitas vezes e 78% para as respostas Nunca e Raramente, o que
mostra a existência de violência, mas ainda assim não é um número
predominante.
As demais situações descrevem cenas em que: “Professores ou
funcionários imprimem apelidos”, “Professores ou funcionários gritam
com os alunos”, “Professores ameaçam chamar os pais dos alunos para
tratar de problemas de brigas” e “Professores colocando alunos para fora
147
da sala de aula por mau comportamento”. Nestas questões, mostraremos
as porcentagens representando a junção das escolhas de: Muitas vezes e
Sempre que, em parte das questões foram mais acentuadas que o seu
contrário: Nunca e Raramente.
De forma geral os alunos se percebem bem tratados. Nas situações
de: “Professores ou funcionários colocando apelidos” temos 71,7% para
nunca/raramente. “Professores ou funcionários gritando com os alunos”
com 69,8% para nunca/raramente. “Professores ameaçam chamar os pais
dos alunos para tratar de problemas de brigas” com 67,8% para
nunca/raramente.
Encontramos resultados semelhantes, esses itens tiveram a
frequência percentual de 70% para as opções nunca/raramente e 30% para
sempre/muitas vezes. Denotando que 70% dos jovens dessa amostra se
percebem tratados de forma positiva.
Porém, ao tratar da variável “Violência”, qualquer número por sua
vez, pode ser interpretado como expressivo.
Na terceira linha desse mesmo quadro, descrevemos uma situação
em que “Alunos humilham alguém por causa da sua condição sexual ou
trejeitos”. Neste caso tratamos sobre o preconceito em relação à
homossexualidade, sugerindo de modo amplo, situações de intimidação ou
bullying. Para este item os jovens não marcaram como sendo frequente, o
número para esse caso foi o de 26%, concomitantemente com o número
de 30,2% de “Professores e funcionários gritando com alunos” e 28,4%
dos alunos recebendo apelidos de professores e funcionários, são números
importantes que não podemos deixar de registrar.
Na última linha, na questão: “Professores colocando para fora da
sala de aula, alunos que bagunçam” tivemos um número expressivo e
148
muito frequente desse ocorrido, marcando 83% sempre/muitas vezes,
contra 17% de menor frequência, nunca/raramente.
Estes números relacionados ao parágrafo anterior nos fazem pensar
que na dificuldade das relações dentro de sala de aula, o mais utilizado
pelos professores de todas as escolas pesquisadas é banir o sujeito do grupo.
A tabela 9 traz as apreciações dos alunos sobre Autoimagem. A
partir dos enunciados temos as alternativas muito bem/bem e nem
bem/nem mal.
TABELA 9 - FREQUÊNCIA RELATIVA DA PERCEPÇÃO QUE OS ALUNOS
TÊM SOBRE COMO É VISTO NA ESCOLA, FAMÍLIA E ENTRE AMIGOS
Muito bem Bem
Nem bem
nem mal
Mal Muito mal
Na escola 28 41,5 26,2 2,5 1,8
Na família 52 34,5 10,9 2,2 0,4
Com os amigos 65,1 28,7 4,0 1,5 0,7
Fonte: Dados da pesquisa.
As alternativas muito bem/bem, são altas, evidenciando
autoimagens positivas, especialmente entre amigos e na família.
Ressaltamos que a porcentagem de perceber-se bem vistos pelas pessoas,
obteve resultados positivos a partir de 70%.
Na tabela 10 apresentamos os resultados encontrados a respeito da
percepção dos jovens sobre as regras dentro do espaço escolar. As questões
apresentam enunciados com as seguintes opções escolhas de: Sempre,
149
Muitas vezes, e o contrário Nunca e Raramente. Mostraremos no quadro
a junção das escolhas sempre/ muitas vezes e nunca/ raramente.
TABELA 10 - FREQUÊNCIA RELATIVA AS REGRAS NA ESCOLA
Nunca Raramente Às
vezes
Sempre
As regras são justas e valem para todos. 3,3 12,0 33,0 51,8
Todos conhecem as regras da escola. 2,9 13,1 40,1 43,8
As
punições são impostas sem que os
alunos sejam ouvidos.
36,6 30,1 21,7 11,6
Os professores favorecem alguns alunos
mais que outros.
30,4 35,9 23,2 10,5
Os conflitos são resolvidos de forma justa
para os envolvidos.
5,1 15,6 36,6 42,8
Fonte: Dados da pesquisa.
Conforme registrado na tabela 10, as regras são percebidas como
justas por 85% dos jovens, também aparece como sendo do conhecimento
da maioria, onde 84% dos participantes conhecem as regras da escola. O
fato de receber punição sem ser ouvido e a questão de favorecimento de
alguns alunos pelos professores tiveram porcentagens bem parecidas, 33%
marcaram que as punições são impostas sem que os alunos sejam ouvidos
e 34% disseram que os professores favorecem alguns alunos mais que
outros.
Ainda sobre o perfil dos respondentes apresentamos mais três
questões, sobre as quais decidimos não fazer o uso de tabelas ou quadros.
150
A primeira se refere ao conselho de grupo, com a seguinte pergunta: “Sua
turma possui conselho de grupo?” Para essa pergunta, temos o resultado
que nos mostra que a maioria dos respondentes, somando 84% não possui
e não sabe do que trata o “conselho de grupo”. Um número bem pequeno,
15,8% dos sujeitos respondeu que a turma possuía o “conselho de grupo”.
Estes números nos chama a atenção para o fato desses jovens não
possuírem um espaço permanente para tratar das questões da turma, visto
que 28,9% desconheciam do que se tratava o termo.
Em seguida temos a pergunta: “Geralmente como seus professores
tratam você? Apresentam-se as opções, bem, nem bem/nem mal e mal.
Temos como resposta em 80% a alternativa bem. Para nem bem/nem mal
encontramos 20% das respostas, demonstrando que os jovens se percebem
bem tratados pelos professores.
A terceira questão se refere à repetência: “Quantas vezes você já
repetiu de ano?” Sobre repetir de ano, 92% dos respondentes nunca foi
reprovado, e 8% já repetiu de ano uma única vez.
As relações entre os valores morais pesquisados, com o perfil
dos jovens no contexto escolar e familiar
A partir dos dados apresentados e algumas considerações já
elaboradas, podemos observar que certas variáveis de perfil dos
participantes estão relacionadas com maior ou menor adesão aos valores
morais elencados nesta pesquisa. Nesta seção trazemos algumas relações e
reflexões para adiante discutirmos algumas implicações no âmbito
educacional.
151
RELAÇÕES ENTRE PROFESSORES E ALUNOS
Perceber-se bem quisto, bem tratado, com 80% de respostas
positivas, se relaciona diretamente com maior adesão aos quatro valores
pesquisados. Em oposição estariam sentir-se mal tratado ou ser nem bem/
nem mal tratado, com 20%, mais compreendido por indiferença, refletem
como uma menor adesão aos valores.
Temos resultados positivos para situações em os jovens relatam que
professores e/ou funcionários gritando (30%), professores e funcionários
pondo apelido (28%) e ainda professores ameaçando de chamar pais para
resolver problemas que ocorreram no colégio (32%), nestes casos, como já
dissemos, qualquer número é de registro pertinente, pois nessas situações
contribuem veemente a baixa adesão aos valores morais tratados nessa
pesquisa.
U
SO DE SANÇÕES PELOS PROFESSORES
O fato de 83% dos jovens responderem positivamente sobre
professores colocarem frequentemente alunos para fora da sala de aula está
relacionado com menor adesão aos valores justiça, respeito e solidariedade.
O tratamento dado ao aluno, o tipo de sanção utilizada, tal como
percebida é uma variável importante para a construção dos valores morais.
REGRAS NA ESCOLA
O fato de as regras serem justas e do conhecimento de todos para
a maioria dos alunos (85%), nos sugere uma maior adesão aos valores
justiça, convivência democrática, respeito. Em consonância, temos a
resposta positiva ao fato dos conflitos serem percebidos como resolvidos de
152
forma justa por 81% dos sujeitos favorecendo a adesão ao valor justiça e
convivência democrática.
Entretanto, vamos registrar o resultado negativo percebido por
33% dos alunos que acreditam haver favorecimento de alguns alunos por
parte dos professores, fato que registra uma adesão menor a todos os
valores. Esta situação ou percepção dos alunos é preocupante, pois são
atitudes pautadas em desigualdade, em função do poder de autoridade
desse professor.
R
ELAÇÃO ENTRE ALUNOS
A variável nunca ou quase nunca ter presenciado alunos se
agredindo ou gritando (78%) é um sinal de maior adesão a todos os
valores. Entretanto, temos respostas positivas de até 78% dos jovens que
marcaram as vezes/sempre para alunos fazendo brincadeiras ou gozações
que aborrecem e constrangem. Registramos aqui o oposto, ou seja, uma
menor adesão a todos os valores.
