Este livro analisa a trajetória do jornalista Mario Pinto Serva e busca
compreender seu itinerário no campo educacional paulista das déca-
das de 1910 e 1920. Trata-se de um mapeamento e análise das ideias
apresentadas pelo publicista em um de seus principais espaços atuação,
o jornal O Estado de S. Paulo, e em seu livro A Educação Nacional, de
1924. O olhar atento a essas duas fontes permitiram a Alexandre Simão
descortinar aspectos que envolvem as estratégias articuladas pelo inte-
lectual para acessar os debates e os locais frequentados pelos educadores
do período, com destaque para a Liga Nacionalista de São Paulo e os
eventos da Associação Brasileira de Educação. Na trilha dessa investigação,
são levantadas e respondidas questões centrais: qual a relação entre as as-
sociações cívicas e prossionais na conguração do campo educacional?
Como ocorreu a aproximação entre o articulista e as guras de destaque
no cenário educacional paulista? Suas ideias e propostas estavam alinha-
das aos discursos dos agentes do campo? Quais competências o articu-
lista atribuiu às escolas, aos intelectuais e ao Estado no que se refere às
políticas de instrução pública?
Nesse percurso, o autor contribui para o debate acerca da congura-
ção das identidades prossionais no campo educacional paulista durante
a Primeira República (1889 -1930). Ao reforçar a importância da im-
prensa periódica como fonte de pesquisa, o livro também traz à tona
relevantes temáticas que podem fomentar estudos posteriores sobre os
intelectuais na área da História da Educação do Brasil.
MARIO PINTO SERVA
o intelectual e as fronteiras do campo educacional
(1915 – 1928)
Alexandre Simão é professor efetivo de
História na rede pública do Estado de
São Paulo desde 2012. Possui mestrado
em Educação pela Universidade Estadu-
al Paulista (UNESP) – campus Marília
e graduação em História pela Universi-
dade Estadual Paulista (UNESP) – cam-
pus de Assis. Realiza, desde a iniciação
cientíca, pesquisas que privilegiam o
uso da imprensa periódica como fonte e,
atualmente, tem se dedicado à História
da Educação no Brasil, com ênfase aos
estudos sobre a atividade intelectual e a
constituição das identidades prossionais
no campo educacional paulista.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
Nos últimos anos, temos no-
tado um crescimento importante no
uso da imprensa periódica como fon-
te pela historiograa dedicada ao es-
tudo dos intelectuais brasileiros e
sua atuação no campo educacional.
Seguindo nessa trilha, o livro de
Alexandre Simão se apoiou em um sóli-
do conjunto teórico e documental, ob-
jetivando compreender o itinerário do
jornalista Mario Pinto Serva no campo
educacional paulista dos anos 1910 e 1920.
Apresentando uma narrativa en-
volvente e fortemente ancorada aos re-
ferenciais metodológicos da pesquisa,
Mario Pinto Serva: o intelectual e as fron-
teiras do campo educacional (1915-1928)
analisa os artigos sobre educação publi-
cados pelo intelectual no jornal O Estado
de S. Paulo e em seu livro A Educação
Nacional (1924), para mapear e discutir
sua trajetória, as temáticas e as estraté-
gias que articulou para acessar os debates
e espaços frequentados pelos educadores
do período, com destaque para a Liga
Nacionalista de São Paulo e os eventos
da Associação Brasileira de Educação.
Ao explorar esse terreno fér-
til, o autor demonstra como a presença
de Mario Pinto Serva entre os atores e
nas arenas do debate educacional es-
teve vinculada à instituições que não
eram especícas da educação, mas que,
de modos distintos, atuaram na con-
guração do campo educacional paulista.
Além do seu objeto de estudo,
o livro visa contribuir trazendo temas e
questões que possam fomentar investi-
gações posteriores no campo da História
da Educação no Brasil.
MARIO PINTO SERVA: o intelectual e as fronteiras do campo educacional (1915 - 1928)
Alexandre Simão
ALEXANDRE SIMÃO
MARIO PINTO SERVA
O
INTELECTUAL E AS FRONTEIRAS DO CAMPO
EDUCACIONAL
(1915 1928)
Alexandre Simão
MARIO PINTO SERVA
O
INTELECTUAL E AS FRONTEIRAS DO CAMPO
EDUCACIONAL
(1915 1928)
Alexandre Simão
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2020
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretor
Prof. Dr. Marcelo Tavella Navega
Vice-Diretor
Dr. Pedro Geraldo Aparecido Novelli
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Simão, Alexandre.
S568m Mario Pinto Serva: o intelectual e as fronteiras do campo educacional(1915 1928) / Alexandre
Simão. Marília : Oficina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2020.
178 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-86546-81-1 (Impresso)
ISBN: 978-65-5954-008-2 (Digital)
1. Serva, Mário Pinto. 2. Intelectuais. 3. Educação - São Paulo (Estado) – 1015-1926. 4. Brasil
História República Velha – 1889-1930. I. Título.
CDD 370.9
Copyright © 2020, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
AGRADECIMENTOS
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ ____________ _____________________ ____________ ___________
Este livro foi apresentado originalmente como dissertação de
Mestrado, no Programa de Pós-graduação em Educação, da Faculdade de
Filosofia e Ciências da UNESP, campus Marília. Agradeço aos professores,
funcionários e à instituição por possibilitarem minha aproximação com
um ambiente acadêmico essencial ao desenvolvimento da pesquisa.
Em especial, agradeço à professora Ana Clara Bortoleto Nery, pela
orientação atenciosa, pelo auxílio na adaptação do texto e pela
apresentação da obra.
De igual modo, agradeço aos professores José Gonçalves Gondra
(UERJ) e Tony Honorato (UEL), membros da banca examinadora, pelos
relevantes apontamentos e sugestões ao aprimoramento do trabalho.
Agradeço aos meus amigos, pelas reflexões e por proporcionarem
ótimas risadas e momentos de descontração. Evitando, por descuido,
esquecer alguém, não os mencionarei nominalmente. Eles sabem a quem
me refiro.
Aos meus companheiros de jornada na rede estadual de ensino, por
sua luta diária pela garantia de um ensino público de qualidade.
Ao meu pai, Mário César Simão (in memoriam), pelos
ensinamentos nos anos em que convivemos. Espero que, onde estiver, saiba
o quanto sinto sua falta.
À minha mãe, Célia, por sempre me estimular a buscar o
conhecimento. Devo a ela tudo que sou e tenho. Sem seu amor e
compreensão jamais chegaria até aqui. Te amo muito!
Aos meus irmãos,rio e Gabryele, e a toda nossa família, em
destaque Simone, Renato, Miguel e Stella.
À minha prima, Carolina Mellies, pela revisão e formatação
cuidadosa do texto.
À minha amada e companheira, Lis Doreto, por me ajudar a
suportar o peso dessa etapa, sempre apoiando, revisando meus textos, me
escutando nos momentos de dificuldade e trazendo palavras de amor,
conforto e paz. Ao seu lado, redescubro a cada dia o significado de amar.
Aproveito, por fim, para agradecer a família Doreto, sobretudo o
senhor Oswaldo Doreto Campanari e a senhora Esther Pierina Doreto,
por me acolherem de braços abertos.
Sem educação popular viveremos eternamente neste arremedo
de democracia e de vida civilisada, convulsionados
periodicamente por crises sociaes, economicas e políticas que nos
atiram muitos annos para trás, cumprindo o castigo de Sisypho
(Mario Pinto Serva, A Reconstrucção Nacional, 1917)
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Trecho censurado do artigo "O Estado de Sítio" de Mario Pinto
Serva .................................................................................................... 71
Figura 2 - Anúncio da candidatura de Mario Pinto Serva publicado nos
classificados do jornal. .......................................................................... 73
Figura 3 - À esquerda, a contracapa do livro com menção a outras obras
do autor, à direita, fotografia de Mario Pinto Serva impressa na folha de
rosto. .................................................................................................... 98
Figura 4 - Anúncio dos livros O voto secreto e a A Educação Nacional
publicado na primeira página d’O Estado de S. Paulo em 02 de abril de
1925. .................................................................................................... 99
Figura 5 - Anúncio comentado de A Educação Nacional publicado em
OESP. ................................................................................................ 100
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Tabela comparativa sobre o total de crianças matriculadas em
escolas e em idade escolar. .................................................................... 92
Tabela 2 - Tabela sobre a porcentagem de analfabetos, estado por estado.
............................................................................................................. 92
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABE Associação Brasileira de Educação
LNSP Liga Nacionalista de São Paulo
OESP O Estado de S. Paulo
PRP Partido Republicano Paulista
SUMÁRIO
PREFÁCIO .......................................................................................... 13
INTRODUÇÃO ................................................................................. 17
Capítulo 1 ............................................................................................ 25
Mario Pinto Serva entre os educadores e a educação ............................. 25
1.1 Mario Pinto Serva: advogado, jornalista e político ...................... 25
1.2 Imprensa, intelectuais e educação na Primeira República:
apontamentos historiográficos........................................................... 30
1.3 Os intelectuais entre os séculos XIX e XX: considerações para o
estudo de sua atuação ........................................................................ 38
1.4 A figura do educador em meio a advogados, médicos e engenheiros
......................................................................................................... 44
Capítulo 2 ............................................................................................ 57
“A campanha a pelejar”: intelectuais, instituições e redes de sociabilidade
............................................................................................................. 57
2.1 “O nosso distincto collaborador”: Mario Pinto Serva e o jornal O
Estado de S. Paulo ............................................................................. 57
2.2 Uma “benemérita instituição paulista”: a Liga Nacionalista de São
Paulo ................................................................................................ 74
2.3 “União e Educação Nacional”: Mario Pinto Serva na I e II
Conferência Nacional de Educação ................................................... 89
Capítulo 3 ............................................................................................ 97
“A espinha dorsal da nacionalidade”: a educação nos artigos de Mario
Pinto Serva em O Estado de S. Paulo (1915 – 1928) e no livro A Educação
Nacional (1924) ................................................................................... 97
3.1 A Educação Nacional (1924) ...................................................... 97
3.2 “O dever do intellectualismo brasileiro” .................................... 101
3.3 A figura do analfabeto e o papel da escola ................................. 106
3.4 A municipalização do ensino ..................................................... 116
3.5 A Igreja Católica e o combate ao analfabetismo ........................ 121
3.6 O Ministério Nacional de Educação e as iniciativas particulares 125
3.7 A Reforma da Instrução Pública de 1920: um “monstrengo
horroroso” ...................................................................................... 131
3.8 Nas fronteiras do campo educacional: os referenciais intelectuais de
Mario Pinto Serva ........................................................................... 145
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 155
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................ 159
Anexo ................................................................................................ 173
13
PREFÁCIO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ____________ ___
A História da Educação, como campo consolidado de pesquisa no
Brasil, é palco constante de mudanças, inovações e também de muitas
permanências. Novos referenciais teórico-metodológicos sobre conhecidos
objetos ou formas de análises consolidadas que permitem (re)conhecer
novos objetos se apresentam com frequência. É essa fertilidade que permite
que o passado possa ser revisitado pelos historiadores. Dessa forma, a
Primeira República é um período bastante explorado pelos historiadores,
em especial, e também pelos historiadores da educação. Mesmo assim
novas questões sobre esse período são postas com frequência pelos
investigadores.
O estudo que dá origem ao presente livro traz à tona um
personagem pouco presente na historiografia e que tem uma participação
peculiar no campo educacional paulista, nas décadas de 10 e 20 do século
XX. Mario Pinto Serva atua a partir das bordas, ou, analisando de outra
forma, atua na intersecção do campo educacional com o campo político.
Alexandre Simão, autor deste livro, privilegia o olhar sob esse
agente com o apoio de uma acurada lente. Amparado por uma
historiografia clássica e apoiando-se em novas abordagens, vai
progressivamente desvelando seu objeto. O texto fluido prende o leitor e
o faz percorrer os problemas educacionais daquele momento, alguns deles
na ordem do dia atualmente.
Foi a partir da leitura atenta do jornal O Estado de S. Paulo, no
período da Primeira República, que o autor começou a perceber a
14
peculiaridade de Mario Pinto Serva. É nas páginas desse periódico que se
encontra a maior parte dos escritos que expressam o pensamento
educacional defendido por Serva, enquanto articulista. Não há como
desconsiderar a importância do jornal na elaboração de um discurso
educacional de peso naquele período. Basta lembrarmos do Inquérito de
1914 e do Inquérito de 1926, ambos sobre a instrução pública paulista, e
seus desdobramentos para compreendermos o papel da grande imprensa
em geral, e desse diário paulista, em específico, na condução de uma pauta
sobre a educação. Por outro lado, as décadas de 1910 e 1920 são marcadas
pela grande efervescência política e cultural, e pela evidente derrocada da
aposta republicana de solução dos problemas nacionais por meio da
escolarização.
Nesse cenário, como bem explora Alexandre Simão, Mario Pinto
Serva participa de importantes instituições que o permitem circular por
espaços legitimadores e estabelecer significativas relações pessoais, como a
Liga Nacionalista de São Paulo e a Associação Brasileira de Educação (ABE).
Enquanto o período é de constituição de um corpo de saberes
pedagógicos e educacionais e um corpo profissional os chamados
educadores outros atores participam das discussões sobre educação:
médicos, engenheiros e advogados, ou seja, portadores de credenciais que
lhes conferem autoridade. Foi assim que, por exemplo, se constituiu a
Sociedade de Educação de São Paulo, fundada em 1923 por Oscar Freire
professor da Faculdade de Medicina de São Paulo que por quase 7 anos
desenvolveu suas atividades no espaço da Escola Normal da Capital. A
Sociedade de Educação – na década de 1920 – ao lado da Liga Nacionalista
de São Paulo na década de 1910 será o lugar privilegiado da construção
do discurso em defesa da educação paulista e se agremiará à ABE ao final
da década de 1920.
15
É buscando compreender os meandros do campo educacional
paulista e o lugar ocupado por Mario Pinto Serva que a narrativa deste
livro se organiza. As análises são frutos do entrelaçamento dos conceitos de
campo (Bourdieu) e de rede de sociabilidades (Sirinelli) que permitem
compreender o papel de Serva nas lutas pela legitimidade no campo
educacional paulista, campo dotado de certa estabilidade no início da
década de 1920 mas que começa a se dividir ao final da mesma década.
Com propriedade, o autor analisa artigos de jornal escritos por
Mario Pinto Serva e um livro autoral, A Educação Nacional, se
preocupando com as particularidades de cada suporte editorial como fonte
de pesquisa em História da Educação e compreendendo que a produção e
circulação de discursos são elementos essenciais na constituição do campo
educacional. Antes, analisa a trajetória intelectual e as redes de
sociabilidade do personagem/autor para compreender as formas pelas quais
ele ocupa um lugar no campo educacional paulista. Nessa empreitada,
Simão revela elementos que reforçam teses de autores que estudaram
outros intelectuais do mesmo período: a centralidade da Liga Nacionalista
de São Paulo na construção e circulação de temas candentes sobre educação
e a expressão que seus membros tiveram no campo educacional, tanto
paulista, como brasileiro. Deste grupo lembramos Oscar Thompson,
Sampaio Doria e Lourenço Filho, todos com passagem pela Faculdade de
Direito de São Paulo.
Ana Clara Bortoleto Nery
Isolada pela pandemia, setembro de 2020
16
17
INTRODUÇÃO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____
Em 19 de dezembro de 1951, a Assembleia Legislativa de São
Paulo aprovou a lei 1.390, de autoria de Antonio Carlos Salles Filho,
concedendo a Mario Pinto Serva o título de “Educador Emérito”. A
homenagem pelos “relevantes serviços prestados ao Ensino no Brasil”,
previa ainda o pagamento de uma pensão vitalícia ao jornalista, no valor
de CR$ 5.000,00.
A condecoração foi recebida com os aplausos do jornal O Estado de
S. Paulo
1
, que aproveitou a ocasião para ressaltar as contribuições de Mario
Pinto Serva às campanhas educacionais lideradas pelo impresso.
Conhecido como um “propagandista incansável”, o jornalista
figurou intensamente nos debates educacionais da Primeira República
(1889-1930). No entanto, poucos estudos se debruçaram sobre essa
atuação e, nenhum, de maneira específica. Chamando atenção a esse
aspecto, Valéria Medeiros (2005) aponta para as poucas menções feitas a
Mario Pinto Serva na historiografia educacional, ressaltando que, quando
citado, os trabalhos o categorizam como educador. Todavia, o uso de tal
classificação enceta discussões, visto que os autores não apresentam os
critérios que a justifiquem. Embora sua tese esteja voltada à análise da
trajetória (SIRINELLI, 1996) intelectual de Antonio de Sampaio Dória,
Medeiros (2005) traz importantes contribuições para o estudo dos
intelectuais do campo educacional do período ao traçar as redes de
sociabilidade constituídas em torno da Liga Nacionalista de São Paulo,
1
JUSTA homenagem a um jornalista. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 09 de jan. de 1952, p. 09.
18
movimento que reuniu muitos membros da elite cultural paulista, entre
eles, Mario Pinto Serva.
Além da tese de Medeiros (2005), dois outros estudos formam um
quadro interessante de análises no sentido de terem abordado com maior
amplitude a participação de Mario Pinto Serva nos debates educacionais
da imprensa entre as décadas de 1910 e 1920. A tese de doutorado, em
Ciências Sociais, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo em 2002, Uma nação à paulista: nacionalismo e regionalismo em São
Paulo (1916-1929), de Cássia Chrispiano Adducci, ao examinar os artigos
publicados pelos liberais paulistas na imprensa periódica, procurou
demonstrar como esses intelectuais se articulavam para propor um modelo
de nação que partia da experiência regional. Ao levantar os diferentes temas
e campanhas em que esses personagens se engajaram, a pesquisa de
Adducci (2002) evidencia a atuação de Mario Pinto Serva na divulgação
de interpretações sobre as raízes do atraso brasileiro e do papel atribuído a
São Paulo na condução das políticas nacionais. Utilizando-se também dos
periódicos como fonte, em dissertação de mestrado defendida em 1999,
Doris Sathler Larizzatti analisa os projetos educacionais d’O Estado de S.
Paulo nos anos 1920 na tentativa de problematizar os referenciais adotados
pelos representantes do jornal na divulgação dessas propostas. A autora
destaca a participação de Mario Pinto Serva na campanha de alfabetização
do impresso, no entanto, insere o articulista e os demais colaboradores do
jornal na vala dos chamados “renovadores da educação nova”. Essa escolha
conceitual, no entanto, é questionável, visto que a produção historiográfica
atual tem demonstrado que esse período envolve uma gama de sujeitos e
instituições que, inseridos num amplo movimento de reordenação social,
extrapolam o âmbito dos chamados “pioneiros” escolanovistas.
19
Ainda a respeito dos projetos educacionais do matutino paulista,
Edna Mercado, na dissertação A educação no jornal O Estado de S. Paulo:
1890-1920, defendida em 1996, também faz menção a Mario Pinto Serva
na campanha de combate ao analfabetismo iniciada pelo periódico em
meados da década de 1910. Apesar de, na hipótese da autora, O Estado de
S. Paulo ser tratado como órgão subordinado ao Partido Republicano
Paulista, o que contraria a historiografia sobre a trajeria do jornal, o
trabalho ajuda a compreender como o impresso se constituiu num dos
principais agentes propagadores do pensamento educacional brasileiro no
início do século XX.
A atividade de Mario Pinto Serva na imprensa periódica nas
últimas décadas da Primeira República é bastante complexa, pelo que o
jornalista participou ao mesmo tempo de vários impressos, o principal
deles O Estado de S. Paulo. Embora não tenha colaborado exclusivamente
com o jornal da família Mesquita, os artigos educacionais que publicou
nessa folha mostram seu intenso comprometimento com as balizas
ideológicas do periódico sendo, portanto, de fundamental importância.
Não se descarta, todavia, a relevância de seus artigos sobre educação
publicados em outros jornais, alguns deles reunidos em sua obra A
Educação Nacional, de 1924.
Assim, o presente trabalho analisa os textos publicados n’O Estado
de S. Paulo e os compilados em A Educação Nacional, imersos no quadro
de tensões e disputas que marcam os anos finais do regime republicano
oligárquico. As duas fontes analisadas, o jornal e o livro, configuram um
corpus singular por concentrarem as principais ideias e propostas que
compõem o pensamento educacional do jornalista naquele momento.
Até o presente, esse conjunto de artigos não foi estudado de forma
sistemática. É possível avaliar que, nos trabalhos supracitados, as
20
publicações de Mario Pinto Serva n’O Estado de S. Paulo foram abordadas
com a finalidade de exemplificar os apontamentos feitos sobre uma
determinada conjuntura cultural, política e educacional. Os aspectos
profissionais e pessoais que envolveram sua carreira na imprensa, bem
como a relação entre seus artigos e o itinerário que estabelece no campo
educacional paulista, foram deixados de lado. Faz-se necessário, portanto,
tecer alguns comentários sobre o cenário da imprensa e da atividade
intelectual nesse contexto.
Nas primeiras décadas do século XX, a imprensa configurou-se
como a principal instância de produção cultural, sendo peça fundamental
na profissionalização do trabalho intelectual. Na medida em que as grandes
cidades se modernizavam e a vida cotidiana tornava-se mais acelerada, a
demanda por novos produtos culturais crescia. Com os avanços obtidos na
composição gráfica dos impressos (em seus diversos formatos: jornais,
panfletos e revistas), foi possível elevar a velocidade e reduzir os custos de
impressão, favorecendo consideravelmente o surgimento de diversas
publicações. Assim, demandando um número cada vez maior de
colaboradores, esses meios de comunicação se mostraram uma ótima
oportunidade para aqueles que buscavam reconhecimento.
De fato, estar na imprensa significava poder articular a carreira
política. Aderir à linha editorial de um impresso e levantar suas bandeiras
consistia em obter dos poderosos proprietários os recursos materiais e
institucionais que não podiam esperar do mercado de profissões.
Nessa perspectiva, por se inserirem nesse tipo de suporte (o jornal),
os artigos de Mario Pinto Serva não podem ser analisados sem
considerarmos tais condições. Como um empreendimento intelectual
coletivo, que reúne indivíduos com objetivos em comum, os periódicos
carregam, de modo geral, diferentes aspectos políticos e culturais de seus
21
respectivos produtores sociais. Conforme aponta Jean-François Sirinelli
(1996), o uso desse tipo de fonte é essencial ao estudo dos intelectuais,
uma vez que essas publicações “conferem uma estrutura ao campo
intelectual por meio de forças antagônicas de adesão pelas amizades que
as subtendem, as fidelidades que arrebanham e a influência que exercem
e de exclusão advindas” (SIRINELLI, 1996, p. 249). Dessa forma,
envolvidos em uma dinâmica de interesses, os periódicos constituem-se
num espaço de sociabilidade. É preciso, portanto, considerar esses aspectos
que, muitas vezes, não vem à tona quando analisado apenas o conteúdo
das publicações.
Frequentemente, a historiografia tem destacado o potencial desses
suportes como fonte de pesquisa. No entanto, o pesquisador precisa estar
atento a alguns cuidados em sua abordagem. Isso, porque na passagem do
século XIX ao XX, as empresas jornalísticas tornaram-se grandes indústrias
de caráter mercantil. Visando atender suas necessidades de mercado,
priorizavam em suas publicações aquilo que era mais lucrativo. Sendo
assim, a utilização dos periódicos como elemento de testemunho histórico
demanda considerar, além das questões técnicas que envolvem sua
produção, a natureza dos capitais neles envolvidos e os acordos firmados
com seus mantenedores. Desse modo, para entendermos essa fase do
percurso intelectual de Mario Pinto Serva, devemos nos debruçar sobre as
relações estabelecidas entre o intelectual e o jornal O Estado de S. Paulo, o
que requer analisar aspectos da composição do impresso e de sua
trajetória.
2
2
Um levantamento importante sobre as mudanças ocorridas no campo historiográfico em relação à utilização
dos periódicos como fonte e objeto de investigação foi realizado por LUCA, Tania Regina de. História dos, nos
e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. o Paulo: Contexto, 2003.
p.111-153.
22
Neste livro, procuro compreender, por meio da imprensa
periódica, as estratégias acionadas por Mario Pinto Serva para se projetar
politicamente a partir do campo educacional paulista. Para tanto, analiso
seus artigos sobre educação publicados no jornal O Estado de S. Paulo,
entre 1915 e 1928, e os reunidos em sua obra A Educação Nacional (1924).
Acredito, dessa forma, ter desvelado as principais temáticas suscitadas pelo
jornalista na complexa conjuntura que envolve a crise da Primeira
República e os reflexos da Primeira Guerra Mundial (1914 1918). Além
disso, buscou-se evidenciar de que forma a abordagem desses temas
contribuiu para aproximá-lo dos atores e esferas de atuação do campo
educacional paulista, ainda em estruturação.
A baliza temporal proposta, o período entre 1915 e 1928, começa
com o ano em que Mario Pinto Serva inicia sua colaboração n’O Estado de
S. Paulo, abrangendo a criação e extinção da Liga Nacionalista de São Paulo,
respectivamente em 1916 e 1924, a Reforma da Instrução Pública paulista
de 1920, a publicação do livro A Educação Nacional (1924), e se encerra
com a II Conferência Nacional de Educação realizada em Belo
Horizonte, em 1928 - da qual ele participou.
Busco, dentro desse recorte, destacar o protagonismo do
personagem em meio às intervenções realizadas pela categoria intelectual a
que pertencia, os profissionais liberais, no campo educacional. A opção por
focar nas características desse grupo composto por advogados, médicos e
engenheiros decorre da constatação de que essas figuras são as que mais
sensivelmente aparecem nos espaços analisados e cuja atuação mais
interessava aos contornos desse trabalho.
O livro foi organizado em três capítulos. No primeiro, Mario Pinto
Serva entre os educadores e a educação, busco analisar a trajetória intelectual
de Mario Pinto Serva até o momento de sua aproximação com o jornal O
23
Estado de S. Paulo. Nesse caminho, procuro mapear os espaços que
contribuíram em sua formação. Em seguida, discuto o cenário de atuação
dos intelectuais brasileiros no início do século XX, evidenciando alguns
aspectos importantes do debate historiográfico sobre o tema. Por último,
apresento a definição de intelectual correspondente ao período e discuto a
atuação dos profissionais com escolaridade superior na estruturação do
campo educacional paulista.
No segundo capítulo, “A campanha a pelejar”: intelectuais,
instituições e redes de sociabilidade, analiso de que modo a presença de
Mario Pinto Serva nas redes de sociabilidade estabelecidas ao redor do
jornal O Estado de S. Paulo e da Liga Nacionalista de São Paulo esteve
relacionada à sua passagem pelo campo educacional paulista. Na sequência
trato da participação do jornalista nos eventos promovidos pela Associação
Brasileira de Educação.
Por fim, no terceiro capítulo, “A espinha dorsal da nacionalidade”:
a educação nos artigos de Mario Pinto Serva em O Estado de S. Paulo (1915
1928) e no livro A Educação Nacional (1924), são analisados os artigos
do autor levando em consideração os debates e tensões entre os atores
educacionais do período. Ao levantar os principais temas e ideias
apresentadas pelo articulista, procuro evidenciar as estratégias discursivas
que ele mobilizou para dialogar com seus pares e com os representantes do
poder.
24
25
Capítulo 1
M
ARIO PINTO SERVA ENTRE OS
EDUCADORES E A EDUCAÇÃO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ _______________ ___________ ____________ __
1.1 Mario Pinto Serva: advogado, jornalista e político
Nascido na cidade de São Paulo, em 26 de julho de 1881, Mario
Pinto Serva foi o sexto de nove filhos do casal Jayme Soares Serva e Victória
Pinto Serva. A primeira Alice, depois Jayme, Antonieta, Victória, Luiz,
Mario, Clélia, Marieta e, o último, Leão Renato. O pai, médico e diretor
da Secção de Estatística Demographo-Sanitária do Serviço Sanitário da
capital paulista, era descendente do fundador da imprensa na Bahia
Manoel Antonio da Silva Serva e foi um dos primeiros membros do
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Natural de Itu, a mãe vinha
de uma tradicional família da região, sendo seus irmãos, Adolpho e
Antonio, figuras ligadas ao Partido Republicano Paulista.
Quando jovem Mario estudou primeiras letras com professores
particulares. O espaço doméstico transformado em local de estudo trouxe
grandes contribuições a sua formação. Sempre muito movimentada, a casa
da família na Rua São Bento recebia diversas visitas e hóspedes, como Rui
Barbosa, que faziam da mesa de jantar um lugar de “grandes palestras”.
3
3
O episódio foi lembrado por Antonio Constantino no artigo Rui na casa de Dr. Jaime, que compunha a série
Evocações da Faculdade de Direito publicada pelo O Estado de S. Paulo (07 nov. 1944, p. 4). Nele o autor traz o
relato de Jayme Pinto Serva, irmão de Mario Pinto Serva, sobre a proximidade da família com a Águia de Haia,
conforme demonstra o trecho a seguir: “Rui Barbosa ficou residindo durante alguns meses na casa de meu pai,
26
O contato com o ambiente escolar veio apenas aos 14 anos, após ingressar
nos preparatórios do Curso Anexo da Escola Normal da Capital. Em 1897,
aos 16 anos, seguindo os passos dos irmãos Jayme e Luiz, matriculou-se na
Faculdade de Direito de São Paulo, sendo um dos mais novos estudantes
em sua turma (MELO, 1954, p. 569-570; MEDEIROS, 2005, p.96).
A opção pela carreira de advogado demarca um momento
importante na trajetória intelectual de Mario Pinto Serva. Como principal
instância de produção ideológica na Primeira República (1889-1930), a
Faculdade de Direito era responsável por promover a integração intelectual,
política e moral dos filhos e parentes próximos das oligarquias. De fato,
um título conferido pela instituição garantia legitimidade aos jovens
bacharéis e abria oportunidades para alavancar a carreira próxima aos
núcleos de poder. Além disso, o convívio durante esse período com outros
moços da elite paulistana, a exemplo de Oscar Thompson, Plínio Barreto
e Reynaldo Porchat todos eles figuras importantes do cenário
educacional paulista na década de 1920 , configurou uma das principais
redes de relações dentre as quais o jornalista participou e que será abordada
mais adiante
4
.
Em 1901, Mario Pinto Serva termina o curso de Direito,
ingressando rapidamente no serviço público como promotor na comarca
de Itaporanga
5
. No ano seguinte, consegue remoção para a comarca de
tendo como companheiro de quarto meu tio Adolpho Pinto, estudante de prepararios [...] Refere ainda hoje
minha mãe, dona Vitoria Pinto Serva, que o assunto preferido de Rui Barbosa, naquela ocasião, era a guerra
franco-alemã que estava no auge, e não só sobre política como sobre religião ele se manifestava com o
desassombro de suas ideias amplamente liberais, sempre afirmando seu ponto de vista avançado, sendo um
palestrador vivaz e admirável. Lembra-se ela de muitas palestras que provocava e alimentava durante as refeições”
(CONSTANTINO, 1944, p. 4, grifos nossos).
4
Me refiro à Liga Nacionalista de São Paulo, que será analisada em profundidade no capítulo 2.
5
Fundado em 1871, o município de Itaporanga se localiza as margens do Rio Verde, na região sul no estado de
São Paulo. Para mais informações, conferir o site da Prefeitura de Itaporanga: http://www.itaporan-
ga.sp.gov.br/novoportal/.
27
Tietê
6
e, dias depois, perde seu pai, vítima de problemas respiratórios. Um
mês depois, o irmão Jayme morre de tuberculose.
O momento das perdas do irmão mais velho e, sobretudo, do pai,
marca outra dobra importante na vida de Mario Pinto Serva. Tal situação,
conforme aponta Sergio Miceli (2001), traduzia-se para a família como a
morte da posição social que a figura paterna ocupava e de todas as posições
homólogas no espaço da classe dirigente. Desse modo, aos herdeiros
restava como alternativa acionar as estratégias de mobilização do capital de
relações familiares, buscando obter vantagens como um cargo público ou
num órgão de imprensa. No caso da família Serva, tratava-se de recorrer
ao prestígio adquirido pelo trabalho político do pai para viabilizar o acesso
às posições de mando, criadas pela expansão das instituições políticas e
administrativas
7
.
Passados dois anos, Mario Pinto Serva retorna a São Paulo sendo
nomeado, por intermédio do irmão Luiz, sub-delegado de polícia no
distrito da Lapa, função que começa a exercer paralelamente à atividade de
advogado. Nessa fase, o articulista amplia sua rede de relações compare-
cendo a missas de falecimento de figuras políticas, cerimônias da Faculdade
de Direito, jantares beneficentes, entre outras ocasiões constantemente
noticiadas pelo jornal O Estado de S. Paulo.
6
Elevada à categoria de município em 1862, Tietê está localizada na atual Região Metropolitana de Sorocaba,
estado de São Paulo. Para mais informações, conferir o site da Prefeitura de Tietê: http://www.tiete.sp.gov.br/.
7
Miceli ainda ressalta que o estudo dos intelectuais é indissociável da história social de suas famílias. Nesse
sentido, conforme aponta, “[...] as profissões intelectuais constituem um terreno de refúgio reservado aos
herdeiros das famílias pertencentes à fração intelectuais e, em particular, aos filhos das famílias em declínio.
Esses últimos, tendo podido se livrar das ameaças de rebaixamento social que rondavam os seus, tiveram a
oportunidade de se desgarrar de seu ambiente de origem, e, ao mesmo tempo, de objetivar com seus escritos
essa experiência peculiar de distanciamento em relação a sua classe”. Ver: MICELI, Sergio. Intelectuais à
brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 82.
28
No ano de 1910, o tio, o engenheiro Adolpho Pinto, indica Mario
Pinto Serva para o cargo de secretário do Escritório Central da Companhia
Paulista de Estradas de Ferro em Jundiaí. Durante esse período, empenha-
se na Campanha Civilista de Rui Barbosa, onde começa a se destacar pela
redação de alguns panfletos. Finda a exaltação das disputas presidenciais,
decide casar-se com Noemia Fray, filha de Martinho Fray e Olívia da Silva
Xavier Fray. O matrimônio com a jovem de uma tradicional família de
Campinas, ao que tudo indica, colaborou para firmar sua posição entre os
setores da elite paulista.
