De que forma a escola trabalha as questões relacionadas à sexualidade?
entraves para a promoção da educação sexual nas escolas? De que
maneira a escola poderia contribuir para a superação de tabus e precon-
ceitos acerca das questões de gênero e sexualidade?
Este livro contém o resultado de uma pesquisa de Mestrado realizada no
âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC/UNESP
Marília. Aborda a temática da educação sexual nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, trazendo os principais conteúdos e discussões a
respeito desse tema, além de reexões importantes sobre o currículo
escolar e sobre práticas de professores/as em relação às questões ligadas
à sexualidade.
É nossa expectativa compartilhar estudos que possam contribuir para
um maior esclarecimento sobre a temática da educação sexual, especial-
mente no âmbito da infância, além de colaborar com a modicação nas
tomadas de decisões sobre o tema em questão.
EDUCAÇÃO SEXUAL
NA ESCOLA
currículo e práticas
Jessica Sampaio Fiorini
Jessica Sampaio Fiorini é graduada em
Pedagogia (2012) e Mestra em Educa-
ção (2016) pela Faculdade de Filosoa e
Ciências da Universidade Estadual Pau-
lista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/
FFC/Marília). Atuou como professora e
como professora coordenadora nos anos
iniciais do Ensino Fundamental. Atual-
mente, cursa o Doutorado no Programa
de Pós-Graduação em Educação Esco-
lar da Faculdade de Ciências e Letras
(UNESP/FCL/Araraquara). Integrante
do Núcleo de Estudos da Sexualidade
(NUSEX), realiza pesquisas na área da
Educação, com ênfase na temática da
educação sexual.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
Este livro resulta de pesquisa de
Mestrado realizada no âmbito do Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação
da FFC/UNESP – Marília, sendo orga-
nizado em três capítulos.
Em “Educação Sexual na Escola:
abordagens educacionais e currículo”,
apresenta-se um breve histórico, além de
importantes discussões quanto ao pro-
cesso de inclusão do tema da sexualidade
no currículo escolar.
No segundo capítulo, “Sexua-
lidade, Gênero e Infância: o processo de
difusão e imposição de modelos hege-
mônicos no decorrer da História”, são
discutidos aspectos que possibilitam a
reexão sobre as condutas e concepções
ligadas à sexualidade.
O terceiro capítulo, “A Educação
Sexual no Ensino Fundamental na Fala
de Professores/as: um estudo envolven-
do educadores/as de uma escola da rede
municipal de Marília-SP”, expõe a aná-
lise sobre entrevistas com professores/as
de uma escola de Marília-SP, lócus da
pesquisa realizada.
Educação Sexual na Escola: currí-
culo e práticas possibilita reexões teóri-
cas e práticas sobre o assunto em ques-
tão, podendo contribuir tanto com os
estudos acerca da educação sexual quan-
to com as decisões relacionadas ao currí-
culo escolar frente às demandas ligadas à
sexualidade.
EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA
currículo e práticas
Jessica Sampaio Fiorini
EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA
CURCULO E PRÁTICAS
JESSICA SAMPAIO FIORINI
EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA
CURRÍCULO E PRÁTICAS
JESSICA SAMPAIO FIORINI
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2020
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
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Vice-Diretor
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UNESP/Marília
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Patrícia Unger Raphael Bataglia
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Rodrigo Pelloso Gelamo
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Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Imagem de capa: https://www.pngwing.com/pt/free-png-czsno
Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Fiorini, Jessica Sampaio.
F521e Educação sexual na escola: currículo e práticas / Jéssica Sampaio Fiorini. Marília : Oficina
Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2020.
197 p.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-86546-78-1 (Impresso)
ISBN: 978-65-5954-006-8 (Digital)
1. Educação sexual. 2. Ensino fundamental. 3. Currículos. I. Título.
CDD 372.372
Copyright © 2020, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Aos meus pais, Arnaldo e Solange,
e às minhas irmãs, Rebeca e Bianca:
meu pequeno grande time.
A sexualidade, enquanto possibilidade de caminho e
alongamento de nós mesmos, de produção de vida e
de existência, de gozo e de boniteza, exige de nós essa
volta crítico-amorosa, essa busca de saber de nosso
corpo. Não podemos estar sendo, autenticamente, no
mundo e com o mundo, se nos fechamos medrosos e
hipócritas aos mistérios de nosso corpo ou se o
tratamos, aos mistérios, cínica e irresponsavelmente.
Paulo Freire
Sumário
PREFÁCIO..........................................................................................11
INTRODUÇÃO ................................................................................. 13
CAPÍTULO 1 EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA: ABORDAGENS
EDUCACIONAIS E CURRÍCULO ................................................... 29
1.1 Parâmetros Curriculares Nacionais e a oficialização da sexualidade
no currículo brasileiro ....................................................................... 29
1.2 Educação sexual como parte do currículo escolar brasileiro: breve
histórico ........................................................................................... 35
1.3 Gênero e sexualidade: abordagens educacionais .......................... 47
1.4 Educação sexual: uma discussão necessária à escola ..................... 63
CAPÍTULO 2 SEXUALIDADE, GÊNERO E INFÂNCIA: O
PROCESSO DE DIFUSÃO E IMPOSIÇÃO DE MODELOS
HEGEMÔNICOS NO DECORRER DA HISTÓRIA ...................... 73
2.1 Religião e sexualidade ................................................................. 76
2.2 Sexualidade e o aburguesamento da sociedade ............................ 86
2.3 Sexualidade na contemporaneidade ............................................ 94
2.4 Gênero e sexualidade .................................................................. 97
2.5 Infância e sexualidade ............................................................... 103
CAPÍTULO 3 A EDUCAÇÃO SEXUAL NO ENSINO
FUNDAMENTAL NA FALA DE PROFESSORES/AS: UM ESTUDO
ENVOLVENDO EDUCADORES/AS DE UMA ESCOLA DA REDE
MUNICIPAL DE MARÍLIA-SP ....................................................... 117
3.1 Um olhar sobre os sujeitos entrevistados ................................... 117
3.2 Considerações sobre a entrevista e sua transcrição ..................... 119
3.3 Relatos de experiência com a sexualidade na escola: manifestações
e práticas ........................................................................................ 121
3.4 Currículo destinado à educação sexual nos anos iniciais do Ensino
Fundamental: conteúdos e perspectivas .......................................... 131
3.5 Conceitos: sexualidade e educação sexual .................................. 140
3.6 Necessidade de educação sexual na escola ................................. 147
3.7 Entraves para a educação sexual na escola ................................. 153
3.8 Relatos de memórias sobre a educação sexual dos/as educadores/as
....................................................................................................... 164
3.9 Medidas importantes para o trabalho com a sexualidade na escola
segundo os/as entrevistados/as ........................................................ 168
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 171
REFERÊNCIAS ................................................................................. 181
APÊNDICE A ROTEIRO DE ENTREVISTA - Professor/a .......... 193
11
PREFÁCIO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____
Este texto é resultado de importante pesquisa realizada em nível de
Mestrado que versa sobre tema de alta relevância e atualidade, a Educação
Sexual nas séries iniciais do Ensino Fundamental. A autora analisou o
currículo da escola para constatar se o tema estava explícito e ouviu os/as
professores/as, que expressaram dificuldades para o desenvolvimento de
práticas pedagógicas relacionadas ao tema. Trata-se, ainda, de um tema
que se constitui num tabu, apesar de estar contemplado, desde os anos de
1990, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998).
Como foi constatado, os/as professores/as não tiveram formação
sobre o tema tanto na formação inicial quanto na formação continuada
daí decorre a dificuldade para trabalhar com ele. Como outras pesquisas
descortinaram e esta pesquisa também constatou, as professoras não
tiveram uma formação sobre sexualidade nem mesmo junto a suas famílias
quando eram crianças ou adolescentes.
Falar sobre sexualidade, nas escolas, exige um trabalho conjunto
entre a escola e as famílias, podendo-se esclarecer como agir com as
demonstrações de sexualidade que têm acontecido cada vez mais cedo na
infância. O tratamento desse tema, na escola, serve para que alunas e
alunos possam receber informação e formação, possibilitando segurança e
apoio sobre esse tópico importante que, por vezes, só recebe atenção por
meio da mídia ou de colegas.
Outra questão importante para o desenvolvimento da educação
sexual nas escolas, como pesquisas demonstraram, diz respeito ao problema
12
da violência intrafamiliar que ocorre em muitos lares e, frequentemente, é
silenciada. Com essa formação, a criança pode constatar se está sendo
vítima desse tipo de violência e recorrer à escola.
Pelo exposto e pelos resultados da pesquisa, podemos constatar a
importância do trabalho sobre o tema na escola. Esta pesquisa contribui
para o repensar do trabalho pedagógico e do currículo pela escola, além de
cada docente e famílias repensarem a educação que estão possibilitando
para as crianças que, no seu processo de socialização, necessitam se
conhecer e receber a formação necessária para, quando adultas/os,
vivenciarem sua sexualidade plenamente como um direito.
Outra contribuição diz respeito a trazer elementos para serem
investigados por outras pesquisas, pois há, também, no âmbito desses
trabalhos acadêmicos, carência de estudos. Com a publicação dos
resultados desta pesquisa, essa contribuição se maior ainda, trazendo à
tona a reflexão crítica sobre um tema relevante e atual. Parabenizando a
autora, desejamos que todos os leitores e leitoras possam refletir sobre essa
problemática e desenvolver tanto práticas pedagógicas tão necessárias no
processo de socialização das crianças quanto se motivarem para o
desenvolvimento de outros estudos a respeito deste importante tema.
Prof.ª Dra. Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
(Orientadora da presente pesquisa)
13
INTRODUÇÃO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ____________ ___________ _____
Este estudo parte de uma perspectiva sobre a sexualidade que não
está limitada ao ato sexual ou ao sistema reprodutivo, mas sim dentro de
um princípio mais abrangente, conforme a definição assinalada por
Ribeiro (2005), que concebe que a sexualidade abarca questões subjetivas,
envolvendo as relações de gênero, os sentimentos, o desejo, a busca pelo
prazer, entre outros aspectos. Todavia, a família, a escola e a Igreja, dentre
outras instituições sociais, vêm reforçando o tabu de que a sexualidade não
está muito distante dos tempos atuais. Sendo assim, a sexualidade humana
geralmente é compreendida socialmente de forma limitada, sendo
desconsiderados diversos fatores intrínsecos ao tema. Conforme Castro e
Silva (2002, p. 87):
Através do esconder, desmentir e ocultar, instituições como a família,
igreja, escola e algumas ligadas à área da saúde vêm construindo, através
dos séculos, a cultura da ignorância, que faz com que tenhamos
chegado ao final do milênio sem estarmos à vontade com nossa própria
sexualidade, pois não a conhecemos bem.
Segundo Ribeiro (2002) e Souza (1997), as concepções, noções e
condutas sociais acerca da sexualidade, na passagem de cada período
histórico, foram se construindo socialmente a partir de instituições,
correntes ou grupos que difundiam comportamentos sexuais, baseando-se
seja em dogmas religiosos, seja em pesquisas científicas com cunho
médico-higienista.
14
Essa concepção foi modificada ao passo que os Movimentos
Sociais, ocorridos a partir da década de 1980, influenciaram nas posturas
relacionadas à sexualidade, vinculando-a aos ideais de liberdade
(RIBEIRO, 2002).
Ao mesmo tempo, duas das principais preocupações para a
sociedade, vividas naquele período, eram a gravidez indesejada e a
contração de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) pelos/as jovens.
É nesse momento que a educação sexual passa a fazer parte da agenda das
políticas curriculares nacionais.
Até a sua introdução no currículo escolar brasileiro, houve um
período de diversas tentativas e iniciativas de implementação da educação
sexual nas escolas, sempre refreadas pelas instâncias superiores, nas quais a
concepção limitada a respeito da sexualidade ainda se fazia presente, como
assinalam Sayão (1997); Werebe (1998) e Guimarães (1995).
A mídia, por sua vez, contribuiu para que isso ocorresse com a
instauração de uma concepção superficial sobre a sexualidade, sendo esta
utilizada via propaganda, até mesmo como um recurso auxiliador nas
vendas de produtos (RIBEIRO, 1990).
Foi então que, na década de 1990, a sexualidade foi introduzida
oficialmente no currículo educacional brasileiro, sendo proposta como um
tema transversal para ser trabalhado por meio da “Orientação Sexual”,
conforme consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), os quais
constituem-se como uma política curricular do Conselho Nacional de
Educação (CNE), sendo um instrumento norteador das práticas docentes
para o terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental.
A escola, por sua vez, configura-se como um espaço de vivência e
convívio, onde se passa parte significativa da vida (infância e adolescência).
15
Assim, as expressões da sexualidade, bem como as curiosidades sobre essa
questão, ocorrem nesse espaço, bem como em qualquer outro lugar.
Porém, a escola vem reproduzindo uma postura repressora sobre a
sexualidade por meio de práticas docentes que ora omitem informações,
ora transmitem concepções limitadas acerca do tema. Conforme Santos e
Bruns (2000, p. 102), é possível perceber que o educador, em seu
cotidiano, muitas vezes prefere ignorar quaisquer manifestações da
sexualidade que possam atrapalhar o andamento de suas aulas; em outras
vezes, manda o aluno para fora da sala de aula com severa repreensão”.
Por outro lado, na tentativa de trabalhar o tema no âmbito escolar,
muitas vezes são transmitidas ideias limitadas sobre o assunto,
relacionando-o ora apenas ao sistema reprodutivo, quando abordado em
disciplinas da área de Ciências Biológicas, ora às ISTs, quando trabalhado
em palestras isoladas conduzidas, geralmente, por profissionais da área da
saúde. Entretanto, essas práticas seriam ainda insuficientes para o devido
esclarecimento dos/as educandos/as a respeito do tema. (GAGLIOTTO;
LEMBECK, 2011)
Além disso, esse tipo de abordagem auxilia na reprodução de
preconceitos e tabus sexuais. Segundo Suplicy (1999), os medos e
preconceitos dificultam o conhecimento e sua utilização acerca da
sexualidade. Dessa forma, segundo a autora, é necessário transcendê-los,
desmistificando esses velhos conceitos e abrindo caminhos para os
conhecimentos que formarão a nova visão do sujeito sobre a sexualidade.
Em realidade, de acordo com Ribeiro (1990); Santos e Bruns
(2000); Castro e Silva (2002); e Figueiró (2006), a escola deveria
proporcionar espaços nos quais temas relacionados à sexualidade fossem
discutidos, sendo a diversidade de opiniões entre educandos/as um ponto
enriquecedor da aprendizagem e importante para um maior
16
esclarecimento sobre o assunto em questão. Para os/as pesquisadores/as
citados/as, as questões sexuais deveriam ser abordadas de forma crítica,
num contexto no qual existisse liberdade de expressão, pensamentos e
opiniões, de maneira que não fossem impostos valores por parte da equipe
escolar, mas sim que fossem oferecidos conhecimentos e opções para que
o/a próprio/a educando/a fosse capaz de escolhê-los responsável e
conscientemente.
Tendo em vista os aspectos supracitados, é possível identificar que
o fato de que a sexualidade esteja contemplada nos PCNs (BRASIL, 1998)
não é suficiente para a sua efetiva inserção no contexto escolar, seguindo
uma abordagem para além dos princípios biológicos e higienistas. Isso
ocorre porque existem entraves na realidade da escola que dificultam essa
abordagem mais ampla em educação sexual. Essas dificuldades estão
relacionadas, segundo alguns/mas autores/as, primeiramente, a um déficit
na formação do/a professor/a e de outros membros da equipe escolar, os/as
quais não teriam conhecimentos suficientes para abordar o tema de forma
adequada. Além disso, a resistência por parte da família dos/as
educandos/as também é apontada como uma das dificuldades sentidas
pelos docentes, visto que se trata de um assunto que está envolto em valores
próprios de cada família. (SANTOS; BRUNS, 2000; FIGUEIRÓ, 2006)
Por outro lado, em relação às diretrizes normativas, para além dos
PCNs (BRASIL, 1998), outras políticas educacionais têm instigado
discussões acerca das questões de gênero e sexualidade na escola. Dentre
elas, o Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2014-2024,
promulgando a Lei 13.005/2014, após um processo de tramitação que
ocorria desde 2010 para a aprovação do Projeto de Lei. No Plano, foi
apontada, como uma de suas propostas, “a superação das desigualdades
17
educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de
gênero e de orientação sexual”.
Todavia, conforme Nunes (2015, p. 1241, grifo da autora): “no
correr das votações no Congresso, o texto acabou alterado e a redação final
aprovada refere genericamente: à superação das desigualdades
educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de
todas as formas de discriminação”. E, dessa forma, excluíram-se da
redação gênero e sexualidade, fato que desagradou grupos e estudiosos/as
da área que reivindicam a inclusão da discussão sobre essas questões em
âmbito social.
Segundo Nunes (2015), grupos religiosos e conservadores
estiveram entre os responsáveis pelas modificações, diga-se de passagem,
nada neutras sobre a proposta do PNE. Além disso:
Ativistas contrários à inclusão de gênero e dos direitos LGBT presentes
à sessão da Comissão especial sobre o PNE, da Câmara dos Deputados,
que apreciaram e votaram o projeto de lei portavam cartazes de
explícito repúdio à ideologia de gênero. Alguns deles diziam:
“Gênero não!” ou “Não à ideologia de gênero!” (NUNES, 2015, p.
1243).
Esse repúdio às questões de gênero, ou até à palavra gênero, não se
deu somente com relação ao PNE, visto que diversos Planos Municipais
de Educação (PMEs) também receberam as mesmas críticas em seus textos.
Dentre eles, o PME de Marília, no estado de São Paulo, que, ao ser
tramitado para aprovação pelo município, recebeu diversas críticas,
advindas, especialmente, de grupos religiosos conservadores. Diante disso,
a Diocese da Igreja Católica da região divulgou uma nota dizendo o
seguinte:
18
A ideologia de gênero subverte o conceito de família, que tem seu
fundamento na união estável entre homem e mulher, ensinando que a
união homossexual é igualmente núcleo fundante da instituição
familiar.
As consequências da introdução dessa ideologia na prática pedagógica
das escolas contradiz frontalmente a configuração antropológica de
família, transmitida há milênios em todas as culturas. Isso submeteria
as crianças e jovens a um processo de esvaziamento de valores
cultivados na família, fundamento insubstituível para a construção da
sociedade.
Diante dessa grave ameaça aos valores da família, esperamos dos
governantes do Legislativo e Executivo uma tomada de posição que
garanta, para as novas gerações, uma escola que promova a família tal
como a entendem a Constituição Federal (artigo 226) e a tradição
cristã, que moldou a cultura brasileira (REGIONAL SUL 1/CNBB,
2015).
Os Bispos assinalam, ainda, que os Planos Municipais deveriam
seguir o PNE, no qual as questões de gênero já haviam sido excluídas das
redações.
Assim, alguns vereadores propuseram emendas que excluiriam a
palavra gênero do PME de Marília, sendo encontrada a solução para a
substituição da palavra gênero pela palavra sexo. Com a aprovação
unânime dos vereadores, foi aprovado o PME mariliense, sendo excluída
qualquer proposição em relação às políticas de gênero.
As questões relacionadas à sexualidade também estiveram ausentes
da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil e
o Ensino Fundamental, promulgada em 2017 (BRASIL, 2017). De acordo
com Silva (2020), a versão anterior à oficial mencionava o tema da
sexualidade, embora ainda de forma limitada, inserido num rol de
19
temáticas denominadas “contemporâneas”. A retirada do tema da
sexualidade da BNCC para as etapas da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental, conforme o autor, se deu em decorrência de pressões
advindas de grupos conservadores religiosos.
Nesse sentido, justifica-se, mais uma vez, a importância de que
sejam continuados os estudos sobre o tema em questão, considerando os
diversos entraves a serem superados para a implementação de políticas
curriculares que tratem das questões de gênero e sexualidade,
compreendendo o currículo não como uma simples seleção e organização
didática de conteúdos, mas como: “[] um projeto seletivo de cultura,
cultural, social, política e administrativamente condicionado, que
preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições
da escola tal como se acha configurada” (SACRISTÁN, 2000, p. 36).
Além disso, tomando como base as considerações de Cação (2012),
que tangem à função da escola como a de contribuir para a transformação
da realidade, o que deveriam ser aprendidos nas escolas não são apenas
conteúdos formais, conforme já dito, mas sim as atitudes próprias de um
sujeito consciente e crítico. E é a partir dessa perspectiva que se
compreende que as questões de gênero e sexualidade devem adentrar o
currículo escolar.
É preciso que as crianças possam “tomar a chefia” de sua identidade
sexual, que vivenciem com autenticidade sua sexualidade, sem medos, sem
preconceitos e simplesmente sendo. Que a sintam como uma
oportunidade de deleitar a vida, as descobertas e os aprendizados. É preciso
que as crianças percebam as diferenças como um meio de ampliar seus
horizontes. Que valorizem a troca de vivências, de gostos, de maneiras de
se sentirem felizes. É preciso que as crianças critiquem aquilo que as
aprisiona de si mesmas, que as impede de se encontrarem e de
20
experienciarem. No entanto, é claro, conscientes dos cuidados e atitudes
importantes para se prevenirem dos riscos da vida, mas que sua sexualidade
não se limite a elas. Esse deveria ser o sentido da educação sexual e da
escola, um espaço privilegiado do encontro com diferentes, podendo esse
sentido ser o precursor da ideia supracitada.
O interesse por tal temática surgiu por meio de questionamentos
pessoais relativos a um problema encontrado por mim em minha realidade
nos Ensinos Fundamental e Médio, concluídos em escolas públicas na
cidade de Marília, ao considerar minhas experiências escolares e o fato de
que não tivera a possibilidade de discutir, de maneira natural e
significativa, a sexualidade durante toda minha vivência na escola de
educação básica.
Com quem falar? O silêncio sobre o assunto já me dizia muito
sobre ele. A minha concepção era a de que as meninas deveriam ser
delicadas e, quando adolescentes, cuidar de sua beleza e de seu corpo! Ao
crescerem, não deveriam se esquecer de que teriam que saber cozinhar,
como todas as mulheres. “Beijo na boca? Só quando moça.” “Sexo? Isso é
para pessoas casadas.” “O que é? Como é?” “Não pense nisso!”. Mas ora:
uma garota que vem de uma família que não é adepta de nenhuma religião
específica, nos tempos atuais, como poderia ter tantos grilos em relação à
sexualidade? Pois bem! Não dá para saber, ao certo, como foi nem quando
foi que percebi a sexualidade se construindo em mim enquanto um tabu.
E quem me faria refletir sobre tudo isso? E quem diria que não era
bem assim? Que a minha identidade é minha e que ninguém pode ser por
ela? Quem me diria que não seria feio quando precisasse gritar? Que não é
pecado se deleitar com a vida e se apaixonar?
21
Dentro de casa, o silêncio. Na televisão, aqueles modelos
tradicionais de mulheres, de beleza, de comportamentos. E na escola, por
sua vez, não foi proporcionada nenhuma discussão que me instigasse a
pensar sobre todas essas questões. No máximo, o que me lembro, era de
palestras sobre doenças perigosas que a vivência da sexualidade poderia me
ofertar.
As autoindagações me chegaram tardias, mas fizeram com que eu
refletisse sobre como teria sido se eu, antes, tivesse me perguntado o
porquê. Ou se naqueles tempos de criança e adolescente houvesse alguém
que me dissesse que não tinha que ser daquele jeito e que não era “feio
conhecer sua sexualidade.
Assim, quando cursava o primeiro ano de Pedagogia, da UNESP,
tive que elaborar um trabalho requisitado por uma disciplina denominada
Metodologia do Trabalho Científico, ministrada pela professora Neusa
Maria Dal Ri. A princípio, o foco na realização desse trabalho era o de
conhecer algumas normas técnicas de pesquisa e registro. Porém, ao decidir
sobre o tema a ser pesquisado, recordei-me das minhas inquietações.
Havia, também, a possibilidade de fazê-lo em conjunto com um/a colega
da turma. Juntei-me à minha amiga e percebemos que ambas tínhamos
interesse pela temática da sexualidade na escola.
No processo de elaboração da monografia, eu e essa minha amiga
trocávamos muitas informações e experiências sobre a forma como fomos
educadas em relação à sexualidade e, muito embora tivéssemos uma
diferença de idade de mais de trinta anos, percebemos que havíamos
passado por algumas vivências semelhantes, tais como a falta de diálogo e
orientação por parte da família, o que não era muito diferente em relação
à escola.
22
Além disso, ao longo de minha formação, ou mesmo em alguns
momentos vividos a partir da minha prática, seja como estagiária do curso
de Pedagogia, seja como professora, posteriormente pude presenciar
algumas situações em relação às manifestações da sexualidade infantil, bem
como às práticas de professores/as referentes a essas questões.
O contato com profissionais da área, com alguns/mas
professores/as pelos/as quais tive a oportunidade de ouvir alguns relatos de
experiências, também influenciou, de alguma forma, minhas percepções
acerca do tema.
Nesse sentido, despertou-se o interesse em pesquisar e estudar a
temática da educação sexual no Ensino Fundamental em relação à cidade
de Marília SP, em especial em minha área de atuação, qual seja, os anos
iniciais do Ensino Fundamental.
Assim, ao se refletir sobre os aspectos supracitados, fora formulada
a questão-base que orientou a pesquisa, qual seja: como a sexualidade é
abordada pelos/as professores/as nas escolas de educação básica da cidade
de Marília, especificamente referente à etapa dos anos iniciais do Ensino
Fundamental?
A escolha do lócus que representaria a pesquisa se deu a partir do
contato enquanto aluna, estagiária e professora de escolas municipais da
cidade de Marília, conforme já assinalado, visto que a educação sexual
tornou-se, para mim, uma preocupação pessoal e profissional,
considerando que, em parte, minha educação em relação à sexualidade foi
formulada em escolas municipais marilienses. Por outro lado, minha
prática profissional também foi constituída no contexto da rede municipal
de ensino da cidade de Marília.
23
A opção pela escola envolvida na pesquisa ocorreu mediante a
constatação de bons desempenhos em avaliações externas referentes a essa
escola, demonstrados pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB), calculado nos últimos anos. Não ignorando a ampla discussão
articulada entre os/as pesquisadores/as da área de gestão e políticas
educacionais, que criticam a representatividade de tais índices quanto à
qualidade da educação, os índices das avaliações externas são recursos
existentes para o conhecimento de dados acerca do desempenho escolar.
Nesse sentido, pensou-se ser proveitoso envolver, na pesquisa sobre as
práticas em relação à educação sexual, uma escola que é considerada de
qualidade, conforme a forma como a política educacional brasileira avalia
essa questão.
A escola, como visto anteriormente, configura-se em um dentre os
vários espaços e aparatos existentes que podem influenciar a forma como
o sujeito compreende e vive sua sexualidade. A partir da inserção de um
tema como esse no currículo escolar, proposto em uma das principais
políticas curriculares norteadoras das práticas docentes da educação básica,
em âmbito nacional, julga-se ser necessária a realização de pesquisas que,
de alguma forma, forneçam o conhecimento sobre como as escolas
abordam os assuntos relacionados ao tema da sexualidade, respeitando-se
as diferentes realidades e as particularidades de cada etapa da educação.
Sendo assim, o objetivo da pesquisa foi de identificar como a
questão da sexualidade é abordada pelo/as professores/as no espaço escolar,
especificamente com relação à etapa dos anos iniciais do Ensino
Fundamental de uma escola pública da cidade de Marília SP,
Para tanto, estes foram os objetivos específicos da presente
pesquisa:
24
Conhecer o processo de inserção da educação sexual nas
políticas curriculares;
Compreender as principais discussões e concepções envolvidas
na temática em questão;
Identificar quais são as práticas de professores/as dos anos
iniciais do Ensino Fundamental do município de Marília acerca da
educação sexual na escola;
Compreender qual o tipo de abordagem da educação sexual
presente nessas práticas;
Identificar os conhecimentos e conceitos dos/as professores/as
relacionados ao currículo no que se refere ao tema em questão, à
sexualidade e à educação sexual;
Conhecer as possíveis dificuldades que a escola na qual são
ofertados os anos iniciais do Ensino Fundamental enfrenta para a
efetiva abordagem do tema sexualidade em seu espaço;
Conhecer como foi a educação sexual dos/as professores/as
envolvidos/as, de forma a estabelecer relações com suas práticas e
concepções;
Conhecer a opinião dos sujeitos envolvidos acerca da
necessidade de se abordar a sexualidade na escola.
Para alcançar os objetivos explicitados, bem como para resolver as
questões formuladas, pensou-se acerca da metodologia que poderia ser
utilizada no tratamento das informações da pesquisa.
Dessa forma, considerando seus objetivos, bem como os
procedimentos de coleta de dados e sua natureza, foi desenvolvida uma
pesquisa de campo, de caráter bibliográfico e com abordagem qualitativa.
25
Assim, na etapa de revisão bibliográfica, buscou-se seguir as
considerações de Marconi e Lakatos (2003), quando foram realizadas
investigações e estudos por meio da identificação, localização, compilação
e fichamento do material bibliográfico referente ao conhecimento já
produzido por estudiosos/as e pesquisadores/as da área a respeito do tema
da presente pesquisa.
Tendo em vista a intenção de se obter maior proximidade com o
objeto de estudo, foi realizada uma pesquisa de campo, utilizando-se
entrevistas como instrumento de coleta de dados, nesta etapa, cujo
planejamento e execução foram baseados nas considerações de Rosa e
Arnoldi (2008) acerca da técnica.
Assim, as entrevistas realizadas foram do tipo semiestruturado,
mantendo-se certa flexibilização, o que permitiu algumas adaptações
necessárias, mas que partiu de um roteiro, o qual auxiliou no seguimento
lógico das entrevistas que foram registradas e, posteriormente, transcritas.
Os sujeitos da pesquisa são dezoito professores/as da escola
envolvida na pesquisa com professores/as de sala, professores/as de língua
estrangeira e professores/as de Educação Física.
As informações e conhecimentos possibilitados por meio das
técnicas e procedimentos realizados foram interpretados tanto
individualmente quanto de forma a possibilitar o estabelecimento de
relações entre si à luz do referencial teórico estudado a partir da pesquisa
bibliográfica.
Os resultados obtidos por meio da etapa de revisão bibliográfica
foram analisados mediante os apontamentos feitos por Marconi e Lakatos
(2003), quando os dados coletados foram criticados e interpretados para
posterior redação da dissertação que culminaria neste livro.
26
Para a análise dos dados e resultados da pesquisa referentes às
entrevistas realizadas, optou-se pela técnica de análise de conteúdo,
baseando-se em Ludke e André (1986); Franco (2008); e em Bardin
(2002). Essa técnica tem a mensagem como foco de análise.
Quanto à definição das unidades de análise a serem utilizadas
Unidade de Registro e Unidade de Contexto –, tem-se quea Unidade de
Registo é a menor parte do conteúdo, cuja ocorrência é registrada de
acordo com as categorias levantadas.” (FRANCO, 2008, p. 41). Quanto
às Unidades de Contexto, “[…] podem ser consideradas como um pano
de fundoque imprime significado às Unidades de Análise” (FRANCO,
2008, p. 46).
A Unidade de Registro escolhida foi o tema “o Tema é uma
asserção sobre determinado assunto. Pode ser uma simples sentença
(sujeito e predicado), um conjunto delas ou um parágrafo (FRANCO,
2008, p. 42). A Unidade de Contexto foi definida ao passo que foram
estudadas as questões conceituais e históricas à luz do referencial teórico a
respeito do tema da pesquisa.
A partir da intenção de categorizar o material obtido pelas
entrevistas, seu roteiro fora elaborado de forma a contemplar os objetivos
da presente pesquisa, sendo organizado a partir de temas elencados
anteriormente à coleta de dados, mas que poderiam ser modificados, ao
passo que outros assuntos fossem percebidos na análise das transcrições.
Assim, foram realizadas leituras e releituras sobre os dados obtidos
por meio das entrevistas, detectando-se as temáticas mais frequentes, o que
culminou na organização de categorias temáticas. Para Bardin (2002, p.
117):
27
A categorização é uma operação de classificação de elementos
constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por
reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios
previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes as quais
reúnem um grupo de elementos (unidades de registo no caso da análise
de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efectuado em
razão dos caracteres comuns destes elementos.
A etapa posterior à categorização dos elementos do texto
constituiu-se na análise dos dados identificados pela técnica de análise de
conteúdo sobre as entrevistas e na interpretação desses, sendo formuladas
questões e reflexões, estabelecendo-se relações com a literatura consultada
a respeito do tema da pesquisa, para que fossem concretizadas as possíveis
conclusões.
O primeiro capítulo do livro, intitulado 1 EDUCAÇÃO
SEXUAL NA ESCOLA: abordagens educacionais e currículo, por meio
de quatro subitens, quais sejam: 1.1 Parâmetros Curriculares Nacionais e
a oficialização da sexualidade no currículo brasileiro”; 1.2 Educação
sexual como parte do currículo escolar brasileiro: breve histórico”; “1.3
Gênero e sexualidade: abordagens educacionais”; 1.4 Educação sexual:
uma discussão necessária à escola, aborda a institucionalização do tema
da sexualidade oficializada pelos PCNs, apresentando um breve histórico
quanto ao assunto, bem como as principais discussões dos/as autores/as
quanto à inserção do tema da sexualidade no espaço escolar.
Na busca pela compreensão acerca das condutas e atitudes quanto
às questões referentes à sexualidade, bem como à sexualidade na infância,
o segundo capítulo do livro, denominado 2 SEXUALIDADE, GÊNERO
E INFÂNCIA: o processo de difusão e imposição de modelos hegemônicos
no decorrer da História, foi elaborado na tentativa de apresentar algumas
28
concepções que, no decorrer da História, tiveram e têm alguma influência
na conduta sexual das pessoas e sobre a forma como elas compreendem a
sexualidade, as questões de gênero e infância. Assim, esse item é
subdividido em: 2.1 Religião e sexualidade”; 2.2 Sexualidade e o
aburguesamento da sociedade”; 2.3 Sexualidade na contemporaneidade;
2.4 Gênero e sexualidade; e “2.5 Infância e sexualidade”.
No terceiro capítulo, denominado 3 A EDUCAÇÃO SEXUAL
NO ENSINO FUNDAMENTAL NA FALA DE PROFESSORES/AS:
um estudo envolvendo educadores/as de uma escola da rede municipal de
Marília-SP”, são expostas a análise e a discussão sobre entrevistas realizadas
com professores/as de uma escola da rede municipal de ensino de Marília,
lócus da presente pesquisa, a qual trabalha com a educação de primeiro ao
quinto ano do Ensino Fundamental. Nesse item, são discutidas algumas
questões a partir das seguintes categorias: Relatos de experiências com a
sexualidade na escola: manifestações e práticas”; Currículo destinado à
educação sexual: conteúdos e perspectivas”; Conceitos: sexualidade e
educação sexual”; Necessidade de educação sexual na escola”; Entraves
da educação sexual na escola”; Relatos de memórias sobre a educação
sexual dos/as educadores/as”; Medidas importantes para o trabalho com
a sexualidade na escola segundo os/as entrevistados/as”.
Por fim, espera-se que a pesquisa materializada neste livro possa
proporcionar a formulação de novos conhecimentos acerca do tema da
educação sexual.
29
CATULO 1
EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA:
A
BORDAGENS EDUCACIONAIS E CURRÍCULO
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ _______________ ____________ ____________ ____________________ ____________ _______________ ____________ ____________ _____________________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ _______________ _________
Neste capítulo, está contida, primeiramente, a explanação sobre o
processo de inserção do tema da sexualidade no currículo escolar a partir
das políticas curriculares que culminaram na formulação dos PCNs
(BRASIL, 1998).
Em seguida, é apresentado um breve histórico acerca dos entraves,
bem como das lutas pela inserção da sexualidade nos PCNs (BRASIL,
1998), incluindo-se experiências de educação sexual em escolas realizadas
anteriormente à sua oficialização no currículo.
Posteriormente, propõem-se algumas reflexões, à luz de
pesquisadores/as da área, acerca das questões de gênero e suas implicações
no campo da educação.
Por fim, apresentam-se algumas discussões e reflexões sobre a
forma como a sexualidade é abordada pelas escolas de acordo com o
referencial teórico utilizado nesta pesquisa.
1.1 Parâmetros Curriculares Nacionais e a oficialização da sexualidade
no currículo brasileiro
No período de redemocratização do país, em especial na década de
1980, havia uma expectativa social em relação às modificações que
30
poderiam ocorrer nas instituições sociais, as quais estariam em
conformidade com a transformação política vivida naquele período.