GOSTAR E SENTIR-SE BEM NA ESCOLA
A variável gostar de ir à escola, obtendo 71% de resposta positiva,
está relacionada à maior adesão aos valores solidariedade, convivência
democrática e respeito. Do mesmo modo, entristecer-se por mudar de
escola (74%), relaciona-se com maior adesão aos valores justiça e respeito.
De modo contrário, temos resultados importantes que revelam que 58%
dos alunos não gostam de frequentar as aulas, relacionando a menor adesão
ao respeito e convivência democrática.
153
BOA IMAGEM DE SI
Sentir-se bem visto pelos pares (90%) e pelas pessoas ao redor,
neste caso os professores/funcionários (70%) e familiares (86%), está
relacionado a um aumento na adesão e na construção de todos os valores
pesquisados. E ao contrário, perceber-se mal visto, temos uma relação
negativa e se relaciona com menor adesão a esses valores. Sabemos que as
variáveis ligadas às relações sociais na escola, estão fortemente ligadas a
adesão aos valores sociomorais numa relação direta, nos autorizando a dizer
que quanto melhor a qualidade das relações e das interações sociais, seja na
escola, família ou outros locais, maior é a adesão aos valores.
R
ELAÇÃO FAMILIAR
A afirmativa dos jovens sobre o não emprego de sanções
humilhantes e sem agressões físicas, porém com presença de punição
(88%), estão diretamente relacionadas à maior adesão aos valores de
justiça, solidariedade e convivência democrática. Para o resultado positivo
para as perguntas sobre receber apoio com 84%, confere a maior evolução
aos valores respeito e justiça. No emprego de combinados na família, que
temos o resultado positivo de 62% e negativo de 38%, apontando certo
cuidado neste referencial, pois positivamente sugere aumento na adesão a
justiça. Em consonância com o fato de haver nestas famílias a imposição
de regras com 93,5% em resposta positiva a afirmação: “quem as regras
são meus pais”. Considerando que os combinados não são imperativos e
há uma imposição de regras, podemos dizer de uma baixa adesão ao valor
justiça, convivência democrática e respeito.
154
Após os registros das relações observadas nesta pesquisa, desejamos
encaminhar para as considerações finais, na quais faremos discussões sobre
a educação em valores.
Ampliando discussões e análises conjuntas
Os dados apresentados nessa pesquisa sobre a adesão de valores
justiça, respeito, convivência democrática e solidariedade por jovens do
Ensino Fundamental II (9º ano) e Ensino Médio, nos possibilita a fazer
algumas considerações sobre as tendências observadas de forma geral e
ampliar o olhar sobre a educação em valores na sociedade e nas escolas
pesquisadas.
Inicialmente falaremos sobre a adesão aos valores mensurados,
tratamos separadamente e ao mesmo tempo iremos integrá-los, pois
pensamos que os valores morais são complementares entre si. Juntamente
trataremos das implicações educacionais e apontaremos algumas
possibilidades para a evolução do desenvolvimento moral nos jovens e para
os profissionais atuantes dentro das escolas podem e devem colaborar nesse
sentido.
Como dissemos anteriormente, a Escala de Valores Morais foi
motivada por um fenômeno global compreendido por “crise de valores”.
Esta afirmativa para La Taille e Menin (2009) significa dizer que os valores
morais estariam doentes. Por isso, sugerem a alternância do termo para
“valores em crise”, que por sua vez implica-nos a refletir num processo de
transformação. Desta forma, nestas considerações finais desejamos que
fique clarificada nossa aceitação e concordância dessa diferenciação.
Os resultados desse estudo e pesquisa nos possibilita identificar
níveis de desenvolvimento moral em cada valor, se referindo as perspectivas
155
sociais do modo aos quais os jovens aderem aos valores (egocêntrico
sociocêntrico e moral), são níveis crescentes, entretanto, estão
relacionados e se integram.
Sendo assim, podemos encontrar situações nas quais o indivíduo
(criança mais velha, adolescente ou adulto) faça escolhas mais elementares
num tema, e em outra ocasião pode apresentar escolhas mais evoluídas.
Outro fator comum e que influencia nos resultados, é o próprio ambiente
pesquisado, que por uma busca de adaptação a esse ambiente, o sujeito faça
opções por julgamentos menos evoluídos do que teria condições de fazer.
Diante dessa afirmativa, os níveis que apresentamos são predominantes,
podendo ocorrer avanços e recuos (TAVARES et al., 2013).
Na escala da convivência democrática, indica o predomínio no
nível III. O valor convivência democrática nos chama atenção ao
concentrar altas porcentagens de contra valores, ou seja, temos histórias
com porcentagens importantes de níveis I e II. Como nas histórias 7
(19,2%), 13 (23%) e 16 (36%). As três histórias mencionadas ocorrem em
diferentes lócuos sociais. Demonstrando a dificuldade dos sujeitos de
resolverem situações conflituosas por meio de trocas dialógicas e
participações coletivas. Acabando por preferir ações de ordem arbitrária,
havendo presença de comportamentos de individualismo, indiferença e até
mesmo saídas violentas dos conflitos. No predomínio de nível III, na
perspectiva social egocêntrica, temos sujeitos com poucas habilidades
dialógicas e quando as utilizam, buscam algo para se beneficiarem.
Nos PCNs, temos de forma clara o conceito de diálogo, de
democracia, trazendo a luz ideias de que onde há pessoas, há conflitos. E
ainda, a democracia tem em seu seio o consenso e o dissenso. Portanto, o
conflito entre sujeitos é constituinte da democracia. Nesse emaranhado de
termos, de ideias, onde fica o diálogo? O diálogo é o principal instrumento
156
desse sistema relacional complexo. Dessa forma, [...] “dialogar pede
capacidade de ouvir o outro e de se fazer entender” (BRASIL, 1997, p.
110). Diante do exposto, inquirimos: Como fomentar a capacidade
dialógica nas pessoas, nos jovens, nas crianças? Para responder recorremos
à dimensão moral.
A dimensão moral transcende a escola. Mas com essa afirmativa,
não se deseja eximir dela seu papel e sim reafirmá-lo nessa pesquisa. A
escola deve promover a formação moral de seus alunos. Para que isso
aconteça, depende das relações sociais nas quais os jovens são submetidos.
Não sendo, única e exclusivamente da escola a responsabilidade, nem por
isso ela precisa deixar de dar sua contribuição. A família tem muito peso e
os valores que estão presentes podem contribuir ou atrapalhar. Mesmo
atrapalhando, não deve ter a capacidade der impedimento, ou melhor,
afirmamos, não impede. Aceitamos essa ideia e seguimos com ela.
Afirmamos que essa educação moral a qual nos referimos não é
aleatória, é legítima, está nos Parâmetros Curriculares Nacionais, então
não por em prática significa algo mais que não querer fazer. Ao negar essa
dimensão pedagógica da formação moral dos educandos, a instituição
educativa não está legitimamente, nem eticamente no lugar de se queixar
de incivilidades, de conflitos, de desrespeito e violência (LA TAILLE,
2013).
Nesse sentido, Oliveira, Morais e Carvalho (2013), na pesquisa
“Resolução de conflitos e agressividade: escala sobre a percepção de
educadores”, os conflitos interpessoais são compreendidos como inerentes
às condições de interações sociais e nem sempre devem ser vistos como
prejudiciais, pois podem ser decorrentes de divergências de ideias, gerando
desequilíbrio interindividual ou intraindividual. Dessa forma, para haver
uma nova equilibração, os sujeitos precisam descentrar-se, colocar-se no
157
lugar do outro, coordenar diferentes perspectivas, ou seja, esse exercício
exige trabalho cognitivo e por ser assim, faz-se necessário a presença de um
adulto preparado, no caso o professor, um mediador desse conflito. Por
fim, os pesquisadores citados concluem importantes implicações
educacionais, as quais desejamos trazer para presente tese o fato de a escola
fundamentar e instrumentalizar o planejamento de programas de cunho
preventivo e de intervenção, voltados para a construção de ambientes
favoráveis ao desenvolvimento integral do ser humano.
De acordo, D’Aurea-Tardeli (2013), na pesquisa “Avaliação dos
valores de professores: possibilidades para uma escola democrática” nos
afirma que para professores formarem eticamente seus alunos, precisam ter
desenvolvido algumas competências, e a autonomia moral é uma delas.
Somente assim, uma pessoa poderá escolher o princípio adequando para
cada caso e procurar uma interpretação mais justa para as situações
conflitivas. Escolas que colaboram para uma conduta ética e justa, que
discutem questões sobre desigualdade, inclusão, injustiça, desrespeito,
estão desenvolvendo o senso ético de seus professores, pois a prática
reflexiva é elemento fundamental na tomada de consciência e construção
de valores democráticos. Seguimos nossas reflexões trazendo para discussão
a escala de solidariedade.
