Mulheres, Gênero e
Sexualidades na sociedade
Volume I
diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
(Organizadora)
CULTURA
ACADÊMICA
E d i t o r a
Mulheres, Gênero e
Sexualidades na sociedade -
diversos olhares sobre a cultura
da desigualdade
Volume I
M, G  S 
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  
V I
Marília/Ocina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2020
T S A M B
(O)
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS - FFC
UNESP - campus de Marília
Diretor
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Vice-Diretor
Dr. Pedro Geraldo Aparecido Novelli
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
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Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Ficha catalográca
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Editora aliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Ocina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2020, Faculdade de Filosoa e Ciências
M956 Mulheres, gênero e sexualidades na sociedade : diversos olhares sobre a cultura da
desigualdade : volume 1 / Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (organizadora). –
Marília : Ocina Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2020.
400 p. : il.
Inclui bibliograa
ISBN 978-65-86546-83-5 (Impresso) (v. 1)
ISBN 978-65-86546-84-2 (Digital) (v. 1)
1. Mulheres - Condições sociais. 2. Identidade de gênero. 3. Sexo. 4. Igualdade. 5.
Direitos humanos. 6. Violência contra mulheres. 7. Violência contra minorias sexuais. I.
Brabo, Tânia Suely Antonelli Marcelino.
CDD 305.42
S
Prefácio
Mariângela Spotti Lopes Fujita ------------------------------------------------------------ 23
APresentAção
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo -------------------------------------------------- 25
Direitos HumAnos, Gênero e ciDADAniA
A vidA plurAl - AnotAções sobre A experiênciA dA pArtilhA dA vidA em grupos, com o
outro, com A outrA
Carlos Rodrigues Brandão ----------------------------------------------------------------- 33
Womens rights: A chAllenge for the conceptuAl frAmeWork of humAn rights
Paola Melchiori ----------------------------------------------------------------------------- 53
unA mirAdA Al mundo, sus locurAs y geniAlidAdes
Gisella Evangelisti -------------------------------------------------------------------------- 69
notAs sobre A questão sexuAl nos cAdernos cArcerários de grAmsci
Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos, Diana Patrícia Ferreira de Santana ---------- 97
movimento sociAl feministA e gênero - breve olhAr sobre A históriA deste movimento
no mundo, no brAsil e entre os curdos
Sônia Aparecida Custódio ----------------------------------------------------------------- 111
iguAldAde de gênero nA políticA e A expAnsão dA cidAdAniA femininA: umA Análise
dAs eleições de 2016
Antônio Rodrigues Neto, Ana Cláudia dos Santos Rocha ------------------------------- 131
feminismo e gênero: AvAnços nAs políticAs de iguAldAde de gênero no movimento
dos trAbAlhAdores rurAis sem terrA (mst)
Jenier Ribeiro Pessôa ---------------------------------------------------------------------- 145
Direitos HumAnos, Gênero, sexuAliDADes e ViolênciA
pensAr As sexuAlidAdes de mulheres e homens jovens, em portugAl: direitos,
sAber e prAzer
Eunice Macedo, Soa Almeida Santos --------------------------------------------------- 169
pessoAs intersexo e A violAção dos direitos humAnos: mutilAções genitAis,
hormonizAção impostA e A não existênciA legAl
ais Emília de Campos dos Santos, Raul Aragão Martins, Ana Maria Klein ------- 191
personAgens trAvestis, violênciA e subAlternidAde no romAnce contemporâneo
brAsileiro (2000-2016)
Luiz Henrique Moreira Soares, Rosiney Aparecida Lopes do Vale,
Adenize Aparecida Franco ----------------------------------------------------------------- 211
reflexões sobre A educAção e o investimento nA (hetero) sexuAlidAde
Keith Daiani da Silva Braga, Arilda Ines Miranda Ribeiro,
Marcio Rodrigo Vale Caetano ------------------------------------------------------------ 231
violênciA de gênero: A universidAde como espAço de legitimAção
Jamilly Nicácio Nicolete, Joicimar Cristina Cozza -------------------------------------- 249
| 7
violênciA domésticA: impActos nA sociedAde contemporâneA
Eliana Cristina Pedroso de Oliveira ------------------------------------------------------ 269
buenAs prácticAs pArA AvAnzAr en lA investigAción y juzgAmiento de los crímenes
sexuAles contrA lAs mujeres durAnte el terrorismo de estAdo en uruguAy:
revisAndo el cAso Argentino
Flor de Maria Meza Tananta, Nuria Piñol --------------------------------------------- 285
considerAções sobre Alguns delitos de nAturezA sexuAl e suA tipificAção pelo
direito penAl brAsileiro
Tereza Cristina Albieri Baraldi ----------------------------------------------------------- 333
violenciA de género entre mujeres: roles y estereotipos mediAtizAdos
Circe Milena Zamorano Chávez --------------------------------------------------------- 345
un AcercAmiento A lA violenciA de género en mexico
Julia Del Carmen Chávez Carapia, Jose Alberto Baeza Villamil ---------------------- 361
sobre As AutorAs e os Autores --------------------------------------------------------- 383
| 9
P 
Ana Laura Bonini Rodrigues de Souza
Chega de justicativas
Já cansei de tanta hipocrisia
Não é exagero
É desespero
É grito abafado
Do sexo subestimado
Mais conhecido como sexo frágil
Mas, acorda!
Que de fracas
Não temos nada
O passado amordaça
O presente ainda esmaga
Porém, sobrevivemos...
Aguentamos as pedradas
Fogueiras
E de tantas formas somos violadas
10 |
Mulher!
Se inquiete
Solte a voz
Não importa que eles
Estejam de ouvidos tampados...
Unidas
Nos mais diversos tons
Lutemos pela não aceitação da submissão
Somos fortes
Somos mulheres
Somos gente
De carne e osso
De alma
De coração...
Meu grito é de apoio
Meu grito é de desgosto
Eu grito em versos
Poetizo por nossa humanidade.
| 11
T-
Suelen Cristina Landi Ramos
Sociedade machista, hipócrita e patriarcal
O corpo feminino visto como algo banal
E não me venha dizer que foi acidental
Todas as meninas mortas de modo brutal
Empalaram, abusaram, torturaram, degradaram
O físico, o psíquico e o emocional
E no nal, quem foi acusado como marginal?
Atualmente circulam na mídia discursos fascistas
Alimentando ideologias
Que impedem que a verdade seja dita
Nutrindo o machismo
Servindo ao feminicídio
Contudo
12 |
Resistimos!
Feminismo é sinônimo de igualitarismo
Antônimo de chauvinismo
Precursor da liberdade
Ressaltando a necessidade do empoderamento
Anal
Desde muito tempo
Ser mulher é um tormento
Não pode isso, não pode aquilo...
Até mesmo o voto já nos foi proibido
E quanto mais a gente avança e alcança
Mais somos tidas como: “oferecidas!”
Anal de contas, me diga
Qual mulher nunca foi apontada como Geni nessa vida?
Taca pedra nessa daí!
Maldita Geni!
...
Bendita seja Geni!
Enquanto eu tô aqui poetizando
Deve ter por aí uma menina apanhando
E o que a gente vai fazer?
Como vamos proceder?
Ou, será que vamos apenas assistir
E se esconder atrás do discurso de que:
eu não tenho nada a ver!”
Sim, você tem a ver!
Nós temos a ver!
Na realidade
Nós temos que nos haver com essa situação
Porque, mulher merece respeito, carinho e atenção
E quem decide o que fazer ou não
É ela, somente ela, meu irmão
| 13
Aprendam que não é não
E que o corpo de uma mulher
Não é a África pra ser explorado sem permissão
Simone escreveu que não se nasce mulher
Torna-se!
Então, eu digo:
Torna-te!
Seja o que você quiser ser
Faça o que você quiser fazer
Porém, jamais
Jamais seja submissa
Mulher erga a sua cabeça e resista
Seja oferecida, progressista, feminista!
E insista
Pois, assim
Quem sabe um dia
Nós mulheres deixemos de ser estatística
E passemos a ser vistas
Não por nosso gênero, cor, corpo ou cabelo
E sim como seres humanos, sujeitos sociais
Únicas e dignas de respeito.
| 15
H
Esta pequena homenagem-lembrança nasce do reconhecimento
e da profunda gratidão de todos aqueles que tiveram a oportunidade de
conviver e aprender com a professora-amiga Adenize. De uma generosidade
e sensibilidade incomparáveis, Adenize trilhou um caminho intenso de luta
por equidade e justiça: na sala de aula, nas reuniões de grupo, na atividade
cientíca (estudando literatura, esta que sempre está a dizer coisas, sempre
a nos desassossegar), nos eventos culturais ou nas manifestações de rua,
pulsava a defesa pela Universidade Pública, pelo ensino de qualidade, pela
diversidade e pela democracia – tão ameaçada em tempos ameaçadores.
Adenize ensinou sobre o afeto e a gentileza, como ensinam todos e todas
que sonham e alimentam o desejo de dias melhores. E por isso deixa um
legado de coragem e esperança: o amanhã ainda não existe, o amanhã está
para ser construído.
Luiz Henrique Moreira Soares
Rosiney Aparecida Lopes do Vale
| 17
H
A Professora Jane Soares de Almeida nasceu em 1947, no
município de Manduri/SP, onde segundo ela “tudo era mágico”, foi
uma da grande pesquisadora da área de História da Educação brasileira,
tendo contribuído sobremaneira com os estudos acerca da feminização do
magistério, a História das Mulheres e os Estudos de Gênero.
Jane possuía Licenciatura em Pedagogia e graduação em Artes
Industriais. Atuou durante 19 anos no Ensino Fundamental em escolas
públicas do Estado de São Paulo, entre 1966 e 1985.
A partir dessa longa atuação, Jane se encaminhou para os estudos
em nível de Pós-Graduação. Primeiramente, ingressou no mestrado em
educação, na Universidade Federal de São Carlos, em 1988, desenvolvendo
a pesquisa intitulada “Formação de professores de 1º Grau: a prática de
ensino em questão”, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Ester Bua. Essa
dissertação, defendida em 1991, deu origem à última obra publicada pela
autora, em 2016, “A formação de professores em São Paulo (1846-1996):
a prática de ensino em questão”.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
18 |
No referido trabalho, a professora Jane caracterizou a
sociedade brasileira nos anos nais do século XIX, as Escolas Normais,
a Habilitação Especíca para o Magistério (HEM) e os Centros de
Formação e Aperfeiçoamento para o Magistério (CEFAMs), que tiveram
progressivamente que ser fechados em função da exigência de diploma
de nível superior às/aos professoras/es da educação básica, estabelecida
pela Lei 9.394/1996. De acordo com Jane, é possível observar que as
reformas realizadas desde o século XIX possuíam motivações políticas ao
invés de se orientarem pelas necessidades educacionais. No que concerne
à formação prática, foco da discussão da obra, a disciplina praticamente
não sofreu modicações no decorrer do século XX nas Escolas Normais,
na HEM, posteriormente nos CEFAMs e também no ensino superior,
nos cursos de Pedagogia.
Entre 1992 e 1995, Jane realizou sua pesquisa de Doutorado em
História e Filosoa da Educação, na Universidade de São Paulo. Deste
trabalho, surgiu aquela que seria uma de suas obras mais conhecidas
pelas/os pesquisadoras/es da atuação feminina no magistério: “Mulher e
educação: a paixão pelo possível”. Durante esse período, realizou estudos
de especialização na Universidade de Lisboa, com a pesquisa “Mulher,
educação e prossionalização: um estudo comparado Brasil e Portugal
(século XIX)”, sob a orientação do Prof. Dr. António Nóvoa.
Realizou também dois estágios de Pós-Doutorado, o primeiro na
Harvard University, em 1996, e o segundo na Universitat Autònoma de
Barcelona, entre 2001 e 2002. Por m, no ano 2000, defendeu a tese de
livre-docência intitulada “Mulher e Educação: missão, vocação, destino
(São Paulo, 1870/1930)”, na Universidade Estadual Paulista – Unesp
(Campus de Araraquara).
Em meio a esse itinerário formativo, a pesquisadora atuou
como docente nos cursos de graduação e Pós-Graduação na Unesp
(Campus de Araraquara), entre 1986 e 2007, período em que rmou um
compromisso acadêmico, mas também uma grande amizade com duas
outras pesquisadoras brasileiras: Vera Teresa Valdemarin e Rosa Fátima
de Souza, evidenciando a importância dos escritos das mulheres: “O
Legado Educacional do século XIX”, cuja primeira edição data de 1998
e “O Legado Educacional do século XX”, em 2006, esse último com a
participação de Dermeval Saviani.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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Nesses 21 anos de atuação universitária, formou diversas gerações
de prossionais do magistério, mestras/es e doutoras/es em educação. Após
a sua aposentadoria, continuou a atuar como docente nos Programas de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista da São Paulo
(2004-2010) e da Universidade de Sorocaba (2010-2018), além de ter sido
por anos, Pesquisadora CNPq.
Não bastasse sua brilhante carreira acadêmica, Jane também se
destacou em outras searas. A autora publicou os contos “O Quarto Fechado
(2003) e “Amor a Três” (2004), o livro de poesias “Vinho Antigo” (2010)
e o romance “A Casa da Solidão”. Em 1998, foi agraciada com o Prêmio
Ignácio de Loyola Brandão, da Biblioteca Mário de Andrade (Araraquara/
SP), com o conto “O Homem que brincava de Deus”, além de conquistar
o primeiro lugar no Prêmio de Micro contos SBT/Warner Brothers do
Brasil (2004), com o conto “O desejo por Isadora”. Mais recentemente,
preparava um livro infantil, que ainda está em fase de produção, além de
ser co-autora de uma obra sobre a trajetória de Mary Dascomb, educadora
norte-americana, lançado em 2018.