Três anos após ingressar na Companhia Paulista, em 26 de julho
de 1913, data de seu aniversário de 32 anos, Mario Pinto Serva tem seu
primeiro artigo como jornalista publicado no Jornal do Commércio, do Rio
de Janeiro. Demonstrando estar atento aos debates educacionais que se
intensificavam na época, o tema escolhido para a estreia foi o problema do
analfabetismo
8
.
Pouco a pouco, as publicações de Mario Pinto Serva sobre
educação na imprensa carioca ganham repercussão e passam a ser
parcialmente reproduzidas em jornais de outras localidades, como O
Estado de S. Paulo
9
. Ao que parece, as posições defendidas pelo jornalista
foram ao encontro do projeto político que, gradualmente, se estruturava
em torno do grupo ligado ao poderoso proprietário desse impresso Julio
Mesquita. Na edição 28 de novembro de 1915, na segunda página, Mario
Pinto Serva publica pela primeira vez no periódico paulista. O artigo “O
Problema da Educação em S. Paulo”, dá impulso à campanha d’O Estado
8
É importante dizer que esse artigo não foi localizado em nenhum dos acervos consultados. As informações
apresentadas foram extraídas do verbete SERVA, Mario Pinto. In: MELO, Luís Correia. Dicionários de Autores
Paulistas. Comissão IV Centenário da Cidade de São Paulo. São Paulo: Editora Gráfica Irmãos Andrioli S.A.
1954 (Serviços de Comemorações Culturais).
9
A sigla OESP (em itálico) será utilizada para me referir ao jornal O Estado de S. Paulo.
29
pela alfabetização, que teve início com a realização do primeiro Inquérito
sobre a situação do ensino primário em São Paulo e suas necessidades em
1914
10
.
Como principal órgão de imprensa fora da capital federal que
possuía colaboração regular de intelectuais de prestígio, O Estado de S.
Paulo destacava-se como representante das frações dissidentes do Partido
Republicano Paulista. Da década de 1910 em diante, o impresso encabeçará
o movimento por reformas estruturais da República e elegerá a educação e
o voto secreto como bandeiras centrais dessa empreitada. Transitando
frequentemente entre os dois temas, a reforma do ensino e a reforma
eleitoral, Mario Pinto Serva irá assumir a “artilharia” do jornal nas críticas
ao modelo vigente.
Assim, defende-se que é por meio da rede de relações que estabelece
com o grupo OESP e com a família Mesquita, que Mario Pinto Serva
articulará estratégias para construir uma imagem pública a partir do campo
educacional.
10
Publicado entre os dias 27/02/1914 e 20/04/1914, o Inquérito procurou diagnosticar as principais falhas na
organização do ensino primário paulista, evidenciando as propostas elaboradas por um seleto grupo de
entrevistados, sendo eles, por ordem de publicação: Oscar Thompson (27/02 e 28/02), Paulo Pestana (03/03),
Ruy de Paula Souza (05/03), João Lourenço Rodrigues (07/03), Antonio Rodrigues Alves Pereira (08/03), João
Chrisóstomo (10/03), Arnaldo de Oliveira Barreto (13/03), Antônio de Azevedo Antunes (16/03), José Ribeiro
Escobar (20/03), Mariano de Oliveira (23/03), Pedro Voss (27/03), João Pinto e Silva (29/03), Francisco Azzi
(30/03) e Ramon Roca Dordal (06/04). Ver: BONTEMPI JR., Bruno. O inquérito sobre a situação do ensino
primário em São Paulo e suas necessidades (1914): análise das intervenções jornalísticas e políticas no discurso
sobre a educação. Revista do Mestrado em Educação, v. 11, p. 43-50, 2005.
30
1.2 Imprensa, intelectuais e educação na Primeira República:
apontamentos historiográficos
Empenhados na modernização da sociedade brasileira, entre as
décadas de 1910 e 1920, intelectuais compartilharam o sonho de um país
integralmente alfabetizado. Inseridos num contexto de intensa atividade
ideológica e de participação ativa de diversos setores sociais, esses “homens
cultos” estabeleceram por meio da imprensa periódica amplas redes de
sociabilidade por onde circulavam suas ideias e projetos políticos.
Acompanhando de perto as transformações da vida cotidiana nas
grandes cidades, os impressos se apresentavam como principal instância de
produção cultural no período. Na medida em que a população urbana
crescia e os espaços se modernizavam, a procura por novos produtos
culturais, de conteúdo inédito, também se ampliava. Com os avanços
obtidos na composição gráfica desses suportes, foi possível elevar a
velocidade e reduzir os custos de impressão, favorecendo considerável-
mente o surgimento de diversas publicações
11
.
A industrialização das formas de comunicação social, nesse sentido,
ampliava a demanda por novos colaboradores e, por sua vez, diversificava
as oportunidades para profissionalização do trabalho intelectual. Assim,
como alvo de disputas entre as facções oligárquicas, as empresas
jornalísticas configuravam-se como importante meio de consagração aos
que pretendiam alavancar a carreira literária ou política.
11
Muitos trabalhos abordam essas questões, contudo, para maiores informações sobre os diferentes processos
de produção dos impressos e sua evolução, ver: LABARRE, Albert. História do Livro. Lisboa: Livros Horizonte,
2005. Para maiores esclarecimentos sobre a imprensa brasileira e seu desenvolvimento, ver: BAHIA, Juarez.
Jornal, história e técnica: história da imprensa brasileira. v. 1. Rio de Janeiro: Mauad, 2009 e SODRE, Nelson
Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
31
Não havendo, na República Velha, posições intelectuais autônomas em
relação ao poder político, o recrutamento, as trajetórias posveis, os
mecanismos de consagração, bem como as demais condições
necessárias à produção intelectual em suas diferentes modalidades, vão
depender quase que por completo das instituições e dos grupos que
exercem o trabalho de dominão. Em termos concretos, toda a vida
intelectual era dominada pela grande imprensa, que constituía a
principal instância de produção cultural da época e que fornecia a
maioria das gratificações e posições intelectuais. (MICELI, 2001, p.
17).
Nessa perspectiva, estar na imprensa consistia em obter o capital
simbólico necessário para se destacar entre os pares. Conforme aponta
Pierre Bourdieu (1996), a figura do intelectual acaba por se constituir pelas
intervenções que realiza no campo político em nome da autonomia e dos
valores específicos de um campo de produção cultural. Noutros termos,
alinhar-se à linha editorial de um impresso e levantar suas bandeiras
significava poder adquirir dos poderosos proprietários os recursos materiais
e institucionais que não podiam esperar da oferta de cargos públicos ou do
mercado literário (BOURDIEU, 1996, p. 68).
Assim, cada qual a sua maneira, esses articulistas invocaram a
realidade nacional, tendo como fundamento as correntes científicas em
voga e que se mostravam como a chave para compreensão do mundo social
e material. Por dominarem saberes socialmente valorizados, esses
intelectuais procuraram em suas publicações criticar as instituições
políticas corruptas, reivindicando pra si a responsabilidade pela condução
do país. Como bem aponta Tania Regina de Luca:
A intelectualidade do início do século XX obstinadamente refletiu
sobre o Brasil, intentando abarcar sua especificidade. Desse esforço
32
resultou um amplo conjunto de representações que instituíam
problemas, imaginavam soluções e acalentavam diferentes sonhos e
projetos de futuro. (LUCA, 1999, p. 18).
Nesse sentido, estreitamente vinculada a temas como a República
e a democracia, a causa educacional excitava a consciência de muitos
escritores. Portadores de um sentimento de superioridade intelectual, esses
personagens pretendiam tutelar a transmissão da cultura as massas. Tal
atitude “benevolente”, alinhada às ideias em circulação no mundo, buscava
adequar o sentido das medidas modernizantes aos trópicos.
Dentre os diversos grupos políticos envolvidos nesse processo,
destaca-se, sobretudo, a dissidência oligárquica aglutinada em torno do
jornal O Estado de S. Paulo: o chamado grupo OESP. Defensor dos
princípios liberais, esse grupo de intelectuais elaborou um programa de
ação que visava tornar o sistema eleitoral mais representativo e integrar as
frações da classe dominante não representadas na estrutura de poder com
os segmentos urbanos em expansão. Para tanto, fazia-se necessário se
apropriar do rebanho das elites políticas, e isso só seria possível pela
universalização da instrução.
Vista dessa perspectiva, a atuação de Mario Pinto Serva na
imprensa chama a atenção. Apesar de ter publicado inúmeros artigos sobre
os mais variados temas, suponho que, foi por sua abordagem das questões
educacionais que se tornou conhecido. Um indício para essa suposição está
na constatação de que a primeira menção feita pelo jornal O Estado de S.
Paulo a sua pessoa, foi justamente para dar destaque à abordagem que fez
do problema do analfabetismo.
A escolha dessa temática como mote de diversas publicações reflete,
a meu ver, a principal estratégia mobilizada pelo jornalista para promover
33
seu nome politicamente. Ocupando cargos públicos secundários desde a
conclusão do curso de Direito em 1901, Mario Pinto Serva não chegou a
atuar como um “sujeito da escola”, e não há informações de que tenha
desempenhado qualquer função em um órgão dirigente da Instrução
Pública no período abordado. No entanto, supõe-se que, ao se dedicar à
divulgação da causa educacional nos jornais, o articulista tenha iniciado um
percurso entre os atores do campo educacional paulista, o que serviu,
posteriormente, para fortalecer seu nome nas eleições de 1934, quando se
elegeu Deputado Estadual.
Nesse sentido, a análise dessa etapa da trajetória intelectual de
Mario Pinto Serva, entre os anos 1915 e 1928, mostra-se proveitosa para
entender o arsenal analítico e as estratégias por ele mobilizadas para
projetar-se politicamente por meio do debate educacional. Mais que isso,
dado o período em que se insere, a Primeira República, a abordagem desse
momento permite ampliar as discussões para as características do campo
12
educacional ainda em formação.
Não obstante, é preciso ressaltar que tais escolhas levam em
consideração os apontamentos feitos por Sergio Miceli (2001) sobre o
período. Segundo o autor, a vitória política do modernismo forjou uma
interpretação em que toda produção intelectual anterior à década de 1920
estaria inserida em uma “vala comum” denominada pré-modernismo.
Rejeitando tal conceito, o autor reforça que
nessa fase se desenvolveram as condições sociais favoráveis à
profissionalização do trabalho intelectual, sobretudo em sua forma
literária, e à constituição de um campo intelectual autônomo, em
12
Adotamos a definição de campo elaborada por Pierre Bourdieu (2004) em BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais
da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
34
consequência das exigências postas pela diferenciação e sofisticação do
trabalho de dominação. (MICELI, 2001, p. 16).
Sem considerar tais aspectos, por muito tempo a historiografia
tradicional colaborou para perpetuação do discurso modernista sobre esses
intelectuais. Comprimidos entre os feitos concretos da geração de 1870 e
o ímpeto renovador da geração de 1922, os intelectuais das primeiras
décadas republicanas tiveram suas diferenças e estratégias apagadas por
uma leitura homogeneizante de sua atuação.
No que concerne à historiografia educacional, os primeiros estudos
a respeito dos intelectuais remontam a década de 1950. Os trabalhos de
Laerte Ramos de Carvalho e Roque Spencer Maciel de Barros, inspirados
na concepção de História de Wilhelm Dilthey
13
, procuraram entender “o
movimento do espírito que anima a cultura, por meio das obras e das ações
dos ilustrados brasileiros, tal como Barros denominou a geração de cultos
engajados no último quartel do século XIX” (VIEIRA, 2008, p. 65).
Nas décadas seguintes, a tese de Jorge Nagle (2001), Educação e
Sociedade na Primeira República, defendida em 1966 e publicada em 1974,
redirecionou o foco das abordagens para o estudo das relações entre as
ideias educativas e o meio social onde elas se manifestam. Ao associar tais
ideias aos agentes e instituições que as justificavam, o autor colocou em
evidência a necessidade de olharmos o pensamento educacional por meio
da análise de seu respectivo contexto social, político e econômico
14
.
Todavia, na interpretação feita por Nagle (2001), a atuação dos
intelectuais e a configuração do campo educacional no período estariam
13
Para mais considerações sobre a ideia de história em Wilhelm Dilthey, ver o estudo: REIS, José Carlos.
Wilhelm Dilthey e a autonomia das ciências histórico-sociais. Londrina: Eduel, 2003.
14
Cf. NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
35
restritas a dois momentos: o entusiasmo pela educação e o otimismo
pedagógico. O primeiro cronologicamente anterior ao segundo se
caracterizaria pela ênfase atribuída à educação, vista como principal
problema nacional e cuja solução dependiam todos os demais. Já o
segundo, seria definido pela crença no poder pedagógico para a formação
social do homem novo. Em síntese, segundo o autor, na transição entre esses
dois momentos, ocorrera um processo de “esvaziamento” do sentido
político conferido a educação. Assim, para Nagle (2001), durante o
chamado otimismo pedagógico tanto o discurso quanto o campo
educacional passariam a se estruturar apenas em aspectos científicos, onde
predominaria a figura do técnico especialista em pedagogia, denominado
educador profissional.
Essa interpretação foi compartilhada por longo tempo pela
historiografia, com destaque para a pesquisa de Vanilda Paiva (2003),
História da educação popular no Brasil: educação popular e educação de
adultos, que a reforçou estabelecendo marcos temporais rígidos para
delimitar estes dois momentos. A autora sugere que até o ano de 1925
estaríamos diante do entusiasmo pela educação, onde os vínculos entre
educação e política ainda se mostravam evidentes, dada a permanência das
campanhas pela ampliação da escolarização lideradas por agremiações de
caráter nacionalista. No entanto, conforme aponta a autora, no último
quinquênio do regime oligárquico, as rupturas no interior da classe
dirigente levaram ao distanciamento dos educadores em relação aos
núcleos políticos e de poder, fazendo com que se aproximassem de
entidades e revistas especializadas, o que reforçou a propagação de um
discurso técnico que priorizava a qualidade do ensino e não sua expansão
15
.
15
Cf. PAIVA, Vanilda. História da educação popular no Brasil: educação popular e educação de adultos. 6ª ed.
revista e ampliada. São Paulo: Loyola, 2003.
36
Contrariando a referida interpretação, Marta Carvalho (2003)
demonstrou que o abandono da ênfase na difusão do ensino não
representava a “despolitização” do campo educacional, mas sim sua
“politização” em novos termos. Segundo a autora, portanto, compreender
o entusiasmo pela educação e sua transformação no otimismo pedagógico
demanda considerar os aspectos que levaram a essa “repolitização
operada”. Em suas palavras,
a proposta de uma educação integral, resultante da subordinação da
difusão do ensino a razões técnicas ou estritamente pedagógicas que
determinassem sua qualidade, era uma das respostas políticas ensaiadas
por setores da intelectualidade brasileira na redefinição dos esquemas
de dominação vigentes. (CARVALHO, 2003, p. 53).
Ao levantar tais aspectos, Carvalho (1989) também evidenciou aos
pesquisadores algumas das “armadilhas interpretativas” criadas pelo
discurso escolanovista em relação ao período. Estruturada sob a polarização
novo x velho, a narrativa produzida pelo movimento renovador sobretudo
por Fernando de Azevedo , perpetuou uma memória histórica que
obscureceu a relevância de alguns temas e questões presentes entre as lutas
e conciliações que marcaram a formação do campo educacional na
República Velha
16
.
Tentando evitar o que chamou de “zona de pensamento perigoso”,
em referência ao acirramento dos embates educacionais nos anos 1930,
Fernando de Azevedo (1971), em sua narrativa, pretendeu construir um
“lugar” definitivo para movimento educacional. Escrita durante o Estado
Novo, a obra A cultura brasileira apresentava as políticas centralizadoras do
16
A esse respeito, ver o artigo: CARVALHO, Maria Marta C. O novo, o velho e o perigoso: relendo A cultura
brasileira. Cadernos de pesquisa, n. 71, nov. 1989, p. 29-35.
37
regime como a concretização da campanha de renovação do ensino
iniciada na década anterior. Em síntese, o autor buscou amenizar os
conflitos e tensões que envolveram os atores do cenário educacional no
período imediatamente anterior à Revolução de 1930, dividindo-os em
rubricas generalizantes: renovadores x tradicionais. Noutros termos,
posicionando-se de maneira favorável à linha política em curso, Azevedo
(1971) associou o movimento da Escola Nova, ao qual pertencia, ao
contexto de fermentação cultural e política cujos outros sintomas seriam a
Semana de Arte Moderna (1922) e as revoltas tenentistas.
Diante desses apontamentos, vale dizer que, no âmbito da
historiografia educacional, o estudo dos intelectuais das primeiras décadas
republicanas esteve pautado, por muito tempo, na narrativa modernista /
escolanovista. Somente a partir da década de 1980, com a divulgação da
tese supracitada de Marta Carvalho (2003), é que se iniciou um processo
de revisão das interpretações até então consagradas.
Nos últimos anos, pôde-se notar um crescimento significativo dos
trabalhos voltados aos temas intelectuais e campo educacional. De modo
geral, as pesquisas mais recentes da área têm possibilitado a ampliação da
abrangência do mapa intelectual, “retirando das sombras personagens e
cenários antes eclipsados pelo volume significativo de pesquisas sobre
alguns líderes do movimento pela Escola Nova no país” (VIEIRA, 2008,
p. 67).
É nessa direção, portanto, que se localiza o objeto desse livro. Ao
refletir sobre o itinerário de Mario Pinto Serva entre os educadores nos
conturbados anos finais da primeira fase republicana no Brasil, busco abrir
caminho para revermos definições até então reproduzidas e poucas vezes
discutidas pela historiografia educacional. Me refiro, aqui, à noção de
38
intelectual em vigor no período e, principalmente, um de seus
desdobramentos: a figura do educador.
1.3 Os intelectuais entre os séculos XIX e XX: considerações para o
estudo de sua atuação
A acepção de intelectual como aquele que intervém no campo
político ganhou contornos mais precisos nos últimos decênios do século
XIX na França. A palavra intellectuels, no plural, utilizada para designar
um conjunto de cultos, protagonistas culturais e com identidade definida,
teve ampla circulação no ambiente cultural do país à época (DENIS,
2001).
Entretanto, anterior a sua apropriação no cenário francês, o
neologismo inteligencija, de significado aproximado, já havia sido utilizado
pelo filósofo polonês Karol Libelt em sua obra Em amor a Pátria (1844)
para representar os membros bem educados da sociedade que deveriam
assumir a responsabilidade pela educação do povo e a nação. Com a grafia
intelligentsia, o vocábulo assim entendido disseminou-se rapidamente
entre os jovens literatos russos do período. Conforme aponta Carlos
Eduardo Vieira (2008), o termo foi associado
à ideia de elite que se definia pelo grau de formação e competência para
tratar com o conhecimento erudito e com o cultural em geral, em
contraste com as elites de sangue ou posição econômica; bem como se
vinculou à ideia de grupo que, gozando de capacidades superiores de
análise e elaboração de propostas sociais, se constituía como
protagonista político privilegiado. (VIEIRA, 2008, p. 69).
39
Em sua maioria, esses escritores elegiam-se portadores da
consciência nacional e, por sua vez, reivindicavam o papel de condutores
do povo. Todavia, essa participação política da intelligentsia na vida
pública russa gerava posicionamentos controversos. Muitos literatos
apontavam os radicais como demasiadamente soberbos e, por conta disso,
incapazes de conduzir os interesses do povo.
Essas diferentes concepções envolvendo a identidade da elite culta
no contexto da Rússia no século XIX foram, de certo modo, incorporadas
ao debate francês. Todavia, por lá, o marco simbólico da emergência dos
intelectuais no espaço público ocorreu com a publicação do célebre
manifesto J´accuse: lettre au président de La republique de Émile Zola no
jornal L´Aurore em 1898, no qual expõe sua posição acerca do caso
Dreyfus.
Marco da história política francesa durante a Terceira República,
o caso teve ampla repercussão e mobilizou a ação pública de diversos
artistas e escritores. Acusando o Estado de violação das normas legais no
processo contra o capitão Alfred Dreyfus, condenado a prisão sob a
alegação de espionagem em favor da Alemanha, vários intelectuais, entre
eles Émile Zola, Marcel Proust, Émile Durkheim e Anatole France,
reivindicaram por meio dos jornais uma revisão da decisão judicial apoiada
em normas jurídicas de valor universal e não em função dos interesses do
governo. Devido ao fato de Dreyfus ser de origem hebraica, o episódio
fomentou um conjunto de debates em torno dos discursos nacionalista e
antissemita, o que refletiu em uma polarização dos intelectuais, estando de
um lado os que eram contra (Anti-Dreyfusard) e do outro a favor
(Dreyfusard) da reabertura do processo (MARLETTI, 1986, p. 637-639;
VIEIRA, 2008, p. 69-71).
40
De modo geral, nesses diferentes posicionamentos o que se tornou
evidente foi a tomada do espaço coletivo pelos intelectuais e sua afirmação
como protagonistas políticos. Noutros termos, ao adotarem uma postura
polêmica frente à questão, os escritores engajados no affaire abriram
simultaneamente o horizonte de discussões acerca das mudanças no
comportamento político das elites cultas e sua influência nos debates
públicos
17
.
Outro aspecto importante a ser ressaltado diz respeito às condições
para que essa presença pública dos intelectuais se efetivasse. De fato, as
intervenções que realizaram na esfera política, embora não caracterizassem
uma inovação do século XIX, tiveram como diferencial a existência de um
cenário técnico que favorecia a divulgação de ideias por meio de uma
ampla rede de circulação de impressos. Em realidade, é a partir da grande
imprensa
18
que esses atores conseguiram não só elevar sua capacidade de
atuar de maneira organizada, como também de obter grande apelo cívico
em torno de questões pontuais. Por extensão, a atividade profissional em
diferentes jornais e revistas propiciava a formação de uma identidade como
protagonistas políticos e a aquisição de uma relativa autonomia intelectual.
Além disso, é bom ter presente, também, que as rápidas alterações
nos cenários urbanos, o surgimento de leis escolares e a expansão das
17
No que se refere ao sentido dado ao termo intelectuais e sua disseminação nas décadas posteriores ao affaire,
Carlo Marletti (1986, p.637) assinala que: “Recebido com desconfiança nos dicionários e considerado
frequentemente como gíria ou expressão depreciativa, o termo intelectuais conserva ainda o sentido político que
recebeu, como se fosse um nome de guerra, no conflito entre conservadores e progressistas em torno do caso
Dreyfuss”. Para maiores esclarecimentos, conferir o verbete Intelectuais de MARLETTI, Carlo. In: BOBBIO,
Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1986. p. 637-640.
18
Sobre a utilização desse termo, Tania Regina de Luca (2012, p.149) adverte que “A expressão grande
imprensa, apesar de consagrada, é bastante vaga e imprecisa, além de adquirir sentidos e significados peculiares
em função do momento histórico em que é empregada. De forma genérica designa o conjunto de títulos que,
num dado contexto, compõe a porção mais significativa dos periódicos em termos de circulação, perenidade,
aparelhamento técnico, organizacional e financeiro”.
41
malhas ferroviárias trouxeram outras mudanças significativas para o plano
cultural, contribuindo para a multiplicação e a alteração do status dessas
elites culturais. Em outras palavras, cabe considerar que as transformações
tecnológicas e sociais das décadas finais do século XIX e o início da centúria
seguinte, foram determinantes da composição e atuação dos intelectuais.
Como bem aponta Jean-François Sirinelli (1998),
os efeitos de tais evoluções não são apenas mecânicos, determinando o
número e a composição das elites culturais. São igualmente indirectos,
na medida em que estas elites são também, de certa maneira, o reflexo
da sociedade em que se inserem, sociedade que também evolui.
(SIRINELLI, 1998, p. 266-267).
Assim, é preciso ter em mente que a configuração de um ambiente
de circulação e transmissão de ideias esteve diretamente ligado às relações
estabelecidas entre a esfera intelectual e o meio que a rodeia. O olhar sobre
esses aspectos nos permite compreender que nas redes de sociabilidade que
constituem, os intelectuais captam, em um mesmo movimento, as
expectativas e sensibilidades de seu tempo e concorrem para lhes dar seus
tons. Significa dizer, portanto, que é pelo seu poder de influência no plano
cívico que esses atores irão se definir. No entanto, o pertencimento a essa
categoria social não é simples e está sujeito a mecanismos de acesso
específicos. Em síntese, o exercício da atividade intelectual consistia no
domínio das regras de recrutamento, reconhecimento e estratificação
presentes num determinado campo de atuação.
Por recrutamento entendo, tal como assinala Sirinelli (1998), a
morfologia das elites culturais em um dado momento histórico.
Basicamente, trata-se das competências exigidas para que haja garantia e
legitimação da posição ocupada pelos intelectuais no espelho social. Como
42
exemplo, podemos mencionar o papel da escola e o peso conferido aos
portadores de diploma. Já o reconhecimento, se caracteriza pelo
cumprimento das normas impostas para aquisição do status de membro da
elite. Esse, por sua vez, exerce-se por dois caminhos possíveis: seja
refletindo a sociedade que o rodeia; ou por meio do prestígio obtido entre
os pares. No que concerne à estratificação, esta se define pelo revezamento
entre diferentes gerações e a transmissão do “poder” intelectual
(SIRINELLI, 1998, p. 275).
Nessa perspectiva, dialogando conjuntamente com Bourdieu
(2004), entende-se que os agentes em disputa no campo intelectual
dependiam do reconhecimento de seu papel político-social para
demarcarem uma posição de destaque na hierarquia de seu espaço de
atuação (estratificação) e, assim, assegurarem “pra si um controle mediato
das diferentes gratificações materiais ou simbólicas distribuídas pelo
Estado” (BOURDIEU, 2004, p. 67).
Além dos elementos supracitados, essas noções também remetem a
outros domínios que não podem ser desprezados. Me refiro aqui à
trajetória, ao itinerário e às redes de sociabilidade dos intelectuais. A esse
respeito, Sirinelli (1996) adverte que
Todo grupo de intelectuais organiza-se também em torno de uma
sensibilidade ideológica ou cultural comum e de afinidades mais
difusas, mas igualmente determinantes, que fundam uma vontade e
um gosto de conviver. São estruturas de sociabilidade difíceis de
apreender, mas o historiador não pode ignorar ou subestimar.
(SIRINELLI, 1996, p. 248).
De fato, o meio intelectual se estrutura como um “pequeno mundo
estreito, onde os laços se atam, por exemplo, em torno da redação de uma
43
revista ou do conselho editorial de uma editora” (SIRINELLI, 1996, p.
248). Outro aspecto que compõe esse quadro é a assinatura e participação
em manifestos. Em ambos os casos, o que se emoldura é um ambiente de
fermentação de ideias, de onde podemos pinçar as amizades e inimizades,
adesões e rupturas, entre outras coisas que trazem à tona as dimensões de
funcionamento das redes intelectuais, as quais chamamos sociabilidade.
Entretanto, para que essas redes possam compor um objeto de
investigação histórica, é imprescindível esclarecer, balizar e interpretar a
trajetória e o itinerário de um ou dos vários indivíduos que delas
participam. Cabe, portanto, analisar os anos de formação que antecedem
o despertar de sua vocação, assim como mapear os espaços por onde
circulavam e, não menos importante, seu momento de aproximação ou
afastamento para com as ideologias produzidas e veiculadas entre os
diferentes grupos intelectuais e a cultura política de sua época. Em termos
concretos, para realizar esse processo de abordagem do pensamento, da
função social e do lugar de onde e com quem fala um intelectual, é preciso
ater aos vestígios materiais por ele deixados, isto é: seus escritos, discursos,
conferências, memórias etc.
Assim, diante dessas colocações e levando em consideração o
período e o local enfocado neste trabalho, o Brasil das décadas iniciais do
século XX, adoto, portanto, a definição de intelectual como indivíduo que
leu sistematicamente a sociedade em que viveu e que se fez conhecer
publicamente a partir de seus posicionamentos políticos. No mais,
reconheço como tal aquele que, como pertencente a uma categoria social
distinta, a “elite cultural”, exerceu algum tipo de autoridade, seja no plano
endógeno (entre seus pares) ou exógeno (frente à sociedade) (SIRINELLI,
1996, p. 263). Desse ângulo, assegura-se que tanto Mario Pinto Serva
quanto os demais participantes das redes de sociabilidade por onde ele
44
circulou possam ser definidos como intelectuais. Isso, porque, como
veremos em profundidade a seguir, esses atores se projetaram no espaço
público por meio da imprensa e do engajamento em diversas campanhas
públicas, de onde articulavam estratégias para exercer influência no campo
político e educacional.
1.4 A figura do educador em meio a advogados, médicos e engenheiros
Entre as décadas de 1910 e 1920, dada a ausência de um perfil
profissional específico e de um aparato institucional que alicerçasse sua
autonomia, o campo educacional, ainda em formação, contou com a
presença maciça de advogados, médicos e engenheiros. A legitimidade para
atuação desses profissionais no âmbito das campanhas, conferências,
debates, entidades e esferas de decisão das políticas públicas de educação
pode ser entendida, num primeiro momento, por meio da análise das
representações sociais que esses agentes construíram de si durante sua
passagem por instituições de ensino superior.
A esse respeito, as pesquisas de Bruno Bontempi (2015) têm
evidenciado como no interior dessas instituições se configura um conjunto
de práticas e rituais que, perpetuados por várias gerações, servem à
produção e sedimentação das identidades coletivas desses bacharéis. Em
suma, para além da simples obtenção de um diploma que garantisse o
direito de atuação num nicho específico do mercado de profissões, na
Primeira República (1889-1930), o percurso por essas instâncias e a
aquisição do status de bacharel conferia simultaneamente a incorporação
de uma vocação para classe dirigente.
45
De modo geral, formados numa tradição acadêmica profunda-
mente fundamentada no interior da corrente positivista, os jovens egressos
das poucas e renomadas faculdades da época (Faculdade de Direito,
Faculdade de Medicina e Politécnica) se autoproclamavam os detentores
exclusivos das chaves para apreensão e transformação da realidade social do
país. Partindo de uma leitura da organização social em que a política e a
ciência seriam elementos indissociáveis, os doutores, como eram chamados,
aspiravam ao protagonismo na organização das instituições em bases
racionais.
Conforme aponta Daniel Pécaut (1990), a crença que esses
intelectuais mantiveram na capacidade da ciência em administrar os
homens e a natureza irá se expressar numa ótica do poder que concebia a
nação como uma unidade que precisava ser construída de cima. Nesse
sentido, por diferentes vias, esses profissionais irão se colocar à disposição
do Estado nacional, articulando as estratégias vistas como necessárias para
forjar uma cultura capaz de alçar a sociedade ao patamar desejado.
Ao pleitear posições na burocracia e na política, os profissionais
com escolaridade superior se debruçaram sobre as características e
especificidades da nação brasileira percorrendo
a história, a geografia, a literatura, a gramática e a filologia;
estuda(ando) a composição étnica da população, a organização
econômica e social, as instituições políticas, o sistema educacional e o
de saúde, a produção cultural; enfim todos os aspectos que
consideravam relevantes para explicar a realidade nacional.
Positivismo, determinismo, evolucionismo e darwinismo social: esse o
instrumental analítico que orgulhosamente ostentavam e ao qual
atribuíam a capacidade de revelar, quando habilmente manejado, a
verdadeira face do país. (LUCA, 1999, p. 34, grifos nossos).
46
A dedicação com que esses homens cultos se empenharam no
deslumbramento do caráter nacional demonstra a maneira como enca-
ravam sua função social. Acreditando estarem naturalmente destinados a
conduzir as massas à aquisição dos seus direitos de cidadania, os
profissionais liberais brasileiros do início do século XX recorreram ao
prestígio de sua posição para se projetarem ao espaço público e, assim,
conseguirem dar visibilidade aos seus projetos de regeneração do país.
Não obstante, ao se colocarem à disposição do Poder Público, esses
grupos acabaram contribuindo para a delimitação das fronteiras
identitárias dos intelectuais no plano político e, numa escala menor, no
campo educacional. De certo modo, nesse período, o perfil profissional
moldado pela formação em nível superior serviu para definição das regras
de acesso às posições de mando nos núcleos de poder, pautadas, sobretudo,
no domínio dos saberes social, político e cultural, assim como para criação
das condições necessárias a profissionalização da atividade intelectual.
Tendo no nacionalismo uma maneira suplementar de obter
reconhecimento por parte dos governantes, os advogados, médicos e
engenheiros emplacaram o jargão científico que passou a orientar as
iniciativas públicas da década de 1910 em diante. A disparidade do país
em comparão às nações industrializadas da Europa, amplamente
evidenciada pela produção intelectual daquele momento, serviu para
munir os argumentos levantados para justificar a urgência da intervenção
desses “cientistas” em favor da realização de reformas políticas. “A
educação não escapou dessa onda, e foi um dos campos onde a ciência
moderna teve maior acolhida como justificativa de propostas de reforma”
(BOMENY, 2001, p. 29).
47
Buscando pôr um fim ao hiato deixado pela República entre a
esfera política e a sociedade, esses ilustrados organizaram ao redor do
“imperativo nacional” um universo de debates que, “manifestando divisões
mas também consenso em torno do mesmo objetivo, conferia aos
membros da elite intelectual a possibilidade de um reconhecimento mútuo
baseado na mesma vocação” (PÉCAUT, 1990, p. 41).
É bom ter presente que os vínculos estabelecidos entre a educação
do povo e a construção da nacionalidade são anteriores ao período em
análise, datando aproximadamente ao momento de “emergência e
disseminação da escola primária como instituição moderna e universal de
socialização da infância” (SOUZA, 2009, p. 261) no decorrer do processo
de constituição dos Estados-Nações no século XIX.
Desde então, as relações entre esses temas passaram a receber
atenção de diversas gerações de intelectuais em momentos distintos, tais
como: a Abolição, a Proclamação da República, nos anos 1920, na
Revolução de 1930, entre outros. O que se destaca dessas aproximações,
entre a questão nacional e a educação, são as formas pelas quais elas
serviram à formulação de diferentes interpretações sobre o Brasil que, de
alguma maneira, impactaram o campo educacional (SOUZA, 2009, p.
264).
Em realidade, após a eclosão do conflito bélico na Europa em
1914, quando as expectativas que a intelligentsia nacional cultivava em
relação ao futuro foram postas em xeque, o fervor nacionalista pela causa
educacional ganha força. Por envolver países onde a escolarização da
população encontrava-se amplamente difundida, a Grande Guerra acabou
por impulsionar a revisão dos postulados pedagógicos do ensino. Por
extensão, o conflito escancarou a ineficácia do projeto republicano de
48
instrução haja vista os parcos resultados alcançados até então
19
–,
levando, por consequência, à mobilização dos intelectuais através da
criação de entidades civis como as Ligas Nacionalistas, que tinham como
principal plataforma o combate ao analfabetismo.