Embora o autoritarismo ainda se fizesse presente em algumas instâncias,
muitos governantes começaram a buscar modificações no âmbito
educacional com o objetivo de reestruturar a educação pública. Essas
transformações abarcavam questões que se referiam até mesmo ao
currículo escolar (BONAMINO; MARTÍNEZ, 2002).
Ao mesmo tempo, o cenário mundial era de reformulações de
políticas voltadas à economia e às questões sociais. Nesse contexto, o Brasil
passou a participar de eventos internacionais que abordavam o debate
sobre as políticas para a educação, dentre os quais a Conferência Mundial
sobre Educação para Todos, realizada no ano de 1990, em Jomtien, na
Tailândia. O relatório da UNESCO, a partir da Conferência, apontava
que juntamente com os desenvolvimentos científico, econômico, social e
material caracterizados naquele momento, alguns problemas foram,
também, desencadeados, como, por exemplo, o desemprego, a exclusão e
as desigualdades sociais. Nesse sentido, a educação foi contemplada no
documento como um instrumento indispensável para a resolução dos
conflitos sociais vividos naquele período histórico (JACOMELI, 2004).
Assim, além dos debates no âmbito internacional a respeito do
papel da educação, a perspectiva de redemocratização vivida no país
também influenciou na formulação de alguns estatutos legais norteadores
das práticas educacionais, primeiramente sobre a Constituição Federal (CF)
de 1988 e, posteriormente, sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), de 1996. Ambos os instrumentos
normativos abordavam a necessidade de se fixarem conteúdos mínimos a
serem trabalhados no Ensino Fundamental com a finalidade de garantir a
unidade de uma formação básica em conformidade com a existência de
31
conteúdos diversificados, respeitando-se as diferentes realidades escolares
(BONAMINO; MARTÍNEZ, 2002).
Até aquele momento, o Ensino Fundamental era organizado
seguindo-se o Conselho Nacional de Educação (CNE) e a Câmara de
Educação Básica (CEB). E é nesse contexto, na segunda metade da década
de 1990, que foram consolidadas as políticas curriculares nacionais pelo
Ministério da Educação e do Desporto (MEC), materializando-se nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Neles, estão contidos conceitos
e concepções pedagógicas, além de orientações didáticas destinadas ao/às
professores/as e educadores/as com o propósito de “[] apontar metas de
qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão
participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres
(BRASIL, 1998, p. 7).
Assim, conforme é apresentado no documento
1
em questão, tem-
se a finalidade de auxiliar os/as docentes em seu trabalho, servindo como
uma referência curricular que pode ser adaptada às diferentes realidades
em todo o país, podendo ser utilizado “[] pelas secretarias de educação
como recurso para revisões, adaptações ou elaborações curriculares em
processos definidos e desenvolvidos nessas instâncias” (BRASIL, 1998, p.
51).
De acordo com Braga (2006), no ano de 1994 a primeira versão
dos PCNs foi iniciada, momento no qual o MEC contou com a
colaboração de pesquisadores brasileiros e de alguns representantes de
países cujos modelos educacionais haviam passado por modificações
curriculares naquele período. Posteriormente, a Fundação Carlos Chagas
1
A título de esclarecimento, quando os PCNs (BRASIL, 1998) são apresentados no texto como documento
referem-se à materialização das políticas curriculares, a qual é passível de consultas.
32
avaliou propostas advindas de vários estados brasileiros, que poderiam
servir de base para a construção do documento, a qual ocorreria na gestão
de Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil. Em 1995, um
grupo de professores/as de educação básica foi responsável por elaborar os
PCNs, o qual se consolidou em primeira versão nesse mesmo ano.
Segundo a autora:
Em primeiro lugar, essa iniciativa pretende cumprir o artigo 210 da
Constituição de 1988, que determina a fixação de conteúdos mínimos
para o ensino fundamental, a fim de assegurar formação básica comum
e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. Em
segundo lugar, busca promover o aumento da qualidade do ensino
fundamental, cuja necessidade foi enfatizada no Plano Decenal de
Educação para Todos (1993-2003). Em terceiro lugar, quer articular
os diferentes esforços de reformulação curricular que vêm sendo
desenvolvidos nos estados e municípios (BRAGA, 2006, p. 2).
Em 1996, vários professores e especialistas da área educacional
receberam a primeira versão dos PCNs com o propósito de que pudessem
avaliar a política curricular e auxiliar em sua melhoria. Assim, após sua
reformulação, foi consolidada a atual versão dos PCNs, naquele mesmo
ano, posteriormente a diversas discussões, análises e revisões feitas por
profissionais de diferentes áreas, por professores/as escolares, além de
instituições independentes e outras governamentais que contribuíram, de
alguma forma, para sua elaboração (BRASIL, 1998).
Para César (2004 apud CÉSAR, 2009, p. 42), os PCNs:
[…] foram concebidos como resposta e solução para grande parte dos
problemas educacionais no Brasil, resposta à inserção na Constituição
de 1988 de temas oriundos dos movimentos sociais, tais como as
33
questões étnico-raciais, o meio ambiente, a educação sexual e as
questões de gênero, esquecidas desde os projetos dos anos 70.
A partir da concepção presente nos PCNs de que a escola deve
contemplar as demandas sociais, propõe-se que sejam abordadas questões
que permeiam a vida dos/as estudantes e com as quais eles/as lidam em seu
cotidiano. Nesse sentido, além de contemplar as diversas áreas do
conhecimento, os PCNs ainda trazem temas que, devido à especificidade
de cada um, são apresentados como sendo “Temas Transversais”, e não
como disciplinas ou áreas do conhecimento. Assim, atendendo aos
apontamentos da LDBEN de 1996, os PCNs congregam a abordagem de
valores na escola, ou seja, de conteúdos atitudinais como sendo um dos
objetivos do Ensino Fundamental elucidados por meio dos temas
transversais (JACOMELI, 2004).
Dessa forma, dentre os temas transversais encontram-se
“Pluralidade Cultural”; “Meio Ambiente”; “Saúde”; além de “Orientação
Sexual”, que, por sua vez, ao ser incluído no currículo escolar, institui a
questão da sexualidade na escola, no Ensino Fundamental. Entretanto,
a inclusão desses conteúdos como conhecimento escolar, tal como a da
sexualidade no currículo educacional brasileiro, não ocorreram de forma
espontânea. Além de terem sido influenciadas pelo contexto histórico e
político vivido no país, como também por eventos internacionais que
discutiam a reformulação de políticas educacionais, alguns temas trazidos
para os PCNs vêm das necessidades e demandas sociais reivindicadas por
meio dos Movimentos Sociais ocorridos naquele período, segundo
apontou César (2004 apud CÉSAR 2009). A inclusão da sexualidade no
currículo brasileiro, por sua vez, também não fez parte de lutas ocorridas
somente no período em que os PCNs foram formulados. Conforme será
visto mais adiante, essa inclusão foi resultado de muitas tentativas e lutas
34
de grupos que já percebiam a necessidade de se abordar a temática na
escola, muito antes da elaboração do documento.
Contudo, cabe mencionar que a discussão sobre a inclusão das
questões relacionadas à educação sexual no currículo escolar não foi
encerrada com a política dos PCNs. Atualmente, a BNCC (BRASIL,
2017) torna-se referência na formulação do currículo escolar em âmbito
nacional. Segundo o documento informa:
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de
caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de
aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao
longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que
tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento,
em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação
(PNE).
Em relação às questões de gênero e sexualidade, o processo de
formulação da BNCC explicitou a polêmica na qual esses temas acabaram
sendo envolvidos. Conforme Silva (2020), versões anteriores à
homologada em 2017 continham menções às temáticas ligadas à
sexualidade, mas que foram suprimidas na versão oficial voltada às etapas
da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Para Nascimento e Chiaradia (2017), a supressão de termos que se
relacionavam às questões de gênero e sexualidade da última versão da
BNCC se deu a partir de eventos anteriores que culminaram na exclusão
de termos que remetiam a esses assuntos do PNE. Dentre os eventos, as
autoras citam o movimento Escola sem Partido, o qual foi fundado em
2004 por um pai de estudante, trazendo, dentre suas pautas, a defesa do
Ensino Religioso nas escolas, bem como a proibição do tratamento de
35
temas relacionados à sexualidade no espaço escolar. Nascimento e
Chiaradia (2017, p. 109) assinalam:
Com tal fabricação, o que se percebe é a reivindicação da tutela da
sexualidade infanto-juvenil exclusivamente para o interior dos lares,
exercendo-se um controle disciplinar do que seria considerado uma
proteção dessa população aos chamados perigos de práticas entendidas
como negativas e precoces.
Dessa forma, acompanhando as dificuldades de inclusão da
sexualidade como parte do PNE, foram sofridas pressões advindas,
especialmente, da bancada religiosa, que acabaram promovendo a
modificação no campo político-normativo relacionada ao currículo escolar
ao suprimir tais questões da versão homologada da BNCC para a Educação
Infantil e o Ensino Fundamental, evento que reforça a existência de
paradigmas conservadores em relação à sexualidade e à educação sexual,
principalmente quando direcionada às crianças.
1.2 Educação sexual como parte do currículo escolar brasileiro: breve
histórico
Conforme Barroso e Bruschini (1982), no início do século XX
algumas ideias a respeito da educação sexual começaram a ser elaboradas
aqui, no Brasil, contendo influências de correntes médico-higienistas que
vigoravam na Europa, as quais “[] apregoavam o combate à masturbação
e às doenças venéreas, visando também à preparação da mulher para o
exercício do papel de esposa e mãe” (SAYÃO, 1997, p. 108).
Nesse sentido, nas ideias acerca da educação sexual até esse
momento, a sexualidade era compreendida de forma limitada e atrelada à
36
redução de riscos, visto que a preocupação estaria mais envolvida com o
objetivo de informar as pessoas a respeito de possíveis doenças que
poderiam adquirir ao praticar o ato sexual. Conforme Guimarães (1995,
p. 59), a educação sexual estaria, nesse período, “sempre com objetivos de
saúde pública e de moral sadia, procurando assegurar-se a saudável
reprodução da espécie”.
Ademais, a educação sexual, nesse momento, apresenta práticas
sexuais, a exemplo da masturbação, de forma denegridora, sendo
concebida como algo a se combater. Pode-se perceber, também, que alguns
valores em relação às questões de gênero eram reforçados pela educação
sexual ao restringir o papel da mulher à esfera privada, limitando, também,
sua educação sexual, já que lhes eram negados conhecimentos a respeito de
sua sexualidade.
Na década de 1920, alguns grupos reivindicavam uma educação
sexual que não tivesse apenas a relação que as correntes médico-higienistas
apregoavam na época. Dentre esses grupos, destacam-se as feministas da
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino
2
(BARROSO;
BRUSCHINI, 1982).
Mais tarde, na década de 1930, no Colégio Batista, no Rio de
Janeiro, foram realizadas algumas experiências em relação à educação
sexual, por um professor conhecido como Stawiarski, após o tema
sexualidade ser incluído no currículo do colégio por iniciativa desse
professor, conforme Barroso e Bruschini (1982). Nas palavras das autoras:
a princípio, as aulas limitavam-se a examinar o papel da mulher na
2
A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino foi um grupo feminista que, na década de 1920, lutava pela
ampliação dos direitos das mulheres; dentre eles, o direito ao voto. O grupo sofreu influências da Liga para a
Emancipação Intelectual da Mulher, da qual participava Bertha Lutz, que, por sua vez, estudou na Europa,
trazendo ideias referentes ao movimento sufragista europeu (MARINHO, 2007).
37
reprodução, porém, a partir de 1935, foi introduzido o exame do
comportamento sexual masculino” (BARROSO; BRUSCHINI, 1982, p.
19). Segundo as autoras, embora os conteúdos visassem advertir condutas
sexuais, numa perspectiva de cuidado e rigor Stawiarski foi julgado pelo
Colégio por apresentar atitudes imorais em suas aulas e condenado por
meio da Justiça do Trabalho, o que acarretou sua demissão, anos mais
tarde, aproximadamente em 1954.
De acordo com Werebe (1998), alguns colégios, como também
escolas públicas, tiveram experiência com a educação sexual na década de
1960, possibilitando a inovação pedagógica daquele tempo, pois
ampliavam a possibilidade de discussão sobre a questão da sexualidade.
Porém, essas experiências eram realizadas de forma independente e
pontual.
Dentre essas experiências, segundo Barroso e Bruschini (1982),
está a do Colégio Pedro de Alcântara e a do Colégio André Maurois, no
Rio de Janeiro. Neste último, a educação sexual abordava mais a temática
da reprodução humana, inicialmente, passando depois a tratar de temas de
interesses dos/as jovens. Entretanto, o tentame culminou na suspensão de
professores e alunos/as, além da exoneração do cargo da diretora do
Colégio na época (BARROSO; BRUSCHINI, 1982).
Outras iniciativas aconteceram também em São Paulo, nessa
mesma época, sendo que, dentre estas destacaram-se as realizadas no
Estado de São Paulo: a do Colégio de Aplicação da Universidade de São
Paulo, a do Colégio Vocacional e a dos Colégios Pluricurriculares”.
(WEREBE, 1998, p. 173). Acerca dos colégios vocacionais, Guimarães
(1995) afirma que:
38
O objetivo dessa abordagem não era de apenas informar, mas formar
conceitos e valores, de modo a levar o adolescente a ter parâmetros para
opções conscientes e coerentes com o conceito de homem e de
sociedade que a proposta educacional da escola procurava desenvolver
(GUIMARÃES, 1995, p. 64).
Nessas experiências, não eram profissionais da saúde que ficavam
responsáveis por orientar a temática em questão na escola ou trabalhá-la.
Segundo Sayão (1997), esse papel seria dos professores, bem como dos
orientadores educacionais desses colégios. No entanto, importa salientar
que as mudanças na questão pedagógica são conferidas, para Sayão (1997),
à renovação nos objetivos da educação sexual nessas experiências, que não
tinham a pretensão de relacionar a sexualidade apenas à dimensão
biofisiológica, e sim de discutir concepções e tabus. Assim, o que tornou
essas iniciativas da década de 1960 inovadoras foi o fato de que,
diferentemente do início do século, quando a educação sexual era
influenciada por correntes médico-higienistas, essas experiências
possibilitavam a ampliação do tema, pois, embora tivessem ainda a
intenção normativa sobre a sexualidade, era possível produzir informações
e discussões sobre alguns temas, bem como sobre algumas concepções
acerca do assunto.
Barroso e Bruschini (1982) destacam, ainda, que no período entre
1954 e 1970 o Serviço de Saúde do Departamento de Assistência ao
Escolar, em São Paulo, orientava meninas que cursavam o quarto ano do
antigo primário, as quais estavam adentrando a fase da puberdade, quanto
à sua sexualidade nesse período, trazendo informações a respeito das
transformações fisiológicas típicas da puberdade, principalmente sobre a
menstruação. Essas informações eram oferecidas primeiramente às mães
dessas meninas, para, depois, serem proporcionadas a estas últimas.
39
Inicialmente, segundo as autoras, as aulas eram ministradas pelos agentes
do Serviço de Saúde e, posteriormente, os/as próprios/as professores/as
passaram a se encarregar de fazê-lo. Quando havia alguma resistência por
parte dos/as docentes em trabalhar com a temática, novamente o agente
do Serviço de Saúde, qual seja, o educador sanitário, prontificava-se a
cumprir o papel.
Percebe-se que a iniciativa continha, ainda, reflexos da concepção
médico-higienista acerca da educação sexual, visando à informação de
caráter fisiológico sem a intenção de discutir tabus e preconceitos, bem
como outras dimensões da sexualidade. No entanto, ainda assim, fora mais
uma das experiências interrompidas no decorrer de seu desenvolvimento
por determinação da Secretaria da Educação de São Paulo, que o fez
baseando-se nas considerações apresentadas pelo MEC, mais tarde, em
1970 (BARROSO; BRUSCHINI, 1982).
A deputada federal Júlia Steimbruck tentou propor um projeto de
lei, no final da década de 1960, que tornaria a educação sexual obrigatória
em escolas que ofereciam o que atualmente corresponde ao Ensino
Fundamental. Contudo, as repressões da política autoritária faziam-se
presentes e, assim, a Comissão de Moral e Civismo do Ministério da
Educação e Cultura acabou opondo-se ao projeto, impedindo seu
encaminhamento (WEREBE, 1998).
A política daquele período era de forte ditadura, que impedia
atitudes e experiências inovadoras, censurando a mídia, a arte e toda forma
de expressão que não condissesse com os ideais dos dominantes. Assim,
aquelas iniciativas citadas anteriormente, dos colégios de São Paulo, foram
descontinuadas, pois tais escolas acabaram sendo fechadas em razão da
política vigente na época (WEREBE, 1998).
40
Guimarães (1995) afirma que até a década de 1960 a educação
sexual era dificultada e reprimida por concepções advindas da Igreja
Católica, a qual detinha o poder sobre o sistema educacional na época.
Ainda acerca do período ditatorial no Brasil, César (2009) destaca que toda
tentativa de instituir a educação sexual na escola era refreada em
decorrência da união entre os militares e a Igreja Católica, os quais
preservavam a moral e o controle. Por outro lado, as questões em relação à
educação sexual passaram a ser uma reivindicação das lutas promovidas,
principalmente, pelo Movimento Feminista. Nas palavras da autora:
No período ditatorial, portanto, a educação sexual e os debates sobre
gênero ou feminismo apareceram como parte de um projeto de escola
que se instaurou nas bases das lutas pela redemocratização do país, e
nesse momento a educação sexual apareceu como uma reivindicação
importante do movimento feminista brasileiro. Naquele momento, a
escola foi tomada como o lugar privilegiado dos processos de
redemocratização, e a educação sexual como uma proposta libertadora
dos corpos, das mulheres e sujeitos (CÉSAR, 2009, p. 41).
Assim, mesmo em meio ao período de intensas repressões a
concepções inovadoras, conforme César (2009), a década de 1960 foi um
marco importante em relação ao discurso sobre a educação sexual no
Brasil, visto que, nesse momento, os pressupostos educacionais foram
transformados pela ocorrência de diversos movimentos sociais: “[] os
movimentos pelos direitos civis, as lutas feministas, os movimentos gays e
lésbicos, as reivindicações étnico-raciais e, na América Latina, as lutas
contra os regimes ditatoriais produziram marcas no discurso sobre a escola”
(CÉSAR, 2009, p. 40).
41
Os Movimentos Sociais, conforme Gohn (2011), são modos de
resistência ou de expressão de pessoas que se organizam coletivamente a
fim de reivindicar questões de ordem política e cultural por meio de
estratégias como mobilizações, passeatas, entre outras, construindo novas
proposições. Para Gohn: “[] os movimentos sociais tematizam e
redefinem a esfera pública, realizam parcerias com outras entidades da
sociedade civil e política, têm grande poder de controle social e constroem
modelos de inovações sociais” (GOHN, 2011, p. 337).
No contexto da sociedade contemporânea, os Movimentos Sociais
passaram a incorporar essas novas demandas abordando temas como
sustentabilidade, exclusão social, diversidade cultural, entre outros.
Após 1960, a centralidade no trabalho e na produção industrial
teria se alterado, enquanto “[] as distinções entre mundo público e
privado teriam se nublado, fazendo com que os conflitos, antes restritos ao
plano econômico, avançassem para a vida privada (família, educação, sexo)
e ganhassem dimensões simbólicas […]” (ALONSO, 2009, p. 60) Assim,
as ambições dos novos grupos deixaram de estar ligadas aos conflitos entre
classes, passando a se constituírem em reivindicações de grupos
minoritários, como é o caso, por exemplo, do Movimento Feminista, o
qual, no contexto da busca pelos direitos e liberdades, destaca-se ao
possibilitar a luta de mulheres pela garantia de seus direitos e do exercício
pleno de sua cidadania, levando a discussão a hierarquia histórica entre
homens e mulheres, que legitimou o sexismo, o machismo e o patriarcado.
Assim, conforme Furlani (2011), os Movimentos Sociais ocorridos
no século XX intensificaram a discussão em relação à exclusão de grupos
“subordinados” no tocante aos direitos humanos. Essa exclusão social foi
compreendida como sendo originária da luta de classes, conforme estudos
marxistas. Entretanto, estudos Culturais, Feministas e Pós- Estruturalistas
42
demonstraram que outros fatores são responsáveis pelo fenômeno. “Para
muitas pessoas, gênero, raça, etnia, condição física, orientação sexual,
nacionalidade etc. são marcas identitárias responsáveis por experiências de
exclusão tão significativas quanto a classe social” (FURLANI, 2011, p. 23).
Barroso e Bruschini (1982) assinalam que esse período configurou-
se num retrocesso em relação às experiências com educação sexual,
contendo influências do puritanismo que se revelou na época por meio da
intensa censura. Entretanto, juridicamente, não havia nada que proibisse
a realização da educação sexual nas escolas. Assim, alguns trabalhos,
embora o fossem divulgados, ainda continuaram se desenvolvendo.
Na década de 1970, são encontrados alguns pareceres de
documentos oficiais em relação à educação sexual. Segundo Barroso e
Bruschini (1982), o Conselho Federal de Educação aprovou um parecer
no qual apresentava-se a educação sexual como um dos conteúdos a serem
trabalhados em programas de grau. Acerca dos temas a serem abordados
segundo o documento, as autoras afirmam que naquela etapa de estudo
deveriam ser aprendidas “[] noções de venereologia e suas implicações
sociais, devendo também ser transmitidos aos alunos desse grau
conhecimentos sobre anatomia e fisiologia humanas” (BARROSO;
BRUSCHINI, 1982, p. 23).
Assim, a educação sexual era limitada a conhecimentos
relacionados às áreas de Ciências Biológicas, bem como ao objetivo de
informar sobre as doenças venéreas, restringindo o conceito de sexualidade
ao trabalhar apenas aspectos relacionados à fisiologia humana, ou à
reprodução da espécie, como também atrelando-o às concepções
higienistas sem, ainda, a preocupação com outras dimensões que o tema
poderia oferecer inerentes à vivência da sexualidade.
43
O ressurgimento das experiências em escolas envolvendo a
educação sexual ocorreu somente em 1975, momento no qual, de acordo
com Sayão (1997) e Guimarães (1995), aconteceram fatores como o
controle sobre o número de nascimentos, além da mudança na conduta
dos/as jovens e o Movimento Feminista.
Assim, a partir da segunda metade da década de 1970, foram
realizados alguns eventos que abordavam a temática da educação sexual e
que, de alguma forma, traziam essa questão para o âmbito educacional
brasileiro.
Guimarães (1995) cita congressos que ocorreram nos anos de 1978
e 1979, que trabalharam a temática e que reuniram um grande número de
educadores. Cita também o 1º Seminário Técnico de Educação Sexual,
ocorrido também no fim da década de 1970 e promovido por uma
organização não governamental denominada BEMFAM, a qual auxiliava
no controle de natalidade do Brasil.
No fim dos anos de 1970, de acordo com Guimarães (1995),
congressos que abordavam a temática da educação sexual nas escolas
tiveram a participação de muitos/as educadores/as, levando a discussão
sobre o assunto para a dimensão pública e provocando a transformação das
ações voltadas à educação sexual, de instâncias superiores, segundo Sayão
(1997), que assinala: “desta feita, as experiências em educação sexual não
mais foram repressivamente proibidas, mas desativadas por causa das
precárias condições de trabalho e alterações político-administrativas nas
Secretarias de Educação (SAYÃO, 1997, p. 110).
Nesse sentido, é possível observar que as barreiras que dificultavam
a inclusão da sexualidade como tema a ser trabalhado no âmbito escolar
44
passaram a ter relação com a falta de condições das instituições em
promover ações que efetivassem a educação sexual.
Até a década de 1980, segundo Barroso e Bruschini (1982), em
detrimento dos denominados “guias curriculares” de vários estados
brasileiros, nos guias de São Paulo, destinados ao que se considerava o 1º
grau, podem-se observar algumas ideias mencionadas em relação ao tema
da sexualidade. Entretanto, os objetivos, ao se tratar do tema, são
novamente os de informar as crianças a respeito da fisiologia humana, da
puberdade e da reprodução.
Além disso, São Paulo teve o que as autoras consideram, até a
década de 1980, a maior experiência acerca da educação sexual na rede
municipal da cidade de São Paulo. Trata-se de um programa que foi
iniciado a partir das grandes preocupações entre pais e educadores da
época, tais como a gravidez indesejada na adolescência, a contração de
infecções sexualmente transmissíveis, entre outros problemas que surgiam
em razão das condutas sexuais dos/as jovens: “uma vez que os pais se diziam
pouco preparados para orientar seus filhos, a escola assumiu o papel de
transmitir informações biológicas de forma a que os jovens pudessem se
precaver contra desastres dessa ordem (BARROSO; BRUSCHINI,
1982, p. 25).
Nesse mesmo período, nas décadas de 1960 e 1970, algumas
pressões advindas da Secretaria da Educação de São Paulo controlavam ou
impediam a realização da educação sexual nas escolas do estado. Conforme
Guimarães (1995), José Carlos de Ataliba Nogueira vetou a divulgação de
métodos contraceptivos nas escolas, podendo a infração da ordem
estabelecida acarretar a suspensão do educador que a cometesse. Conforme
a autora, o também secretário da educação do estado de São Paulo, José
Bonifácio Coutinho Nogueira, na segunda metade da década de 1970,
45
impediu a oficialização da educação sexual nas escolas, pois, para ele, ela
deveria ficar a cargo apenas da família.
Se por um lado os Movimentos Sociais ocorridos a partir da década
de 1960 produziram suas marcas nas questões educacionais, por outro a
educação sexual, para César (2009), pouco abordava as questões vinculadas
aos movimentos, em especial ao Movimento Feminista. Segundo a autora,
a relação entre o Movimento Feminista e a educação sexual teve pouca
influência sobre as práticas educacionais, porque a segunda se tornou uma
área específica do campo da saúde nos anos de 1980. “Essa vinculação da
educação sexual com as questões que cercavam a luta contra o patriarcado
e a hierarquia de gênero foi abandonada, e o feminismo, como campo de
indagação sobre as práticas pedagógicas, desapareceu sem deixar rastros”
(CÉSAR, 2009, p. 41). Dessa forma, de acordo com a autora, a educação
sexual era pensada na perspectiva da prevenção de infecções sexualmente
transmissíveis, e as questões relacionadas à reprodução humana, bem como
aos aspectos fisiológicos do corpo, faziam parte de projetos de
planejamento familiar desde a década de 1970, na cidade de Curitiba
PR.
Mais tarde, nos anos de 1990, a propagação da AIDS e de outras
infecções sexualmente transmissíveis, bem como a gravidez indesejada na
adolescência, tiveram grande influência sobre a educação na época, e a
escola foi convocada a conceber a educação sexual como forma de prevenir
a sociedade desses problemas (CÉSAR, 2009). Assim, no fim da década de
1990 foram formulados como política curricular os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), os quais instituíam a educação sexual na
escola.
Tendo em vista as experiências mencionadas até o momento,
percebe-se que, em sua maioria, a sexualidade era trabalhada dentro da
46
perspectiva da prevenção, como também da informação acerca da fisiologia
humana. Essas experiências atrelavam a abordagem do tema às doenças
venéreas e ao risco de gravidez indesejada. Ademais, relacionavam a
sexualidade à reprodução humana e à relação sexual quando trabalhavam
a educação sexual somente por meio da informação sobre os aspectos
biológicos desta última e por meio de temas como os mencionados neste
livro: menstruação, gravidez, entre outros. Outro aspecto percebido foi
quanto à limitação da idade a quem a educação sexual se destinaria. Nas
passagens apresentadas, as experiências geralmente se limitavam às crianças
a partir do 4º ano do chamado primário, sendo as crianças menores
excluídas dos programas.
Conforme pode-se perceber, também foram várias as experiências
ou tentativas de implementação da educação sexual nas escolas
anteriormente à sua oficialização no currículo por meio dos PCNs, sem
mencionarmos as experiências que não eram divulgadas, temendo a
repressão daqueles que a incitavam. De acordo com Guimarães (1995, p.
63):
[…] em determinados momentos históricos já se fazia o possível, e de
uma maneira muito séria e eficaz, para o avanço da compreensão da
sexualidade e que, lamentavelmente, toda uma experiência que foi boa
e que deveria ser incorporada à rotina das escolas é interrompida,
destruída e esquecida, com o rótulo de inviável, começando-se novas
tentativas, descomprometidas sempre, engrossando o número de
fracassos e sentimentos de impotência dos educadores.
Assim, em sua maioria, as iniciativas de promoção da educação
sexual na escola foram interrompidas pela ação das políticas vigentes e pelas
concepções presentes até aquele período, o que demonstra que a
47
sexualidade, apesar de superadas as compreensões conservadoras por parte
de alguns grupos, ainda persistia em ser concebida como um tabu, como
se pode observar ao considerar-se a dificuldade com que foram
implementadas as políticas que objetivavam a inserção do tema no campo
da educação.
1.3 Gênero e sexualidade: abordagens educacionais
Algumas ideias acerca da feminilidade, bem como da
masculinidade, parecem estar enraizadas no discurso social que busca
justificar a limitação de espaços às mulheres, bem como aos homens, à
medida que desde sua infância são instigadas/os a seguir os papéis sociais
conforme as determinações impostas quanto aos recintos, atividades e
comportamentos que socialmente são compreendidos como apropriados
ao gênero feminino ou ao gênero masculino. Nesse sentido, conceitos
como meninos jogam bola, meninas brincam de casinha; homens trabalham
fora, mulheres cuidam da família; são propagados como algo natural.
De acordo com Castro e Silva (2002, p. 6):
A sexualidade submete-se aos determinados padrões e valores
universais, criando verdades estereotipadas como: o caminho natural
obrigatório das pessoas é crescer, casar, ter filhos e morrer; os homens
devem tomar a iniciativa na cama; os meninos devem começar sua vida
sexual antes das meninas, pois os homens têm mais necessidade sexual
do que as mulheres etc.
Assim, conforme Faria (1998), desde a infância, ao nos
socializarmos, recebemos informações que influenciam na forma como
iremos compreender nossa sexualidade, bem como na maneira pela qual
48
entendemos o que é ser mulher ou o que é ser homem, o que está ligado,
por sua vez, à forma como vamos construir nossas identidades. Entretanto,
ser mulher ou ser homem, em nossa sociedade, implica na execução de
papéis predeterminados socialmente, que limitam a característica e
capacidade reais do indivíduo, as quais independem de seu gênero.
Sendo assim, o modo como compreendemos as relações de gênero,
o qual muitas vezes é naturalizado, em realidade é impingido por
construções sociais, culturais e históricas (FARIA, 1998).
De acordo com Whitaker (1988), a mulher é ensinada, já na sua
infância, que deve ser submissa e que deve, ainda, esconder sua
agressividade, compreendendo-a como o impulso que move o indivíduo a
articular suas ações a fim de alcançar seu objetivo ou sanar suas
necessidades:as meninas [] são ensinadas desde muito pequeninas a
reprimir sua agressividade, devendo ser meiguinhas, mesmo quando não
nasceram com tendências a desempenhar tal papel” (WHITAKER, 1988,
p. 29, grifo da autora). Quanto aos homens, escreve a autora, ocorre o
contrário: o menino é educado a ser agressivo e a não demonstrar
sensibilidade.
Nesse sentido, em se tratando de pessoas do gênero masculino e do
gênero feminino, as diferenças são reais ao considerarmos a fisiologia e o
corpo de acordo com Whitaker (1998). O problema, conforme a autora
apregoa, incide no fato de que a sociedade interpreta tais diferenças de
modo simbólico, o que resulta em desigualdade de gênero, que, por sua
vez, atinge especialmente as mulheres. Para Faria (1998, p. 25):
Ser mulher e, portanto, feminina significa ser dona de casa, passiva,
maternal, afetiva, detalhista; ser homem significa ser forte, profissional,
agressivo, racional, objetivo. Isso está tão enraizado na cultura e tão
49
introjetado por cada pessoa que aparece como parte da natureza
humana’.
Desse modo, os papéis sociais, as características emocionais, a
postura, o comportamento e todos os outros elementos simbólicos
constituintes da identidade de gênero são, portanto, construídos
socialmente e determinaram, ao longo da História, o modelo de ser
feminino e masculino, selecionando as características estereotipadas do que
é ser homem e ser mulher, conforme o contexto histórico, bem como as
concepções e valores vigentes em cada época. De acordo com Santos e
Bruns (2000, p. 22): “o processo da constituição de gênero não é, de forma
alguma, natural: o indivíduo só vai se tornando homem ou mulher
valendo-se de suas relações interpessoais, o que é um processo histórico-
social”.
Nesse sentido, a educação familiar ou escolar, como demonstra
Maia (2005a), diferencia-se em relação à dos meninos e à das meninas. As
diferenças na forma de educar são baseadas, por sua vez, no modelo de
mulher e de homem que se espera.
Portanto, segundo Whitaker (1988), as garotas são educadas para
serem dóceis, bem comportadas e submissas. Para a autora, as meninas têm
como principais aspirações à sua vida a maternidade e o cuidar do lar.
Assim, até mesmo suas brincadeiras são direcionadas para esses objetivos;
por isso, brincam de bonecas, de casinha, entre outras brincadeiras que
acabam ensinando quais são os espaços e papéis que lhes cabem dentro da
nossa sociedade, quais sejam, o lar, bem como a função de esposa e mãe.
Quanto aos meninos, conforme a autora, suas aspirações principais
têm relação com sua profissão. São educados a terem agressividade, a serem
espertos e ativos e, assim, as principais brincadeiras do universo masculino
50
permitem ao garoto movimentar-se, explorar o mundo afora em jogos e
brincadeiras de bola, escalar árvores, brincar com a arte, ou seja,
brincadeiras que desenvolvem sua autonomia e agressividade. Nesse
sentido, os atributos esperados de um homem já são aprendidos desde sua
infância e, diferentemente das mulheres, aos homens não é reservado o
espaço privado, tampouco lhe é estimulada a paternidade.
É importante enfatizar, porém, que o problema não está em brincar
de bonecas, “o mal é estar limitado a certos padrões de brincadeiras, já que
subir em árvores, jogar bolinhas de gude ou chutar bola evidentemente
estimulam mais a inteligência” (WHITAKER, 1988, p. 33). Assim o é,
também, em relação à maternidade. O problema não está em estimulá-la,
mas em não fazê-lo, também, em relação à paternidade, conforme a autora.
As próprias vestimentas e cores que socialmente são identificadas
como sendo femininas ou masculinas podem ilustrar essas diferenças.
Enquanto para as meninas são reservadas as roupas mais justas e enfeitadas,
com tom claro ou rosa, aos meninos são dadas roupas mais soltas, que
permitem que sua movimentação seja melhor, com cores de tons mais
fortes.
Whitaker (1988) aponta, ainda, que essas diferenças na forma de
educar os meninos e as meninas mantêm-se no decorrer de suas
adolescências. Nesse período, as garotas são estimuladas a preocuparem-se
com sua beleza; por isso, os maiores elogios feitos a elas estão relacionados
a esse aspecto. Quanto aos garotos, estes já voltam sua atenção ao mundo
externo, e os principais elogios que eles recebem estão relacionados à sua
esperteza e agressividade. Dessa forma,
Os cérebros femininos, no entanto, permanecem prisioneiros do
autoritarismo que pesa sobre a necessidade de ser frívola, uma vez que
51
a feminilidade está associada à frivolidade: de tanto prestar atenção ao
próprio corpo, preocupada em somente embelezá-lo com roupas e
sapatos, a adolescente tem dificuldades em observar o que ocorre no
mundo exterior (WHITAKER, 1988, p. 49).
As atitudes sexistas referentes às questões de gênero são igualmente
reforçadas em relação à sexualidade da mulher e do homem, desde sua
infância. Segundo Santos e Bruns (2000), enquanto para as meninas as
informações a respeito da sexualidade são veladas ou insuficientes,
refletindo a repressão sexual, para os meninos a iniciação sexual é
incentivada, embora não se discuta a responsabilidade que devem assumir
frente a seus relacionamentos. Assim, as manifestações da sexualidade da
menina são reprimidas. “Ensinaram-lhe apenas a despertar o desejo []
que não deverá satisfazer. Convenceram-na que não precisa de sexo.”.
(WHITAKER, 1988, p. 53). Quanto aos meninos:
O menino é pressionado para o desempenho da sexualidade.