Infelizmente, Jane Soares de Almeida faleceu no ano passado e
não poderá ver o resultado dessa obra, mas as/os autoras/es dessa obra não
poderiam deixar de homenagear sua vida, sua história e sua vasta produção
intelectual, com mais de 1860 citações registradas no Google Acadêmico.
Por sua relevante contribuição à História da Educação brasileira e à História
das Mulheres no magistério, Jane permanece viva em suas obras e em nossa
memória.
Jamilly Nicácio Nicolete
Jorge Luís Mazzeo Mariano
| 21
H
Jacob nasceu com o “sexo dos anjos”, assim é a forma de
chamarmos algumas condições intersexo. Foi um anjo que veio na Terra,
cumpriu sua jornada com muita alegria, nos deu paz e felicidades, deixou
seu legado. Trouxe visibilidade ao que em pleno século XXI ainda acontece
com os bebês intersexo: mutilações genitais, hormonizações impostas,
retenção das Declarações de Nascido Vivo, discriminações e preconceitos
em vários contextos. Motivou minha luta pessoal como mãe, pesquisadora
e já ativista de gênero, pois a inconformidade com essa situação das pessoas
intersexo me sensibilizou muito, não só pelo meu lho, pois a situação
dele consegui resolver logo. Mas, a cada pessoa intersexo que eu procurava
para saber como seria o futuro de meu lho, como educa-lo melhor pela
condição não binária dele, eu tinha acesso a histórias sofridas e dolorosas,
recheadas de negligência jurídica e com excesso de poder médico que
levaram a consequências impossíveis de se restituir. Aqui deixo minha
gratidão à professora Tânia de possibilitar levar essa causa na Semana da
Mulher de 2017 na UNESP de Marília, em convidar-me a participar dessa
obra para que essa situação de violação dos Direitos Humanos possa ser
modicada, também ao professor Raul por permitir a mudança de tema de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
22 |
pesquisa de doutorado para Educação da Criança e Adolescente Intersexo.
E, principalmente, agradecer a Jacob pelo 1 ano e 7 meses de vida que
esteve aqui, nessa Terra, deixando alegria e muita luz, com sua paz e sorriso
encantador. Que sei que veio anjo e voltou anjo, após lutar muito pela vida
devido a oito cardiopatias congênitas graves. Jacob amo você, não só por
ter sido sua mãe, mas também por sua resistência e luta pela vida. Saudades
que dói!
ais Emília de Campos dos Santos
| 23
P
O mundo que experimentamos nos proporciona inúmeras
possibilidades de comunicação, torna conhecidas distintas e distantes
realidades, aproxima interesses a interessados, diminui distâncias temporais
entre comunicantes e revela, principalmente, divergências, conitos e
diferenças. Muitos pensam e dizem que suas vidas se desordenam a todo
instante. Entretanto, o que pensam ser desordem é o uxo contínuo de
mudanças sociais que ora colocam em evidência e ora abafam as necessidades
da natureza humana ao sabor, às vezes, de interesses contrários, gerando
desigualdades como uma onda que se levanta e se espalha.
Cabe aos pesquisadores de ciências humanas e sociais trazer à luz
temas indissociáveis da natureza humana para discussão e reexão com
o objetivo de esclarecer e fornecer conhecimento para que educadores
formulem suas estratégias de alcance ao maior número de educandos. É
importante discutir e reetir para entender e se aproximar cada vez mais
de todas as desigualdades.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
24 |
Os temas de “Mulheres, gênero e sexualidade na sociedade
são essenciais e fundamentais à humanidade porque deles sobressaem-se
aspectos presentes em diferentes contextos. A diversidade e a divergência
de aspectos são aqui demonstradas pelos vários trabalhos divididos em
dois conjuntos que compõem os dois volumes de coletâneas. Os relatos
dos diversos olhares sobre a cultura da desigualdade que envolve os temas
são organizados a partir dos dois eixos principais: “direitos humanos” e
mulheres e gênero”.
Cabe a cada um de nós, a leitura atenta, crítica e reexiva que
atribua signicado e nos transforme para, assim, entendermos as mudanças
de paradigmas quanto aos direitos humanos, sobretudo, de mulheres e de
gênero. Aumentar a compreensão é diminuir a desigualdade.
Mariângela Spotti Lopes Fujita.
Rede Mulheres Vivas
Instituto de Políticas Públicas de Marília
| 25
A
Mulheres, gênero e sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a
cultura da desigualdade, nos seus dois volumes, reúne textos que promovem
um debate teórico sobre a cultura que, em diferentes âmbitos incluindo
a educação, contribui para o perpetuar da desigualdade de direitos e das
diferentes formas de violência que acometem as mulheres. Desde a mais
tenra idade através da educação pautada nos estereótipos de gênero e na
visão androcêntrica de mundo, as crianças aprendem tais valores e, em
sendo concebidos como próprios da cultura, são vistos como naturais. Os
movimentos feministas e as teorias feministas desconstroem esta lógica que
perdurou na História da Humanidade e até os dias atuais.
Assim, é importante relembrar que, em 1993, a Assembléia Geral
das Nações Unidas, através da Declaração sobre a Eliminação da Violência
contra as Mulheres, reconheceu ocialmente o direito das mulheres de
viverem livres da violência. O direito de viver uma vida livre de violência
também foi reconhecido na Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, Convenção de Belém do
Pará, de 1994. Tais instrumentos são importantes para os movimentos de
mulheres e feministas na luta pelos direitos das mulheres na região. Após
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
26 |
a aprovação da Convenção e sua raticação pelos países, os movimentos
feministas nacionais incorporaram mudanças legislativas em suas diretrizes
de reivindicações como uma estratégia para enfrentar a violência doméstica
e familiar, que afeta principalmente mulheres e meninas.
A violência contra a mulher como resultado de sua condição de
gênero é uma problema transversal e universal que começa na infância. Sua
ocorrência não se limita a uma área especíca, possui expressões em todas as
áreas e seu combate exige um olhar amplo, para atacar suas manifestações e
erradicar sua presença. No entanto, o olhar para a violência de gênero tem
um véu cultural, o “patriarcado” que diculta sua visibilidade e gera uma
subestimação dos poucos números disponíveis.
A morte violenta de mulheres por razões de gênero é um fenômeno
global. Muitas dessas mortes ocorrem com a tolerância de sociedades e
governos, naturalizadas pelos costumes e transformadas em uma cultura
que atribui aos homens o castigo às mulheres na família, tratando-as
como objetos sexuais e descartáveis. Segundo dados apresentados pela
ONU Mulheres, a desigualdade de poder coloca mulheres e meninas em
uma situação de maior vulnerabilidade nas diferentes relações em que
participam, seja em espaços públicos ou privados.
A partir da década de 1980, as ações dos movimentos nacionais e
internacionais de mulheres e feministas contribuíram para que a questão da
violência contra as mulheres entrasse na diretriz do Direito Internacional
e dos Direitos Humanos. A partir daí, foi lançada uma agenda para dar
visibilidade às diferentes formas de expressão da violência de gênero,
sua denúncia como um problema social e a rejeição como uma violação
dos direitos humanos. Apesar dos avanços signicativos registrados nas
décadas seguintes nos campos político, jurídico e social, as mudanças para
que as mulheres pudessem viver sem violência ainda ocorrem lentamente,
conforme expõe a ONU Mulheres. Diante dessa realidade, representantes
dos movimentos de mulheres e feministas exigiram respostas mais
ecazes dos governos para enfrentar diferentes formas de violência contra
as mulheres apontando sempre o papel importante da educação para a
desconstrução dos estereótipos e visão androcêntrica de mundo, que
contribui para esta realidade que persiste. Entre esses tipos de violência,
o assassinato de mulheres e LGBTQI+ continua sendo sua expressão mais
séria e ainda não possui as ações e políticas mais ecazes para enfrentá-
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 27
la, apesar da importância da Lei Maria da Penha, ainda constatamos um
crescimento da violência.
Em suas diferentes expressões, a violência é discutida nesta
coletânea, dividida em dois volumes, abordando a temática tanto no plano
nacional quanto internacional e desde os belos e tristes poemas, expressões
da realidade, que são apresentados no início das reexões. A educação,
como âmbito importante para a transformação da cultura que promove
a desigualdade, também é abordada relembrando que a educação e o
magistério para as mulheres foram pensados por homens na perspectiva
de manter a moral, os costumes patriarcais, a pátria e a família. Estes
valores foram assimilados por muitas mulheres e ainda o são, apesar de
todo avanço em termos legais e de políticas, conseguido através das ações
dos movimentos feministas na perspectiva do respeito aos direitos das
mulheres e da igualdade de gênero.
Nas homenagens relembramos a Profa. Adenize que, com seu
exemplo de luta por equidade e justiça, deixou sua marca tanto nas
mobilizações em defesa da Universidade Pública, quanto pela Democracia
e pela diversidade. Outra homenageada é a Profa. Dra. Jane Soares de
Almeida, que dedicou sua vida aos estudos que desvelassem a realidade
injusta para as mulheres, incluindo a educação. As duas professoras
deixaram importante produção acadêmica, referências sempre atuais
para nossos estudos. Relembramos também o pequeno Jacoh que, em
sua breve passagem por este mundo, vivenciou o preconceito e a falta de
políticas públicas voltadas às crianças intersexo. Antes da publicação desta
obra, despediram-se de nós, deixando grande tristeza e saudade. Nosso
profundo respeito e homenagem a três exemplos lindos de vida que nos
motivarão para sempre na nossa luta incansável por uma sociedade mais
humana e justa.
Nesta perspectiva, na seção Direitos Humanos, gênero e cidadania,
do primeiro volume, os textos versam sobre o exemplo de exercício de
cidadania, dos movimentos feministas, na perspectiva do reconhecimento
das mulheres enquanto cidadãs iguais e com os mesmo direitos que os
homens na Espanha, Itália e no Brasil. Discorrem, também, sobre os
vários âmbitos da sociedade em que o pensamento feminista contribuiu
para mudanças na realidade desigual e as permanências das desigualdades
além de apontarem como importantes teorias, que contribuem para uma
28 |
análise da realidade social, abordam a questão das mulheres naquele
momento histórico.
Na seção intitulada Direitos humanos, Gênero, sexualidades e
violência, do primeiro volume, os textos versam sobre o resgate da trajetória
de luta das mulheres e LGBTQI+, nos diferentes âmbitos da sociedade
apontando para a violência vivenciada por estes grupos sociais até a
atualidade, de diferentes formas. Discorrem sobre a violência doméstica,
sobre a violência da imposição na educação da (hetero)sexualidade desde a
Educação Infantil até a Universidade, violência entre mulheres, a violência
da falta de políticas para crianças intersex e como os Sistemas de Justiça
têm tratado os crimes sexuais apresentando números da violência. Os
textos versam sobre a realidade do México, Uruguai, Argentina, Portugal
e do Brasil.
No segundo volume, na sua primeira seção, continuam as reexões
sobre Direitos humanos. Gênero, sexualidades e violência, apontando a
violência de imposição de papéis tradicionais na educação que se constata
até a Universidade e em diferentes espaços, como se constata na negação
de direitos das mulheres no Sistema Penitenciário brasileiro. Discorreram,
também, sobre a impossibilidade de acesso a conteúdos psico-sociais sobre
mulheres vítimas de violência apontando a não garantia de direitos que
têm a ver com a questão de classe do sistema patriarcal, que também
interfere na cultura do país. Tal realidade faz com que a desigualdade e a
dominação feminina continuem e, por vezes, são vistas como algo natural
sendo introjetada inclusive pelas próprias mulheres.
Na segunda seção, denominada Mulheres e gênero-literatura,
música e poesia, os textos apresentam as diculdades vivenciadas pelas
mulheres que se dedicaram à literatura ou à música na História do país.
Relembram também as importantes escritoras brasileiras e suas obras. Por
serem mulheres não eram aceitas e, inclusive na atualidade, em diferentes
áreas vivenciam diferenças salariais e rejeição. Em algumas áreas, em especial
a da música, pode-se constatar também o assédio a mulheres cantoras em
bares e restaurantes, além do salário menor em relação aos homens.
Na terceira seção Mulheres, gênero e magistério-história e atualidade
do papel da educação para a igualdade de gênero, os textos discorrem sobre
as várias formas de constituição da cultura patriarcal ressaltando que a
forma com que os costumes são vivenciados em cada época afeta não só
| 29
a produção do conhecimento mas os modelos de pensamento e as formas
de conduta que são transmitidas às crianças e jovens através da educação.
Nesta perspectiva, também é ressaltada a possibilidade de transformação
da educação tradicional, reforçadora dos valores que delegam às mulheres
uma cidadania de segunda categoria, quando há investimento para a
formação de docentes e práticas pedagógicas na perspectiva da igualdade
de gênero na escola. Relembram, ademais, o papel importante que as
mulheres tiveram na educação do país apontando a invisibilidade que elas
tiveram inclusive nos documentos ociais da educação. Quanto ao acesso
de meninas à educação e ao acesso a cargos de maior poder no Sistema
Educacional, como em outros âmbitos e que demonstram a prevalência da
desigualdade, abordam a realidade de Moçambique ( África do Sul) e de
Santiago de Compostela (Espanha).