Tais preocupações aumentaram depois dos eventos ocorridos nas
greves de 1917 e 1918. Conforme assegura Carvalho (2003),
É, assim, que a escola começa a se impor, no horizonte político das
elites paulistas, como recurso efetivo de incorporação generalizada das
populações à ordem política, social e econômica. O intento de
expandir a escola, “nacionalizando” as populações operárias rebeldes à
ordem republicana instaurada e incorporando as populações até então
marginalizadas, evidencia os limites e a inadequação do modelo escolar
republicano. No seu lugar, uma nova hierarquia de prioridades se exibe
na linguagem das cifras e na urgência das metas de generalização da
escola. (CARVALHO, 2003, p.146).
Nesse contexto, participando ativamente da fundação e condução
das campanhas empreendidas pelas Ligas, os advogados, médicos e
engenheiros contribuíram para elevação do combate ao analfabetismo ao
estatuto de questão de defesa nacional. Temendo as possíveis convulsões
que as massas incultas pudessem promover no espaço das cidades, esses
atores elaboraram um extenso programa de ação que buscava equacionar a
questão por meio de medidas educacionais que viabilizassem o
“disciplinamento das populações resistentes, na vadiagem ou na anarquia,
à nova ordem que se implantava” (CARVALHO, 2003, p. 21).
19
Segundo os dados do Recenseamento Escolar do Estado de São Paulo, realizado em 1920, durante a gestão
de Sampaio Doria na Diretoria Geral de Instrução Pública, o índice de analfabetismo entre crianças de 6 a 12
anos seria de 77,9%. Os dados foram publicados no jornal O Estado de S. Paulo. Ver, entre outras edições:
CONTRA o analphabetismo Recenseamento Escolar. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 07 set. 1920, p.04.
49
Vale dizer, no entanto, que embora apareçam condensadas em um
mesmo discurso, o de regenerar a Nação pela educação, as muitas
propostas de expansão da alfabetização apresentadas pelos intelectuais dos
anos 1910 e 1920 carregavam suas polarizações. Segundo Marta Carvalho
(2003), encarado como marca da inaptidão do país ao progresso, nesse
período, o problema do analfabetismo passará por uma reconfiguração no
cerne do campo educacional, espraiando-se rapidamente pelos discursos
políticos que discutiam a eficácia de dois modelos escolares: a escola
alfabetizante e a escola de tempo integral.
Receosa quanto aos empecilhos que a precariedade das condições
de vida da classe trabalhadora viesse impor aos projetos de modernização
do país, a intelligentsia brasileira buscou alternativas para formar o corpo
social a ser governado por uma classe dirigente ilustrada. Todavia, os meios
defendidos para confirmação desse domínio cultural sobre o conjunto da
sociedade divergiam. Em tese, as prioridades hierarquizadas pelos grupos
em disputa no campo tendiam a se opor no que diz respeito às vias mais
rápidas para generalização da instrução e, por sua vez, no que se refere à
ideia de que a simples propagação do alfabeto curaria todas as moléstias
nacionais.
Expressos na oposição entre ensino primário incompleto para
todos (escola alfabetizante) x ensino completo para alguns (escola de tempo
integral), esses embates atingiram seu auge no decorrer das Reformas da
Instrução Pública estaduais depois de 1920. O ponto central do debate
surge após a nomeação do militante da Liga Nacionalista de São Paulo, o
advogado Antonio de Sampaio Doria, para o cargo de Diretor Geral da
Instrução Pública do estado de São Paulo. À frente da pasta, Doria iniciou
a reforma do aparelho de ensino paulista implantando a redução do ensino
primário de quatro para dois anos.
50
Endossada pelo governador de São Paulo à época, Washington
Luís, a reforma encabeçada por Doria pretendia condensar, em um curso
de curta duração, os saberes necessários à formação cidadã e dissemi-los
a toda população. No entanto, a efetividade dessa medida como dispositivo
para manutenção da ordem republicana era questionada por grupos que
temiam que a “instrução pura e simples” se tornasse uma “arma perigosa”
caso não fosse habilmente manejada (CARVALHO, 2003, p. 154-155).
A retórica utilizada para criticar os mecanismos da Reforma
Sampaio Doria, como ficou conhecida a posteriori, serviu para nortear as
demais reformas realizadas em outros estados, como Bahia (Anísio
Teixeira) e Ceará (Lourenço Filho). As diferentes representações sobre os
perigos da alfabetização esboçadas nesse contexto apontam para a
reconfiguração da avaliação dominante nas campanhas dirigidas pelas
Ligas, que faziam consistir os entraves à consolidação da República no
analfabetismo.
Cabe ainda ressaltar que esse deslocamento operado nos sentidos
da alfabetização refletiu diretamente na seleção das práticas e saberes que
deveriam compor a formação dos profissionais da educação. Esse aspecto
é de grande importância, tendo em vista que a cada turma de egressos das
escolas normais, ampliava-se o público que compreendia o jargão político-
educacional e, de alguma forma, o consumia através da imprensa periódica
e pedagógica. Tratava-se, portanto, da extensão do conhecimento antes
restrito a determinados agentes sociais para grupos cada vez maiores da
sociedade (CARVALHO; TOLEDO, 2015, p.2).
A profissionalização dos professores primários que passaram a atuar
na rede escolar instaurada a partir das primeiras reformas republicanas de
instrução ajudou a conformar os territórios identitários do campo
51
educacional da Primeira República. Em suma, os valores e práticas
incorporados em sua formação muito marcada pelo contato com
advogados, médicos e engenheiros que ocupavam as principais cadeiras das
Escolas Normais , garantiram aos jovens docentes a aquisição de uma
cidadania que se afirmava a partir da adoção de uma conduta específica,
largamente circulada nas páginas dos impressos.
20
Carvalho e Toledo (2015) assinalam que tal conduta assumida
pelos integrantes dessa nova categoria profissional, os professores
primários, desenhou uma espécie de identidade coletiva validada pela
passagem por uma instância de consagração, a Escola Normal. Além disso,
nesse processo, instituíram-se os limites para atuação desses atores no
campo, em rejeição a outras práticas vigentes na difusão do ler-escrever-
contar, a exemplo da figura do mestre-escola.
O panorama traçado, ainda que muito breve e esquemático, nos
ajuda a redimensionar a atuação dos profissionais com escolaridade
superior no estabelecimento das regras de estratificação e diferenciação que
marcam a configuração do campo educacional das décadas finais da
República Velha.
Sem contar com a existência de instâncias específicas de
consagração, como a Universidade, os intelectuais do período tiveram de
buscar prestígio político organizando uma rede de relações por meio da
imprensa e de entidades civis. Nesses espaços, esses personagens agiram
com intuito de criar uma reputação que pudesse abrir uma oportunidade
de carreira nos núcleos de poder. Entretanto, a disponibilidade de cargos
20
Para mais informações a respeito dos periódicos produzidos por e para os alunos das Escolas Normais paulistas,
consultar: NERY, Ana Clara Bortoleto. Periódicos Educacionais das Escolas Normais - apropriação dos saberes
pelos professores. Quaestio (UNISO), v. 4, p. 42-53, 2006 e, também, CATANI, Denice Bárbara. A imprensa
periódica educacional: as revistas de ensino e o estudo do campo educacional. Educação e Filosofia, Minas Gerais,
v. 10, n. 20, p. 115-130, 1996.
52
junto ao governo era demasiadamente menor que o número de candidatos
a esses postos, o que levou ao estabelecimento de mecanismos de
recrutamento, estratificação e diferenciação variados que demarcavam os
lugares e a mobilidade dos atores no campo.
Diretamente influenciado pelas oscilações do campo político, o
campo educacional surge para esses intelectuais como uma possibilidade
de se colocar em evidência. Ao levantarem as bandeiras da causa
educacional, muitos desses profissionais conseguiram atingir o
reconhecimento de seus pares, chamando pra si a atenção dos proprietários
de periódicos importantes como O Estado de S. Paulo e, até mesmo, sendo
convocados a exercerem funções em órgãos de dirão e instituições ligadas
ao ensino.
Essa imbricação entre o campo político e o educacional permitiu a
articulação entre os grupos que procuravam manter seu domínio no topo
da hierarquia em ambas as esferas. Em geral, a concorrência pelos postos
de destaque na imprensa periódica, nos partidos políticos, nas Escolas
Normais ou na Diretoria Geral de Instrução Pública estaria restrita aos
doutores, enquanto aos normalistas caberia disputar as vagas disponíveis na
rede escolar sobretudo nos grupos escolares , e, quando possível, na
imprensa pedagógica.
Como evidencia Ana Clara Nery (2009), nesse momento, as
disputas travadas entre os intelectuais pelo direito de formular e divulgar
os melhores conhecimentos da questão educacional serão determinantes
para o acesso às posições privilegiadas na hierarquia do campo educacional
paulista. Segundo a autora, a legitimação e demarcação dos lugares de
destaque nas esferas de consagração, como a Sociedade de Educação de São
53
Paulo, concentrava não apenas a apropriação dos saberes pedagógicos
elencados como prioritários, como também dos seus meios de divulgação.
Dispondo dessas colocações, podemos retomar nossa inquietação:
o itinerário de Mario Pinto Serva no campo educacional. Como já
mencionado, advogado de formação, o intelectual exerceu diversas funções
secundárias no setor público (promotor e delegado) até tornar-se secretário
na Companhia Paulista de Estradas de Ferro, onde se aposentou em 1925.
Nessa fase, ingressou no jornalismo, onde alcançou rápida projeção por
suas publicações sobre educação.
A escolha do analfabetismo como tema de estreia nos jornais, a
meu ver, constituiu uma interessante estratégia discursiva utilizada pelo
intelectual para ganhar voz na esfera pública. A captação dessa
problemática, extremamente relevante num momento de exacerbação do
discurso cívico-patriótico e comprovada falência do projeto republicano de
instrução, possibilitou a Mario Pinto Serva ingressar no conhecido grupo
d’O Estado, o que, acredito, teria favorecido sua campanha para Deputado
Estadual em 1934.
Como colaborador da empresa da família Mesquita, Mario Pinto
Serva assumiu a “artilharia” do jornal nos ataques feitos às falhas do Poder
blico na organização do sistema de ensino nacional. Dessa forma, supõe-
se ainda que a participação do articulista nos debates educacionais da
imprensa periódica depois de 1913, ano em que publica seu primeiro
artigo, contribuiu para que ele pudesse demarcar momentaneamente seu
lugar em meio às disputas do campo educacional paulista. Um indício seria
a intensa participação que teve nas campanhas e ações da Liga Nacionalista
de São Paulo.
54
Dito isso, defende-se que, buscando alavancar sua imagem pública
para concorrer a um cargo político, Mario Pinto Serva tomou a educação
como meio para publicizar suas propostas. Embora tenha figurado
intensamente nos debates e campanhas pela erradicação do analfabetismo
no período, não existem indícios de que o intelectual tenha sido convocado
a prestar serviços técnicos especializados em educação ou mesmo para
ocupar postos em instâncias de consagração como as Escolas Normais e a
Diretoria Geral de Instrução Pública, tal como Sampaio Doria, Lourenço
Filho, Anísio Teixeira ou Fernando de Azevedo. Nesse sentido, definir o
articulista como um educador ou educador profissional como fizeram
alguns historiadores gera incertezas, visto que não se tratava de um
“sujeito da escola” como os personagens acima. Além disso, não
encontramos indícios que comprovem o reconhecimento de Mario Pinto
Serva como educador pelos agentes que estariam no controle do campo
naquele momento. Por último, vale lembrar que, conforme exposto na
introdução, sua inserção na categoria de “educador emérito” ocorreu
apenas em 1954 por intermédio da Assembleia Legislativa de São Paulo e
do jornal O Estado de S. Paulo.
As reflexões efetuadas neste capítulo constituem uma tentativa de
direcionar o foco de análise para o aprofundamento, nos capítulos
subsequentes, do entendimento sobre a atividade intelectual de Mario
Pinto Serva nos debates educacionais dos anos 1910 e 1920. Para tanto,
irei, a princípio, me ater à presença do jornalista em duas importantes redes
de sociabilidade e sua participação nos primeiros eventos organizados pela
Associação Brasileira de Educação. Em seguida, realizarei o mergulho nas
fontes, analisando sistematicamente seus artigos sobre educação no
periódico O Estado de S. Paulo e no livro A Educação Nacional (1924).
Nesse percurso, buscarei atender alguns questionamentos: quais foram as
55
relações estabelecidas entre as ideias educacionais do intelectual e os
projetos políticos do jornal, da LNSP e da ABE? Quais foram os principais
temas e assuntos que levantou sobre a educação? Quais competências o
articulista atribuiu às escolas, aos intelectuais e ao Estado no que se refere
às políticas de instrução pública? E, por fim, de que maneira seus
argumentos sintonizavam as mudanças no debate educacional do período?
56
57
Capítulo 2
A
CAMPANHA A PELEJAR”:
INTELECTUAIS, INSTITUÕES E REDES DE SOCIABILIDADE
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ ____________ _____________________ ____________ ____________ ___________ _______________ ____________ ____________ _______________ _______________ ____________ ____________ ____________________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ _____
2.1 “O nosso distincto collaborador”: Mario Pinto Serva e o jornal O
Estado de S. Paulo
No ano de 1914, o jornal O Estado de S. Paulo realizou o primeiro
Inquérito sobre a situação do ensino primário em São Paulo e suas necessidades.
Procurando aprofundar o diagnóstico sobre os problemas de ensino do
aparelho escolar paulista, a investigação coordenada por Julio Mesquita,
diretor e proprietário do impresso, pretendia fornecer à opinião pública
um conjunto de alternativas administrativas e pedagógicas propostas por
um seleto grupo de entrevistados.
Essa iniciativa, pioneira na imprensa brasileira, teve grande
importância para a construção de um discurso jornalístico sobre a
educação, bem como para a reorientação do debate intelectual sobre o
tema (BONTEMPI JR., 2005), dada a repercussão das opiniões expressas
pelos participantes, os quais, muitos deles, eram figuras ligadas à
administração da instrução pública em São Paulo.
21
Além disso, a
publicação marcou o início de uma extensa campanha pela alfabetização
21
Ao todo, foram selecionados para participar da entrevista: um diretor-geral da Instrução Pública (João
Chrisóstomo), quatro inspetores de ensino (Azevedo Antunes, Ramon Roca Dordal, João Lourenço Rodrigues,
Mariano de Oliveira), três diretores de escola (Oscar Thompson, Pedro Voss, Antônio Rodrigues Alves Pereira),
quatro professores de Escola Normal (José Escobar, Ruy de Paula Souza, Arnaldo de Oliveira Barreto, João
Pinto e Silva), um ex-professor (Francisco Azzi), um jornalista (Paulo Pestana).
58
liderada pelo jornal, e que culminou na nomeação de Antonio de Sampaio
Doria para o cargo de Diretor Geral de Instrução Pública em 1920
22
.
Embora Mario Pinto Serva não tenha participado das entrevistas,
foi devido ao inquérito que seus laços de proximidade com a rede de
intelectuais ligada ao OESP foram atados. De um lado, porque, o crescente
interesse do periódico pela causa educacional fez surgir a necessidade de se
recrutar novos colaboradores de prestígio, capazes de ampliar a visibilidade
do programa de reformas que pretendiam implantar. Do outro, porque,
atento a esse cenário, o intelectual, em busca de projeção no campo
político, soube aproveitar essa oportunidade para acessar os círculos de
relações do jornal e, por meio deles, os espaços de sociabilidade que
almejava.
O primeiro indício dessa aproximação foi encontrado na edição de
15 de julho de 1914, p. 03, quando, pela primeira vez, O Estado de S. Paulo
sinalizou interesse pelas propostas de Mario Pinto Serva, reproduzindo
parcialmente um artigo publicado pelo jornalista no Jornal do Commércio,
do Rio de Janeiro.
No desenvolvimento da cultura nacional, os esforços individuaes, os
nobres impulsos das classes intellectuaes, se quizerem ter uma direcção
proveitosa ao paiz, congregados em associações, poderão exercer
influencia decisiva, estudando as falhas da acção official, creando
escolas, bibliothecas e mais instituições educativas, provocando a acção
dos poderes públicos, federal e estaduaes, collaborando na solução das
questões entregues à administração governamental, organisando
22
O editorial, publicado no OESP em 23 de novembro de 1920, p. 03, deixa esse aspecto bem evidente ao
defender a proposta de reforma do ensino feita por Sampaio Doria: “não temos a menor hesitação em defendel-
a, porque corresponde justamente aquillo que há muito tempo vimos reclamando, insistentemente o ensino
primário abundante, fácil, accessível, commodo, attendendo ao objectivo primacial das geraes aspirações: a
extinção do analphabetismo” (NOTAS E INFORMAÇÕES, 1920c, p. 03).
59
congressos, despertando a munificiencia privada para as obras que
visem a elevação moral e intellectual do paiz, mantendo revistas e
publicações sobre o assumpto. (JORNAES DO RIO, 1914, p. 03).
Como uma convocação aos intelectuais, o trecho escolhido muito
se assemelha àquilo que, posteriormente, seriam os fundamentos do
programa de ação da Liga Nacionalista de São Paulo. Além disso, cabe dizer
que o apelo feito pelo jornalista ia de encontro com a linha política do
impresso, estreitamente articulada à atividade parlamentar de Julio
Mesquita e do movimento dissidente por ele liderado, à época, em busca
de viabilizar a criação de um partido de oposição ao PRP.
Ao longo da pesquisa, não foram encontradas pistas que
permitissem datar com precisão ou identificar os mediadores do ingresso
de Mario Pinto Serva na rede de relações d’O Estado. No entanto, algumas
informações demonstram que o intelectual passou a circular nos espaços
de sociabilidade do jornal antes de iniciar sua atividade como colaborador.
No dia 06 de setembro de 1915, por exemplo, em sua “Secção Livre” (p.
07), o impresso publicava o seguinte anúncio: “São convidados os
subscriptores de acções da Sociedade Anonyma Revista do Brasilpara a
reunião a realisar-se amanhan, 6 do corrente, às 16 horas, na redacção do
Estado de S. Paulo, afim de se deliberar sobre a constituição definitiva da
sociedade”. Como organizadores do encontro constavam os nomes de
Ricardo Servero, J. M. Pinheiro Junior e Mario Pinto Serva.
Importante empreitada editorial do grupo OESP, a Revista do Brasil
foi lançada oficialmente em 1916. De acordo com Tania Regina de Luca
(1999), pelos objetivos expressos na primeira edição, tratava-se de “um
manifesto-programa que ensaiava um diagnóstico a respeito dos problemas
do país, propondo caminhos para solucioná-los” (LUCA, 1999, p. 46). De
60
composição gráfica requintada, o novo periódico teve considerável
relevância para o cenário cultural da época por contar com a colaboração
de escritores renomados, como: Monteiro Lobato, Amadeu Amaral e
Mario de Andrade.
Na primeira fase da RBR (1916-1925), Mario Pinto Serva
publicou oito artigos, e exerceu ao lado de Oscar Thompson e Rui de Paula
Souza figuras de destaque no campo educacional do período o cargo
de secretário no conselho diretor da publicação. A meu ver, essa
participação do autor, desde a elaboração do projeto até a formação do
núcleo administrativo da revista, evidencia a existência de uma comunhão
de ideais que, naquele momento, garantiu sua permanência nos círculos de
relações dos intelectuais ligados ao OESP.
Como mencionado no capítulo anterior, a estreia de Mario Pinto
Serva nas páginas de O Estado de S. Paulo ocorreu em 28 de novembro de
1915, p. 02, com a publicação do artigo “O problema da Educação em S.
Paulo. No curto intervalo entre novembro e dezembro desse mesmo ano,
o articulista teve nove publicações, sendo cinco delas sobre educação. Os
textos, em sua maioria, ocupavam de duas a três colunas e localizavam-se
entre a segunda e a quarta página, dividindo espaço com alguns anúncios
e, não raro, com o editorial “Notas e Informações”, com as seções
“Telegrammas” e “Notícias do Interior”, ou mesmo o “Boletim Semanal
de Guerra” de Julio Mesquita. A diagramação da coluna segue o padrão do
jornal, composta por faixas verticais dominantes, destacando o título e a
assinatura em fonte maior. A estratégia gráfica do jornal em colocar os
artigos de Mario Pinto Serva próximos de importantes seções é um forte
61
indício da atenção que os editores d’O Estado pretendiam conferir a essas
publicações
23
.
A análise sistemática dessas primeiras publicações do articulista n’O
Estado revelam alguns aspectos sobre as tarefas que recebeu da redação
naquele momento. Mais do que simplesmente apresentar os problemas
educacionais ou orçamentários do estado de São Paulo, Serva deveria
atacar os arranjos da política oligárquica e, com isso, convencer a
intelectualidade a organizar meios de atuação independentes da estrutura
partidária vigente, como demonstrado no artigo de 11 de dezembro de
1915, p. 07:
Se, porém, o apparelho político entre nós degenerou completamente,
se se corrompeu integralmente, se se constituiu um instrumento de
desorganisação social, um factor de miséria, um fóco de putrefação, é
preciso organisar as energias restantes do povo brasileiro, é preciso
reunir as forças que escaparam ao naufrágio, é preciso instituir a defesa
da pátria contra a política que lhe destroe todos os tecidos orgânicos,
que a anarchisa, que defrauda, que lhe matou todas as aspirações, que
lhe sacrifica o bem-estar e a tranquillidade, que a envergonha perante
o estrangeiro, que nos conduz à dissolução ou ao domínio estranho.
(SERVA, 1915d, p. 07).
Reunir as “forças que escaparam ao naufrágio” seria, portanto, a
única alternativa para “restituir a confiança no futuro da pátria” de uma
população composta por um “aggregado de sub-raças mergulhados na
23
No período analisado, as edições de O Estado de S. Paulo contavam com entre 10 e 18 páginas, variando
conforme o dia da semana. Dessas páginas, entre quatro ou seis eram compostas exclusivamente por anúncios.
As propagandas também ocupavam espaços menores em outras páginas do jornal e, em algumas edições,
chegavam a ser publicadas em primeira página. De acordo com Juarez Bahia (2009), foi o próprio jornal quem
introduziu essa estratégia quando, no ano de 1915, publicou o primeiro anúncio a cores da imprensa brasileira.
A paginação de suas edições seguia um padrão rigorosamente definido, apresentando “linhas sóbrias,
equilibradas, porém singularmente objetivas” (BAHIA, 2009, p. 62).
62
ignorância”. Ainda no mesmo artigo de 11 de dezembro de 1915, p. 07, o
autor sugere:
Organisemos, pois, estas phalanges ao serviço dos ideaes patrióticos,
para a realisação das aspirações collectivas: ponha-mol-as em accção e
movimento, enfeixemos as forças individuaes em vastas associações
collectivas. (SERVA, 1915d, p. 07).
Aqui, o que o autor define como “aspirações collectivas”, podemos
ler: os interesses dos grupos intelectuais. Isso, porque, como boa parte da
intelligentsia brasileira das décadas de 1910 e 1920, Mario Pinto Serva se
colocava como intérprete dos anseios das populações desfavorecidas. E,
nesse sentido, em uma publicação de 12 de dezembro de 1915, p. 04,
clamava ao sentimento nacionalista de seus pares para propor o
movimento nacionalista que ora se esboça no nosso paiz devia neste
terreno iniciar a sua grande peleja, devia em seu programma inscrever
em primeiro logar essa suprema necessidade a de incorporar a
civilisação os 20 milhões de brasileiros analphabetos, massa inerte sobre
a qual se exerce com facilidade a acção dissolvente da política, rebanho
animal indigno do século XX. (SERVA, 1915a, p. 04).
Na sequência, concluía:
essa a campanha nacionalista por excellencia, é nella que se deve
manifestar a combatividade das gerações que surgem ao serviço do ideal
pátrio.essa campanha nos assegurará a vitalidade nacional, só ella
resgatará os erros do nosso passado e do nosso presente, só ella fará do
Brasil a grande Nacionalidade a que as condições naturaes nos dão
direito aspirar. (SERVA, 1915a, p. 04).
63
Os excertos acima deixam clara a intenção do autor em fortalecer
o apoio político do jornal através da campanha de alfabetização, anunciada
como essencial para a revitalização da nacionalidade. Tal estratégia
discursiva se fazia muito convincente, se considerado que as deficiências
do sistema de instrução pública eram o “calcanhar de Aquiles” do governo
republicano oligárquico. Um golpe desferido nessa direção, portanto,
reverberava rapidamente na opinião pública, o que facilitava o acesso a
diversos espaços de consagração, sobretudo, no campo educacional.
É o que se pôde notar, por exemplo, em relação às oportunidades
abertas a Mario Pinto Serva após iniciar suas atividades n’O Estado.
Igualmente conhecido por suas colunas sobre economia, em 1916, o
jornalista foi escolhido por Miguel Calmon fundador, ao lado de Olavo
Bilac e Pedro Lessa, da Liga de Defesa Nacional –, para relatar uma tese na
I Conferência Algodoeira, realizada no Rio de Janeiro. O convite foi
noticiado com entusiasmo pelo jornal em seu editorial “Notas e
Informações”, de 19 de março de 1916, p. 04:
nosso distincto collaborador dr. Mario Pinto Serva acaba de receber do
dr. Miguel Calmon, presidente da commissão executiva da
Conferência Algodoeira, a communicação de que o seu nome foi
escolhido para relatar uma das theses mais importantes das que
constituem o programa dos trabalhos desse certamen. A these é esta:
“Transporte do algodão: fretes ferro-viarios, fluviaes e marítimos;
conveniência da ligação dos centro productores às estradas de longo
percurso, por meio de ferro-vias de bitola reduzida e de estradas
carroçáveis”. (NOTAS E INFORMAÇÕES, 1916c, p. 04).
A forma de tratamento “distincto collaborador” revela o
reconhecimento do intelectual pelo grupo OESP. Da mesma maneira, a
64
importância que a nota atribui ao evento demonstra que a presença de
Serva nesse local seria uma grande contribuição aos objetivos do jornal.
Não precisamos encarecer, ainda mais do que nestas columnas já temos
feito, a alta significação que têm para o nosso paiz os congressos da
natureza do que está prestes a reunir-se, em que uma das classes
productoras vae ter o ensejo de discutir livremente as questões que lhe
estão affectas, procurando chegar a conclusões que habilitem os
poderes públicos a ter uma idéa exacta da situação, para seguir a linha
de conducta mais conveniente, no interesse não só da classe dos
productores de algodão, mas também, e sobretudo, do paiz. (NOTAS
E INFORMAÇÕES, 1916c, p. 04).
Ainda nesse ponto, pelas notas publicadas em O Estado de S. Paulo
pode-se constatar que, no mesmo período, o articulista estendeu suas
atividades a diversas entidades, entre elas a Sociedade de Estudos Econômicos,
a Sociedade Nacional de Agricultura e a Liga Brasileira contra o
Analfabetismo
24
. Sobre esta última, o editorial, de 13 de março de 1917, p.
03, descrevia que o
sr. dr. Mario Pinto Serva acaba de ser eleito, por unanimidade de votos,
delegado da Liga Brasileira contra o Analfabetismo, nesta capital.
Nesse sentido, o nosso distincto collaborador recebeu uma
communicação do presidente da Liga, sr. dr.0 Ennes de Souza.
(NOTAS E INFORMAÇÕES, 1917a, p. 03).
Por alcançar a “unanimidade de votos”, suponho que, a essa altura,
Mario Pinto Serva já estivesse disputando uma posição privilegiada em
meio aos atores do campo educacional. Com efeito, a circulação nesses
24
Ver NOTAS e Informações, 19 ago. 1916b, p. 04 e NOTAS e Informações, 13 mar. 1917a, p. 03.
65
espaços de sociabilidade, certamente possibilitada por seu vínculo com o
periódico, se mostrava outra excelente vitrine para a divulgação de suas
ideias e, em consequência, de sua imagem na esfera pública.
No entanto, nem sempre os posicionamentos e interpretações do
intelectual repercutiam positivamente na imprensa. Um exemplo é a
polêmica entre OESP e o Diário Allemão
25
, que veio a público após a
publicação do artigo “Balcão de Consciências”, de 13 junho de 1916, p.03,
em que Serva faz o seguinte comentário:
além de explorar essa industria por conta própria em um grande jornal
diário, o governo do Estado dá-se ao luxo de subsidiar quase toda a
imprensa do paiz para os seus altos fins de estratégia política. O
Thesouro do Estado é o “rendez-vous” constante de todos os jornalistas
do paiz. (SERVA, 1916a, p. 03).
Irritado com o tom de denúncia do jornalista, o Diário Allemão
acusou O Estado de S. Paulo de receber recursos do governo inglês para
tomar uma posição “pró-aliados” durante a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918). Em resposta, Julio Mesquita moveu uma ação judicial que
resultou no pedido de prisão do redator-chefe do periódico da comunidade
alemã
26
.
Ainda em 1916, um jornalista, cujo pseudônimo era Gavião
Malhado, do periódico perrepista Correio Paulistano, buscando amenizar
as críticas feitas pelO Estado, afirmava em sua coluna, de 04 de novembro
de 1916, p. 09, que os dissidentes agrupados em torno do jornal de Julio
25
Além do exposto, não foram encontradas, na bibliografia consultada, outras informações a respeito da
trajetória desse periódico.
26
Os detalhes do processo foram apresentados por Plínio Barreto, amigo de Mario Pinto Serva e advogado d’
O Estado de S. Paulo, em edição do dia 02 de setembro de 1916, nas páginas 09 a 11.
66
Mesquita, apontados como “os raros assignantes e leitores dessa folha
insignificante”, haviam creditado a um “sr. Mario Pinto Serva, que
ninguém conhece”, a tarefa de atacar o PRP.
Em defesa de seu colaborador, OESP publicou em sua “Secção
Livre”, no dia 04 de novembro de 1916, p. 09, um texto intitulado
“L’uomo che morse, assinado por “O.O.”. No artigo, o autor rebate o
colunista do Correio recorrendo ao status social da família Serva.
o que elle não tem o direito de desconhecer, uma vez que se fez o zelote
da horna do P.R.P. é a história desse partido, desde os tempos em que
essa agremiação não era um syndicato explorador do poder, mas um
pugillo de homens de ideal e dispostos a tudo sacrificar pelo seu
programma. Se elle soubesse a história desse partido, conheceria por
certo o nome de Jayme Serva, como uma das mais puras tradições
republicanas de S. Paulo e um dos mais bellos exemplos de austeridade
de que se orgulha a sociedade paulista. Herdaram-lhe o nome e as
qualidades não só o jovem e talentoso escriptor tão groseiramente
injuriado pelo “Correio”, como alguns cavalheiros e distinctissimas
senhoras e senhoritas que a gente digna de S. Paulo sabe apreciar e
respeitar. (L’UOMO CHE MORSE, 1916, p. 09).
A esse argumento, somava-se ainda o comentário abaixo:
É mais fácil, porém, mandar dizer meia dúzia de desaforos,
do que destruir a solida argumentação, a meticulosa
documentação e o severo exame da administração paulista,
que o sr. Mario Pinto Serva frequentemente faz nos seus
apreciadíssimos artigos. (L’UOMO CHE MORSE, 1916,
p. 09).
67
O que se percebe, pelas citações acima, é que ao ter seu nome
associado a um dos principais órgãos de imprensa do país, Mario Pinto
Serva conseguiu resgatar parte da posição social perdida com a morte de
seu pai. Nesse particular, não me parece exagero afirmar que o
reconhecimento de O Estado de S. Paulo pelo “jovem e talentoso escriptor”
estaria relacionado ao interesse do jornal em reavivar o espírito de
republicanos históricos, como Jayme Serva, para dar legitimidade ao
projeto de regeneração da República.
A questão familiar, portanto, seria outro aspecto facilitador na
integração do intelectual à redação do jornal. Tanto é que, ao contrário de
outros iniciantes na profissão, Serva não foi designado para cobrir eventos
esportivos, bailes ou mesmo escrever pequenas notas informativas. Suas
tarefas, sempre de grande responsabilidade, estavam atreladas aos embates
travados pelo impresso e seus representantes. Não por acaso, nas ocasiões
mencionadas acima, o jornal lhe deu cobertura.
Contudo, vale ressaltar que não eram apenas as semelhanças
sociais, profissionais e políticas que habilitavam os intelectuais a fazerem
parte do grupo OESP. Os laços de amizade e companheirismo eram
igualmente necessários.
A esse propósito, apesar das poucas informações encontradas,
pode-se presumir que o engajamento de Mario Pinto Serva e outros
colaboradores d’O Estado na Liga Nacionalista de São Paulo, na Revista do
Brasil e na assinatura de vários manifestos públicos, mostra que esses
personagens constituíam um mesmo círculo de amigos, integrando,
portanto, uma rede de sociabilidade em comum. O trecho a seguir, extraído
do abaixo assinado “Ao Povo Paulista”, de 26 de maio de 1918, p. 11,
68
reflete muito como essa aproximação direcionava a ação conjunta desses
intelectuais:
Vimos também nós abaixo assignados, cidadãos absolutamente
estranhos a agremiações partidárias, meros espectadores attentos da
vida política do paiz, trazer o nosso apoio publico à candidatura do dr.
Luiz Pereira Barretto a uma cadeira no Senado Estadual.
[...]
Para honra da democracia, cumpre-nos eleger esse homem. Precisamos
mostrar que a democraciao é, como se diz, incompatível com a
Sciencia e com a Virtude, e que entre os políticos militantes pode haver
logar, sem constrangimentos algum, para um apostolo do Pensamento
ao serviço da Pátria. (AO POVO PAULISTA, 1918, p. 11).
Junto a Mario Pinto Serva, assinaram o documento: Monteiro
Lobato, J. M. Pinheiro Junior, Luiz Pinto Serva (irmão do jornalista),
Plínio Barreto, Julio de Mesquita Filho, Amadeu Amaral, Paulo Nogueira
Filho, Spencer Vampré, Thomaz Lessa, Joaquim de Abreu Sampaio Vidal,
entre outros nomes.