Apavorados com o fantasma do homossexualismo, pais e familiares
desencadeiam pressões, e o adolescente é forçado a provar sua
masculinidade de forma totalmente alienante no contato com
mulheres que transformaram o sexo em mercadoria (WHITAKER,
1988, p. 53).
A escola, por sua vez, acaba reproduzindo ações sexistas em seu
cotidiano, ao invés de incitar atitudes reflexivas e críticas quanto aos papéis
de gênero e as imposições sociais quanto ao assunto. Segundo Maia
(2005a), geralmente acredita-se que essas ações, as quais evidenciam
estereótipos de meninos/homens e meninas/mulheres, são inexistentes no
interior das instituições escolares. Para a autora:
52
Várias são as formas sutis utilizadas na escola para reforçar uma
educação sexista: brincadeiras e atividades impostas em função do
gênero, diferenças quanto à aceitação ou não de comportamentos
agressivos ou passivos, critérios subjetivos utilizados pelo professor para
avaliar academicamente seus alunos em função do gênero, recursos
pedagógicos empregados, como os livros, os vídeos, as histórias…
Tudo tão carregado de ideologia! (MAIA, 2005a, p. 78).
Acrescenta-se a essa constatação a questão do currículo voltado à
História, no qual impera a visão masculina do universo: “Nenhum
currículo, até onde conheço, está empenhado em discutir o porquê dessa
ausência feminina nas grandes conquistas da humanidade” (WHITAKER,
1988, p. 60). Nesse sentido, os materiais que servem como recursos na
escola também reproduzem esse mesmo pensamento, tanto em relação às
questões de gênero, quanto aos modelos de família trazidos, o que é
discutido por Faria (1998). A autora indaga o princípio de que os
educadores não podem levar às crianças informações que elas não tenham
questionado, tendo em vista que elas não podem realmente questionar
aquilo com que muitas vezes não têm contato. Ao menos não na escola.
Entretanto, salienta Furlani (2011), a escola poderia ter grande
contribuição no que diz respeito à valorização da pluralidade, o que é
ressaltado pela autora:
Primeiro [] é no processo de escolarização que o conhecimento sobre
as relações humanas de desigualdade em relação ao gênero, raça, etnia,
orientação sexual se produzem e se reforçam; segundo, porque é na
escola que, a partir desses conhecimentos, as diferentes identidades
serão formadas e reforçadas nas crianças, nos jovens e nos adultos;
terceiro, porque todos esses significados e as representações construídas
na sociedade estão latentes nessa instituição que lida, ao mesmo tempo,
53
com o espaço privado (doméstico) e o espaço público (FURLANI,
2011, p. 120).
Até a década de 1980, ainda se fazia presente a concepção de que a
educação sexual deveria ser compreendida como dever da família,
concepção essa muito defendida pelos ideais religiosos vigentes:
Os padres católicos foram os principais defensores da família como
educadora sexual, e o padre Negromonte (1951) classificava os pais que
abdicassem dessa função de imprudentes ou comodistas, pois ao
cederem este papel a outros, estavam expondo seus filhos a mestres
considerados incapazes ou até mesmo nocivos (MONTARDO, 2008,
p. 162).
A dificuldade da família em lidar com a educação sexual de seu/as
filhos/as transparece na falta de diálogo, no ignorar ou responder às
perguntas relacionadas à sexualidade de forma incompleta, na proibição
do contato com o tema por meio da censura (SANTOS; BRUNS, 2000).
E é a partir das condutas dessa família que são desenvolvidas as concepções
e a forma como o sujeito constitui sua sexualidade, visto que mesmo a
omissão do assunto já emite um significado sobre ele e oferece ao sujeito
uma concepção de que a sexualidade não deve ser um tema conversado.
Além disso, é provável que aconteça com a criança ou o/a
adolescente, ao não ter suas dúvidas devidamente esclarecidas no âmbito
familiar, a procura de respostas por intermédio de fontes inadequadas,
advindas da Internet, por exemplo, ou até mesmo com outros/as colegas
que também podem não ter o conhecimento adequado, ou transmiti-lo de
forma equivocada. Ademais, se esse sujeito que procura informações para
compreender a questão da sexualidade ainda não consegue selecionar os
54
conteúdos dessas informações, pode ser que aconteça o inverso, ou seja, a
desinformação sobre o assunto.
Assim, a escola passou a ser compreendida como o espaço
privilegiado para abordar o tema da sexualidade, o qual se fez presente em
documentos norteadores das práticas educativas brasileiras, como se sabe,
a partir da década de 1990.
Furlani (2011) identifica algumas abordagens contemporâneas em
relação à educação sexual, dentre as quais considera que a abordagem
denominada pela autora de biológico-higienistaé a mais encontrada nas
práticas educacionais. Dentro dessa perspectiva, o ensino tem como
objetivos promover a saúde, dar informações sobre as ISTs e a gravidez
indesejada, contribuir com o planejamento familiar, entre outros.
Considera-se que as diferenças entre homens e mulheres são decorrência
das características de seus corpos. Para a autora, isso “[] contribuiu (e
contribui) tanto para a naturalização das desigualdades sexuais e de gênero
quanto para a formulação dos enunciados que hierarquizam essas
diferenças (por exemplo, premissas machistas, sexistas, misóginas e
homofóbicas)” (FURLANI, 2011, p. 16, grifo da autora).
A principal crítica a essa abordagem não está no fato de ela existir
nas escolas, seja nas aulas de Ciências, ou de Biologia, mas no de ser a única
abordagem trabalhada, limitando o currículo voltado à educação sexual
(FURLANI, 2011).
Segundo a autora, a abordagem da educação sexual nessa
perspectiva acarreta no desenvolvimento de alguns conceitos limitados e
preconceituosos, que devem ser discutidos seja na escola ou na formação
de professores/as: “1ª que a educação sexual deve ser dirigida apenas à
adolescência (afinal, iniciação sexual é algo que socialmente se espera
55
nessa faixa etária); 2ª que desenvolver trabalhos de educação sexual na
infância estaria incentivando a prática sexual precoce das crianças”
(FURLANI, 2011, p. 16).
Além da influência advinda das concepções higienistas presentes
no século XX, é possível perceber, também, a concepção moderna de
infância pela qual está relacionada à pureza e à inocência. Ou seja, uma
infância abstrata (KRAMER, 2006).
Nesse sentido, essa concepção ignora o fato de que a criança não
chega à escola sem qualquer informação ou conhecimento a respeito de
questões relacionadas à sexualidade. Essas informações estão presentes em
músicas, principalmente na atualidade, quando estilos musicais tais como
o funk se tornaram populares no Brasil, trazendo em algumas de suas letras
um teor fortemente sexual, implícita ou mesmo explicitamente. Ademais,
as crianças podem, também, capturar as informações em conversas
cotidianas de adultos/as, em filmes ou telenovelas que acabam assistindo,
em propagandas comerciais, numa conversa com os/as colegas de escola,
em revistas vistas nas bancas, sites da Internet, entre outros meios. Dito de
outra forma, não é possível afirmar que se a criança não adquire
informações sobre sexualidade na escola, pode ser que ela já as tenha obtido
por outros meios e já tenha formulado suas próprias concepções e
indagações sobre o assunto, conforme afirma Maia (2005b, p. 90):
É importante considerar que, atualmente, a exposição aos estímulos
ligados à sexualidade é muito frequente, abrangente e inegável. Na
família circulam mais informações sobre o assunto, a mídia escancara
essas questões de forma intensa e repetitiva. As crianças, em geral, têm
vivenciado uma socialização secundária, vão à escola com cada vez
menos idade. No ambiente escolar há, inevitavelmente, ocasiões em
que o desejo sexual vem à tona, em que se observam manifestações da
56
sexualidade e há troca de informações com outras crianças sobre o
assunto.
Por outro lado, ainda, a compreensão de que trabalhar o assunto
na escola significa estimular a sexualidade traz a noção categórica de que a
criança é um ser assexuado. O problema é que as manifestações da
sexualidade infantil ou de curiosidades de crianças acerca do tema em
questão são realidades do cotidiano escolar. Nesse sentido, como um/a
docente que compartilha da concepção de que a criança é assexuada lida
ou lidaria com possíveis formas de manifestação da sexualidade de uma
criança em sua sala de aula? Negando-as? Reprimindo-as?
Outra abordagem sobre educação sexual, para Furlani (2011),
denomina-se abordagem moral-tradicionalista. Nela, a educação sexual
é compreendida como sendo dever da família. São defendidas ideias que
vão contra os métodos de controle de reprodução e, além disso, são
proferidos conceitos que autenticam a homofobia (FURLANI, 2011).
A principal crítica a essa abordagem está no fato de que, nela, nega-
se a informação, visto que se defende a castidade e, por isso, não é proposta
uma discussão acerca de práticas preventivas nas relações sexuais.
Conforme Furlani (2011, p. 18): essa é uma postura curricular que não
considera (ou propositadamente ignora) a expectativa juvenil a uma
iniciação sexual com parceiros/as []”.
Além disso, outro aspecto motivador de críticas a essa abordagem
refere-se ao estímulo dado à discriminação incitada: “[] os currículos
também misturam ciência com religião, tratam estereótipos sexistas como
fato científico e cometem erros científicos sérios, como sugerir que o HIV
pode ser transmitido através do suor ou lágrima” (WOOD, 2005, p. 17
apud FURLANI, 2011, p. 18).
57
A abordagem terapêutica, de acordo com Furlani (2011), traz
uma perspectiva que tem maior influência da Psicologia, fazendo
referência ao que são considerados, dentro dessa visão, como “problemas”
relacionados à sexualidade, visto que se propõe a apresentar a “cura” para
tais “problemas”. Além disso, essa abordagem “[] pode estar ligada às
instituições religiosas, ocupar a mídia (especialmente a televisiva,
radiofônica e Internet), consultórios de orientações e aconselhamento e se
utilizar das técnicas de terapia individual, grupal e de psicodrama para
alcançar a cura’ sexual” (FURLANI, 2011, p. 19).
Nessa perspectiva, considera-se que a homossexualidade é uma
anomalia sexual gerada principalmente na relação entre o filho ou filha e
o/a genitor/a que tenha o mesmo sexo quando essa relação é inexistente ou
quando ela apresenta dificuldades, causando problemas para o indivíduo
que nasce nessa família em relação à identificação de seu gênero. Tendo
em vista que essa abordagem atrela a questão de gênero à orientação sexual,
ela traz esses argumentos como sendo os fatores que desencadeiam a
homossexualidade, que, por sua vez, poderia ser “curada” pelos métodos já
apresentados (FURLANI, 2011).
A atuação do/a educador/a, considerando a abordagem
terapêutica, seria no sentido de encaminhar a criança que apresenta
condutas nas quais manifesta sua sexualidade ou sua identidade sexual ao/à
profissional da Psicologia, compartilhando do entendimento de que tais
condutas fogem à normalidade e de que devem ser curadas.
Essa concepção pode ser ilustrada a partir de um acontecimento
ocorrido no ano de 2013, quando um projeto de lei causou grande
repercussão nacional ao propor o que ficou popularmente conhecido como
cura gay”. Tal projeto foi formulado pelo então deputado federal e
também pastor da Igreja Evangélica, João Campos, do Partido da Social
58
Democracia Brasileira (PSDB), estando em tramitação na Câmara dos
Deputados, já com a aprovação, na época, da Comissão de Direitos
Humanos e Minorias, presidida pelo deputado federal Marco Feliciano,
do PSC (Partido Social Cristão). “Esse projeto continha dois eixos centrais:
suspender as proibições do Conselho Federal de Psicologia para que
psicólogos oferecessem tratamento a homossexuais e para que falassem
publicamente, em nome da Psicologia, associando homossexualidade e
doença.” (MARTINS et al., 2014, p. 163)
Contudo, no ano de 2013, o país vivia, a partir do mês de junho,
intensas manifestações populares que reivindicavam uma série de temas e
demandas ou que incitavam protestos contra elas:
Inicialmente associada com reivindicações acerca dos preços das
passagens do transporte público, ganharam vários outros sentidos,
como crítica à corrupção e mau uso do dinheiro público, defesa da
liberdade de expressão, repúdio aos abusos da polícia e uma gama
ampla de outros questionamentos da vida social (MARTINS et al.,
2014, p. 163).
Desde que passou a tramitar o projeto conhecido como cura gay,
protestos foram iniciados a partir da comunidade LGBT, como também
de ativistas que o denominavam de homofóbico. No contexto das
manifestações de junho de 2013, os protestos ganharam força e
repercutiram na mídia, culminando em seu arquivamento após a
desistência de João Campos sobre a proposta. Campos optou por não levar
o projeto adiante posteriormente à posição de seu partido, o PSDB, que o
considerava um retrocesso. Embora as manifestações contra o projeto de
lei tenham sido vitoriosas, no sentido de influenciarem seu arquivamento,
Marco Feliciano declarou, em rede social, que não havia desistido da
59
proposta e que, em seu próximo mandato, iria retomá-la sob o pretexto de
que teria maior apoio do grupo evangélico na bancada.
Percebe-se, pois, que a “abordagem terapêuticasobre a educação
sexual na qual defende-se a compreensão de que há uma relação entre
homossexualidade e doença apresenta uma forte aceitação de ideais
religiosos, principalmente advindos da Igreja Evangélica, que em muito se
fazem presentes, também, na concepção de professores/as acerca da
questão da sexualidade.
Outra abordagem que contém influência ou apoio de princípios
religiosos é a abordagem religioso-radical”, a qual “caracteriza-se pelo
apego às interpretações literais da Bíblia, usando o discurso religioso como
uma incontestável verdadena determinação das representações acerca da
sexualidade normal’” (FURLANI, 2011, p. 20). A crítica a essa
abordagem, conforme a autora, reside no fato de que acaba justificando a
homofobia, a discriminação racial, além da repressão feminina.
Nesse sentido, é possível observar uma proximidade entre as três
últimas abordagens descritas, assim como afirma, também, Furlani (2011).
A primeira, a abordagem biológico- higienista, atribui ênfase ao
caráter preventivo da educação sexual. Considera a iniciação do/a jovem
em experiência sexual, mas, ao mesmo tempo, limita o conceito de
sexualidade à reprodução, negando tanto a sexualidade infantil quanto a
na velhice, bem como não discutindo a questão de forma ampla. Quanto
às questões de gênero, conforme essa abordagem, as desigualdades entre
homens e mulheres não são construídas historicamente, mas sim baseadas
em suas diferenças biológicas.
A abordagem moral-tradicionalista, assim como a abordagem
religioso-radical, têm, de forma mais ou menos aprofundada, a influência
60
de ideais religiosos, limitando as informações em educação sexual a partir
de concepções baseadas em dogmas religiosos. Nesse sentido, negam a
sexualidade humana, fazendo alusão à ideia de pecado, ou mesmo ignoram
o conhecimento histórico acerca da sexualidade e das questões de gênero.
A abordagem terapêutica, por sua vez, contém também um ideal
de indivíduo e de sexualidade a partir do qual preconiza aquilo que é
considerado desviante ou doença e que, por meio do tratamento
terapêutico, pode ser curado. Considerando o fato apresentado
anteriormente acerca do projeto cura gay, percebe-se que algumas
correntes religiosas aderem a esse tipo de abordagem, a qual igualmente
estimula comportamentos homofóbicos ao tratar a homossexualidade
como doença.
Assim, a forma como se educa em relação à sexualidade está ligada
a valores, que, em grande medida, sofrem influências ora de crenças ou de
dogmas religiosos, ora de correntes médicas que defendem concepções
higienistas. Ocorre que essas abordagens limitam a educação sexual e, por
vezes, promovem a repressão da sexualidade, conduzindo a práticas
preconceituosas.
Nesse contexto, o Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais e
Travestis (LGBT)
3
, bem como o Movimento Feminista, entre outros, têm
reivindicado mudanças em relação à subordinação das identidades sexuais,
conquistando seus direitos e chamando a atenção de grupos conservadores
que se empenham na tentativa de bloquear essas conquistas desde a década
de 1980 (FURLANI, 2011).
3
O Movimento LGBT tem abrangido outras identidades e expressões da sexualidade, tendo sua sigla modificada
e diferenciada, conforme algumas comunidades, na tentativa de incluir, no movimento, todas as diversidades.
61
Por outro lado, com o objetivo de fomentar a reflexão sobre a
questão da sexualidade, experiências educacionais na área da educação
sexual estão sendo realizadas. Dentre as abordagens, quatro são
consideradas, por Furlani (2011), como sendo defensoras da diversidade
enquanto fator positivo para a atual sociedade. São elas: a abordagem dos
direitos humanos; a abordagem dos direitos sexuais; a abordagem
emancipatória”; e a abordagem queer”.
Assim, a partir das discussões trazidas pelos movimentos sociais já
apresentadas no início deste capítulo, reconhece-se a necessidade de as
instituições de ensino estarem em consonância com políticas públicas que
visam combater a exclusão social em prol da universalização dos direitos
humanos, visto que muito embora todo ser da espécie Homo sapiens seja
considerado um ser humano, nem todos têm seus direitos humanos
garantidos. Dessa forma, segundo Furlani (2011, p. 24): “a educação
sexual baseada na abordagem dos direitos humanos é aquela que fala,
explicita, problematiza e destrói as representações negativas socialmente
impostas a esses sujeitos e às suas identidades excluídas”.
A abordagem dos direitos sexuaisrelaciona-se à Declaração dos
Direitos Sexuais, elaborada em 1997. Segundo Furlani (2011, p. 24): “[…]
a declaração pode ser vista como um documento político, de reivindicações
e conquistas, de reconhecimento e respeito aos grupos e/ou sujeitos
subordinados”.
Dentre os direitos sexuais citados pela Declaração, está o: “Artigo
10. O DIREITO À EDUCAÇÃO SEXUAL INTEGRAL Este é um
processo vitalício que se inicia com o nascimento e perdura por toda a vida
e deveria envolver todas as instituições sociais” (FURLANI, 2011, p. 25).
62
Assim, na perspectiva dos direitos sexuais, compreende-se a
educação sexual como um conceito que não se limita apenas a
conhecimentos relacionados ao sexo, mas que também abrange as questões
de gênero, no sentido de eliminar as discriminações sociais entre homens
e mulheres.
A abordagem emancipatória, conforme Furlani (2011),
originou-se em discussões no âmbito da educação popular, no qual as
ideias de Paulo Freire tiveram bastante destaque, trazendo a prática política
como componente inerente da teoria. Nela, a educação tem o objetivo de
libertar os indivíduos e, para tanto, deve ser uma educação crítica e
dialógica, na qual o/a aluno/a passa a ser um sujeito ativo no processo
educativo, sendo consciente e transformador/a da sua realidade. É por
meio dessa consciência crítica que é possível atingir um dos pressupostos
dessa abordagem em relação à educação sexual, qual seja, o de superar a
repressão sexual instalada na sociedade (FURLANI, 2011).
Quanto à abordagem queer, de acordo com Furlani (2011, p.
37):
[…] buscariam intervenções críticas (reflexivas) ou subversivas das
relações opressivas no âmbito do espaço escolar, entre a sexualidade
heteronormativa e os regimes dos gêneros, na tentativa de demonstrar
como a produção da normalidade é intencional, histórica, política e,
sendo assim, instável, contingencial, questionável e mutável.
Nesse sentido, a abordagem queerconsidera o caráter histórico e
político na construção das concepções relacionadas à sexualidade, fazendo
crítica à normatividade em relação ao tema. Além disso, conforme a autora:
63
[…] a epistemologia queer pode ser transferida para qualquer categoria
de análise sociocultural, uma vez que sua premissa básica (rejeitar
qualquer forma de normatividade) se presta tanto às discussões sexuais
(que a originaram) quanto às questões racial, étnica, colonial, de
gênero, geracional. Trata-se de uma atitude intelectual investigativa e
crítica, de recusa a um sistema de significação normativo (FURLANI,
2011, p. 36).
Assim, algumas questões têm necessidade de serem refletidas, tais
como: de que forma a escola trabalha as questões relacionadas à
sexualidade? Quais seriam os fatores responsáveis por sua dificuldade? De
que maneira a escola poderia contribuir para a mudança de postura acerca
das questões de gênero e sexualidade segundo os/as autores/as?
1.4 Educação sexual: uma discussão necessária à escola
Atualmente, é possível observar conteúdos relacionados à
sexualidade presentes nos diversos meios que formam a mídia. São
propagandas, muitas delas sobre bebidas alcoólicas; músicas com teor
sexual, nas quais a letra explicita o sexo; conteúdos relacionados ao tema,
fazendo-se presentes, também, via Internet; bem como filmes e telenovelas
meios pelos quais são transmitidos alguns conceitos e valores a respeito
do sexo, do afeto, das questões de gênero, da sexualidade de forma ampla.
Se, por um lado, os princípios morais não reconhecem a
sexualidade na infância, transformando-a em um tabu ainda maior do que
a sexualidade de jovens e adultos/as, por outro lado, conforme afirma
Ribeiro (1990), a mídia expõe a sexualidade de forma superficial e acaba
não proporcionando uma discussão efetiva a respeito do tema. Para Santos
e Bruns (2000, p. 43), “existe uma aparente liberdade, mas, na verdade,
64
ainda não há espaço adequado para uma reflexão e discussão de tema tão
abrangente e tão próximo do dia a dia”.
Segundo Sayão (1997) e Ribeiro (1990), a década de 1980 foi um
marco importante em relação à veiculação de conteúdos relacionados à
sexualidade por intermédio de dispositivos midiáticos no Brasil. Para
Ribeiro (1989, p. 31):
A liberalização sexual, decorrente de um afrouxamento do
autoritarismo e das mudanças das normas e padrões culturais, leva a
sociedade a um aumento da divulgação de material que sugere
diferentes modos de encarar a sexualidade e com ela lidar, sem que
sejam preenchidas as necessidades dos jovens, perdidos entre uma
moral até então repressora e uma nova conduta que diz ser liberal e
permissiva.
Desde então, novelas, programas televisionados, propagandas,
entre outros meios midiáticos, exibem de forma explícita ou implícita
modelos de comportamentos sexuais, de corpos erotizados, como também
de valores relacionados às questões de gênero (dentre os diversos exemplos
que podem ser citados, as propagandas de cerveja de várias marcas
diferentes configuram-se como um dos meios que mais expõem a questão
da sexualidade e do gênero com finalidades comerciais). Nesse sentido,
conforme Gagliotto e Lembeck (2011), a mídia utiliza, de forma apelativa,
a sexualidade a fim de instigar o consumo de seus/suas espectadores/as,
quando, na realidade, segundo as autoras, ocorre a banalização da
sexualidade.
As crianças, por sua vez, acabam sendo expostas aos diversos tipos
de informação ou, por que não chamar de desinformação”? veiculados
por intermédio dos meios de comunicação. Para Borges (2004, p. 64):
65
Se, como propõem diversos autores, os meios de comunicação
desempenham importante papel socializador, essa erotização
promovida pela mídia, por meio de representações sobre sexualidade,
corpo e gênero opera no sentido da subjetivação não só de adultos,
homens e mulheres, mas também trabalha, nas sociedades
contemporâneas, para a formação das identidades infantis e juvenis.
Dentre os aparelhos midiáticos, a televisão, aponta Borges (2004),
é aquele que mais consegue ser acessado pelo público infantil devido a
algumas de suas características, tais como a linguagem utilizada, a qual
promove essa fácil acessibilidade para pessoas advindas de diferentes
realidades, como também para as crianças. Além disso, conforme o autor,
a televisão possibilita a aproximação do universo infantil com o adultício,
assim como promove o acesso deliberado, para crianças, de programas
destinados ao público adulto.
Por outro lado, também é importante considerarmos o
desenvolvimento das novas tecnologias da informação, acompanhado do
maior acesso a essas tecnologias de mídia, até mesmo em países em
desenvolvimento. Pesquisas realizadas nos últimos anos, como as do
Centro de Estudos sobre as Tecnologias de Informação e da Comunicação
(CETIC), a respeito do acesso da população às Tecnologias da Informação
e Comunicação (TICs), demonstram o crescimento do uso dessas
tecnologias pela população brasileira. Entretanto, é importante mencionar
que esse acesso apresenta disparidades ao se considerarem algumas
variáveis, como as regiões do país, grau de escolaridade e poder aquisitivo.
Em relação às crianças, estudos feitos pelo CETIC, divulgados em
2011, demonstram que o número de crianças que têm acesso à Internet por
meio de tablets, celulares, computadores, entre outros dispositivos, embora
66
seja, ainda, limitado, aumentou ano a ano, assim como ocorre com relação
à população de adultos/as. Dentre as atividades realizadas pelas crianças
por intermédio das TICs, estão jogar, trocar mensagens instantâneas,
pesquisar e se entreter (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO
BRASIL, 2010).
Nesse sentido, sabe-se que o conteúdo circulado por essas mídias
digitais é de grande variedade, fazendo parte dele, também, assuntos
relacionados à sexualidade.
Para Felipe (2006), se até o século XX a exploração ou violência
contra a criança não era passível de punição, agora, como se sabe, em
especial no caso brasileiro, passou-se a pensar sobre políticas públicas
voltadas à proteção da criança e de seus direitos e a desenvolvê-las,
acarretando várias modificações no âmbito jurídico. Embora tenham
ocorrido essas transformações, não cessaram os casos de violação aos
direitos da criança, sendo que elas ainda são exploradas de variadas formas
por adultos/as.
Por outro lado, Felipe (2006) afirma que as novas tecnologias,
mídias e afins têm propiciado um novo campo de vivência da sexualidade
que muitas vezes serve como instrumento para a prática da pedofilia,
embora existam ações governamentais que busquem combater esse crime
no Brasil. Contudo, a autora questiona a contradição do fato de que num
mesmo país existam leis que objetivam garantir a proteção à criança e aos
seus direitos, sendo que, concomitantemente, acontece a erotização de
corpos de pré-adolescentes por meio de diversos dispositivos culturais que
são propagados pela mídia brasileira.
Dentre os artefatos midiáticos, as músicas são, para a autora, um
dos dispositivos culturais mais relevantes em relação à veiculação de ideias
67
e concepções acerca da sexualidade: “elas expressam concepções de mundo
de uma época, de uma determinada cultura. Elas evidenciam, entre outras
coisas, formas de representar homens e mulheres e suas relações
afetivossexuais. Dessa forma, a música sempre educa e produz
conhecimentos.” (FELIPE, 2006, p. 217). Ademais, a autora escreve a
respeito do estilo musical denominado funk, já comentado neste capítulo,
o qual atualmente é considerado um dos estilos musicais mais populares
no país. Não ignorando que existam outros estilos que também explorem
a mesma temática, o funk, porém, em especial, apresenta algumas letras
que explicitam a prática da sexualidade, sendo veiculado por diversos
meios, tais como festas, televisão, rádio, entre outros, mantendo forte
adesão do público jovem. De acordo com Felipe (2006, p. 218):
No caso do funk, as letras se caracterizam pela referência explícita a
práticas sexuais, em rodeios ou sutilezas, remetendo a um mero
exercício sexual, onde os órgãos genitais são mencionados, atos sexuais
em suas mais variadas formas são proclamados, acompanhadas de
coreografias sensuais, que remetem à exibição dos corpos femininos.
Trata-se de uma sexualidade explícita, sem pudores, nem rodeios. O
amor e a paixão, temas tão recorrentes nas canções de décadas passadas
(não significa que hoje as músicas não se refiram a esse tema), cedem
lugar ou pelo menos parecem disputar espaço com músicas que
proclamam práticas sexuais.
Nesse sentido, ao mesmo tempo que a sexualidade na infância é
negada pela sociedade ainda nos dias atuais, conforme foi exposto nos itens
anteriores, a exposição de crianças a conteúdos relacionados à sexualidade
é, por outro lado, inegável. Dessa forma, afirma Maia (2005b, p. 90):
68
[…] as mudanças apontadas contribuem para que pais e educadores
resistam ao silêncio e tratem conscientemente das manifestações
sexuais das crianças, dispondo-se ao diálogo. A partir daí, sepossível
oferecer algum tipo de orientação, procurando preparar as crianças
para uma vida sexual adulta mais livre e prazerosa.
Muitos poderiam pensar que sendo a sexualidade um assunto
envolto de valores e de questões que são próprias da formação de cada
família, não se trataria de um assunto a cargo da escola, pois poderia
ocasionar um conflito entre essa e a comunidade. Entretanto, como afirma
Furlani (2011, p. 65):
Se considerarmos que a sexualidade (se referindo aqui a suas
manifestações e seu desenvolvimento) é um componente humano e,
portanto, um assunto de interesse infantil e jovem, então da escola se
espera uma atitude no sentido de garantir, em todos os níveis da
escolarização brasileira, seu assumir pedagógico, possibilitando a sua
discussão e inclusão curricular.
Todavia, conforme já apresentado no decorrer desta exposição, os
temas relacionados à sexualidade, por vezes, são abordados de forma
limitada no âmbito escolar; quando não, são ignorados, muito embora
temas como esses estejam previstos na política curricular da escola
brasileira, conforme discutido anteriormente por meio dos PCNs: “na
realidade, os dizeres das professoras ilustram o que vigora no contexto
escolar, isto é, um temor de abordar questões problemáticas, tais como de
gênero e corpo com os alunos devido ao receio de instigar uma prática
(LEÃO; RIBEIRO, 2011, p. 266).
Assim, conforme César (2009), em nossa sociedade brasileira a
questão da sexualidade se torna contraditória, ao passo que, por um lado,
69
tem-se a ideia de que a cultura brasileira é uma cultura que atribui
liberdade à sexualidade. Por outro, a problematização dos temas
relacionados à sexualidade não ocorre, e a escola, que poderia contribuir
significativamente na educação sexual dos indivíduos, conforme exposto,
apresenta diversas dificuldades e limitações para abordar essas questões.
Para César (2009, p. 15): “o que se afirma é que a proposta discursiva é
ótima, os princípios são muito bem colocados, o trabalho imaginado em
detalhes, porém a realidade de uma escola não contempla a
transversalidade tão facilmente, o que dificulta a proposta na ação
objetiva”.
Para Figueiró (2009), a dificuldade em lidar com a questão da
sexualidade é decorrente da insegurança do/a profissional educador/a
acerca do tema, que, ainda em meio à impressão de ter sido liberado, haja
vista a forma como a mídia e as músicas atuais o abordam, configura-se
como um tabu para muitas pessoas e para muitos/as desses/as
professores/as, os/as quais são fruto, também, de uma educação sexual
tradicional. Segundo a autora, esse entrave vivenciado pelos/as
educadores/as quanto ao assunto da sexualidade é resultado, também, do
despreparo quanto à questão da formação desses/as profissionais, que não
oportunizou o aprendizado necessário para garantir sua segurança em
abordar a temática no espaço escolar. Dessa forma: “neste contexto de
formação cultural, acabamos carregando conosco uma gama de tabus,
preconceitos e sentimentos, muitas vezes, negativos, em relação ao sexo, o
que acentua nossa dificuldade em falar abertamente sobre ele
(FIGUEIRÓ, 2009, p. 142).
Essa insegurança do grupo docente em relação à temática em
questão acaba se fazendo presente no modo pelo qual esse a aborda
cotidianamente com seus/suas alunos/as na escola. Assim, suas práticas em
70
educação sexual limitam-se à abordagem sobre o sistema reprodutor e
sobre a prevenção de doenças venéreas, optando pela omissão de assuntos
relacionados à sexualidade.
Além dos entraves com relação à questão, resultantes do fato de
que os/as próprios/as professores/as podem conceber a sexualidade como
um tabu, em vista de sua educação sexual, também esses/as sentem-se
temerosos/as em abordar a temática com os/as alunos/as pelo receio da
reação da família desses/as, as quais podem reprovar a iniciativa. Para
Figueiró (2009, p. 143):
Alguns pais preocupam-se, justamente, por temer que os professores
passem, para seus filhos, os valores que eles, professores, defendem.
Assim, por exemplo, pais conservadores que defendem a virgindade até
o casamento (para as filhas, na maioria das vezes) temem que
professores possam pregar valores divergentes, incentivando, no caso,
o sexo antes do casamento. O contrário também pode acontecer, ou
seja, pais que pretendem que seus filhos sejam livres para decidir, com
responsabilidade, sobre sua vida sexual, temem que professores
conservadores venham lhes incutir ideias de pecado.
Se é complicado trabalhar as questões relacionadas à sexualidade
com os/as jovens, o é ainda mais em relação às crianças, visto que aí aparece
outro entrave em relação à inclusão da sexualidade no âmbito escolar: o
fato de que muitos educadores/as m a concepção equivocada de que a
sexualidade não é assunto que pertence ao universo infantil, assim como
assinala Furlani (2011). Segundo a autora, nessa perspectiva, a sexualidade
é atrelada a um único objetivo, qual seja, o de reprodução, o que faz com
que os educadores/as creiam que ela só deve ser trabalhada na adolescência
a partir da segunda etapa do Ensino Fundamental, momento no qual os/as
jovens/as passam pela fase da puberdade.
71
É recente, na história humana, o entendimento de que a criança possui
uma sexualidade que pode e deve se expressar. Considerar que esta é
uma fase da vida em que a sexualidade está presente é, necessariamente,
rever e repensar os objetivos da sexualidade que, até então, aprendemos
e/ou nos vêm sendo ensinados. O principal paradigma a ser
desconstruído é o entendimento de que a sexualidade, para as pessoas,
se justifica pela reprodução (FURLANI, 2011, p. 67).
Nesse sentido, Furlani (2011) destaca que a sexualidade na infância
manifesta-se na exploração e descoberta da criança sobre seu corpo, o que
carrega um aspecto afetivo. Essa descoberta sobre si, feita de forma afetiva
tanto na infância quanto em momentos posteriores da vida, é importante
para a suscitação da sensação de prazer que nos conforta emocionalmente,
psiquicamente e fisicamente, fator relevante que possibilita a construção
de bons relacionamentos afetivos na fase adultícia.
Ocorre que, na escola, quando as crianças manifestam sua
sexualidade, comumente explorando seus genitais na fase escolar desde a
Educação Infantil, cria-se um desconforto por parte dos/as agentes
escolares. Nessas situações, conforme Braga (2009), o/a educador/a prefere
ignorar, reprimir a atitude, ou mesmo levá-la a conhecimento da equipe
gestora da escola. Tal postura revela a falta de preparo do/a docente, que
acaba por reforçar comportamentos antissexuais e repressores. Seu
posicionamento pode, assim, estar alicerçado na concepção de que a
criança é um ser assexuado e que, portanto, essas manifestações não devem
fazer parte do universo infantil, revelando, também, uma concepção de
que a sexualidade é assunto para aqueles/as que estão aptos a reproduzir,
extinguindo a questão afetiva, a busca pelo prazer, entre outras questões
que podem justificar a ação do/a aluno/a que expressa sua sexualidade no
espaço escolar. Para Santos e Bruns (2000, p. 21): “não raro, a criança
passa a infância aprendendo a renunciar ao prazer e a sentir-se culpada por
72
experimentá-lo. Aprende também a obrigatoriedade da resignação e, ainda,
que a aprovação social e a segurança são os bens mais desejáveis []”.
Tendo em vista os aspectos mencionados, é importante salientar
que os maiores entraves relacionados à forma como a sexualidade é
trabalhada no espaço escolar, já citados no presente texto, são a dificuldade
do/a educador/a em falar sobre o assunto em vista de estar envolto em
valores e concepções muitas vezes repressores, tornando-se um grande tabu
para essas pessoas; o receio de reprovação da comunidade, considerando a
subjetividade do tema, que são dois problemas decorrentes da formação
insuficiente do/a docente, a qual não proporciona a reflexão sobre as
questões acerca da educação sexual; e as implicações pessoais relativas ao
tema, que, muitas vezes, trazem concepções repressoras.
Nesse sentido, Ferreira e Ribeiro (2009) destacam a importância
da formação específica para educadores/as a fim de atuar na questão da
educação sexual, a qual alude a sensações e sentimentos subjetivos de cada
pessoa, o que reforça a necessidade de formar aquele/a profissional que
lidará com a questão no contexto educativo.
Em todo caso, antes de qualquer proposição ou crítica em relação
ao assunto em questão e como ele se dá na prática escolar, em realidades
específicas, portanto sem ousar cair em generalizações infundadas, é mister
compreender as ideias, pensamentos e concepções formulados
historicamente, que, de alguma forma, contribuem nas tomadas de
decisões de todos/as os/as envolvidos/as no processo educativo, assunto do
próximo item.