Na escala da solidariedade, temos novamente o predomínio do
nível 3 (perspectiva social egocêntrica) em todas as questões. Porém, existe
a marca de algumas evoluções para nível 4, onde percebemos que houve
perspectivas sociais sociocêntricas marcando evoluções em algumas
situações.
Nos resultados encontrados concluímos algo que Piaget (1998) já
havia chamado a reflexão que é o fato de os indivíduos serem solidários
entre si, por obedecerem juntos a uma regra exterior, chamado por ele de
158
solidariedade externa. O segundo tipo dominado como solidariedade
interna que vem a transpor os limites das regras sagradas, elaborando
coletivamente as leis, portanto são internas passíveis de revisões contínuas,
baseadas em respeito mútuo. O primeiro tipo de solidariedade é
comumente observado em crianças de até 11 anos em média. O esperado
dentro da faixa de idade pesquisada por nós seria o segundo tipo, onde
haveria um espírito democrático, longe de uma solidariedade imposta ou
pregada por adultos. A solidariedade externa é estranha à personalidade do
sujeito, vem de fora, de métodos verbais. Piaget salienta que a experiência
da solidariedade só pode resultar de relações internas estabelecidas entre as
crianças.
Com efeito, voltamos a pensar sobre o dilema generosidade ou
justiça, pesquisado por Kawashima e Martins (2013), que encontraram
como resultado de pesquisa, a virtude generosidade sendo pouco valorizada
pelos professores, que preferiram a justiça. O fato de os professores
considerarem pouco a virtude da generosidade, darem pouca importância,
deixam de proporcionar o desenvolvimento de sentimentos morais, sociais
no respeito ao outro. Os professores precisam trabalhar a virtude da
generosidade com vistas a abrir horizontes para a construção de novas
virtudes, como a solidariedade, a cooperação e até mesmo a justiça. O
cuidado que inspira a generosidade, inspirará e ensinará que para ser ético,
o outro faz parte desse contexto, sentir simpatia pelo outro, se comover
com a dor do outro, permitirá ao homem ser capaz de condutas generosas
e solidárias.
A solidariedade envolve um compromisso pelo bem individual e
coletivo, reconhecendo o outro como pessoa, respeitando sua dignidade.
Trata-se de aceitar todo ser humano com lealdade, superando as diferenças
159
ideológicas, raciais, econômicas, religiosas, enfim reconhecer que todos
pertencemos a mesma humanidade.
Dessa forma, torna-se possível a superação de atitudes
individualistas, egocêntricas, percebendo como sua, a dor do outro, o
sofrimento do outro, a injustiça do outro. A verdadeira convicção que
fazemos parte da mesma humanidade faz possível a participação na
construção de uma sociedade mais justa. Todos esses pontos trazidos estão
na base da convivência ética, numa base orientada no bem comum
(D’AUREA-TARDELI, 2009).
Com os dados obtidos nas escalas de valores morais, observamos
inúmeras informações que darão sentido, farão articulações de ideias,
conferindo as mesmas, significados importantes que trazemos em seguida
pela escala do valor respeito. Pois, “[...] a educação moral não deve ser
trazida de fora para dentro da criança, mas deve ser consequência natural
de uma vivência moral” (PESTALOZZI in, PACHECO, 2012, p. 54).
Na escala do respeito, temos o registro de predominância do nível
III. Entretanto, os níveis de contravalores são notáveis, nos chama atenção
especialmente em três histórias, obtendo 20,7% de adesão na questão
número dois, 20,7% de adesão na história de número onze e 32,9% de
adesão na história número 20. Temos algumas evoluções em nível IV,
porém se comparadas aos números encontrados nos contravalores são
similares. Ocorre pouca adesão em nível V, sendo sempre porcentagens
menores do que aquelas registradas nas mesmas histórias com adesão maior
nos contravalores.
O termo respeito é central na moralidade, portanto muito
complexo, pois pode levar a várias dimensões de relações humanas. O
respeito significa valorização de toda e qualquer pessoa, seja no aspecto
160
cultural, sexual, político, social, étnico, religioso e outros. O respeito
mútuo como condição necessária para o convívio democrático, o respeito
ao direito seu e do outro ao dissenso, o respeito à privacidade, o repúdio a
humilhação ou violência, enfim o exercício da cidadania pressupõe íntima
relação entre respeitar e ser respeitado (BRASIL, 1997).
Na escala de valor respeito os descritores estão ligados aos
elementos citados no parágrafo anterior como: assumir o respeito à
dignidade humana, independentemente de sua origem, etnia, religião,
opinião, cultura; reconhecer a diferença entre as pessoas, respeitar regras
morais, sociais, convencionais que visem ao bem comum; respeitar a
privacidade como direito de cada pessoa, respeitar o bem público, o bem
privado, o meio ambiente e outros. Como contra valor temos desrespeito,
humilhação, preconceito, exclusão, discriminação, indiferença, descaso,
depredação (TAVARES, et al., 2015).
La Taille (2002) compreende que as representações de si positivas,
e o autorrespeito são valores morais importantes. Dessa forma, acrescenta
dizendo que “[...] o autorrespeito é condição necessária para se respeitar
moralmente o outro.” (LA TAILLE, 2002, p. 147).
Na contramão do respeito, temos a humilhação e variados contra
valores como expusemos. La Taille (2002) vem caracterizar a humilhação
em três categorias: a domesticada que são as brincadeiras, zombarias e
piadas feitas entre as pessoas, as quais, embora constituam agressão, são
suportáveis pela forma e pelo tempo em que são praticadas. A ritualizada
que está ligada ao rebaixamento da pessoa em situações específicas como
no “trote”, por exemplo, na qual existe o uso da força e ultrapassa o limite
do suportável e, por fim, a violentadora, que "expressa à intenção de
rebaixar pessoas ou grupos e de mantê-los, se possível para sempre, na
posição humilde que lhes é reservada" (LA TAILLE, 2002, p. 245).
161
Parece-nos pertinente e muito importante considerar uma das
relações entre a humilhação e a vergonha, sobretudo em se tratando das
observações dos dados encontrados na presente pesquisa. Encontramos nos
perfis dos sujeitos pesquisados que constantemente os alunos são colocados
para fora de sala, número importante, 83% dos respondentes marcam essa
variável com recorrente, como sendo uma rotina escolar. Seja por
desrespeito ao professor, por desrespeito aos colegas, por incivilidades, o
recurso utilizado pelo professor e banir o sujeito do grupo, temos muitas
considerações e suposições sobre essa conduta, mas vamos ficar somente
com o que está explícito nessa situação. Existe falta de habilidade em gerir
o conflito, ficando mais fácil “colocar o conflito para fora da sala, por o
problema pra fora”, por ser muito mais fácil e rápida a solução.
Outro fator que queremos relacionar a baixa adesão ao valor
respeito são as respostas positivas de 78% dos sujeitos sobre presenciar ou
encontrar-se em situações de brincadeiras e gozações que aborrecem e
constrangem. Pois, Segundo La Taille (2002), o fato de ser humilhado
repetidas vezes pode fazer com que a vítima passe a aceitar-se como
inferior, mudando o juízo que tem de si, de sua boa imagem. É esse o risco
que se corre quando não se investe na reflexão sobre formação moral com
os professores em geral, no sentido de fazer da escola espaço favorecedor
da construção de imagens negativas pelas crianças, que passariam a verem-
se como incapazes.
Ainda sobre o valor respeito e suas relações com o perfil dos
respondentes, temos números marcantes de professores pondo apelidos
28,4%, gritando 30%, ameaçando de chamar os pais para resolverem
conflitos na escola 32%. Esses números tornam-se expressivos, pois, em se
tratando de desse tipo de conduta vinda de professores e de instituições
educativas podemos considerá-los inaceitáveis, da mesma forma que
162
devemos igualmente abominar qualquer espécie de violência entre os
jovens, também o fazemos com os adultos.
Nesse sentido, Pedro-Silva (2013) sugere ao professor a
substituição da cultura da culpa, pela cultura da responsabilidade. Para esse
autor os professores m preferido culpabilizar às famílias pela indisciplina
dos jovens, se atendo apenas a acusar. Fazendo isso, os professores não
estão contribuindo em nada para resolver os problemas. Problematizar as
situações de conflito também significa ser autoridade e não ao contrário,
como muitos professores pensam estar cedendo aos caprichos dos alunos,
não é se subordinar. É fazer valer seu papel de educador, utilizar de sua
autoridade e não de autoritarismo, para haver autoridade não é necessário
ser uma figura autoritária.