Como se sabe, essa forma de organização, bastante específica do
grupo de intelectuais que gravitavam ao redor d’O Estado de S. Paulo,
indica como a fidelidade a um conjunto de princípios e pessoas permitia
sua atuação enquanto “facção política independente” (MICELI apud
LUCA, 1999, p. 39). Em vista disso, é interessante pensar qual seria a
ligação desses personagens com o proprietário do jornal.
Especificamente no caso de Mario Pinto Serva, poucas informações
sobre esse relacionamento foram localizadas, além das homenagens ao
jornalista publicadas pelo periódico. A mais relevante apareceu no caderno
de comemorações do centenário de Julio Mesquita, publicado em 18 de
69
agosto de 1962, p. 47, em que uma foto (ilegível)
27
trazia a seguinte
legenda:
Julio Mesquita entre seus companheiros na Redação de O Estado de S.
Paulo: De pé, da esquerda para a direita, Manoel Rodrigues de Lernoy,
Ari Silva, Pedro Cunha, Vicente Ancona, Otavio Lima e Castro, Julio
de Mesquita Filho, Hormisdas Silva, Clovis Ribeiro, Mario Pinto
Serva, Adhemar de Paula, Plínio Barreto (à frente), Caetano Miele
(atrás), Almeida, Di Cavalcanti (atrás), J. M. Pinheiro Junior (à frente)
e J. Skerry; sentados, Luís Carneiro, Amadeu Amaral, Julio Mesquita,
Nestor Rangel Pestana e Ricardo Figueiredo. (JULIO MESQUITA E
O “ESTADO”, 1962, p. 47).
Ainda que a legenda não explique detalhadamente a dinâmica das
relações entre os atores citados, ela ajuda a reforçar a suposição de que os
nomes em destaque pertencessem ao ciclo de amizades de Mario Pinto
Serva, por frequentarem os mesmos espaços de sociabilidade. Outra
observação interessante decorre da constatação de que, mesmo em
momentos economicamente difíceis e de fortes intervenções políticas na
imprensa, o periódico sustentou a publicação dos artigos do jornalista, a
meu ver, um sinal da proximidade entre ele e Julio Mesquita
28
.
27
Em todos os acervos consultados, em microfilme e digital, essa edição do jornal trazia apenas um “borrão
preto” no espaço destinado a fotografia. Por esse motivo, a imagem não pode ser inserida neste trabalho.
28
Os laços de amizade nas redes de intelectuais, de acordo com Sirinelli (1996), secretam outro aspecto da
sociabilidade que pode ser acionado aqui para explicar essa leitura. Trata-se dos “microclimas à sombra dos quais
a atividade e o comportamento dos intelectuais envolvidos frequentemente apresentam traços específicos. E,
assim entendida, a palavra sociabilidade reveste-se portanto de uma dupla acepção, ao mesmo tempo “redes”
que a estruturam e “microclima” que caracteriza um microcosmo intelectual particular” (SIRINELLI, 1996,
p.252-253). Segundo o historiador, esse pequeno universo, o “microcosmos”, envolve um conjunto de
“fenômenos de geração” que o caracterizam por uma necessidade de “transmissão cultural” entre os grupos
intelectuais (SIRINELLI, 1996, p. 254-256). Quando aplicada ao grupo OESP, essa noção permite supor que
a diferença de idade entre seus integrantes poderia ser um fator de motivação e de admiração, intensificando os
sentimentos coletivos, e reavivando lembranças, como por exemplo, a passagem de muitos deles pela Faculdade
de Direito de São Paulo. Por esse motivo, entendo que o engajamento desses personagens nas campanhas do
jornal e da LNSP revestia um processo de destinação das heranças políticas, muitas vezes manifestado em
declarações públicas de afeto, como por exemplo, a referência a Mario Pinto Serva como um “distincto
collaborador”.
70
No ano de 1917, durante os episódios da greve geral na capital
paulista, O Estado de S. Paulo tomou posição favorável aos trabalhadores,
sendo Julio de Mesquita Filho o escolhido pelos grevistas para mediar as
negociações com os patrões. Em coerência com a postura adotada pelo
jornal, Mario Pinto Serva escreveu uma série de artigos em apoio aos
operários e criticando os grupos políticos pelo aumento da carestia de vida.
Como no artigo de 14 de outubro de 1917, p. 04:
A funcção dos políticos e legisladores deveria ser, pois, o corrigir essas
desigualdades sociaes tanto quanto possível, velando pela melhoria das
condições da vida dos operários.
[...]
Em S. Paulo o governo é quase instrumento de uma plutocracia. As
preoccupações officiaes só visam os interesses das classes plutocráticas
e nunca se volvem para a grande massa dos trabalhadores manuaes,
desprezados inteiramente não obstante constituírem os mais
desfavorecidos da sociedade e portanto os que mais protecção deveriam
merecer. (SERVA, 1917c, p. 04).
Tal atitude do impresso despertou a ira do então governador do
estado de São Paulo, Altino Arantes, antigo rival político de Julio
Mesquita, que se aproveitou da decretação do “Estado de Sítio”, em
novembro de 1917, para impor severa censura ao OESP (CAPELATO,
1989, p. 182-183). Para protestar contra a situação, o jornal decidiu
publicar suas edições contendo espaços em branco, no local onde seria
impresso o conteúdo censurado. Isso numa época em que o custo do papel
era muito elevado visto às dificuldades com a importação (CALDEIRA,
2002, p. 32).
71
Figura 1 - Trecho censurado do artigo O Estado detiode Mario Pinto Serva, de 21
de dezembro de 1917, p. 03
Fonte: SERVA (1917d, p. 03).
Mario Pinto Serva foi um dos colaboradores mais afetados por essas
imposições, chegando a pedir na Justiça um habeas corpus para publicar na
imprensa livre de restrições, porém, sem êxito
29
. Com o fim da censura,
29
A seção “Telegrammas” d’O Estado de S. Paulo publicou na edição de 31 de janeiro de 1918, p.04, a negativa
do Supremo Tribunal Federal ao pedido do jornalista: “O Supremo Tribunal Federal, na sua sessão de hoje,
negou a ordem de ‘habeas corpus’ impetrada pelo jornalista paulista dr. Mario Pinto Serva para poder publicar
pela imprensa o que coubesse nos limites constitucionaes independente da censura que os governos federal e
estadual vêm exercendo, censura que o paciente reputa vexatória e abusiva, pois que os propósitos do governo
exorbitam suas funcções. O Supremo assim resolveu por achar que no caso não cabe o remédio de “habeas-
corpus”, não podendo o judiciário reconhecer as medidas administrativas que foram impostas em virtude do
estado de sítio”.
72
em fevereiro de 1918, o autor se queixou com um colega da redação, que
transcreveu a fala na coluna “Coisas da Cidade” publicada em 18 de
dezembro de 1918, p. 05: “Faziam isso aqui, quando na Europa, na
própria França em guerra, quasi nada era censurado, e os jornaes podiam
discutir livremente a política e os governantes”.
Passada a turbulência do conflito europeu, os intelectuais
brasileiros que enxergavam “a guerra enquanto política exercida por meios
militares, não demoraram em formular projetos de recuperação da
Alemanha, atendendo uma convocação para lutar contra o que Assis
Chateubriand chamava de “o espírito de Versalhes” (MARTINS, 1978, p.
215). De olho nessa tendência, o empreendedor Monteiro Lobato resolveu
abrir as portas de sua editora para Mario Pinto Serva publicar seu primeiro
livro: Alemanha Saqueada (1921).
Apesar de incipiente, o mercado de livros da época possibilitava
atingir um público distinto, considerando que nem todos os leitores
assinavam ou liam O Estado de S. Paulo. Aliás, esse era o caminho para
aqueles que almejavam a carreira pública fora dos conchavos tradicionais
do meio político.
Mario Pinto Serva manifestou estar ciente desses fatores em 1919,
quando se candidatou, pela primeira vez, ao cargo de Deputado Estadual.
73
Figura 2 - Anúncio da candidatura de Mario Pinto Serva publicado nos classificados do
jornal, de 26 de abril de 1919, p.09.
Fonte: AO ELEITORADO INDEPENDENTE (1919, p. 09).
A campanha, divulgada nos classificados dO Estado, era
acompanhada de uma carta ao eleitorado. No documento, assinado por
“Cidadãos Independentes”, de 26 de abril de 1919, p. 09, constava a
seguinte mensagem:
ousamos, como cidadãos independentes e sem outro título, pedir aos
eleitores livres, aos eleitores que não aturam o cabresto official,
officioso, semi-official ou de qualquer espécie, deem hoje uma
demonstração da sua attitude, votando no DR. MARIO PINTO
SERVA, único homem que, fora de qualquer agrupamento,
representando unicamente a sua pessoa, tem tido a coragem de
combater, em S. Paulo, os erros do syndicato que nos atropela.
Fazendo este convite, à última hora, é bem de ver que não pretendemos
obter grande votação para aquelle cavalheiro. Queremos, apenas, que
74
o maior número possível de cidadãos verdadeiramente livres, dê hoje
uma prova de que louva e aprecia a attitude viril, nobre e brilhante do
destemido jornalista. (AO ELEITORADO INDEPENDENTE,
1919, p. 09).
Acredita-se que a escolha da seção de anúncios para divulgação da
candidatura seria uma estratégia para atingir um público que,
habitualmente, não lê as colunas do jornal. No mais, a proposta dos
“Cidadãos Independentes” e, conjuntamente, do intelectual, parecia ser
apenas de protesto contra o partido oficial, pois, pela mensagem da carta,
fica evidente que Mario Pinto Serva não dispunha da mesma conjuntura
dos candidatos que mantinham entrosamento com as estruturas de poder.
Em suma, nas reflexões acima buscou-se esclarecer de que modo a
atividade de Mario Pinto Serva como jornalista d’O Estado de S. Paulo
contribuiu para o seu ingresso nos campos político e educacional. Nesse
sentido, julgou-se necessário demonstrar como a participação nessa rede
de sociabilidade possibilitou sua entrada em outros espaços de consagração,
onde pôde, gradualmente, construir uma imagem pública. Além disso,
notou-se que o relacionamento com o conjunto de intelectuais ligados ao
periódico viabilizou a articulação para formação de novos meios de
atuação, entre eles, a Liga Nacionalista de São Paulo, que será analisada a
seguir.
2.2 Uma “benemérita instituição paulista”: a Liga Nacionalista de
São Paulo
Para Mario Pinto Serva e seus colegas do grupo OESP, a principal
alternativa para vivenciar uma experiência concreta de trabalho político,
fora da máquina situacionista, se apresentou com os movimentos
75
nacionalistas surgidos no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914
1918). Dedicados a implementar um novo modelo de organização do
poder que pudesse incluir outras frações das camadas dominantes, esses
intelectuais promoveram um conjunto de ações coletivas, dentre as quais,
estaria a criação das chamadas ligas.
Ancoradas nos rituais de pertencimento das instituições de ensino
superior, as ligas se constituíram como importantes redes de sociabilidade,
dotadas de rígidas regras de inserção, e destinadas quase exclusivamente ao
encurtamento da distância entre as elites culturais e as esferas de decisão
do poder. Tratava-se, em outras palavras, de associações de caráter civil
organizadas com a finalidade de executar um extenso programa de
propaganda cívico-patriótica, que previa, entre outras atividades, o
combate ao analfabetismo e instalação do voto secreto.
Anunciada publicamente no dia 15 de dezembro de 1916, a Liga
Nacionalista de São Paulo teve como inspiração o discurso proferido por
Olavo Bilac aos formandos da Faculdade de Direito de São Paulo no ano
anterior. Segundo a nota do jornal O Estado de S. Paulo, de 16 de dezembro
de 1916, p. 05
[d]esde meados do anno passado um selecto grupo de moços
estudantes, profundamente influenciados pela palavra fulgurante de
Olavo Bilac, começou a trabalhar com empenho, em silêncio, na
organisação de uma associação patriótica. Essa associação, depois de
tenazes esforços, levados felizmente a cabo, foi hontem fundada sob os
melhores auspícios, com a collaboração de optimos elementos da nossa
sociedade. (NOTAS E INFORMAÇÕES, 1916a, p. 05).
Ao que consta, tal “trabalho com empenho, em silêncio” vinha
sendo realizado por “optimos elementos da nossa sociedade” no interior de
76
uma agremiação acadêmica secreta, a Sociedade dos Patriotas
30
, que em seu
projeto previa a criação da LNSP para realização de suas finalidades:
Art.- A Sociedade dos Patriotas de São Paulo é uma associação
secreta de brasileiros para realizar os seguintes fins:
a) defender a soberania e a integridade do Brasil;
b) fortalecer o sentimento de solidariedade brasileira;
c) trabalhar para assegurar o exercício dos direitos políticos
e o cumprimento dos deveres cívicos dos cidadãos;
d) concorrer para a difusão intensa da educação geral,
profissional e cívica pelas camadas populares em todos os recantos do
país;
[...]
Art.- A sociedade terá dois instrumentos de acção: uma sociedade
civil denominada Liga Nacionalista e uma agremiação eleitoral
(PROJETO apud BOTO, 1994, p. 06).
Não foram encontrados registros sobre a formação de uma
agremiação eleitoral à parte, conforme estabelece o item 4º. Ao que parece,
a Liga Nacionalista assumiu esse papel ao promover uma extensa campanha
pela representatividade do voto. Um ponto que chama atenção no
documento, segundo Carlota Boto (1994), é o fato da Sociedade dos
Patriotas ter restringido aos seus filiados o direito de candidatar-se aos
cargos do comitê diretor da LNSP (BOTO, 1994, p. 07). Como constata
Valéria Medeiros (2005), essa diretriz instituiu o primeiro filtro de acesso
à rede de relações da agremiação, de modo que, apenas os que possuíam as
30
A entidade era composta por integrantes de outras três associações, a saber: a Bucha (Faculdade de Direito),
a Sociedade dos Moços (Faculdade de Medicina) e a Sociedade Pessoas do Campo (Escola Politécnica).
77
credenciais fornecidas na passagem pelas instituições de ensino superior
conseguiriam ingressar em suas fileiras
31
.
O resultado da primeira eleição interna da Liga Nacionalista,
realizada no encontro do dia 15 de dezembro de 1916, permite comprovar
essa colocação. Para compor a diretoria, foram eleitos: Frederico Vergueiro
Steidel (lente da Faculdade de Direito), para o cargo de 1º presidente,
Antonio Francisco de Paula Souza (diretor da Escola Politécnica), como 1º
vice-presidente, Arnaldo Vieira de Carvalho (diretor da Faculdade de
Medicina), como de 2º vice-presidente, e Abelardo Vergueiro César (à
época, estudante de Direito), como secretário.
Em relação ao Conselho Deliberativo, entre estudantes e bacharéis,
foram selecionados: Gama Cerqueira, Laerte Assumpção, Archimedes
Pereira Guimarães, Clóvis Ribeiro, Plínio Barreto, Ernesto de Souza
Campos, Francisco Alves dos Santos, Antonio de Sampaio Doria, Thomaz
Lessa, Ovídio Pires de Campos, José Carlos de Macedo Soares, Roberto
Moreira, Waldemar Ferreira, Renato Maia, Theodoreto de Carvalho,
Manoel Elpídio de Queiroz Netto, Carlos Bellegarde, Julio de Mesquita
Filho, Amadeu Amaral, Armando Salles de Oliveira, Francisco Mesquita e
Mario Pinto Serva.
A presença de diversos representantes d’O Estado de S. Paulo
32
,
incluindo Mario Pinto Serva, no Conselho Deliberativo, sinaliza a
31
Esse aspecto foi criticado por Paulo Nogueira Filho, um dos fundadores da LNSP,
em seu registro de memórias, onde afirmou que: “Favorecia, por fim, ao
situacionismo, o fato de terem os fundadores da Liga Nacionalista, na estruturação
da instituição, cometido grave erro: compuseram a direção efetiva do movimento
em base de cooptação. Oligarquizaram-na no próprio berço. E nisso ficaram: voto
secreto, só para uso externo” (NOGUEIRA FILHO, 1965, p. 69).
32
Entre os nomes citados, destacam-se: Amadeu Amaral, Armando Salles de Oliveira,
Julio de Mesquita Filho, Francisco Mesquita, Plínio Barreto e Mario Pinto Serva.
78
existência de uma forte identificação do jornal com os propósitos da
agremiação, descritos nos artigos iniciais de seu estatuto, publicado na
edição de 10 de março de 1918, p. 03:
Art.- A Liga Nacionalista, com sede em São Paulo, estranha a lutas
partidárias, se destina:
- a manter a Federação dos Estados, a Unidade Nacional;
- a contribuir para o desenvolvimento dos Estados, a Unidade
Nacional;
- a promover a educação cívica do povo;
- a pugnar a effectividade do voto;
- concorrer para a efficácia da defesa nacional.
Art.- Para a realisação dos fins, a Liga Nacionalista fará a mais
intensa e constante propaganda, mediante:
- campanhas, na imprensa e na tribuna, e distribuição de livros e
folhetos, que eduquem o povo no amor da Pátria, da Lei, da Liberdade
e das Tradições Nacionais;
- a fundação de escolas primárias e profissionais, em cooperação com
os poderes públicos;
- a fundação de escolas de cultura cívica, a celebração dos fatos
nacionais, a obrigatoriedade do ensino da língua da história e da
geografia pátrias por professores nacionais nas escolas estrangeiras que
funcionem no país;
79
- combate à abstenção e fraude do voto e propaganda da obrigação
legal do voto, da liberdade do eleitor e da verdade da apuração;
- a educação física do cidadão, o escotismo, as linhas de tiro e o
preparo militar. (MOVIMENTO ASSOCIATIVO, 1918, p. 03).
Interessante notar que, apesar de declarar-se como uma associação
“estranha a lutas partidárias”, a Liga propunha intervir justamente em áreas
onde os embates políticos eram mais intensos, como a instrução pública e
o sistema representativo. Esse ponto, um tanto controverso, me parece
constituir o elo entre o grupo OESP e a agremiação. Isso, porque, de acordo
com Silvia Levi-Moreira (1982), a luta pela instalação de institu-ições
verdadeiramente democráticas por meio do voto secreto, e o discurso de
universalização do ensino, fariam da LNSP a transposição do pensamento
do periódico em termos de ação organizada (LEVI-MOREIRA, 1982, p.
119).
Em tese, os vínculos estreitos com um importante órgão de
imprensa, e que fazia séria oposição ao PRP, estaria nos planos dos
idealizadores da Liga Nacionalista que pretendiam, ainda que de maneira
implícita, dar formação política aos jovens bacharéis “com objetivo de que
eles pudessem vir atuar” na construção “da República que ainda estava por
fazer” (MATHIESON, 2012a, p. 465). Noutros termos, buscava-se criar
as condições para que uma nova elite dirigente se colocasse em cena.
Para tanto, além dos membros do grupo OESP, estudantes e
professores das renomadas faculdades paulistas, a Liga procurou
aproximar, sob um discurso pautado na mítica da nacionalidade, os
profissionais liberais que exerciam importantes funções administrativas
junto ao governo, como por exemplo, na Diretoria Geral de Instrução
Pública. Esses aspectos característicos dessa rede de relações sinalizam, a
meu ver, uma intenção da entidade em adquirir, através das campanhas,
80
conferências e de outras atividades que realizou, as chaves de entrada aos
espaços frequentados por aqueles que exerciam as funções de mando.
Nesse sentido, para os que intentavam seguir uma carreira
parlamentar distante das amarras do perrepismo, como no caso de Mario
Pinto Serva, a LNSP se constituía num “estágio” quase obrigatório. Por ter
passado, quando jovem, pelos bancos da Faculdade de Direito de São Paulo
e, desde 1915, atuar com regularidade n’O Estado de S. Paulo, o jornalista
preenchia todos os requisitos para pertencer à rede de intelectuais da
agremiação. Além disso, como já mencionado, Serva havia proposto em
alguns artigos que as elites cultas se organizassem em associações similares,
o que leva a supor sua participação nas discussões acadêmicas que
precederam a fundação da Liga.
Como se sabe, a Liga Nacionalista de São Paulo manteve-se em
funcionamento entre os anos de 1916 e 1924, quando foi extinta por
decreto presidencial. Contemplando todo esse período, o itinerário de
Mario Pinto Serva na entidade foi marcado por sua dedicação à divulgação
das campanhas e à elaboração de diversas estratégias de ação. Tal
engajamento proporcionou a ampliação dos círculos de convívio do
intelectual, que passou a contar com figuras importantes do campo
educacional, como: Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e,
principalmente, Antonio de Sampaio Doria.
Membro do Conselho Deliberativo da associação, Mario Pinto
Serva foi designado em 10 de março de 1918 para conduzir a comissão
executiva
33
de “Economia e Defesa Nacionais”, composta por Luiz
33
O regulamento estabelecia a formação de comissões executivas, organizadas por um regimento interno e
compostas por cinco membros eleitos pelo Conselho Deliberativo para um mandato de dois anos. Seriam estas:
a da Propaganda, a de Instrução Pública, a de Cultura Cívica, a de Voto e a de Defesa e Economia Nacionais
(MOVIMENTO ASSOCIATIVO, 1918, p. 03).
81
Barbedo, Luiz Pereira Barreto, J. M. de Azevedo Marques e Mario Cardim.
A responsabilidade por uma frente de trabalho específica, todavia, não
limitou a atuação do jornalista, que colaborou paralelamente com as
comissões de “Voto” e de “Instrução Pública”.
É interessante apontar que, pelo mapeamento do jornal O Estado
de S. Paulo, pode-se perceber que muitos dos temas abordados por Mario
Pinto Serva em seus artigos eram relacionados às ações praticadas nas
comissões executivas da LNSP. Isso permite evidenciar o
comprometimento do intelectual com os ideais dessa rede de sociabilidade.
Vejamos o exemplo a seguir.
Segundo informava O Estado em seu editorial do dia 24 de junho
de 1917, p. 05:
[A Liga Nacionalista] pretende [...] trabalhar ardorosamente para a
defesa do voto e a sua realisação pratica. Assim é que, seguindo a uma
feliz suggestão de seu distincto consocio dr. Mario Pinto Serva, ella vae
pleitear a obrigatoriedade e o sigillo do voto, insistindo, a este respeito,
encarniçadamente junto dos poderes públicos. (NOTAS E
INFORMAÇÕES, 1917b, p. 05).
Tal sugestão foi reforçada posteriormente pelo publicista n’O
Estado, com a publicação do artigo “O voto secreto e obrigatório”, de 14
de dezembro de 1918, p. 04:
O Brasil é uma grande Nação inteiramente imbecilisada por uma
política que lentamente, dia por dia, degradou o caracter nacional e
nos matou o ultimo resquício de vergonha que tínhamos, como
supprimiu a faculdade de reacção que por acaso pudesse existir no
nosso organismo.
82
[...]
É uma situação desalentadora, mas para a qual há remédio de effeito
prompto e immediato. O regimen parlamentar nos daria de prompto
o governo dos partidos. Mas, independente disso, o voto secreto e
obrigatório, por si só produziria a regeneração immediata da política
brasileira, obrigando a formação dos partidos. O voto secreto e
obrigatório restituiria a vida a esse cadáver que é a opinião nacional,
vitalisaria desde logo as nossas instituições, seria um sopro de vida nova
e de grandes energias renascentes. (SERVA, 1918, p. 04).
Em suma, o que o autor define como um “remédio de effeito
prompto e immediato” seria a possibilidade dos intelectuais alcançarem os
cargos de poder sem sofrerem com as imposições dos “syndicatos de
exploradores que se apoderam das posições e as usufruem com cynismo e
desembaraço”. Para ele, portanto, a instituição do voto secreto e
obrigatório seria os “primeiros passos da vida democrática, a formar
homens para a vida pública”, ou seja, para a ascensão de uma nova camada
dirigente.
Outro exemplo está na defesa feita pelo articulista às escolas
noturnas para adultos, criadas pela Liga Nacionalista em parceria com a
Diretoria Geral de Instrução Pública durante a gestão Oscar Thompson
(1917 – 1920)
34
. Conforme informava o editorial “Notas e Informações”
de 24 de junho de 1917, p. 03:
34
Também conhecidas como “Escolas Nacionalistas”, essas unidades receberam auxílio financeiro da Associação
Comercial de São Paulo e de empresários da capital, como informa a nota publicada em OESP em 20 de
dezembro de 1921, p.06: “Há dois annos já que conceituadas firmas comerciaes e industriaes dessa capital
contribuem annualmente para a criação e manutenção das escolas dirigidas pela Liga Nacionalista e suas
similares. Esse nobre gesto das classes comerciaes tem concorrido muito para o bom funccionamento daquelles
estabelecimentos de ensino. [...] Actualmente, a Liga Nacionalista mantém em perfeito funccionamento cinco
escolas, onde, desde 1917 até fins de 1920, foram alphabetisadas 3.318 alumnos, dos quaes 2571 são brasileiros
e 747 estrangeiros”. (NOTÍCIAS DIVERSAS, 1921, p. 06).
83
Muito espera fazer a benemérita sociedade no tocante ao ensino,
velando zelosamente pela realisação da educação cívica do nosso povo.
As suas escolas, em que uma phalange generosa de moços vão exercitar
um nobre sacerdócio de evangelisação cívica, abrirão dentro de dias a
inscripção para as matriculas. É o primeiro passo. (NOTAS E
INFORMAÇÕES, 1917b, p. 03).
Buscando conseguir novos parceiros para expansão das unidades
mantidas pela associação, Mario Pinto Serva argumentava no artigo
“Escola para Adultos”, de 20 de abril de 1920, p.02:
Um trabalhador sabendo ler e escrever, aprendendo um officio e
noções scientíficas elementares, evidentemente vale muito mais que o
trabalhador analphabeto, só capaz de funcções materiaes, de forma que,
criando em todos os municípios e fazendas de S. Paulo escolas
nocturnas para adultos, teremos por isso mesmo augmentado
enormemente a riqueza e a producção do Estado aperfeiçoando os seus
processos econômicos.
[...]
É preciso, portanto, que em todas as cidades, villas, municípios e
fazendas do interior do Estado de São Paulo se multipliquem as escolas
nocturnas para adultos, criadas pelo governo do Estado e dos
municípios assim como por particulares. (SERVA, 1920d, p. 02)
Um ponto a ser ressaltado no artigo é a diferença na finalidade da
proposta. Enquanto as mudanças no sistema eleitoral eram apresentadas
como uma alternativa para aproximar a intelligentsia do poder, a
alfabetização dos trabalhadores serviria como um recurso para o
crescimento econômico do estado de São Paulo. Ao que parece, o projeto
pedagógico do intelectual e, por extensão, da LNSP, objetivava imprimir
uma feição dócil e disciplinada à população brasileira.
84
Apenas este arrolamento revela que embora assinasse os artigos em
nome próprio, em diversas ocasiões Mario Pinto Serva utilizou-se do
espaço que recebia n’O Estado de S. Paulo para publicizar indiretamente as
propostas e campanhas da Liga Nacionalista. Na hipótese de Valéria
Medeiros (2005), esse comportamento faria do jornalista um “porta-voz
oculto” da agremiação, uma vez que o representante oficial seria o
presidente, Frederico Vergueiro Steidel (MEDEIROS, 2005, p. 98).
Com a nomeação do respeitado militante, Antonio de Sampaio
Doria, para ocupar o cargo de Diretor Geral de Instrução Pública, em
1920, a Liga Nacionalista de São Paulo alterou sua estratégia de ação. De
um foco, antes voltado às campanhas de regeneração cívica, passou-se a
enfatizar, de maneira mais acentuada, a luta por reformas políticas.
Suponho que essa mudança estaria relacionada aos deslocamentos internos
no campo educacional, de modo que, estando seu representante, de
elevado prestígio pessoal, ocupando o cargo mais alto da hierarquia da
Instrução Pública no período, a entidade pôde reivindicar, com mais
facilidade, uma posição próxima aos centros de decisões de poder.
Essa movimentação beneficiou amplamente Mario Pinto Serva, no
sentido de viabilizar novas formas de protagonismo político e intelectual.
Um exemplo foi sua escolha para compor a comissão executiva de
“Instrução Pública” da Liga, ao lado de Jorge Street, José Carlos de Macedo
Soares e do próprio Sampaio Doria. Apesar de não haver informações
suficientes para analisar a convivência desses intelectuais, suponho que ela
tenha garantido ao jornalista certas vantagens dentro da agremiação.
Tal suposição justifica-se pela constatação de que nos anos de 1920
e 1921 o articulista recebeu o aval para redigir algumas das diversas
representações e circulares encaminhadas pela entidade ao presidente do
85
estado de São Paulo e ao presidente da República. Esse tipo de tarefa era
bastante relevante, pois ajudava a expandir a projeção da imagem pública
dos encarregados mesmo quando, em sua divulgação, fossem atribuídas a
um coletivo.
Em uma das representações de autoria de Mario Pinto Serva
encaminhada pela Liga Nacionalista ao presidente de São Paulo, à época
Washington Luís, solicitou-se que o governo estadual enviasse professores
a países da Europa e aos Estados Unidos, para estudarem “minuciosamente
os progressos pedagógicos realisados nessas nações” (SERVA, 1920h, p.
02). Num outro documento, desta vez, destinado a Epitácio Pessoa, então
presidente da República, exigiu-se a criação de um “Departamento
Nacional de Educação” para solucionar o problema do analfabetismo:
[...] a Liga Nacionalista vem, entretanto, lembrar a v. exa. em linhas
geraes, como medidas urgentes, que a União deve decretar desde logo,
para iniciar a sua acção no assumpto, as seguintes:
- A criação de um Departamento Nacional de Educação,
atribuindo-se-lhe as mesmas funcções que cabem ao Bureau de
Educação nos Estados Unidos;
- A fundação em todos os Estados, onde haja mister, de escolas
normaes, em número sufficiente para supprir as necessidades, custeadas
e dirigidas pelo governo federal;
- A criação de escolas primárias em todo o território nacional, onde
quer que haja brasileiros menores sem escolas, levantado-se o necessário
censo, e entrando o governo nacional em accordo com os dos Estados
para esse fim. (PELO ENSINO PRIMÁRIO NO BRASIL, 1920, p.
03).
86
Ainda que as recomendações acima não fossem uma novidade para
quem acompanhava a coluna do publicista n’O Estado
35
, sua formalização
e o encaminhamento em nome da entidade revelam o funcionamento da
LNSP como uma “corrente de opinião suprapartidária” (LEVI-
MOREIRA, 1982, p. 143), a partir da qual Mario Pinto Serva e outros
intelectuais procuravam influenciar nas deliberações do governo.
Mesmo após a exoneração de Sampaio Doria, em 1921, a Liga
Nacionalista manteve essa forma de mobilização. Na I Conferência
Interestadual do Ensino Primário, organizada pelo Ministério da Justiça
no mesmo ano, o ex-Diretor Geral de Instrução Pública foi enviado como
representante da entidade. Mario Pinto Serva também esteve no evento,
no qual apresentou a tese intitulada “É um dever constitucional a
intervenção da União em matéria de ensino primário”. Ao que sugere,
tratava-se de outro esforço da associação para conseguir novos adeptos às
soluções educacionais que elegiam prioritárias para a “reconstrução da
Nação”.
No dia 7 de agosto de 1924, entretanto, um decreto assinado pelo
presidente da República Artur Bernardes pôs fim as atividades da LNSP.
O motivo apontado foi: a participação de membros da entidade no levante
tenentista que havia tomado a capital paulista em julho daquele ano. Sem
entrar nos detalhes do evento, vale mencionar que, a meu ver, tal medida
do governo não encerrou por completo a rede de sociabilidade constituída
em torno da entidade, porém, afastou Mario Pinto Serva de seu percurso
no campo educacional paulista.
35
A esse respeito, ver, sobretudo, os artigos “Conselho Nacional de Educação” (SERVA, 1919b, p. 03) e
“Instrucção e Educação” (SERVA, 1919c, p. 04), publicados nO Estado de S. Paulo.
87
Partindo-se do pressuposto de que nos anos 1920 os intelectuais
paulistas se esforçaram para construir novas identidades profissionais,
como a dos educadores, entende-se que as regras de inserção e permanência
no campo educacional tenham, por consequência, sofrido profundas
modificações, tornando-se cada vez mais rígidas e excludentes.
Pode-se compreender, nesse sentido, que enquanto esteve
integrado aos “sujeitos da escola” por meio das redes de relações dO Estado
de S. Paulo e da Liga Nacionalista, no auge dos movimentos cívico-
patrióticos (1916 1922), Mario Pinto Serva guardou uma posição de
destaque como “propagandista” da causa educacional. Contudo, à medida
que as campanhas da Liga foram perdendo a força, novos atores e espaços
de consagração começaram a ganhar terreno, como por exemplo, a
Sociedade de Educação de São Paulo, fundada em 1922, e da qual o
jornalista não fará parte. Aliás, cabe perguntar: por que a ausência de um
personagem tão ativo no debate educacional daquele momento, numa
entidade que congregava atores de suas redes de sociabilidade?
Longe de esgotar as respostas para a questão, a impressão que tenho
é que nesse cenário de disputas o intelectual tenha se distanciado
gradualmente do campo educacional paulista por conta da centralidade
que se instala sobre as ideias pedagógicas daqueles atores imersos
profissionalmente no magistério. Mario Pinto Serva nunca exercera
ocupação especializada no campo educacional, nem mesmo como
professor. Nem por isso, ele deixará de tentar acessar outros espaços de
sociabilidade com as credenciais que acumulou como sócio da LNSP.
Ainda em 1924, Mario Pinto Serva publicará a obra A Educação
Nacional, pela editora rio-grandense Echenique & Companhia, braço da
Livraria Universal de Pelotas. Ao que tudo indica, novamente uma aposta
88
no mercado editorial como recurso para se atingir públicos diferentes.
Composto de cinquenta artigos originalmente publicados na imprensa,
alguns deles n’O Estado de S. Paulo, o livro reúne os aspectos centrais do
pensamento educacional do autor. Seu conteúdo e repercussão serão
abordados no terceiro capítulo.
Aliado a isso, o articulista assinará, conjuntamente com Frederico
Vergueiro Steidel, Fernando de Azevedo, Renato Jardim e Antonio de
Sampaio Doria, a carta aberta escrita em 1924 por Monteiro Lobato ao
presidente da República Artur Bernardes, pedindo a retomada das
discussões sobre o voto secreto no Congresso Federal. De acordo com
Maria Ligia Prado (1986), o manifesto seria um anúncio das pretensões de
algumas parcelas da elite paulista que persistiam na ideia de oficializar a
formação de um órgão de oposição ao Partido Republicano Paulista, tal
como ocorreu em 1926, com a fundação do Partido Democrático de São
Paulo.