73
CATULO 2
SEXUALIDADE, GÊNERO E INNCIA:
O PROCESSO DE DIFUSÃO E IMPOSÃO DE MODELOS
HEGEMÔNICOS NO DECORRER DA HISTÓRIA
_______ ____________ ____________ _____________________ ____________ _______________ ____________ ____________ ____________________ ____________ _______________ ____________ ____________ _____________________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ _______________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ _____
Ao longo das construções e desconstruções na história da sexualidade
desde os ideais greco-romanos clássicos até os paradigmas
contemporâneos percebemos que a humanidade acabou por
inocular nas veias do corpo social uma espécie de estranhamento de
sua sexualidade e, portanto, para com seus próprios corpos.
Nathalia Botura de Paula Ferreira; Paulo Rennes Marçal Ribeiro
Tal como foi apresentado na passagem anterior, a sexualidade
geralmente é um tema tabu; quando não, é alvo de grande polêmica e
discussões. Isso pode ser elucidado na dificuldade com que ela fora
introduzida nas políticas educacionais brasileiras, bem como nos entraves
que a escola enfrenta nas tentativas de abordá-la em seu espaço.
Nesse sentido, o presente item justifica-se na busca pela
identificação e conhecimento sobre algumas das principais concepções
acerca da sexualidade segundo autores/as que abordam o tema, bem como
sobre as questões de gênero que lhes são intrínsecas, as quais possivelmente
possam esclarecer as tomadas de decisões atuais em relação a esse assunto,
principalmente referente à escola.
Uma das dificuldades em abordar a temática da sexualidade na
escola, conforme foi explanado no capítulo anterior, refere-se à
74
insegurança dos/as agentes escolares em falar sobre o assunto devido,
muitas vezes, a bloqueios pessoais, como também ao temor de uma possível
resistência por parte dos familiares dos/as alunos/as (GAGLIOTTO;
LEMBECK, 2011).
Essa situação ocorre à medida que a sexualidade e as questões de
gênero são permeadas de valores, concepções e crenças acerca da
sexualidade, como também da infância, considerando que a sexualidade
infantil acarreta um tabu ainda mais profundo. Nesses termos, o assunto
torna-se extremamente complexo. Além disso, conforme Teixeira-Filho,
Barreira e Vieira (2006, p. 14): “o educador, muitas vezes, internaliza e
reproduz esses valores, o que aumenta as vulnerabilidades e cria empecilhos
no que tange ao desenvolvimento de atividades relativas à Educação
Sexual”.
Nesse sentido, segundo Santos e Bruns (2000), os/as próprios/as
educadores/as têm dificuldade em trabalhar com a educação sexual pelo
fato de terem sido educados/as a partir de uma concepção repressora da
sexualidade. Outras vezes, ainda quando não têm a intenção, promovem a
educação sexual em sentido negativo, reproduzindo atitudes antissexuais
ou sexistas sem que ao menos estejam conscientes das consequências de
suas práticas, ao passo que a repressão, muitas vezes, se expressa de forma
velada nos espaços escolares (MAIA, 2005b).
Nessa perspectiva, é possível identificar, segundo os/as autores/as,
que os entraves vividos na escola, em relação à implementação da educação
sexual, são, muito provavelmente, resquícios da repressão e do controle
sobre a moral sexual ocorrida ao longo da História da humanidade e que
ainda, na atualidade, exercem intenso domínio sobre as atitudes e
comportamentos dos/as sujeitos/as referentes às questões relacionadas à
sexualidade por intermédio de diferentes aparatos sociais, assim como
75
aponta Faria (1998, p. 12): “a sexualidade, tal como vivemos hoje, é
marcada pela interação de múltiplas tradições e práticas sociais religiosas,
morais, familiares, médicas e jurídicas imbricadas às formas de resistência
dos setores oprimidos e às próprias práticas sexuais e eróticas”.
No caso do nosso país, segundo a autora, as concepções sobre
sexualidade sofrem influência principalmente da religião católica, da
cultura europeia e das transformações decorrentes do sistema capitalista.
A questão religiosa, por sua vez, torna-se uma temática essencial na
discussão sobre o assunto em questão, visto que, conforme Figueiró
(1996), no decorrer da História a religião vem exercendo influência
importante em relação às condutas sexuais dos indivíduos ao impor a
moral religiosa na forma como a sociedade, principalmente a ocidental,
concebe sua sexualidade. Assim, segundo a autora, muitos princípios
religiosos exercem, até os dias atuais, uma grande influência sobre
determinados temas, tais como os papéis sociais de homens e mulheres, a
virgindade, entre outros, que, por meio da inculcação, pela exploração da
culpa, são reproduzidos nas condutas dessas pessoas, bem como em suas
escolhas.
Para Werebe (1998), embora a religiosidade tenha, ao longo da
História, expressado sua grande influência a respeito da sexualidade das
pessoas, deve-se ter cautela em relação a esse assunto, pois há intenções
políticas por meio das quais utiliza-se essa noção a fim de mascarar a
realidade de que a vida sexual das pessoas é elaborada a partir de preceitos
políticos.
Entretanto, não há como ignorar o controle exercido pelas
diferentes religiões quanto às condutas sexuais dos/as sujeitos/as. Por outro
lado, é igualmente importante destacar as concepções acerca da infância e
76
da sexualidade infantil, visto que, conforme apontado anteriormente,
abordar assuntos acerca da sexualidade é, ainda, mais complicado quando
se trata de crianças.
Finalmente, não objetivou-se, com essa exposição, esgotar os temas
que serão aqui abordados; entretanto, espera-se que eles possam responder,
ainda que minimamente, a algumas das questões norteadoras do presente
estudo.
2.1 Religião e sexualidade
Embora o Brasil seja um país que expressa grande diversidade
religiosa, a sexualidade no Brasil, conforme já foi explanado, teve
influências, principalmente, de princípios advindos do cristianismo.
Apesar de seu aporte teórico pautar-se principalmente nos escritos
trazidos pela Bíblia, os princípios cristãos não estão restritos a tal fonte,
sofrendo influência de filósofos Antigos, tais como Platão. Dentro da
filosofia platônica, por exemplo, o sexo era restrito ao casamento a fim de
que o homem pudesse, assim, exercer o domínio de si, característica
importante àqueles que quisessem desempenhar sua autoridade seja no
âmbito privado, ou no âmbito público. Todavia, aquilo que tinha o cunho
sugestivo na filosofia platônica, a partir do cristianismo, passou a ser
obrigatório (FIGUEIRÓ, 1996).
Nesse sentido, o cristianismo exerceu e exerce o que Cha(1984)
define como repressão sexualao longo da História da humanidade. Para
a autora, embora o estudo sobre esse fenômeno seja considerado recente,
tendo sido iniciado a partir do século XIX, a repressão sexual é um
fenômeno presente na vida social desde a Antiguidade. Assim, ela escreve:
77
De modo geral, entende-se por repressão sexual o sistema de normas,
regras, leis e valores explícitos que uma sociedade estabelece no tocante
a permissões e proibições nas práticas sexuais genitais (mesmo porque
um dos aspectos profundos da repressão está justamente em não
admitir a sexualidade infantil e não genital) (CHAUÍ, 1984, p. 77).
E é por meio de alguns aparatos sociais, reforça a autora, tais como
a educação, a religião, a ciência, entre outros, que cada indivíduo
internaliza essa repressão.
Chauí (1984) assinala, ainda, que a Igreja Católica atribui uma
conotação negativa ao sexo e à sexualidade, a qual é difundida por meio do
Antigo Testamento, como também pelos textos dos Santos Padres. Essa
concepção pejorativa sobre a sexualidade, segundo a filósofa, tem sua
origem no significado do pecado original, o qual, conforme os preceitos
cristãos, implicou na separação do ser humano de Deus. Nas palavras da
autora:
A queda, o distanciar-se para sempre de Deus é um sentimento de
rebaixamento real e do qual a descoberta do sexo como vergonha e dor
futura é o momento privilegiado. Com ele, os humanos descobrem o
que é possuir corpo. Corporeidade significa carência (necessidade de
outra coisa para sobreviver), desejo (necessidade de outrem para viver),
limite (percepção de obstáculos) e mortalidade (pois nascer significa
que não se é eterno, é ter começo e fim). O pecado original é originário
porque descobre a essência dos humanos: somos seres finitos. A
finitude é a queda (CHAUÍ, 1984, p. 86, grifo da autora).
E assim, afirma a autora, o caráter humano do sexo, que nos
distanciaria da divindade, está no fato de que, por meio dele, expressamos
78
nossa carência e corporeidade e de que, por intermédio dele, também
damos vida a seres finitos.
Além disso, a crença no Juízo Finalreafirma a concepção de que
a atividade sexual seria desnecessária para a perpetuação da vida, ao passo
que a Redençãopermitiria a conquista da imortalidade, o que, conforme
Chauí (1984), foi uma ideia fortalecida pela Igreja com a aproximação dos
milênios, momentos nos quais acreditava-se ser a chegada do Juízo Final”.
Sendo todos os seres humanos frutos do pecado original, a única
salvação para os Primeiro Padres, quais sejam, Gregório, Tertuliano e
Graciano, estaria na virgindade e, mais tardiamente, a partir do século
XIII, no matrimônio, entendido por Santo Agostinho e São Paulo como o
remédioà impudicícia, o que confere a sacramentação ao casamento
(CHAUÍ, 1984).
O casamento cristão sofreu algumas influências da aristocracia no
período em que a Igreja Católica Romana foi estendendo seus domínios e
hegemonia sobre o território europeu. Aos poucos, foi estabelecendo seu
próprio modelo e instituindo algumas inovações em relação ao casamento
aristocrático, dentre as quais que o sexo não proporcionasse prazer, o que
lhe conferia honestidade (CHAUÍ, 1984).
Portanto, o cristianismo limita a sexualidade à finalidade de
reprodução da espécie, e ainda que atendendo somente a essa finalidade, o
sexo é considerado como pecado em sua essencialidade, visto que dá vida
a seres finitos, pois toda prática sexual que não tenha apenas como
finalidade a procriação tem, em si, o peso do pecado atribuído em maior
proporção. Além disso, segundo esses princípios, a elevação espiritual, bem
como a purificação do ser, somente são alcançadas se esse consegue
controlar seus apetites sexuais, considerando o fato de que o sexo é
79
abarcado como uma atividade necessária somente àqueles/as seres
inferiores espiritualmente. (CHAUI, 1984)
De acordo com Figueiró (1996), as ideias cristãs nas quais tinha-se
uma relação entre sexo e pecado são originárias, principalmente, de São
Paulo, o qual foi iniciante no cristianismo na difusão de concepções
preconceituosas e limitadas quanto à sexualidade, influenciando no
pensamento de muitos teólogos, posteriormente. Segundo a autora, São
Paulocondenava o homossexualismo, o adultério, a fornicação e a
prostituição e propunha um ideal de mulher submissa e obediente ao
marido” (FIGUEIRÓ, 1996, p. 23).
Outro aparato religioso no qual estão contidas ideias a respeito da
sexualidade, segundo Figueiró (1996), é a Patrística, a qual dá
continuidade às concepções de São Paulo, desaprovando condutas sexuais,
de forma severa, e na qual condena-se, também, o divórcio. Conforme
Cabral (1995, p. 102):
Em se tratando do importante papel exercido pela patrística, cabe
esclarecer que nos referimos àquela que se tornou vencedora como
norteadora do pensamento cristão no Ocidente. Pelos padres de
formação latina, sobretudo de Ambrósio, Jerônimo e Agostinho, o
mundo ocidental conheceu e incorporou as ideias referentes à
sexualidade, à sociedade e ao casamento numa interpretação religiosa
cristã.
Portanto, a moral sexual austera na Idade Média foi sendo
construída a partir das ideias trazidas pela Bíblia e, posteriormente, pela
Patrística, sendo influenciada, também, por princípios pagãos, “[…]
destacando-se o neoplatonismo da antiguidade e o estoicismo (da Idade
Média)” (FIGUEIRÓ, 1996, p. 24).
80
De acordo com Vitiello e Conceição (1993), a concepção atual
atribuída à relação sexualidade/genitalidade tem suas origens na Patrística,
na qual a sexualidade seria compreendida como “um mal necessário”,
segundo o autor, pelo fato de ser necessária tão somente à procriação.
Assim, a moral sexual repressora é reforçada a partir dos escritos
dos Santos Padres, que atribuem uma concepção extremamente negativa a
toda prática sexual, além de proferirem a subjugação da mulher em seus
ensinamentos (NUNES, 1987). A razão pela qual foram ocorrendo essas
transformações sobre a forma como o cristianismo concebia a sexualidade,
no sentido de reforçar uma moral sexual cada vez mais rígida, pode ser
explicada, segundo o mesmo autor, como expressão da necessidade de
estabelecer-se enquanto uma religião diversa dos preceitos pagãos que
eram, aos poucos, envolvidos pelo cristianismo, já que a filosofia pagã
atribuía maior liberdade às questões relacionadas à sexualidade.
Santo Agostinho, por sua vez, encarrega-se de enfatizar a rigidez
com que era concebida a sexualidade no cristianismo apresentando-a como
algo pecaminoso e normatizando as condutas sexuais as quais, para ele,
deveriam objetivar somente a procriação. Ademais:escreve argumentos
condenatórios contra a anticoncepção com drogas ou com a interrupção
do ato, bem como condena as relações anais ou a felação” (NUNES, 1987,
p. 84).
Assim, Santo Agostinho, segundo Cabral (1995), embora tenha
nascido no período da Antiguidade, exerceu grande influência no
pensamento cristão durante séculos, especialmente no que tange à
sexualidade, instaurando ideias que reforçaram a rigidez em relação à moral
sexual cristã. O autor assinala, ainda, que os pensamentos agostinianos
tiveram base em sua educação:
81
Sua mãe, Mônica, educou-o de modo a não se render à fornicação. Seu
amigo íntimo, Alípio, influenciou-o a excluir o sexo de sua vida, assim
como ele o havia feito após uma experiência [amorosa] frustrada.
Agostinho inspirou-se ainda nos sermões de Ambrósio, nas obras de
Plotino e Porfírio e em literaturas neoplatônicas (CABRAL, 1995, p.
107).
Além disso, explica o autor, a interpretação acerca de algumas
ideias presentes na Antiguidade, tais como “ser o sexo uma obra de
serpente, ser o casamento um modo de vida repugnante e hediondo []”
(CABRAL, 1995, p. 105), além das vivências particulares dos Santos
Padres, contribuíram para o pensamento pejorativo desses quanto à
sexualidade.
Assim sendo, escreve Nunes (1987) que a sexualidade é concebida
de forma muito negativa no período da Idade Média, chegando a ser
condenada por Santo Agostinho se ocorrida, inclusive, dentro do
casamento. O prazer passa a ser julgado como pecado, a virgindade e o
celibato passam a ser valores cristãos.
Sobre isso, nas Epístolas dos Santos Padres, existiam até mesmo
orientações para que os casais pudessem evitar sentir prazer nas relações
sexuais: “[] o marido deve limitar-se à penetração na esposa, sem tocá-
la em qualquer outra parte, o mesmo devendo fazer a mulher” (CHAUÍ,
1984, p. 98).
Portanto, no período medieval, o cristianismo exercia um intenso
controle sobre a sexualidade por meio de ensinamentos religiosos,
relacionando-a ao princípio de pecado, negando o prazer e normatizando
o objetivo da atividade sexual como sendo exclusivamente a procriação.
Outro fato que merece ser enfatizado diz respeito à repressão da mulher
difundida por meio do pensamento cristão, sendo inferiorizada perante o
82
homem e responsabilizada pela tentação, ou seja, a instigação da prática
sexual, visto que, segundo os princípios religiosos, o corpo feminino era o
mais vulnerável para os estímulos sexuais, o que justificaria os
ensinamentos dos Santos Padres, que, segundo Nunes (1987), opunham-
se aos costumes femininos de embelezamento, a risco de atraírem os
homens para o pecado.
Nos ensinamentos dos Santos Padres, há ainda a menção de que a
mulher deve ser sempre passiva e obediente ao homem e cobrir seu corpo
em todas as circunstâncias, pois este não expressaria nenhum aspecto
divino. O homem, por sua vez, deveria exercer domínio sobre a esposa.
Tais concepções são apresentadas como parte da natureza. (CHAUÍ,
1984). Em outras palavras, a diferença entre homens e mulheres era
entendida como um fator natural e determinado a partir da diferença
genital. Nesse sentido, acaso nascesse mulher, naturalmente deveria ser
submissa; se homem, deveria dominar.
Contudo, a rigidez da moral sexual cristã, na realidade nas camadas
mais pobres, não era seguida. Segundo Nunes (1987, p. 87): “todo o
esforço da Igreja não fora capaz de enquadrar o materialismo das camadas
populares. Sexo com animais, sexo entre clérigos, tudo isso era proibido e
praticado. Dizia-se que se uma moça passasse na sombra de um convento,
engravidava”.
A conduta contraditória do Clero em relação aos princípios cristãos
começou a gerar um intenso questionamento e revolta por parte do povo.
Aquilo que era pregado pela Igreja pouco era posto em prática pela classe
clerical, que vivia um período de luxúria. Assim, a Igreja passou pela sua
maior crise, perdendo muito fiéis e tendo seus dogmas fortemente
questionados. Além disso, alguns de seus princípios, como, por exemplo,
as proibições em relação ao comércio iam contra o regime que se instaurava
83
na época, principalmente contra os interesses da burguesia, classe que
estava ascendendo. (MELLO; COSTA, 1993)
A crise da Igreja culminou no movimento conhecido como
Reforma, o qual ocorrera de forma diferente em cada país, segundo Mello
e Costa (1993). Um de seus líderes era Martinho Lutero, que, influenciado
por algumas ideias de Santo Agostinho, até então criticadas, propunha
algumas reformas sobre os princípios cristãos: “a negação da autoridade
espiritual dos padres e da infalibilidade e a defesa da abolição do celibato
eclesiástico, bem como a defesa e a valorização do matrimônio.”
(FIGUEIRÓ, 1996, p. 25). Para Lutero, portanto, a verdade era proferida
somente pela Bíblia, não cabendo a ninguém definir uma interpretação
privilegiada sobre ela.
A partir do movimento da Reforma, segundo Figueiró (2006),
surgiram várias seitas religiosas protestantes. O Protestantismo, portanto,
inovou alguns princípios cristãos, dentre os quais alguns que tratavam da
sexualidade
4
. Para Werebe (1998), o Protestantismo apresenta-se como
menos rígido em relação às condutas sexuais e, dessa forma, alguns
assuntos são tratados com maior permissividade e tolerância em
comparação ao Catolicismo, explanando posições diferentes quanto aos
temas do aborto, da sexualidade juvenil, como também ao celibato,
consideradas pela autora “[] bem mais abertas e avançadas []”
(WEREBE, 1998, p. 58).
Para Figueiró (1996), o Protestantismo também influiu e ainda
influi na vivência da sexualidade de seus adeptos, o que, segundo a autora,
4
É importante considerar, entretanto, que as atuais igrejas originárias do Protestantismo em nada superam a
repressão sexual das igrejas católicas. Basta considerarmos a responsabilidade de grupos religiosos cristãos,
evangélicos e católicos nos entraves sobre as políticas curriculares que tencionam a inclusão de gênero e
sexualidade no currículo escolar.
84
deve ser considerado, visto que embora tenha sido presente no Brasil, mais
tardiamente ao Catolicismo, o Protestantismo também tem um grande
número de seguidores. Figueiró assinala, ainda, que dentro do
Protestantismo há diversas subdivisões que tornam difícil a determinação
de princípios próprios. Entretanto, consegue elencar alguns dos principais
conceitos protestantes em relação à sexualidade para o que a autora definiu
como Protestantismo Tradicional. Assim, dentre as ideias acerca da
sexualidade, o Protestantismo:
[…] promove a educação para a castidade/virgindade, bem como para
o domínio de si. Orienta para a vivência da sexualidade e busca do
prazer apenas no matrimônio, condena as experiências pré e
extraconjugais e o aborto. Reafirma as condenações bíblicas do coito
anal e do coito durante a menstruação. Considera pecado a prática do
homossexualismo e tem como meta pastoral a recuperação do
homossexual (FIGUEIRÓ, 1996, p. 53).
Com o objetivo de restaurar os princípios cristãos, bem como de
refrear a propagação do Protestantismo, a Igreja Católica reagiu a partir do
movimento denominado de Contrarreforma, a qual deu origem à era
tridentina (NUNES, 1987). Na tentativa de impedir a perda de mais
adeptos ao cristianismo, a Igreja tomou severas medidas a partir da
Inquisição, a qual instaurou métodos extremamente repressores e violentos
sobre aqueles que ousassem contrariar os princípios cristãos. Além desse,
outro método utilizado na Contrarreforma da Igreja Católica foi a
catequese (MELLO; COSTA, 1993).
Assim, a aparente liberdade acerca das condutas sexuais foi se
perdendo à medida que as doutrinas restauravam-se por meio do
catecismo, como também pelas influências sobre os pensamentos da época,
85
advindas da espiritualidade e do romantismo presentes na Literatura,
sendo consolidadas ações fortemente repressoras sobre aqueles/as que
ousassem infligir os conceitos cristãos. Além disso, o fim do período
medieval, após a era tridentina, foi caracterizado pela intensa difusão da
ideia de inferno como lugar dos/as pecadores, configurando-se no grande
temor do povo (NUNES, 1987).
Segundo Figueiró (1996), no Brasil, no decorrer do século XVI,
assim como ocorria na Europa, havia um desregramento quanto às
pregações cristãs em relação à sexualidade. Conforme assinala Ribeiro
(2002), a prática sexual brasileira, na época da colonização do país, não
acompanhava os discursos proferidos:
Na prática, o povo tinha uma conduta própria cujas atitudes e
comportamentos visavam atender as necessidades sexuais de uma
população carente de mulheres brancas, num período inicial, e, depois,
possuidora de um grande número de mulheres escravas que eram
obrigadas a satisfazer o desejo sexual dos senhores brancos (RIBEIRO,
2002, p. 12).
Assim, muito embora existisse uma moral tradicional repressora
em relação à sexualidade no Brasil, o que ocorria, em realidade, era a
prática sexual entre os senhores e as mulheres que aqui viviam, as quais
eram subjugadas sexualmente (VAINFAS, 1997 apud RIBEIRO, 2002).
Segundo Figueiró (1996), somente a partir do início do século
XVII, por meio da Inquisição, foi que as doutrinas religiosas cristãs
começaram a ser impostas por aqui a partir das ações dos jesuítas, os quais
apregoavam a salvação das pessoas por intermédio de sua submissão aos
dominantes.
86
Figueiró (1996) assinala, ainda, que a partir da evangelização das
massas a Igreja passou a ter maior domínio sobre o mundo privado,
estabelecendo normas quanto às condutas de cada membro da família. A
confissão tanto na Europa quanto aqui era o principal meio para o alcance
da disciplina. Da mesma forma que ocorria nas demais civilizações
ocidentais, as atividades sexuais confessadas eram condenadas, passando,
depois, a ser condenável, também, o pensamento em relação às ações
sexuais. “Além desses desvios [sexuais], eram perseguidos tanto pela
religião quanto pela Inquisição, o adultério, a fornicação, a violação, a
bestialidade, a masturbação, os sonhos eróticos e os toques íntimos
(FIGUEIRÓ, 1996, p. 27, grifo nosso).
2.2 Sexualidade e o aburguesamento da sociedade
Eis o mundo moderno chegando e, com ele, a exaltação da ciência, da
razão e da potência do espírito humano. Com ele, também, a rejeição
da fé (ou, pelo menos, a secundarização da fé num ser divino) e a
dessacralização dos dogmas medievais.
Juçara Teresinha Cabral
Para Nunes (1987), a moral de Lutero, a partir da Reforma
Protestante, buscava se opor à conduta desregrada da Igreja Católica.
Entretanto, o autor explica, a partir do pensamento weberiano, que, em
realidade, o Protestantismo objetiva instaurar alguns princípios que iam ao
encontro dos interesses do modo de produção capitalista. “Assim, a moral
luterana será uma moral agostiniana, regulando a sexualidade no nível
87
procriativo, já que as máquinas precisavam de mão de obra abundante a
barata” (NUNES, 1987, p. 92).
Na tentativa de explicar essa mesma ideia, Chauí (1984) apresenta
alguns dos pensamentos originários de Santo Agostinho, os quais
influenciaram Lutero. Assim, uma das ideias agostinianas que são acatadas
no Protestantismo é relativa à salvação. Para Santo Agostinho, a
liberdade de escolha e a vontade humana seriam aquilo que gera o pecado,
sendo que a salvação caberia somente a Deus, independentemente de
nossas ações. Embora não fosse a única perspectiva em relação à questão
da salvação naquele tempo, segundo Chauí (1984) essa foi uma importante
concepção ao longo dos anos no âmbito do Catolicismo e que fora
reforçada a partir da Reforma.
Outra visão a respeito do tema, também presente no campo da
religiosidade, é a de termos liberdade de escolha sobre nossas ações a partir
do conhecimento adquirido acerca do que seria bom ou mau, estes
baseados nos ensinamentos religiosos. Então, o que temos de fazer é evitar
as escolhas ruins, para que mereçamos ser salvos se assim já tiver sido
decretado por Deus. E é nesse ponto que o trabalho toma função
privilegiada, ao passo que ele ajudaria na purificação e no impedimento da
tentação segundo o puritanismo (CHAUÍ, 1984).
“O trabalho é a finalidade da vida e a vida em estado de graça é a
vida operosa” (CHAUÍ, 1984, p. 15). Nesse sentido, toda atividade que
proporcionasse lazer era condenada, visto que somente aquilo que fosse
considerado útil em relação ao trabalho era valorizado, segundo afirma a
filósofa. Compreensão essa que forma uma das bases do modo de produção
capitalista.
88
Chauí (1984) assinala, ainda, que a repressão da sexualidade se dá
de forma mais profunda em relação à ideia de trabalho dada anteriormente
do que no próprio casamento, pois enquanto neste último, quando não há
satisfação sexual por uma das partes, uma delas procura alternativas que
possam exercer tal função, como, por exemplo, a masturbação ou o sexo
homoafetivo. Com relação ao trabalho, por outro lado, o cansaço
adquirido na entrega à atividade laboral não possibilita a estimulação da
libido, que está direcionada de forma integral a essa atividade, ou seja, o
trabalho acaba substituindo a atividade sexual. Dessa forma:
Para que o trabalho se torne central, valor e virtude, condenação e
destino, a super-repressão dessexualiza e deserotiza o corpo, destrói as
múltiplas zonas erógenas (cuja satisfação, se for conservada, será
chamada de perversão, crime, imoralidade) e reduz a sexualidade
exclusivamente à zona genital, com finalidade procriativa (CHAUÍ,
1984, p. 156).
Dentro dessa perspectiva, a sociedade somente aceita algo ou uma
atividade se esta for útil ao que se espera; assim, a sexualidade é aceita se
sua finalidade for útil à reprodução da espécie (CHAUÍ, 1984).
Nesse sentido, estando a sexualidade restrita à reprodução, logo a
libido limitar-se-ia apenas aos genitais, o que é de grande vantagem para o
modo de produção capitalista, que teria, então, todo o resto do corpo de
seu trabalhador como um “máquina” de força de trabalho, segundo John
Holloway (2013). Além disso, o autor afirma que o foco nos genitais, na
questão da sexualidade, leva à dicotomia dos sexos, na qual “[] a ideia
de que há dois e somente dois sexos. Se a sexualidade fosse pensada (e
desfrutada) em termos de prazer polimórfico, o toque de pele com pele,
89
por exemplo, então não haveria razão para pensar em pessoas como sendo
divididas em dois sexos” (HOLLOWAY, 2013, p. 120).
Assim, o fato de se considerar como sendo normal apenas a prática
sexual que tenha finalidade de procriação tem fundamentação no
pensamento capitalista, no sentido de que conforme as ideias formuladas
no contexto do capitalismo, a procriação é concebida como um meio de
prover maior número de mão de obra, ou força de trabalho
(HOLLOWAY, 2013).
Além disso, a normatização das práticas sexuais, nesses termos,
inferioriza o prazer contido na sexualidade, pois o princípio do prazer não
faria parte da vida penosa de um trabalhador que tivesse bom desempenho
(HOLLOWAY, 2013). “Contra uma sociedade que emprega a sexualidade
como meio para um fim útil, as perversões defendem a sexualidade como
um fim em si mesmo; colocam-se, pois, fora do domínio do princípio de
desempenho e desafiam os seus próprios alicerces” (MARCUSE
1956/2010, p. 62 apud HOLLOWAY, 2013, p. 120).
O tempo, a sexualidade, o trabalho: tudo se torna, então,
controlado por outrem. O prazer, por sua vez, não encontra lugar numa
sociedade em que tempo é dinheiro e na qual não compreende nenhuma
função no prazer. Segundo Nunes (1987, p. 92):
A pedagogia e a moral luterana começam a mapear o corpo, reduzindo
a sexualidade a um isolamento e uma negatividade assustadores. A
nudez, a qual na época medieval era vista com naturalidade, começa a
ser coberta de pano e conceitos. A linguagem sobre o sexo passa a ser
controlada, e nos livros tudo o que trata do sexo é expurgado. O sexo
é o grande inimigo do trabalho, agora a nova forma de compreender o
homem.
90
Entretanto, conforme Figueiró (1996), não foi apenas a Reforma
que trouxe a austeridade no campo da sexualidade. A moral tridentina,
igualmente, reagiu de maneira rigorosa quanto às condutas sexuais, pela
qual compreendia-se que a sexualidade estaria ligada à maledicência, ao
inferno. “Tanto Reforma como Contrarreforma foram portadoras de uma
pedagogia e de uma moral bastante negativas, austeras e castradoras, onde
o sexo permanecia reduzido à procriação” (FIGUEIRÓ, 1996, p. 25).
A partir de então, os campos da Educação, da Medicina, bem como
da Religião começam a desenvolver medidas contra a sexualidade, donde
o sexo e a masturbação são os principais alvos a serem combatidos
(NUNES, 1987).
Desse modo, a pedagogia tridentina é iniciada proferindo vários
ensinamentos dos Padres para aqueles/as que desejassem evitar as tentações
(CHAUÍ, 1984). Dentre esses ensinamentos, a autora destaca alguns
destinados às crianças e aos jovens de classes mais abastadas na época que
objetivavam controlar a masturbação, bem como atos que promovessem a
estimulação da sexualidade. Nas palavras da autora:
Os meninos, por exemplo, não devem conservar as mãos nos bolsos.
Conservá-las ali seria sinal de avareza? Talvez. Mas a proibição visa a
outro fim: impedir a tentação da masturbação. As meninas não devem
cruzar as pernas à altura dos joelhos, mas apenas na dos calcanhares.
Sinal de elegância? Assim o diria a racionalização. Na verdade, trata-se
de impedir que, pela fricção das coxas, a menina também se masturbe.
Não se deve falar com superior fitando-o nos olhos. Sinal de modéstia
e de obediência? Não. Risco de sedução sensual (CHAUÍ, 1984, p.
103).
91
Conforme Nunes (1987), a partir do aburguesamento da sociedade
começa-se a se instaurar uma forte repressão sexual na qual a sexualidade
começa a fazer parte do âmbito privado o prazer é negado, e seu fim passa
a ser somente o procriativo. Assim, percebe-se a contradição de um sistema
que diz idealizar a liberdade, mas que, ao mesmo tempo, propaga a
repressão da sexualidade.
Ainda de acordo com o autor, nesse período começam a se fazer
presentes a preocupação com a civilidade e a profunda intensificação do
sentimento de vergonha, que se somavam à já instaurada ideia de pecado.
Para Chauí (1984, p. 131), a moral sexual moderna: “[] começa a
valorizar o pudor, a decência, a limpeza e o isolamento ou privacidade”.
A distinção do que pertence ao mundo público ou privado, da
mesma forma que acomete a sexualidade, também gera influências sobre a
forma de organização das famílias modernas. De acordo com Chauí
(1984), até o século XVI as famílias não tinham um espaço privado, eram
consideradas como instituições políticas. As casas não tinham divisões
entre os cômodos, sendo que todos dormiam no mesmo espaço: pais,
filhos, tios, até mesmo os/as servidores/as. Nessa época, a concepção de
infância ainda não era formulada, visto que a criança era concebida como
a miniatura de uma pessoa adulta.
Segundo Braga e Yaslle (2006), o conceito de família, agora, fazia
parte da vida privada, doméstica, íntima. A casa expunha essa concepção
até mesmo em sua arquitetura, pois o espaço em que conviviam e dormiam
todos/as os/as membros/as de uma família, como também os/as
servidores/as, passou a ter divisória e a formar cômodos que garantiam a
privacidade de cada membro/a familiar. Além disso, afirma Chauí (1984),
passa-se a ter espaços comuns e outros reservados, quartos do casal e quarto
dos/as filhos/as, como também uma separação entre os lugares que seriam
92
utilizados pelos donos das propriedades e aqueles/as que seriam destinados
aos/às servidores/as.
A separação entre os cômodos, em realidade, era também explicada
como uma forma que a burguesia encontra para manter a hierarquia da
casa e as diferenças sociais, ao contrário da nobreza, para a qual as relações
e normas existentes já eram suficientes para garantir a organização da casa
e, por isso, a arquitetura nobre permitia o contato entre os diferentes
(CHAUÍ, 1984).
O controle exercido pelo Estado sobre a família, por sua vez, se dá
por meio do casamento feito no civil; contudo, segundo Chauí (1984), é
também na escola que se reforça o conceito de família, pois é nela “[…]
onde as crianças passam a compreender que a família é a célula-mater da
sociedade e do Estado, ficando na sombra, que era resultado de uma
transação social (um contrato) e que se diferenciava segundo as classes
(CHAUÍ, 1984, p. 134).
Nesse sentido, segundo Marilena Chauí (1984), o caráter político
da sexualidade e da família ocorre a partir da constatação de que o Estado
exerce poder sobre a última por meio do controle do matrimônio civil,
conforme supracitado e, assim, passa a regular as questões jurídicas
referentes à família, tais como o aborto, a herança, a pensão etc. Além
disso, Chauí contesta a legitimidade do contrato matrimonial civil
explanando a ideia de que a partir do momento que esse contém, como
ideário, a subordinação da mulher ao seu cônjuge, ao passo que cita como
uma de suas obrigações o respeito à autoridade do marido, perde sua
legitimidade por não atender a noção de igualdade.
Explanando ainda acerca do contrato civil, Chauí (1984) constata
que há relação das ações estatais sobre o matrimônio com as imposições
93
feitas pela Igreja para ele. É possível perceber no casamento civil, por
exemplo, a reprodução da concepção dos papéis da mulher e do homem
dentro da instituição familiar, bem como a finalidade do casamento como
ampliação da prole, que para a Igreja era procriação, visto que no contrato
são mencionados os/as filhos/as, o homem como pai e a mulher enquanto
mãe. Assim, a autora afirma: “[] a fórmula civil inclui, no contrato, os
filhos, exatamente como na fórmula religiosa do crescei e multiplicai-vos,
embora dito de outra maneira (o marido será pai responsável e a esposa,
mãe cuidadosa)” (CHAUÍ, 1984, p. 141).
Nesse sentido, a sexualidade passa a ser uma questão também
política, visto que, por meio do casamento civil, acaba sendo
regulamentada pelo Estado. Dito em outras palavras, ao explanar, por
exemplo, a questão de gênero no momento em que aborda a paternidade
do homem e a maternidade da mulher no casamento civil, o Estado
regulamenta apenas as relações entre pessoas heterossexuais que pretendem
ter filhos/as e não torna legal o casamento entre pessoas homoafetivas:
essas ligações, sendo ilegais, são crimes (e não apenas pecado ou vício). A
fórmula civil, tão simples e óbvia para nós, legaliza a repressão sexual
(CHAUÍ, 1984, p. 141, grifo da autora).
Após o período de guerras, houve o desenvolvimento expansivo do
sistema de produção capitalista, quando a sociedade passou a conferir um
maior valor ao consumismo: “a sociedade do consumo cria a dependência
de aparelhos sofisticados e promove a expropriação de uma subjetividade
e expectativa humanas cada vez mais mercantilizadas” (FARIA, 1998, p.
21). Assim, ao passo em que o capitalismo foi se estabelecendo, o modelo
antigo da família foi abandonado, dando lugar à família considerada, de
acordo com o que Chauí (1984) chamou, de unidade de consumo, haja
vista que todas as funções familiares passaram a ser delegadas a outrem,
94
seja esse um especialista ou um profissional, por exemplo. Nesse sentido,
conforme a autora, na ocorrência de algum problema dentro do núcleo
familiar, se a família não desejasse ser auxiliada por especialistas e afins,
teria, então, que procurar sua perfeição, ou seja, a concretização da mãe,
do pai, do filho ou filha ideais, ou, em relação à atividade sexual, o alcance
do orgasmo.