Os textos, de autoria de renomadas(os) pesquisadoras(os) e
militantes da igualdade de direitos, ressaltam a importância do papel
político dos movimentos feministas e da teoria feminista no sentido de
desvelar a realidade de violência que vitimiza muitas mulheres além de
apontar que este problema social é um problema de Estado e de desrespeito
aos direitos humanos das mulheres. Reetiram sobre as políticas públicas
de combate à violência contra as mulheres, sobre políticas educacionais
voltadas às relações sociais de gênero igualitárias, para a preservação ou
transformação da cultura patriarcal além de pensar quais foram os avanços
em termos de direitos das mulheres na sociedade em geral com enfoque
para a diversidade do ser mulher no Brasil e em outros países.
Tais reexões objetivaram contribuir para os estudos voltados
à temática do livro além de aprofundar o debate sobre os estudos de
gênero e sobre mulheres relacionados aos movimentos sociais (feministas,
LGBTQI+ e das mulheres trabalhadoras rurais), apontando sua inuência
na educação bem como o papel da educação para a superação de
preconceitos e discriminações, na perspectiva da igualdade de gênero e dos
direitos humanos.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
Organizadora
Direitos Humanos,
Gênero
e Cidadania
| 33
A   - 
   
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  ,   
Carlos Rodrigues Brandão
Os animais e os deuses são auto-sucientes. Podemos imaginá-
los como estando sozinhos. Quanto ao ser humano, ele é
irremediavelmente incompleto e precisa dos outros.
Tzvetan Todorov
1
conViVer, trAbAlHAr, PArticiPAr: estAr com o outro, com A outrA
No livro judaico do Talmud existe a estória de um grupo de aluno
das escrituras sagradas que pergunta a mestre sobre quando na verdade
um dia começa. Quando já se pode dizer que “já é dia”. O mestre devolve
a pergunta a seus discípulos e alguns deles ensaiam respostas. Um deles
responde que o dia começa quando já está claro o bastante para se pode
Tomado do livro Competência e solidariedade solidária educar para a esperança, de Hugo Assmann e Jung
Mo Sung. São Paulo: Vozes, 2000. p. 171.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
34 |
diferenciar um cachorro de um cabrito. Já um outro diz que é quando se
pode diferenciar um go de uma noz. Um outro, mais teórico, responde
que começa um dia quando se pode diferenciar as várias cores. “Sim, diz
anal o mestre. Todas as respostas de algum modo estão certas. Mas um dia
começa de tato quando há luz bastante para cada pessoa poder reconhecer
no rosto de um outro, um seu irmão.
Que esta pequena parábola antiga seja aqui a fonte de ideias e de
sentimentos. Nossa vida cotidiana é uma sucessão de curtos, médios ou
longos momentos de “estar a sós” - “estar só”, “estar sozinho”, “estar comigo
mesmo”, “estar em solidão” – eles se entrecruzam e valem como pontes que
atravessamos para estarmos “com o outro” - “estar a dois”, “estar junto com
outros”, “estar entre outras pessoas”, “estar num grupo”, “estar em equipe
de trabalho, “estar em turma na sala de aulas”.
Dependendo do lugar onde vivemos algum tempo ou grande parte
de nossas existências, uma situação interativa pode ser a mais frequente,
pode ser dividida quase por igual com outras, ou pode ser muito rara.
Em um extremo, podemos estar “na mais absoluta solidão”, enquanto em
outro extremo nos encontramos “no meio da multidão”.
Consideremos as diferentes modalidades de situações relacionais
ou interativas em que estamos envolvidos ao longo de um dia, de uma
semana, de um mês, de toda a vida. Elas podem ser distribuídas entre
situações de labor (cuidar da casa, preparar uma refeição, tratar do jardim),
de trabalho (preparar um terreno para semear, construir uma casa preparar
uma aula, ministrar a aula, estudar), de lazer (dormir, descansar, assistir a
um programa de televisão, passear em uma praça), de convivência (reunir-
se com um grupo de amigos, visitar uma tia querida, viver uma longa noite
de amor), ou, ainda, de participação (coordenar uma reunião de uma ONG
ambientalista, participar de uma assembleia de professores, participar
de um “mutirão” de limpeza de um riacho do bairro). Nós vivemos e
partilhamos situações assim, na maioria das ocasiões, entre momentos que
vão do “eu sozinho” ao “nós em uma grande turma”.
Quase sempre ao longo de um dia estamos a dois, em pequenos grupos,
em grupos maiores, em turmas. Não apenas nós, mas toda a humanidade. E
isto ao longo de todos os tempos. Um paleontólogo - um estudioso dos
primórdios da trajetória humana na Terra - disse certa feita que “[...] sempre
que recuamos no passado de nossa espécie e encontramos os primeiros
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 35
homens, eles estão em grupos, em volta de uma fogueira.
2
Alguns outros
estudiosos levaram esta ideia mais longe. Eles acreditam que durante alguns
poucos milhões de anos, os nossos antepassados – os primitivos hominídeos
que povoaram a terra antes de nossa espécie, a dos homo sapiens – foram
mais caça do que caçadores. A noite escura seria o seu tempo diário de terror.
Antes do domínio do fogo, antes de sequer habitarem cavernas e possuírem as
primeiras armas ecazes, nossos antecedentes eram presa fácil de predadores
noturnos. E a comunicação entre eles, em seus bandos não muito diferentes
daqueles em que viviam os outros primatas, seria muito precária e limitada.
Com a descoberta do domínio sobre o fogo e a criação de locais xos e mais
protegidos de habitação, homens e mulheres puderam transformar o viver
na noite. Com o fogo aceso, livres dos perigos das feras predadoras e do
horror da escuridão da noite, as pessoas de um grupo primitivo, no interior
de uma caverna podiam retardar o momento do sono. Podiam não apenas
comer depressa, mas conviver antes, durante e depois da refeição. Podiam
se olhar nos rostos e podiam ceder ao desejo do afeto no se dizerem algo
mais do que breves palavras de comando. Eles deveriam se reunir, para se
aquecerem e protegerem ao redor de fogueiras acesas. Pela primeira vez terão
partilhado o “estar juntos”, sem labor e sem temor. Depois dos trabalhos
do dia eles podiam compartir momentos dos primeiros ócios. Podiam
devanear juntas, inventar palavras que formassem frases mais longas e mais
simbólicas. Podiam, enm, inventar o diálogo gratuito. E, conversando,
dialogando, devaneando, podiam começar a criarem e contarem uns aos
outros os pequenos e grandes casos triviais década dia. Podiam recordar e uns
aos outros suas lembranças. Podiam inventar o devaneio e através dele, criar
mitos e inventar lendas. Enm, partilharem tudo aquilo que transforma o
saber em compreensão, em signicado e em sentido. A presença gratuita do
outro, a fala como diálogo, a estória e a poesia talvez sejam fruto do partilhar
a noite ao redor de um fogo aceso.
Nem sempre foi assim, mas a imagem é bem simbólica. E, de
fato, a diferença essencial entre os macacos antropomorfos e “sociais” e
nós, os humanos, é que eles viveram sempre e sempre viverão em bandos
rigidamente regidos por preceitos biológicos, encontro nós, os difíceis
primatas chamados “humanos”, aprendemos a passar do bando para
o grupo. Para pequenas e diferentes modalidades de vida em comum,
 Autor desconhecido.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
36 |
regidas ainda por necessidades e preceitos biológicos, mas já dominadas
e transformadas por princípios, valores, regras, símbolos e signicados
socialmente culturais.
Saibamos que apenas em tempos mais recentes as ciências sociais
e as humanas, teóricas ou aplicadas, começaram a atribuir uma maior
importância ao estudo dos grupos humanos. Durante um tempo longo
demais a Psicologia centrou-se no indivíduo, a sociologia na sociedade e
a antropologia na cultura. Mesmo a pedagogia esteve por muitos anos
concentrada muito mais na individualidade do estudante, na pessoa do
aluno, ou no par aluno-professor, do que nos coletivos interativos da sala
de aulas ou da escola.
Nos últimos cinquenta anos, de um lado e do outro descobrimos
que a vida social realiza-se em boa medida na escala da vida em grupos.
E, tanto em pequenas unidades de ação social quanto nas escolas,
aprendemos que “problemas de participantes” e “problemas de alunos
podem ser “problemas da equipe”, ou “problemas da turma de alunos
individualizados na unidade de cada um seu integrante. Ou podem ser
problemas da relação entre “as pessoas da equipe” ou do professor-e-da-
turma-de-alunos. Nos anos recentes entre atividades de ação social, de
pequenas unidades produtivas, como a fábrica, de gestão de empresas, da
condução da vida pública através do poder político, e da escola, a dimensão
grupal ganhou um lugar de enorme importância. Na Psicologia, durante
a década dos anos sessenta, ao lado da tradicional formação em qualquer
ramo da “psicologia clínica”, surgiram e se multiplicaram diferentes
modalidades de “psicologia de grupo”. As mais diversas experiências de
treinamento de pessoal” e todos os seus derivados antigos e modernos,
foram e seguem sendo experiências derivadas da dinâmica de grupos.
Durante aqueles anos – e talvez ainda hoje - quem estudava
serviço social podia especializar-se em “caso”, “grupo” ou “comunidade”.
E, entre educadores, não devemos esquecer que praticamente todas as
experiências inovadoras no campo da educação – do Método Montessori
aos Círculos de Cultura, de Paulo Freire – foram e seguem sendo tentativas
de responder a uma pergunta essencial: “como transformar uma turma
passiva e impessoal de alunos diante de um professor, em um grupo ativo
e motivado de educadores-educandos?”
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 37
Há, entre livros destinados ao trabalho em sala-de-aulas, bastante
material a respeito de “métodos e técnicas de trabalho com grupo”. E
alguns livros são muito úteis. Mas raros são os que ousam perguntar:
anal, o que é um grupo?”. Ou: “como é que grupos, equipes e turmas
acontecem e funcionam?”
A palavra grupo pode ser entendida de muitas maneiras. Por
isso mesmo é costume ela aparecer adjetivada por outras palavras. Assim,
grupo humano poderia ser a mais ampla. Um tipo de grupo humano pode
ser denominado grupo social. Ele caracteriza unidades de labor, trabalho,
convivência, participação e lazer na vida social, constituídas e organizadas
segundo os termos de preceitos e princípios internamente contratuais ou
externamente legais, ora denidos e aceitos por consenso livre, ora por
alguma estratégia coercitiva ou imposta aos seus integrantes.
E aqui o lugar da mulher é essencial. Os homens preferiam viver
em bandos, as mulheres em grupo. Os homens foram a arma da primeira
comunidade. As mulheres, a sua alma. Eles partiam em busca da caça,
elas permaneciam criando a vida na casa. Ao longo do o da história os
homens terão sido os responsáveis pela caça, as mulheres pela coleta. Mais
adiante, a humanidade deu um grande passo quando aprendeu a passar
da caça ao criatório de animais e, sobretudo, à agricultura. E mais ainda,
à agricultura de cereais. E então os seres humanos passaram dos bandos
errantes às comunidades estabelecidas. Só saltamos para a civilização
quando aprendemos a cultivar cereais: trigo, centeio, arroz e milho.
Acredita-se que foram as mulheres as criadoras da agricultura. Talvez por
isso em praticamente todas as culturas são masculinos os deuses da guerra
e da pesca. Femininas as deusas da fertilidade e da agricultura.
Uma equipe de futebol constituída pela vontade de uma turma de
meninos amigos, a família nuclear, chamada também de grupo doméstico,
ou uma turma de alunos podem ser bons exemplos. Por mais acolhedoras e
desejadas que nos sejam, muitas unidades sociais de pequeno porte muitas
vezes nos antecedem ou são criadas por outros: nossos antecessores, nossos
contemporâneos.
A experiência da vida cotidiana, de nossas experiências em
contextos de trabalho, em nossas vivências como “participantes-de”, ou
como pessoas de “corpo docente” nos haverá ode relembrar que na maior
parte dos momentos vividos no interior de uma casa, de uma ONG, de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
38 |
uma equipe de trabalho ou de escola cruzam “a pessoa” com a “tarefa”. Pois
a própria “gente de casa”, assim como uma “turma de alunos”, sobretudo
em termos de uma educação moderna e humanista, conguram grupos
centrados na tarefa” tanto quanto “na pessoa”.
Podemos reconhecer ainda o grupo de opção, que pode alargar-se
até a dimensão de um grupo comunitário. Ele seria a unidade de vida social
onde o poder de escolha de ingresso e o poder de orientação do destino
do coletivo e das pessoas integrantes são mais livres e mais partilhadas do
que, via de regra, uma equipe de trabalho prossional. Há uma adesão
aberta mais espontânea e consensual. Sabemos já que uma família, uma
unidade doméstica e um grupo de parentesco são exemplos de grupos sociais.
Quem participe de uma vida religiosa através de sua adesão a uma igreja, a
uma comunidade confessional, a uma equipe de vocação espiritual, haverá
de reconhecer por conta própria como algumas unidades confessionais
têm procurado passar de uma coletividade de crença centrada no poder
carismático de um líder (um padre, um pastor, um médium), para a
comunidade de fé centrada na pluralidade de seus participantes-praticantes.
Vemos o mesmo acontecer em outras instituições sociais e o esforço que
nos últimos anos tem sido realizado para democratizar tanto a escola
quanto os postos de saúde e outras unidades de ação social governamental
ou comunitária, é um bom e difícil exemplo.