Na segunda metade da década de 1920, Mario Pinto Serva fará
outras duas incursões entre os educadores. A primeira, em 1927, na I
Conferência Nacional de Educação, sediada em Curitiba sob a
coordenação do núcleo carioca da Associação Brasileira de Educação. E a
segunda, em 1928, na II Conferência Nacional de Educação, sediada em
Belo Horizonte. Fica aqui outra indagação: quais foram os recursos
discursivos mobilizados pelo intelectual para ter suas teses aceitas nesses
eventos? É o que pretendo esclarecer no item a seguir.
89
2.3 “União e Educação Nacional”: Mario Pinto Serva na I e II
Conferência Nacional de Educação
Neste item, a noção de rede de sociabilidade não será
operacionalizada na análise devido à lacuna de informações que possam
sustentar qualquer suposição sobre a existência de laços de proximidade
entre Mario Pinto Serva e o círculo de intelectuais ligados a Associação
Brasileira de Educação.
Realizada em Curitiba, capital do Paraná, entre os dias 20 e 27 de
dezembro de 1927, a I Conferência Nacional de Educação deu abertura a
uma série de acontecimentos cívicos organizados pela Associação Brasileira
de Educação com o objetivo de divulgar a “causa educacional” e promover
a unidade nacional. Segundo Marta Carvalho (1998), tratava-se de um
evento para articulação de um amplo movimento de opinião pública
voltado para as questões de educação e civismo (CARVALHO, 1998, p.
60).
Fundada em uma sala da Escola Politécnica do Rio de Janeiro em
16 de outubro de 1924, a Associação Brasileira de Educação, responsável
pela Conferência, elencava em seu programa a educação como o maior
problema do país por considerar que “diferentemente dos problemas cuja
solução adviria do exercício da soberania popular, a educação era fator e
não resultado das reformas políticas preconizadas” (CARVALHO, 1998,
p. 56). Evitando entrar em atrito com o governo, a entidade adotou um
perfil despolitizado, procurando em seu discurso sempre apelar à
campanha educacional como uma urgência que estaria acima das
divergências políticas (CARVALHO, 1998, p. 57-59). Essa tática,
empregada principalmente na divulgação dos eventos, ajudou a angariar
muitos adeptos, elevando o prestígio de seu quadro social e estendendo o
alcance de sua rede de sociabilidade.
90
Ao que parece, o traço nacionalista e a amplitude da campanha
foram os atrativos para que Mario Pinto Serva inscrevesse seus trabalhos
nas Conferências Nacionais da ABE. Todavia, não há registros que
comprovem a presença do intelectual na rede de relações da entidade. Esse
ponto, bastante curioso, me leva a questionar: como um intelectual que,
naquele momento, estava fora dos espaços de projeção do campo
educacional em seu lugar de atuação, o estado de São Paulo, pôde acessar
dois eventos tão simbólicos para os profissionais da educação? É o que
pretendo compreender analisando, na sequência desse texto, uma das teses
que comunicou.
36
De acordo com Marta Carvalho (1998), nos preparativos para o
evento, Fernando Magalhães, presidente da Comissão Organizadora,
assim definiu o temário da Primeira Conferência:
1º) A Unidade Nacional a) pela cultura literária; b) pela cultura cívica;
c) pela cultura moral.
2º) A uniformização do ensino primário, nas suas ideias capitais,
mantidas a liberdade dos programas.
3º) A criação das Escolas Normais Superiores, em diferentes pontos do
país, para o preparo pedagógico de nosso professorado do ensino
secundário e normal;
4º) A organização dos quadros nacionais, corporações de
aperfeiçoamento técnico, cienfico e literário. (CARVALHO, 1998,
p. 310).
A escolha dos temas, para a autora, “traduziam o programa que
Magalhães priorizava: o da uniformização doutrinária da escola como
36
Não foi possível encontrar a tese apresentada na Segunda Conferência, somente o seu título foi publicado nas
notícias sobre o evento. Por isso, me detive à análise do trabalho apresentado na Primeira Conferência, em 1927.
91
instância de disseminação do que era proposto como patriotismo fundado
na tradição” (CARVALHO, 1998, p. 311). Porém, como o regimento não
vedava a apresentação de “teses sobre temas não estipulados, outras
propostas fizeram-se presentes delineando outras estratégias”
(CARVALHO, 1998, p. 311). É nessa categoria que a tese de Mario Pinto
Serva está inserida.
Sob o título “A União e a Educação Nacional”, o texto apresentado
pelo publicista retoma como temática central a criação de um órgão federal
dedicado ao gerenciamento das políticas educacionais, dessa vez nomeado
“Ministério Nacional de Educação”.
O imprescindivel, o urgente, o fundamental no Brasil, para solução do
problema da educação do povo brasileiro, é a ação coordenadora e
orientadora da União. O governo federal dos Estados Unidos tem um
Bureau de Educação para esse fim. O governo federal argentino
também o tem, sustentando escolas primárias em que se acham
matriculados cerca de 300 mil alunos.
[...]
Já Rui Barbosa, em 1883, proclamava a necessidade de um Ministério
Nacional de Educação. (COSTA; SHENA; SCHMIDT, 1997, p.
643).
Para enfatizar o problema que motivou a proposta, o autor recorre
a um conjunto de dados estatísticos cuja procedência não é informada. Na
primeira tabela reproduzida abaixo, Mario Pinto Serva traz uma
comparação entre o número de alunos matriculados em escolas e o número
de alunos em idade escolar, estado por estado. Na segunda, é informada a
porcentagem de analfabetos por unidade da federação.
92
Tabela 1 - Tabela comparativa sobre o total de crianças matriculadas em escolas e em
idade escolar.
Fonte: COSTA; SHENA E SCHMIDT (1997, p. 644).
Tabela 2 - Tabela sobre a porcentagem de analfabetos, estado por estado.
Fonte: COSTA; SHENA E SCHMIDT (1997, p.643).
93
Levando em consideração a conjuntura estrutural e
socioeconômica do país naquele período, o que certamente dificultava o
trabalho de censo, a exatidão dos dados se faz questionável. Mas, para o
jornalista, isso não reduzia a dimensão do problema:
Há quem conteste o número relativo ao Brasil. Mas que um incêndio
esteja queimando 70 ou 80% de cada casa pouco importa; o que
importa é ata-lo imediatamente. Que um indivíduo esteja com 70%
ou 80% dos pulmões tomados pela tuberculose, pouco faz ao caso; o
que cumpre é atalhar o mal.
Há três ou quatro estados do Brasil que estão começando a combater
o analfabetismo e a educar seu povo. Mas a quase totalidade
pouquíssimo faz, pelo que cumpre a União levantar o lábaro da
educação do povo, estimulando todos ao cumprimento do dever.
(COSTA; SHENA; SCHMIDT, 1997, p. 648).
Para cumprir com o papel estipulado, conforme sugeria o autor, o
governo federal deveria:
a) criar um Bureau de Educação igual ao americano ou argentino,
com idênticas funções;
b) fundar umas dez ou vinte escolas normais, principalmente no
Norte do País;
c) criar escolas noturnas para adultos;
d) fundar escolas primárias nos estados que as solicitem ou não as
oponha. (COSTA; SHENA; SCHMIDT, 1997, p. 642).
Contando com poucas páginas, com exceção das sugestões
supracitadas, o trabalho se resume a pequenos comentários sobre os dados
das tabelas, sem aprofundamento. Em suma, o interesse do autor consistia
somente em recolocar em debate uma proposta por ele apresentada anos
94
antes, na imprensa, nas representações da Liga Nacionalista e até mesmo
em seu livro A Educação Nacional (1924). No entanto, o que ocasionou
um intenso debate sobre a tese de Mario Pinto Serva foi exatamente seu
conteúdo estatístico.
Segundo a cobertura do evento feita pelo jornal O Estado de S.
Paulo, publicada em 27 de dezembro de 1927, p. 04:
“União e educação nacional” do dr. Mario Pinto Serva provoca
intensos debates sobre o valor das estatísticas que encerra, que são
acoimadas de inexactas pelos professores Raul Gomes e Oswaldo
Orico. O primeiro diz que o dr. Pinto Serva para uns Estados toma a
matrícula para outros a frequência. Também erra na copia quando dá
a matrícula de Santa Catharina para a do Paraná. O segundo mostra
também outros enganos como a base do cálculo dos analphabetos em
população geral. O parecer acceitando da these apenas o appelo que
pede ao Governo Federal para a criação do “Bureau Nacional de
Educação”, é approvado. (CONGRESSO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO, 1927, p. 04).
O relato do jornal autoriza nossa suposição de que, sem contar com
o suporte dado pela rede de sociabilidade da LNSP, Mario Pinto Serva
acabou impossibilitado de sustentar sua posição no campo educacional
apenas com seus argumentos. A contestação pública das informações
utilizadas para sustentar a tese coloca em evidência a fragilidade dos
recursos utilizados pelo autor para se fazer reconhecido perante os atores em
circulação no espaço da Conferência. Com efeito, por não se tratar de um
texto completamente inédito, possivelmente suas ideias estariam em
descompasso com as preocupações que norteavam o debate naquele
momento.
95
Muito embora tenha participado da II Conferência Nacional de
Educação, sediada em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, entre os
dias 04 e 11 de novembro de 1928, com a tese “Planos para a Alfabetização
do Brasil”, Mario Pinto Serva nunca tornou a ocupar um lugar
proeminente no campo educacional. Mesmo assim, dada a importância
desses eventos para a legitimação das identidades e para a perpetuação de
interpretações históricas formuladas por seus idealizadores, acredito que a
presença do intelectual nas arenas do debate bastasse, por assim dizer, para
adquirir benefícios para sua imagem política.
Diante do exposto, conclui-se que a aceitação das teses de Mario
Pinto Serva nos eventos promovidos pela Associação Brasileira de Educação
no final dos anos 1920, estaria relacionada com os mecanismos de
propaganda empregados pela entidade para divulgar a “causa educacional”.
Por essa fresta, a meu ver, o intelectual, portador das credenciais fornecidas
por seu pertencimento as redes de relações dO Estado de S. Paulo, da
extinta Liga Nacionalista e, à época, do Partido Democrático de São Paulo,
pôde inserir-se nas Conferências Nacionais como um “incansável
publicista” do combate ao analfabetismo.
Vale refletir, no entanto, quais seriam os outros aspectos que
compõem o pensamento educacional do jornalista? Estariam seus textos
sobre educação realmente limitados à repetição de dados e ideias? Ou
então, nessas publicações, como se dava o diálogo com os intelectuais e
com as correntes científicas em voga? Essas questões serão o ponto de
partida para a análise dos artigos de Mario Pinto Serva no próximo
capítulo.
96
97
Capítulo 3
“A
ESPINHA DORSAL DA NACIONALIDADE”:
A EDUCAÇÃO NOS ARTIGOS DE MARIO PINTO SERVA EM
O
ESTADO DE S. PAULO (1915 1928) E NO LIVRO
A
EDUCAÇÃO NACIONAL (1924)
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________
3.1 A Educação Nacional (1924)
No ano de 1924, a editora rio-grandense Echenique & Companhia,
empresa da Livraria Universal
37
de Pelotas, publicou A Educação Nacional
de Mario Pinto Serva. De composição gráfica simples, impressa no
formato 22x14,5cm, a obra, na contracapa, faz uma pequena menção a
outros trabalhos do autor e traz, na folha de rosto, sua foto. Não há
prefácio ou introdução. E o índice encontra-se no final.
37
Fundada em 1887 pelos irmãos Carlos e Guilherme Echenique, a Livraria Universal funcionava na rua XV
de Novembro, esquina com a rua 7 Setembro, na região central de Pelotas, Rio Grande do Sul. Mantendo filiais
nas cidades de Porto Alegre e Rio Grande, a casa editorial adquiriu importância pela publicação de diversas
obras de caráter pedagógico de autores nacionais e estrangeiros. Para mais informações ver: TAMBARA, Elomar;
ARRIADA, Eduardo. Editoras e Tipografias no Rio Grande do Sul: publicação e circulação de livros
didáticos. In: VI Congresso Brasileiro de História da Educação, 2011, Vitória. Anais [...]. Revista Brasileira de
História da Educação. São Paulo: Sociedade Brasileira de História da Educação, 2011. v. 1. p. 01-11.
98
Figura 3 - À esquerda, a contracapa do livro com menção a outras obras do autor, à
direita, fotografia de Mario Pinto Serva impressa na folha de rosto.
Fonte: SERVA (1924, p.5 e 7).
Em seu conteúdo, o livro reúne cinquenta artigos do intelectual
sobre educação, publicados originalmente na imprensa periódica, sendo
alguns deles no jornal O Estado de S. Paulo, entre os anos de 1917 e 1920
(Anexo). A disposição dos capítulos não segue organização temática ou
cronológica, tampouco se faz referência aos periódicos e as datas onde os
textos apareceram pela primeira vez
38
.
Conforme assinalado no capítulo anterior, A Educação Nacional
veio a público num período conturbado, de acirradas disputas identitárias
no campo educacional paulista. Nesse clima, acredito que Mario Pinto
Serva estivesse sendo afastado gradualmente dos atores e das esferas de
38
Segundo Tambara e Arriada (2011), em 1917, a Livraria Universal, responsável pela publicação do livro,
adquiriu sua concorrente, a Livraria Americana, que tinha como prática o lançamento de obras de baixo custo,
muitas vezes publicadas de forma ilícita, sem a autorização dos editores originais e sem pagar direitos autorais.
Essa, talvez, possa ser a explicação para a estrutura gráfica de A Educação Nacional de Mario Pinto Serva
(TAMBARA; ARRIADA, 2011, p. 05-06).
99
consagração da educação. O local de edição e impressão do livro, o estado
do Rio Grande do Sul, conduz a esse apontamento ao deixar algumas
perguntas. Por exemplo: teriam as gráficas e editoras paulistas se recusado
a publicar a obra? Por que o livro não foi impresso pela Seção de Obras do
jornal O Estado de S. Paulo do qual o articulista era colaborador?
Certamente seria interessante responder a essas questões, no entanto,
faltam elementos para isso no momento.
De todo modo, observando os anúncios do periódico consultado,
constatou-se que pouco tempo após ser lançado, o livro já se encontrava
em segunda edição. Essa informação, apesar de não terem sido encontrados
dados sobre a tiragem da obra, me leva a crer que A Educação Nacional teve
uma ampla circulação.
Figura 4 - Anúncio dos livros O voto secreto e a A Educação Nacional publicado na
primeira página d’O Estado de S. Paulo em 02 de abril de 1925.
Fonte: AS DUAS MAIS URGENTES NECESSIDADES DO BRASIL
(1925, p. 01).
100
Figura 5 - Anúncio comentado de A Educação Nacional publicado em OESP no dia 19
de fevereiro de 1925, p. 02.
Fonte: LIVROS NOVOS (1925, p. 02).
Não se pode afirmar se os dois comentários adicionados à segunda
propaganda foram extraídos de matérias pagas ou se existia proximidade
entre o intelectual e os articulistas do Jornal da Manhã. Todavia, deixando
de lado os elogios exagerados, é interessante destacar que em nenhum
momento Mario Pinto Serva é denominado um educador, mas sim como
um “patriota” de “individualidade inconfundível”. Suponho, nesse
101
sentido, que dada a maneira como o autor era reconhecido, o livro possa ter
alcançado uma recepção maior entre os grupos políticos do que em meio
aos educadores.
Seja como for, neste item buscou-se somente apresentar os aspectos
gerais da obra A Educação Nacional (1924) para, ao longo do capítulo,
poder articular seu conteúdo às informações extraídas de O Estado de S.
Paulo na análise do pensamento educacional de Mario Pinto Serva. Cabe
esclarecer, no entanto, que a abordagem não priorizou uma ou outra fonte
jornal ou livro mas sim o conjunto de temas, ideias e diálogos que
ambas trazem. Por essa razão, o texto foi estruturado seguindo as temáticas
educacionais mapeadas nesses suportes e que, a meu ver, representam as
principais inquietações do jornalista.
3.2 “O dever do intellectualismo brasileiro”
A abordagem do problema do analfabetismo nos artigos de Mario
Pinto Serva transcorre numa convocação permanente às elites intelectuais.
Segundo o autor, para assumirem seu papel na política, a intelligentsia
necessitava se debruçar sobre os problemas do país, propondo alternativas
de incorporação dos desfavorecidos ao seu projeto de Nação, sem, no
entanto, comprometê-lo.
Ao intellectualismo brasileiro cabe neste momento histórico, crítico e
decisivo, sacudir vigorosamente o torpor mental em que jaz a nossa
raça, acordal-a em cada um dos seus membros para a vida intensa,
despertar em cada brasileiro a consciência de seus direitos e de seus
deveres, para afinal iniciarmos uma era de vida nacional intensa, pelo
102
appelo às energias de todos os cidadãos, pelo revigoramento cívico,
pondo um termo à inércia, à frouxidão, à desídia e ao relaxamento
collectivo, que tem sido melhor factor da política aventureira, fazendo-
se assim de cada cidadão um factor activo e consciente na vida nacional,
em logar de se o que é hoje uma cellula morta num organismo em
dissolução.
[...]
Só uma comprehensão clara, positiva e integral da evolução nacional,
uma actuação harmônica e reciproca de todos os espíritos, uma
ampliação intensa da cultura moral e scientifica, uma cooperação vivaz
de idéas e sentimentos, uma concepção de novos ideaes a nortearem o
nosso estudo e o nosso trabalho mental, integrando a pátria numa
harmonia de intelligencias, de vontades, de consciências e de actos
esses factores nos farão resurgir como uma nacionalidade consciente,
digna e viril, caminhando audaz e forte para a realisação dos seus
magníficos destinos. (SERVA, 1916b, p. 04).
Fazer de “cada cidadão um factor activo e consciente na vida
nacional”, promovendo, por meio de uma “actuação harmônica e
recíproca de todos os espíritos”, o ressurgimento de “uma nacionalidade
consciente, digna e viril”. Anunciadas como o apostolado cívico das elites
culturais, essas posições, entendo, devem ser vistas como uma manifestação
comum dessas camadas em seu intento de tutelar o encontro entre o povo
e o sistema representativo. Nas palavras de Serva (1919a, p. 03):
O intellectualismo em todas as suas manifestações não pode ser
exercido ou comprehendido como um “sport" ou mero passatempo,
mas precisa ter como escopo final o servir à humanidade, ao seu bem
estar, ao seu melhoramento moral, intellectual e physico.
Assim, para se afirmar como uma verdadeira “classe pensante”, o
jornalista defendia que os intelectuais se dedicassem a aplicar o
103
conhecimento científico que possuíam no entendimento da realidade
nacional. Para tanto, era preciso abandonar “futilidades”, como se
perguntar “o que é que faziam os nossos antepassados há um século atrás,
ou o que é que fazem e dizem os intellectuaes e os elegantes parizienses de
hoje” (SERVA, 1919a, p. 03), e prestar mais atenção nos “patrícios, ora
quase totalmente analphabetos, doentes, abandonados no sertão”
(SERVA, 1919a, p. 03).
Tal é a pregação, o apostolado e a evangelisação que se impõe ao nosso
paiz no actual momento histórico que atravessamos. Todas as
esperanças em uma pátria melhor residem num grande movimento
pela educação dos brasileiros. O progresso nacional está dependente da
diffusão mais ampla da instrucção e do desenvolvimento da sciencia.
Todo aperfeiçoamento na nossa vida social ou econômica só poderá ser
obtido por essa forma. (SERVA, 1920i, p. 07).
Dever da intelectualidade, o cuidado com a “educação dos
brasileiros”, portanto, não poderia ser abandonado por aqueles que
arquitetavam as transformações do sistema político do país. Por esse
motivo, para o publicista, era importante que, em sua atuação, seus pares
tomassem iniciativas educacionais, sempre em prol da “nobilitação da
raça”.
Todos os nossos sentimentos generosos deviam voltar-se para a grande
tarefa de melhorar e nobilitar a raça brasileira.
Porque nós no Brasil por iniciativa particular não procuramos fundar
bibliothecas e instituições scientíficas de toda espécie, visando abrir a
intelligencia dos nossos patrícios em todo o paiz? (SERVA, 1920g, p.
04).
104
Somente esse “intelligente altruísmo” demonstraria para toda a
população o nobre gesto das elites culturais diante de uma situação
desoladora que havia se formado porque,
Em logar de nos preoccuparmos com o grande numero de
intelligencias completamente perdidas que constituem a grande massa
de brasileiros, condemnados à miséria mental, deprovidos das mais
rudimentares noções scientíficas, nunca fizemos outra coisa senão
povoar o paiz de bacharéis, médicos e engenheiros, em permanente
crise de superproducção.
Possuímos, sem dúvida algumas summidades intellectuaes, mas o nível
mental geral da população é o mais baixo entre os paízes civilisados, é
inferior ao de paízes considerados não civilizados. (SERVA, 1915a, p.
04).
Nesse sentido, visto como uma “civilisação de fachada”, o país
dependia desses esforços para ajustar os ponteiros de seu progresso à
marcha das grandes civilizações.
O Brasil é como um relógio em que nenhuma das peças desempenha a
sua funcção, em que nenhuma das peças preenche a sua missão, em
que nenhuma das peças perfaz o trabalho útil que lhe compete.
Por isso o relógio não regula e desanda a todo o momento. Por isso é
preciso arranjar uma por uma, adestral-as para a funcção que têm a
exercer. (SERVA, 1917b, p. 03).
A metáfora utilizada é interessante e não esconde as intenções da
proposta. O arranjo das peças, como sugere o autor, torna clara a existência
de destinos específicos para cada camada social na “reconstrução nacional”.
Ao que parece, aos homens cultos caberia a condução do poder, enquanto
105
aos trabalhadores caberia cumprir disciplinarmente, para o bom
funcionamento do relógio, o “trabalho útil que lhes compete”.
Vale lembrar que, nesse período, as dificuldades enfrentadas pelos
trabalhadores urbanos já anunciavam a eclosão de um levante operário, tal
como ocorreu em julho de 1917. Daí, talvez, o caráter de urgência
atribuído à intervenção dos intelectuais na instrução da população. Na
opinião do articulista, a difusão do alfabeto poderia evitar que
acontecimentos indesejados viessem a interromper o ciclo de mudanças a
se realizar.
Não é evidentemente de uma revolução armada que nós precisamos no
paiz, mas é de uma revolução mais radical e profunda nas consciências
e nos espíritos, para sacudirmos energicamente a mentalidade da raça,
provocando-lhe a elaboração das idéas e das concepções que nos
conduzam a uma evolução definitiva da nacionalidade. (SERVA,
1916b, p. 04).
O pensamento é a grande força propulsora do individuo e da
sociedade. O alphabeto é o único meio de preservar e transmitir essa
força de um indivíduo a outro. Para levar o pensamento fecundante a
todos os brasileiros é preciso o vehiculo do alphabeto. Sem alphabeto
não há fecundação mental, os espíritos são terrenos baldios e incultos.
(SERVA, 1924, p. 141).
Apesar do tom filantrópico, percebe-se nos artigos de Mario Pinto
Serva um temor em relação aos efeitos perniciosos que as parcelas menos
abastadas da sociedade, em sua maioria composta por analfabetos,
pudessem trazer à República. Cabe entender, nesse sentido, quem eram
esses indivíduos sem rosto cuja falta de instrução representava o “maior de
todos os problemas nacionaes”.
106
3.3 A figura do analfabeto e o papel da escola
No pensamento educacional de Mario Pinto Serva estão presentes
duas definições do analfabeto, forjadas a partir das interpretações de
Monteiro Lobato e Miguel Couto sobre a população brasileira. Analisando
o diálogo estabelecido com esses intelectuais, neste item, pretende-se
descortinar os recursos empregados pelo jornalista para aproximar suas
propostas dos temas e ideias em debate no período.
Espalhada aos milhares pelo “vasto âmbito do território nacional”,
as populações analfabetas estariam “chumbadas ao pelourinho da
ignorância, incapazes da gloria do viver illuminado pela razão, pela
sciencia, pelo civismo e pela arte” (SERVA, 1924, p. 31). Vítimas de “todas
as desorganizações nacionaes”, os “caboclos, caipiras, sertanejos, tabaréus,
gaúchos, seringueiros” e estrangeiros constituíam, nas palavras do autor,
uma “raça inteira a levantar, civilisar, cultivar e nobilitar” (SERVA, 1924,
p. 32).
Condenados ao fatalismo, esses habitantes dos sertões e cidades do
país foram representados pelo articulista de maneira dicotômica, visando
diferenciar o trabalhador nacional do imigrante, ambos sem acesso à
escola. Ao que tudo indica, os critérios para tal distinção seriam os destinos
pensados pelo intelectual para cada segmento social no conjunto da Nação.
Começando pela leitura que faz do homem rural brasileiro, é
interessante destacar que para sustentar sua argumentação, Mario Pinto
Serva se baseia inicialmente no relatório publicado em 1916 pelos
cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, Arthur Neiva e Belisário Penna,
intitulado “Viajem Scientifica pelo Norte da Bahia, sudoeste de
Pernambuco, sul do Piahuy e de norte a sul de Goiaz”. Conforme descreve
o autor no artigo “Um paiz abandonado”:
107
A leitura desse livro descerra as cortinas e descobre à nossa vista o
panorama trágico e dantesco de um enorme paiz completamente
abandonado em que vagueia lacerada de misérias uma raça inteira em
desamparo de qualquer assistência.
Esse livro faz-nos percorrer uma região inteira que, embora há séculos
habitado, ainda se encontra impermeável ao progresso, vivendo os seus
habitantes como os povos primitivos, abandonados de toda e qualquer
assistência, sem estradas, sem polícia, sem escolas, sem cuidados
médicos nem hygienicos, contando exclusivamente com os
parquissímos recursos, defendendo suas vidas à bacamarte, sem
protecção de espécie alguma, sabendo da existência dos governos
porque se lhes cobram impostos de bezerros, de bois de callos e burros.
(SERVA, 1924, p. 21-22).
Do livro em questão, o jornalista extraiu a citação abaixo,
reproduzida no artigo “Um século falho”:
Conhecemos quase todos os Estados do Brasil e pesa-nos dizer que,
com excepção dos Estados do sul, nos quaes se cuida de algum modo
da instrucção do povo, da viação, de leis protectoras da lavoura,
pecuária e industrias connexas, quase todos os outros, exceptuando as
capitaes e alguns municípios, são vastos territórios abandonados,
esquecidos pelos dirigentes, com populações vegetando na miséria, no
obscurantismo, entregues a si mesmas flagelladas pelas seccas no Brasil
Central, e por moléstias anniquiladoras, como o impaludismo,
ankilostomose e a moléstia de Chagas nos Estados de Maranhão, Matto
Grosso e norte de Minas. (NEIVA; PENNA apud SERVA, 1924, p.
04).
Pelo relato de viagem dos médicos, Mario Pinto Serva procurou
enfatizar a ideia de que os problemas sanitários do país seriam resultado da
108
carência educacional da população.
39
Nas palavras do autor, essas mazelas,
vividas principalmente pelos moradores do campo, retratavam a
fragilidade de nosso sentimento de nacionalidade. Sentimento, aliás, que
tinha como parâmetro o personagem Jeca Tatu.
Tendo sua primeira aparição em carta redigida por Monteiro
Lobato à seção “Queixas e Reclamações” do jornal O Estado de S. Paulo,
no ano de 1914, Jeca Tatu tornou-se a representação caricatural do
trabalhador rural do Brasil. Sentado de cócoras, picando fumo, doente e
preguiçoso, o caboclo lobatiano era exatamente o oposto daquele
contemplado pela visão ufanista. Incapaz de compreender os sentidos da
Pátria e do progresso, a princípio, Jeca foi apresentado como “um parasita
da nação” (SILVA, 2013, p. 14-16).
Entretanto, em 1918, o personagem passa por uma revisão de seu
criador. Convertido pelo ideário sanitarista, Lobato se desculpa com Jeca
Tatu, afirmando que seu flagelo não decorria de suas atitudes, mas do
descaso político com o problema das endemias rurais (LIMA, 1999, p.
146)
40
. Numa retórica bastante semelhante à de Mario Pinto Serva, alegava
o escritor de Taubaté que a falta de consciência dos governantes sobre o
assunto devia-se ao “ceticismo diante do que destaca como um dos maiores
problemas da República brasileira: o seu bacharelismo” (LIMA, 1999, p.
146).
39
Suspeita-se que Belisário Penna, um dos autores do relatório, também integrasse os círculos de amizade de
Mario Pinto Serva. É o que indica a dedicatória do livro “Saneamento do Brasil” (1923), publicada em OESP
no dia 14 de outubro de 1952, p.11, na qual se insere a seguinte nota: “A Mario Pinto Serva, o apostolo da
campanha de instrução e educação nacional, homenagem de elevado apreço e estima”.
40
Nas palavras do próprio escritor, em nota inclusa a 2ª edição de Urupês: “E aqui aproveito o lance para
implorar perdão ao pobre Jeca. Eu ignorava que eras assim, meu Tatu, por motivos de doença. Hoje é com
piedade infinita que te encara quem, naquele tempo, só via em ti um mamparreiro de marca. Perdoa?”
(LOBATO apud LIMA, 1999, p. 146).
109
Demonstrando simpatia pela leitura social de seu colega de redação
n’O Estado e na Revista do Brasil, Mario Pinto Serva adota em alguns
artigos o Jeca Tatu como retrato do brasileiro analfabeto. A escolha de uma
imagem tão difundida significa, a meu ver, outra forma encontrada pelo
publicista para apoiar suas colocações: “como um povo fraco, dessorado,
doentio e ignorante, em que o typo de Jéca Tatú se encontra aos milhões
e constitue a maioria, temos uma nacionalidade inconsistente, débil,
pobre” (SERVA, 1924, p. 19).
No entanto, diferentemente do que afirmava Monteiro Lobato,
para Mario Pinto Serva a salvação de Jeca Tatu não dependia
exclusivamente da adoção de políticas sanitárias, mas da universalização da
escolarização. Como bem expressa o trecho a seguir:
Jéca Tatú só desapparecerá com a escola espalhada por todo o interior
do paiz, escola que eduque physica e mentalmente o nosso povo. Com
um povo forte e preparado, teremos uma nacionalidade dominadora e
vigorosa. (SERVA, 1924, p. 19).
Entre os elementos que fundamentam a proposta do jornalista,
destaco sua noção de que instrução incidia em preparo para a vida prática.
Em sua concepção, a educação escolar traria ao caipira improdutivo uma
gama de conhecimentos capazes de extinguir todas as determinantes do
atraso nacional condensadas em seu ambiente e modo de vida. Em outras
palavras, a escolarização faria de Jeca Tatu um educador do meio social,
transformando a realidade em que vive num cenário positivo de evolução
permanente.
Jéca Tatú, mandando o filho à escola, só com isso começa a abrir os
olhos para uma porção de coisas intellectuaes. A attenção começa a se
110
concentrar para um milhão de assumptos que não lhe detinham o
espírito nem por um momento. Jéca tatu matriculando o filho na
escola eis o ponto de partida para a sua transformação, regeneração e
intelectuallização.
[...]
Porque o que povôa o interior dos nossos Estados todos são outras
tantas famílias de Jéca Tatú. Mas o filho um só que seja, de Jéca Tatú,
frequentando escola e recebendo uma educação elementar completa,
esse único filho educa, instrue, eleva, civiliza toda a família de Jéca
Tatú, componha-se ella de dez membros. (SERVA, 1924, p. 65-66)
A opinião de Mario Pinto Serva não se distanciava muito daquilo
que havia descrito Monteiro Lobato ao narrar a ressurreição de Jeca Tatu.
O que mudava, como mencionado acima, era o caminho escolhido para
solucionar a questão. Nos termos de Lobato, Jeca passara de caipira a
farmer apenas acreditando e seguindo as prescrições da ciência médica
41
.
Já para Serva, tal transformação seria possível somente com a inserção do
personagem no ambiente escolar. Mesmo assim, em ambas as perspectivas
o que estava presente era justamente a adaptação desse brasileiro analfabeto
ao meio rural. O Jeca higienizado e instruído tornar-se-ia astuto no trato
com a terra, extraindo do espaço onde vivia riquezas que beneficiariam
tanto a ele e sua família, quanto ao seu país.
Porém, segundo o publicista, para fortalecer a nacionalidade era
preciso agir conjuntamente sobre outra ameaça: o analfabetismo entre os
imigrantes. Nesse particular, ainda calcado no discurso médico sanitário,
Mario Pinto Serva traz uma representação do estrangeiro analfabeto
baseada numa definição patogênica: o “microcephalo”. O termo,
41
Uma análise interessante a respeito da ressurreição de Jeca Tatu está presente em LIMA, Nísia Trindade. Um
sertão chamado Brasil: intelectuais e representação geográfica da identidade nacional. Rio de Janeiro: IUPERJ
UCAM, 1999.
111
emprestado do médico Miguel Couto, foi aplicado pelo intelectual nos
artigos “Escola para Adultos” e “Conferência Nacional de Educação”, bem
como na representação encaminhada pela Liga Nacionalista ao presidente
Epitácio Pessoa em 1921. Vejamos o excerto abaixo:
Como paiz de immigração, o Estado de S. Paulo recebe annualmente
grandes levas de estrangeiros, quase todos de paizes meriodionaes, da
Europa, onde prepondera enormemente o número dos que são
totalmente ignorantes inclusive das primeiras letras.
[...]
O número de immigrantes entrados no Estado de S. Paulo desde 1827
até o presente eleva-se a cerca de 1.800.000 italianos, hespanhoes,
portuguezes, syrios e outros, quase todos recrutados entre as classes
mais atrasadas e incultas do Velho Mundo. E esses elementos todos
incultos vêm se reunir aqui aos nossos caboclos e caipiras que só agora
começam a sahir do estado de imprepraro em que apalermavam.
[...]
É grave a constatação: “O analphabeto, diz o dr. Miguel Couto, é como
um microcephalo: a sua visão psychica estreitada, porque embora veja
claro, a enorme massa das noções escriptas lhe escapa: pelos ouvidos
passam palavras e idéas como se não passassem: o seu campo de
apercepção é uma linha, a intelligencia o vácuo: não raciocina, não
entende, não prevê, não imagina, não cria. (SERVA, 1920d, p. 02).