Queremos de fato, pela via da educação escolar, formar sujeitos
éticos? Sim, queremos. Para tanto, parece-nos legítimo dizer que é preciso
investir na formação moral, a começar pela formação dos professores e pela
reflexão sobre as interações que viabilizem a construção/manutenção de
valores para a constituição de uma vida mais digna, dos sujeitos que
habitam o espaço escolar. Entendemos que, da perspectiva do
autorrespeito, a resposta à pergunta "o que sou?" levará à resposta da
pergunta "o que quero ser?" (LA TAILLE, 2002). Desta forma, a escola
deve estar preparada para receber o aluno e não o contrário. Pois, a função
precípua da instituição que se nomeia educativa é promover a educação,
contribuindo para a transformação dos indivíduos (PEDRO-SILVA,
2013).
Passaremos a escala do valor justiça e seguimos com nossas
considerações sobre os dados encontrados. Em relação ao valor justiça,
temos como descritores os princípios de justiça, como igualdade e
equidade, para aplicar regras e normas. Na sociedade em geral, repudiar
163
situações de discriminação, desigualdade. Na aplicação de sanção, priorizar
sanções por reciprocidade, onde visa à restauração das relações sociais e não
utilizar de sanções expiatórias que visam humilhação e castigo.
Compreender e se responsabilizar pelas decisões resultantes de contratos
firmados democraticamente pelas partes (TAVARES, et al., 2013).
Quando falamos em justiça, já temos em mente as regras, as
punições, as sanções, portanto vamos falar um pouco sobre isso. As regras,
desde muito tempo é objeto de estudo de Piaget (1932/1994a) e em
seguida de outros autores, entre eles Lino de Macedo (1996), que conferem
a estas, grande valor e muito cuidado. Os gestores, os professores, precisam
compreender que existem as regras negociáveis e aquelas não negociáveis.
Na escola, podemos situar algumas situações e rotinas como, lavar
as mãos antes de tomar o lanche, respeitar qualquer pessoa com quem se
conviva, trabalhar enquanto se está na classe em vez de fazer bagunça, não
agredir, são exemplos de regras não negociáveis. As regras negociáveis são
construídas com base no acordo entre os constituintes do grupo,
objetivando organizar os trabalhos e garantir a justiça. Isso não significa
que os gestores e professores devem acatar tudo. Mesmo porque, as
crianças na fase heterônoma ou jovens ainda, criam e sugerem regras muito
punitivas, cruéis, que eles próprios não têm condições de seguir. Por isso e
para isso, existe o professor, o adulto mediador, mostrando o problema e
colocando questões que levem a reflexão, até elaborarem regras que possam
ser de fato cumpridas.
Há regras que alguns autores comentam, entre eles, Vinha (2000),
que precisam ser questionadas sobre suas validades, sobre sua verdadeira
função e contribuição para o desenvolvimento da autonomia. A exemplo,
temos o controle do uso do banheiro, não usar boné, fazer fila. Nessas
ocasiões o aluno é privado de tomar uma decisão de desenvolver seu
164
autocontrole. Temos também o registro nas agendas escolares, que
ameaçam, que punem ao invés de sancionar. A autora comenta que nas
primeiras semanas é até complicado ver os alunos saindo a todo o
momento. Mas na semana seguinte isso irá diminuir, porque perceberão
como foi bom para todos os benefícios dessa mudança.
Vimos nessa pesquisa, que as regras nas escolas eram de
conhecimento de todos. Uma grande maioria respondeu positivamente
sobre esse tema (85%), nesse sentido dissemos anteriormente e que de fato
deveria sugerir uma maior adesão aos valores justiça, convivência
democrática e respeito. Outro fator que nos intriga é a ideia e percepção
dos jovens de que os conflitos estão sendo resolvidos de forma justa (81%).
Mesmo havendo o resultado negativo de 33% dos alunos que responderam
que as punições são dadas sem que os alunos sejam ouvidos. Na tabela 6,
temos os registros de famílias protetoras (apoio familiar 84%), punitivas
(88%) e autoritárias (93,5%), o que nos faz pensar e traçar um paralelo
importante sobre os dados que iremos discutir na adesão ao valor justiça.
Nos resultados sobre a adesão ao valor justiça há forte predomínio
do nível III, com porcentagens bem mais altas que as outras escalas nesse
nível. Optando pela justiça distributiva, na maioria das vezes deseja evitar
conflitos para si, quer manter a boa imagem, ou manter o apoio do grupo.
No campo da justiça retributiva que também pode ser encontrada nesse
nível, o sujeito opta pela reparação proporcional ao dano causado,
afirmando sua escolha pela autoridade.
Contudo, a evolução para o nível IV ocorre de forma discreta com
porcentagens menores que as encontradas nas somas dos contravalores,
onde o sujeito opta pela desigualdade em função do poder da autoridade.
Junto à justiça retributiva irá recorrer à sanção expiatória, apelando à
intervenção da família junto aos jovens, fato comum nas escolas
165
pesquisadas que ameaçam chamar os responsáveis para resolver conflitos
ocorridos no espaço escolar. Também identificamos junto aos
contravalores as posturas autoritárias dos professores, como ao colocar
alunos para fora de sala rotineiramente. Como vimos, em nível V, nível de
adesão ao valor propriamente moral, os números de adesão foram os mais
baixos encontrados nessa pesquisa. Os dados obtidos nesta pesquisa nos
permitem evidenciar, que o valor mais difícil de ser alcançado pelos jovens
numa perspectiva social descentrada foi o valor justiça.
Diante dos estudos dos dados apresentados na escala de adesão ao
valor justiça e os dados registrados no perfil dos sujeitos, temos perguntas
importantes e algumas hipóteses sobre o ocorrido, vamos a elas: que regras
justas são essas? Justas para quem? Os jovens, inseridos em famílias
autoritárias e ainda em escolas com professores demonstrando perfis
autoritários, serão sujeitos capazes de dizer o que é justo? Será que o justo
nessas ideias de justiça, está para uma moral autônoma ou moral
heterônoma?
Kamii (2005), nos fala que a autonomia significa ser governado
por si próprio. É o contrário da heteronomia, que implica ser governado
por outrem. As pesquisas piagetianas mostram que uma educação baseada
na recompensa, nos castigos, nas punições, nas ameaças mantém
crianças, jovens obedientes e heterônomos. Ao contrário a educação
baseada no intercâmbio, no diálogo, na reflexão, nos diferentes pontos de
vista, estimula decisões construídas pautadas em valores éticos, e, por
conseguinte há a construção da autonomia moral.
Desejamos analisar mesmo que rapidamente sobre as
consequências da punição. Em toda e qualquer situação está incluída nessa
punição um sentimento negativo do sujeito com ele mesmo, provenientes
dessa punição e humilhação efetuada pelo adulto, uma vez que imposta de
166
forma autoritária, seja na família, ou na escola. E ainda nessa situação, a
criança, o jovem, nenhum deles reflete sua ação, gerando espaços para
ressentimentos, raiva, mágoas e mais adiante esses mesmos sujeitos podem
optar por algumas saídas já reveladas por Piaget (1932/1994a), cálculo de
riscos, o sujeito tomará mais cuidado para não ser flagrado, pois não
refletiu sobre sua ação, e com certeza não gostou do castigo. A
conformidade, onde o sujeito opta por obedecer sempre, para se livrar das
consequências. Revolta, onde há o prazer de desobedecer, sem refletir sobre
as consequências de seus atos, como sendo uma agressão para si e para o
outro. Enfim, evitar a consequência torna-se mais importante do que evitar
o ato em si.
De acordo com os elementos trazidos nos dados dessa escala,
situamos a presente pesquisa com a perspectiva social individualista ou
egocêntrica adotada por grande maioria dos respondentes, novamente
ressaltamos que os níveis não representam estágios fixos e duros
propriamente, e sim orientações morais e tendências afetivas.
No entanto, as respostas de nível I, II e III, sendo tão marcantes e
frequentes indicam pesos de autoridades, de sanções expiatórias.
[...] Desde Piaget (1994b [1932]) essa influência já era mostrada. Esse
autor explicou que, por vezes, a autoridade, com seu poder
demonstrado pelo uso das sanções expiatórias, atrapalha o
desenvolvimento do sentimento de justiça (MENIN; BATAGLIA;
MORO, 2013, p. 44).
Piaget (1932/1994a), já chamava o valor justiça, de a mais racional
de todas as virtudes, a inspiradora da igualdade. E concordamos com
muitos pesquisadores que já disseram que as escolas são locais privilegiados
de fomentar relações mais justas e respeitosas. Cuidar para que as relações
167
nesse espaço educativo sejam de qualidade, que as interações sejam mais
justas, mais respeitosas.