Chega a ser curioso o fato de vivermos tão estreitamente dentro
de grupos e entre grupos, e possuirmos um conhecimento tão pequeno
a seu respeito. Mesmo na formação de um educador as nossas didáticas
trabalham muito mais o como ensinar para o aluno aprender, do que o como
criar um clima interativo favorável ao ensinar-aprender.
E hoje, mais do que nunca, este conhecer a intimidade da
experiência interativa e coletiva dos grupos sociais em que vivemos entre
lazer, labor, trabalho, convivência e participação é muito importante.
Importante porque de uma forma crescente e irreversível, o clima afetivo,
a qualidade das relações humanas, a presença da emoção na aprendizagem
ganharam nalmente um lugar central, tanto na pedagogia e na sala-
de-aulas quanto em qualquer outro campo da vida cotidiana em que o
estar, conviver e trabalhar juntos organiza a estrutura e a dinâmica de uma
unidade de vida e de ação social.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 39
Mas importante porque hoje, mais do que ontem, e com mais
consciência e preocupações, misturamos em nossas vidas a prossão e a
vocação, a tolerância e a impaciência, o amor e o temor, o acolhimento e a
rejeição, o individualismo e a individualidade, a competição e a cooperação,
a competência consciente e a competitividade intransigente, a suspeita e a
conança.
APrenDer A confiAr, APrenDer A PArtilHAr
É sempre a pessoas que nos dirigimos em qualquer situação
interativa. E quando esta situação, além de interativa, é conectivamente
pedagógica, este é um momento, ou uma sequência de momentos, em que
o partilhar o saber através do ensinar-e-aprender é a motivação das ações.
E é aí quando o nosso envolvimento e o nosso compromisso com a pessoa
de um outro tornam-se ainda maiores
A experiência do aprendizado para a convivência com o outro
e para a adesão livre e conscientemente autônoma a qualquer projeto de
participação social não deve estar subordinado a uma educação situada
além da pessoa. Uma educação que coloque o mercado, o estado, a nossa
nação ou mesmo a minha cidade como o destinatário do sujeito educado e
que, desta maneira, por uma via ou outra despersonaliza a pessoa.
Pois ao transformá-la em um objeto para algum objetivo, uma tal
educação abre o caminho para que, de maneira defensiva e competitiva, ela
se encerre em um individualismo egoísta. Ou então, ela abre o caminho
para um processo de perda de identidade que caracteriza justamente o
sujeito-mercadoria entregue à lógica do mercado. Uma maneira de pensar
e agir em que você vale pelo que produz e pelo que consome; você deve ser o
que está na moda ser.
O que muitas vezes nossos livros de didática ou de trabalhos com
grupo esquecem, é o fato de que não aprendemos o que nos ensinam, mas
aprendemos aquilo que incorporamos ao nosso eu, no interior de um clima
interativo em que nos sentimos livres e acolhidos o bastante para podermos
por um momento esquecer de nós mesmos e nos devotarmos ao pensar o e
no que aprendemos.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
40 |
Podemos lembrar Humberto Maturana e outros cientistas e
educadores, como Paulo Freire. Maturana nos faz transitar por uma
biologia do conhecimento, para acentuar que na prática nós não
formamos pessoas a não ser quando centramos todo o trabalho escolar
dentro e fora da sala-de-aulas – mas sempre em situações interativas –
no crescimento individualizado de cada pessoa-de-estudante. Estas ideias
que podem ser lida em Formação humana e capacitação, em de seus livros
mais conhecidos, retomam o respeito pelo ser-do-outro, o acolhimento
amoroso e a autonomia responsável da participação no grupo como não
apenas condições de aprendizagem, mas como a própria razão de ser da
educação. Voltaremos a Maturana mais adiante.
Nunca é demais relembrar que o trabalho pedagógico mais
importante de uma pessoa responsável por algum contexto de educação não
é ensinar tecnicamente o que eu sei e você não sabe. Ele é, antes e depois disto,
o saber criar cenários de respeito pleno pelo outro. Um cenário propício
à aceitação das diferenças e ao convite fraterno a um trabalho de criação
partilhada e amorosamente emotiva de saberes. Um contexto educativo,
porque é, antes, acolhedor. Um lugar-momento do conviver dentro do
qual os diferentes participantes de uma comunidade aprendente sintam-se
pessoalmente motivados a conviver-e-saber. E, assim, sintam-se abertos a
reconhecerem nos outros, não os seus concorrentes no fazer algo através da
competição que amplia entre indivíduos desiguais a própria desigualdade,
mas os seus companheiros e colaboradores no criar algo que alargue entre
pessoas diferentes a experiência pessoal da originalidade pessoal.
O sentimento de co-responsabilidade, o desejo de participar,
a abertura a uma vida de partilha, a presença pacíca e acolhedora em
situações de vida em grupo, tudo isto é aprendível. Podemos, como nas ideias
de Maturana, nascer já biologicamente predispostos a isto. No entanto, ao
longo e através de nossas relações com outras pessoas nós aprendemos a viver
tudo isto. Tudo isto se aprende através de uma educação centrada na pessoa.
Em uma situação de vivência de partilha de um grupo em que a
intenção essencial é o ensinar-aprender, nunca é sobre o ser de uma pessoa
que se deve agir para ensinar, para corrigir ou mesmo para punir, quando
necessário. Não devemos invadir de fora para dentro o ser de alguém em um
momento de trabalho, de criação, de educação, de rito ou de jogo. E isto
porque não se deve pretender que alguém mude o seu ser-como-é a não ser
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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de dentro para fora, como um movimento interior regido pelo aprendizado
pessoal entre a emoção e o pensamento. É o agir relacional e formador e
são as ações interativas do fazer vivido, aquilo sobre o que se pode trabalhar
ou intervir.
Assim, a própria experiência da paz, da harmonia, da não-violência,
do respeito ao outro, do acolhimento amoroso, enm, da solidariedade,
somente são aprendidos quando são afetivamente interiorizados. E tudo isto
eu somente interiorizo quando sinto a minha própria interioridade (minha
pessoa, minha pessoalidade, minha personalidade, minha identidade)
acolhida em um contexto de liberdade, de respeito e de amor.
Eu não corrijo quem você é. Mas posso ajudá-lo a rever por sua
conta o como você é, através do que você fez ou faz, ou através do como você
agiu em um momento de nossa relação recíproca para comigo, ou diante
de mim. Da relação dual mãe-lha a uma ampla equipe de trabalho, quem
convive, educa e aprende não tem direito de inventariar, de classicar
e de intervir sobre o ser de uma criança, de uma jovem, de uma outra
pessoa qualquer, como uma fonte de poder externo, mesmo que procure
agir assim com a melhor das intenções. Podemos, sim, criar situações
de diálogos – difíceis, quase desesperadores às vezes, mais possíveis e
indispensáveis sempre – em que, ao sentir-se respeitada e acolhida de
maneira incondicional, sendo como é e porque assim é, uma pessoa sinta
com inteira liberdade as suas próprias maneiras de ser. E, compreendendo
o sentido de como age através delas, ela reveja e recrie na convivência
fraterna e no aprendizado derivado da troca de sentimentos e de sentidos
com as outras, a sua própria pessoa. Isto se chama educar, o que vai muito
além do simples instruir.
Em um mundo em que a própria participação pode perigosamente
oscilar entre a obrigação imposta você participa porque não tem escolha
e a recusa arbitrária eu só participo do que me interessa, a nossa adesão a
unidades de ação social só é verdadeira e fecunda se partir de um desejo
livre, amoroso e pessoal de estar ali. Do pequenino grupo de estudos de
uma escola a uma grande associação de moradores de bairro, de uma
turma de colegas de escola dispostos a se tornarem uma equipe de trabalho
voluntário a toda uma cidade educadora, temos razões e exemplos de sobra
de que apenas foram felizes, frutíferas e fecundas as experiências em que
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
42 |
pessoas, sensíveis e livremente co-responsáveis, uniram-se de baixo para
cima e da periferia para o centro para realizarem alguma coisa.
DiáloGo e PArtilHA com outros
Um valor básico deveria fundamentar toda a relação, todo o
encontro em situações de grupos: o compromisso com o outro. Tanto nos
grupos em que estamos porque devemos estar, quanto nos grupos em que
estamos porque queremos estar, existe um valor comum. O nome dele
pode ser um pouco complicado, mas a experiência dele é muito frequente
em nossas vidas: a conviviabilidade. Mais ou menos o mesmo valor que
chamamos acima de: compromisso com o outro.
Anal, das mais simples e livres situações até as mais complexas e
impositivas, sabemos por experiência própria que o estar-entre-outros nos
obriga a abrir mão de posturas e desejos e entrar em conformidade com
preceitos, princípios e valores de conduta interativa que parecem pertencer
mais ao próprio grupo-em-que-estamos do que a nós mesmos. Observem
crianças de três anos ou adolescente de treze anos envolvidos em alguma
brincadeira, e vejam como boa parte do que eles estão fazendo é estabelecer
os termos do pequeno contrato social através do qual eles podem... brincar.
Quando nos perguntamos quem somos, podemos nos fazer uma
outra pergunta,. Ela é mais difícil de ser respondida, por certo. Seremos
de fato solidários? Como pessoas individuais (eu-mesmo), como pessoas-
em-grupo, como seres em comunidade, como sujeitos de sociedades, como
seres humanos, enm, somos ou podemos ser solidários, cooperativos,
acolhedores? Ou será isto uma utopia e um sonho irreais? E na nossa vida
diária? Estamos mesmo dispostos a sair de nosso conforto e nos dedicarmos
a um esforço de participação comunitária, compromisso e cooperação para
além de nossas obrigações de trabalho... que já são tantas?
Resposta: sim e não! E saibam que este tema é um dos mais
debatidos entre cientistas da pessoa e da sociedade, entre biólogos e
entre educadores. Não existe consenso algum a respeito. Existem tanto
estudiosos quanto políticos e educadores que defendem com sinceridade a
ideia de que a competição é a única força que move a humanidade e que o
altruísmo e a solidariedade são anti-humanos.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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Vejamos. Podemos trazer em primeiro lugar o depoimento de
Matt Riddley, um biólogo norte-americano. Ele parte, com tantos outros
biólogos, psicólogos e mesmo antropólogos de estudos comparativos entre
nós e os macacos para chegar a conclusões semelhantes às que foram escritas
nas primeiras páginas deste estudo. Em uma direção outra, mas próxima,
Ele busca nos macacos e em nós os humanos, respostas a esta pergunta
crucial e não resolvida: anal, somos naturalmente seres cooperantes e
solidários, ou a vida imprimiu em nós uma herança genética em que a
concorrência, a competição e o conito constituem a nossa natureza
original? E ele conclui o seu estudo dizendo isto.
Nossas mentes foram formadas por genes egoístas, mas para serem
sociais, dedignas e cooperadoras. É um paradoxo que este livro
tenta explicar. Os seres humanos têm instintos sociais. Vêm ao
mundo equipados com predisposição para aprender e cooperar,
para distinguir o dedigno do traiçoeiro, procurar ser leais,
conquistar boa reputação, trocar produtos e informações e dividir
o trabalho. Nisso estamos sozinhos. Espécie alguma avançou tanto
em sua caminhada evolutiva, pois nenhuma outra construiu uma
sociedade tão integrada, à exceção dos parentes dentro de uma
grande família, como a colônia de formigas. [...] Longe de ser uma
característica universal da vida animal, como Kropotkin acreditava,
a tendência a cooperar é a marca de qualidade e legitimidade do ser
humano, aquilo que nos distingue de outros animais. (RIDDLEY,
2000, p. 281).
Retornemos por um momento mais a Humberto Maturana. Ele
nos apresenta como seres da vida social (e não apenas coletiva) e do símbolo
e da linguagem. Como um biólogo bastante interessado em questões de
educação, ele poderia lembrar algo que percorre também as nossas ideias.
Nós, os humanos, somos seres aprendentes. Somos seres sempre
instável e interativamente relacionais, afetivos e racionais. Aprendemos a
saber uns com os outros, porque o movimento biologicamente original em
nós é o desejo da presença do outro e a partilha com ele da experiência do
estar–com. A vivência do partilhar em-mim a existência-presença de meu
outro sem outro proveito que não seja o conviver.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
44 |
Tudo o mais seriam derivações deste movimento essencial. E
o amor é o melhor nome para esta emoção ativa que gera, com outros
termos e com os fundamentos de uma outra ciência, a reciprocidade
gratuita que ordena (ou deveria ordenar) todas as outras interações entre
pessoas humanas. Não aprendemos a reciprocizar, a trocar e a partilhar
como uma estratégia cultural inevitável e geradora da aliança entre grupos
através de seus indivíduos e de comunidades através de seus grupos. Se
assim procedemos, social e culturalmente é porque, natural e geneticamente
somos a espécie animal que ao se humanizar (ou “hominizar”) o fez, passo
a passo, porque acendeu do poder sobre o outro ao amor pelo outro. Eis
uma passagem de Humberto Maturana que trago de um livro de Marcos
Arruda(que recomendo fortemente).
A emoção fundamental que torna possível a história da
hominização é o amor. Isto pode parecer chocante, mas, insisto, é
o amor. Não estou falando a partir do cristianismo [...] O amor é
constitutivo da vida humana, mas não é nada de especial. O amor
é o fundamento do social, mas nem toda convivência é social. O
amor é a emoção que constitui o domínio de condutas em que se
dá a operacionalidade da aceitação do outro como um legítimo
outro na convivência, e é este modo de convivência que conotamos
quando falamos do social. Por isso digo que o amor é a emoção que
funda o social: sem a aceitação do outro na convivência, não há
fenômeno social. (MATURANA, apud ARRUDA, 2003, p. 217).