2.3 Sexualidade na contemporaneidade
De acordo com Chauí (1984), até o século XIX a questão da
sexualidade ficava a cargo de teólogos, moralistas etc. A partir de então,
passou a fazer parte das discussões e preocupações do âmbito científico e
médico. Nunes (1987) assinala que a moral repressora dos séculos
anteriores passou a ser transformada, tendo como precursores dessa
transformação, no campo da sexualidade, o desenvolvimento científico,
bem como da Medicina.
Para Figueiró (1996), a Igreja Católica acabou não acompanhando
a realidade cotidiana e o desenvolvimento da sociedade em relação às
questões acerca da sexualidade; assim, valores como a virgindade, a
condenação pelos métodos contraceptivos, a visão sobre o papel da mulher
são fatores que, segundo ela, acabaram afastando muitos/as jovens da
religião.
Nesse período, Freud causou polêmica ao trazer algumas ideias
inovadoras decorrentes de suas pesquisas no campo da Psicanálise. A
discussão e crítica em torno da teoria freudiana focaram principalmente a
sexualidade infantil, a qual até aquele momento era negada pela sociedade.
Entretanto, no lugar da repressão sexual religiosa, instaura-se uma
nova forma de repressão a partir das concepções científicas e médicas acerca
95
da sexualidade. Assim, segundo Ferreira e Ribeiro (2009), é
principalmente a partir do século XIX que se origina uma normatização
das condutas sexuais pautada na heterossexualidade, concebendo como
doença as práticas fora do que era estabelecido como normal. Nas palavras
do/a autor/a:desde o século XIX vivemos sob uma ditadura sexual que
nos afastou, mais do que em qualquer outro período da História, da
possibilidade de realização sexual” (FERREIRA; RIBEIRO, 2009, p. 20).
Assim, as condutas sexuais passaram a ser orientadas pelo discurso
médico-científico, em progresso na época. Nesse sentido, “o discurso
médico substituiu o discurso religioso, e a ciência passou a dar explicações
que antes apenas tinham a conotação moral e o sentido de pecado dados
pela religião católica” (RIBEIRO, 2002, p. 11, grifo do autor).
Para o autor, a corrente médica mostrou-se preocupada com a
prevenção de doenças, com a conduta da sexualidade no âmbito familiar,
como também com a educação das crianças, desenvolvendo críticas para
educadores/as acerca de suas metodologias.
No decorrer do século XX, segundo Alonso (2009), os padrões da
sociedade capitalista foram se modificando e, após 1960, a centralidade no
trabalho e na indústria teria se alterado, enquanto “[] as distinções entre
mundo público e privado teriam se nublado, fazendo com que os conflitos,
antes restritos ao plano econômico, avançassem para a vida privada
(família, educação, sexo) e ganhassem dimensões simbólicas […]”
(ALONSO, 2009, p. 60). Assim, as ambições dos novos grupos deixaram
de estar ligadas aos conflitos entre classes, passando a se constituir em
reivindicações de grupos minoritários, como, por exemplo, o Movimento
Feminista, dando início aos denominados Novos Movimentos Sociais.
96
Assim, também no Brasil as influências da Medicina e ciências
vigoraram até a metade do século XX, segundo Ribeiro (2002). Desde
então, a compreensão acerca da sexualidade passou por diversas
modificações ao se considerarem as transformações sociais ocorridas que
impulsionaram estudos em relação ao tema e uma nova forma de concebê-
lo, tais como os movimentos sociais, o desenvolvimento dos
anticoncepcionais, como também o comportamento dos/as jovens.
Porém, essa transformação se deu de forma limitada, visto que a
partir do século XX a sexualidade passa a servir à lógica do consumo, que
imperou a partir do desenvolvimento tecnológico, tendo a mídia como um
dos principais dispositivos difusores da ideologia hegemônica, pela qual
diversas concepções acerca da sexualidade passaram a ser veiculadas,
banalizando aspectos relacionados à sexualidade, dentre os quais a
afetividade (GAGLIOTTO; LEMBECK, 2011). Nas palavras das autoras:
as gerações na atualidade são compelidas a praticarem uma sexualidade
mecânica, genital, quantitativa, irresponsável e desumana
(GAGLIOTTO; LEMBECK, 2011, p. 9).
Nesse sentido, Nunes (1987) assinala que embora tenhamos alguns
avanços na sociedade atual, a conquista da liberdade sexual dependerá da
revisão sobre a estrutura capitalista vigente, a qual desencadeia o
consumismo desenfreado acima de qualquer coisa. Assim:
A sexualidade vivida na ansiedade quantitativa somente poderá ser
avaliada como busca desenfreada de sentido, vivenciada numa
consciência invertida do real, absorvida com a fugacidade do medo de
não ser, com a marca indelével das forças da morte e dos caminhos da
solidão obtusa, da incapacidade de amar, da plena impotência de abrir-
se ao mundo e aos demais semelhantes (NUNES, 1987, p. 113).
97
Assim, consumir e ter sobrepõem-se ao ser e sentir. As pessoas e a
sexualidade, por sua vez, são coisificadas e quantificadas, conforme os
novos ideais. Resta refletir em que medida essas posturas avançam na
conquista da liberdade.
2.4 Gênero e sexualidade
A questão é, portanto, como o poder e as desigualdades geradas por
ele podem ser transformados em avanços em termos de liberdade.
Ralf Dahrendorf
De acordo com Saffioti (2004), diferentemente do que
comumente é afirmado tanto por meio das falas de autores/as quanto por
meio de suas obras, o patriarcado não faz parte apenas do passado e,
embora sofra transformações em decorrência das modificações ocorridas
na sociedade historicamente, muitas de suas formas de expressão ainda
acontecem na atualidade, dentre as quais destaca-se o controle sobre a
sexualidade da mulher.
Assim, o universo da mulher e o universo do homem, ao longo da
História, constituíram-se em realidades paralelas, encontrando grandes
diferenças no campo do trabalho, dos direitos e da sexualidade. Esta, no
universo feminino, ainda na atualidade, configura-se como um tabu, visto
que as mulheres que fogem às condutas tidas como normais dentro do
modelo dominante são severamente julgadas (FARIA, 1998). Isso se deve
à desvalorização da mulher ao longo da História, ocasionando a
determinação de seus papéis e de sua sexualidade: “[] se assexuadas, elas
são vistas como virtuosas e lhes é reservada a proteção masculina; se
98
expressam seu desejo, são consideradas profanas e, portanto, lhes é dirigido
o desrespeito, a humilhação” (FARIA, 1998, p. 13).
Nunes (1987) faz um estudo sobre a sexualidade nas
protocivilizações que, para ele, tiveram maior influência sobre a cultura no
Ocidente e assinala que, até o período Neolítico, as sociedades eram
matriarcais:
Por milhares de anos a humanidade viveu sob organização e o poder
das mulheres, que, trabalhando juntas e constantemente, tornaram-se
o grupo civilizatório e mais progressista. Eram as mulheres que tinham
as possibilidades de observação, experimentação e pesquisa de novas
tecnologias e subsistência na produção da vida (NUNES, 1987, p. 58).
De acordo com o autor, naquele período histórico a sexualidade
era relacionada à cultura mítica e religiosa de valorização da fertilidade,
sendo concebida, portanto, como uma prática sagrada.
A transição para o período Neolítico ocorre a partir de
transformações na organização social das civilizações, momento no qual o
homem assume o controle sobre a guerra, sobre a religião, mantendo o
domínio perante a ideologia vigente naquela época. A partir de então,
inicia-se a subjugação da mulher em determinadas sociedades: “as funções
das mulheres são usurpadas pelos homens e, em decorrência, surgem as
representações simbólicas do poder masculino, os deuses são machos, as
leis, funções e organização militar e religiosa são privilégios do homem
(NUNES, 1987, p. 56).
O autor ressalta, também, que o matriarcado, bem como a relação
entre o misticismo e a sexualidade, ainda se fazem presentes em
determinadas sociedades indígenas no continente americano, africano,
99
como também na Oceania. A organização dessas sociedades demonstra, de
acordo com Nunes (1987), que as determinações das funções sociais não
têm relação necessária com as diferenças entre os sexos feminino e
masculino, mas sim com o contexto no qual o/a sujeito/a está inserido/a.
Nunes (1987, p. 63, grifo do autor) assevera queo mundo
patriarcal tem suas origens por volta do oitavo milênio a.C., no Oriente
Médio, conhecido como crescente fértil”. Os escritos bíblicos acerca dos
hebreus o abordam de forma machista, conforme a ideologia cristã,
segundo a qual, na época dos hebreus, a mulher era inferiorizada perante
o homem e tratada como um objeto, chegando a ser vendida feito
mercadoria. Sendo assim, para o autor os preceitos judaicos, por
intermédio do cristianismo, trouxeram grandes influências para a forma
como a sociedade ocidental concebe as relações de gênero entre homens e
mulheres e, nesse sentido, ao passo que o cristianismo se instaura,
propagando sua moral e ideologia cristã por meio da Bíblia, são difundidas
normas e regras acerca das condutas sexuais, da sexualidade, bem como dos
papéis do homem e da mulher, destacando-se o patriarcado, influências
essas as quais são mantidas ainda em tempos atuais. Para Nunes (1987),
portanto, o cristianismoé uma cosmovisão de tamanha força, que será
capaz de [] subsistir como síntese histórica de maior alcance cronológico
do Ocidente” (NUNES, 1987, p. 80).
Mais tarde, conforme já apresentado no presente texto, a repressão
sobre a mulher intensificou-se por meio dos ensinamentos dos Santos
Padres católicos, os quais atribuíam superioridade do homem sobre a
mulher. Essa repressão estendeu-se sobre sua sexualidade, bem como sobre
seu papel social e familiar.
A grande diferenciação entre o que confere ao âmbito público, ou
ao âmbito privado no que concerne à sexualidade deu-se, sobretudo, no
100
momento em que a população passou a se deslocar para a área urbana, visto
que as famílias passaram a ser, em número, cada vez menores e, nesse
momento, houve também o aumento do acesso à informação e da
circulação dos indivíduos, passando-se a conceber o âmbito familiar como
o local no qual encontrar-se-ia o afeto. Segundo a autora, é nesse momento
que aparece a distinção entre o mundo externo, adequado para os homens,
e o interno, adequado às mulheres.
Portanto, nesse período, de acordo com Braga e Yaslle (2006),
uma distribuição de papéis entre homens e mulheres em relação à sua
função no âmbito familiar, sendo que ao pai cabia a vida fora do lar para
o trabalho e, à mãe, os afazeres domésticos, a educação das crianças, bem
como atender às necessidades de seu esposo. A sexualidade, por sua vez,
começa a ter como objetivo a procriação, sendo suprimido o prazer nas
relações sexuais e reprimidas, a partir de então, aquelas práticas que não
atendessem a esse ideário burguês, o qual surgiu juntamente com a
necessidade de manter a propriedade da família entre sua progênie, como
demonstra Braga e Yaslle (2006).
Segundo a autora, a partir de então são firmados os vínculos
mulher/maternidade e homem/paternidade, considerando, também, que
algumas características atribuídas socialmente às mulheres, as quais lhe
conferiam em momento anterior a responsabilidade sobre a
estimulação/tentação da sexualidade, quais sejam, o melindre e a
dependência, são, agora, atributos valorizados à mulher que se mantém por
meio da maternidade, que, por sua vez, é naturalizada. Em outras palavras,
a supressão da visão sexualizada da mulher; qualidades que antes eram
ruins tornam-se positivas.
Ademais: “por outro lado, como interessa conservar as mulheres
fora da força de trabalho e da competição pela herança paterna, há uma
101
verdadeira naturalização do feminino: tudo na mulher vem da natureza e
é por natureza que está destinada a ser mãe. Seu espaço é a casa” (CHAUÍ,
1984, p. 135, grifo da autora). Diferentemente da mulher, para a qual é
reservado o espaço privado, a sensibilidade, a dependência, entre outros
atributos, para o homem as características, bem como os espaços, são
outros: “afora a virilidade, que é um dado natural, os demais atributos
masculinos são sociais: responsabilidade, autoridade, austeridade.
Provedor da casa, seu espaço próprio é o público: o mercado e a política
(CHAUÍ, 1984, p. 135).
Importa destacar, no entanto, que a sexualidade no decorrer da
História o foi normatizada apenas pela religião, mas também pela
política, seja em períodos em que política e religião faziam parte da mesma
conjectura, seja no período em que a sociedade passou a proteger seus
direitos civis por meio de contratos, a política exerceu, implícita ou
explicitamente, um poder sobre a sexualidade, conforme afirma Werebe
(1998).
De acordo com Faria (1998), mais tarde, no século XX, o
puritanismo sobre a sexualidade é ainda alvo de críticas que ocorreram de
forma mais sistematizada nas grandes cidades, segundo a autora. Ademais,
nesse momento, o Movimento Feminista auxilia na luta e conquista do
espaço igualitário entre homens e mulheres no âmbito jurídico.
Na década de 1960, diversos movimentos foram iniciados fazendo
a crítica à cultura do consumo na época:
Eles são, às vezes, movimentos culturais como o rock ou de busca de
modos de vida alternativos, como o hippie. Em outros casos, têm um
caráter mais político, como os movimentos antimilitaristas, de direitos
civis dos negros (nos Estados Unidos), dos homossexuais e uma nova
102
vaga de luta das mulheres, a chamada segunda onda do feminismo
(FARIA, 1998, p. 22).
Nesse contexto de intenso questionamento ao sistema, o
Movimento Feminista atuou criticando a opressão das mulheres e,
principalmente, a diferenciação dos espaços público e privado, os quais
seriam determinados diversamente entre os gêneros. Assim:
O feminismo possibilitou a crítica aos modelos de dominação e
subordinação da mulher; demonstrou as desigualdades sociais entre
homens e mulheres no acesso ao direito à educação, ao voto, ao
patrimônio familiar, à justiça, ao trabalho, a bens materiais etc.;
questionando as representações acerca do ser mulher e do ser
feminino; estudou o patriarcado, o machismo e a heteronormatividade
e vem demonstrando o caráter de construção social dessas
representações numa sociedade misógina e sexista (FURLANI, 2011,
p. 58).
Além disso, o Movimento lutou a favor da autonomia da mulher
nas decisões relacionadas à sexualidade, visto que, naquele momento, essa
era, para a mulher, limitada à reprodução; logo, o desejo sexual não fazia
parte da sexualidade feminina (FARIA, 1998).
A violência contra a mulher também foi uma prática que o
feminismo tentou combater. Violência essa de todo tipo, até mesmo entre
cônjuges, pois era comum o estupro nessa situação, já que a conceão da
época trazia a ideia de que a mulher deveria ser submissa ao seu marido a
fim de satisfazê-lo sexualmente (FARIA, 1998).
Nesse sentido, o Movimento Feminista contribuiu para a
modificação de várias concepções acerca do papel da mulher impostas e
construídas no decorrer de vários séculos, ditando ideias como a de que
103
fazia parte da natureza feminina ser submissa ao homem, como também
ser mãe e cuidadora do lar, o que limitou os espaços e funções destinadas
às mulheres na sociedade e contribuiu para a instauração da relação de
poder de homens sobre suas esposas, o que culminou na violação de muitas
delas.
No entanto, a violência contra a mulher e as desigualdades de
gênero ainda fazem parte do cotidiano atual, embora tenham sido
alcançadas várias conquistas no âmbito jurídico, conforme foi apresentado
no início deste tópico, o que se estende, também, em relação à sexualidade
daquelas, tópico no qual são identificadas poucas transformações (FARIA,
1998; SAFFIOTI, 2004).
2.5 Infância e sexualidade
Se a sexualidade é um tabu entre pessoas esclarecidas e adultas, o é
ainda mais quando se refere à sexualidade da criança. Na atualidade,
embora muitos estudiosos e pesquisadores defendam a existência da
sexualidade na infância, conforme foi discutido no capítulo anterior, ainda
é persistente a concepção de que a sexualidade não faça parte desse período,
sendo bastante comum a ideia de que falar sobre sexualidade com uma
criança implica na estimulação e experiência precoce que essa pode iniciar
em relação a sua sexualidade a partir de seu contato com algumas
informações sobre o tema. Percebe-se, pois, que em tal compreensão há
certa concepção de infância, como também de sexualidade infantil.
Considerando o fato de que, segundo Kramer (2006), o conceito
de infância está intimamente relacionado ao tipo de papel que ele ocupa
socialmente, logo se vê que ao longo dos anos, na História da humanidade,
104
a ideia de infância foi se modificando à medida que a organização social
foi se transformando.
Nesse sentido, torna-se importante recorrer novamente à História,
bem como às novas discussões, a fim de se compreender as bases do
pensamento que ainda se faz presente na atualidade, negando a sexualidade
infantil. Para tanto, faz-se necessária, também, a reflexão sobre a própria
concepção de infância.
Segundo Maia (2005b), a noção atual de infância advém das
concepções modernas as quais foram engendradas mais precisamente a
partir do século XVII, visto que até então não havia a separação da vida
humana em fases: infância, adolescência, adultícia e velhice. Desse modo,
não era reconhecido o universo propriamente da criança, com as
especificidades da fase infantil. Segundo Vitiello e Conceição (1993, p.
48): “sob esse enfoque, a criança era vista apenas como um pequeno
adulto, não recebendo uma educação específica e tendo que, muito
precocemente, conviver com o trabalho e com as preocupações próprias
dos adultos”. O autor e a autora assinalam, ainda, que as vestimentas
destinadas às crianças elucidam essa concepção de criança como adulto em
miniatura.
Essa ideia também é demonstrada por Ariès
5
(1986), o qual, ao
analisar as representações da infância a partir de obras artísticas, assinala
que nas civilizações antigas, bem como no período medieval, até por volta
do século XII, observou-se a falta de representação de características
peculiarmente infantis das crianças em obras de arte, o que se deve, escreve
5
Cabiceira (2008) discute a crítica de estudiosos sobre os trabalhos de Ariès, em relação à infância,
fundamentada no argumento de que esse desconsiderava a questão de classes sociais em seu estudos. Por outro
lado, ressalva a autora, Ariès enfatiza a importância de considerar-se a dinamicidade com que se dá a construção
da infância ao longo dos períodos históricos, pois o significado sobre a infância difere conforme o contexto
social em que está inserida cada época.
105
o autor, à ausência do reconhecimento desse período. Quando eram
retratadas, seus traços semelhavam-se aos de pessoas adultas, com o
tamanho diminuído. Para o autor:
Isso sem dúvida significa que os homens dos séculos X-XI não se
detinham diante da imagem da infância, que esta não tinha para eles
interesse, nem mesmo realidade. Isso faz pensar também que no
domínio da vida real, e não mais apenas no de uma transposição
estética, a infância era um período de transição, logo ultrapassado, e
cuja lembrança também era logo perdida (ARIÈS, 1986, p. 52).
Entre a segunda metade do século XII e o século XIII, observa-se a
representação da infância tornando-se mais semelhante à concepção
moderna, embora tenha sido extraordinária, visto que o sentimento de
infância esteve apenas na arte que retratava Jesus. É a partir do século XIV
que começa a ser representada a infância com suas especificidades e seu
universo próprio:
[…] o tema da infância sagrada, a partir do século XIV, não deixaria
mais de se ampliar e de se diversificar: sua fortuna e sua fecundidade
são um testemunho do progresso na consciência coletiva desse
sentimento da infância, que apenas um observador atento poderia
isolar no século XIII e que não existia de todo no século XI (ARIÈS,
1986, p. 54).
Conforme Ariès (1986), nos séculos XV e XVI as crianças eram
retratadas artisticamente, embora não exclusivamente, em pinturas de
gênero, nas quais são representadas cenas do cotidiano e, segundo o autor,
frequentemente as crianças recebiam lugar de destaque nessas cenas, o que
possibilita interpretações distintas que remetem ou à concepção antiga, ou
à aproximação da concepção de infância moderna.
106
Isso nos sugere duas ideias: primeiro, a de que na vida quotidiana as
crianças estavam misturadas com os adultos, e toda reunião para o
trabalho, o passeio ou o jogo reunia crianças e adultos; segundo, a ideia
de que os pintores gostavam especialmente de representar a criança por
sua graça ou por seu pitoresco [] (ARIÈS, 1986, p. 55).
Perduravam tempos difíceis, nos quais havia grande mortalidade
infantil, ao mesmo tempo que tratavam-nas com indiferença devido à
frequência com a qual acontecia, por sua vez, consequente da falta de
desenvolvimento científico, o que começou a mudar somente a partir do
século XVI (KRAMER, 2006).
Embora o desenvolvimento científico tenha se iniciado a partir do
século XVI, para Ariès (1986) essa naturalização da morte de crianças
perdurou, ainda, até o século XVIII; contudo, o sentimento de infância
também se fazia presente nos retratos de crianças que começaram a
aparecer no século XVI.
Ocorre que embora já fosse representada nas artes após o século
XIII, até aquele momento não havia registro artístico de uma criança de
verdade, retratada em sua realidade, visto que existia o pensamento de que
não seria necessário guardar recordações de uma época considerada, por
muitos/as, como irrelevante, ou, no caso de retratos de crianças já falecidas,
o pensamento era de que não seria necessário recordar uma criança morta,
já que isso era tão comum naquele tempo. Assim, “o gosto novo pelo
retrato essencial indicava que as crianças começavam a sair do anonimato
em que sua pouca possibilidade de sobreviver as mantinha” (ARIÈS, 1986,
p. 58).
Muito embora a situação acerca da morte de crianças tenha sido
mantida, surgiu o sentimento sobre as particularidades daquele período da
107
vida, explanado na vontade de retratá-las a fim de guardá-las em
lembrança, o que se intensificou, no século XVII, com a fotografia. Nas
palavras do autor: “[] foi como se a consciência comum só então
descobrisse que a alma da criança também era imortal. É certo que essa
importância dada à personalidade da criança se ligava a uma cristianização
mais profunda dos costumes” (ARIÈS, 1986, p. 61).
Essas mudanças sobre a noção de infância ocorridas, sobretudo,
entre os séculos XVI e XVII estendem-se sobre a sexualidade infantil.
Diferentemente da sociedade atual, conforme Braga e Yaslle (2006),
anteriormente ao século XVII era considerado comum e natural que as
crianças presenciassem práticas sexuais entre os/as adultos/as, isto porque,
segundo as autoras, até aquele momento não se reconheciam as
peculiaridades da infância nem sua diferença em relação à adultícia e,
portanto, não se achava necessário ter qualquer preocupação em relação a
esse costume. Segundo Ariès (1986), era comum tratar de assuntos
relacionados à sexualidade perto de crianças e até mesmo fazer brincadeiras
envolvendo o sexo e os órgãos genitais.
Para o autor, algumas sociedades ainda têm esse mesmo costume
de fazer brincadeiras de cunho sexual, como, por exemplo, a mulçumana
6
,
o que se deve ao fato de que essas sociedades não aderiram à moral cristã
que dominou várias sociedades no Ocidente entre os séculos XVIII e XIX,
momento no qual a Igreja reagia à Reforma Protestante, tentando impor,
de maneira violenta, os princípios cristãos a fim de refrear a perda de fiéis.
Ao mesmo tempo, porém, ocorria a ascensão da classe burguesa, a qual
começava a trazer aos costumes do povo alguns valores burgueses também
em relação à sexualidade.
6
É importante esclarecer que, embora a sociedade muçulmana possa ter esse costume de fazer brincadeiras
sexuais, por outro lado ela criminaliza práticas homoafetivas pelo fato de contrariarem seus hábitos religiosos.
108
Anteriormente, no século XV, alguns educadores traziam
inovações quanto à questão da sexualidade infantil, segundo Ariès (1986).
Até então, a naturalidade com que se tratava desses temas perante crianças,
que incluíam até mesmo brincadeiras entre adultos/as e os/as pequenos/as,
era justificada pela ideia de que, nesse período da vida, a sexualidade não
traria nenhuma consequência para a criança, a qual a conceberia com
passividade segundo a concepção vigente naquele período. Além disso, até
então ainda não existia a concepção de uma criança inocente, o que
desencadeava o pensamento de que as práticas envolvendo a sexualidade
não iriam influenciar de forma negativa uma provável pureza infantil
(ARIÈS, 1986).
As inovações no campo da educação vieram para refutar esse
pensamento, sendo conhecidas, principalmente, a partir das de Gerson.
Gerson
7
iniciou estudos acerca da sexualidade na infância a fim de auxiliar
na inculcação do sentimento de culpa objetivado pelos confessores. A
masturbação, concebida pelo estudioso como uma prática comum entre as
crianças, deveria ser evitada, assim como todas outras práticas que de
alguma forma pudessem permitir ou estimular práticas sexuais na infância.
Ocorre que, para ele, a criança não tinha grande conhecimento sobre seus
atos; assim, propunha diversas orientações a esse respeito, para serem
praticadas nas escolas a fim de se evitarem os estímulos sexuais na infância.
Contudo, suas inovações não eram inteiramente acatadas na realidade das
escolas (ARIÈS, 1986).
Mais tarde, precisamente no século XVI, muitas das literaturas
selecionadas para se trabalhar com crianças nas escolas tinham, também,
conteúdos sexuais expressados por linguajar muitas vezes chulo. Porém,
7
Jean Gerson, De confessione Mollicei.
109
uma grande importância atribuída a esse período pelo fato de que, nele,
alguns/mas educadores/as começaram a defender um pensamento
diferente em relação à época, não aprovando que aquele tipo de literatura
chegasse às crianças e que fosse substituída por versões adaptadas (ARIÈS,
1986). Nesse sentido, “é dessa época realmente que podemos datar o
respeito pela infância. Essa preocupação surgiu na mesma época tanto em
católicos como em protestantes, tanto na França como na Inglaterra
(ARIÈS, 1986, p. 135).
Segundo Vitiello e Conceição (1993), ao passo que a burguesia vai
se consolidando enquanto classe dominante, a partir do século XVII, a
concepção de infância começa a se modificar, sendo que a ingenuidade e a
pureza passam a ser seus maiores atributos, o que, para Maia (2005b),
deve-se à observação sobre o desenvolvimento das genitálias infantis, as
quais, por não apontarem um amadurecimento necessário à prática sexual,
conferiam inocência à criança numa época em que a sexualidade era
compreendida de forma negativa.
Desse modo, cessam-se as práticas sexuais presenciadas pela criança
e passa-se a distinguir o universo infantil do adulto, sendo valorizada a
manutenção da ignorância infantil sobre as questões relacionadas à
sexualidade, no que a escola teve grande papel, segundo Vitiello e
Conceição (1993, p. 47):
A partir desses conceitos, foi valorizado um tipo de
educação que ao mesmo tempo mantinha as crianças (e os
adolescentes) desinformados e impunha-lhes um padrão
repressor de comportamento, visando-se mantê-las
afastadas da curiosidade e dos conhecimentos sobre a
sexualidade.
110
Portanto, a escola passou a ser o espaço em que as crianças
poderiam ser educadas e separadas dos/as mais velhos/as, evitando, assim,
seu contato com a sexualidade. Nessa época, fazia-se uso de práticas
educativas como a palmatória, com severidade e rigor tradicionais,
buscando a disciplina das crianças (BRAGA; YASLLE, 2006).
É importante destacar que, conforme as autoras apontam, a
diferenciação entre o universo infantil e o do/a adulto/a ocorrida nesse
período era a realidade da classe burguesa, visto que na classe dos
trabalhadores as práticas anteriores nas quais ignorava-se a especificidade
do mundo da criança ainda se faziam presentes, sendo elucidadas até
mesmo em suas vestimentas de adulto/a e, dessa forma, permanecia a
convivência entre as crianças e os/as mais velhos/as.
Assim, para Ariès (1986), no século XVII ocorreram grandes
transformações nas práticas educativas com relação à moralidade na época,
quando as inovações não eram trazidas apenas por alguns pensadores, mas,
agora, tratando-se de um consenso observado no campo da Arte, da
Literatura, como também da Religião. A literatura de orientação a
educadores passou a fazer parte do campo literário da época, contendo uma
ideia de infância diferenciada. Não era mais uma infância irrelevante, mas
uma infância como um período sublime da vida, a infância frágil e
inocente. Essa nova concepção era acompanhada da retratação de Cristo,
em sua infância, em obras artísticas, por concepções trazidas pela literatura
religiosa, como também pelos romances de cavalaria, nos quais a criança
era comparada a anjo, e nos quais as virtudes da infância eram ressaltadas
(ARIÈS, 1986).
Alguns princípios seguidos pela educação rígida da época,
principalmente na França, perpassavam a literatura comum. Dentre esses,
estavam o de vigiar a criança; ensi-las a serenidade; a manter decoro,
111
formalidade e respeito no linguajar; ensiná-las a decência; e a se
resguardarem, sendo que esses ensinamentos deveriam ser seguidos a
mesmo na hora de dormir e de escolher suas músicas a fim de se evitar a
promiscuidade (ARIÈS, 1986). Ariès (1986) resume esses princípios que
faziam parte da concepção de infância inocente da seguinte forma:
O sentido da inocência infantil resultou, portanto, numa dupla atitude
moral com relação à infância: preservá-la da sujeira da vida, e
especialmente da sexualidade tolerada quando não aprovada entre
os adultos; e fortalecê-la, desenvolvendo o caráter e a razão. Pode
parecer que existe aí uma contradição, pois de um lado a infância é
conservada, e de outro é tornada mais velha do que realmente é. Mas
essa contradição só existe para nós, homens do século XX (ARIÈS,
1986, p. 146).
Para Kramer (2006), essa concepção moderna de infância é
abstrata e ainda se faz presente em dias atuais. Objetiva, por um lado,
cuidar para que a criança não seja corrompida, já que ela é inocente
naturalmente, e, por outro, criar condições para que ela desenvolva sua
razão. Assim, como se não existissem as especificidades próprias de cada
uma, cria-se um conceito abstrato de criança que, em realidade,
corresponde à criança burguesa (KRAMER, 2006).
Se antes a criança era considerada um adulto e participava da
produção econômica no sistema feudal, a partir da organização da classe
burguesa “[] ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada
e preparada para uma atuação futura. Este conceito de infância é, pois,
determinado historicamente pela modificação das formas de organização
da sociedade” (KRAMER, 2006, p. 19). Assim, muito embora o modo de
produção capitalista estabeleça a formação de várias classes, em cada qual,
na realidade, exista uma função e compreensão diferente da infância, a
112
partir das concepções burguesas cria-se um modelo de criança universal,
inocente e que precisa ser cuidada, que não corresponde, por exemplo, à
realidade brasileira.
Em relação à questão da sexualidade, a concepção de criança
assexuada é criticada a partir dos estudos de Freud no fim do século XIX,
quando ele trouxe uma grande discussão em torno do desenvolvimento da
sexualidade humana. Para Werebe (1998, p. 61): “as suas teorias neste
domínio escandalizaram e chocaram, no tempo em que foram
apresentadas, pois elas vieram a contrariar a ideia da ‘pureza’ e da inocência
da criança (segundo a qual o sexo seria algo impuro e culposo)”.
Embora sejam alvo de críticas, os estudos de Freud
proporcionaram grande contribuição para a questão da sexualidade
principalmente ao preconizarem a sexualidade na infância, o que, até
então, segundo Werebe (1998), era desconhecido ou não aceito, sendo que
o assunto causou maior polêmica do que propriamente a teoria do
inconsciente desenvolvida pelo estudioso, conforme a autora. Para ele, a
sexualidade era inerente à vida do ser humano desde o nascimento e,
também, um fator determinante em sua personalidade (FARIA, 1998).
Assim, Freud designa algumas regiões do corpo nas quais, conforme cada
época ou fase de desenvolvimento, é canalizado o prazer, defendendo que
desde a mais tenra idade, de acordo com a teoria freudiana, temos
experiências em relação à sexualidade.
No Brasil, conforme Cabiceira (2008), a infância passa a ser
assunto discutido por várias esferas sociais e campos do conhecimento. Nas
palavras da autora: no século XIX e início do século XX, no Brasil, a
infância constitui seus significados nos discursos do Estado, escritores,
moralistas, Igreja, médicos, psiquiatras e profissionais da saúde”
(CABICEIRA, 2008, p. 28). O contexto social vivido era de busca pelo
113
crescimento econômico, para o qual a educação era de grande serventia na
propagação dos valores. Além disso, os discursos dos especialistas
apregoavam, conforme a autora, “[] destaque para as oposições binárias,
acerca do que seria normal-anormal, criança de família-menor
abandonada, higienização-patologia, moral-imoral” (CABICEIRA, 2008,
p. 28).
Dessa forma, nesse período, a educação, no Brasil, sofria
influências de correntes médico-higienistas, interligando as ideias
higienistas à questão moral, necessárias para o desenvolvimento do país
(CABICEIRA, 2008).
Ainda segundo a autora, a partir da escola nova foram agregados
conhecimentos científicos da área da Psicologia, bem como da Pedagogia,
com vistas a promulgar algumas concepções acerca da infância e, assim,
“[] construíram referências para o normal, o anormal e o degenerado,
estabelecendo práticas de medição, classificação, prevenção e correção
[…]” (CARVALHO, 1997 apud CABICEIRA, 2008).
Os estudos freudianos acerca da sexualidade, por sua vez, foram
mais bem aceitos a partir da segunda metade do século XX, momento no
qual alguns movimentos contraculturais da época eram engendrados, de
acordo com Vitiello e Conceição (1993). Para eles:
Nesta época, os questionamentos sobre o valor da repressão sexual e o
reconhecimento do sexo como matéria de estudo conduziram à noção
de a vida sexuada ser um direito, e não um pecado, levando a sociedade
à busca do entendimento de sua própria sexualidade. Durante essa
busca, foi encontrada uma infância que, embora sexualizada, estava
exposta à acentuada repressão (VITIELLO; CONCEIÇÃO, 1993, p.
49).
114
Assim, vários estudos e pesquisas demonstraram o reconhecimento
da sexualidade na infância, caracterizando a particularidade com a qual
aquela ocorre com as crianças: “na atualidade, admitimos que a sexualidade
se manifesta desde o início da vida e que se desenvolve, acompanhando o
desenvolvimento geral do indivíduo” (VITIELLO; CONCEIÇÃO, 1993,
p. 49).
Maia (2005b) aponta que as crianças manifestam sua sexualidade
por meio de jogos e brincadeiras, verbalizando, ou não, suas novas
informações, ocorridas seja no ambiente familiar, seja na escola:
Isso acontece com os jogos sexuais infantis, a masturbação, a
curiosidade em observar os outros, as conversas sexuais em grupos, o
emprego de palavras supostamente obscenas, os bilhetes e desenhos
sexuais, a fase dos encontros clandestinos e o exibicionismo, são
situações em que há aprendizagem, experimentação e o prazer da
descoberta (MAIA, 2005b, p. 94).
Nesse sentido, é possível concluir que os estudos feitos na área da
sexualidade, desde o século XIX, modificaram as concepções acerca da
sexualidade infantil, sendo reconhecida de forma positiva, o que era
impensável em tempos anteriores. Ao mesmo tempo, a noção de infância
foi igualmente sendo transformada, sendo que, na atualidade, reconhece-
se que ao se conceituar a infância, segundo Kramer (2006), devem ser
considerados alguns fatores específicos de cada criança, os quais se
desenvolvem a partir do contexto no qual essa está inserida, além de “sua
participação no processo produtivo, o tempo de escolarização, o processo
de socialização no interior da família e da comunidade, as atividades
cotidianas (das brincadeiras às tarefas assumidas) […]” (KRAMER, 2006,
p. 15). Nesse sentido, não há como universalizar a infância e ignorar a
115
realidade de cada criança como se existisse um modelo natural, o qual é,
em realidade, o modelo burguês.
Entretanto, embora a noção de infância, bem como a de
sexualidade infantil, terem se transformado, conforme exposto, a questão
agora é se essas modificações se fazem presentes na vida do/a
homem/mulher comum, no cotidiano das instituições, nas concepções
daqueles/as que educam. Será que avançamos em termos de liberdade?
116
117
CATULO 3
A EDUCÃO SEXUAL NO ENSINO
FUNDAMENTAL NA FALA DE PROFESSORES/AS:
UM ESTUDO ENVOLVENDO EDUCADORES/AS DE UMA
ESCOLA DA REDE MUNICIPAL DE MARÍLIA - SP
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ___________
Considerando o objetivo geral da presente pesquisa, qual seja,
identificar como a questão da sexualidade é abordada no espaço escolar
pelos/as professores/as, especificamente com relação à etapa dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, no caso do município de Marília SP,
este item apresenta a análise sobre recortes da realidade explanados pelas
falas de alguns/mas professores/as da rede municipal de ensino de Marília.