168
169
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
_______ ____________ ____________ _____________________ _____________________ ____________ _______________ ____________ ___________ _______________ ____________ _______________ ____________ ____________ _____________________ ___________________
As considerações sobre os resultados encontrados nesse estudo nos
levam a pensar alguns pontos. O primeiro, se o ambiente escolar favorece
ou não o desenvolvimento moral de seus alunos. Desejávamos conhecer a
forma como os professores e outros funcionários trabalhavam as situações
conflituosas, como os conflitos eram compreendidos, qual perspectiva era
adotada pelos educadores, enfim desejávamos compreender como eram as
relações interpessoais nesses ambientes pesquisados e como estas
influenciam na adesão aos valores.
Por conseguinte, as escolas influenciam na formação moral das
crianças e jovens. O problema é que nem sempre fazem na direção da
autonomia. Ao contrário na maioria das vezes encontramos como nessa
pesquisa, condutas favorecedoras de heteronomia. Para que o
desenvolvimento de todos os valores morais ocorra, é necessário
absolutamente que os sujeitos possam fazer experiências morais. Visto que
essa ideia cabe para todos os valores citados, “não se aprende apenas com
lições ou teorias sobre o assunto, mas experimentando relações em que as
regras são realmente necessárias e valem para todos, em que há a vivência
de situações de justiça pautadas na igualdade e na equidade” (TAVARES,
et al., 2016, p. 207).
Em segundo, que seria alcançar o objetivo de mensurar a forma de
adesão aos valores trazidos nos cadernos da escala de valores morais.
Constatamos que os valores mais difíceis de serem alcançados pelos
adolescentes numa perspectiva social descentrada foram à justiça, o
170
respeito e a convivência democrática. Em todos os valores mensurados
houve predominância de nível III, perspectiva social egocêntrica, mas a
justiça e o respeito mostraram-se bem concentrados neste nível, ocorrendo
pouca evolução em nível IV, que seria compreendido aqui como adesão ao
valor de modo sociocêntrico. Por outro lado, nestes valores já citados,
também apareceram porcentagens não desprezíveis, assumindo posturas
não democráticas, desrespeitosas, desiguais e etc.
Outra constatação é que as respostas pró-valor em níveis mais
elaborados foram apresentadas no valor solidariedade, com predomínio de
perspectiva social egocêntrica, mas ocorrendo evoluções importantes em
nível, IV e nível V, que seria a adesão propriamente moral.
Contudo, afirmamos que os resultados da nossa pesquisa mostram
os jovens aderindo aos valores de modo egocêntrico ou no máximo,
sociocêntrico, pois para isso acaba dependendo da imposição, da presença
de uma autoridade para legitimar sua escolha, depende de regras rígidas,
são acometidos por pouco diálogo com os adultos e entre os pares, uma
vez que a maioria dos respondentes não tem em sua escola ou nem sabe o
que é “conselho de grupo”. A difícil adesão aos valores justiça, convivência
democrática e respeito, reforçando que são pouco vivenciados seja na
escola ou fora dela.
Reafirmamos juntamente com Tavares e colegas (2016), que os
valores solidariedade, justiça, respeito, convivência democrática estão
sempre presentes nos projetos político-pedagógicos e na fala de diretores,
coordenadores e professores. Entretanto, não basta um projeto para a
autonomia, é preciso oferecer um ambiente escolar efetivamente propício
a esta conquista.
171
Além das vivências em ambientes sociomorais, para que o sujeito
seja impulsionado a valorar em suas ações físicas ou mentais, é necessário
algo que o motive. Ao tratar da adesão aos valores nesta pesquisa,
precisamos trazer a reflexão mais uma vez um pressuposto piagetiano
muito significativo neste contexto que é o afeto. O percurso de Piaget no
tema afetividade traz a emoção, o afeto como os motores da ação. Com
efeito, deseja-se que os alunos ajam moralmente, mas não se abrem espaços
para que haja a reflexão sobre as ações, sobre os princípios e as normas,
sobre os valores e sentimentos que nos movem a esse agir, ao que já
dissemos em outro momento, quando Piaget (2014) aponta o afeto como
o motor da ação moral.
Podemos ainda, afirmar, com Vinha e Tognetta (2009) que a
transmissão direta de conhecimentos é pouco eficaz para fazer com que os
valores morais se tornem centrais na personalidade. Para a vivência
democrática e cooperativa e para resolver problemas que requerem o
desenvolvimento das dimensões cognitivas e afetivas, assim como de
habilidades interpessoais, é preciso oferecer aos educandos oportunidades
frequentes de atividades planejadas, sistematizadas que trabalhem os
procedimentos da educação moral, tais como assembleias, discussão de
dilemas, narrativas morais entre outros. Estes procedimentos favorecem a
apropriação racional das normas e valores, o autoconhecimento e o
conhecimento do outro, a identificação e expressão dos sentimentos, a
aprendizagem de formas mais justas e eficazes de resolver conflitos e,
consequentemente, o desenvolvimento da autonomia.
É necessário refletir sobre as ações vividas, se sentir respeitado no
ambiente em que se vive, a moralidade precisa sair do papel, ser objeto de
apropriação dos profissionais da educação, das crianças, dos jovens, de
172
todos nós. É preciso ser valorizado para querer agir bem, para então
conviver de forma justa, respeitosa e solidária.
O que diremos as escolas? Diremos: a sua, a nossa vocação é
cooperar, ser corresponsável. Devemos tolerar a incoerência entre pensar e
o fazer, entre o projeto político-pedagógico e o que se tem feito? É comum
atualmente ouvir educação construtivista, educação democrática, mas o
que é isso mesmo? Vamos nos capacitar? E sobre isso, as decisões devem
ser pautadas na tolerância ou na aceitação?
Sabemos que a educação em valores se dá pela convivência, pelo
exemplo, pelo contágio emocional. Assim aconteceu certa vez com
Maicon, filho de um pai que não chegou a conhecer. Que viu a mãe ser
assassinada por um traficante. Que presenciou a estupros e outras
violências. Naquela manhã, chegou cheirando mal. E não tardou a
reincidir no xingamento e na agressão aos colegas (PACHECO, 2012).
O professor aproximou-se e abraçou-o... com firmeza. O Maicon
tentou libertar-se, gritou. Quando acalmou, o professor ficou a fitá-lo,
em silêncio. Quando Maicon tirou os olhos do chão, falou:
-Tio, posso fazer uma pergunta?
-Pode respondeu o professor.
-Posso te dar um abraço? aquele corpo franzino colocou-se ao peito
do professor. E o inusitado questionamento repetiu-se:
-Tio, posso fazer só mais uma pergunta? Posso?
Antes que o professor, visivelmente emocionado, pudesse responder, o
Maicon acrescentou:
-Por que foi que o tio chorou quando eu o abracei?
173
Bastou um momento de carinho e firmeza para que a reciclagem dos
afetos acontecesse.
Não há tarefa impossível, quando ao desejo do coração se soma a
verdade da intenção (PACHECO, 2012, p. 55).
A mudança que se deseja na sociedade, nas famílias e é claro nas
escolas, tem seu início nos sujeitos que povoam estes lugares. A partir da
transformação das pessoas que mantêm e compõem estes lócuos a teoria
converte-se em ação. A ação moral do professor, o exemplo, a atitude de
escutar a criança, de dialogar com o jovem, com o colega professor.
Urge a necessidade de cuidar das relações. Estejamos atentos aos
modos de trabalho, ao que temos feito de nós, do outro, das crianças, e dos
jovens. É preciso trabalhar o florescer de um feliz encontro, um fraterno
encontro que ultrapasse o nível das intenções, traduzindo-se em atitudes,
em valores, completando e orientando a ação humana na convivência
nossa de cada dia. Queremos que o professor compreenda que o
desenvolvimento da cognição não ocorre separado do desenvolvimento da
afetividade. Enfim, realizamos ao findar esse estudo, um convite à reflexão,
isso nos autoriza a pensar uma educação em valores que saia do campo da
retórica e marque fortemente as práticas educativas, que sejam então
traduzidas em ações e inspirações. Pois comecemos a caminhar!
174
175
REFERÊNCIAS
_______ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _____________________ _
ALENCAR, H. M de; LA TAILLE, Y. de. Humilhação: o desrespeito no
rebaixamento moral. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v.
59, n. 2, p. 217-231, 2007. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v59n2/v59n2a11.pdf. Acesso em: 8 ago.
2016.
ARAÚJO, U. F. Um estudo de relação entre o “ambiente cooperativo” e o
julgado moral na criança. 1993. Dissertação (Mestrado) Unicamp,
Campinas, 1993.
ARAÚJO, U. F. Temas transversais e a estratégia de projetos. São Paulo:
Moderna, 2003.
ARAÚJO, U. F. A construção social e psicológica dos valores. In: ARAÚJO,
U. F.; PUIG, J. M.; ARANTES, V. A. (Org). Educação e valores: pontos e
contrapontos. São Paulo: Summus, 2007. p. 17-106. (Coleção pontos e
contrapontos).