Ao contrário da situação das “famílias de Jeca Tatu” onde o
diagnóstico se estendia às crianças, no caso dos “microcephalos”, o quadro
se concentrava prioritariamente na população adulta:
112
Se os analphabetos são microcephalos, a metade da população do
Estado de S. Paulo se compõe de Microcephalos. Há dois milhões de
habitantes maiores no Estado de S. Paulo que são microcephalos!
Supponhamos que esse cálculo não seja exacto e que haja apenas no
Estado de S. Paulo cerca de 1.500.000 adultos analphabetos. Assim
mesmo merecemos ser tratados como um Estado de microcephalos.
(SERVA, 1920d, p. 02).
Por esse motivo, a alternativa sugerida pelo autor para lidar com
essa questão consistia na criação de escolas noturnas para adultos. Como
apontado no capítulo anterior, essa ideia foi colocada em prática pela Liga
Nacionalista de São Paulo com suporte da Diretoria Geral de Instrução
Pública e da Associação Comercial de São Paulo. No entanto, não foram
encontrados registros sobre a organização curricular desses
estabelecimentos de ensino. A única referência à sua estruturação e suas
finalidades está presente no artigo “A educação dos adultos”:
[...] a educação dos adultos impõe-se porque o espírito do homem só
attinge à maturidade muito tempo depois da frequentação escolar, e o
trabalho productivo se exerce assim como se deferem os direitos de
cidadão, quando o indivíduo já está na edade adulta.
Assim a organisação da educação dos adultos deve visar dois objectivos:
a) prover os meios de extinguir o analphabetismo nos immigrantes ou
nos nacionaes que não tiveram nenhuma instrucção na edade escolar;
b) prover meios de completar a educação escolar nos adultos, quer
fornecendo-lhes noções scientíficas e práticas para as artes e officios,
quer ampliando-lhes a cultura geral.
O meio mais pratico de prover a educação dos adultos reside nas escolas
nocturnas, como se encontram organisadas em todos os paizes da
Europa ou nos Estados Unidos. Essas escolas são ou elementares, nas
quaes se ministram os rudimentos da educação geral, ou secundárias,
113
nas quaes se ministra instrucção systemática em diversas especialidades
profissionaes.
Entre nós essas escolas se tornam peculiarmente necessárias para
ensinar aos immigrantes nossa língua e nossa organisação social e
econômica, facilitando-lhes a adaptação e a integração ao meio.
(SERVA, 1924, p. 235).
Para além da transmissão dos “rudimentos da educação geral”, ou
seja, do “ler, escrever e contar”, a escolarização dos “microcephalos”
intentava nacionalizar os imigrantes e adaptá-los às demandas do trabalho
urbano. Parcela significativa da massa de trabalhadores da capital paulista
no período, nos estrangeiros analfabetos via-se a possibilidade de
capacitação ao exercício de profissões qualificadas e necessárias ao
desenvolvimento industrial. Ao mesmo tempo, esperava-se, por meio da
instrução, conter qualquer “predisposição” a organização sindical,
entendida como um perigo à continuidade do regime político em vigor.
Expostos esses aspectos, percebe-se que as figuras de Jeca Tatu e do
“Microcephalo” serviram a Mario Pinto Serva como ponte de diálogo com
o movimento sanitarista em seus artigos sobre educação. Por meio dessas
representações, o jornalista delineou uma fisionomia da população
analfabeta e da precariedade de suas condições de vida, o que favorecia sua
argumentação sobre a importância da escolarização na construção da
nacionalidade. Mas qual seria o papel da escola?
Como vimos acima, sofrendo das angústias de seu tempo, Mario
Pinto Serva atribuiu à escola o papel de regenerar as populações brasileiras,
tornando-as produtivas, disciplinadas e saudáveis. Definida como central
ao processo de sedimentação da nacionalidade, à instituição escolar caberia
conduzir o “novo cyclo da raça brasileira”, transformando o povo “physica
114
e mentalmente” em “homens de vigor no espírito e nos músculos, e
mulheres formosas de corpo e formosas de alma” (SERVA, 1924, p. 17).
É interessante apontar, conforme demonstrou José Gondra
(2004), que esse sonho de educar física, intelectual e moralmente os
indivíduos configurava a utopia de uma educação integral que vinha sendo
compartilhada no discurso dos médicos higienistas brasileiros desde o
período imperial (GONDRA, 2004, p. 225). Ao que tudo indica, nos
artigos de Mario Pinto Serva, escritos num momento muito marcado pelos
acontecimentos que sucederam a deflagração europeia de 1914 e que
envolveu países altamente escolarizados, essa crença em “esculpir” a
população por meio da instrução acabou emergindo novamente junto às
preocupações em superar a inferioridade do tipo nacional em comparação
ao estrangeiro:
O povo brasileiro ou se levanta e se regenera por um intenso
movimento educativo ou arrastará por algum tempo ainda na mesma
vida anarchica e chaotica para afinal ceder o logar a outras raças que
acabarão por dominal-o e das quaes seremos subalternos. (SERVA,
1915c, p. 04).
Sem se ater aos aspectos pedagógicos e práticos que norteariam as
atividades escolares para esse fim, Mario Pinto Serva concebeu a
escolarização como um processo relativamente simples, onde caberia aos
poderes públicos “ministrar a todas as camadas da população os elementos
básicos dos conhecimentos, ensinar a ler e escrever, e proporcionar os
rudimentos das differentes profissões uteis” (SERVA, 1915c, p. 04).
Nesse sentido, uma vez distribuída por todo o território do país, a
escola levaria o “baptismo da civilização, o despertar da nossa raça para a
vida mental, para o trabalho de aperfeiçoamento intellectual, para a
115
renovação e transformação” que urgia realizar “galvanizando a inercia do
nosso povo” (SERVA, 1924, p. 66). Em outros termos:
A idéa da educação, infundida em todos os espíritos, constituindo a
preocupação dominante da nacionalidade, propagada a todos os
Estados, todos os municípios, todas as localidades do Brasil, será a
grande força dynamica de que precisamos para attingir o período de
plena florescência da nossa civilisação e de nossa força. (SERVA, 1924,
p. 66).
Em realidade, conforme colocado anteriormente, o publicista
acreditava que a influência da educação escolar no meio social transcendia
os indivíduos escolarizados, estendendo seus efeitos a todos aqueles que
convivessem com eles.
O joven que frequenta a escola é um factor de educação na sua própria
família: os pais e irmãos começam a se interessar pelos assumptos que
o menor estuda, de maneira que se forma um ambiente de idéas, todos
interessados em aprender e augmentar os conhecimentos próprios.
Cada joven que recebe um curso regular em uma escola é por sua vez
um educador do meio em que vive. Assim, uma escola forma por anno
não apenas trinta ou quarenta alumnos, mas trinta ou quarenta
educadores do meio social e das famílias a que pertencem. É toda uma
propagação de idéas que se geram da instituição escolar. (SERVA,
1924, p. 65).
“A creação de uma escola”, portanto, constituiria um permanente
“fóco de irradiação de idéas” (SERVA, 1924, p. 65), educando, instruindo
e propagando cultura. Dessa perspectiva, cabe a pergunta: quais eram,
então, os caminhos sugeridos por Mario Pinto Serva para sua expansão? É
o que veremos a seguir.
116
3.4 A municipalização do ensino
Os encargos com a criação de escolas nas mais longínquas e
diferentes regiões do Brasil, segundo Mario Pinto Serva, competia aos
poderes estaduais e locais. Como dizia o autor no artigo “Os poderes
municipaes e a educação do povo”:
Pela nossa organisação constitucional tanto compete ao Estado como
ao município o provêr à instrucção, em qualquer dos seus graus. Se os
200 municipios que possue o Estado de S. Paulo e os 800 que possue
o Brasil inteiro se empenhassem agora resolutamente, com os recursos
de que pudessem dispor, nessa grandiosa campanha do ensino e da
educação nacional, o Brasil teria dado o passo definitivo na sua
evolução nacional, teria levado a effeito o mais poderoso impulso na
sua marcha para o futuro. É a idéa que nos deve dominar agora: um
paiz vale, não pelo tamanho do seu território ou pela abundancia dos
seus recursos naturaes, mas pela cultura, pelo caracter, pelo preparo,
pela operosidade de cada um dos seus habitantes. (SERVA, 1915c, p.
04).
Assim, em sua argumentação, o jornalista entendia que, por
estarem mais próximas dos problemas que afligiam a população rural, as
administrações municipais teriam melhores condições de prover os
recursos educacionais necessários para solucioná-los.
Na criação de escolas primárias, de bibliothecas, de cursos para adultos,
o concurso dos municípios seria inestimável e quiçá decisivo para o
levantamento moral e material do paiz. Esse concurso é especialmente
necessário com relação ao problema da educação rural que envolve
difficuldades especiaes, que só o estudo das condições locaes pode
esclarecer. A falta de recursos de educação nos meios ruraes para a
população do interior, acarreta a inferioridade do seu preparo, assim
117
como o abandono dos campos, a deserção da lavoura que vão perdendo
os melhores elementos de seu progresso. É na intensidade da vida
agrícola, no preparo das classes ruraes que está a chave do nosso futuro.
Nisso, pois, os poderes locaes poderão ter uma acção fecunda,
insubstituível e imprescindível. (SERVA, 1915c, p. 04).
É importante frisar que Mario Pinto Serva não era uma voz
uníssona dessa proposta. Nas décadas de 1910 e 1920, os debates sobre a
municipalização do ensino caminharam a pleno vapor em diversos estados,
sendo noticiados com frequência pelo jornal O Estado de S. Paulo. Em
artigo intitulado “Cartas de Minas”, por exemplo, o colaborador “A. A.”,
criticando a indiferença dos governos municipais perante o analfabetismo
de sua população, assinalava:
É notável a indifferença quase completa que as municipalidades têm
neste Estado (Minas Gerais) manifestado pela causa da instrucção
popular. Raro o município que consigna nos seus orçamentos uma
verba, ainda que diminuta, para a manutenção de escolas primárias.
Repartem em geral, entre a política e meia dúzia de serviços de
utilidade incontestável, as parcellas da receita, sem se lembrarem de que
é do seu dever contribuírem para a diffusão do ensino elementar que
deixam quasi inteiramente a cargo do Estado. Não é possível entretanto
continuar neste caminho. As rendas internas são repartidas sem
nenhum critério de equidade, entre o Estado e os municípios: cerca de
dois terços para estes, um terço apenas áquelle.
[...]
É necessário que ao menos a instrucção mereça um pouco mais da
contribuição municipal, já que a receita do Estado e os seus innumeros
encargos onerosíssimos não lhe permittem attender quanto seria
preciso aos interesses da educação elementar e do ensino fundamental
das massas populares arrancando-as do negro analphabetismo em que
118
jazem, numa proporção verdadeiramente desoladora. (CARTAS DE
MINAS, 1917, p. 04).
Ao acompanhar a evolução desses debates, Mario Pinto Serva
procurou expor à opinião pública paulista as iniciativas e modelos
formulados em outras localidades, como em Minas Gerais e no Piauí.
Apesar de longo, o excerto abaixo, extraído do artigo “A marcha de uma
grande idéa”, expõe com detalhes alguns pontos de ambos os projetos:
[...] reuniram-se os representantes dos 31 municípios do Estado do
Piauhy, em um congresso que adoptou, unanimemente, com relação
ao ensino primário, as seguintes conclusões:
1º Cada município despenderá com a instrucção primaria vinte por
cento, no mínimo, do total de sua receita arrecadada annualmente.
[...]
3º As escolas mantidas pelas municipalidades ficarão sob a jurisdição
technica e administrativa da Directoria Geral de Instrucção Pública,
quanto ao registro escolar, fiscalização e nomeação de professores. Os
municípios fornecerão para essas escolas, além dos vencimentos dos
professores, casa para sua instalação, material escolar e de expediente,
livros, papel e roupa aos alumnos pobres. Os professores não poderão
residir nos prédios escolares.
4º Quando o município não puder manter escolas para a instrucção
primária, será applicado seu auxilio para a installação e manutenção de
escolas estadoaes e para o desenvolvimento do ensino de iniciativa
privada.
[...]
6º Cada município poderá também, dentro da quota com que
contribuir para a instrução primária, manter ou subvencionar alumnos
119
no curso da Escola Normal, os quaes se obrigarão, depois do curso, ao
magistério no município.
Agora, o grande Estado de Minas acaba de consagrar solemnemente a
iniciativa que já recebera a approvação do Estado do Piauhy.
[...]
Com referencia ao magno problema do ensino primário foram as
seguintes as momentosas conclusões adoptadas pelas municipalidades
mineiras:
1º As Camaras Municipaes, na elaboração dos seus orçamentos,
deverão dotar a verba “Ensino Primário”, pelo menos, com dez por
cento da sua receita ordinária.
2º As Camaras Municipaes poderão crear taxas especiaes ou
addicionaes para o fim exclusivo da disseminação do ensino primário
no território do município.
[...]
4º As Camaras empregarão os recursos financeiros destinados à
instrucção publica em: a) auxílios para a creação e manutenção de
escolas primárias, ruraes e nocturnas; b) subvenções às caixas escolares
existentes; c) subvenções às escolas particulares que satisfizerem as
condições exigidas pelo regulamento do Estado; d) doações ao Estado
de terrenos e auxílios, para a construcção de prédios escolares.
6º As Camaras Municipaes deverão legislar sobre a obrigatoriedade de
ensino primário, de accordo com as bases do regulamento estadoal.
[...]
11º Nas escolas municipaes deverão ser adoptados os programmas das
escolas ruraes mantidas pelo Estado.
12º Os methodos de ensino das escolas municipaes deverão ser os
mesmo adoptados nas estadoaes.
[...]
120
Nas deliberações das municipalidades do Piauhy e de Minas Geraes há
amplo material elaborado pela experiência, para que em seu exemplo
moldem a sua acção educativa os municípios de todos os demais
Estados do Brasil. (SERVA, 1924, p. 123-125).
Como se sabe, o ensino no Brasil era descentralizado princípio
consagrado na Constituição Federal de 1891 ficando o ensino primário
a cargo dos Estados. Cada unidade da federação organizava esse segmento
segundo suas condições (políticas, econômicas e sociais) e o Município era
visto como parte da engrenagem, mas não com responsabilidade direta.
Por esse motivo, o comprometimento dos poderes municipais com a
difusão da instrução era questão importante no período. Dos pontos
citados, o publicista voltou a enfatizar, em outros artigos, a obrigatoriedade
da instrução e da destinação de parte das receitas municipais para o ensino
primário. Essas medidas, segundo afirmava, possibilitariam ao estado de
São Paulo retomar o desenvolvimento de seu aparelho de ensino que há
muito tempo estaria em descompasso com os movimentos de sua
população.
O Estado de São Paulo é considerado no Brasil como o mais adiantado
em matéria de instrucção pública. Nós nos orgulhamos do nosso
progresso e da nossa organisação administrativa principalmente porque
cuidamos mais que os outros da educação do nosso povo.
Entretanto, é triste constatal-o, nos últimos annos não só tem
estacionado a evolução do nosso apparelho pedagógico, como ainda, o
que é mais grave, o analphabetismo no Estado de São Paulo tem
aumengtado consideravelmente, pois que de anno para anno vem
crescendo a população em edade escolar desprovida de escolas. O nosso
apparelho escolar e as dotações respectivas não acompanham o
movimento da nossa população. (SERVA, 1917e, p. 06).
121
Em suma, com a campanha pela municipalização do ensino
primário, o articulista procurou oferecer uma alternativa para elevar os
investimentos em Instrução Pública sem, no entanto, onerar diretamente
o governo estadual. Apesar da relevância que confere ao tema, em suas
publicações outras opções para expandir a escolarização foram trazidas à
tona, como a participação da Igreja Católica, de entidades particulares e da
União na erradicação do analfabetismo.
3.5 A Igreja Católica e o combate ao analfabetismo
Atuando no Brasil desde o início da colonização, para Mario Pinto
Serva a Igreja Católica possuía uma dívida histórica com a população: a
responsabilidade pelos elevados índices de analfabetismo.
Cabe ao catholicismo uma responsabilidade tremenda nos destinos
nacionaes. É que o catholicismo tem o maior quinhão de
responsabilidade em possuirmos oitenta por cento de analphabetos na
população do Brasil, em pleno século XX.
Não o affirmamos pelo prazer de desgostar os catholicos, o que seria
apenas estúpido, mas e tão somente para lhes mostrar que a Igreja
Catholica deve agora promover uma acção intensíssima em todo o
Brasil em favor da educação do povo, com a creação de toda uma
organização de escolas parochiaes para ensino primário afim de
resgatar a culpa que lhe cabe, em máxima parte, no facto de
constituirmos um povo de quatro quintos de illetrados. (SERVA,
1924, p. 87).
Assim, para se redimir, a instituição religiosa situada em todas as
regiões do país, inclusive naquelas em que a ação do Estado era escassa,
122
deveria criar e manter escolas primárias paroquiais. Em outras palavras, na
opinião do jornalista o catolicismo precisava
[...] transigir com o século, diminuir a parte ritual, abster-se da feição
contemplativa, em que não existe a caridade, para transformar-se em
um factor activo de melhoramento humano e social, em que se lhe
offerece principalmente a acção educativa como instrumento decisivo.
(SERVA, 1920a, p. 04).
É válido observar que tanto o excerto acima, extraído de O Estado
de S. Paulo, como A Educação Nacional, que traz três artigos sobre o
tema
42
, foram publicados nos anos 1920. Tal momento se mostrava
bastante oportuno para o debate, tendo em vista o avanço dos intelectuais
ligados à Igreja Católica, sobretudo após a fundação do Centro Dom Vital,
em 1922, quando passaram a reivindicar, de maneira mais aguda, uma
posição nos espaços de disputa do campo educacional
(SCHWARTZMAN, 1986, p.111).
Desse prisma, entendo que, ao tratar da participação dos católicos
nas esferas de decisão da instrução pública, Mario Pinto Serva procurou
defender sua posição propondo a aplicação de mecanismos restritivos ao
acesso desses atores naquele que, até então, seria seu campo de atuação.
Logo, pelo que sugere o autor, para adquirir o direito de opinar acerca dos
preceitos pedagógicos do ensino primário, o clero deveria, em primeiro
lugar, se comprometer a erradicar o analfabetismo.
Aos bispos, arcebispos brasileiros, a todo o clero catholico do nosso
paiz, impõe-se agora como o mais imperioso dos deveres a organisação
42
A saber: “Catholicismo e a Educação do Povo”, “Catholicismo e Analphabetismo” e “A solução do problema
do analphabetismo”.
123
de todo um apparelhamento de escolas parochiaes em todos os nossos
Estados.
[...]
A creação de escolas parochiaes catholicas no Brasil devia ser agora a
principal preoccupação dos arcebispos, bispos e parochos do nosso
paiz. Assim, resgatariam a parte de culpa que lhes cabe na medonha
percentagem de analphabetismo que se constata no Brasil,
porcentagem essa que passa de oitenta por cento e nos colloca ao nível
dos povos selvagens ou bárbaros. É essa percentagem de
analphabetismo no Brasil é consequente ao espírito e à mentalidade de
nossa raça oriunda dos povos latinos e catholicos do sul da Europa, que
se caracterizam todos por um intenso analphabetismo. (SERVA, 1924,
p. 89-91).
Nota-se que, de maneira pouco atenuada, Serva se refere ao
catolicismo como um fator de analfabetismo em diversos países. Ao que
parece, essa afirmação tinha inspiração nos preceitos da ética protestante
para o desenvolvimento do capitalismo, da qual falava Max Weber. A
comparação provocativa tecida pelo publicista no artigo “Catholicismo e
Analphabetismo” torna esse ponto evidente:
O catholicismo é, no Brasil, como foi nos outros paizes todos em que
dominou, um factor de analphabetismo. Não há analphabetismo em
nenhum paiz protestante. O analphabetismo é, pelo contrário, intenso
em todos os paizes catholicos.
[...]
É porque os protestantes applellam para a supremacia da razão humana
e dão a esta liberdade na interpretação dos textos sagrados, pelo que em
todos os paizes protestantes a intensa diffusão da instrucção popular.
O catholicismo, ao contrário, propugna o dogma, não admitte a livre
interpretação dos textos sagrados e, logicamente, tinha que ser e foi
124
contrario à diffusão das luzes e à emancipação natural do espírito com
a disseminação do ensino. (SERVA, 1924, p. 83).
Essa inquietação com a função social da religião na preparação do
trabalhador nacional pode ser interpretada por meio da colocação de Nísia
Trindade Lima (1999), feita ao analisar a influência que a teoria weberiana
exerceu sobre a narração feita por Monteiro Lobato da ressurreição de Jeca
Tatu:
para Weber, as condições que permitiriam o advento do capitalismo
como modo de produção não podem ser adequadamente
compreendidas se for ignorado o ethos que orientava os
comportamentos sociais em relação ao trabalho e à acumulação. Nesse
sentido, a ética protestante apresentaria uma afinidade eletiva em
relação aos novos valores capitalistas. Longe de se tratar de processo
natural, essas condições radicavam-se em transformações que
resultavam, muitas vezes, de um longo processo educacional. (LIMA,
1999 p. 147).
Sendo assim, pode-se dizer que a tentativa de Mario Pinto Serva
em viabilizar a utilização dos recursos da Igreja Católica no combate ao
analfabetismo, consistia em mais uma estratégia articulada com intuito de
inculcar na população os hábitos de trabalho e higiene vistos como
essenciais ao progresso econômico e material da Nação. Como o autor
mesmo diz no artigo “A acção catholica”:
A acção catholica, exercida por todos os bispos e por todos os padres,
no interior inteiro do Brasil, fazendo uma propaganda activa em favor
da instrucção, conseguiria resultados consideráveis, pelo contacto e
influência directa do clero sobre a população nacional.
125
Mas, bem entendido, que essa educação faça homens, homens de
trabalho e de energia, e não simples instrumentos passivos da influência
clerical, de um fetchismo abúlico e irracional. (SERVA, 1920a, p. 04).
Não interessava ao autor, nesse sentido, formar os trabalhadores
para a religião, mas sim para a produtividade capitalista. Contudo, mesmo
cabendo ao catolicismo a maior parcela da incumbência de alfabetizar essas
massas incultas, Serva não isentava a União, a imprensa e outros segmentos
da sociedade de agirem com os mesmos propósitos.
3.6 O Ministério Nacional de Educação e as iniciativas particulares
Em sua cruzada pela construção da nacionalidade, Mario Pinto
Serva clamou incansavelmente por um Ministério Nacional de Educação.
A instituição da pasta simbolizava para o intelectual uma mensagem de
comprometimento da União com a organização da educação nacional e,
consequentemente, com a formação do povo brasileiro.
Precisamos esculpir physica, moral e mentalmente a raça brasileira,
para fazel-o composta de homens fortes e mulheres bellas. Portanto, a
suprema necessidade do paiz é a organisação de um Ministério
Nacional de Educação, para modelar nossa raça, destinado a esculpir o
typo physico e mental do nosso povo, para velar pelo desenvolvimento
physico e mental de todo o brasileiro.
[...]
Tal é a funcção que se impõe como preponderante na administração
federal. Tudo quanto se faz na administração pública, a não ser isso, é
mais ou menos transitório, precário e perecível. Sem o povo o há
126
nação. Não temos povo no Brasil, porque não temos educação nacional
organizada. (SERVA, 1924, p. 18-19).
Pela centralização administrativa do ensino, a nível federal, Mario
Pinto Serva acreditava poder equiparar o país aos Estados Unidos, à
Argentina e às nações industrializadas da Europa que já contavam com
ministérios e departamentos nacionais de educação
43
. Ou seja, os modelos
estavam prontos. Cumpria apenas imitá-los.
Há nos Estados Unidos um departamento ou repartição, cujas
funcções e cujos serviços precisam ser conhecidos entre nós, afim de
pormos em pratica coisa semelhante.
[...]
O acto creando o Bureau de Educação nos Estados Unidos define seu
fim e suas funcções como sendo os de colligir estatísticas e factos que
evidenciem a condição e o progresso da educação pública nos
differentes Estados e territórios, diffundindo, com relação à
organisação e direcção de escolas e systemas escolares, informações que
auxiliem o povo dos Estados Unidos no estabelecimento e manutenção
de systemas educativos efficientes e promovendo, por quaesquer outros
modos, a causa da educação no paiz.
[...]
De um modo geral as funcções do Bureau: 1º, centralizar todas as
informações sobre assumptos relativos à educação; 2º, diffundir taes
informações, e 3º, promover, no paiz inteiro, a causa da educação de
forma ampla.
[...]
43
Cabe ressaltar que a proposta não era nova, uma vez que em 1890 havia sido criado o efêmero Ministério da
Educação, Correios e Telégrafos, tendo à frente Benjamin Constant. Mesmo assim, persistia a ideia entre muitos
intelectuais, que enxergavam a implantação da pasta como necessária para o êxito do projeto republicano de
instrução.
127
[...] esse modelo é precisamente o que devemos imitar para podermos
começar o cumprimento do maior dever nacional o de educar o povo
brasileiro.
Todos os nossos Estados estão inteiramente desapparelhados nesse
sentido. Não só não têm organisação alguma como também lhes falta
qualquer orientação, têm que iniciar tudo às apalpadellas nas trevas.
Não há, na maior parte dos Estados do Brasil, escolas normaes de
maneira que a nossa pedagogia ainda está por nascer.
É preciso que uma repartição federal composta dos technicos mais
competentes auxilie, coopere e oriente em cada Estado do Brasil a
organisação do apparelho necessário, afim de levarmos a cada
brasileiro, a cada criança, a cada menor, a luz da civilização que
transforme o nosso paiz, fazendo-o attingir o nível em que se
encontram as mais adiantadas nações. (SERVA, 1924, p. 73-76).
Sob certos aspectos, essa proposta pode ser analisada pela lente com
a qual Gilberto Hochmann (1998) interpreta o movimento sanitário na
Primeira República (1889-1930). De acordo com o pesquisador, nesse
período “a ameaça da doença, do crime, da improdutividade e da rebelião
causada pela pobreza e pela destituição de alguns sobre os demais membros
da sociedade” (HOCHMANN, 1998, p. 25) gerou a necessidade da
instauração de políticas de bem-estar social a serem custeadas
coletivamente. É assim que, para as elites, o Estado nacional surge como
“autoridade pública, capaz tanto de extrair coercitivamente recursos da
sociedade, como de produzir políticas de largo alcance” (HOCHMANN,
1998, p. 29) para solução desses males. Especificamente no contexto
brasileiro, as propostas de saneamento e escolarização, formuladas sob a
moldura político-institucional do federalismo, conceberam a intervenção
federal como um recurso para evitar que a situação calamitosa de algumas
unidades da federação afetasse a hegemonia e o desenvolvimento daquelas
que estariam no controle dos núcleos de poder.
128
O excerto abaixo, extraído do artigo “A solução do problema do
analphabetismo”, corrobora com essa interpretação:
A acção da União deverá consistir em instituir um conselho nacional
de educação, em fundar differentes escolas normaes nos Estados e
regiões onde houver mais necessidade, em crear escolas primarias em
quaesquer Estados que as solicitem, que concordem com o seu
estabelecimento ou não ponham objeção alguma, em organizar escolas
nocturnas para adultos e em todas as mais providencias conducentes
ao fim almejado. (SERVA, 1924, p. 79).
Nessa perspectiva, aos estados que, com seus recursos,
conseguissem manter a autonomia e eficácia de seu aparelho de instrução
quer aplicando modelos importados, quer elaborando modelos próprios,
como no caso de São Paulo, caberia então direcionar as ações federais a
serem executadas em outras localidades.
A acção paulista já fez no passado a integração territorial do Brasil,
constituindo-lhe o formidável bloco que o habilita a tornar-se um dos
maiores paizes do mundo.
O Brasil está feito, é preciso agora fazer o brasileiro. São Paulo já fez o
Brasil. São Paulo póde fazer agora o brasileiro, pugnando por uma
grande acção nacional em matéria de educação e ensino integral e
completo, impellindo o governo federal a tomar a direcção de uma
grande campanha nacional contra o analphabetismo.
Essa é a maior necessidade da civilisação e da cultura brasileira. E é
preciso que por iniciativa de São Paulo se estenda ao Brasil inteiro a
campanha contra o analphabetismo que ora se faz no nosso Estado.
São Paulo terá assim completado a sua funcção histórica na integração
da nacionalidade brasileira, isto é, depois da integração territorial
realisada pelos bandeirantes, fará a integração moral e mental pela
129
ampla diffusão de uma educação nacional unificadora da raça
brasileira.
E para esse fim é preciso que São Paulo tome a iniciativa de propor a
organisação no governo federal de um Departamento Nacional de
Educação, o qual deverá tomar todas as providências necessárias para o
fim em vista. (SERVA, 1924, p. 59).
Como a leitura do texto indica, o Ministério ou Departamento
Nacional de Educação, a que se referia Mario Pinto Serva, estaria
incorporado a um modelo de poder, que tinha em São Paulo o exemplo
de desenvolvimento a ser seguido. Tratava-se, conforme assinala Cássia
Adducci (2002), de uma estratégia de dominação dos intelectuais que
pretendiam “manter a hegemonia paulista, incorporando novos elementos
a comunidade estadual”, pensada como nacional (ADDUCCI, 2002,
p.20). Observe o que diz Mario Pinto Serva (1919d, p. 03) no artigo “O
genio paulista”:
S. Paulo é hoje a grande forja, em que se fabrica o Brasil de amanhan,
é no paiz à única região em ampla expansão progressista, em pleno
desbordamento de forças, é a grande escola de energia calma e operosa,
é o vasto cadinho em que se fundem os novos ideaes e as novas
concepções que orientarão os destinos pátrios. Só a robustez paulista
poderá realisar o milagre de levantar o paiz da inércia em que jaz, só
ella terá mão forte para conduzil-lo aos seus destinos. Sem S. Paulo a
liquidação da nacionalidade seria talvez um facto necessário. Porque
no resto do paiz todo gritos de desalento soam no espaço, desanimada
vegeta uma raça nova e já decrépita, há organisações que se esboroam,
há unidades federativas que se decompõem; em S. Paulo, como em
uma fabrica colossal, como em uma colmeia gigantesca, há a actividade
ordenada e incançavel de um povo que trabalha e confia em si mesmo,
tenas e invencível, nunca esmorece na faina de prover à sua subsistência
actual e de construir um futuro ainda mais próspero.
130
Mesmo tendo elogiado as iniciativas educacionais de outros
estados, como no caso da municipalização do ensino no Piauí e em Minas
Gerais, o jornalista sempre se manteve focado em São Paulo que, em sua
opinião, era o estado a liderar todas as inovações no país
44
:
O Estado de S. Paulo é sem dúvida o fóco mais intenso de vitalidade
nacional. Elle tem sido o paradigma de todo o progresso e
desenvolvimento do Brasil. Ninguém póde calcular o que seria o Brasil
actualmente se não existisse o Estado de S. Paulo. A esse Estado deve
caber o papel que teve a Prússia na Allemanha, na integração da
nacionalidade, isto pela robustez da organisação paulista, pelo espírito
de disciplina da nossa população, pelo seu trabalho, pela sua
operosidade, pela sua ordem, pela sua energia paciente.
O seu espírito de iniciativa é um estimulo poderoso para o resto do
paiz e os exemplos que elle der na senda do progresso arrastarão os
demais Estados.
Parta de S. Paulo um impulso poderoso, um movimento decidido no
sentido de levantarmos o paiz da inércia intellectual que o caracterisa e
nós veremos o Brasil estremecer e afinal erguer-se do marasmo em jaz
chloroformisado pela politiquice. (SERVA, 1915c, p. 04).
Para além do empenho pela instauração de um Ministério
Nacional de Educação, esse “impulso poderoso” dos paulistas, ao qual fazia
referência Mario Pinto Serva, deveria convergir as ações particulares e da
imprensa para o mesmo fim: construir a nacionalidade combatendo o
analfabetismo. A esse respeito, afirmava o jornalista:
44
De acordo com Heloisa Pimenta Rocha (2003), na década de 1920, a experiência pioneira de São Paulo no
controle das epidemias e de algumas doenças endêmicas impulsionará esse discurso sobre o protagonismo
paulista, legitimando novos modelos de intervenção social agora pautados nos preceitos de educação sanitária
(ROCHA, 2003, p. 232-233).
131
A acção das associações particulares deverá consistir em estimular, por
toda a parte, as iniciativas visando o incremento do ensino para a
população, fundando ligas contra o analphabetismo, provocando em
todo o Brasil, a intensificação da cultura nacional.
A acção da imprensa deverá consistir em estimular, diariamente, todos
os governos e associações para o mais enérgico combate ao
analphabetismo, destruidor de todas as energias nacionaes (SERVA,
1924, p. 80).
Sugeridas numa época de muitas incertezas quanto ao futuro do
país, principalmente nos anos que precederam as comemorações do
centenário da independência, realizadas em 1922, as iniciativas
educacionais, coletivas ou estatais, esboçadas pelo articulista em suas
publicações procuravam oferecer um “caminho a seguir” pelos paulistas na
condução da Nação. Tal caminho exigia reformas. Mas, o que esperava
Mario Pinto Serva?
3.7 A Reforma da Instrução Pública de 1920:
um “monstrengo horroroso”
Inicialmente, cabe esclarecer que, neste item, não farei uma
reconstrução historiográfica sobre a Reforma da Instrução Pública paulista
de 1920, por considerar que esse episódio já foi exaustivamente tratado por
outros autores
45
. Meu objetivo, portanto, consiste apenas em compreender
a recepção de Mario Pinto Serva ao projeto reformista encabeçado por seu
45
Basta citar os trabalhos de Heládio Antunha (1976), Marta Carvalho (2011), Ana Clara Bortoleto Nery
(2009), Valéria Medeiros (2005), Louisa Campbell Mathieson (2012b), entre outros. As referências completas
estão na bibliografia deste trabalho.
132
companheiro na Liga Nacionalista e no jornal O Estado de S. Paulo,
Antonio de Sampaio Doria.