É importante salientar que compreende-se que essas falas não são a exata
representação da realidade, a qual é de grande complexidade para ser
retratada apenas por meio de entrevistas. Porém, essas pessoas poderiam
oferecer subsídios para a compreensão dos aspectos que se encontram para
além das políticas curriculares e dos discursos, visto que vivenciam,
diariamente, a realidade da escola, com todas as suas dificuldades e
necessidades.
3.1 Um olhar sobre os sujeitos entrevistados
As entrevistas foram realizadas com dezoito profissionais da
educação, em sua grande maioria (dezessete) mulheres, com idade entre
118
vinte e seis e quarenta e oito anos, que lidam, diretamente, com a mesma
etapa de ensino.
Os/As entrevistados/as atuam nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, compreendendo a educação do primeiro ao quinto ano do
Ensino Fundamental. Exceto os/as profissionais de áreas específicas, como
Educação Física (um educador físico) e Língua Estrangeira (uma
professora de língua inglesa), os/as demais são responsáveis pelo trabalho
desenvolvido nas áreas de Língua Portuguesa, Matemática, História,
Geografia, Ciências e Artes.
Em relação à formação, poucos/as (três) informaram possuírem
Pós-Graduação. Pedagogia, Letras, Ciências Sociais e Educação Física são
os cursos que foram citados referentes à Graduação dos sujeitos.
Considerável parte dos/as professores/as de sala cursaram, também, o
Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério
(CEFAM).
Quanto ao tempo de atuação, houve variação entre quatro a vinte
e dois anos, sendo que a maioria (treze), até a realização da pesquisa, atuava
há mais de doze anos enquanto educador/a, tendo nesses anos em que
atuaram turmas e ano/séries diferentes.
Esses/as educadores/as, no momento em que as entrevistas foram
realizadas, pertenciam a uma única escola, cuja escolha para a realização da
pesquisa justificou-se a partir dos altos índices em avaliações externas nos
últimos anos apresentados por essa instituição.
Ademais, quanto à religião, a maioria dos sujeitos (dez) se declarou
católico/a.
119
3.2 Considerações sobre a entrevista e sua transcrição
É importante ilustrar que algumas condições adversas foram
encontradas no percurso da pesquisa no momento em que seriam
realizadas as entrevistas. Ocorre a coleta de dados foi realizada em 2015,
num ano considerado atípico na rede municipal de ensino de Marília, visto
que, como há muitos anos não acontecia, vários professores/as e
educadores/as aderiram a uma greve dos/as funcionários/as públicos
municipais por motivos que aqui não se cabe relatar.
Dessa forma, encontrou-se um contexto um pouco complicado
entre esses/as profissionais que estavam saindo de um momento de luta da
classe, infelizmente com muitas frustrações. Compreende-se que foi difícil
conseguir falar sobre o tema dessa pesquisa num momento em que o
sentimento de revolta era perceptível. São variáveis importantes de serem
consideradas, as quais podem influenciar na disponibilidade para a reflexão
sobre algumas questões. Nesse sentido, reconhece-se o esforço e a grande
colaboração que esses sujeitos deram para este estudo, enriquecendo nossas
reflexões.
As entrevistas foram registradas por meio de gravador de áudio. Os
trechos apresentados foram transcritos e posteriormente editados
conforme recomendação de Duarte (2004), para quem as entrevistas
devem ser editadas, aqui, no sentido de corrigir alguns equívocos
gramaticais. Manzini (2008) salienta que alguns/mas dos/as
entrevistados/as podem acessar o trabalho contendo suas falas transcritas,
o que já causou grande desconforto aos/às participantes da pesquisa ao se
depararem com a transcrição fiel da linguagem coloquial. Considerando
que tem-se a intenção de divulgar o resultado deste estudo para o grupo de
educadores/as que dele participaram, será seguida essa mesma postura
120
explicada pelos autores. No entanto, alguns códigos e normas foram
estabelecidos e utilizados para a transcrição:
Situação Convenção
Truncamentos bruscos /
Qualquer pausa
Hipótese do que se ouviu (hipótese)
Comentários da autora (( ))
Simultaneidade de vozes [
Discurso direto “ ”
Entonação enfática Letras maiúsculas
Foram mantidas algumas expressões, como “eh”, “ah
. As variações
decorrentes do uso da linguagem coloquial foram editadas, sem
alteração do sentido dos discursos.
A fim de assegurar a identidade dos/as entrevistados/as, seguindo
as normas éticas da pesquisa, cada entrevistado/a foi referenciado/a por
meio da letra P, seguida de um número. Já a entrevistadora está
representada pela letra E, nas transcrições.
As entrevistas semiestruturadas partiram de um roteiro de
entrevista (APÊNDICE A) formulado a partir de eixos temáticos já
preestabelecidos, os quais ajudariam na definição das categorias de análise,
conforme a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2002). A partir
desta, foram elencadas as categorias temáticas a seguir:
121
Relatos de experiências com a sexualidade na escola: manifestações e
práticas;
Currículo destinado à educação sexual: conteúdos e perspectivas;
Conceitos: sexualidade e educação sexual;
Necessidade de educação sexual na escola;
Entraves da educação sexual na escola;
Relatos de memórias sobre a educação sexual dos/as educadores/as;
Medidas importantes para o trabalho com a sexualidade na escola,
segundo os/as entrevistados/as.
A transcrição das entrevistas, na íntegra e de forma original, por
convenções práticas, não consta como apêndice desta pesquisa, embora
tenha sido armazenada pela autora. Aqui estão apresentadas, portanto,
partes da transcrição as quais ilustram os temas elencados nas categorias a
seguir.
3.3 Relatos de experiência com a sexualidade na escola: manifestações e
práticas
Para esta categoria, as seguintes questões foram formuladas a fim
de explanar a forma como as manifestações da sexualidade ocorrem na
etapa dos anos iniciais do Ensino Fundamental, bem como as práticas
dos/as professores/as ao lidarem com essas situações no contexto escolar:
Você observa, ou já observou algum tipo de manifestação da
sexualidade no cotidiano de sua prática em relação às crianças?
exemplos.
Como você lida ou lidaria com as possíveis manifestações da
sexualidade no ambiente escolar ou curiosidades referentes ao tema?
122
Se você se deparasse com a situação de um/a aluno/a estar se
masturbando em sala de aula, o que você faria?
Caso uma criança lhe perguntasse sobre sexo, o que você faria?
Os/as professores/as entrevistados/as possuíam experiência em
mais de uma turma, ou seja, já haviam trabalhado com anos/séries
diferentes. Assim, relataram experiências diversificadas, com algumas
semelhanças na forma como lidaram com as situações.
Conforme Maia e Spaziani (2010, p. 69): muitas manifestações
sexuais entre as crianças. As mais comuns, tanto no ambiente escolar como
familiar, são as curiosidades e questionamentos, a masturbação infantil e
os jogos sexuais”. Quando questionados/as sobre a observação de
manifestações da sexualidade ou curiosidade em relação ao tema, advindas
das crianças, foram relatadas experiências vividas por crianças com
diferentes idades, embora alguns/mas professores/as de turmas com
crianças mais novas tenham relatado que não vivenciaram situações de
manifestação da sexualidade. Dentre as expressões da sexualidade relatadas,
o toque ou a masturbação ocorrida no espaço escolar apareceu em alguns
momentos nas falas dos/as entrevistados/as.
P3: Já, inclusive teve uma minha Uma aluninha minha, que ela
estavaSabe? Colocando toda/ toda hora a mão, se masturbando,
tentando se masturbar, já de pequenininha do/ no segundo ano.
Nesse caso, a criança referida era mais jovem, estava no segundo
ano do Ensino Fundamental. Dessa forma, percebe-se que a manifestação
da sexualidade na escola não está restrita a uma faixa etária de
desenvolvimento da criança. A manipulação do corpo em busca de prazer
123
ocorre em diferentes momentos da vida, como é possível constatar nas
demais falas:
P6: O ano passado eu tive isso no quarto ano. Então euRe/ retirei a
criança da sala, perguntei primeiramente se tinha alguma coisa
acontecendo. Porque a criança, ela Ela coçava a genital dela, na
ponteira da carteira. Ela ficava de pé, e ela acabava coçando ali.
Fazendo a esfregação da genital ali na ponta da carteira.
P12: Ah, já vi criança, menina, principalmente menina se
masturbando.
E: Na sala de aula.
P12: Na sala de aula. EAssim, foi meu primeiro ano que eu estava
trabalhando, a menininha se masturbava todo dia.
P16: Já.
E: Por exemplo.
P16: Ah, mas assim no caso de meninas. Na carteira.
E: Sim.
P16: Passando assim na carteira, mas esse ano, mesmo.
E: Esse ano?
P16: É.
E: Sim. [Com o quinto ano você já observou?
P16: [Com o quinto ano, já. Com os menores, eu nunca observei, não.
Esse é o terceiro ano que eu dou aula para o quinto ano e nos outros
anos eu nunca observei nada, mas me chama mais atenção esse caso.
124
P17. Já.
E: Por exemplo.
P17: Principalmente que eu me recordo mais É de uma menina
queElaManipulava, se manipulava o tempo todo.
E: Ah, ela se masturbava?
P17: Sim, o tempo todo.
Furlani (2011) defende dois aspectos que justificariam a
abordagem da sexualidade com crianças:
A primeira justificativa é o reconhecimento do autoerotismo
(masturbação) como um ato positivo, que deve ser educável; e a
segunda justificativa é o temor do abuso sexual infantil o que acentua
o investimento, no aprendizado da criança, pela autonomia sobre seu
corpo (FURLANI, 2011, p. 92, grifo da autora).
Acerca da masturbação infantil, Furlani (2011) destaca que é
importante que o/a professor/a se disponha a conversar com a criança sobre
as atitudes impróprias relacionadas a esse assunto, ensinando-lhe que há
situações e locais adequados para que possa praticar o ato da masturbação,
geralmente onde possa ter privacidade. Embora essa atitude possa parecer
o que a própria autora critica baseando-se no referencial de Foucault, ou
seja, na normatização da sexualidade, acredita-se que essas práticas são
desejáveis à medida que são comparadas às atitudes comuns no cotidiano
escolar, que nega ou mesmo reprime a sexualidade infantil, sendo que as
primeiras são superiores ao dia a dia na escola pelo fato de reconhecerem
o autoerotismo como algo positivo e presente já na infância.
A questão da violência sexual infantil também merece destaque
quando pensada a necessidade de abordar a prática da masturbação infantil
na escola, visto que a criança precisa ter conhecimento sobre seu próprio
125
corpo e precisa saber impor limites ao outro a fim de evitar práticas de
abuso.
Além da masturbação, a curiosidade em relação à temática também
foi uma expressão da sexualidade infantil, citada pelos/as professores/as:
P15: Eles têm, ehAssim, curiosidade eles têm.
E: [Sim.
P15: [Principalmente assim temTem crianças que m/ não m a
liberdade talvez deConversar comO pai, assim, ou com a mãe.
Têm vergonha, então algumas coisas tem hora que eles perguntam. Ou
tem coisas que eles fazem e tem hora que você vê que é na/ na
inocência. Como tem hora que não […].
Quando questionados/as sobre suas práticas em caso de terem
presenciado a manifestação da sexualidade em seu cotidiano, obtiveram-se
respostas similares entre os/as entrevistados/as nas quais foi assinalado que
o diálogo seria o meio mais utilizado para abordar a sexualidade com as
crianças:
P1: Conversando com a criança. Questionando onde ela viu isso, onde
ela aprendeu e assimEh, sanando o que ela tá perguntando, mas
jamais estimulando ou indo além.
P6: EntãoEu procuro abordar de modo, assim, que nãoQue não
fiquem tantas dúvidas, mas dentro de um contexto que seja apropriado
pra idade. A gente procura adaptarCertas falas. Explicar de modo
mais Simples, mas também, porém, que não desperte essa
curiosidade de eles irem lá e tentar saber do jeito deles. Então, assim,
sempre de/ claro. Tirando a dúvida, mas de um modo apropriado com
126
palavras corretas, com exemplos que às vezesNão sejam tão assim
EhImpróprios. Então, acho que é mais isso.
Assim, os/as professores/as foram ao encontro das ideias proferidas
por Furlani (2011) ao dialogarem com as crianças sobre suas manifestações
acerca da sexualidade, ao invés de reprimirem-nas. Por outro lado, o
pensamento observado pelas falas é o de que abordar a sexualidade com a
criança é dizer apenas o que ela pergunta, e não aprofundar a discussão
sobre os assuntos, pois isso seria desrespeitar a condição na qual o/a aluno/a
se encontra conforme sua idade.
Para Furlani (2011), esse pensamento é encontrado em abordagens
biológico-higienistas, nas quais se acredita que a sexualidade não faz parte
da infância, e que abordá-la, com crianças, significa estimulá-las.
Não há repressão no sentido de negar a sexualidade, porém há um
limite para a abordagem do tema, feito de forma a considerar a existência
de conceitos apropriados ou inapropriados para cada idade. Dessa forma,
assuntos como a homossexualidade, por exemplo, que são considerados de
maior complexidade pelo fato de gerarem polêmica no âmbito social, não
teriam a discussão pertinente e merecida no âmbito escolar:
P11: Já aconteceu episódio de eu estar trabalhando no quinto ano,
sobre sistema reprodutor, por exemplo, e, eu falar que o órgão
genital masculino foi feito pra encaixar no feminino. E com/ eh
Acontece a concepção e tudo mais. E o menino perguntou
“Professora, mas comoEntão por que dois homens casam? O que
que eles fazem?” , eu falei assim “Olha, na verdade”. Eu o chamei
também, depois em outro momento, falei assim “Depois eu respondo
sua pergunta.” Mas eu falei assim pra ele queO que era assim, eh
Do sistema, que nós estávamos falando naquele momento, era sobre o
feminino e o masculino. E que depois eu conversava com ele em
127
particular. []. Eu falei “meu Deus, e agora?”. Como que eu vou falar,
o que eles fazem? Aí, eu falei assim pra ele “M” Ele chamava M. Eu
me lembro disso como se fosse hoje. Eu falei “M, olha, ehTudo que
é natural, que Deus, assim, fez e é certNatural do sistema, a prô”
8
sabe. A “prô” não sabe, porque a “prô nunca viveu com umCom
dois homens.” Na verdade, eu omiti. Eu não quis dizer, porque eu
fiquei com medo.
Conforme essa última fala, pode-se perceber que ao mesmo tempo
em que há a ideia de que o correto é responder somente o que a criança
pergunta, quando aquilo que ela questiona é um assunto de maior
complexidade, no sentido de não fazer parte do que provavelmente o/a
entrevistado/a concebia como tradicional, como no caso relatado, o/a
educador/a prefere omitir algumas informações. Ao mesmo tempo,
transmite o conceito de que a homossexualidade não é natural e que, em
contrapartida, a relação heterossexual o é.
Percebe-se, nessas falas, a dificuldade que o/a professor/a tem para
lidar com temas relacionados às questões de gênero e corpo, confirmando
o que Leão e Ribeiro (2011) assinalam ao analisarem as práticas referentes
à sexualidade ocorridas na escola. Para esses/as autores/as, essa dificuldade
se deve ao receio de instigar uma prática. Assim, esse tipo de atitude
poderia influir na compreensão da criança sobre sua sexualidade de forma
negativa e suja, conforme Maia e Spaziani (2010).
Além disso, alguns valores religiosos são também ensinados para a
criança ao apresentar o conceito de que a sexualidade natural seria aquela
decorrente da relação entre o homem e a mulher, e que somente essa seria
parte de “Deus”, segundo os ideários cristãos. Parece que a religiosidade
não somente influencia indiretamente no processo de ensino e
8
Pro é a forma carinhosa como o/a professor/a é chamado/a pelos/as alunos/as.
128
aprendizagem, como diretamente, nesse caso, ignorando a laicidade do
ensino garantida constitucionalmente ao considerar o privilégio de crença
ou religião no espaço público (BRASIL, 1988).
Por fim, o/a entrevistado/a justifica sua omissão e o não
aprofundamento dos assuntos envolvidos no questionamento da criança
pelo medo, o que demonstra sua insegurança ao abordar temas como esse.
Segundo Mariuzzo (2007), um projeto denominado de No
outsiders, desenvolvido a partir de 2006 na Inglaterra, trabalhava a questão
da diversidade sexual com crianças na escola a partir da literatura infantil,
na qual mostravam-se diferentes modelos de relações afetivas,
demonstrando que há possibilidade da inclusão de temas como esse no
contexto escolar. Conforme a autora, a infância é um momento propício
para abordar a diversidade, pois as crianças convivem melhor com a
diferença, e falar sobre a temática, na escola, ajuda a evitar possíveis
situações de discriminação ou bullying, violência ocorrida no contexto
escolar.
Dessa forma, ao/à professor/a cabe discutir o tema sem receios e
boa argumentação para sensibilizar os/as alunos/as sobre a importância do
respeito à diversidade (SILVA, 2013).
Em outras falas, é possível observar, mais uma vez, além da ideia
de que na escola deve-se abordar somente o que os/as alunos/as querem e
podem saber, também entra a questão da idade apropriada para aprender
temas relacionados à sexualidade. Dessa forma, alguns/mas professores/as
chegam a não trabalhar o tema com crianças mais novas:
P12: Então, depende da faixa etária. Porque no terceiro ano, que é o
ano que eu mais trabalho, eu não abordo esse tema. Eu falo assim, que
129
sexo é oPorque aA maioria das crianças que perguntam, elas já
têm o lado pejorativo do sexo. Eu falo que sexo é umaÉ o sexo
masculino e feminino! Eu não falo do ATO sexual. Porque, na maioria
das vezes, ah, que eles falam de sexo, eu explico isso. Porque elesA
gente tem que responder até onde eles conseguem entender. Então,
tem criança que eu explico isso, ela já se dá por satisfeita.
Confunde-se a questão dos gêneros com o sexo. Embora ambos
façam parte da sexualidade, são conceitos diferentes. Sexo diz respeito
especialmente ao ato sexual em si e às especificidades biológicas sem se
desconsiderar, ainda, todas as demais questões que podem estar envolvidas
nesse ato, como, por exemplo, a afetividade. O conceito de gênero, por sua
vez, conforme (PAZ, 2013) inclui a construção sobre a identidade
masculina e feminina.
Ainda segundo o/a entrevistado/a, o ato sexual é compreendido
como um conceito complicado para ser entendido por crianças mais novas
e, portanto, opta-se pela omissão, supondo que a criança já tenha uma
concepção formada sobre a sexualidade.
Conforme as falas, outra prática comum, principalmente entre
professores/as que atuam no quinto ano, é a confecção de uma caixinha na
qual as crianças podem colocar suas dúvidas sobre a sexualidade. A caixinha
é um recurso utilizado para esclarecer as dúvidas das crianças sem expô-las
para as demais:
P1: Por exemplo, já trabalhei num quinto ano e as crianças queriam
saber! Eles vinham me perguntar. Então, assim, eu fiz uma caixinha,
eles escreviam as dúvidas deles, colocavam na caixinha deles/
colocavam na caixinha e a gente ia lendo as principais dúvidas e
esclarecendo.
130
P11: Para não ficar expondo-os, assim, e assim, às vezes eles ficam com
vergonha de perguntar, eu fa/ eu sempre coloco, quando eu estou no
quinto ano, que é onde a gente aborda mais, uma caixinha no fundo
da sala. Eles depositam as perguntas lá, as questões.
Em suma, é possível perceber que a maioria dos/as professores/as
entrevistados tentam abordar a sexualidade, com a criança, por meio da
conversa, respondendo a seus questionamentos de forma limitada e sem
adentrar em temas que podem gerar discussões pelo fato de ainda serem
polêmicos no contexto social. Seguem a ideia de que existe uma
determinada faixa etária em que é pertinente tratar de alguns assuntos
relacionados à sexualidade e que, portanto, a forma como abordá-la na
escola depende da idade das crianças, a qual é o fator que demonstrará se
essas têm ou não capacidade de compreensão sobre as questões sexuais.
Além disso, mesmo que existam momentos propícios para abordar
o tema com as crianças, muitas vezes eles não são aproveitados. Um
exemplo disso se deu numa situação específica ocorrida no ano em que
os/as professores/as foram entrevistados. A vacinação contra o rus do
papiloma humano (HPV) iria ocorrer nas escolas da rede municipal de
Marília com meninas a partir de nove anos de idade. Segundo relatos
dos/as professores/as, os/as responsáveis deveriam assinar a autorização
para que sua filha pudesse receber a vacina na escola em data determinada.
Assim, antes da data da vacinação, a gestão da escola promoveu uma
reunião com esses/as responsáveis a fim de oferecer esclarecimentos acerca
do processo, com a ajuda de profissionais da saúde. Ocorre que o assunto
não foi para a sala de aula, conforme relata este/a educador/a:
131
P7: Pra nós, não. Só mandaram os papéis que a gente tinha queQue
passar, que levar. Mas, assim, pra nós, não. Só que é assim, não é ela
explicou que era, o que era, talA orientação em relação a isso. Mas
em relação ao/ aA doença, o que a gente/ que a gente tinha que falar
alguma coisa com as crianças, não.
Isso demonstra que mesmo em se tratando de uma turma na qual
diz-se que a sexualidade é um conteúdo curricular, nem sempre esses temas
são abordados.
Tendo em vista os aspectos apontados nessa categoria, observa-se
que a manifestação da sexualidade não é ignorada pelos/as entrevistados/as.
Não há também a ideia de que a criança que o faz deve ser reprimida ou
punida, porém percebe-se que há limitações no momento de falar sobre o
assunto, omitindo-se e transmitindo-se alguns equívocos, bem como
alguns preconceitos acerca do tema.
Por outro lado, a limitação dos conteúdos sobre a sexualidade, na
qual os temas são trabalhados pelos/as professores/as segundo a faixa etária
das crianças, pode ter relação com a forma como eles/as compreendem o
currículo acerca da sexualidade, conforme será apresentado a seguir.
3.4 Currículo destinado à educação sexual nos anos iniciais do Ensino
Fundamental: conteúdos e perspectivas
Quando foram pensadas as questões que iriam nortear a categoria
acerca do currículo, o intuito era compreender como os/as educadores/as
concebiam o currículo voltado às questões da sexualidade, bem como qual
seria seu conhecimento sobre ele. Além disso, por meio das respostas, seria
possível apontar o que é considerado pelos/as entrevistados/as como
conteúdo que faz parte do tema da sexualidade.
132
As perguntas realizadas na entrevista, conforme o roteiro, foram:
Quais são os conteúdos geralmente trabalhados por você, com seus
alunos ou alunas, dentro do tema da sexualidade?
A sexualidade faz parte do currículo da escola para você?
Você conhece o currículo a respeito do tema? Qual a sua opinião a
respeito desse currículo?
Segundo a análise sobre as transcrições das entrevistas, pode-se
concluir que os conteúdos trabalhados pelos/as professores/as
entrevistados/as limitam-se ao sistema reprodutor, bem como ao
conhecimento sobre o que eles/as dizem serem as diferenças entre homens
e mulheres, referindo-se aos aspectos físicos:
P3: Ah, é muito pouco a gente fala assim, sobre/ sobre SEXO mesmo
nessa idade a gente não entra muito, a gente fala as partes do corpo,
que menino é diferente de menina, mas não aprofundando em relação
sexual. Essas coisas assim, não. É mais a diferença do corpo, mesmo,
do menino para a menina.
P4: Sim. Assim, faz parte dentro dos temas transversais. Mas abordado
muito assim na área de Ciências e na questão, assimDe quinto ano,
da reproduçãoDos órgãos, do masculino e feminino, mas, assim,
nãoBem superficial. Nada aprofundado.
P10: Sim. Quando chega ao quartoGeralmente o corpo humano.
Mas aí, você fala só do corpo humano. Não aborda a sexualidade. Nem
no primeiro nem no segundo ano. Só vai falar da sexualidade quando
você trabalha o corpo humano no quarto, quinto ano, que aíQue/
que apresenta lá no livro, e apare/ apresenta mesmo o órgão feminino
e o órgão masculino da criança.
133
Conforme os/as entrevistados/as, a sexualidade até o quarto ano
limita-se ao conhecimento sobre o corpo, estabelecendo-se as diferenças
entre o corpo masculino e o corpo feminino. Os demais assuntos,
relacionados à sexualidade, fariam parte do currículo destinado ao quarto
e quinto anos do Ensino Fundamental. Nesse sentido, percebe-se que os/as
entrevistados/as limitam suas práticas em educação sexual aos conteúdos
curriculares destinados a cada ano/série: “P14: Eu não trabalho nada, por
enquanto. Eu geralmente não abordo esse tema, não, naPorque nós/ o/
o nossoCronograma lá, não tem muito esse tema”.
Conforme já foi apresentado nesta pesquisa, os PCNs (BRASIL,
1998) contemplam a abordagem sobre a sexualidade como um tema
transversal. Sendo eles a materialização das políticas curriculares de forma
a nortear as práticas em âmbito nacional, torna-se um equívoco
compreender que não haja menção sobre a sexualidade no currículo dos
anos iniciais do Ensino Fundamental.
Para desvendar esse assunto, foi importante, primeiramente,
avaliarmos o conhecimento dos/as entrevistados/as a respeito do currículo
destinado à educação sexual. A partir das respostas analisadas, é possível
perceber que os/as professores/as reforçam a ideia de que a sexualidade deve
ser trabalhada a partir do quarto e quinto anos do Ensino Fundamental.
Essa concepção tem justificativa baseada no currículo de cada
ano/série, pois somente a partir do quarto ano temas relacionados à
sexualidade são encontrados no currículo escolar, segundo eles/as, o que,
portanto, justificaria o fato de professores/as de outras turmas não
conhecerem esse currículo: “P4: Ah, eu conheço, eu já trabalhei com
quinto ano, eu conheço um pouquinho, sim”. “P6: Ah, eu nãoEu
134
não conheço, assim, TODO o currí/ toda a abordagem”. “P14: Não,
porque eu nunca dei aula no quarto, quinto ano, eu não sei te falar”.
Apesar disso, alguns/mas professores/as, até mesmo dos anos em
que compreende-se que a sexualidade adentre o currículo, dizem não
conhecer os conteúdos sobre o tema: “E: E você conhece, ehO currículo
a respeito de temas que têm a ver com a questão da sexualidade? P18:
Não”.
A partir dessas afirmações, é possível compreender que os/as
entrevistados/as concebem o currículo como uma verdadeira grade de
conteúdos, já que parece aprisionar as práticas dos/as professores/as, que,
por sua vez, limitam seu trabalho somente ao que é apresentado nas
políticas curriculares destinadas à turma que lecionam, muito embora
relatem expressões da sexualidade em turmas cujo currículo municipal,
segundo sua informações, não aprofundam assuntos relacionados à
sexualidade. Nesse sentido, percebe-se não somente um aprisionamento,
como também um distanciamento dos/as educadores/as sobre a construção
do currículo.
Segundo Sacristán (2007), o currículo é formulado conforme
diversos fatores externos à escola, que, de alguma forma, controlam e
determinam o que e como a escola deve ensinar.
Embora sejam estudadas pelos professores/as e gestores/as, observa-
se, geralmente, que as políticas curriculares contidas nos materiais
advindos das Secretarias de Educação são colocadas em prática sem que se
reflita sobre as teorias, as concepções pedagógicas, os intervenientes sociais,
culturais, políticos e históricos, dentre outros, presentes no currículo,
conforme Sacristán (2000). Ainda que não sejam explícitos, nos
documentos norteadores das práticas educacionais esses são aspectos que
135
estão ali presentes e que refletem, de alguma forma, na concretização das
funções da escola.
Além disso, à medida que se afirma não conhecer o currículo que
aborda a sexualidade, pelo fato de esse não estar incluído no programa
oficial destinado a alguns anos/séries, desconhece-se, também, a política
curricular dos PCNs, na qual o tema é proposto como um tema transversal.
Ainda que os PCNs não tenham caráter obrigatório, é justamente nessas
questões que ele não é considerado.
Por outro lado, a questão da transversalidade também é um grande
problema para os/as educadores/as, ao passo que esses/as não sabem
transpô-la para sua prática, apresentando muitas dúvidas quanto à ideia.
Os PCNs, por sua vez, não contemplam os esclarecimentos necessários
para a resolução dessas questões (MACEDO, 1999).
Macedo (1999) aponta haver uma contradição entre a forma como
os PCNs propõem esses temas e a forma pela qual eles são inseridos no
currículo, pois, segundo a autora, se a importância dada aos temas
transversais fosse real, eles seriam o centro da estruturação do currículo
escolar, e não as demais disciplinas.
Assim, no trabalho com a sexualidade, na escola, – O quê? Como?
Em que espaço? dentre outras questões, permanecem como indagações
não respondidas. Um dos riscos, nesse caso, é o de conceber a
transversalidade como uma forma de abordagem em que os conteúdos são
trabalhados de maneira optativa, dependente do interesse da criança, que
pode ou não se manifestar no cotidiano escolar.
A discussão a respeito da transversalidade do currículo instiga a
pensar sobre sua definição. Afinal, currículo é o conjunto de temas a serem
136
trabalhados no cotidiano das aulas por meio de diferentes metodologias de
ensino?
Ocorre que além do ensino sistematizado sobre conteúdos
pautados em programas que estabelecem o que oficialmente deve ser parte
do currículo, existem outras formas de ensino e aprendizagem no espaço
escolar. Segundo Pérez mez (2007), os conteúdos extraoficiais,
aprendidos por meio das relações interpessoais, ensinam atitudes, ideias e
valores que muitas vezes se perpetuam para além da vida escolar do/a
aluno/a, mais do que propriamente os conteúdos oficiais. Isto porque o
ensino não está limitado apenas aos programas de conteúdos estabelecidos
pelas instâncias superiores, mas também ao que realmente é ensinado,
tanto por meio das práticas reais de ensino quanto por meio do currículo
oculto (SACRISTÁN, 2007). Este que, por sua vez, se contrapõe ao que
os/as professores/as afirmam estar ensinando, bem como ao que as políticas
curriculares determinam que deve ser ensinado, pois se faz presente em
todo o contexto escolar, desde a organização dos espaços e tempo das
atividades quanto às relações ocorridas na escola.
Nesse sentido, pensar no currículo não é considerar apenas os
conteúdos oficiais que devem ser abordados, mas todas as interações que
ocorrem no espaço da escola, sendo que a conduta do/a educador/a em
relação à sexualidade não está apenas na forma como esse/a trabalha com
o tema em sala de aula, seguindo o cronograma de conteúdos, mas sim na
maneira como é conduzida a queso e nas atitudes que são tomadas frente
às ocorrências em todo o contexto educativo.
Além disso, segundo Sacristán (2007), deve-se considerar a relação
entre os conflitos ocorridos no ambiente escolar e os conflitos sociais
engendrados fora dos muros escolares. Na ignorância a esse fato é que são
reproduzidas práticas escolares que reforçam esses conflitos, e isso,
137
conforme afirma o autor, se estende também às questões de gênero. Desse
modo, se numa sociedade existem desigualdades em relação às questões de
gênero, essas serão reproduzidas na escola por meio das diversas formas de
interação ocorridas no contexto escolar.
Ainda que sejam formuladas políticas curriculares que atendam às
concepções emancipadoras de educação sexual, o processo pelo qual essas
são concebidas, na escola, o acontece no mesmo ritmo, considerando-se
todos os fatores que intervêm na educação escolar. Existe, pois, uma
distinção entre o que os documentos e políticas dizem sobre aquilo que
deve ser ensinado e como fazê-lo, entre o que os/as educadores/as dizem
fazer e o que realmente ocorre no processo de ensino e aprendizagem
(SACRISTÁN, 2007).
Assim, enquanto de fato não for analisado o contexto real em que
se insere a escola, pensando no currículo oficial frente a todos os fatores
sociais que intervêm no contexto educativo, não será possível pensar numa
forma de criticar ou mesmo superar as imposições associadas ao currículo,
o que implica pensar no espaço, na organização, nas relações, entre outros
aspectos (SACRISTÁN, 2007).
Em suma, conceber o currículo como grade de conteúdos, e não
como práxis, é impossibilitar seu caráter dinâmico, é determinar que
qualquer modificação não possa ser feita pelo/a professor/a, ainda que
esse/a perceba tal necessidade. Nesse sentido, compreender que a
sexualidade, em seu sentido amplo, possa fazer parte dos conteúdos a serem
abordados na escola seria um desafio, também, para a concepção de
currículo.
Assim, quando questionados/as sobre se a sexualidade faz parte do
currículo, houve divergências nas opiniões: alguns/mas concordaram,
138
outros não. Entretanto, daqueles/as que afirmaram a existência da
sexualidade no currículo, parte deles/as indicou considerações a respeito de
como ocorre essa inserção no currículo escolar, limitando-a, sem maiores
aprofundamentos, à abordagem do sistema reprodutor e às infecções
sexualmente transmissíveis, conteúdos segundo eles/as presentes nos anos
finais:
P3: ElesEntra naquele Parte de ética, não é? É muito pouco,
assim. A gente não tem necessariamente que abordar, não temEh
Que nem Ciências, entra na parte de Ciências, um dos conteúdos de
Ciências, mas é muito pouco tambémEhEh, não aprofunda em
nada.
P4: Sim. Assim, faz parte dentro dos temas transversais, não é? Mas
abordado muito assim na área de Ciências, e na questão, assimDe
quinto ano, da reprodução. Dos órgãos, do masculino e feminino, mas,
assim, nãoBem superficial, nada aprofundado.
P7: ((Onomatopeia de negação)). Só isso que te falei, a gente estuda o
corpo humano.
P10: Olha, eu acredito que não, necessariamente. Você falar que fazer
parte mesmo, eu acredito que/ que não há necessidade. Nesse/ nesse
sentido mesmo de fazer parte do/ do Quando você fala do
currículo
P11: Sexualidade, sim. Bem direcionada, apenas a p/ o sistema
reprodutor, tem as Doenças Sexualmente Transmissíveis, tem
tambémO cuidado com o corpo. Então, assim, a gente fala pra eles,
139
a higiene, tudo certinho, começa a passar/ passar o cremezinho, essas
coisinhas. Porque o/ o hormônio começa a aparecer, começa a aparecer
o cheirinho
P14: Faz. Faz, só que é lá no quarto, quinto ano, que eles abordam.
Dessa forma, percebe-se que a concepção de currículo, no caso, não
vai além de conteúdos formais e definições a serem ensinadas, excluindo o
currículo oculto, o qual “[] envolve, dominantemente, atitudes e valores
transmitidos, subliminarmente, pelas relações sociais e pelas rotinas do
cotidiano escolar” (MOREIRA; CANDAU, 2006, p. 84). Nesse sentido,
retomando os conceitos discutidos anteriormente, é preciso considerar
como sendo parte do currículo voltado à educação sexual as ações
ensinadas e tomadas seja numa atividade de escrita ou numa brincadeira;
a forma como são organizados os espaços, as regras, segundo a questão de
gênero; dentre outros aspectos que, implicitamente, transmitem ideias e
concepções sobre determinado tema.
Além disso, percebe-se que as práticas acabam não rompendo com
ideais higienistas, como demonstra a preocupação com a questão das
doenças. Parece que a discussão sobre temas socialmente polêmicos não
adentra os muros da escola e, nesse sentido, a educação escolar perpetua a
ideia de que contemplar a sexualidade no currículo significa elencar
conteúdos relacionados à reprodução humana e às infecções sexualmente
transmissíveis.
Sobre isso, Silva (2013, p. 20, grifo da autora) afirma:
A sexualidade é uma reflexão que ainda é uma espécie de tabu e que
remete muito mais o lado reprodutivo do papel da procriação, dos
métodos anticoncepcionais, do combate à natalidade, do que
140
propriamente ao exercício de autoconhecimento, do respeito ao outro
e da significação do que vem a ser sexo, sexualidade, prazer, HIV,
hétero ou homo, orientação sexual (conforme reza o PCN), assim
como uma infinidade de conceitos que fazem parte do cenário do que
conhecemos por Sexualidade, de maneira ampla.
A inclusão de conteúdos como a reprodução humana, a prevenção
de infecções sexualmente transmissíveis, dentre outros assuntos geralmente
trabalhados pela escola, não significa a inclusão da sexualidade no currículo
escolar. Existem inúmeros temas que podem ser abordados e que carecem
de abordagem dentro desse campo de conhecimento; entretanto, não se
deve esquecer a dimensão do respeito à diversidade, e, portanto, da
superação de mitos e tabus que instigam o preconceito, bem como de
práticas contra a vida e às formas legítimas de deleitá-la.