ARAÙJO, U. F.; ARANTES, V. The ethics and citizenships program: the
Brazilian experience in moral education. Journal of Moral Education,
Abingdon, v. 38, n. 4, p. 489-511, 2009.
ARAÚJO, U. F. Temas transversais, pedagogia de projetos e mudanças na
educação. São Paulo: Summus, 2014.
BATAGLIA, O. U. R.; MORAIS, A. de; LEPRE, R. M. A teoria de
Kohlberg sobre o desenvolvimento do raciocínio moral e os instrumentos de
avaliação de juízo e competência moral em uso no Brasil. Estudos de
Psicologia, Natal, v. 15, n. 1, p. 25-32, jan./abr. 2010. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-
294X2010000100004&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 2 jul.
2016.
176
BATAGLIA, P.U.R. Projeto T.E.S.E. e diretor de turma: a experiência de
Camocim. In: MENIN, M. S. S.; BATAGLIA, P. U. R.; ZECHI, J. A. M.
(Org.). Projetos bem-sucedidos de educação em valores: relatos de escolas
públicas brasileiras. São Paulo: Cortez, 2013.
BAUMAN, Z. O mal estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar,
1998.
BELUCI, T.; SHIMIZU, A. M. Escola Democrática: uma realidade
brasileira? Revista Eletrônica Científica de Psicologia, Ano IV, n. 7, nov.
2006. Disponível em:
http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/R7PwooHtdY
cNyV4_2013-5-10-15-26-21.pdf. Acesso em: 7 jul. 2016.
BELUCI, T.; SHIMIZU, A. M. Injustiças no cotidiano escolar: percepções
de membros de uma escola pública. Revista Psicologia Escolar, Campinas,
v. 11, n. 2, p. 353-364, dez. 2007. Disponível
em:http://dx.doi.org/10.1590/S1413-85572007000200013. Acesso em: 7
ago. 2016.
BIAGGIO, A. M. B. Desenvolvimento moral: análise psicológica. Arquivos
Brasileiros de Psicologia Aplicada, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 7-40,
1972.
BIAGGIO, A. M. B. Kohlberg e a “Comunidade Justa”: promovendo o
senso ético e a cidadania na escola. Psicologia: Reflexão Crítica, Porto
Alegre, v. 10, n. 1, 1997. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
79721997000100005&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 7 maio
2015.
BIAGGIO, A. M. B. Lawrence Kohlberg: ética e educação moral. 2. ed. São
Paulo: Moderna, 2006.
177
BLATT; KOHLBERG, Blatt, M. & Kohlberg, L. (1975). The effects of
classroom moral discussion upon children's level of moral
judgment. Journal of Moral Education, 4, 129-161. 1975.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais, Brasília: MEC, 1997.
CAMINO, C.P.S. Educação moral: Doutrinação ou debate? In: MOURA,
M. L. S. De; CORREA, J.; SPINILLO, A. (Ed.). Pesquisas brasileiras em
psicologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. p. 111-
140.
COLBY, A.; KOHLBERG, L. Invariant sequence and internal considering in
moral judgment stages. In: KURTINES, W.; GERWITZ, J. (Ed.). Morality,
moral behavior, and moral development. New York: Wiley, 1984.
COMTE-SPONVILLE, A. Pequeno tratado das grandes virtudes. Trad.
Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
COSTA, F. A. B. S. A importância da virtude do amor e da vontade nas
representações de si de professores. In: TOGNETTA, L. R. P. (Org.)
Virtudes e educação: o desafio da modernidade. Campinas: Mercado de
Letras, 2007. p. 61-93.
D´AUREA-TARDELI, D. A manifestação da solidariedade em
adolescentes: um estudo sobre a personalidade moral. 2006. Tese
(Doutorado em Psicologia do Escolar) - Instituto de Psicologia,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
D´AUREA-TARDELI, D. A manifestação da solidariedade em
adolescentes: um estudo sobre a personalidade moral. Psicologia: ciência e
profissão, Brasília, v. 28, n. 2, jun. 2008. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pcp/v28n2/v28n2a06.pdf. Acesso em: 7 maio
2015.
178
D´AUREA-TARDELI, D. Solidariedade e projeto de vida: a construção da
personalidade moral do adolescente. Campinas: Mercado de Letras /
FAPESP, 2011. (Coleção Educação e Psicologia em Debate).
D´AUREA-TARDELI, D. A avaliação dos valores de professores:
possibilidades para uma escola democrática. Estudos em Avaliação
Educacional. v. 24, n. 56, p. 220-251, set./dez. 2013.
DELLAZZANA-ZANON, L. L. et al. Pesquisa sobre desenvolvimento
moral: contribuições da psicologia brasileira. Psico, Porto Alegre, v. 44, n. 3,
p. 342-351, jul./set. 2013.
DURKHEIM, E. O ensino moral na escola primária. Novos Estudos. v. 79,
p. 59-75, 2007.
ESTEVÃO, C. V. Educação, conflito e convivência democrática. Ensaio:
aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n. 61, p. 503-514, out./dez.
2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/ensaio/v16n61/v16n61a02.pdf
. Acesso em: 1 jun.
2016.
FELTRAN, G. de S. Margens da política, fronteiras da violência: uma ação
coletiva das periferias de São Paulo. Lua Nova [online]. 2010, n.79,
pp.201-233. ISSN 0102-6445. https://doi.org/10.1590/S0102-
64452010000100009.1990
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. 21. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREITAG, B. Razão teórica e razão prática: Kant e Piaget. ANDE, São
Paulo, v. 9, n. 15, p. 55-68, 1990.
FREITAS, L. B. L. A moral na obra de Jean Piaget: um projeto inacabado.
São Paulo, Brasil: Cortez, 2003.
179
GARCIA, X. M.; PUIG, J. M. As sete competências básicas para educar
em valores. São Paulo. Summus, 2010.
GILLIGAN, C. Uma voz diferente. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 1982.
GOERGEN, P. Educação moral: adestramento ou reflexão comunicativa?
Educação e Sociedade, Campinas, v. 22, n. 66, p. 147-174, 2001.
GOERGEN, P. Educação e valores no mundo contemporâneo. Educação e
Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, p. 983-1011, out. 2005.
GOERGEN, P. Educação moral hoje: cenários, perspectivas e
perplexidades. Educação e Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, out. 2007.
Número especial.
GOUVEIA, V. V. et al. A estrutura e o conteúdo universais dos valores
humanos: análise fatorial confirmatória da tipologia de Schwartz. Estudos
de Psicologia, Natal, v. 6, n. 2, p. 133-142, 2001.
Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
294X2001000200002. Acesso em: 7 jun. 2016.
HARE, R. M. Ethical theory and utilitarism. In: SEN, A.; WILLIAMS, B.
(Org.). Utilitarism and beyond. Cambrigde: Cambridge University Press,
1982. p. 23-38.
HERSH, R. H.; PAOLITTO, D. P.; REIMER, J. El crecimiento moral de
Piaget a Kohlberg. 4. ed. Madrid: Narcea, S. A. de Ediciones Madrid, 1998.
HÖFFE, O. Valores em instituições democráticas de ensino. Educação e
Sociedade, Campinas, v. 25, n. 87, p. 463-479, maio/ago. 2004.
JARES, X. R. Educar para a verdade e para a esperança: em tempos de
globalização, guerra preventiva e terrorismos. Porto Alegre: Artmed, 2005.
180
KAMII, C. A autonomia a meta da educação para Piaget. In: KAMII, C.;
JOSEPH, L. L. Crianças pequenas continuam inventando a aritmética
(séries iniciais): implicações da Teria de Piaget. Trad. Vinicius Figueira. 2.
ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
KAWASHIMA, R. A.; MARTINS, R. A. Dilema moral na educação
Infantil: generosidade ou justiça? Estudos em Avaliação Educacional, São
Paulo, v. 24, n. 56, p. 48-74, set./dez. 2013.
KOLHBERG, L. Psicología del desarrollo moral. Bilbao Spain: Desclée de
Brouwer, 1992.
KOLHBERG, L.; POWER, F. C.; HIGGINS, A. La educacion moral
segun Lawrence Kohlberg. Barcelona: Gedisa, 1997.
LA TAILLE, Y. Limites: três dimensões educacionais. São Paulo: Ática,
1998.
LA TAILLE, Y. Para um estudo psicológico das virtudes morais. Educação e
Pesquisa: Revista da Faculdade de Educação da USP, São Paulo, v. 26, n.
2, p. 109-121, jul./dez., 2000.
LA TAILLE, Y. Vergonha, a ferida moral. Petrópolis: Vozes, 2002.
LA TAILLE, Y. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto
Alegre: Artmed, 2006.
LA TAILLE, Y. Formão ética: do tédio ao respeito de si. Porto Alegre:
Artmed, 2009.