Entre os anos de 1920 e 1921, OESP publicou um extenso número
de artigos e editoriais acusando os problemas educacionais do estado de
São Paulo e defendendo a realização de uma reforma em seu aparelho de
ensino. Entendendo a nomeação de Sampaio Doria para a Diretoria Geral
de Instrução Pública como a efetivação de um compromisso público do
governo paulista com a campanha de combate ao analfabetismo, o
impresso, em seu editorial “Notas e Informações” do dia 19 de novembro
de 1920, p. 03, teceu os seguintes comentários:
O sr. Washington Luís, na sua plataforma, atacou a questão do
analphabetismo, em poucas palavras, mas evidenciando possuir a
respeito umas tantas idéas senão justas claras e inconfundíveis. [...]
Dir-se-ia que a opinião estava preparada para toda acção official
decisiva contra o morbo, ainda que com sacrifício temporário da
qualidade do ensino. Mas, além de pensar com todo o mundo, s. exa.
tinha o que todo o mundo não podia ter um plano de acção. [...]
[...]
Essa intenção mais clara se tornou poucos dias depois [...] com a
escolha do director de Instrucção. A escolha recahiu [...] sobre
individualidade de todo em todo alheia a conciliabulos e as correntes
que esfervilham à sombra dos palácios. O presidente nem sequer a
conhecia pessoalmente, como veio então a publico. O único motivo da
preferencia consistiu em que as idéas do sr. Doria, no tocante a luta
contra o analphabetismo, várias vezes expostas [...] coincidiam em seus
pontos capitaes com a orientação do sr. secretário do Interior e com a
orientação do sr. presidente do Estado.
[...]
133
Os propósitos desse governo, portanto, [...] são, evidentemente, bons.
Não podem deixar de ser excellentes. E não podem deixar de ter as
sympathias de todos os espíritos desapaixonados. (NOTAS E
INFORMAÇÕES, 1920a, p. 03).
De acordo com Valéria Medeiros (2005), a escolha de Sampaio
Doria já era de conhecimento do grupo dirigente da LNSP e de intelectuais
ligados ao periódico antes de ser anunciada pelo governo Washington Luís.
Ainda segundo a autora, alguns representantes da Liga que colaboravam
no jornal, entre eles, Mario Pinto Serva, pareciam “pressagiar” as medidas
que seriam adotadas pelo reformador (MEDEIROS, 2005, p. 207-208).
Um dos indícios apontados pela pesquisadora seria a publicação do artigo
“Estatística Paulista”, de 24 de fevereiro 1920, p.02, em que o jornalista
alardeava a urgência de realização de um recenseamento escolar:
Os factos sociaes representados em algarismos tornam a compreensão
mais clara, a observação mais precisa, as comparações mais elucidativas,
as conclusões mais seguras, adquirindo-se um conhecimento exacto da
sociedade sobre que versam e dos meios de activar-lhe o progresso e a
evolução.
Não existe sciencia da administração sem uma estatística completa dos
factos sociaes.
[...]
A proporção real do analphabetismo na população, não a sabemos, por
falta do censo exacto e vivemos a quebrar a cabeça para descobrirmos
por processos indirectos. Districto por districto, é preciso conhecer o
grau real de analphabetismo, assim como a população de menor edade
sem escolas, afim de que providencias adequadas sanem a situação.
[...]
134
Agora que, sob os melhores auspícios, vamos entrar em período
administrativo dos mais promissores, era o momento opportuno e
admirável para ser levar a effeito no Estado de S. Paulo o levantamento
estatístico que nos habilitasse a uma acção administrativa fundada no
conhecimento exacto de todos os elementos reaes da população.
(SERVA, 1920e, p. 02).
Como se percebe, tanto o intelectual como suas redes de
sociabilidade depositavam no novo governo suas expectativas de reforma.
Com efeito, Mario Pinto Serva, ao lado de outros colaboradores d’O Estado
e também colegas de militância na LNSP, entre eles Paulo Pestana (P.P) e
José Carlos de Macedo Soares, buscaram em suas colunas orientar as
diretrizes a serem adotadas em relação à Diretoria Geral de Instrução
Pública por meio da revisão do diagnóstico sobre a situação do ensino em
São Paulo.
Em artigo intitulado “Instrucção Pública em S. Paulo” de 13 de
março de 1920, p.02, anterior à nomeação de Sampaio Doria, Mario Pinto
Serva comentava que o aparelho escolar paulista, ao contrário do que
diziam os governos anteriores, estaria longe de ser modelar:
Não faz muito um dos graduados políticos do Estado declarava que a
organisação do ensino em S. Paulo é modelar. Essa affirmação importa
num conhecimento imperfeito do assumpto e é capaz das mais funestas
consequências na prática [...]
A instrucção publica do Estado de S. Paulo está atrasadíssima
comparada com a de qualquer paiz bem organisado a começar pelo
facto de não instruirmos nem metade da população em edade escolar.
A organisação do ensino em São Paulo é superior a de qualquer outro
Estado do Brasil, mas isso porque na maior parte dos Estados não existe
coisa nenhuma. (SERVA, 1920f, p. 02).
135
Para o jornalista, os motivos do atraso residiam na nomeação de
profissionais sem capacitação pedagógica para administrar a Instrução
Pública e na ausência de autonomia da pasta. Como ele mesmo diz:
Já possuímos, é facto, profissionaes de competencia relevante em
matéria pedagógica. Mas em regra para o cargo de secretario do Interior
têm sido nomeados personalidades que se recommendavam apenas
pela sua posição política, muitas das quaes de uma ignorância completa
em matéria de ensino, o mais importante assumpto da pasta. Que
espírito de innovação e de progresso se pode esperar de secretários do
Interior nessas condições? Demais falta-nos um Conselho Superior de
Instrucção Pública que isole o apparelho da instrucção da politicagem
e lhe dê uma direcção technica e profissional. (SERVA, 1920f, p. 02).
Logo à frente, anunciando sua preferência pela escolha de uma
figura com o perfil delineado, continuava o autor:
Principalmente agora que vamos ter um novo governo é preciso
reflectir que a mais grave responsabilidade pesará sobre o secretario do
Interior a ser escolhido. É preciso que o seja um espírito conhecedor
completo de todos os segredos da pedagogia, que saiba dar um impulso
novo ao nosso apparelho pedagógico, que conheça as falhas enormes
do nosso ensino e que saiba melhorar, conservando, o que há de bom.
(SERVA, 1920f, p. 02).
“[M]elhorar, conservando, o que há de bom”. O trecho dá indícios
do que pretendia Mario Pinto Serva ao defender uma reforma do ensino.
Ao que parece, para ele, as mudanças deveriam incidir prioritariamente na
expansão da malha escolar, sem alterar de forma radical os pressupostos
pedagógicos da estrutura curricular. Concluindo a reflexão feita sobre o
caráter modelar das escolas paulistas, afirmava o autor:
136
O nosso apparelho pedagógico tem, pois, apenas trinta annos de
existência e, pois, está na sua infância, o que exclue qualquer
possibilidade de ser elle modelar.
[...]
O que existe feito é um esboço apenas, um inicio, um apparelho a ser
completado, reformado, melhorado e, materialmente, triplicado ou
quadruplicado. Precisamos ter em exercício quatro ou cinco vezes mais
professores do que temos presentemente, precisamos ter matriculados
em nossas escolas primárias de 500.000 a 600.000 alumnos, em logar
dos 250.000 que temos presentemente.
O futuro inteiro do Estado de S. Paulo está no seu apparelho de
instrucção. (SERVA, 1920f, p. 02).
Essas observações de Mario Pinto Serva ecoavam sutilmente as
críticas feitas anteriormente por José Carlos de Macedo Soares na série de
artigos publicada n’O Estado entre fevereiro e março do mesmo ano sob a
epígrafe “Escolas de Fachada”. Como evidencia o trecho a seguir:
Estava correndo o mundo a phrase feita, que a “instrucção pública de
S. Paulo é modelar”. Necessário se torna evidenciar a inexactidão de tal
fama, afim de que a acção intelligente do nosso governo venha, por
uma reforma feliz, justifical-a.
Houve tempo, realmente, em que a escola pública de S. Paulo sem
favor nenhum poderia servir de modelo. Infelizmente retrogradou!
O estudo da legislação comparada mostra que muitos dos decretos e
leis revogados são muito mais perfeitos do que os actualmente em
vigor.
[...]
De uma nova LEI ORGANICA DA INSTRUCÇÃO PUBLICA é que
o Estado de S. Paulo precisa. Basta de reformas parciaes, tendentes, em
regra, a desarticular mais ainda a nossa já tão avariada organisação
137
escolar. Basta de regularmos, promovidos pelo prurido reformador e
que são feitos exclusivamente com espírito burocrático, sem a menor
inspiração nas syntheses pedagógicas. Basta de programmas pomposos,
absolutamente inexequíveis. De uma reforma integral é que o nosso
grande Estado tem precisão. (SOARES, 1920, p. 03).
Após assumir o posto de diretor-geral de Instrução Pública, em
abril de 1920, Antonio de Sampaio Doria em discurso proferido em sua
cerimônia de despedida da Escola Normal, reproduzido n’O Estado de S.
Paulo, dava sinais de que vinha acompanhando as críticas e sugestões feitas
por seus companheiros de Liga Nacionalista no jornal. Como que em
resposta a Mario Pinto Serva e a Macedo Soares, o reformador
argumentava que a proposta de readequar o ensino primário para um curso
inicial de dois anos intuía de imediato erradicar o analfabetismo, sem
desmontar o que estava feito:
Ver bem, ouvir bem, pelo habito de saber ver e ouvir; mover-se com
destreza e elegância; saber realisar em argila, em desenho, em madeira,
imagens que os sentidos educados apanham no ambiente e, por cima,
começar seus ensaios de logicidade o a diva divina das escolas
primárias. Não há pae que não prefira, para seus filhos, entre saber
muito decorado e exercer bem os sentidos e a intelligencia, este último
beneficio, que, em verdade, prepara as crianças para a glória da vida
independente e próspera.
[...]
Este espírito, natural e simples de educação é o que estará sempre
commigo na direcção technica que terei de imprimir à Instrucção
Pública do Estado.
[...]
138
Quando se vão, porém, realisar os ideaes que nos inflamam e nos
arrebatam, é preciso contar com as possibilidades práticas e as
circunstancias occasionaes [...]
[...]
Muito está por fazer, posto muito já se haja feito. Mas o que falta, é
obra para muitos quatriênios. Que cumpre, então, ao de agora?
Enfrentar e vencer, entre os males existentes, o maior delles. Se
pudesse, vencer a todos, seria o supremo bem. Mas, em não podendo,
como não póde, revela atacar o peor, e, além do peor, aquelle cuja
solução constitue a base para a solução dos outros. Dahi, a campanha
que vamos travar, contra o analphabetismo.
[...]
Não obstante, o governo actual não teve, nem terá, a má inspiração de
quebrar e mutilar o apparelho escolar do Estado. A nova de reduzir a
dois annos o curso dos grupos escolares é mero boato, uma simples
fantasia. Pois se os quatro annos actuaes não bastam para uma
educação primária integral, como tentar ainda a supressão de dois
annos do curso? Não foi para esta missão iconoclasta que assumi a
superintendência da Instrucção Pública. O governo do Estado nunca
deliberou tão grave attentado.
O seu pensamento é claro: elle quer levar a todos os recantos do Estado
a alphabetisação efficiente, e quanto ao mais na instrucção secundaria,
e a superior, elle que conservar o que existe, melhorando-as, se possível,
com opportunos retoques.
[...]
O esforço official maximo se concentrará na diffusão da instrucção
primária. Forçoso será, para isto, criar um typo de escola primária
aligeirada e simples [...]
A escola onde tudo isto se logre, já é um orgam serio de combate ao
analphabetismo. Ler, escrever e contar; assegurar a saúde e o vigor do
corpo; saber ouvir e mover-se; ensaiar a imaginação e o raciocínio;
139
começar hábitos de disciplina moral e cívica eis os objectivos dessa
escola popular.
Ao saírem desta escola, as crianças que o poderem, se matricularão no
terceiro anno do grupo, para continuarem os seus estudos e as que o
não poderem, já não pequeno benefício receberam, o benefício que as
finanças do Estado permittem por emquanto a todos. (O
PROGRAMMA DO NOVO DIRECTOR GERAL, 1920, p. 02).
Chama a atenção, no discurso acima, o perfil técnico que Sampaio
Doria atribui à sua gestão e o tipo de formação que pretendia ofertar com
a escolarização “aligeirada e simples”. Não há dúvidas de que, à época da
nomeação, houve um consenso entre os intelectuais paulistas sobre o
reformador ser um especialista em ensino, levando em conta sua
experiência profissional na Escola Normal da Capital. No entanto, não se
pode dizer o mesmo com relação à ideia de difundir o curso primário de
dois anos
46
. Como se sabe, essa medida acabou se tornando, ao longo dos
debates, o “pomo da discórdia” entre os que propunham a reforma do
aparelho escolar.
Dado o apelo em favor da campanha de combate ao analfabetismo,
alguns dispositivos polêmicos da reforma foram defendidos pelo jornal O
Estado de S. Paulo numa série de editoriais publicados entre os dias 19 e 26
de novembro de 1920. Na edição de 21 de novembro de 1920, p.03, por
exemplo, dizia o editorial “Notas e Informações” a respeito das mudanças
no ensino primário:
46
Cabe assinalar que a principal mudança apresentada pelo reformador não estaria na simples redução do curso
primário, mas sim na introdução de um novo método de ensinar. De acordo com Marta Carvalho (2011),
“(c)oncebida nos marcos da pedagogia spenceriana e por isso assentada no tripé educação intelectual, moral e
física, a Reforma apostou na fórmula de uma formação básica para a cidadania, condensada em dois anos.
Segundo essa aposta, dois anos de escola, se bem aproveitados e metodologicamente bem conduzidos, pareciam
ser suficientes para formar o cidadão, exercitando suas “faculdades perceptivas” e desenvolvendo a sua
capacidade de conhecer e agir moral e civicamente” (CARVALHO, 2011, p. 25). Entretanto, ao que parece,
nem todos os envolvidos no debate compreendiam ou compartilhavam da mesma fé que Sampaio Doria.
140
Dissemos que a reforma do ensino nada destruía no actual
apparelhamento do ensino primário: conservava intacta uma das
partes, a do ensino de 4 annos (introduzindo-lhe apenas retoques de
detalhe), e dava grande desenvolvimento à outra parte, a do ensino de
dois annos. A reforma, pois, em verdade, no fundo, não consiste senão
em certo conjunto de medidas e expedientes de administração,
conducentes a tornar mais activo, mais intenso, mais decidido o
combate ao analphabetismo. A organisação antiga não soffreu
nenhuma alteração em seus aspectos essenciaes. Não há quebra alguma
effectiva na conttinuidade da obra do ensino público, realisada pelos
successivos governos republicanos. (NOTAS E INFORMAÇÕES,
1920b, p. 03).
Outro ponto que gerava controvérsias é a cobrança de uma taxa
para realização do chamado “ensino médio”, que corresponderia aos dois
anos finais do primário. Essa medida também foi defendida no mesmo
editorial, como deixa claro o excerto abaixo:
Consta da reforma que serão isentos da “taxa” os que não puderem
pagar. E para obter a isenção bastará allegar a impossibilidade de fazer
o pagamento. Isto equivale a não haver, na verdade, taxa nenhuma
obrigaria [...] Aquelles que podem pagar professores e entretanto
achem conveniente pôr seus filhos nas escolas do Estado, devem
comprehender como uma obrigação de equidade a de fornecer ao
Estado uma pequenina parcella do que elle necessita para dar
instrucção aos filhos do pobre. E será realmente ridículo, e será
degradante para a nossa sociedade, que esta leal experiência de uma
medida altamente democrática venha a fracassar por falta da necessária
comprehensão da parte do próprio público. (NOTAS E
INFORMAÇÕES, 1920b, p. 03).
141
Ambas as medidas incorporadas ao texto da reforma sofreram
rejeição de Mario Pinto Serva que, antes da publicação dos editoriais
supracitados, já demonstrava seu descontentamento com a cobrança de
taxas para o curso primário. Vejamos o que dizia o jornalista no artigo “A
theoria das elites e o combate ao analfabetismo”, de 21 de agosto de 1920,
p.04:
Deve o governo de preferência instruir as massas, combater o
analphabetismo, ou, ao contrário, deve procurar formar as elites, os
espíritos da escola criando uma aristocracia intellectual na sociedade?
[...] a theoria das elites funda-se na pretensão de alguns intellectuaes
que se consideravam superiores ao resto da humanidade, attribuindo-
se a si mesmos dotes maiores de espírito.
A obrigação dos governos é dar uma instrucção elementar igual a todos
os cidadãos. Quanto a instrucção secundária e superior, que a recebam
os que quizerem e puderem custeal-a. (SERVA, 1920b, p. 04).
Mais uma vez expressando sua insatisfação com o bacharelismo da
República, Mario Pinto Serva deixa claro que ao exigir uma atenção maior
dos governantes à causa educacional, intentava persuadir os poderes
públicos a dedicar seus recursos e esforços prioritariamente na propagação
da escolarização primária. No entanto, a fragmentação do curso primário
em duas partes estava longe de atender as expectativas do articulista.
Mesmo que, à época da reforma, não tivesse criticado abertamente o
ensino de dois anos nos artigos publicados n’O Estado, em texto
incorporado ao livro A Educação Nacional, Mario Pinto Serva se mostrava
contrário ao modelo ao dizer que:
142
No Estado de S. Paulo nós temos um total de 230.000 alumnos
matriculados e cerca de 5000 professores! Há, portanto, presentemente
cerca de 800.000 menores em edade escolar no Estado de S. Paulo que
não frequentam escolas! E os que frequentam escolas recebem apenas
um curso de 2 annos! Ora, em dois annos aprende-se apenas, e muito
mal, a ler e escrever. (SERVA, 1924, p. 95).
Além dos pontos tratados acima, o jornalista também discordava
da maneira como o governo vinha conduzindo a implantação da reforma.
No artigo “Attitude Ditatorial”, de 12 de dezembro de 1920, p. 02,
publicado poucas semanas após a aprovação do projeto no Congresso
estadual, esbravejava:
O peor dos governos é a ditadura. Ditadura é o regimen em que um
governante, com a pretensão de ser a sua intelligencia infallivel, impõe
despoticamente a sua vontade individual contra a opinião de todo
mundo [...]
[...]
Ditador é quem não acceita modificação alguma às suas idéas e, num
intolerância desmarcada, é incapaz de reconhecer o seu erro e pretende
impor ao paiz governado um aborto inqualificável, composto de todos
os absurdos, de todos os contrasensos, de todas as
inconstitucionalidades, de todas as heresias, de todas as illegalidades.
Os quatro milhões de habitantes do Estado de S. Paulo são contra a
reforma do ensino e, no emtanto, ella vae ser transformada em lei,
porque a vontade única e exclusiva do presidente a exige e impõe.
A reforma do ensino ora em discussão no Congresso, verdadeiro
empastellamento da nossa instrucção pública, é um monumento de
aberrações que vae desmoralisar o Estado de S. Paulo no paiz inteiro e
muito mais perante o mundo culto.
[...]
143
O governo do Estado na questão da reforma do ensino demonstrou a
mais desmedida intolerância, não admittindo a mais insignificante
modificação nesse monstrengo horroroso, congerie de absurdos, que é
a organisação proposta.
[...]
Ora, atrás desse monstro podem vir outros monstros iguaes ou peores
que destruam por completo toda a nossa organisação administrativa.
(SERVA, 1920c, p. 02).
Como se pode perceber, os ataques do jornalista à reforma caíram
sobre o governo Washington Luís e não sobre a figura de Antonio de
Sampaio Doria. Tamanha era a desilusão de Mario Pinto Serva que, no
mesmo artigo, o jornalista chega a lamentar as homenagens e os elogios
que havia feito ao então presidente do Estado de São Paulo:
Quem esta subscreve, há cinco mezes atrás, em Julho do corrente anno,
teve a iniciativa de propor na Liga Nacionalista de São Paulo uma
moção de louvor e applauso ao actual presidente do Estado pelo
interesse demonstrado na última mensagem annual com relação ao
ensino.
Portanto, quem esta subscreve só tinha com relação ao governo actual
a mais sympathica espectativa, demonstrada, aliás, reiterada vezes.
Mas a reforma do ensino proposta posteriormente constituiu um
monstro apocalyptico e o governo ditatorialmente, na attitude mais
desastrada possível, exige, com intolerância inqualificável, a passagem
integral do monstro. (SERVA, 1920c, p. 02).
Diante do exposto, suponho que, apesar de afirmar de
maneira contundente a sua discordância com os princípios defendidos por
Antonio de Sampaio Doria em sua reforma, Mario Pinto Serva buscou
poupar o colega ao dirigir seus ataques diretamente a Washington Luís.
144
Além disso, entendo que tal atitude evidencia como o jornalista se
articulava para que, em momentos de acirrados debates no interior do
campo educacional, pudesse manter sua voz ativa sem, todavia,
comprometer os vínculos que mantinha com as redes de sociabilidade da
Liga Nacionalista e do OESP.
47
Cabe esclarecer que, como bem aponta Ana Clara Nery (2009),
diante de tantas objeções e do fracasso eminente na execução da reforma,
o relacionamento de Antonio de Sampaio Doria com o governo por ele
representado não foi dos melhores. Tanto que, em 1921, frente a inúmeros
desentendimentos com o governo, o reformador exonerou-se do cargo,
carregando, obviamente, a culpa pelo desastre (NERY, 2009, p. 90-91).
Entretanto, acredito que ao conceder, posteriormente, espaço a
Sampaio Doria para que justificasse os ocorridos em sua gestão, o jornal O
Estado de S. Paulo, assim como sugeria Mario Pinto Serva, estaria
procurando isentar o reformador da responsabilidade pelo fracasso da
reforma
48
. Ao que parece, na leitura do impresso e seus representantes,
competia ao presidente do Estado, no domínio de suas atribuições, dispor
das atitudes necessárias à alteração do projeto, visando, assim, atender às
demandas da opinião pública.
Em que pese os diferentes posicionamentos adotados acerca das
mudanças introduzidas com a Reforma de 1920, paira ainda a dúvida se
tais distinções seriam tão evidentes no que diz respeito aos pensamentos
pedagógicos de Mario Pinto Serva e Sampaio Doria, ou mesmo em relação
47
Tento aqui, responder a um dos questionamentos feitos por Valéria Medeiros (2005) ao se referir ao artigo
citado: “estaria Mario Pinto Serva, manifestando “aos berros” sua discordância com Sampaio Doria, cujos sinais
já foram observados em outros momentos?” (MEDEIROS, 2005, p. 233).
48
Para mais informações, ver a série de artigos “A Reforma do Ensino” publicada por Antonio de Sampaio
Doria em O Estado de S. Paulo entre os dias 03 e 10 de abril de 1923.
145
ao jornalista e aos demais atores do campo educacional. É o que pretendo
abordar no próximo item.
3.8 Nas fronteiras do campo educacional: os referenciais intelectuais de
Mario Pinto Serva
Para finalizar este capítulo, é interessante trazer à cena os
referenciais intelectuais utilizados por Mario Pinto Serva em seus artigos
sobre educação. Para tanto, buscou-se por meio da análise do conteúdo
extraído em O Estado de S. Paulo e do livro A Educação Nacional (1924)
mapear as citações e diálogos feitos pelo jornalista com os autores e com as
ideias em circulação nas décadas iniciais do século XX.
Do mesmo modo que Sampaio Doria e outros contemporâneos,
Mario Pinto Serva assentou seus textos em autores que tinham ampla
divulgação no período, como Comte, Spencer, Stuart Mill e Littré. A
utilização desses referenciais, muito apreciados entre os intelectuais com
passagem pela Faculdade de Direito de São Paulo, supõe uma aproximação
conceitual do jornalista ainda que limitada por sua área de atuação ,
com os movimentos que, internacionalmente, desde o final do século XIX,
serviriam para “a constituição do que era então compreendido como
“ciência da educação” (CARVALHO, 2011, p. 14).
Chave indispensável para que o cidadão pudesse “regular a sua
conducta”, esse aparato teórico emoldurado num discurso de preparação
para a vida prática foi assim exposto pelo articulista:
A sciencia é necessária para a criação dos menores, para a conservação
da própria vida e saúde, para o exercício de qualquer profissão, para a
146
comprehensão do mundo e da sociedade, para a satisfação dos prazeres
estheticos, para o cumprimento dos deveres cívicos e sociaes. O
homem, para saber como melhor viver, em que mundo vive, quaes as
condições de sua felicidade e como alcançal-as, precisa de sciencia. A
sciencia é que decifra todos os problemas da felicidade humana.
(SERVA, 1924, p.112-113).
Nessa perspectiva, dizia Mario Pinto Serva que as sociedades cuja
riqueza provinha de uma larga difusão da ciência estariam em um patamar
mais elevado por terem fundado as bases de sua nacionalidade,
promovendo a instrução de toda população. O embasamento para essa
afirmação viria da teoria evolucionista de Hebert Spencer, a qual citava o
autor:
[...] affirmava Hebert Spencer, o assumpto que envolve todos os
assumptos e, portanto, o assumpto em que devêra culminar a educação
de cada um é a theoria e prática da educação (SERVA, 1924, p. 111).
[...] diz Spencer, deixando de lado algumas classes pouco numerosas
em que se occupam todos os homens? Elles se occupam na producção,
preparação e distribuição das mercadorias. E do que depende a
efficiencia na producção, preparação e distribuição das mercadorias?
Depende do emprego de methodos adequados à natureza dessas
mercadorias; depende de um conveniente conhecimento das suas
propriedades physicas, chimicas ou vitaes, conforme o caso; isto é,
depende da Sciencia (SERVA, 1924, p. 51).
Essa tendência pragmática, de investigar a realidade somente por
meio do conhecimento das ciências positivas, seguindo os postulados do
spencerismo, era característica à intelligentsia brasileira que, adaptando as
teorias importadas, procurava aparatar sua improvisação/ação (COSTA,
147
1956, p. 298-299). Seguindo nessa linha, como já mencionado, Mario
Pinto Serva compreendia que o conhecimento científico deveria ser
aplicado pelos intelectuais no cumprimento de seu dever: propagar a
instrução popular.
Para convencer seus leitores, além de Spencer, o publicista
operacionalizava com os mesmos propósitos as leituras que tinha das obras
de Stuart Mill, Littré e Gorki. Vejamos os excertos a seguir:
O desenvolvimento da cultura scientifica é a chave para a designação
de todos os problemas nacionaes. Dizia Gorki:
“Os interesses de todos os homens se encontram num terreno
commum onde são solidários, a despeito das opposições inevitáveis de
classes: esse terreno é a aquisição das sciencias.
As sciencias são a força que, em definitiva, deve dar aos homens a
Victoria sobre as energias elementares da natureza, e submetter essa
energia aos interesses geraes da humanidade. A sciencia deve ser
democratisada. É preciso fazer della o apanágio do povo. É ella, só ella,
a fonte do trabalho criador, a base de toda a cultura. Só a sciencia deve
ser democratisada. É preciso fazer della o apanágio do povo. É ella, só
ella, a fonte do trabalho criador, a base de toda a cultura. Só a sciencia,
nos dará a consciência, só ella nos abrirá a via larga para novas
conquistas” (SERVA, 1924, p.114).
O progresso de uma nação é a somma das actividades, das energias, do
valor de cada um dos seus habitantes. Assim a melhoria de um paiz não
póde consistir em reformarem-se leis e constituições, mas em fazer com
que a massa geral dos cidadãos melhore em instrucção, em costumes,
em actividade. Nota Stuart Mill: “Si bem reflectirmos reconheceremos
que o valor de um paiz provém do valor dos indivíduos que compõem”.
(SERVA, 1924, p. 117).
148
O espírito dirige a matéria. Todo acto humano origina-se numa idéa.
A idéas orientam toda a actividade do homem. As idéas conduzem a
humanidade. Todos os movimentos sociaes e históricos se fazem
agindo sobre os espíritos.
E por isso com razão dizia Littré: “Toda a moral social resume-se nisto:
instrui-vos, instrui aos outros”. (SERVA, 1924, p. 17).
Por meio dessas noções de aperfeiçoamento indefinido dos
indivíduos, Mario Pinto Serva reiterava seu interesse pela abordagem
sociológica dos problemas nacionais. Ao conhecer a realidade brasileira se
amparando no olhar das ciências positivas, afirmava o autor, os intelectuais
poderiam “estimular uma intelligencia crítica das instituições, um livre
exame e discussão franca das condições sociaes” (SERVA, 1924, p. 37).
“Em outros termos se poderia repetir como Augusto Comte: saber para
prever, afim de prover” (SERVA, 1924, p. 36).
Além das orientações teóricas do positivismo e do evolucionismo,
em suas publicações sobre educação o jornalista sustentava suas colocações
pondo em destaque citações de figuras políticas, filósofos, jornalistas,
juristas e médicos. O uso dessas referências, ao que parece, configura um
recurso discursivo para atingir os leitores a quem interessava aproximar dos
núcleos de poder. Tratava-se de um apelo em nome do que chamava de
“medicina política ou social”:
Precisamos, mais do que qualquer povo, de grandes gênios tutelares
que infundam na nossa raça as qualidades enérgicas, positivas e
culturaes que faltam a ella pela sua formação primitiva.
A medicina política ou social precisa entrar em acção no Brasil dando
remédio, a cada um dos males que anemiam e atacam o vigor da raça.
(SERVA, 1917f, p. 03).
149
Por “grandes gênios tutelares” podemos interpretar “teóricos
brasileiros”. Segundo Mario Pinto Serva, além dos entraves à atividade
intelectual ocasionados pela escassez de público leitor, o país sofria na
solução de seus males por não contar com traduções das grandes obras do
conhecimento científico, bem como pela incipiente produção científica
nacional (SERVA, 1924, p. 141-145). Criticando os bacharéis que se
dedicavam exclusivamente ao exercício das letras, o jornalista, a partir dos
ensaios do filósofo inglês Thomas Carlyle, comenta a função da linguagem
na composição do meio social:
Queremos ter literatura e intellectualismo antes de leitores e de
mercado literário é querer pôr o carro adiante dos bois.
[...]
A do desenvolvimento do intellectualismo brasileiro é o augmento do
número de leitores, de forma que haja um mercado para a nossa
producção intellectual. Como queremos intellectualismo e literatura
sem mercado literário? (SERVA, 1924, p. 145).
A nossa literatura infelizmente soffre em grande parte de um vício
fundamental o tem por fundo a cultura, reduz-se a vebiagem inútil,
não visa construir coisa nenhuma. É visionária, sonhadora e indolente.
É uma literatura de fakires que se isolam na contemplação dos próprios
sonhos e cujo ideal é um nirvana negativista e inútil.
Se a linguagem, diz Carlyle, é como uma nota bancária, representativa
de um capital interior de cultura, de idéas e de nobre valor humano,
então ella é preciosa e a arte da linguagem deve ser prezada. Mas se não
há um capital interior; se a linguagem representa não uma cultura real
do espírito, mas uma cultura imaginária, então a linguagem constitue
uma verdadeira moeda falsa.
150
Se assim é, a nossa mentalidade poder-se-ia dizer que tem a cabeça na
lua. (SERVA, 1917b, p. 03).
[...] somos alguns milhares de intellectuaes superpostos a milhões de
analphabetos, a milhões de ignorantes crassos de tudo. Por isso no
Brasil nós não fazemos senão prolongarmos automaticamente a vida
como a encontramos ou como nol-a legaram.
Ou então copiamos mecanicamente o que se faz na Europa,
reflectindo-lhe automaticamente todos os movimentos sociaes e
políticos, sem elaboração própria, nossa.
Elaboração própria, organisação nacional segundo concepções nossas,
movimentos sociaes coordenados, não o temos. (SERVA, 1924, p.
150-151).
É interessante apontar que esses posicionamentos são pontos
contraditórios no pensamento de Mario Pinto Serva, pois, como
analisamos nos itens anteriores, em muitas propostas o jornalista defendia
de maneira contundente a adequação dos modelos estrangeiros para a
organização do ensino e a revitalização do tipo nacional. No entanto,
deixando de lado esses aspectos, percebe-se que as ideias esboçadas para
argumentar pela formação de uma cultura nacional que sustentasse a
produção da ciência e o progresso do país eram compartilhadas por atores
importantes do campo educacional, a exemplo de Lourenço Filho.
Observe o excerto do artigo “Problemas da Cultura O Polygono de
Sustentação” de 29 de novembro de 1920, p. 02, publicado por Lourenço
Filho em O Estado de S. Paulo:
[...] não temos cultura original nossa, e nem a podemos ter, por
absoluta carência de educação popular de instrucção extensa. Para
formar-se essa verdadeira aristocracia intellectual [...] collocar a
151
direcção moral das nações é preciso começar pelo princípio, dando um
mínimo de instrucção a todos para que todas as aptidões sejam
consultadas e nenhuma desaproveitada.
Faz-se mister, enfim, um largo, um sufficiente polygono de
sustentação, sem o qual é loucura tentar elevar uma construcção de
cultura. A “elite” exige, para poder subsistir, um meio adequado, que
a comprehenda e que lhe sinta a acção, bem como lhe forneça um
elemento de renovação a cada hora.
Sem isso é disparate falar em “elite” ou em cultura. Comprehendida a
dynamica social, verifica-se que só assim, com fontes de perenne
renovação e maior campo de concorrência é que se pode viver no
tempo essa floração intelectual tão ambicionada por todas as nações.
Só assim se corrige a contingencia do homem no tempo, alongando e
até tornando immorredouros algumas vezes grandes ideaes de
aperfeiçoamento.
[...]
[...] Não é possível criar cultura, sciencia, arte, philosofia, num paiz de
analphabetos, onde em primeiro logar perdem-se milhares de aptidões;
onde os que sabem ler e escrever já pensam ter toda a sabedoria
possível; onde as publicações para terem circulação forçada necessitam
não de discutir e de estudar calma e serenamente os nossos mais
prementes problemas, mas de provocar o escândalo e assim chamar a
attenção do povo inculto, de qualquer modo. (LOURENÇO FILHO,
1920, p. 02)
Colocada nesses termos, o despertar da inteligência nacional de que
ambos falavam estaria atrelado ao missionarismo da campanha pela
erradicação do analfabetismo. Faltavam, no entanto, as lideranças
intelectuais para iniciar esse acontecimento. Nas palavras de Mario Pinto
Serva (1920i, p. 07), faltavam “os propagandistas necessários”:
152
Parece-nos que manteremos a identidade nacional somente se surgir
agora no Brasil uma geração de homens providenciaes como foram
para seus paizes Sarmiento, Horace Mann ou Jean Macé, architectos
de civilisações, criadores de milhões de entes cultos, semeadores
pródigos de instituições de ensino, plasmadores de gerações inteiras de
concidadãos fortes, enérgicos, preparados e trabalhadores.