A competição é anti-social. A competição, como atividade
humana, implica a negação do outro, fechando seu domínio de
existência no domínio da competição. A competição nega o amor.
Membros das culturas modernas prezam a competição como uma
fonte de progresso. Eu penso que a competição é uma grande
cegueira, porque nega o outro e reduz a criatividade reduzindo as
circunstâncias da coexistência.
[...] A origem do homo sapiens não se deu através da competição,
mas sim através da cooperação, e a cooperação só pode se dar como
atividade espontânea através da aceitação mútua, isto é, através do
amor. (MATURANA, 1999, p. 92).
De uma maneira menos biológica e talvez ainda mais marcada do
que em Humberto Maturana, Martin Buber, com quem nos encontramos
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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páginas acima, torna a partilha do amor o lugar central de toda a verdadeira
relação humana, algo tão essencial na experiência do entre-nós, que sequer
o EU (que ele sempre escreverá com duas maiúsculas) existirá sem a
presença do outro. De um TU (idem) que na relação EU-e-TU, cria e
preserva a unidade real da pessoa e da pessoalidade. E o vínculo que torna
existente e fundadora esta unidade dual é, uma vez mais, o amor. Tal como
em Maturana, o amor não é um sentimento entre outros. Nós não geramos
o amor, não o criamos. Através do encontro com o outro ele acontece entre
nós. E este acontecer gera e torna presente e existente em/entre nós (um EU
que não se faz existir sem o TU) a substância de nosso próprio ser. Partilho,
logo, existo.
Mas o homem habita em seu amor. Isto não é uma simples
metáfora, mas a realidade. O amor não está ligado ao EU de tal modo que
o TU fosse considerado um conteúdo, um ISSO
Os sentimentos nós os possuímos, o amor acontece. Os
sentimentos residem no homem, objeto: ele se realiza entre o EU
e o TU. Aquele que desconhece isso, e o desconhece na totalidade
de seu ser, não conhece o amor, mesmo que atribuía ao amor os
sentimentos que vivencia, experimenta, percebe, exprime. O amor
é uma força cósmica. Àquele que habita e contempla no amor,
os homens se desligam de seu emaranhado confuso próprio das
coisas; bons e maus, tornam-separa ele atuais, tornam-se TU, isto
é, seres desprendidos, livres, únicos, ele os encontra cada um face-
a-face [...] Amor é responsabilidade de um EU para com um TU.
(BUBER, 1979, p. 17).
A busca do outro em nossas vidas é, mais do que tudo, o nosso
movimento mais original. Não podemos viver sem o outro, não sabemos
viver sem a partilha. O fato de que parecemos estar entrando em uma era
da trajetória humana em que a presença de outros pesa na maior parte
dos casos, e então preferimos a solidão da massa diante da TV do que
a convivência com as próprias pessoas de nossos círculos de vida mais
cotidiana, não deve ser confundido com uma maior liberdade de escolhas,
como alguns apregoam (principalmente os fabricante de televisão).
Em um pequeno artigo a respeito das tendências atuais do
marketing, é dito com todas as letras que a indústria de bens móveis e a sua
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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consequente propaganda está passando de uma produção e de um apelo a
objetos e artefatos de uso familiar (como uma geladeira ou um fogão) para
artefatos e utensílios individuais, como o computador laptop. O seu ideal,
em nome sempre do aumento dos lucros e da acumulação de capitais, é
que do banheiro ao automóvel e dele à própria casa, cada um e cada uma
de nós possua cada coisa comprável de forma tão individualizada como a
escova de dentes. Tanto isto é verdadeiro que em cidades como Berlin e
Londres, cerca de 30% da população já vive sozinha.
Se esta poderia ser uma inevitável tendência humana em direção
ao individualismo e ao centrar-se em si-mesmo, por um outro lado poderia
ser uma abertura a uma re-individuação. Ou seja, a um desejo e um direito
de livres escolhas de meus outros, para a partilha e a formação de novas
tribos, como dirá Maesoli, ou de novas comunidades de vida, de destino
e de ação social. Eis uma passagem dele.
Tentei mostrar, ao longo deste livro, que o interesse e o desao estão
em outro lugar. De minha parte, vejo-os na instalação, progressiva,
de uma solidariedade orgânica, feita de atrações e de repulsões,
de identicações afetuais ou de emoções partilhadas, em todos os
domínios. Tudo isso nada mais tem a ver com a política. [...] A
ordem que parece desenhar-se é a de um conjunto de comunidades
nem positivas nem unanimistas, mas precárias e submetidas à
versatilidade da emoção. Mais do que uma união plena, uma união
de projeto, a solidariedade nascente origina-se de uma união na
falta, no vazio; comunhão de solidões que, pontualmente, vivem
o trágico da fusão, onde, de maneira orgânica, a “pequena morte
e a vitalidade são vividas dia-a-dia. (MAFFESOLI, 1997, p. 271).
Eis-nos diante de não apenas duas variantes teóricas – pois
não se trata disto – mas de duas vertentes dos fundamentos e raízes da
reciprocidade e da cooperação. Uma delas vem das ciências da vida e
coloca em predisposições orgânicas da espécie o alicerce da razão solidária.
Somos geneticamente seres regidos pela emoção, a emoção fundadora é a
experiência do amor, e é o exercício desta emoção humana, entre os mais
relacionamentos entre pessoas e entre grupos de pessoas, o que constitui a
vida social. A outra vem das ciências sociais e desloca uma opção simbólica,
logo, cultural, o surgimento da reciprocidade. Pois é justamente devido a
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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algo que nos falta e sobra nos animais, e algo que tornaria naturalmente
improvável a comunidade humana se não viesse a existir entre nós de outro
forma, que nos obrigamos a gerar uma série de saberes, valores, princípios,
preceitos e códigos sociais regidos por certas proscrições e por inúmeras
prescrições, como o caso da reciprocidade, da circulação de bens, pessoas e
mensagens e da obrigação de vivermos dentro de círculos de troca e circuitos
do dom, regidos por contraprestações do tipo dar-receber-retribuir. E é,
vimos já, porque nos criamos culturalmente “assim” que tornamos possível
a nossa existência no planeta Terra e, nela, nos tornamos humanos.
O certo é que convivemos com uma evidência muito forte. E ela
é local e universal, municipal e plantaria. Ela vale tanto para uma escola,
uma cidade ou o planeta Terra. E qual é ela? É o fato de que justamente
agora, quando por todo o lado começamos a abandonar os mega-projetos
sociais e as mega-metas históricas e as grandes utopias, por toda a parte
vemos multiplicarem-se, estenderem-se e intercomunicarem-se unidades
comunitárias, movimentos sociais, frentes civis de luta por direitos
humanos. Por toda a parte surgem e se enraízam pequenos, médios e
grandes grupos humanos empenhados em alguma questão humana, social,
cultural, ambiental e assim por diante. Vemos pequenas unidades de ação
criando e ampliando redes. Vivemos um tempo inigualável em termos
de partilha e participação em grupos, comunidades e redes de ação e de
mobilização social.
Vivemos hoje uma espécie de mundo em que, ao mesmo tempo,
resulta inevitável e resulta muitas vezes impraticável o apelo urgente ao
sairmos de nossa rotina e nos lançarmos solidariamente em busca de algo
mais. Este momento sugere algo diante da evidência de que talvez tenhamos
chegado, por outros e indesejados caminhos, a uma sociedade de que o
próprio Big Brother Brasil seja a melhor metáfora. Uma sociedade global
– ou globalizada - em que o pessoal e o familiar vêem-se cada vez mais
perdidos de um genuíno caráter identitário regido por valores comunitários
e cada vez mais invadidos por um público que, longe de representar as
aspirações do bem-comum, representa a invasão da privacidade e o seu
domínio por uma cultura de massa que pretende administrar em nossas
mentes e, na vida social, a própria gestão dos sentimentos de cooperação,
de compromisso e de participação
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Mas, justamente por sermos humanos em busca de nos
humanizarmos sempre mais, as nossas ações e condutas interativas
em geral nos aparem reunidas e opostas aos pares: compromisso versus
descompromisso; cooperação versus competição; individualidade aberta
aos outros versus individualismo fechado para os outros; gratuidade versus
interesse; generosidade versus egoísmo; iniciativa em favor do grupo versus
inércia em favor de mim-mesmo; participação versus alheamento.
A escolha das primeiras palavras em cada par de opostos, em
nome de uma adesão pessoal e consciente a uma vida em favor da vida,
nos convoca, por tudo o que vimos até aqui, ao vivermos em tudo e a
cada momento, à abertura de nos mesmos à experiência do diálogo. Viver
como quem se reconhece, em cada momento de cada dia de vida, como
um alguém que é parte de círculos de pessoas que por saberem o que eu
também sei, mas de maneiras diferentes das minhas, podem colocar-se
diante de mim a partir do que são, do que aprendem e do que sabem.
E por partilharem comigo os saberes e signicados que construímos e
partilhamos, devotam-se a construírem juntas, a partir das conjunturas
mais simples da vida cotidiana, um cotidiano de vida cada vez mais
realmente humano.
É para um diálogo mais amorosamente fecundo e profundo
com toda a vida à minha volta (uma ecologia do saber e da educação)
comigo mesmo (uma ecologia profunda do eu) e com os meus outros (uma
antropologia ativa do criar saber para recriar mundos mais humanos) que
serve todo o esforço sempre interativo, do ensinar-e-aprender. O deixar-se
educar, isto é, o estar envolvido em situações dialógicas onde cada um a seu
modo, mas sempre na construção solidária com outros, adquire e constrói
o seu novo saber, uma mesma medida em que cria, com os outros, com
o círculo dos outros sujeitos culturais aprendentes (professor inclusive),
um passo a mais em uma cultura mais sabedora de si mesma, logo, mais
potencialmente humana.
Malgrado tudo, somos seres humanos. E podemos acreditar que
em nosso estado original e na plenitude da experiência de nosso ser, somos
seres originados do amor e convocados a ele. Somos pessoas destinadas a
criar interações, momentos de vida, partilhas de cotidiano e história de
povos e de mundos regidos/as pelo amor e dirigidas/os a ele. Somos seres
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vocacionados a uma história amorosa construída pela cooperação e, não,
pela competição.
Estabelecer qualquer campo de relações entre pessoas – do
contexto de um namoro ou de uma família ao de toda a humanidade -
sobre o princípio da competição não equivale a contrapor-se a uma visão
romântica e utópica sobre a pessoa e o mundo, a partir de uma visão racional e
realista. Ao contrário, tudo o que nos afasta da vocação original de sermos
seres do amor signica pensar a Pessoa, a Vida e o Mundo a partir do que
não é nosso em nós mesmos e entre nós mesmos. Somos seres pertencentes
à solidariedade e à cooperação, não ao interesse egoísta e à competição.
Somos destinados ao encontro solidário entre sujeitos e, não, à agressão
competitiva entre seres tornados objetos um para o outro.
Zygmund Bauman (2003), em um de seus muitos livros já
traduzidos para o Português, lembra que é a comunidade o lugar humano
da vida. E é dela que sentimos falta quando o mundo do mercado nos
rouba algo que somos nós-mesmos, através da perda de nosso viver-com-
o-outro.
Sentimos falta de comunidade porque sentimos falta de segurança,
qualidade fundamental para uma vida feliz, mas que o mundo eu
habitamos é cada vez menos capaz de oferecer e mais relutante em
prometer. Mas a comunidade continua teimosamente em falta,
escapa ao nosso alcance os se desmancha, porque a maneira como
o mundo nos estimula a realizar nossos sonhos de uma vida segura
não nos aproxima de sua realização; em lugar de ser mitigada, nossa
insegurança aumenta, e assim continuamos sonhando, tentando,
fracassando. (BAUMAN, 2003, p. 129).
Somos todos interdependentes neste nosso mundo que rapidamente
se globaliza, e devido a essa interdependência nenhum de nós pode
ser senhor de seu destino por si mesmo. Há tarefas que cada indivíduo
enfrenta, mas com as quais não se pode lidar individualmente. O
que quer que nos separe e nos leve a manter distância dos outros,
a estabelecer limites e construir barricadas, torna a administração
dessas tarefas ainda mais difícil. Todos precisamos ganhar controle
sobre as condições sob as quais enfrentamos os desaos da vida
– mas para a maioria de nós esse controle só pode ser obtido
coletivamente. (BAUMAN, 2003, p. 129).
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Aqui, na realização de tais tarefas, é que a comunidade mais faz
falta; mas também aqui reside a chance de que a comunidade tecida
em conjunto a partir do compartilhamento e do cuidado mútuo;
um comunidade de interesse e responsabilidade em relação aos
direitos iguais de sermos humanos e igual capacidade de agirmos
em defesa de nossos direitos. (BAUMAN, 2003, p. 129).
Gostamos de estar juntos, do par à pequena multidão. E
precisamos viver, de algum modo ou de muito, em uma ou em algumas
comunidades. Até os monges católicos que fazem voto de silêncio por toda
uma vida sabem disto. E o maior castigo nas penitenciárias é a solitária. Fora
do grupo, da comunidade temos medo de nós-mesmos, de nossos outros
(pois eles se tornam nossos estranhos) e do mundo, pois sem partilhar
ele se torna hostil. Estar junto é bom e o estar-a-sós só vale a pena como
um intervalo, ou como um momento de eu entrar em-mim e aprender a
conviver melhor com os outros.