3.5 Conceitos: sexualidade e educação sexual
Antes de serem discutidos os aspectos acerca desta categoria, é
importante retomar que este estudo parte de alguns pressupostos acerca
dos conceitos de sexualidade e educação sexual. Aqui, o sentido da
sexualidade não se limita ao sexo, à reprodução ou à diferenciação entre
características masculinas e femininas.
[…] é possível compreender a sexualidade por uma perspectiva mais
abrangente, a qual possui uma conotação que envolve dimensões além
dos limites biológicos, incluindo o relacionamento, o erotismo, a
fantasia, o prazer e também as questões ligadas à cultura, à religião, à
simbolização, aos interditos e à própria construção do ser humano, e
não apenas à genitalidade (SANTOS; BRUNS, 2000, p. 13).
141
Assim, acredita-se que a sexualidade envolve questões relacionadas
ao prazer, à busca pelo prazer, às relações afetivas, à orientação sexual, às
questões de gênero, dentre outras, para além da dimensão da reprodução
sexual e do sexo. Há que se considerar, também, que a sexualidade é
construída por meio de nossas relações com as pessoas, de nossas vivências,
cultura, educação e pela forma particular com que cada ser interpreta o
mundo, bem como as informações relacionadas à sexualidade com as quais
tem contato no decorrer de sua vida.
Nesse sentido, a educação sexual, por sua vez, abarca as ações que,
direta ou indiretamente, de forma intencional ou não, implicam na
maneira como o sujeito concebe sua sexualidade (WEREBE, 1998).
É certo que as concepções dos/as professores/as acerca da
sexualidade, bem como da educação sexual, orientam suas práticas e até
mesmo a seleção dos conteúdos relacionados ao tema no momento em que
são questionados/as sobre isso. Essas concepções estão o tempo todo
implícitas nas falas dos/as entrevistados, porém analisá-las nesses termos
exigiria outra abordagem e técnica de análise, pois a interpretação sobre
concepções torna-se complexa, considerando-se a subjetividade tanto dos
sujeitos quanto da pesquisadora.
Dessa forma, para a identificação sobre as concepções, optou-se
pela elaboração de algumas questões que abordam especificamente a
compreensão dos/as entrevistados/as sobre a sexualidade e a educação
sexual.
Assim, foram feitos os seguintes questionamentos para os/as
entrevistados/as:
Para você, o que seria sexualidade?
O que você entende por educação sexual?
142
Há sexualidade na infância?
Em relação à compreensão sobre a sexualidade, de maneira geral
ela não é entendida pelo grupo como um conceito limitado ao ato sexual
ou ao órgão sexual, com algumas exceções:
P12: Ah, sexualidade é o que você é, sua opção sexual. Seu órgão
sexual
E: Ahã.
P12: Eu acho que pra mim é bem definido isso. Então eu não tenho
esse tipo de problema. Com a sexualidade.
Dentre os fatores citados pelos/as professores/as para essa questão,
estiveram o conhecimento sobre o corpo, a busca pelo prazer e as
características específicas de cada gênero. Este último, porém, em muitas
falas apresentado não em relação às questões de gênero, mas em relação à
diferença entre masculino e feminino:
P9: Quando eu falo sexualidade, eu acho que a gente não está falando
só sobre sexo enquanto ato. Eu acho que a gente fala das características
que diferem o homem da mulher. EhAs relações que o sexo, eh
Ele estabelece com o grupo da sociedade, porque ele é visto como
Um meio para reprodução, principalmente com a doutrina da Igreja
Católica. É uma procriação, é uma extensão daDa família. Mas eu
acho que não seria só o sexo, mesmo, seria, assim, o que difere o
homem de uma mulher, as características que tem no sexo masculino,
que tem no sexo femininoNão sóNão sei se você me entendeu,
eu não quero falar que sexualidade é sexo.
P11: Sexualidade. Pra mim, o que é sexualidade, ahÉ tudo o que
envolve essa área aí do Do prazer. Do Da reprodução, isso é
143
sexualidade, doO que mais que é sexualidadeAs diferençasDe
um/ do gênero feminino com o masculino O que mais O
comportamentoO comportamento das pessoas em relação a isso
Eu penso que é isso!
Quando questionados/as sobre sua compreensão acerca da
educação sexual, os/as professores/as puderam falar sobre os aspectos
considerados importantes dentro do tema da educação sexual na escola. As
respostas apresentaram vários aspectos diferentes. Cuidado com o corpo,
transmissão de informações sobre o masculino e feminino e
comportamentos foram alguns dentre os temas citados.
Entretanto, ainda aparece a ideia de que a educação sexual é um
meio pelo qual é ensinada a prevenção de doenças e de gravidez.
P1: Educação sexual? ((tosse)) Eu entendo assim, como as doenças.
Que as crianças podem adquirir, as noções de higiene, que nós
devemos ter. Após o uso dos sanitários, os cuidadosQue as doenças
podem transmitir pra gente Então, assim Pegar do currículo e
transferir para as crianças de uma forma natural, de acordo com a
necessidade e a idade de cada uma.
P3: Uma orientaçãoMais específica PARA criança, naquilo que ela
necessita no momento. o assim, eh o explicar com
DETALHES o que pode acontecer nem nada, mas é/ é explicar aquilo
que é necessário, ca/ as doenças causadas através da/ da sexualidade, do
sexo. E… Prevenção de/ de/ de gravidez e tudo.
A educação sexual, segundo os/as professores/as, segue as
concepções higienistas, difundindo a ideia atual de sexo bem educado,
conceito que, conforme César (2009), relaciona-se com o sexo saudável e
144
seguro, desconsiderando-se as demais dimensões da sexualidade ou o que
Furlani (2011) denominou de biológico-higienista sobre a educação
sexual, normatizando a vivência da sexualidade em busca da promoção da
saúde.
P6: Eu acho que seria orientação, primeiramenteEducação sexual.
Educação já fala, não é? O ensino do que, éDo que é importante
uma criança, um adolescente saber sobre o tema sexo. De como se
prevenir de uma gravidez, de como Eh Viver o sexo de uma
maneira sadia, claro, dentro da sua Eh Do seu momento
adequado. Nada antes do queDo que eu acho que é oO tempo
certo. Então, assim, a partir do momento que você sabe do/ das
consequênciasDo ato sexual, ou de/ das consequências de prazeres,
eh Além daquela idade que a criança tem. De saber viver, eh
Vivenciar o certo e o errado, saber diagnosticar, ter uma visão do que
é o certo, do que é o errado nas suas práticas. SexuaisEhEu acho
que seria isso educação sexual, assim, na minha concepção. Preparar o
adolescente, o jovem, pra ter uma vivência sexual adequada.
Independente do seu parceiro. Do gênero do seu parceiro, mas sempre
assim, eh Visando saúde. Porque sexo é saúde, quando ele é
praticado corretamente, tomando todos os/ as devidas precauções,
vivendo de um modo correto, ele é saúde. Então, assim, eu acho que é
isso, é uma orientação de vivência, mas sempre buscando aspectos
positivos. E preparando a pessoa também, para o que tem de/ de
negativoNa vivência sexual de modo errado. As doenças, as doenças
sexualmente transmissíveis, ehUma gravidez indesejada
P16: Ah, eu acredito que essa educação sexual teria que abordar, eh
Porque educação sexual não é só o sexo. Assim. Coisas prazerosas, mas
feitas assim, eu acho que comCom responsabilidade, eu acho que
teria que entrar mais nessa parte mesmo, do uso do preservativo.
Mesmo no cuidado com o corpo, as meninasE tam/ bom, e também
145
a questão de/ de aceitar. Eu acho que a homossexualidade. Tem tudo
isso. Mas aí eu acho mais complicado ainda.
Segundo César (2009), a educação sexual exige que os/as
professores/as se disponham a desconstruir conceitos já estabelecidos a
favor da liberdade, pois “[] tal trabalho não poderá jamais ser pautado
pela pergunta formulada ao especialista sobre a normalidade das práticas e
discursos sexuais (CÉSAR, 2009, p. 49). Nesse sentido, a educação sexual
não teria relação com ensinar a forma correta ou adequada de vivenciar a
sexualidade sadia, normatizando as condutas, mas de fomentar ideias.
Além disso,
[…] uma educação sexual adequada deveria fornecer informações e
organizar um espaço onde se realizariam reflexões e questionamentos
sobre a sexualidade. Deveria esclarecer sobre os mecanismos sutis de
repressão sexual a que estamos submetidos e sobre a condição histórico-
social em que a sexualidade se desenvolve. Deveria também ajudar as
pessoas a terem uma visão positiva da sexualidade, a desenvolver uma
comunicação mais clara nas relações interpessoais, a elaborar seus
próprios valores a partir de um pensamento crítico, a compreender
melhor seus comportamentos e o dos outros e a tomar decisões
responsáveis a respeito de sua vida sexual (MAIA; RIBEIRO, 2011, p.
79).
Por outro lado, são observadas, também, concepções mais amplas
em algumas das falas dos/as entrevistados/as, que consideram diversos
temas a serem relacionados à educação sexual:
P17: Eu acho que é bem abrangente, né? Passa desde o gênero
feminino, masculino, aoTodo esse leque que foi aberto, que hoje a
gente tem conhecimento, mas que por muito tempo ficou escondido,
146
né? E eles têm contato… […] Eu acho que também falar sobre a… O
gênero na sociedade, a definição de gênero também é importante, né?
A reprodução, as doençasSexualmente transmissíveis
A sexualidade na infância é reconhecida por todos/as os/as
entrevistados/as sem exceção. Ao explicarem sua opinião sobre a questão,
o conhecimento sobre o corpo, a masturbação infantil, as curiosidades, as
modificações hormonais da pré-adolescência, as reproduções de
comportamentos advindas das questões de gênero, as relações afetivas são
alguns dos aspectos assinalados que argumentam a favor da existência da
sexualidade na infância:
P2: SimSim, porque éA gente vê/ eu falo pelos meus filhos, que
eu tenho uma de quatro e agora um de um ano, então, éEles têm
curiosidade de saber o que que é aquilo, éComo que funciona
P7: Eh, eh. Então, isso que euAh, sim, tem, eu acho queNo
próprio relacionamento delesAssim, ehIsso de que menina
pode ser amiga de meninaMenino só pode ficar com menino
P1: Pra mim, eu acho que sim. PorqueA criançaEla temTipo
assim Modelos na sociedade Homem, mulher Eh A
descoberta do corpo. ((tosse)) Que a criança temA fase oralEntão
assim, eu acho que existe sim, mas eu não saberia explicar, de uma
forma, assim, científica, de uma formaElaborada. Assim, a minha
concepção pessoal.
P17: Eu acho que os menoresAté os seis anos eu acho que eles são
maisÉ uma descoberta muito grande. Eu vejo pelo meu filho, como
ele descobre a cada dia uma função diferente pro/ pra ele. Essa questão
147
dessa descoberta, dessa manipulação, isso é muito forte. Mas eu
percebo que com as crianças depois dos sete anos, isso dá uma
acalmadinha. E depois os maiores, jáOs hormônios aflorando, as
meninas menstruando, aí começa a gritar mesmo.
O reconhecimento sobre a sexualidade na infância, dessa forma,
aparece nos relatos. Entretanto, é preciso saber se esses/as professores/as
que reconhecem essa questão percebem a necessidade que há em se abordá-
la na escola.
3.6 Necessidade de educação sexual na escola
A sexualidade, assim como qualquer campo de conhecimento, não
deve ser excluída da escola. Mesmo porque na escola não se é preparado
para a vida, vive-se, sente-se, expressa-se e também se tem sexualidade. E,
nesse sentido, o conhecimento sobre a sexualidade é ensinado ainda que
de forma involuntária: “na escola, pela afirmação ou pelo silenciamento,
nos espaços reconhecidos e públicos ou nos cantos escondidos e privados,
é exercida uma pedagogia da sexualidade, legitimando determinadas
identidades e práticas sexuais, reprimindo e marginalizando outras
(LOURO, 2000, p. 18).
As diversas expressões e curiosidades sobre a sexualidade, bem
como sobre as questões de gênero, m demonstrado que o tema deve ser
abordado pela escola. Esta é que deve lidar com os assuntos que circundam
o campo social, sendo polêmicos ou não, mas que existem dentro e fora
dos muros escolares e que, portanto, merecem espaço para sua reflexão.
Após serem discutidos os aspectos relacionados ao currículo, à
prática, bem como aos conceitos sobre sexualidade e educação sexual, resta
saber se há necessidade de abordar a sexualidade no âmbito escolar segundo
148
a opinião dos/as entrevistados/as, visto que são eles/as que lidam
diariamente com as crianças e vivenciam a realidade do cotidiano escolar.
Para tanto, foram selecionadas algumas falas representativas do grupo
acerca da questão formulada a partir do roteiro de entrevista:
Para você, há necessidade de abordar o tema na/no contexto escolar?
Por quê?
Em algumas falas, é possível perceber que o trabalho que envolve o tema
da sexualidade é necessário somente quando a própria criança sente essa
necessidade. Em outros momentos, a fala dos/as professores/as indica que
há certo cuidado e limite para abordar a temática na escola: “P6: EEu
acho que é assim, né? Dentro daquilo que a gente sempreNé? Daquilo
que a gente tem falado, ehÉ necessário, mas sem enfatizar”. Ao dizer
que a educação sexual não deve ser enfatizada, subentende-se que a
sexualidade tem menor relevância do que os demais temas abordados na
escola.
A ideia de que abordar a sexualidade é estimulá-la também se faz
presente ao se tratar do reconhecimento sobre a necessidade de contemplá-
la na escola, como pode ser observado neste trecho: “P1: Sem o interesse
da criança, eu acredito que não. Que pode ser/ você pode estimularUma
coisa que a criança não tá querendoAprender no momento.”.
E, assim, parece que existe uma tendência de adiamento da abordagem
sobre a sexualidade sempre que possível, justificada pela concepção de que
oferecer esse conhecimento num momento em que seu questionamento
não parta da criança é estimulá-la. Assim, conforme Louro (2000, p. 26):
[…] a sexualidade deverá ser adiada para mais tarde, para depois da
escola, para a vida adulta. É preciso manter a inocênciae a pureza
das crianças (e, se possível, dos adolescentes), ainda que isso implique
149
no silenciamento e na negação da curiosidade e dos saberes infantis e
juvenis sobre as identidades, as fantasias e as práticas sexuais.
A ideia dos/as professores/as traz a suposição de que todas as
crianças tenham a iniciativa de perguntar sobre esse assunto, ainda que
todas as mensagens transmitidas a ela levem-na a crer que isso não deve ser
questionado. Embora as crianças não critiquem, por exemplo, os aspectos
sobre as relações de gênero, não significa que elas não possam ser
conduzidas a refletir sobre o tema.
Ademais, ao retomar as falas acerca da compreensão sobre a
sexualidade infantil, observa-se uma contradição, visto que ao mesmo
tempo que se reconhece a sexualidade na infância com unanimidade no
grupo entrevistado/a, aqui isso é negado, uma vez que abordar a
sexualidade é estimular a criança quando ela não sente essa necessidade.
Assim, a afirmação de que a necessidade de abordar o tema com as
crianças depende de seu interesse pode ser compreendida como um meio
de não abordá-la, justificado na não necessidade apresentada pelos/as
alunos/as, como se observa na fala desse/a professor/a: P2: “[] Agora,
não sei se é foco na escola, por exemplo, às vezes não tem tantos casos,
então não tenha NECESSIDADE DE. Tem escolas que o negócio é mais
aflorado. Também não sei. Eh”.
É preciso considerar, portanto, que o fato de não surgirem casos de
dúvidas ou curiosidades poderia ser explicado por uma possível impressão
da criança de que a sexualidade é um tema proibido. Afinal, os/as
professores/as adiantam vários assuntos na escola; ao não adiantarem
assuntos sobre a sexualidade, se transmite a mensagem de que esse tema
é um tabu.
150
Além disso, muitos temas trabalhados na escola demandam que o/a
professor/a tenha criatividade suficiente para que seja criada a necessidade,
pelos/as alunos/as, de aprendê-los. Essa criação da necessidade de aprender
é enfatizada por diversos/as autores/as clássicos/as estudados no campo da
Pedagogia. Porém, em se tratando de sexualidade, não há que se criar a
necessidade ou estimulá-la, conforme as falas de P1 e P2. Certamente, é
preciso concordar com os/as entrevistados/as, visto que a necessidade já
está presente na criança, que, conforme foi dito em outra passagem,
manifesta sua curiosidade, sua busca pelo prazer, bem como sua vivência
sobre as questões de gênero a todo instante.
É possível observar, ainda, em relação à necessidade de se abordar
a educação sexual na escola, novamente a menção sobre a limitação por
idades, pois aos maiores esse conhecimento poderia ser aprofundado:
P2: Olha, é necessidadeEhCom certeza. Eu não sei assim se com
os menores. Porque eu acho que, com os menores, a gente limita a isso
mesmo de/ de tirar as dúvidas, dentro de uma realidade que é possível,
pra/ pra/ pra idade, pra aquele momento. Agora, com os maiores, com
certezaPorque são coisas que eles vãoEh, tendo acesso aqui e ali
e hoje em dia não é difícil. Então, eu acho queQue é importante,
sim, porque Eh Como formador, como educador, como
professor, a gente tem queEhMostrar o que é real, porque tem
tanta fantasia, tanto
Conforme os PCNs (BRASIL, 1998), a sistematização sobre as
questões relacionadas à sexualidade encontra-se a partir do quinto ano do
Ensino Fundamental, sendo que nos anos anteriores o tema deve ser
abordado de forma a atender a transversalidade. Isso não significa que as
crianças menores não tenham que, igualmente, ter acesso à educação
sexual.
151
Outros argumentos que justificam a necessidade de trabalhar a
sexualidade demonstram a preocupação com os problemas decorrentes da
falta de informação sobre as questões relacionadas à sexualidade, como a
gravidez indesejada, por exemplo. Percebe-se, portanto, o cunho
preventivo acerca da função da educação sexual, sendo nesta fala
pronunciado novamente:
P9: Eu/ eu acredito que há necessidade de discutir o assunto para dar
uma formação para/ para criança a respeito da formação quanto o
indivíduo. Porque o que acontece, muitas vezes a gente não trata do
assunto aqui até o quinto ano, mas quando a gente encontra um aluno
no sexto, no sétimo, a gente o encontra gestante. Ou seja, não houve
uma formação em casa, na extensão da escola, também não teve e essa
criança aprendeu isso onde? Na vivência dela de rua. Fora do mundo
das comunidades, da família e da escola. Ela aprendeu isso fora, não
teve uma formação adequada, e acabou sendo vítima. De uma falta de
informação. Uma consequência de uma falta de informação. EuEu
penso que é muito importante trabalhar isso, sim.
Para os/as professores/as a seguir, seria melhor oferecer essas
informações à criança na escola do que deixá-la buscar por si mesma em
outros meios inseguros.
P7: Sim, porquePor conta disso que te falei. As crianças, hoje em
diaEla/ elas conhecem muitas coisas que a gente acha que eles não
conhecem. Então, eAcho, ehÉ melhor a genteEles saberem
pela gente, que a gente vai falar de uma maneiraVai passar para eles,
ehDe uma forma correta do que eles saber por aí. Saber com o
amiguinho, pela Internet e tal
152
P11: Ah, temTem porque vocêA criança tem um/ mais uma
referênciaUma noção do que acontece, porque se a família se omite,
pelo/ pelo medo, sei lá pelo quê, a escola se omite, todo mundo se
omite, ninguém vai falar, a criança não vai descobrirMeio óbvio,
não é?
Conforme Ribeiro (1990), os meios de comunicação e a família
transmitem, de forma explícita ou implícita, informações e conceitos
acerca da sexualidade, muitas vezes reproduzindo o tabu. A escola poderia
ser o espaço de desmistificação e reflexão sobre esses conceitos; entretanto,
segundo o que já foi discutido a respeito das práticas e conceitos, esses
conhecimentos muitas vezes não recebem a devida importância no
contexto escolar, sendo negados alguns temas ou abordados de forma
superficial, assim como ocorre em meios como a Internet, revistas, entre
outros.
É importante considerar, no entanto, que existem outras formas de
conceber a necessidade de abordar a sexualidade segundo os/as
professores/as:
P4: Ah, eu penso que sim, por conta, assimDesse conhecimento,
mesmo, da/ da criança aprender a se conhecer, a conhecer o próprio eu
e a poderE a respeitar o outro também e a não desenvolver esses
preconceitos que a sociedade acaba impondo. Então eu acho
importante, sim, eu acho que tem que ter.
P5: As transformações sociais, elas têm Pressionado pra que isso
aconteça mais e mais, cada vez mais. [] No meu/ no meu ideário de
educação, a educação é que de/ ela/ ela/ vir de dela a transformação da
concepção da sexualidade, pra ajudar numa no/ numa nova
mentalidade, mas eu vejo um movimento que também tem acontecido,
que é a força, a pressão social, pra que a escola se abra, porque a escola
153
está fechada. Então, eu creio queA educação ela tem/ ela tem papel
fundamental na transformação das ideologias, no/ de discussão das
diferentes possibilidades, é na escola mesmo que isso tem que
acontecer, porque é na escola onde os diferentes se encontram. []
Então, eu acho isso muito interessante.
Nessas últimas falas, portanto, percebe-se um ideal de educação no
qual sua função é a transformação de ideias e a reflexão sobre conceitos
socialmente construídos, de forma a superar preconceitos e a valorizar a
diferença, bem como o conflito entre posições diversas. É interessante
observar, nessas falas, a clareza que se tem acerca do papel da educação
nesse sentido.
Em suma, é possível constatar que se reconhece a necessidade de
abordar o tema da sexualidade na escola, percebem-se as manifestações da
sexualidade e/ou curiosidades infantis em relação ao tema. Então, quais
seriam os entraves que impedem a efetivação de temas como a sexualidade
serem contemplados na escola?
3.7 Entraves para a educação sexual na escola
Haviam sido formuladas algumas questões específicas para o
roteiro de entrevista, as quais ajudariam a identificar as principais
dificuldades para a efetiva abordagem da sexualidade na escola:
Para você, há dificuldade em abordar a sexualidade na escola? Se sim,
cite as principais dificuldades em abordar a temática no contexto
escolar.
Porém, ao serem feitas as análises sobre a transcrição das
entrevistas, puderam ser encontradas algumas outras passagens presentes
nas falas dos/as entrevistados/as que apontam para esse mesmo tema.
154
Por outro lado, uma das perguntas formuladas para o roteiro de
entrevista foi identificada como parte dessa categoria sem que tivesse sido
elaborada para tanto:
Em sua primeira formação, na graduação, foi trabalhada a questão da
educação sexual na escola?
É oferecida a formação continuada a respeito do tema da sexualidade
que auxilie os/as educadores/as em sua abordagem cotidianamente?
Ocorre que essas últimas questões foram respondidas
negativamente por quase todos os sujeitos. Nesse sentido, concluiu-se que
ainda que não mencionadas como uma das dificuldades, por meio dessa
pesquisa compreende-se que a formação, ou melhor, a falta de formação
específica para lidar com a sexualidade na escola se constitui um grande
entrave para a efetivação da educação sexual escolar, assim como reafirmam
diversos/as autores/as estudiosos da educação sexual, dentre os/as quais
Figueiró (2006).
Assim, das pessoas que disseram que sua primeira formação
contemplou a educação sexual ou temas relacionados à sexualidade na
escola, o fizeram fora do currículo comum dos cursos de professores/as.
Foram em disciplinas optativas ou em estudos realizados para a elaboração
de trabalhos:
P1: Não. Só que eu fiz uma disciplina que chamava Educação e
Sexualidade. Só que era uma disciplina assim Extra, fora/ fora da
grade. Eu fui lá e fiz a A disciplina extra não tinha na grade da
formação.
155
P17: Só na disciplina do M. QueQue trazia essa informação. Mas
era optativa, eu que escolhi fazer. Não eraObrigatória.
P12: Foi trabalhada eh Eh Até a minha/ minha primeira
monografia, eu fiz sobreSexualidade. A gente trabalhou bastante
isso, uma coisa bem legal. Porque não é ensinado na escola. É ensinada
a educação sexual, não a orientação sexual.
Em relação à formação continuada, obtiveram-se dados diferentes.
Parte do grupo entrevistado afirmou que foi oferecida formação
continuada pela Secretaria da Educação do município. Contudo, esses
cursos foram escassos, sendo disponibilizadas poucas vagas para realizá-los.
P9: Olha, já teve cursos deCongressos, assim, que a Secretaria fez
há muitos anos atrás que tinham oficinas sobre o assunto. Mas, era por
sorteio. Nada tipo, assim, duas vagas para cada escola. Eu nunca
participei dessas oficinas. Mas, tinham vagas para oficinas que tinham
essa temática.
P7: Então, ehEm relação aos cursos que eu te faleiEuParece-
me que os cursos, no ano passado, jáFoi oferecido um tema por
umEhUm curso aí, tal, mas aí, ehComo aqui é assim, tem tal
curso, quem quer fazer. Aí geralmente a gente não quer, porque você
tem tanta coisa pra fazer, você só faz alguma coisa que te interessa ou
quando você é obrigado. Mas, esse ano eu acho que não apareceu nada,
não.
A fala de P7 traz outra dificuldade vivida pelos/as professores/es,
qual seja, a sobrecarga de trabalho que muitas vezes os/as impedem de
buscar o aperfeiçoamento na profissão. Todavia, existe um momento em
que a formação continuada pode ocorrer sem extrapolar a carga de trabalho
156
do/a professor/a. Na rede municipal de ensino de Marília, esse momento
é conhecido como Horário de Estudos Coletivos (HEC). Ocorre todas as
quintas-feiras, durante duas horas, e geralmente é organizado pelo/a
coordenador/a de cada escola, o/a qual organiza-o conforme as orientações
advindas da Secretaria Municipal de Educação. Entretanto, conforme as
informações dos/as entrevistados/as, temas como a sexualidade
dificilmente são discutidos nesse momento:
E: Nem mesmo nos horários de estudo coletivo?
P12: Não, também não trabalhamos nunca.
P1: EntãoAqui na escola o nosso HEC é sempre dirigido, a gente
tem poucos momentos De conversas, de diálogo, de debates de
temas assim.
Nesse sentido, torna-se incoerente exigir que esses/as profissionais
abordem um tema tão complexo, considerando que ele/a não teve a
formação mínima para lidar com as questões que nele estão envolvidas.
Quando questionados/as a respeito de suas maiores dificuldades
para abordar a sexualidade na escola, os/as entrevistados relataram muitas
situações que se tornam grandes empecilhos para essa questão. Não saber
como falar sobre o assunto, a linguagem pertinente a ser utilizada, os
conteúdos adequados, o limite da abordagem são alguns dos problemas
citados. Portanto, é possível estabelecer a relação entre a formação desses/as
profissionais e suas dificuldades com a educação sexual das crianças.
A insegurança decorrente da falta de formação acerca do tema em
questão é perceptível, também, nas diversas falas em que o receio da reação
157
das famílias sobre a abordagem de temas relacionados à sexualidade foi
apontado:
P3: DificuldadeTalvez, assim, você fica até Eh Eh, eu fico
muito preocupada, nessNessa questão em relação se o que você fala
aqui, como chega isso em casa para os pais. De repente você pode ser,
assimEhCriticada, até mesmo. Podem vir reclamar porque você
está falando sobre um assunto que até então eles não querem e nem
aceitam que as criançasAcham que as crianças são muito pequenas
para saber. Então a gente tenta responder o mais breve possível, nada
muito aprofundado para não ter esse tipo de comentário. Como vai
chegar em casa e vai falarOs maiores. Os menores nãoÉ difícil
acontecer.
P10: Por não ter segurança de falar. Até que ponto, até onde que eu
posso chegar. Até que ponto, o que eu posso realmente falar, de que
forma que eu posso falar. É uma falta da/ de formação, mesmo. De
segurança da gente em falar.
A dificuldade em abordar certos temas polêmicos que envolvem a
homossexualidade, por exemplo, também é uma dificuldade mencionada
nas falas dos/as educadores/as. E, assim, esses/as são envolvidos pelo medo
sobre a forma como a família irá conceber esse trabalho:
P12: Olha, eu não tenho dificuldade pra trabalhar com eles. Assim, o
que é complicado é igual a F falou. Às vezes, eles fazem esse tipo de
pergunta “Ah, e o homem com mulher” Ah, não sei
Normalmente eu falo assim “Olha, isso é uma escolha, mas a professora
não compreende esse tipo de escolha. É uma escolha.”.
158
P17: Sim. Quando eles me perguntam sobre homossexualismo, sobre
os bissexuais E eu agora falando me re/ me recordei de uma
pergunta, “o que era homossexual”E é difícil você explicar o que é,
porque nem pra/ pra mim ainda não tem, não tem claro qual é o termo
que eu uso corretamente. É preferência? É orientação? Como eu
encaminho pra que não seja uma fala preconceituosa? Pra que na
cabeça da criança nãoNão cresça um preconceito.
O medo sobre a reação das famílias está em um dos argumentos
mais utilizados para justificar a não abordagem da sexualidade. Nos relatos
dos sujeitos, é possível observar algumas passagens em que a família acaba
sendo um entrave no trabalho não somente com a sexualidade, mas com
diversos temas:
P16: Tem/ no/ no ano passado teve uma aluna minha queLevou o
livro de Ciências, tudo, pra estudar e falou pra mim, quando chegasse
naquela parte, era pra falar que ela não queria vir, que ela ia faltar
naquele dia que eu fosse explicar aquilo.
E: Isso esse ano?
P16: Não, ano passado. Então, assim, é complicado. Tem famílias que
não gostam.
P17: Nós temos muito receio da/ da receptividade desse/ dessa
abordagem com a família. Eu me lembro de uma vez ter lido, porque
a turma estava muito curiosa, aquele livro da Babette Cole do
Cabelinhos em lugares estranhos.
9
E a mãe chegou em casa/ chegou na
escola super-revoltada. PorqueA menina tinha sido abusada pelo tio
e… Isso voltou, aflorou nela alguns pensamentos, algumas coisas,
9
O título correto do livro citado é Cabelinhos nuns lugares engraçados (COLE, B., 1999).
159
porque ela tinha visto. Então, ela ficou muito brava. Até eu explicar
por quê, deu o que fazer.
P12: A gente não sabe abordar direitinho, na linguagem pra eles. E a
porque a gente tá numa sala que todo mundo é diferente. Cada um é
criado de um jeito. Então, conforme o que você trabalha, na sala de
aula, a família vem questionar. Então, eu já li livro do Harry Potter e
precisei parar de ler, porque a família não aceitava. A maioria da sala
gostava, a família não aceitava. Eh Outra coisa, também. Eu
trabalhei uma vez Chapeuzinho Vermelho, eu falei “Olha, antes não
existia refrigerante, era suco ou vinho.”. Aí uma avó já veio reclamar
porque eu falei que a criança/ a Chapeuzinho tomava vinhoVocê
entendeu? Porque são informações que a gente tem que tomar muito
cuidado com quePorque tem a família
Segundo Braga e Yaslle (2006), os valores que formam as condutas
sexuais são preconizados pela família. Entretanto, conforme Ribeiro
(1990), a escola deve assumir sua responsabilidade sobre a vivência da
sexualidade dos/as educandos/as. Por outro lado, é possível compreender
os motivos que desencadeiam o receio dos/as professores/as em relação à
família ao se trabalhar a temática em questão; afinal, ao que parece, a
família realmente tem dificuldades para entender a realização de trabalhos
que tratem de temas polêmicos, que envolvam valores e crenças. Nesse
sentido, para Ribeiro (1990) há que se considerar a importância da
preparação da comunidade escolar anteriormente à implementação da
abordagem sobre o tema sexualidade na escola por meio de debates sobre
temas ligados a este e por meio de reuniões entre a equipe escolar e as
famílias a fim de que todos sejam conscientizados e informados sobre a
temática dessa ação.
160
Na primeira fala, o/a entrevistado/a relata o caso da negação sobre
o conhecimento que faz parte do currículo comum da escola, visto que o/a
professor/a iria iniciar o trabalho com um tema previsto no currículo
escolar para o conteúdo de Ciências e que está presente em livros didáticos.
Ainda assim, a família decidira por evitar esses conhecimentos. Fica a
pergunta sobre em que medida a família pode decidir pelos conteúdos que
seu/sua filho/a irá aprender se sua decisão for a de limitar conhecimentos,
sendo que a criança tem direito a ter acesso a todo conhecimento oferecido
na escola? Se a família reage assim à abordagem de temas tradicionais da
área de Ciências, no trabalho com a literatura, na sala de aula, dá para
imaginar sua reação à discussão de tabus e preconceitos com relação à
sexualidade.
Diante de todas as suas dificuldades, a autonomia do/a professor/a
em lidar com temas como a sexualidade encerra-se na preocupação em
causar conflitos e se equivocar. Inseguro/a com seu trabalho, prefere não
contestar e permanecer reproduzindo o tabu, como observado nas falas
destes/as entrevistados/as:
P13: Ah, eu acho que/ é um tabu, todo mundo tem medo ainda, não
gosta de falar, te/ procura não responder“Ah, a criança fezE ah,
não quero”. Deixa passarEu pensoVejo assim.
P13: E por isso a gente tem tanto medo também, a gente procura, não
quer trabalhar A gente procura se manter na zona de conforto,
claroA gente não quer entrar muito nesse assunto para não errar.
Com medo de errar.
161
P7: [] O professor que é tímido, que não tem desenvoltura, ele
acabaÀs vezes pula, viu?! Eu já vi gente pular, falar “Ah, eu não vou
trabalhar isso, não!”. ((ri)).
P6: [] Então tem, eu acho que tem professores que até deixam de
trabalhar esse tema, passa meio que batido no ano, dando só algumas
pinceladas, porque ele se sente inseguro, principalmente, não da
repercussão aqui, mas da repercussão lá fora, na família. Então
O tema da sexualidade, como se sabe, envolve valores. Esses valores
muitas vezes são construídos a partir da educação familiar, da cultura e da
religião. E sobre esta, conforme visto no capítulo anterior, sabe-se que
historicamente a religião vem reproduzindo a repressão da sexualidade e a
ignorância a conceitos e conhecimentos que visam à transformação dessa
concepção. Desse modo, fica realmente complicado abordar temas que,
em realidade, promovem a contestação de dogmas religiosos. Esse é um
entrave vivido tanto pelos/as professores/as quanto pelas famílias,
conforme as próximas falas:
P5: []. A gente vê, assim, a MAIORIA dos professores tem uma
religo, assim, um a/ um aspecto religioso, que fecha a porta pra
qualquer coisa do planeta. Até avanço cie/ científico. Cada absurdo que
você ouve, sabe? []. Então, a RELIGIÃO, eu penso assim, é um
muito grande na educação sexual que se tem na/ nas escolas. A
religiosidade DO professor. A forma como ele lida com a reli/
religiosidade.
P6: []. A questão também daReligião. Que a gente sabe também
que tem religiões que não gostam que a gente comente isso na escola.
Que sabe que tem esse entrave. Tem religião/ tem religião que ela não
permite essa discussão. Então é preocupante. E como você vai discutir
162
isso? Porque o ser humano é complexo Ele tem os valores dele,
morais, tem os valores dele, religiosos que, primeiramente, vem isso
daí, antes de qualquer outro conhecimento mais elaborado,
conhecimento escolarEntão, é preocupante.
Embora seja possível entender os medos e receios do/a professor/a,
pois, conforme as explanações de Freire (1997), quando propõe-se uma
forma de educar que instiga o pensamento crítico da criança, lidamos com
os mitos com os quais somos formados; é preciso que esse medo seja
racionalizado, afinal as decisões do/a professor/a não devem ser limitadas
por ele/a. Identificar os motivos e as possibilidades de enfrentá-los é o
caminho para se dar continuidade ao trabalho em que se acredita
(FREIRE, 1997).
Outros fatores mencionados no decorrer das entrevistas também
merecem atenção. O/A professor/a aponta o currículo e as avaliações
externas como aspectos que dificultam o trabalho com o tema da
sexualidade na escola. Compreende-se que ao trabalhar assuntos como a
sexualidade, opta-se por abandonar outros que realmente fazem parte do
currículo daquele ano, conforme a fala a seguir:
P5: Olha, geralmentePorque, assim, a gente tem um cronograma
muito fechado. []. Então, só essa questão. Se o professor dos outros
anos entender que deve trabalhar, ele até tem a liberdade. Só que, co
Como eu disse, ele está assimÉ um desdobrar muito grande, porque
a grade é totalmente fechada eVocê com certeza vai deixar alguns
conteúdos de lado, de Ciências, entendeu? Nos outros anos.