LA TAILLE, Y. A questão da indisciplina: ética, virtudes e educação. In:
DEMO, P. Grandes pensadores em educação: desafio da aprendizagem, da
formação moral e da avaliação. Porto Alegre: Mediação, 2010a. p. 67-98.
181
LA TAILLE, Y. A escola e os valores: a ação do professor. In: LA TAILLE,
Y.; JUSTO, J. S.; SILVA, N. P. Indisciplina, disciplina: ética, moral e ação
do professor. 5. ed. Porto Alegre: Mediação, 2013. p. 07-28.
LA TAILLE, Y. Moral e ética: uma leitura psicológica. Revista de
Psicologia: Teoria e Pesquisa, Bralia, v. 26 n. especial, p.105-114, 2010b.
Número especial. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26nspe/a09v26ns.pdf . Acesso em: 7 mar.
2016.
LA TAILLE, Y. O sentimento de vergonha e suas relações com a
moralidade. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 13-
25. 2002a. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/prc/v15n1/a03v15n1.pdf . Acesso em: 7 mar.
2016.
LA TAILLE, Y. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em
discussão. São Paulo: Summus, 1992.
LA TAILLE, Y.; MENIN, M. S. S. (Org.). Crise de valores ou valores em
crise? Porto Alegre: Artmed, 2009.
LA TAILLE, Y.; CORTELLA, M. S. Nos labirintos da moral. Campinas:
Papirus 7 Mares, 2013.
LIMA, V. A. A. De Piaget a Gilligan: retrospectiva do desenvolvimento
moral em psicologia: um caminho para o estudo das virtudes. Psicologia:
Ciência e Profissão, Brasília, v. 24, n. 3, p. 12-23, set. 2004. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/pcp/v24n3/v24n3a03.pdf . Acesso em: 7 maio
2015.
LIND, G. An introduction to the moral judgment test, MJT. 1999.
Disponível em: www.unikonstanz.de/ag-moral/mut/mjt-intro.htm. Acesso
em: 7 maio 2015.
182
LIPOVETSKY, G. O crepúsculo do dever: a ética indolor dos novos
tempos democráticos. 4. ed. Lisboa: Dom Quixote, 2010.
LOMBARDI, J. C.; GOERGEN, P. (Org.). Ética e educação: reflexões
filosóficas e históricas. Campinas: Autores Associados, 2005.
LOURENÇO, O. M. Psicologia de Desenvolvimento Moral: teoria, dados
e implicações. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação,
Universidade de Lisboa. Almedina, Coimbra, 2006.
LUKJANENKO, M. de F. S. P. Um estudo sobre a relação entre o
julgamento moral do professor e o ambiente escolar por ele
proporcionado. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Educação,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995.
MACEDO, L. (Org.) Cinco estudos de educação moral/Jean Piaget. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.
MANTOVANI DE ASSIS, O. Z. Entrevista. Revista Eletrônica Schème,
Marília, v. 5, n. 1, p. 1-3, ago./dez. 2012. Disponível em:
http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/scheme/. Acesso em: 7
ago. 2016.
MARTINS, R. A.; SILVA, I. A. Valores morais do ponto de vista de
professores do ensino fundamental e médio. In: LA TAILLE, Y.; MENIN,
M. S. S. (Org.). Crise de valores ou valores em crise? Porto Alegre: Artmed,
2009. p. 185-198.
MALRIEU, Philippe. Les Émotions et la Personnalité de l'Enfant. Paris,
Vrin, 1952.
183
MENIN, M. S. S.; BATAGLIA, P. U. R; MORO, A. Adesão ao valor
justiça em crianças e adolescente. Revista Estudos em Avaliação
Educacional. Avaliações de valores: dimensões metodológicas, o Paulo, v.
24, n. 56 set./dez. p. 18-47, 2013.
MENIN, M. S. S.; ARAÚJO, U.; LA TAILLE, Y.; MACEDO, L. (Org).
Cinco estudos de educação moral. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.
MENIN, M. S. S. Escola e educação moral. In: DONGO-MONTOYA, A.
O. (Org.). Contribuições da psicologia para a educação. Campinas:
Mercado de Letras, 2007a. (Coleção Psicologia e Educação em Debate).
MENIN, M. S. S. Representações sociais de injustiça em adolescentes de
escolas públicas e particulares. Psicologia da Educação, São Paulo, n. 14/15,
p. 239-264, jan./dez. 2002.
MENIN, M. S. S. Injustiça e escola: representações de alunos e implicações
pedagógicas. In: TOGNETTA, L. R. P. (Org.) Virtudes e educação: o
desafio da modernidade. Campinas: Mercado de Letras, 2007b. p. 17-36.
MENIN, M. S. S.; TAVARES, M. R. Por que eleger o tema sobre avaliação
de valores. Revista Estudos em Avaliação Educacional. Avaliações de
valores: dimensões metodológicas, São Paulo, v. 24, n. 56, p. 12-17,
set./dez. 2013.
MOMO, M.; COSTA, M. V. Crianças escolares do século XXI: para se
pensar uma infância pós-moderna. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 40,
n.141, p. 965-991, set./dez. 2010.
OLIVEIRA, F. C. de; MORAIS, A. de; CARVALHO, S. M. R. de.
Resolução de conflitos e agressividade: escala sobre percepção de educadores.
Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 24, n. 56, p. 76-104,
set./dez. 2013.
184
OLIVEIRA, G. M. de; CAMINHA, I. de O.; FREITAS, C. M. S. M. de.
Relações de convivência e princípios de justiça: a educação moral na escola.
Psicologia Escolar e Educacional, Campinas, v. 14, n. 2, p. 261-270,
jul./dez. 2010. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/pee/v14n2/a08v14n2.pdf. Acesso em: 8 ago.
2016.
PACHECO, J. Dicionário de valores. São Paulo: Edições SM, 2012.
PEDRO-SILVA, N. Moral e diferença em Piaget. In: DONGO-
MONTOYA, A. O. (Org.). Jean Piaget no século XXI: escritos de
epistemologia e psicologia genéticas. São Paulo: Cultura Acadêmica, Marília:
Oficina Universitária, 2011.
PEDRO-SILVA, N. Ética, (in)disciplina e relação professor-aluno. In: LA
TAILLE, Y.; STERZA, J.; SILVA, N. P. Indisciplina, disciplina: ética,
moral e ação do professor. 5. ed. Porto Alegre: Mediação, 2013. p. 69-120.
PEGORARO, O. Ética dos maiores mestres através da história. 5. ed.
Petrópolis: Vozes, 2013.
PIAGET, J. O Jzo moral na criança. São Paulo: Mestre Jou, 1932/1994a.
PIAGET, J. El psicoanálisis y sus relaciones con la psicología del niño. In:
DELAHANTY, G. P. (Comp.). Piaget y el psicoanálisis. México:
Universidade Autonoma Metropolitana, 1920/1994b. p. 181-290.
PIAGET, J. Os procedimentos da educação moral. In: MACEDO, L.
(Org.). Cinco estudos de educação moral. São Paulo: Casa do Psicólogo,
1996. p. 01-36.
PIAGET, J. L’Éducation Morale à L’École: De léducation du citoyen à
l’éducation internationale. Édition de Constantin. XYPAS. Anthropos,
1931/1997.
185
PIAGET, J. Sobre pedagogia. Tradução: Claudia Berliner. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 1998.
PIAGET, J. Relações entre afetividade e a inteligência no desenvolvimento
mental da criança. SALTINI, C. J. P.; CAVENAGHI, D. B. (Org.). Rio de
Janeiro: Wak Editora, 1954/2014.
PORTO, J. B.; TAMAYO, A. Estrutura dos valores pessoais: a relação entre
valores gerais e laborais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 23, n. 1,
p. 63-70, jan./mar. 2007.
PUIG, J. M. A construção da personalidade moral. São Paulo: Ática, 1998.
(Série Fundamentos).
PUIG, J. M. Aprender a viver. In: ARAÚJO, U. F.; PUIG, J. M.;
ARANTES, V. A. (Org.). Educação e valores: pontos e contrapontos. o
Paulo, Summus, 2007. p. 65-106.
ROKEACH, M. The nature of human values. New York: Free Press, 1973.
SAVATER, F. O valor de educar. São Paulo: Ática, 2000.
SILVA, D. J. Ética, educação e desafios contemporâneos. In: REUNIÃO
ANUAL DA ANPED, 33., Caxambu - MG, 2010. Anais eletrônicos...
Caxambu: ANPED, 2010.
Disponível em:
http://www.anped.org.br/33encontro/internas/ver/trabalhos-gt17 Acesso
em: 8 ago. 2011.
SILVA, J. B. A escola enfrenta a violência: dos projetos às representações
docentes. 2004. 210f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de
Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente,
2004.