O meu Outro poderia parecer mais estranho. Mas basta deixar a
televisão ligada por algumas horas nesses programas idiotizados de auditório
para constatarmos que um dos apelos que mais atraem pessoas a eles é o
desejo da conssão. Da partilha com outros daquilo que é meu. Do colocar
para o público aquilo que era meu segredo.
De resto, qual o interesse que move milhões de pessoas a gastarem
horas de suas noites diante do Big Brother Brasil, senão a possibilidade
de especular sem perigos a intimidade de vidas alheias Justamente agora,
quando a Igreja Católica praticamente abole a obrigação da conssão
auricular, e ela se torna ao mesmo tempo íntima e pública, uma quantidade
crescente de pessoas busca especialistas em segredos íntimos, da astrologia
à psicanálise. Precisamos, mais agora do que nunca, de não apenas estar
com outros e fazer alguma coisa juntos, mas precisamos ouvir quem nos
fale e dizer de nós a quem nos ouça. A companhia da pessoa do outro
mais do que nunca foi e segue sendo entre nós tão essencial. E o diálogo, o
aprendizado da escuta amorosa, aberta e atenta do outro, e a partilha com
ele do que é meu e pode ser nosso, não é o melhor caminho aqui. É apenas
o único!
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referênciAs
ARRUDA, Marcos. Humanizar o infra-humano: a formação do ser humano integral:
homo evolutivo, práxis e economia solidária. Petrópolis: Vozes, 2003.
ASSMANN, Hugo; SUNG, Mo Jung. Competência e solidariedade solidária: educar para
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Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
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MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo
Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1999.
RIDLEY, Matt. As origens da virtude: um estudo biológico da solidariedade. Rio de
Janeiro: Record, 2000.
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   
Paola Melchiori
Where, after all, do universal human rights begin ? In small places,
close to home – so close and so small that they cannot be seen on
any maps of the world.
Eleanor Roosevelt (1958 apud Ayton-Shenker, 2018, p. 14).
introDuction
e UN Conferences of the nineties were the space where a
feminist analysis and womens presence were brought together to enlighten
and change, from dierent perspectives, not only the paradigmatic approach
to human rights but the approach to all the global issues of peace, security,
development, environment. Feminists discussed deeply among themselves
every one of these issues, from every cultural and geographical perspective,
and lobbied every delegation of the world who participated in all the UN
Conferences.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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e Conferences imposed an accelerated assessment of
consistency and autonomy to womens specic conceptual challenges that
had emerged in many forms, with dierent degrees and at dierent times
during the 1970s and ’80s. roughout the emergence of what we can
call a research for a full presence as subjects in the world , women have
confronted their perspectives, their analytical frames, and their political
tools; they have tested their strengths and weaknesses .
In 1993, the emerging global feminist movement organized to
participate in UN Conference on Human Rights in Vienna. As a result
of this organized and strong lobbying presence the Conference recognized
the armation of womens rights as full universal rights: “Womens Rights
are Human Rights.” For the rst time the identication, categorization
and legal treatment of violence against women became a key issue on the
global human rights agenda in the Vienna Declaration and Programme of
Action. is opened the path to a number of eorts to establish a more
systematic standard of womens human rights in general, especially around
gender based violence.
What nurtured womens presence and thinking even in the
very ocial public spaces. such as the United Nations Conferences,
was the creative social practices of many small groups, born during the
seventies, their particular form of knowledge production, the rules of their
democratic game, continuities and ruptures they fostered in relation to
political and womens traditions and cultures across North and South lines.
e womens practices of the seventies were the key factor that sustained
the same possibility to declare womens rights as human rights.
e Global Campaign for Womens Human Rights wasnt just
adding to the agenda womens issues as those of another “vulnerable
group” needing assistance.. Women presented themselves not primarily
and only as victims “vulnerable” to abuse but also as subjects of rights.
ey presented themselves as a powerful human rights constituency with
ideas that broadened visions and human rights practices.
e aim then was to re conceptualize human rights from
the point of view of womens experiences and feminist analysis, and to
question human rights implementation from this perspective. Gender
specic abuses suered by women challenged the conceptual foundation
of human rights, enlightened and rearmed the connection of womens
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rights to other key aspects of human rights; reinforced the armation
of their universality and indivisibility. ey underlined the evidence that
classic rst or second generation of human rights cannot be separated in
most womens experiences, that human rights cannot be separated from
economic and social rights. Feminists brought also an intersectional
approach to rights: gender, race, class and other factors often overlapping
in the violations that most women experience. All these aspects were seen
as critical to nding real redress for womens rights abuses as well as to
moving toward the rearmation and realization of the universality of
human rights.
e debate between Northern and Southern women that took
place during these Conferences gave further evidence to the fact that
the main categories at the foundations of our political world and our
possibilities of understanding the world were being questioned. Dierent
voices questioned the dichotomies of the western conceptual world: nation/
state; human/individual/collective rights; citizenship; democracy. ese
voices, coming from the margins of the western world, reminded us that
the global Enlightenment message, linked to development, to the western
life style, “just one among the others”, has succeeded in “asserting its
distinctiveness in a timeless and space-less Universalism that had proved to
be a bad Universalism”, that the Enlightenment project, with all its good
intentions and ideals of universal emancipation, “has turned into a project of
domination of the whole world.” (GENOVESE, 1995, p. 34). e universal
rights project therefore had to be confronted and questioned by these voices
that come from dierent worlds, experiences and cultural contexts.
Violence against women was not the main priority in those years
but only one of the issues to be taken into consideration. Later it became
one of the twelve critical areas identied during the Beijing Conference
in the Platform of Action in 1995. Many years later, at present, violence
against women is one of the most dicult, urgent, endemic emergencies
in the world, and the order of priorities of the critical areas identied in
Beijing has dramatically. changed.
One of the main obstacles to identify and legally prosecute all the
forms of violence against women is the separation between the private
and the political sphere. that same divide that womens practices have
challenged since their beginnings.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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is challenge is one of the most important foundations of the
feminist approach.
on tHe oriGinAlity of womens PrActices of tHe seVenties
As we have witnessed all over the world, in the 1970s, womens
practices spread around the world as a contagious illness. ere were no
militants, no distribution of leaets, no parties, and no particular eorts to
proselytize. Feminism ‘caught on’ through the reciprocal acknowledgement
of the dierent experiences of individuals who confronted their experiences
and tried to recompose the divide between the private and the political
world. e message spread out on the basis of generalizations able to
embrace the peculiarity of each single experience. Women addressed the
female issue” re-conceiving themselves as autonomous subjects and not as
objects of social assistance policies. And this made all the dierence: new
energy came from this new representation of themselves.
is work of re-conception began in underground groups that
were not visible in the classic “civil society” environment or social structure,
and in absolutely anomalous forms (e.g. consciousness raising groups
around a kitchen table in private spaces in private houses). Exploring
patriarchy, women developed a critique of all forms of established power
deriving from patriarchy, at all levels, in the social, political and intellectual
scene. Moreover, accepting to shed light on their own deep implication
within that scene , they started to shed light on the whole organization
of social and intellectual life, digging into the complex web of conicts
and complicities that challenge and stabilize the patriarchal system at the
same time.
e womens political practices that were behind that ‘infection
were forms of practices trying to recompose the analysis of public spaces
with private ones. Setting a dierent positioning of the public and the
private spheres they were redesigning that space which can be called the
space of bio-politics (AGAMBEN, 1995).
In subsequent migrations, autochthonous and autonomous
rebirths, ‘feminism’ developed and split up into many ‘feminisms,’ which
then transformed and re-invented themselves as they interacted with
their dierent contexts and cultures. e womens movement today is
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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really global and local at the same time. e fragmentation of the global
movement , according to these many contexts and cultures, does not make
invisible its common ground of resistance against patriarchy. ere are
few places on earth that have not been exposed to this ‘wave’ that allows
women to take their lives and their place in history into consideration in
a dierent way.
As stated above violence against women at that time was not the
priority as such; however the practices that tried to recompose the private
with the political landscape came from the womens bodies, from the
spaces where women felt silenced, cancelled, unseen, unheard as women;
the spaces that were then called of the ‘symbolic violence’ of patriarchy:
physical and moral violence, and all those dicult hidden and crucial areas
of life where women are most present and where it is dicult to separate
nurturing, love and care from power and violence.
ese spaces are exiled from political denitions of society as
well as essential to its existence. From these areas those political practices
questioned the origins and the attribution of power, sovereignty, authority.
the ways priorities settled : in family, in relationships, and in the public
arena. ey recomposed spaces kept ‘normally’ invisible and separated.
ey questioned the whole basis of the democratic frame as these hidden
places of history constitute its fabric without being named and recognized
as such. ey are as much substantially invisibly included as formally
excluded from the polis.
e traditional language of politics was also put into question.
New forms of political analysis and action emerged. e analysis of the
sexual identity and the analysis of the world were carried on together, with
a focus on questioning identity, subjectivity, sexual dierences, and forms
of male and female cultures. In their analytical work, women collectively
employed and reinterpreted culture and knowledge, including the
corpus of human rights from a great range of perspectives. Women from
diverse cultural and academic backgrounds joined forces to carry out this
exploration. e challenge was to combine the research on womens forms
of knowledge with the political practice of bringing together women from
a wide array of cultures and hierarchical positions. Individual researchers
attempted to bring the fruit of independent and alternative experiences
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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into academia as well as in international institutional arenas such as the
United Nations .
It was a work that started to redesign the meaning and the spaces
of politics and the basic concepts that constitute the conceptual frame of
democracy.
e international UN conferences of the nineties were the spaces
where this work became visible and eective internationally. Nobody, not
the UN for sure, was expecting the armative and conictual power of
women and feminist presence.
At that time the focus of womens eorts was the revision of
human rights ‘borders’ and the attempt to fully integrate all aspects of
women’ lives within them. However throughout confrontations, conicts
and discussions among womens groups, what started as an attempt to
integrate women and gender- based perspectives into human rights theory
and practices quickly became a radical critic of the paradigms that lie at
the foundations of that same theory. e main result of this approach was
therefore that, analyzing their own position in the body of rights ,women
realized that they had to question all the conceptual framework that holds
them and identify what is strategically kept invisible in its foundations.
Womens political practices, researching full membership,’ an extension
of the ‘borders’ of citizenship, led to re-conception. Women asked, in the
beginning, to be included in development and the ‘universal rights project.
What happened is that, instead, analyzing the reasons for the obstacles that
opposed their inclusion, women shed light on some of the main aspects
and contradictions of the notions that are the basis of the development
and universal rights project. ey had to question the fundamental critical
silences in its conceptual frame.
ose practices were perceived as frightening and powerful, but
far from the ambiguities that will follow. Later on, the need of the womens
movement to be present in public spaces, in politics, where the resistance
of patriarchy is particularly strong, led to the ‘empowerment project’ and,
as it ‘took over’, the interrogation of those hidden primary areas of life that
nurture violence and where love and violence are inextricably interwoven,
were left behind. With this ‘turn’ to gain public presence ,”normal” given
patriarchal hierarchies between public and private was somehow reinstated,
and that hidden area where womens rights challenge deeply the notion
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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of human rights became less central. At that time we were not aware of
the implications of that intellectual work of deconstruction, and we were
very condent that men would do their part, questioning their patriarchal
power, questioning themselves as non-universal subjects, and that even
they would feel liberated by the burden that comes with masculine
identity. is did not happen; men kept defending their intellectual and
social privileges as much as their conceptualizations. e present violence
is a clear sign of this global resistance.
Womens work around the issue of violence nowadays has grown
exponentially; however, its cultural and political meaning is often partially
hidden behind the emergencies and the social practices that are needed to
help women out of dangerous situations. is eld of work on violence
for women and by women is at risk of becoming a new social eld, a
specialized eld of work belonging to social assistance where its deep
meaning disappears. A broader political and cultural approach is needed,
an approach able to take this issue out of the technicalities of “specialized”
elds. Violence against women, becoming such a priority, obliges us to
look again more globally at the complexity of patriarchal powers, and
even at women deep implications in them. Public womens achievements
have to be reconnected with what was left unresolved in the more hidden
private spheres of womens (and mens) lives. It is a civilization issue, not a
social assistance issue.
is is why it is necessary as much as it dicult, to go back to
those forms of analysis and interrogation that keep together the private
and the political areas of life, to never forget womens experiences as an
open question to all institutional bodies. Beyond cultural, geographical,
social, economic, religious dierences women occupy a common structural
essential position in all societies. To bring about change in this eld it is
critical to see that violence against women is not some marginal, “cultural
practice” in underdeveloped places. Such violence is a key mechanism for
maintaining domination over women in virtually all societies: it is the one
real international transcendent issue that crosses all borders: geographical,
cultural, economic, social, religious. It could be dierent in many aspects
and forms but not in its essence: it is patriarchal power that is at stake.
And symbolic violence, that advocates the legitimate representation of
events to one subject only is the most insidious and violent as it deprives
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women of their own way to “see “ the world, to give their own meaning to
events. Violence against women is a profound challenge posed to men and
patriarchal civilization. e diculties that normal legal procedures nd
in implementing gender rights show how much the interrogation posed by
womens rights to the concept of human rights is still open.