Nessa outra passagem, ele/a comenta sua dificuldade em falar sobre
o assunto considerando a pressão para atingir índices em avaliações
externas. Nesse sentido, temas como a sexualidade, deixam de ser
163
importantes ao se considerar a prioridade de consolidar a aprendizagem
em outras áreas do conhecimento, para que os/as alunos/as possam obter
bom desempenho nessas avaliações:
P5: Olha, vai depender muito da((ri)). Que altura do ano que
você está. Porque, assim, ehDemanda tempoA/ a sala de aula, os
conteúdos demandam, e a gente tem, sim, uma obrigatoriedade, uma
exigência muito grande com relação a isso. Essas avaliações externas
que a gente é submetido, eu compreendo, sim, que elas são
importantes, mas atualmente, nessa escola, por exemplo, assim como
em outras, a prioridade é SÓ a avaliação externa, entendeu? O que vo
fizer fora disso, se tiver importância PRA VOCÊ, bem. Porque não há
uma valorização o que/ de projetos que busquem ir além na formação
DA cidadania. Há uma/ há um pedido que se faça, sim, mas não
podeEhEssa não é a sua prioridade, sua prioridade é ter índice
Nesse sentido, a sexualidade não é concebida como um conteúdo
a ser abordado pela escola, pois há a prioridade, reforçada pelas avaliações
externas, o trabalho com conteúdos formais. Isso indica que uma escola na
qual são constatados altos índices em avaliões externas, assuntos como a
sexualidade não adentram o campo das prioridades educacionais, afinal
esses conhecimentos não são avaliados por esses sistemas avaliativos. Assim,
há a tendência de, conforme afirma Bonamino e Souza (2012), ensinar
para o teste, limitando os conteúdos a serem trabalhados conforme ao que
é avaliado nas avaliações em larga escala. Além disso, o/a professor/a é
assim, desapropriado/a de sua profissão e do valor de seu trabalho, sendo
retirada sua autonomia e autoria nas decisões conferidas às ações
pedagógicas.
Contudo, é necessário considerar que a sexualidade humana
também é um conhecimento e que desconsiderá-lo, portanto, é negar
164
conhecimentos. Da mesma forma como é de direito das crianças a
apropriação de conhecimentos sobre outras áreas, assim também o é em
relação à sexualidade (CARRADORE, RIBEIRO, 2006).
3.8 Relatos de memórias sobre a educação sexual dos/as educadores/as
A intenção de formular a questão que orientaria a organização desta
categoria foi a de estabelecer possíveis relações entre a forma como esses/as
professores/as concebem a sexualidade e a abordam com seus/suas
alunos/as.
Os/As entrevistados/as responderam à seguinte pergunta:
Como ocorreu a sua educação a respeito da sexualidade na escola e com
a família?
Ao analisar a transcrição das entrevistas, observou-se que a maioria
dos/as professores/as teve a sua educação sexual negada no âmbito familiar.
Em relação à escola, alguns relatos mencionaram ter ocorrido a orientação
a respeito da sexualidade em sua vivência escolar, geralmente incidida nas
séries finais do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio. Palestras que
visavam à prevenção e o cuidado com o corpo foram citadas nas falas.
P9: A minha educação em casa foi muito restrita. Assim, minha mãe
conversou pouquíssimas vezes sobre sexo, nem quando eu casei. Minha
mãe comentava o que lia Que deveria ser Após o casamento.
Quando eu menstruei, também, minha mãe não falou nada, falou tipo
“Olha, isso vai acontecer uma vez por mêsVocê vai ter que usar um
absorvente assim, usa assado e embrulha quando”. Essas coisas todas
eu aprendi na escola. Nem sabia que ia ter uma primeira menstruação,
as minhas amigas comentavam que já era/ tinham ficado menstruadas,
elas comentavam que fazia, eMeus pais conversavam pouquíssimo
165
sobre esse assunto. O que eu aprendi, aprendi com as minhas amigas e
o que aprendi na escola.
E: Entendi. Na escola, então, foi trabalhado?
P9: No colegi/ noNo ginásio, antigoAcho que na sétima, sétima
oi/ sexta, sétima série. Que a gente trabalhava isso. Quando falou de
óvulo, espermatozoide, células que não são visíveis a olho nuEntão,
foi acho que quando começou esses assuntos que a professora de
Ciências abordou.
A postura da família relatada por esse/a entrevistado/a tem
semelhança com a de outros/as participantes da pesquisa. A omissão, por
si só, já transmite a ideia de que o assunto não deve ser comentado e que,
portanto, é um tabu. Na escola, por sua vez, alguns/mas relataram que
houve a extensão dessa omissão e a proibição de assuntos como esse.
Os/As entrevistados/as que disseram ter existido a abordagem sobre
a sexualidade em sua vivência escolar, em sua maioria assinalaram que o
tema partia das aulas de Ciências para ser ampliado para os interesses dos/as
jovens, mas limitavam-se aos cuidados com o corpo da adolescente no
início de sua menstruação. Ademais, ocorriam palestras que objetivavam a
prevenção das infecções sexualmente transmissíveis e a informação sobre
as noções de higiene. Por outras palavras, a educação sexual vivida seguiu
o modelo higienista, com a preocupação de prevenir doenças venéreas:
P10: Essas informações Ah, sim. Depois no/ no colegial já teve
algumas palestras. Até a questão, eu lembro Olha, de uma coisa
simples assim, até da forma de seFazer a higiene. Coisa básica, isso
eu não lembro da minha mãe ter falado como que eu ia fazer minha
higiene.
166
P16: Ah, na escola, eu me lembro, assim, acho depois já daSexta
série pra frente, comece/ assim… Alguma coisa sobre a AIDS, que era
doença nova, uma palestra ou outra. Mas, em casa também minha mãe
sempre teve dificuldade de falar sobre isso.
E: Sempre teve dificuldade?
P16: Sempre teve dificuldade. Pra explicar mesmo até sobre, assim,
menstruação era uma coisa, assim, sabe? Percebi, assimDifícil pra
ela.
P13: Na escola não tinha. Não tive isso. A gente foi ter só a questão a/
a… Estudar oQuando a gente vai estudar o corpoOs sistemas,
tudo mais. NaBasicamente isso. Na famíliaAh, não era uma coisa
aberta, não. Não tinha isso, de se falar abertamenteEu acho que foi
mais vendo televisão, ouvindo amigos, foi mais assim do que família.
Enquanto em casa não se falava sobre sexualidade, na escola era
ensinado como se evitar os malefícios da vivência da sexualidade.
Nessa outra fala é possível perceber o quão significativo e libertador
foi conhecer outra concepção sobre a sexualidade que não fosse a
repressora, com a qual o/a entrevistado/a já estava habituada, superando,
assim, o sentimento de culpa por viver a sua própria sexualidade:
P12: Então, a minha educação sexua/ sobre a sexualidade foi bem
fechada. Meus pais são reservados Meus pais ERAM muito
reservados, até. Eles delegaram lá um curso que eu fiz para passar, eles
nunca ensinaram. []. Aí, eu fui aprender lá que não era cegonha
Meu [pai] falava muito que ele tinha achado a gente na lata de lixo.
Entendeu? “Ah, achei vocês na lata de lixo.”. E criança vai crescendo
com isso. Mas, assim, foi bem legal depois eu tinha uma tia
também, que ela trabalhava em escola, ela levou vários livrinhos, com
a faixa etária certinha. Aí falava sobre masturbação que era/ que eu
167
achava que era errado até então. Falava que isso era uma coisa da
criança e que era normal, com qualquer ser e que era pra tratar com
na/ naturalidade, mas não se exporEu fui começando a achar que
“Ah, então tudo bem, é normal.”. Então, foi bem tranquilo. Tira um
peso da criança, porque a gente cresce com um tabu.
A relação que pode ser estabelecida entre a forma como ocorreu a
educação sexual dos/as professores/as e como eles/as acabam lidando com
ela no cotidiano escolar enquanto educadores/as diz respeito ao receio da
reação das famílias, relatado por eles/a em outro momento, e a dificuldade
em falar sobre o assunto, embora alguns/mas reconheçam a inerência da
sexualidade sobre a vida.
A impressão que se tem é que existe o pensamento de que se na
época em que eles/as estavam querendo descobrir o universo da
sexualidade, existia uma omissão por parte da família, talvez essa mesma
omissão possa ainda existir nas famílias atuais. Essa ideia é reforçada ao
passo que ocorrem situações como as relatadas anteriormente, nas quais as
crianças faltam às aulas referentes ao sistema reprodutor e o/a professora/a
sofre uma advertência por ter lido narrativas fictícias sobre bruxas ou
comentado sobre as bebidas existentes no tempo de Chapeuzinho
Vermelho.
Ou seja, se a família reage dessa forma ao trabalho sobre temas até
então compreendidos como sendo conteúdos do currículo escolar ou à
leitura de uma obra fictícia, logo aprofundar temas relacionados à
sexualidade seria um risco. Assim, opta-se por se permanecer no campo
seguro do não conhecimento, subestimando a importância que a
sexualidade tem na vida de uma pessoa.
Ademais, da mesma forma que em sua época de escola alguns/mas
dos/as entrevistados/as tinham os primeiros contatos com a educação
168
sexual por meio das aulas de Ciências acerca do sistema reprodutor ou por
meio do conhecimento sobre prevenção de doenças, agora abordar a
educação sexual seria trabalhar com esses mesmos temas com os quais
eles/as tiveram contato enquanto alunos/as.
O único momento em que as práticas relacionadas à sexualidade
dos/as professores/as se difere da forma como eles/as a conheceram na
escola enquanto alunos/as é quando eles/as dizem responder com
naturalidade às dúvidas que surgem nas aulas, ou quando eles/as não
reprimem manifestações da sexualidade em seu cotidiano. No entanto, o
distanciamento de sua prática com a forma como foram educados/as na
escola encerra-se por aí, visto que o aprofundamento sobre o tema ou a
discussão acerca de conteúdos que evadam o currículo formal é evitado.
Por fim, fica claro que os/as educadores/as necessitam se reeducar
em relação à sexualidade. Figueiró (2001) propõe que essa reeducação
ocorra nos cursos de formação de professores/as, assim como em
programas de extensão realizados pela universidade, propondo a reflexão
sobre a sexualidade com o objetivo de auxiliar no trabalho com a educação
sexual.
3.9 Medidas importantes para o trabalho com a sexualidade na escola
segundo os/as entrevistados/as
A fim de identificar quais eram as necessidades dos/as
professores/as para a efetiva abordagem da educação sexual na escola,
segundo a opinião desses/as, foi elaborada a questão:
Para vo, quais são as medidas mais importantes para que o trabalho
com o tema da sexualidade na escola aconteça efetivamente?
169
A sistematização do conteúdo acerca da sexualidade e a necessidade
de se ter uma abordagem com a família que esclareça os objetivos de um
trabalho com a temática em questão foram alguns dos temas assinalados a
partir do questionamento. Esses dois aspectos podem ser observados na
fala desse/a entrevistado/a:
P17: Eu acho queDa mesma forma que a gente elabora osAs
sequências didáticas, meio ambiente, cidadania, talvez nós deveríamos
elaborar sobre essa temática. […] Então, é todo um trabalho que tem
que ser feito primeiro com os pais, pra depois a gente conseguir
trabalhar com as crianças [].
A necessidade de sistematizar o conteúdo facilitaria a segurança
sobre o que é pertinente para cada idade, uma das preocupações
apresentadas nas falas, como pode ser observado, também, nesta outra
explanação: “P15: Eu acho que deveria montar um projeto de/ por faixa
etária.”.
Entretanto, essa proposta revela a dificuldade que o/a professor/a
tem com a transversalidade no currículo. Acerca desse problema,
Carradore e Ribeiro (2006) explicam que um dos riscos da transversalidade
no currículo para a sexualidade é atribuir um valor diferente sobre ela em
relação às demais áreas do currículo e que, portanto, seria necessária essa
sistematização da organização do trabalho com o tema em questão, da qual
os/as professores/as parecem tanto necessitar e propor.
Neste outro trecho, observa-se que o esclarecimento para a
comunidade acerca do trabalho a ser desenvolvido seria uma das
necessidades para a efetivação da educação sexual na escola:
170
P6: Eu acho que primeiro uma Conversa com a própria
Comunidade escolar de comoEles veem essa orientação pros filhos,
porque é diferente você chegarVocê ter no currículo aquilo lá, eh
Fazendo parte do currículo, e nu/ não buscar esse diálogo com os pais.
Porque fala “Olha, a partir do momento que eu tenho que discutir isso
na escola, vamos conversar de qual é o melhor meio de eu conversar
isso com o SEU filho”.
Quando um/a professor/a ensina Matemática, Língua Portuguesa,
entre outras áreas que fazem parte do currículo comum da escola,
dificilmente é cogitado de chamar os/as responsáveis pelos/as aluno/as para
ser discutido como deve ser o trabalho com os temas dessas áreas.
Entretanto, a sexualidade passa a ser um assunto que exige essa
aproximação por ter sido compreendida como um conhecimento diferente
dos demais, pois até mesmo a forma como ele é transmitido, de geração
para geração, faz com que seja um conhecimento comparável aos do
folclore de um povo. Por outro lado, é preciso estabelecer um limite para
a imposição das condutas sexuais pela família e compreender a sexualidade
como uma construção social que acompanha as discussões no campo
científico e nos Movimentos Sociais, e não como um conceito estático,
transmitido de geração para geração de forma tradicional e, segundo Freire
(1987), atendendo às formas de ensinar de uma educação bancária.
171
CONSIDERAÇÕES FINAIS
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ _______________ ____________ ____________ ____________ ______
As conclusões da presente pesquisa, primeiramente, foram
elaboradas em vista dos objetivos contemplados.
Nesse sentido, a partir das leituras acerca do material bibliográfico
já produzido sobre o tema em questão, percebe-se que as questões
relacionadas à sexualidade sempre sofreram, de alguma forma, a influência
de setores e correntes hegemônicas em cada período histórico, o que se
estendeu, também, à realidade brasileira.
Inicialmente, a religiosidade exercia forte controle sobre as práticas
sexuais, apontando as condutas que poderiam ser aceitas, como também
aquelas que eram anormais, as quais eram relacionadas, principalmente, à
ideia de pecado.
Em realidade, a religião tem, historicamente, papel importante na
construção de condutas preconceituosas acerca das questões relacionadas à
sexualidade, contribuindo com a formulação de concepções sexistas e
machistas que a limitam e a normatizam. A sexualidade é, então,
relacionada a atributos pejorativos, conforme os dogmas religiosos,
segundo os quais ela deve ser restrita à procriação. Extingue-se, portanto,
a sexualidade na infância e na velhice e entre casais homoafetivos.
Extingue-se o prazer.
Mais tarde, a partir do advento do modo de produção capitalista,
a sexualidade foi pensada de forma a servir aos interesses de grupos
dominantes, para os quais as questões sexuais deveriam ser reprimidas em
vista de bons desempenhos no trabalho. O sentimento de culpa originado
172
a partir dos preceitos cristãos é, agora, aliado à necessidade de produzir.
Nesse sentido, o corpo é novamente limitado, agora, ao capital. Assim
como as demais atividades de lazer, que deveriam ser extintas em função
da produtividade, o sexo e a sexualidade seriam limitados apenas à sua
dimensão útil. Dessa forma, a utilidade do sexo estaria apenas na
procriação, ao passo que esta auxiliaria no aumento da mão de obra
necessária à manutenção do sistema. Por outro lado, o prazer se torna um
princípio inútil, distante dos ideais burgueses, visto que o corpo, agora, é
uma máquina e, portanto, inexpressivo.
Para essa concepção, tanto os dogmas religiosos quanto as novas
concepções científicas acerca da sexualidade tinham grandes contribuições.
Assim, com o desenvolvimento das ciências, a sexualidade passou
a ser controlada pelas correntes médicas, as quais objetivavam
especialmente o combate à masturbação e às doenças venéreas, concepção
que influenciou fortemente as condutas sexuais no Brasil a partir do século
XX.
Desse modo, ao passo que as explicações científicas acerca das
coisas começaram a ter espaço privilegiado em relação ao campo normativo
sobre as práticas sexuais, a Medicina veio legitimar, mais uma vez,
concepções limitadas acerca da sexualidade. Assim sendo, no momento em
que as condutas sexuais começaram a se aliar a princípios de liberdade
engendrados por meio de movimentos sociais e da contracultura, no século
XX, o conhecimento científico conduziu as novas concepções sexuais de
forma a interromper a liberalização da sexualidade, a qual passou a ser
relacionada às doenças venéreas. Sexualidade, agora, não é prazer, é risco,
é morte, é medo.
173
É importante salientar, contudo, que a modificação das concepções
acerca da sexualidade, embora tenha acompanhado ora os dogmas
religiosos, ora as correntes médicas, ao passo que essas concepções sofreram
o processo de modificação, não significa dizer que uma excluiu a outra,
sendo que as concepções religiosas, burguesas e médico-higienistas se
fazem presentes, ainda, na atualidade.
A educação sexual, por sua vez, acompanhou essas concepções
antissexuais e/ou limitadas acerca da sexualidade. No Brasil, conforme as
leituras realizadas, a História da institucionalização do tema da
sexualidade, em escolas, é preconizada por tentativas pontuais de
implementações da educação sexual, que sempre foram impedidas de
serem concretizadas, ainda que essas experiências tenham, em sua maioria,
acompanhado o discurso médico-higienista, cuja preocupação estaria
relacionada à prevenção de doenças.
Mais tarde, num contexto em que a sociedade brasileira estava
preocupada com a epidemia de ISTs (Infecções Sexualmente
Transmissíveis), com a gravidez indesejada, ocorreu a introdução do tema
da sexualidade num dos principais documentos orientadores das práticas
docentes em escolas brasileiras, qual seja, os Parâmetros Curriculares
Nacionais.
Entretanto, a sexualidade, na atual realidade brasileira, ainda está
aquém dos ideais assinalados entre os/as autores/as pesquisados/as. Ocorre
que existe, em relação à temática, uma grande contradição entre
concepções. Se por um lado a sexualidade tornou-se um importante
recurso utilizado pela indústria cultural, para a venda de produtos, para o
aumento da audiência, para o comércio musical, entre outros, sendo
exposta de forma demasiadamente banalizada, por outro lado não há
174
instâncias que permitam a discussão do tema da sexualidade de forma
ampla, ou seja, que proporcione reflexão sobre todas as suas dimensões.
Dessa forma, a introdução da sexualidade no currículo da escola,
por meio dos PCNs, conforme a leitura realizada dentre as produções de
pesquisadores/as da área, não garantiu o esclarecimento a respeito do tema
para os/as educandos/as, visto que as políticas pensadas para essa questão
não asseguraram, para as instituições escolares e seus/as agentes, os aparatos
que lhes permitissem transcender os entraves que o trabalho com um tema
como esse iria proporcionar.
Essas dificuldades estariam relacionadas à falta de uma formação
específica para os/as educadores/as que lhes possibilitasse superar as
próprias dificuldades em lidar com temas relacionados à sexualidade, pois
o assunto envolve questões pessoais, bem como valores muitas vezes ligados
a dogmas religiosos e a concepções sobre a infância, as quais impedem o
desenvolvimento de atitudes e práticas condizentes com uma concepção
crítica a respeito da sexualidade.
Assim, as tentativas de implementar a educação sexual na escola,
ao invés de proporcionarem a superação de compreensões que estimulam
o preconceito, a ignorância em relação à sexualidade e ao gênero,
reproduzem concepções limitadas sobre o assunto, em grande parte
relacionando-o a doenças ou à reprodução humana, quando não ocorre a
repressão ou a ignorância das manifestações sexuais no espaço escolar.
Contudo, para a crítica ou a avaliação de uma política curricular, é
importante considerar as necessidades, opiniões, preocupações,
concepções, dificuldades daqueles/as que participam ativamente do
processo educativo, quais sejam, os/as professores/s e educadores/as, de
175
forma a relacionar sua atuação com as políticas, as normas e propostas
educacionais a respeito do tema em questão.
Por meio das entrevistas realizadas, foi possível perceber que as falas
dos/as professores/as atuantes na escola participante da presente pesquisa
condizem com as reflexões e estudos sobre a temática da educação sexual.
Em relação às práticas dos professores/as dos anos iniciais do
Ensino Fundamental do município de Marília, acerca da educação sexual
na escola, compreendeu-se que, em certos momentos, representam um
avanço no sentido de que não reprimem as expressões da sexualidade na
escola, pois em diversas situações foi relatada a tentativa de diálogo com as
crianças.
Por outro lado, a abordagem é limitada se considerarmos que
algumas questões importantes não são trabalhadas com as crianças, ainda
que essas demonstrem ter curiosidade sobre elas. Isso ocorre quando, por
exemplo, as crianças questionam sobre as relações homoafetivas. Nesse
sentido, não são possibilitados espaços e momentos para a reflexão sobre a
sexualidade em seu sentido amplo.
Além disso, foi possível observar que as práticas dos/as
professores/as, muitas vezes, limitam-se à abordagem sobre o sistema
reprodutor e sobre as infecções sexualmente transmissíveis. Nesse sentido,
compreende-se que a abordagem presente na prática dos/as professores/as
entrevistados/as condiz com a abordagem biológico-higienista, não
rompendo com a forma como as práticas em educação sexual foram
iniciadas no país, conforme o estudo demonstrou. Isso também é
observado quando é justificada a necessidade de se abordar a sexualidade
na escola, pois a gravidez indesejada e a contração de ISTs são as grandes
preocupações que explicariam o trabalho com a temática no espaço escolar.
176
Em relação ao currículo em educação sexual, foi possível identificar
uma concepção limitada presente nas falas dos/as professores/as. Em
primeiro lugar, alguns entrevistados/as não reconheceram a existência da
sexualidade como parte do currículo da escola. Em segundo lugar, o
reconhecimento da presença, no currículo, de conteúdos relacionados à
sexualidade limita-se na separação de sua abordagem por ano/série, o que
demonstra a dificuldade com que é compreendida a transversalidade
pelos/as educadores/as. Além disso, foram apresentados conteúdos como o
corpo humano, o sistema reprodutor e as ISTs como conteúdos
curriculares que abordam a sexualidade.
Nesse sentido, foi possível perceber que a concepção de currículo
presente entre os/as professores/as é a de seleção e organização de
conteúdos conceituais. Os conteúdos atitudinais não foram mencionados
quando questionados sobre o currículo em educação sexual. Além disso,
muitas vezes a justificativa de não trabalhar a sexualidade esteve pautada
em sua ausência no currículo direcionado à turma com que cada um/a
trabalha, demonstrando que a limitação em relação à educação sexual
também se encontra na compreensão do currículo, pois esse é concebido
como um elemento estático e pronto, sem possibilidade de transformação.
Em relação às dificuldades, por meio da entrevista foi possível
perceber que essa questão também condiz com a explanação das produções
estudadas. Dentre as dificuldades apresentadas, esteve o receio, em relação
à reação das famílias, na abordagem da temática e o desconhecimento sobre
como abordar, o que abordar e a linguagem a ser utilizada acerca das
questões relacionadas à sexualidade na prática cotidiana.
Outro fator assinalado em relação às dificuldades dos/as
entrevistados/as está na falta de formação que os/as auxiliem na abordagem
em educação sexual, em sua prática docente, o que foi um aspecto citado
177
entre os/as autores da área. Em realidade, a questão da formação acaba
aparecendo relacionada a todos os outros entraves. Assim, observa-se que
o trabalho com o tema em questão, na escola, se faz por achismos ou pela
impressão que o/a professor/a tem sobre a forma como deve ser realizado
seu trabalho nesse sentido. Isso é perceptível em suas falas quando
identifica-se, em vários momentos, a insegurança com que se dá a prática
docente em relação à abordagem da sexualidade.
Dessa forma, é possível estabelecer a relação de que os/as
professores/as promovem educação sexual baseando-se na forma como
eles/as mesmos/as foram educados quanto a essa questão, visto que seus
relatos de experiências a respeito de como ocorrera sua educação sexual em
muito se assemelham à forma como esse/a profissional conduz a sua
prática, reproduzindo o tabu com que a sexualidade lhe fora apresentada,
o que se traduz nos sentimentos de medo e receio quando ao lidar com o
tema.
A sexualidade é, dessa forma, um assunto complexo para os/as
professores/as e, muito embora esses/as digam reconhecê-la no universo
infantil, sua prática demonstra o conceito de que existe um limite para que
esse tema seja discutido com as crianças. A crença de que falar sobre ele é
estimular a prática sexual, as omissões de assuntos polêmicos são indícios
de que a concepção de infância presente em suas falas é a concepção
moderna de inocência e pureza infantil, para a qual a sexualidade torna-se
algo sujo e impróprio. Há, portanto, a ideia de uma infância abstrata,
desconsiderando-se o contexto no qual as crianças estão inseridas, no qual
estão presentes muitas informações a respeito da sexualidade.
Analisando as informações implícitas nas entrevistas, percebe-se
que há uma grande dificuldade por parte dos/as professores/as em refletir
sobre questões mais amplas sobre seu trabalho, como a função social da
178
educação e da escola. Acostumam-se a cumprir ordens, a aceitar um
currículo pronto, sem que se faça a reflexão sobre esse, valorizando apenas
conteúdos que aparecem nos índices das avaliações externas. Assim, a
sexualidade, bem como os demais temas propostos no currículo
transversal, são conteúdos secundários frente ao que é considerado
necessário em relação à aprendizagem das crianças.
A sobrecarga de seu trabalho, as cobranças, o medo de perder
credibilidade ou seu sustento, dentre outros aspectos, têm a sua
responsabilidade sobre a forma como os/as professores/as lidam com as
questões apresentadas. Adquire-se um costume escolar de não propor o
que está fora dos “combinados” pelo medo da repreensão. Opta-se pelo
conforto por evitar-se o conflito, por permanecer reproduzindo práticas e
por não refletir sobre as questões que envolvem a função de seu trabalho.
Assim é que são criados os pensamentos de que, na prática, a teoria é outra,
pois não há um momento em que esses assuntos são discutidos.
Por outro lado, convenhamos que, sabendo que a maioria dos/as
entrevistados/as construiu sua concepção sobre sexualidade no contexto
tradicional e repressor, não há como culpabilizar esse/a profissional, ao
passo que não foi-lhe dada a oportunidade de aprender e rever seus
conceitos.
Ao pensar-se, então, na maneira como a sexualidade é proposta
pelos PCNs, é possível compreender que os problemas sobre a forma como
ela e implementada, na escola, já começam na própria política curricular,
que a coloca como um tema transversal, sem esclarecer o que isso realmente
significa na prática pedagógica.
Além disso, em realidade, a forma como está sendo conduzida a
educação sexual nas escolas cumpre, grosso modo, o que é apresentado
179
pelas políticas curriculares tanto dos PCNs quanto a própria política
curricular municipal. Na primeira, é dada ênfase ao aspecto preventivo,
embora cite, sem aprofundar, algumas ideias básicas, como, por exemplo,
as queses de gênero. A política do município, por sua vez, nem sequer
menciona transversalidade e, no decorrer dos primeiros anos do Ensino
Fundamental, só é possível relacioná-la ao conhecimento sobre o corpo e
às ISTs, conforme é explanado pelo documento norteador das práticas
educacionais das escolas do município, lócus desta pesquisa.
Nesse sentido, é necessário pensar-se na necessidade de
reformulação das políticas curriculares voltadas à educação sexual de forma
a contemplar os estudos de referência sobre essas questões.
Ademais, para que ocorra efetivamente a educação sexual nas
escolas, não há como não responsabilizar a formação dos/as profissionais
da educação. Esta deveria lhes proporcionar a reflexão sobre a sua própria
forma de compreender a sexualidade, seus tabus e preconceitos. Além
disso, é preciso que nessa formação, ocorrida seja em cursos oferecidos
pelas Secretarias de Educação, seja em horários de estudos coletivos
pelos/as professores/as, sejam repensados assuntos que, muitas vezes, são
deixados de lado quando o/a profissional lida com a realidade da escola e
todos os seus problemas.
Percebe-se, pois, que o campo da sexualidade e gênero ainda tem
um complexo processo a ser enfrentado, que envolve valores fortemente
arraigados pela sociedade e que influenciam direta ou indiretamente no
processo educativo.
Em grande medida, a religião ainda vem exercendo poder sobre a
forma como se concebe a sexualidade, sendo que a primeira acaba ficando
intrínseca ao discurso daqueles que se demonstram contrários às políticas
180
de inserção das questões de gênero e sexualidade na escola, vide o exemplo
do que ocorreu com o último PNE em âmbito nacional e municipal. É
preciso repensar a laicidade da educação e em que medida ela está sendo
respeitada, na atualidade, pois em diversos momentos do dia a dia escolar
e, conforme demonstrado no presente estudo, até mesmo na fala de
professores/as dirigidas aos/as seus/suas alunos/as esse princípio acaba
sendo desconsiderado.
Frente a todas essas questões, espera-se que este estudo possa
contribuir com a reflexão sobre os aspectos apresentados e reforçar a
importância de que a educação sexual seja um tema que transcenda os
muros escolares, em busca da superação dos mitos e preconceitos acerca
dessa questão, de forma a possibilitar a valorização da diversidade, bem
como da vivência livre da sexualidade.
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192
193
ANDICE A
ROTEIRO DE ENTREVISTA - Professor/a
PRÁTICAS EM RELAÇÃO À ABORDAGEM DA SEXUALIDADE
NA ESCOLA
Você observa, ou já observou, a manifestação da sexualidade no
cotidiano de sua prática? Dê exemplos.
Como você lida, ou lidaria, com as possíveis manifestações da
sexualidade ou curiosidades referentes ao tema?
Se você se deparasse com a situação de um/a aluno/a estar se
masturbando em sala, o que você faria?
Acaso uma criança lhe perguntasse sobre sexo, o que você faria?
Atualmente, ocorrerá a vacinação de meninas a partir de 9 anos, contra
o HPV, dentro das escolas municipais da cidade de Marília. Você acha
necessário abordar a temática do HPV com essas crianças? Há orientações
quanto a isso?
Na escola onde você trabalha, quais as atitudes mais comuns dentre o
grupo de professores/as ao lidar com o tema em questão no âmbito da
escola?
Há orientação por parte do grupo de gestores/as em relação a como
abordar a temática?
Há algum material disponível para o trabalho com o tema da
sexualidade em sua escola? Qual/quais? Você os utiliza?
FORMAÇÃO
194
Em sua primeira formação (Graduação), foi trabalhada a questão da
educação sexual na escola?
É oferecida formação continuada a respeito do tema da sexualidade que
te auxilie em sua abordagem cotidianamente? Onde?
Qual sua opinião acerca dessa formação? (suficiente/não suficiente)
CURRÍCULO
A sexualidade faz parte do currículo da escola?
Você conhece o currículo a respeito do tema? Qual sua opinião a
respeito desse currículo?
Quais sãos os conteúdos geralmente trabalhados por você com seus/as
alunos/as dentro do tema da sexualidade?
DIFICULDADES
Há dificuldades em abordar a sexualidade na escola? Se sim, cite as
principais dificuldades em abordar a temática da sexualidade no contexto
escolar.
RECONHECIMENTO DA NECESSIDADE DE ABORDAR O
TEMA NA ESCOLA
Para você, há necessidade de se abordar o tema no contexto escolar? Por
quê?
CONCEPÇÃO ACERCA DA TEMÁTICA
O que você entende por Educação Sexual? (Concepção)
195
Como ocorreu sua educação a respeito da sexualidade?
Na escola.
Com a família.
MEDIDAS
Para você, quais são as medidas mais importantes para que o trabalho
com o tema da sexualidade, na escola, aconteça efetivamente?
Pareceristas
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________
Este livro foi submetido ao Edital 01/2020 do Programa de Pós-
graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, câmpus
de Marília e financiado pelo auxílio nº 0798/2018, Processo Nº
23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES. Contamos com o apoio
dos seguintes pareceristas que avaliaram as propostas recomendando a publicação.
Agradecemos a cada um pelo trabalho realizado:
Adriana Pastorello Buim Arena
Alessandra Arce Hai
Alexandre Filordi de Carvalho
Amanda Valiengo
Ana Crelia Dias
Ana Maria Esteves Bortolanza
Ana Maria Klein
Angélica Pall Oriani
Eliana Marques Zanata
Eliane Maria Vani Ortega
Fabiana de Cássia Rodrigues
Fernando Rodrigues de Oliveira
Francisco José Brabo Bezerra
Genivaldo de Souza Santos
Igor de Moraes Paim
José Deribaldo Gomes dos Santos
Jussara Cristina Barboza Tortella
Lenir Maristela Silva
Livia Maria Turra Bassetto
Luciana Aparecida Nogueira da Cruz
Márcia Lopes Reis
Maria Rosa Rodrigues Martins de
Camargo
Marilene Proença Rebello de Souza
Mauro Castilho Gonçalves
Monica Abrantes Galindo
Nadja Hermann
Pedro Laudinor Goergen
Tânia Barbosa Martins
Tony Honorato
Comissão de Publicação de Livros do Edital 001/2020 do
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília
Graziela Zambão Abdian, Patricia Unger Raphael Bataglia,
Eduardo José Manzini e Rodrigo Pelloso Gelamo
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Nathanael da Cruz e Silva Neto
Revisão do texto
Frederico Helou Doca de Andrade
Capa e diagramação
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16x23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Papel
Polén soft 70g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
Acabamento
Grampeado e colado
Tiragem
100
De que forma a escola trabalha as questões relacionadas à sexualidade?
Há entraves para a promoção da educação sexual nas escolas? De que
maneira a escola poderia contribuir para a superação de tabus e precon-
ceitos acerca das questões de gênero e sexualidade?
Este livro contém o resultado de uma pesquisa de Mestrado realizada no
âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC/UNESP
– Marília. Aborda a temática da educação sexual nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, trazendo os principais conteúdos e discussões a
respeito desse tema, além de reexões importantes sobre o currículo
escolar e sobre práticas de professores/as em relação às questões ligadas
à sexualidade.
É nossa expectativa compartilhar estudos que possam contribuir para
um maior esclarecimento sobre a temática da educação sexual, especial-
mente no âmbito da infância, além de colaborar com a modicação nas
tomadas de decisões sobre o tema em questão.
EDUCAÇÃO SEXUAL
NA ESCOLA
currículo e práticas
Jessica Sampaio Fiorini
Jessica Sampaio Fiorini é graduada em
Pedagogia (2012) e Mestra em Educa-
ção (2016) pela Faculdade de Filosoa e
Ciências da Universidade Estadual Pau-
lista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/
FFC/Marília). Atuou como professora e
como professora coordenadora nos anos
iniciais do Ensino Fundamental. Atual-
mente, cursa o Doutorado no Programa
de Pós-Graduação em Educação Esco-
lar da Faculdade de Ciências e Letras
(UNESP/FCL/Araraquara). Integrante
do Núcleo de Estudos da Sexualidade
(NUSEX), realiza pesquisas na área da
Educação, com ênfase na temática da
educação sexual.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
Este livro resulta de pesquisa de
Mestrado realizada no âmbito do Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação
da FFC/UNESP – Marília, sendo orga-
nizado em três capítulos.
Em Educação Sexual na Escola:
abordagens educacionais e currículo”,
apresenta-se um breve histórico, além de
importantes discussões quanto ao pro-
cesso de inclusão do tema da sexualidade
no currículo escolar.
No segundo capítulo, Sexua-
lidade, Gênero e Infância: o processo de
difusão e imposição de modelos hege-
mônicos no decorrer da História”, são
discutidos aspectos que possibilitam a
reexão sobre as condutas e concepções
ligadas à sexualidade.
O terceiro capítulo, “A Educação
Sexual no Ensino Fundamental na Fala
de Professores/as: um estudo envolven-
do educadores/as de uma escola da rede
municipal de Marília-SP”, expõe a aná-
lise sobre entrevistas com professores/as
de uma escola de Marília-SP, lócus da
pesquisa realizada.
Educação Sexual na Escola: currí-
culo e práticas possibilita reexões teóri-
cas e práticas sobre o assunto em ques-
tão, podendo contribuir tanto com os
estudos acerca da educação sexual quan-
to com as decisões relacionadas ao currí-
culo escolar frente às demandas ligadas à
sexualidade.
EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA
currículo e práticas
Jessica Sampaio Fiorini