As três personagens citadas, Sarmiento, Horace Mann e Jean Ma
serão, em diversos artigos, apresentadas como o perfil ideal de
propagandistas da causa educacional. O curioso é que Serva ansiava por
lideranças semelhantes no Brasil, mas não se candidatava ao papel. Talvez
por não contar com recursos financeiros para efetuar a obra educacional
que lhe seria exigida ou, quem sabe, por não se sentir habilitado
politicamente para tamanha incumbência.
Precisavamos muito de um Sarmiento no Brasil. O ideal desse que foi
o maior estadista da Argentina era prodigalisar a sciencia e o preparo
entre os seus patrícios, era multiplicar os cidadãos cultos, era fazer por
toda parte milhares ou milhões de homens aptos para lutar pela vida.
[...]
Nos Estados Unidos, Horace Mann foi o formidável pioneiro da
grande cruzada da expansão da educação americana e o agente mais
hábil e efficaz da reorganisação das escolas do seu paiz [...]
[...]
Na França, a grande figura que se destacou em o século XIX foi Jean
Macé, que desde 1848 até a sua morte em 1894, portanto, durante 46
annos, consagrou a sua existência inteira a propaganda da causa da
educação popular [...]
[...]
153
Eis ahi a espécie de propagandista de que precisa o Brasil para acordar
os poderes públicos ao cumprimento do maior dever nacional. Eis ahi
o apostolado que se impõe a todos nós que pretendemos e aspiramos
uma pátria melhor. Eis ahi o único meio de trabalhar efficazmente para
a grandeza futura do nosso paiz.
Nunca tivemos no Brasil um Sarmiento, um Horace Mann ou um Jean
Macé, homens-dynamos, que põem em movimento toda uma
nacionalidade e a despertam do lethargo em jaziam: homens-alavancas,
que elevaram e sustentaram o seu paiz a alturas consideráveis.
Se tivéssemos tido no século transcorrido de vida nacional um só
homem semelhante aos três que apontamos, o Brasil seria hoje uma
grande e forte nacionalidade. (SERVA, 1920i, p. 07).
Como demonstrado em outras passagens do capítulo, o interesse
do autor ao mencionar outros intelectuais seria apenas fortalecer a
propaganda da causa educacional. Suponho, nesse sentido, que ao trazer
como exemplo três intelectuais que ocuparam altos cargos na hierarquia da
Instrução Pública em seus países, Mario Pinto Serva insistia na tentativa
de dialogar com os atores do campo político. Isso considerando que as
soluções postas em pauta não se atinham com profundidade às questões
pedagógicas do ensino, mas sim aos seus problemas administrativos.
Um segundo indicador dessa intenção do jornalista está nos demais
referenciais que surgem em suas publicações. São eles juristas como o
alemão Rudolf Von Ihering, economistas como o norteamericano Henry
George, jornalistas como o francês Paul Adam, e médicos como o também
francês Georges Clemenceau. Todos eles reivindicados como apóstolos do
discurso que encerra a escolarização como engrenagem central da
construção da nacionalidade.
Mesmo procurando explicitar seu domínio das teorias em
circulação no momento, os artigos, até aqui analisados, mostram que
154
faltava a Mario Pinto Serva a apropriação dos elementos que orientavam o
debate pedagógico em ebulição. As temáticas candentes, muitas vezes
tratadas pelo olhar do jornalista aspirante a carreira parlamentar,
garantiram seu acesso, permanência e projeção por meio do campo
educacional da Primeira República (1889-1930) enquanto o caráter cívico
associado à instrução estava em plena ascensão. Nesse sentido, pode-se
concluir que as publicações analisadas assumem, de certa forma, conteúdo
de campanha política quando articuladas à trajetória desse intelectual e às
redes de sociabilidade que participou.
155
CONSIDERAÇÕES FINAIS
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ __
A análise da trajetória de Mario Pinto Serva, por meio dos artigos
educacionais publicados entre 1915 e 1928, empreendida no presente
livro, ajuda a compreender as estratégias por ele acionadas para se projetar
politicamente a partir do campo educacional paulista.
Essa tarefa exigiu compreender a conjuntura que envolvia o
exercício da atividade jornalística no período estudado, bem como o
protagonismo político assumido pelo segmento intelectual ao qual Mario
Pinto Serva pertencia: os profissionais liberais. Para tanto, buscou-se, por
meio da bibliografia consultada, entender os motivos que levaram um
conjunto de advogados, médicos e engenheiros, a se colocarem a serviço
da Nação, oferecendo o conhecimento que carregavam das teorias
científicas em voga para interpretar a realidade nacional e liderar
campanhas de regeneração da República.
Foi possível observar que, diante das limitações do mercado de
profissões da época, a carreira parlamentar emergia para esses intelectuais
como uma das principais posições de prestígio a ser alcançada. Assim,
visando esse fim, os profissionais com escolaridade superior se articularam
através de espaços de projeção consagrados, como o jornal O Estado de S.
Paulo, para promover diversas ações coletivas, entre elas a criação de
entidades civis, como a Liga Nacionalista de São Paulo.
Conforme demonstrado nos capítulos, nesses espaços O Estado
de S. Paulo e a Liga Nacionalista , se configuraram importantes redes de
sociabilidade intelectual, que funcionavam como pontos de interseção
156
entre diversos campos de atuação, entre eles, o educacional. Como
participante de ambas as redes, nesse sentido, Mario Pinto Serva pôde se
aproveitar das oportunidades de acesso que elas ofertavam para construir
sua imagem como figura pública nas arenas de debate da educação.
Na tentativa de desvendar os caminhos percorridos pelo intelectual
nesse itinerário pelo campo educacional, me detive aos laços de
proximidade constituídos entre ele e os demais participantes das redes de
sociabilidade acima mencionadas. Buscou-se, com isso, evidenciar de que
modo Mario Pinto Serva interagiu com as tensões, disputas e ideias em
circulação nesses espaços. Além disso, procurei enfatizar como a Liga
Nacionalista, que não se configurava como instituição específica da
educação, teve fundamental importância para legitimação das intervenções
feitas pelo jornalista nos debates educacionais ao aproximá-lo dos atores
em disputa no campo por meio de diversas campanhas e manifestos
coletivos.
de-se constatar, assim, que foi no auge dos movimentos
nacionalistas, surgidos no quadro de acontecimentos desencadeados pela
Primeira Guerra Mundial (1914 1918), que Mario Pinto Serva obteve o
maior prestígio entre os atores do campo educacional, sendo eleito, por
unanimidade de votos, embaixador da Liga Brasileira contra o
Analfabetismo. Nesse momento, o autor também foi escolhido para redigir
algumas das circulares encaminhadas pela LNSP às autoridades públicas,
entre elas, a que exigia a criação de um Ministério Nacional de Educação,
bem como participou ativamente das discussões sobre a Reforma da
Instrução Pública de 1920 nas páginas de OESP.
Igualmente é possível supor que Mario Pinto Serva foi se afastando
gradualmente do campo educacional conforme as regras de pertencimento
157
a esse foram se complexificando. Como apontado ao longo do livro,
acredita-se que a intensificação das disputas por posições privilegiadas
entre os atores educacionais levou ao processo de formação de uma nova
identidade profissional: o “educador”. Por mais impreciso que seja
dimensionar essa categoria dentro da conjuntura da Primeira República,
entendo ser possível nela inserir todos aqueles intelectuais que, à época,
exerciam atividades no magistério.
Por essa perspectiva, mapear e analisar as principais temáticas
levantadas por Mario Pinto Serva, permitiu, ainda que em parte, apreender
as aproximações e distanciamentos mantidos com relação ao que pensavam
os demais personagens do campo. Em diálogo com as leituras do social
realizadas por seus colegas de redação, de Liga Nacionalista e
personalidades do movimento médico sanitário, o jornalista procurou
apresentar suas conclusões e propostas para solução do problema do
analfabetismo, algumas delas polêmicas, como a que atribuía uma
responsabilidade educativa à Igreja Católica. Foi possível, ainda, perceber
que embora utilizasse de referências intelectuais semelhantes aos
portadores das recém-criadas credenciais de “educador”, Serva não
mostrava propriedade dos aspectos pedagógicos do ensino, o que,
suponho, tenha favorecido seu afastamento do campo educacional
paulista.
Tal suposição nos leva a questionar se são esses os motivos que
explicam a ausência do intelectual na Sociedade de Educação de São Paulo,
criada em 1922. No entanto, deixarei essa problemática suspensa por
acreditar que respostas mais assertivas poderão surgir em outro momento.
Caberia finalmente concluir que, com a extinção da Liga
Nacionalista de São Paulo, em 1924, Mario Pinto Serva perdeu a mais
158
relevante credencial para sua sustentação no campo educacional paulista.
Entretanto, presumo que, os dividendos políticos acumulados como
“propagandista da causa educacional” no movimento nacionalista
puderam ser resgatados quando da realização das duas primeiras
Conferências Nacionais de Educação, organizadas pela Associação
Brasileira de Educação, nas quais o jornalista esteve presente.
Foi transgredindo as fronteiras do campo educacional paulista ao
final da Primeira República, portanto, que Mario Pinto Serva construiu
sua imagem pública para a carreira parlamentar, outra parte importante de
sua trajetória intelectual e que, dadas as limitações óbvias deste livro, não
será tratada aqui. Percebe-se, contudo, que devido às peculiaridades desse
personagem e suas ideias, mais do que fornecer respostas definitivas,
abrem-se novas possibilidades, repletas de perguntas e temas que, espero,
nos levem a outras Histórias.
159
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ __________
Livros e teses
ADDUCCI, Cássia Chrispiano. Uma nação à paulista: nacionalismo e
regionalismo em São Paulo (1916-1929). 2002. 204 f. Tese (Doutorado
em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica PUC, São
Paulo, 2002.
AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. 5. ed., rev. e ampl. São
Paulo: Melhoramentos, Editôra da USP, 1971.
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: história da imprensa brasileira.
Rio de Janeiro: Mauad, 2009. v. 1.
BOMENY, Helena. Os intelectuais da educação. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2001.
BONTEMPI JR., Bruno. Escola Politécnica de São Paulo: produção da
memória e da identidade social dos engenheiros paulistas. História e
Educação, Porto Alegre, v. 19, Mai./Ago., 2015, p. 223-242.
BONTEMPI JR., Bruno. O inquérito sobre a situação do ensino
primário em São Paulo e suas necessidades (1914): análise das
intervenções jornalísticas e políticas no discurso sobre a educação. Revista
do Mestrado em Educação, v. 11, p. 43-50, 2005.
BOTO, Carlota. Nacionalidade, escola e voto: a Liga Nacionalista de São
Paulo. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais (UNESP. Araraquara.
Impresso), São Paulo, v. 17/18, p. 145-163, 1994.
160
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo
literário. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica
do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
CALDEIRA, Jorge. Julio Mesquita, o fundador do jornalismo moderno no
Brasil. In: MESQUITA, J. A. Guerra. São Paulo: Terceiro Nome, 2002,
v. 1, p. 21-32.
CAPELATO, Maria Helena. Os arautos do liberalismo: imprensa paulista
(1920 – 1945). São Paulo: Brasiliense, 1989.
CARVALHO, Maria Marta C. Molde Nacional e Fôrma Cívica: higiene,
moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924
– 1931). Bragança Paulista: EDUSF, 1998.
CARVALHO, Maria Marta C. A escola e a República e outros ensaios.
Bragança Paulista: EDUSF, 2003.
CARVALHO, Maria Marta C.; TOLEDO, Maria Rita A. A imprensa
periódica paulista como dispositivo de configuração do campo dos
saberes pedagógicos (1893-1927). In: VIII CONGRESSO
BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO. MATRIZES
INTERPRETATIVAS E INTERNACIONALIZAÇÃO, 2015,
Maringá. Anais... 2015.
CARVALHO, Maria Marta C. A Reforma Sampaio Dória, política e
pedagogia: problematizando uma tradição interpretativa. In: MIGUEL,
Maria Elisabeth Blanck; VIDAL, Diana Gonçalves; ARAUJO, José
Carlos de Souza. (Org.). Reformas Educacionais. As manifestações da
Escola Nova no Brasil (1920 e 1946). Campinas: Autores Associados,
2011, v. 1, p. 5-33.
161
CARVALHO, Maria Marta C. O novo, o velho e o perigoso: relendo A
cultura brasileira. Cadernos de pesquisa, n. 71, nov. 1989, p.29-35.
CATANI, Denice Bárbara. A imprensa periódica educacional: as revistas
de ensino e o estudo do campo educacional. Educação e Filosofia, Minas
Gerais, v. 10, n.20, p. 115-130, 1996.
COSTA, João Cruz. Contribuição à História das Ideias no Brasil. Rio de
Janeiro: Editora José Olympo, 1956.
DENIS, Benoit. Literatura e Engajamento: de Pascal a Sartre. Bauru:
EDUSC, 2001.
NOGUEIRA FILHO, Paulo. Ideais e Lutas de um Burguês Progressista: O
Partido Democrático de São Paulo e a Revolução de 1930. 2. ed. Rio de
Janeiro: Editora José Olympo, 1965. v. I.
GONDRA, José Gonçalves. A Arte de civilizar: medicina, higiene e
educação escolar na Corte Imperial. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004.
HOCHMANN, Gilberto. A era do saneamento: as bases da política de
saúde pública no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1998.
LABARRE, Albert. História do Livro. Lisboa: Livros Horizonte, 2005.
LARIZZATTI, Dóris Sathler de Souza. “A Luz dos Olhos de um Povo”:
Os projetos de Educação do Jornal O Estado de S. Paulo, 1920-1934.
1999. 266 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia
Universidade Católica – PUC, São Paulo, 1999.
LEVI-MOREIRA, Silvia. A Liga Nacionalista de São Paulo: ideologia e
atuação. 1982. Dissertação (Mestrado em História) Faculdade de
Letras e Ciências Humanas – USP, São Paulo, 1982.
162
LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil: intelectuais e
representação geográfica da identidade nacional. Rio de Janeiro: IUPERJ
– UCAM, 1999.
LUCA, Tania Regina de. A grande imprensa no Brasil da primeira
metade do século XX. In: MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tania Regina
de (orgs.). História da imprensa no Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto,
2012, p. 148-175.
LUCA, Tania Regina de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para
(n)ação. São Paulo: Editora Unesp, 1999. p.18.
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In:
PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto,
2003. p.111-153
MARLETTI, Carlo. In: BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e
PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1986. p.637-640.
MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira. v.6. São Paulo:
Cultrix, 1978.
MATHIESON, Louisa Campbell. A Liga Nacionalista de São Paulo e a
formação dos moços da Faculdade de Direito de São Paulo (1917-1924).
In: X CIHELA CONGRESO IBEROAMERICANO DE HISTORIA
DE LA EDUCACIÓN LATINOAMERICANA, 2012, Salamanca.
Formación de Élites y Edución Superior en Iberoamérica (SS. XVI-XXI),
2012a. v. 1. p. 465-472.
163
MATHIESON, Louisa Campbell. O militante e o pedagogo Antonio de
Sampaio Doria: a formação do cidadão republicano. 2012b. 181 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação
Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2012.
MEDEIROS, Valéria A. Antonio Sampaio Dória e a modernização do
ensino em São Paulo nas primeiras décadas do século XX. 2005. 358 f. Tese
(Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica PUC,
São Paulo, 2005.
MELO, Luís Correia. Dicionário de Autores Paulistas. Comissão IV
Centenário da Cidade de São Paulo. São Paulo: Editora Gráfica Irmãos
Andrioli S.A, 1954.
MERCADO, Edna A. A Educação no Jornal O Estado de S. Paulo: 1890-
1920. 1996. 159 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de
Estudos Pós-Graduados em Educação, História e Filosofia da Educação,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1996.
MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001.
NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. Rio de
Janeiro: DP&A, 2001.
NERY, Ana Clara Bortoleto. A Sociedade de Educação de São Paulo:
embates no campo educacional (1922 – 1931). São Paulo: Editora
Unesp, 2009.
NERY, Ana Clara Bortoleto. Periódicos Educacionais das Escolas
Normais: apropriação dos saberes pelos professores. Quaestio (UNISO),
v. 4, p. 42-53, 2006.
164
PAIVA, Vanilda. História da educação popular no Brasil: educação
popular e educação de adultos. 6. ed. revista e ampliada. São Paulo:
Loyola, 2003.
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a
nação. Tradução: Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Editora Ática,
1990.
PRADO, Maria Ligia. A Democracia Ilustrada: O Partido Democrático
de São Paulo (1926 – 1934). São Paulo: Editora Ática, 1986.
REIS, José Carlos. Wilhelm Dilthey e a autonomia das ciências histórico-
sociais. Londrina: Eduel, 2003.
ROCHA, Heloisa Helena Pimenta. Higienização dos costumes: educação
escolar e saúde no projeto do Instituto de Hygiene de São Paulo (1918-
1925). Campinas, SP: Mercado de Letras; São Paulo: FAPESP, 2003.
SÃO PAULO (Estado). Lei nº 1.390, de 19 de dezembro de 1951. Dispõe
sôbre concessão do título de Educador Emérito ao senhor Mário Pinto
Serva, e dá outras providências. São Paulo: Diretoria Geral da Secretaria
de Estado dos Negócios do Govêrno, 19 dez. 1951.
SERVA, Mario Pinto. In: MELLO, Luís Correia. Dicionários de Autores
Paulistas. Comissão IV Centenário da Cidade de São Paulo. São Paulo:
Editora Gráfica Irmãos Andrioli S.A. 1954 (Serviços de Comemorações
Culturais).
SILVA, Luciana Meire da. O rural nas obras de Monteiro Lobato nas
décadas de 1910 a 1930. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)
Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP, Marília, 2013.
165
SIRINELLI, Jean François. Os Intelectuais. In: REMOND, René. Por
uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996, p.231-270.
SIRINELLI, Jean François. As elites culturais. In: RIOUX, Jean Pierre e
SIRINELLI, Jean-Fraçois. Por uma história cultural. Lisboa: Estampa,
1998, p. 266-267.
SODRE, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
SOUZA, Rosa Fátima de. Alicerces da Pátria: História da Escola Primária
no Estado de São Paulo (1890-1976). Campinas, SP: Mercado de Letras,
2009.
SCHWARTZMAN, Simon. A política da Igreja e a educação: o sentido
de um pacto. Religião e Sociedade. 13/1, Rio de Janeiro, 1986. p.108-
127.
TAMBARA, Elomar; ARRIADA, Eduardo. Editoras e Tipografias no
Rio Grande do Sul: publicação e circulação de livros didáticos. In: VI
Congresso Brasileiro de História da Educação, 2011, Vitória. Revista
Brasileira de História da Educação. São Paulo: Sociedade Brasileira de
História da Educação, 2011. v. 01. p. 01-11.
VIEIRA, Carlos E. Intelligentsia e intelectuais: sentidos, conceitos e
possibilidades para a história intelectual. Revista Brasileira de História da
Educação, Campinas, v. 8, n. 1, jan./abr., 2008. p.64-85.
Periódicos
AO ELEITORADO Independente. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26
abr. 1919, p. 09.
166
AO POVO Paulista. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 mai. 1918, p.
11.
AS DUAS mais urgentes necessidades do Brasil. O Estado de S. Paulo,
São Paulo, 02 abr. 1925, p. 01.
CARTAS de Minas. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 jan. 1917, p.
04.
COISAS da Cidade. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 dez. 1918, p.
05.
CONGRESSO Nacional de Educação. O Estado de S. Paulo, São Paulo,
27 dez. 1927, p. 04.
CONSTANTINO, Antonio. Evocações da Faculdade de Direito. O
Estado de S. Paulo, São Paulo, 07 nov. 1944, p. 04.
CONTRA o analphabetismo Recenseamento Escolar. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 07 set. 1920, p. 04.
FILHO, Lourenço. Problemas da Cultura O Polygono de Sustentação.
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 29 nov. 1920, p. 02.
JORNAES do Rio. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 jul. 1914, p. 03.
JULIO Mesquita e o “Estado”. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 ago.
1962, p. 47.
JUSTA homenagem a um jornalista. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 09
jan. 1952, p. 09.
167
L’UOMO che morse. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 04 nov. 1916, p.
09.
LIVROS Novos. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 fev. 1925, p. 02.
MOVIMENTO Associativo. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 10 mar.
1918, p. 03.
NOTAS e Informações. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 mar. 1917a,
p. 03.
NOTAS e Informações. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 dez. 1916a,
p. 05.
NOTAS e Informações. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 ago. 1916b,
p.04.
NOTAS e Informações. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 mar. 1916c,
p. 04.
NOTAS e Informações. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 nov. 1920a,
p. 03.
NOTAS e Informações. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 21 nov. 1920b,
p. 03.
NOTAS e Informações. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 23 nov. 1920c,
p. 03.
NOTAS e Informações. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 24 jun. 1917b,
p. 03.
168
NOTÍCIAS Diversas. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 20 dez. 1921, p.
06.
NOTÍCIAS Diversas. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 24 jun. 1917, p.
05.
O PROGRAMMA do novo director geral. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, 25 mai. 1920, p. 02.
PELO ensino primário no Brasil. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 09
nov. 1920, p. 03.
SECÇÃO Livre. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 06 set. 1915, p. 07.
SERVA, Mario Pinto. A Acção Cathólica. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, 15 jun. 1920a, p. 04.
SERVA, Mario Pinto. A medicina social no Brasil. O Estado de S. Paulo,
São Paulo, 23 nov. 1917a, p. 03.
SERVA, Mario Pinto. A organisação do futuro nacional. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 22 jul. 1919a, p. 03.
SERVA, Mario Pinto. A Reconstrucção Nacional. O Estado de S. Paulo,
São Paulo, 27 mai. 1917b, p. 03.
SERVA, Mario Pinto. A theoria das “elites” e a campanha contra o
analphabetismo. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 21 ago. 1920b, p. 04.
SERVA, Mario Pinto. As Reivindicações Operárias. O Estado de S. Paulo,
São Paulo, 14 out. 1917c, p. 04.
169
SERVA, Mario Pinto. Attitude Ditatorial. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, 12 dez. 1920c, p. 02.
SERVA, Mario Pinto. Balcão de Consciencias. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, 13 jun. 1916a, p. 03.
SERVA, Mario Pinto. Civilisação de Fachada. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, 12 dez. 1915a, p. 04.
SERVA, Mario Pinto. Conselho Nacional de Educação. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 08 out. 1919b, p.03.
SERVA, Mario Pinto. Escola para Adultos. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, 20 abr. 1920d, p. 02.
SERVA, Mario Pinto. Estatística Paulista. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, 24 fev. 1920e, p. 02.
SERVA, Mario Pinto. Instrucção e Educação. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, 28 nov. 1919c, p.04.
SERVA, Mario Pinto. Intrucção Pública em S. Paulo. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 13 mar. 1920f, p. 02.
SERVA, Mario Pinto. O dever do intellectualismo brasileiro. O Estado de
S. Paulo, São Paulo, 13 nov. 1916b, p. 04.
SERVA, Mario Pinto. O Estado de Sítio. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, 21 dezembro 1917d, p. 03.
SERVA, Mario Pinto. O genio paulista. O Estado de S. Paulo, São Paulo,
06 out. 1919d, p. 03.
170
SERVA, Mario Pinto. O mais inteligente altruísmo. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 08 jun. 1920g, p. 04.
SERVA, Mario Pinto. O Melhoramento da Instrucção Paulista. O Estado
de S. Paulo, São Paulo, 18 abr. 1920h, p. 02.
SERVA, Mario Pinto. O problema da educação em S. Paulo. O Estado de
S. Paulo, São Paulo, 28 nov. 1915b, p. 02.
SERVA, Mario Pinto. O progresso do analphabetismo e o aumento da
Força Pública. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 set. 1917e, p. 06.
SERVA, Mario Pinto. O Voto Secreto e Obrigatório. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 14 dez. 1918, p. 04.
SERVA, Mario Pinto. Os poderes municipaes e o problema da educação.
O Estado de S. Paulo, São Paulo, 29 dez. 1915c, p. 04.
SERVA, Mario Pinto. Os propagandistas necessários ao Brasil. O Estado
de S. Paulo, São Paulo, 01 fev. 1920i, p. 07.
SERVA, Mario Pinto. Reacção Social. O Estado de S. Paulo, São Paulo,
11 dez. 1915d, p. 07.
SOARES, José Carlos de Macedo. Escolas de Fachada. O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 11 mar. 1920, p. 03.
171
FONTES
Jornal
O ESTADO DE S. PAULO. São Paulo: O Estado de S. Paulo, 1915-
1928.
Livro
SERVA, Mario Pinto. A Educação Nacional. Pelotas: Livraria Universal
Echenique & Companhia, 1924.
Anais
COSTA, Maria José Franco; SHENA, Denilson Roberto; SCHMIDT,
Maria Auxiliadora. (Orgs.). CONFERÊNCIA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO, 1, 1927, Curitiba. Anais [...]. Brasília: MEC/ INEP,
1997.
172
173
Anexo
Quadro Artigos A Educação Nacional (1924)
Livro: A Educação
Nacional
Autor: Mario Pinto
Serva
Ano de publicação:
1924
Editora: Livraria
Universal Echenique
& Companhia
Número de páginas:
243
Tipo: Coletânea de
artigos
Título dos Artigos por
ordem de apresentação
Localização no livro
Publicado em OESP
Um Século Falho
Pág. 3 – 7
O Dever de Todo
Homem
Pág. 8 – 11
Pátria Nova
Pág. 12 – 15
O Ideal Nacional
Pág. 16 – 20
Um Paiz Abandonado
Pág. 21 – 25
A Miserável Situação
do Ensino Nacional
Pág. 26 – 30
O Redemptor do
Brasil
Pág. 31 – 34
A Therapeutica Social
Pág. 35 – 38
Delenda Carthago
Pág. 39 – 43
OESP 06/05/1918
- Pág.03
Conferência Nacional
de Educação
Pág. 44 – 47
O Direito à Instrucção
Pág. 48 – 52
A Reconstrucção
Nacional
Pág. 53 – 58
OESP 27/05/1917
– Pág.03
Appelo à Bancada
Paulista
Pág. 59 – 63
174
As Municipalidades e a
Educão do Povo
Pág. 64 – 68
A Reforma do Ensino
Pág. 69 – 72
O Departamento que
nos Falta
Pág. 73 – 76
A Solução do
Problema do
Analphabetismo
Pág. 77 – 81
Catholicismo e
Analphabetismo
Pág. 82 – 84
O Catholicismo e A
Educão do Povo
Pág. 85 – 91
O Máximo Problema
Paulista
Pág. 92 – 96
Escolas para Adultos
Pág. 97 – 101
OESP 20/04/1920
– Pág.02
Os Propagandistas
Mais Necessários
Pág. 102 – 107
O Preparo Economico
Pág. 108 – 110
O Grande Dever
Pág. 111 – 114
O Novo Cyclo da Ra
Pág. 115 – 119
A Marcha de Uma
Grande Idéa
Pág. 120 – 124
O Exército e a Magna
Questão Nacional
Pág. 126 – 129
O Flagello da
Ignorância
Pág. 130 – 134
A Espinha Dorsal da
Nacionalidade
Pág. 135 – 140
OESP 01/06/1918
– Pág.03
A Vida Intellectual no
Brasil
Pág. 141 – 145
Uma Obra Nacional a
Emprehender
Pág. 146 – 151
175
Renovamento
Permanente ou
Decadência
Pág. 152 – 156
Mobilisação Nacional
Pacifica
Pág. 157 – 160
O Caminho a Seguir
Pág. 161 – 164
A Acção Mental
Necessária
Pág. 165 – 170
A Diffusão da Cultura
Paulista
Pág. 171 – 175
A Formação do
Espírito
Pág. 176 – 179
A Única Reforma de
Ensino Necessária
Pág. 180 – 184
A Acção Católica
Pág. 185 – 188
OESP 15/06/1920
– Pág.04
O Mestre Escola e as
Guerras Futuras
Pág. 189 – 192
A Mulher Brasileira e a
Educação Nacional
Pág. 193 – 196
A Grande Guerra
Nacional
Pág. 197 – 201
O Governo Nacional
Argentino e a
Instrucção Primária
Pág. 202 – 207
O Grande Problema
Nacional
Pág. 207 – 212
OESP 30/06/1918
– Pág.03
O Ideal Educativo
Pág. 213 – 216
A Lição de Latino
Coelho
Pág. 217 – 220
Um Quadro Negro
Pág. 221 – 222
Contrastes e
Confrontos
Pág. 223 – 226
176
Ministério Nacional de
Educação
Pág. 227 – 233
A Educação dos
Adultos
Pág. 234 – 240
Pareceristas
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________
Este livro foi submetido ao Edital 01/2020 do Programa de Pós-
graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, câmpus
de Marília e financiado pelo auxílio nº 0798/2018, Processo Nº
23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES. Contamos com o apoio
dos seguintes pareceristas que avaliaram as propostas recomendando a publicação.
Agradecemos a cada um pelo trabalho realizado:
Adriana Pastorello Buim Arena
Alessandra Arce Hai
Alexandre Filordi de Carvalho
Amanda Valiengo
Ana Crelia Dias
Ana Maria Esteves Bortolanza
Ana Maria Klein
Angélica Pall Oriani
Eliana Marques Zanata
Eliane Maria Vani Ortega
Fabiana de Cássia Rodrigues
Fernando Rodrigues de Oliveira
Francisco José Brabo Bezerra
Genivaldo de Souza Santos
Igor de Moraes Paim
José Deribaldo Gomes dos Santos
Jussara Cristina Barboza Tortella
Lenir Maristela Silva
Livia Maria Turra Bassetto
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz
Márcia Lopes Reis
Maria Rosa Rodrigues Martins de
Camargo
Marilene Proença Rebello de Souza
Mauro Castilho Gonçalves
Monica Abrantes Galindo
Nadja Hermann
Pedro Laudinor Goergen
Tânia Barbosa Martins
Tony Honorato
Comissão de Publicação de Livros do Edital 001/2020 do
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília
Graziela Zambão Abdian, Patricia Unger Raphael Bataglia,
Eduardo José Manzini e Rodrigo Pelloso Gelamo
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Lívia Mendes Pereira
Capa e diagramação
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Papel
Polén soft 80g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
Acabamento
Grampeado e colado
Tiragem
100
Este livro analisa a trajetória do jornalista Mario Pinto Serva e busca
compreender seu itinerário no campo educacional paulista das déca-
das de 1910 e 1920. Trata-se de um mapeamento e análise das ideias
apresentadas pelo publicista em um de seus principais espaços atuação,
o jornal O Estado de S. Paulo, e em seu livro A Educação Nacional, de
1924. O olhar atento a essas duas fontes permitiram a Alexandre Simão
descortinar aspectos que envolvem as estratégias articuladas pelo inte-
lectual para acessar os debates e os locais frequentados pelos educadores
do período, com destaque para a Liga Nacionalista de São Paulo e os
eventos da Associação Brasileira de Educação. Na trilha dessa investigação,
são levantadas e respondidas questões centrais: qual a relação entre as as-
sociações cívicas e prossionais na conguração do campo educacional?
Como ocorreu a aproximação entre o articulista e as guras de destaque
no cenário educacional paulista? Suas ideias e propostas estavam alinha-
das aos discursos dos agentes do campo? Quais competências o articu-
lista atribuiu às escolas, aos intelectuais e ao Estado no que se refere às
políticas de instrução pública?
Nesse percurso, o autor contribui para o debate acerca da congura-
ção das identidades prossionais no campo educacional paulista durante
a Primeira República (1889 -1930). Ao reforçar a importância da im-
prensa periódica como fonte de pesquisa, o livro também traz à tona
relevantes temáticas que podem fomentar estudos posteriores sobre os
intelectuais na área da História da Educação do Brasil.
MARIO PINTO SERVA
o intelectual e as fronteiras do campo educacional
(1915 – 1928)
Alexandre Simão é professor efetivo de
História na rede pública do Estado de
São Paulo desde 2012. Possui mestrado
em Educação pela Universidade Estadu-
al Paulista (UNESP) – campus Marília
e graduação em História pela Universi-
dade Estadual Paulista (UNESP) – cam-
pus de Assis. Realiza, desde a iniciação
cientíca, pesquisas que privilegiam o
uso da imprensa periódica como fonte e,
atualmente, tem se dedicado à História
da Educação no Brasil, com ênfase aos
estudos sobre a atividade intelectual e a
constituição das identidades prossionais
no campo educacional paulista.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
Nos últimos anos, temos no-
tado um crescimento importante no
uso da imprensa periódica como fon-
te pela historiograa dedicada ao es-
tudo dos intelectuais brasileiros e
sua atuação no campo educacional.
Seguindo nessa trilha, o livro de
Alexandre Simão se apoiou em um sóli-
do conjunto teórico e documental, ob-
jetivando compreender o itinerário do
jornalista Mario Pinto Serva no campo
educacional paulista dos anos 1910 e 1920.
Apresentando uma narrativa en-
volvente e fortemente ancorada aos re-
ferenciais metodológicos da pesquisa,
Mario Pinto Serva: o intelectual e as fron-
teiras do campo educacional (1915-1928)
analisa os artigos sobre educação publi-
cados pelo intelectual no jornal O Estado
de S. Paulo e em seu livro A Educação
Nacional (1924), para mapear e discutir
sua trajetória, as temáticas e as estraté-
gias que articulou para acessar os debates
e espaços frequentados pelos educadores
do período, com destaque para a Liga
Nacionalista de São Paulo e os eventos
da Associação Brasileira de Educação.
Ao explorar esse terreno fér-
til, o autor demonstra como a presença
de Mario Pinto Serva entre os atores e
nas arenas do debate educacional es-
teve vinculada à instituições que não
eram especícas da educação, mas que,
de modos distintos, atuaram na con-
guração do campo educacional paulista.
Além do seu objeto de estudo,
o livro visa contribuir trazendo temas e
questões que possam fomentar investi-
gações posteriores no campo da História
da Educação no Brasil.
MARIO PINTO SERVA: o intelectual e as fronteiras do campo educacional (1915 - 1928)
Alexandre Simão
ALEXANDRE SIMÃO