186
SILVA, E. de F., PAVANI, R. A. B., MORAES, M. S. e
CHIARAVALLOTI NETO, F. Drug abuse prevalence among secondary
school students in São José do Rio Preto, São Paulo State, Brazil. Cadernos de
Saúde Pública. 22(6):1151-1158. 2006.
SILVA, D. J. Ética, educação e desafios contemporâneos. In: REUNIÃO
ANUAL DA ANPED, 33., Caxambu - MG, 2010. Anais eletrônicos...
Caxambu: ANPED, 2010. Disponível em:
http://www.anped.org.br/33encontro/internas/ver/trabalhos-gt17 Acessado
em: 8 ago. 2011.
SIROTA, A. Humilhação social: uma reflexão sob o ponto de vista
psicanalítico. Estudos em Psicologia, Campinas, v. 25, n. 4, p. 557-565,
2008.
SNAREY, J. R. Cross-cultural universality of social-moral development: A
critical review of Kohlbergian research. Psychological Bulletin, 97(2), 202–
232, 1985. https://doi.org/10.1037/0033-2909.97.2.202
SOUZA, L. L.; VASCONCELOS, M. S. Modelos organizadores do
pensamento: uma perspectiva de pesquisa sobre o raciocínio moral com
adolescentes autores de infração. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 8, n. 2,
p. 47-59, 2003.
SPOSITO, M. P. Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no
Brasil. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 87-103, jan./jun.
2001.
TAMAYO, A.; SCHWARTZ, S. H. Estrutura motivacional dos valores.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 9, n. 2, p. 329-48, maio/ago.
1993.
187
TAVARES, M. R. Avaliação de valores sociomorais: procedimentos para a
construção de uma escala. Estudos de Avaliação Educacional, São Paulo, v.
24, n. 56, p. 252-272, 2013.
TAVARES, M. R et al. Avaliando valores em escolares e seus professores:
proposta de construção de uma escala. TAVARES, M. R.; MENIN, M. S
de S. (Coord.). Textos FCC, São Paulo, v. 46, p. 1-85, out. 2015.
TAVARES, M. R. et al. A. Construção e validação de uma escala de valores
sociomorais. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 46, n. 159, p. 186-210
jan./mar. 2016.
TOGNETTA, L. R. P. A construção da solidariedade e a educação do
sentimento na escola: uma proposta de trabalho com as virtudes numa visão
construtivista. Campinas: Mercado de Letras, 2003.
TOGNETTA, L. R. P. (Org.) Virtudes e educação: o desafio da
modernidade. Campinas: Mercado de Letras, 2007.
TOGNETTA, L. R. P. A formão da personalidade ética: estratégias de
trabalho com afetividade na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2009.
TOGNETTA, L. R. P.; ASSIS, O. Z. de. A construção da solidariedade na
escola: as virtudes, a razão e a afetividade. Educação e Pesquisa, São Paulo,
v. 32, n. 1, p. 49-66, jan./abr. 2006.
TOGNETTA, L. R. P.; VINHA, T. P. Quando a escola é democrática: um
olhar sobre a prática das regras e assembleias na escola. Campinas: Mercado
de Letras, 2007.
TOGNETTA, L. R. P.; VINHA T. P. É possível superar a violência na
escola? construindo caminhos pela educação moral. São Paulo: Editora do
Brasil, 2012.
188
TREVISOL, M. T. C. Tecendo os sentidos atribuídos por professores do
ensino fundamental ao médio profissionalizante sobre a construção de
valores na escola. In: LA TAILLE, Y.; TUGENDHAT, E. Lições sobre
ética. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 152-184.
TUGENDHAT, E. Lições sobre ética. Petpolis, RJ: Vozes, 2012.
TURIEL, E. The development of social knowledge: morality and convention.
Cambridge: Cambridge University Press, 1993.
VINHA, T. P. O educador e a moralidade infantil: uma vio
construtivista. Campinas: Mercado de Letras, 2000.
VINHA, T. P. Os conflitos interpessoais na relação educativa. 2003. 426
f. Tese (Doutorado em educação) - Faculdade de Educação, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2003.
VINHA, T. P.; TOGNETTA, L. R. P. Construindo a autonomia moral na
escola: os conflitos interpessoais e a aprendizagem dos valores. Revista
Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 28, p. 525-540, 2009.
YOUNISS, J.; DAMON, W. Social constructuion in Piaget´s theory. In:
BEILIN, H.; PUFALL, B. (Ed.). Piaget´s theory: prospects and possibilities.
Hillsdale: LEA,1992. p. 267-286.
ZECHI, J. A. M. Violência e Indisciplina em meio escolar: aspectos
teórico-metodológicos da produção acadêmica no período de 2000 a 2005.
2008. 152 f. Dissertação (Mestrado em Educação)Faculdade de Ciências
e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2008.
Pareceristas
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________
Este livro foi submetido ao Edital 01/2020 do Programa de Pós-
graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, câmpus
de Marília e financiado pelo auxílio nº 0798/2018, Processo Nº
23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES. Contamos com o apoio
dos seguintes pareceristas que avaliaram as propostas recomendando a publicação.
Agradecemos a cada um pelo trabalho realizado:
Adriana Pastorello Buim Arena
Alessandra Arce Hai
Alexandre Filordi de Carvalho
Amanda Valiengo
Ana Crelia Dias
Ana Maria Esteves Bortolanza
Ana Maria Klein
Angélica Pall Oriani
Eliana Marques Zanata
Eliane Maria Vani Ortega
Fabiana de Cássia Rodrigues
Fernando Rodrigues de Oliveira
Francisco José Brabo Bezerra
Genivaldo de Souza Santos
Igor de Moraes Paim
Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho
José Deribaldo Gomes dos Santos
Jussara Cristina Barboza Tortella
Lenir Maristela Silva
Livia Maria Turra Bassetto
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz
Márcia Lopes Reis
Maria Rosa Rodrigues Martins de
Camargo
Marilene Proença Rebello de Souza
Mauro Castilho Gonçalves
Monica Abrantes Galindo
Nadja Hermann
Pedro Laudinor Goergen
Tânia Barbosa Martins
Tony Honorato
Comissão de Publicação de Livros do Edital 001/2020 do
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília
Graziela Zambão Abdian, Patricia Unger Raphael Bataglia,
Eduardo José Manzini e Rodrigo Pelloso Gelamo
SOBRE O LIVRO
C
atalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Kamila Gonçalves
Capa e diagramação
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
O
ficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
F
ormato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Papel
Polén soft 80g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
Acabamento
Grampeado e colado
Tiragem
100
Graziella Diniz Borges é psicólo-
ga, pedagoga, psicopedagoga, mestra e
doutoranda em Educação pela Univer-
sidade Estadual Paulista (Unesp), Cam-
pus de Marília. Atualmente, é docente na
Educação Básica e no Ensino Superior.
É membro do Grupo de Estudos e Pes-
quisas em Psicologia Moral e Educação
Integral (GEPPEI).
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
Ao abordar a Educação em Valo-
res na Escola, temos a certeza de que há
diferentes tipos de valores e nalidades
diversas. Os valores morais regulam nossa
convivência, qualicam o bem e o mal nas
ações, controlam nossos costumes, nossa
cultura, nos ajudam a viver. Quando fala-
mos de valores, estamos dizendo de trocas
afetivas positivas entre o sujeito e o mundo
externo. Compreendendo a Educação em
Valores, como um processo de desenvol-
vimento, onde nada é dado ou ensinado.
Não se trata de simples internalização, é
vivência. Qual é o papel da escola? A es-
cola tem o privilégio de ofertar a convi-
vência e a partir dela, construir pontes e
caminhos para que os jovens aprendam a
viver coletivamente. Sabemos que a esco-
la inuencia na formação moral, não
como negar. Sendo assim, seria justo que o
zesse de modo reexivo, criando espaços
de diálogo, de respeito, de solidariedade,
onde a convivência ética é uma regra ine-
gociável.
Valores Morais na Escola
Graziella Diniz Borges
Graziella Diniz Borges
Esta obra aborda a Educação em Valores em jovens estudantes, mensu-
rando sua presença e a forma de adesão no ambiente escolar. Apresenta
teorias e conceitos de Educação Moral. Discorre sobre os valores morais:
Respeito, Justiça, Solidariedade e Convivência Democrática. Trabalha
o plano moral e o plano ético, propõe caminhos para uma educação
democrática, relacionando os valores morais com o perl dos jovens e
o contexto escolar estudado; colabora com a reexão de estudantes de
Graduação em Pedagogia, de Psicologia, de docentes, de gestores, bem
como, de instituições educacionais interessadas em ofertar uma Educa-
ção Integral para nossos jovens e crianças.
Valores Morais na Escola
para colher é preciso semear e cultivar