Violence AGAinst women in Public HeArinGs: tHe courts of
women AnD tHe womens tribunAl in former yuGoslAViA
As an example of this work let me describe e Asian Women
Human Rights Council (AWHRC) initiatives as an interesting approach
of a womens practice that inuenced Cairo and Vienna and all the UN
Conferences on Human Rights. ey contributed to change the wording
of ocial documents (‘womens rights are human rights’; ‘womens right
to self-determination in relation to reproductive choices’) but also to the
radical questioning of the Human Rights conceptual frame.
e AWHRC, based in India, together with other locally based
groups initiated in the nineties a series of public hearings on violence held
before a ‘Court of Women’. World Courts of Women promote symbolic
processes that hold unocial public enquiries into crimes against women,
including the violation of their basic human rights. e phrase ‘public
hearing’ implies a space where voices traditionally hidden in the private
sphere (in particular with respect to sexual crimes) can be listened to in
public. e main function of these hearings is to allow an opportunity
for participants to relate experiences that are not part of public discourse
but also to reinforce womens subjective perception and interpretation of
violence. ey challenge the dominant public discourse by pointing to
contradictions between principles of human rights and the experiences of
women. e ‘Courts of Women’ deal mainly with those womens rights
that are connected with sexuality, giving a forum to those people and those
areas of human life that are traditionally excluded from formal political
and legal proceedings. Organized around particular topics relevant to the
hosting country, these unocial public enquiries highlight the injustices
and the abuses that women face. ey also raise awareness, record injustice
and human rights violations, give voice to marginalized women, develop
alternative visions and strategies for the future, provide a resource for
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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womens movements to hold governments or other entities accountable to
human rights standards and international laws.
ese public hearings are based on the evidence that violence
nowadays strikes women particularly and on the idea that violence against
women reveals the most obscure roots of any violence. e public hearings
have taken into consideration dierent types of private and mass violence
in the North and in the South of the world. is analysis of violence tries
to understand the reasons for growing sexual abuse but connecting it to the
context of globalization, of new economic policies, and too quick processes
of modernization. e forms of this violence can be dierent in the rich
societies of the North and in the poor countries of the South: domestic
violence, intimate homicide, sexual trac in the North; infanticide of baby
girls, death for dowry, sexual trade and genital mutilation in the South but
the increase and the meaning of this violence have the same origin and
show the same intensity.
e ‘Courts of Womens’ allude to the fact that this public hearing
on justice issues implies the need to revise the same concept of justice and
the paradigms that form the basis of legal corpus of rights .
rough the voices of victims, ‘women of law’, artists, inventors
of ways of survival and resistance, both individual and collective, violence
against women enters the public space, that violence has in every culture
always been considered “natural” or part of the private world and, as such,
outside law and even outside the possibility of being legitimately named.
ese voices, heard collectively in a public arena, give women a new way of
conceptualizing what has happened to them, give them strength, and cast
a dierent light on universality of rights and civilization.
One of the most important (and among the rst) hearings was
that of the “comfort women” of the Japanese army who, during the Second
World War, used to kidnap young women in Asia to ‘serve’ the soldiers.
After the war many of these women who “served” as prostitutes for the
army were killed; others were sent back to their home countries. For
reasons of the “honour” of their families, however, many of these former
comfort women” ended up hiding for the rest of their lives. Only one of
them bore witness in the ‘Court of Women’ on what had happened to her
during the war. After this, other women decided to break silence, to give
evidence about this side of war.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
62 |
Since then many of these hearings, almost 40, have taken place all
over the world, giving a dierent narrative of some of the main dramatic
episodes or forms of individual or collective violence against women in
dierent regions of the world. ey always try to keep together all the
aspects of the dierent rights and the contexts in which the violations
were taking place, try to reconnect in a dierent way the violations to
economic and cultural context: from honour killing in the Middle East,
to the new East Indian surges of wife killing when a dowry is nished, to
the murdering of girls in utero, to the witch hunt, reemerging in Africa
after the disasters where climate change and the “hand” of human greed go
together, to mass rapes in the former Yugoslavia.
e eect produced has been huge. It has allowed other women
to speak up, sometimes after many years . It has focused the attention on
similar atrocities at other sites, such as the Gulf and the former Yugoslavia
war; it has reopened the search for the hidden links between apparently
very dierent phenomena as prostitution, organized prostitution as part of
the military, on women and military institutions.
ese courts show also the contradiction within a notion of
democracy and citizenship based on individual rights and on gender
blindness. ey question the relationship between individual and
collective rights, between universal and women rights. e given/normally
assumed links between land, nation-state, individual and collective rights
are broken today. e gender neutral subject of Enlightenment who is
conceived within the corpus of Human Rights doesnt exist anymore.
ese hearings radically challenge the legal conceptual framework,
in the same way as did the idea that “womens rights are human rights”,
adopted in 1993 at the UN Conference on Human Rights in Vienna. ey
start rst of all to foster demands to revise legislation and international
conventions. Secondly, these hearings take advantage of the problems that
this ‘extension’ creates from a legal point of view in order to question the
conceptual presuppositions and the internal logic that exclude women.
Women have never been either subjects or interlocutors in the ‘original
brotherly agreement’ from which laws originate.
It is a triple re-conguration among dierent kinds of knowledge,
among voices that come from dierent social and cultural places: between
the personal and the political spheres, between the public and the private
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 63
spheres, and between the history of single individuals and macro-history.
is ‘living practice’ redenes politics also crossing the ethnic and political
divide. As Corinne Kumar (1995) writes in the beautiful texts called :
“Sacred Mountains everywhere”: “the aim is to transform the dominant
paradigm of politics.
Women remind the Aristotelian distinction – opposition between
pure life – existence, pertaining to nature, of which women are the living
reality and the symbol, and the political life, reinvented by men in an act
of self-recreation to ‘jump out’ from limitations that nature imposes: time,
birth, death. is distinction is still at the basis of human rights as we
know them.
e conceptual challenge of questioning from womens
experience the main human rights framework goes further: it reaches
the denition and redenition of the concepts of.peace and war, and the
notion of justice itself.
One of the main achievements of this work was the Tribunal held
in the former Yugoslavia in 2015. is initiative was the result of the fact
that, after Milosevics death, without trial, despite the International Court
held in Hague had recognized rape as a crime against humanity, and despite
other more formal/institutional initiatives were taking place, women in
fact realized that silence and impunity were the norm, the “normal” way
to deal with the past. Women victims of war were silenced, left alone with
their pain and their shame, forgotten. Each State of that area continued to
protect its own criminals and their crimes against women still considering
them national heroes of war.
e initiative was promoted in 2010 on the example of the
Courts of Women, to provide space for womens voices and testimonies on
their experiences and resistance to violence. To organize the Tribunal 11
regional seminars, 102 public presentations in 83 towns in the region, and
25 documentaries on the topic of violence against women during the wars
and peacetime in the former Yugoslavia were held. And the Tribunal was
organized together by womens groups from all the regions that had been
in war also from opposite sides: from Bosnia and Herzegovina, Croatia,
Kosovo, Macedonia, Montenegro, Slovenia, and Serbia. It took ve years
to organize this Tribunal. e Tribunal focused on war crimes committed
against women during violent conict in the region in the 1990s. Survivors
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
64 |
of violence and sexual violence spoke out about their experiences. ey
also spoke about violence they have experienced in the years following the
wars. ey analyzed the relationship between nationalism and the “ethnic
rapes in Yugoslavia. Despite the internal tensions and dierences, women
worked together even while belonging to nations at war, dealt with their
conictual position and looked for their commonalities. e fact that such
dierent women could meet and tell their own stories, their experience of
conict, the ways in which they saw themselves as members of a land, of a
nation, of an ethnic group allowed a re-denition of the very deep meaning
for an individual of belonging to a nationality. Every single woman, when
re-dening the enemy/rival, had to take a stand with regard to her own
society, often disclosing rst of all the invisible violence against women
that hides in every society and the ties that hold it up and hold her up.
Nationalism ‘melted’ during this process. From women who experienced
the dierent wars in former Yugoslavia, new ways of reading, imagining
and dealing with the ties with their ‘motherland’, with peace and war,
have come out, beginning from their daily lives where peace and war start
and end. e understanding of those ties can explain to us why in war
times women become, beyond the ‘natural violence’ of wartime, ‘essential
victims as symbols of a whole nation, as it happened in that area of the
world. is particular way of looking at the surrounding world from the
position and point of view of women allows a dierent focus on things; this
way of reading oneself and reality can change the denition of events, the
direction of interventions and the denition of priorities, and deepens the
perspective through which to look at the whole body of human rights. e
focus on dynamics of private violence in peace times changes, for example,
the denitions of “peace and war”. When war is over and damaged men
come back, women say: “ this is the beginning of another hidden and
invisible war taking place in our homes”. ere are too many new victims
in this “peace” that comes after a war. And many veterans’ wives in other
very dierent countries can recognize their experiences.
e idea of justice is also redened. In the former Yugoslavia the
women advocated for judicial reform to protect survivors and strengthened
feminist networks in the region. After systematic regional and local
hearings they prepared a “Platform for Justice”. is “Platform of Justice
proposed a “feminine idea of justice as a result of a harmonization between
emotions and principles”, not only as a result of objective facts quoted
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 65
in war tribunals where “only conicts and ideologies” are discussed and
womens stories of daily resistance are neither considered nor recognized.
e organizers of this process still tell us, almost ve years later, that many
women are starting to speak out only now.
PersPectiVes for tHe Present times
e fact that, even in the case of the ex Yugoslavia, where the
International Court of Justice in the Hague was operating, the women
considered they had to set a separate womens court tell us how complex
this process of really recognizing that womens rights are human rights,
could be.
It is out of question that the Vienna Conference started a process
of change of accepted norms and analysis on gender violence, expanding
the situations in which this particular form of violence is understood and
prosecuted as a violation of human rights ; that it succeeded in ending the
invisibility of abuses in the private sphere and challenged the failure of
the international community to address dierent forms of gender-based
violence; that it contributed to end impunity for gender violence and was
able in general to mainstream a gender perspective across all human rights
systems, UN treaties, both international and regional.
All implementations however recognize the need to address the
root causes of this violence.
e problem is that the redenition of human rights and
womens rights implies a recomposition of the split that has separated
what is considered public from what is considered private in human lives.
And how this attempt enters the area of law implementation has found,
obviously, enormous diculties as the corpus of human rights is based on
basic assumptions where this divide is theoretically central.
Moreover , despite achievements and many positive movements
in womens positions in the world, too many structures remain unchanged.
A contraposition between public achievements and intangible private
patriarchal attitudes is still at work. Patriarchy has been revealed and
exposed but also is trying to react very strongly. Women who have gained
citizenship’ and representation in politics or in their jobs continue to
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
66 |
experience marginalization, or feminization, or continuous distortions of
the meaning of their words. Women have still to face segregation and/
or co-optation. ey are still used as “female support” or “care-givers” in
action to political parties or social movements or systems undergoing some
diculty. Sexism inhabits strongly social movements .
In the last years we have witnessed a growing process of erosion
of the conditions for the full expression of human rights. e gap between
recognition and realization of human rights has widened in daily life.
Today even the basic notion of human right, that was taken for granted,
after its universal declaration, is challenged.
In this context of general regression the eective defence of
womens rights is made not only more dicult but even more invisible.
I was writing in the nineties: “e ‘normal’ course of events tries
to keep unchanged the hidden structures of society. Women are today
much more aware of the crucial nature of their position, of the importance
of their contribution to the economy, of their roles in society, of their work,
at material, social and symbolic levels. Some of their rights are recognized
.But this is also the time when women as a totally ‘exible variable’ in
economy and society are again most needed. e global restructuring in the
organization of global economy, in the present capitalistic and patriarchal
situation means that women are asked to increase their availability, their
material and mental work as well as their ‘shock absorption’ function at
all levels. Hence, their stepping out by their own autonomous initiative
from the role which has been apportioned to them, both in the traditional
and in the modern societies, both in private and in public spaces, is seen
as an unacceptable attempt to shirk their ‘duty’, thus disrupting societys
traditional balance. ose simple movements that advocate a change
in their position are perceived as too dangerous, threatening to disrupt
the whole structure of society. eir “natural” social role, ‘exibility,
their total availability as mothers, nurturers, sexual partners, helpers, is
not granted, and not given by ‘nature.’ In more traditional societies pure
oppression and repression are still the way to keep women in their places.
In modern societies new womens awareness seem to be more included. In
reality the eort is not to allow the new womens awareness to touch old
and ancestral balances in the personal and the public organization of life
and society. is is why when it is said that in this modern world is that
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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feminism is obsolete, as women already have reached what they wanted”
is only a strategic lie. Everything seems to change but, as the last work
of Pierre Bourdieu, ‘La domination masculine,’ (1999) has underlined,
the fundamental importance of the submission of women continues to
be ‘a must’ and “a need” for male society, both in a ‘primitive’ society as
the Berbers of the mountains of Morocco and in a post-modern society
like the United States. e violence that hits women’;s bodies tells us
how womens bodies continue to be charged with mens imaginary needs
and meanings, rooted in a deep unconscious structure. is imagery
works outside the control of intelligence, rationality and will. ere is
an untouched deep level of patriarchy, where women are symbols of a
deeper order, whose slightest movement threatens individual balances and
the basis of civilization. We were underestimating the level of violence
that the attempt to touch these balances can develop both in social and
personal settings. Today the even unforeseen increase in violence towards
or against women, both in the North and in the South of the world, is
almost unbelievable, and shows its signicance. Within dierent contexts,
at dierent levels and under dierent forms, both traditional and modern
societies express the absolute need to control womens bodies and choices
in dierent ways (MELCHIORI, 2001).
e possibility to go ahead in defending human rights in general
and the principle that womens rights are human rights lies at the centre of
this complex landscape where the increase of an ancient violence inhabits
the emergence of a new awareness ‘of women’ and ‘on women’ which seems
to be ‘progressive’ for mankind as a whole.
e present historical events, the growing populisms which are
able to appeal and to use intersectionality among sexism, racism, classism;
which are able to manipulate peoples dreams, unconscious fears, power
and need to control where the role of sexism is crucial, push us again to
rethink globally the issue of the roots of what is dened as political space,
which has to be re-conceptualized in order to reintegrate the relationship
between what is classically dened as political and the deep currents that
inhabit human beings. e issue of womens and human rights is central
in this process.
e creative womens practices of the seventies still disclose future
directions and bases for womens knowledge and politics, opening a path
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
68 |
to the redenition of the political spaces of our times. Only from there can
we understand what is going on nowadays in the underground of history,
and imagine a future.
references
AGAMBEN, G. Homo sacer: il potere e la nuda vita. Torino: Einaudi, 1995.
AYTON-SHENKER, D. (ed.). A New Global Agenda: Priorities, Practices, and
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Bingley: Emerald Group Publishing Limited, 2001. (Advances in Gender Research, v. 5).
p. 11-23.
| 69
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Gisella Evangelisti
Millones de pequeños gestos pueden cambiar el mundo.
Kyo Maclear, escritora
Me permitan, estimadas amigas e amigos, una nota personal
antes de entrar en el merido de temas que nos interesan. Quiero, antes que
nada, expresar mi emocion al regresar a Brasil después de varios años, para
esta oportunidad, pues Brasil no es simplemente uno de los bonitos países
que tuve la suerte de conocer, sino el país que marcó un antes y un después
en mi vida, y por eso le tengo un cariño especial.
Mi primer encuentro con el país fue en 1980, sí, del siglo pasado
(pero un nanosegundo en tiempos galácticos), cuando yo era una joven
profesora italiana, interesada en conocer algo afuera del humbligo europeo, y
para esto ahorraba con paciencia el dinerito necesario para hacer algun viaje
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
70 |
signicativo, no simplemente turístico. No tenía lo suciente para pagar
el pasaje cuando unos amigos me invitaron a viajar a Brasil, pero decidi
participar, contrayendo (lo que era inusual para mi) una pequeña deuda.
En Italia estábamos viviendo una época de efervenciencia política, después
del movimiento del ‘68, cuando la juventud removió universidades y
fábricas en pos de una mayor igualdad y participación social, con el auge del
movimiento feminista, del pacismo, y unas conquistas importantes para las
mujeres como el derecho al divorcio y al aborto, decididas en referendum.
En 1967 había salido un libro que sacudió el mundo de la escuela, Lettera
a una professoressa, Carta a una profesora, de don Lorenzo Milani, que
cuestionaba la estructura clasista de la educación en el país, apostando al
derecho al estudio y la palabra para todos. Con mis amigos de formación
cristiana estábamos interesados en conocer más de cerca el Brasil profundo,
la práctica de la teología de la liberación, las comunidades de base.
Durante el viaje, nos adentramos en los paisajes ásperos del Nordeste,
que nos impactaron mucho, con sus grandes cielos, los colores vivos hasta
en los vestidos de las ancianas, el calor humano, la fe sencilla y fuerte de la
gente, y tanta pobreza. Allí conocimos dos personas absolutamente fuera de
lo común. La primera, una mujer bella y decidida, que vivía en una simple
casa de madera, en un barrio popular cerca de una playa de Recife, que
luchaba con la gente del barrio, contra la especulación edilicia que pretendia
derribarlo y construir hoteles de lujo. No podíamos imaginar, al conocerla,
que aquella mujer enérgica y a la vez atractiva y femenina, fuera una monja.
Nada que ver con las guras anónimas y sumisas que desempolvaban el altar,
lo decoraban con ores y nos enseñaron el catecismo en mi infancia. El
barrio se llamaba Brasilia Teimosa.
La otra persona que nos conmovió profundamente fue el anciano
Dom Helder Camara, en esos años tildado de “obispo comunista” por
los conservadores. No se parecía en nada a los obispos con una vistosa
cruz en el pecho y grueso anillo al dedo, hablando con autoridad en las
grandes estas religiosas que habíamos conocido. Era un hombre que la
viejez habia empequeñecido, pero sus palabras distilaban tanta sabiduría y
amor que cuando salí de su casa tenía lágrimas en los ojos. Y un próposito:
mudarme a vivir en América Latina, donde quizás podía ser más útil que
como profesora de alumnos de clase media italiana. No tenía la menor idea
de como realizar este deseo, en ese momento. Tampoco estaba consciente
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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que al fondo, me habían fascinado las característícas que se normalmente
se asocian a la masculinidad y la feminidad, pero que en el obispo y en la
monja se presentaban al revés. Había re-conocido la “ternura” masculina
y la “energía” femenina, dos fuerzas poderosas como una bomba. Que
cuando se encuentran en la misma persona, hombre o mujer, dan lugar a
armonía y realización.
Y sí, pude cumplir mi sueño de hacer una experiencia de vida
en América latina. Fueron veinte años de intenso trabajo e aprendizaje,
apoyando proyectos de cooperación internacional con diferentes sujetos
sociales, sobre todo indígenas, mientras se iba deniendo mejor en la
cooperación la visión de género. Fueron años de emociones de alto voltaje,
sobre todo los que coincidieron con la década de violencia política en
Perú, con los coches bomba de Sendero Luminoso, los aviones que perdían
llantas, o viajando por selvas en fragiles avionetas donde no se cerraba
bien la puertas. En ‘85, estaba en Bertioga en un congreso feminista de
Latinoamerica y do Caribe, en contacto con las aspiraciones y metodologías
de las mujeres del continente para crecer como personas y como género.
En otra oportunidad, Brasil me removió hasta los tuétanos con sus
meninos y meninas de rua, que conocí colaborando con el projeto “Axé
en Salvador de Bahía, que practica la “pedagogia dos desejos”, tratando de
despertar de nuevo deseos y proyectos de futuro en niños y niñas obligados
a buscar la sobrevivencia en el día a día. El proyecto trataba también de
despertar con campañas de sensibilizacion un sentido de humanidad
en la sociedad brasileña, lamentablemente una entre las más desiguales
del mundo. ¿Cómo era posible que se permitiera que los comerciantes
mataran como ratas los niños que la pobreza botaba a la calle? Fue lanzada
la campaña “A criança é nossa”, tan importantes como el trabajo educativo
con los meniños y meninas, para rescatarlos de la indiferencia. En n,
frente a grandes problemas, he visto grande creatividad y dedicación para
enfrentarlos.
De objeto A sujetos
Carlos Rodriguez Brandao (2017), en “Nos, os humanos, do
mundo a vida, da vida a cultura”, nos ha recordado, sobre todo a los jóvenes
que no lo han vivido esa época de luchas, con periodos de clandestinidad,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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a veces de prisión y tortura, las cinco décadas de experimentación de la
educación popular, en un proceso de gestación colectiva, de todos, hombres
y mujeres, jóvenes y ancianos. “Teníamos una idea igualitaria de hombres
y mujeres, pero éramos gente blanca, intectual y culta, hablando en
nombre de mujeres y pobres.” (BRANDAO, p. 124). Después de 30 años
de educación popular, con el descubrimiento del método de la palabra
generadora, los objetos de las investigaciones participantes se volvieron
sujetos. La gente de las quilombolas pudo elaborar su propias teorías, con
sus saberes, dejando de ser sujetos pintorescos para los antropólogos. Fueron
cambios lentos, por cierto. Ha sido un proceso apasionante, histórico.
Algo parecido vi acontecer entre los pueblos indigenas en Perú.
En ‘95- ‘96 recorrí la Amazonia explorando por encargo de UNICEF
cultura, costumbres y problemas de los pueblos indígenas, para difundir
su problemática en la sociedad peruana, que tiene incorporado, con el
colonialismo, un racismo que desprecia o desconoce los pueblos originarios.
Recogí 55 testimonios de mujeres y hombres, visitando 33 comunidades
de 10 diferentes etnías a lo largo de la selva, algunas contactadas hace
pocos años. Entre ellos, conocí un anciano ex cazador Harakmbut, Sueyo,
que creía fuera “un gran gavilán” la avioneta que llevaba a la región de
Madre de Dios (con el apoyo de una compañía petrolera norteamericana),
a unos misioneros domínicos intencionados a insertarlos en la civilización.
Conocí una anciana shipibo, Augustina, a quien había sido practicada de
niña la ablación del clitoris, y no sabía explicar el porqué de esa costumbre,
sino con un “es tradicion”; conocí una anciana Machiguenga, Chovitza,
una de los pocos sobrevivientes a la epoca del caucho, que a sus doce años
fue casada como quinta esposa de un jefe indígena para portegerla de las
cacerías de los caucheros. El boom del caucho fue una epoca de esclavitud
y masacres para los pueblos indígenas, y hablan de ello como de una
guerra mundial”. A todos y todas yo decía que quería que fuera la última
vez que una persona blanca y extranjera iba a recoger sus historias, pues
debían ser ellos y ellas los que debían levantar su voz. Con la cooperación
internacional europea apoyamos su derecho a ser alfabetizados en su
propio idioma y ser respetados como cualquier ciudadano. A lo largo de
unas décadas, la Educación Bilingüe Intercultural se ha vuelto parte de la
política pública. Con muchas limitaciones, pero va avanzando. Ahora hay
festivales de documentales indigenas, las organizaciones indígenas luchan
en primera persona para demarcar sus territorios y contra la deforestación.
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Una mujer andina, Maxima Acuña, se ha vuelto simbolo de lucha contra
las empresas mineras que destruyen el ambiente y pisotean los derechos
de quien vive allí. Se ha también destapado, llegando su denuncia hasta
la ONU, el problema de la ligación de trompas realizadas sin preaviso a
300.000 mujeres peruanas, que se dio en el periodo de Fujimori.
Hay cambios, seguramente más lentos de los que quisieramos,
pero sin duda hay.
De lA clAse Al Género
Como bien han explicado las autoras del libro recién salido “Ecos
de Freire e o Pensamento Feminista”, Freire incorporó en su concepción de
educación liberadora de los grupos oprimidos, a través del dialogo con las
feministas, la cuestión de género, y a la vez contribuyó a la construcción de
una pedagogía feminista. Freire partió del ánalisis de la clase social de los
sujetos, reconociendo como grupos oprimidos los que sufren explotación,
falta de poder, marginalización, imperialismo cultural e violencia, para
ampliar el discurso a otras formas de opresión, como género, raza, étnia.
Las dos propuestas quieren empoderarlos, articulando
conocimiento y poder, conduciendo a una acción transformadora. Hay
una relación indisociable entre palabra, reexión, y acción. A pesar
de reconocer la importancia de la desigualdad social, el pensamiento
de Freire se distancia de la visión marxista de la lucha de clase que
aspira a la revolución, pues se trata de dimensiones abstractas, que no
siempre analizan vidas y contradiciones sociales, por ejemplo como una
persona puede ser opresora en un ámbito y oprimido en otra. Lo vemos
también cuando mujeres prostituidas y explotadas pasan a ser “madames
o proxenetas, y explotar a otras. No es suciente cambiar las estructuras
económicas hacia una sociedad más justa, si la justicia no se extiende
a todas las esferas de la vida. La justicia social incluye cuatro esferas de
política articulada: política de redistribución, de reconocimiento,
poder, participación, cuidado. Para Freire debe haber solidaridad entre
hombres y mujer en una lucha común para instaurar una ética universal
del ser humano.
Una autora bielorusa premio Nobel 2015, Svetlana Aleksievic,
ha mostrado en uno de sus libros como en la Unión Soviética las mujeres
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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que tuvieron un gran papel en la guerra, sea combatiendo en el frente
que resistiendo en las ciudades, no fueron reconocidas como se merecían.
En otro, sobre la época de la perestroika, (“Tiempo de segunda mano, el
n del “homo sovieticus”, ed. Acantilado, 2013) a través de decenas de
testimonios de personas de diferente proveniencia e ideología dibuja el
cuadro de una sociedad donde un hombre venerado como un padre, Josif
Stalin, durante las revueltas contra la colectivización forzada de Ucraina,
decretó la muerte por hambre de millones de personas retirándoles los
cereales. Fue el terrible “holodomor”o hambruna forzada, del ‘32- ‘33.
Recientemente, en la Rusia actual, una ley presentada en la Duma por una
mujer admite, justicándola como tradición, que se pueda pegar fuerte
una mujer una vez al año. Sigue la opresión de los gays.
No podemos olvidar también que en los régimenes autoritarios
del Este de Europa antes del ‘89, la vida de las personas podía ser arruinada
por una calumnia, dictada por rivalidad o envidia, o hasta por una simple
broma malentendida, como se cuenta en la omónima novela de Milan
Kundera. En la patria de Angela Merkel, la República Democrática
Alemana, se calcula que aproximadamente un millón de personas, en un
país de 9 millones de habitantes, colaboraba con los servicios de inteligencia
para controlar y hacer daño con delaciones a vecinos, o conocidos rivales.
Evidentemente, no son éstos los mecanismos de participación y control,
que una democracia sana debería incluir para su buen funcionamiento.
el mAlestAr De lA GlobAlizAción
Al otro lado de la cortina de hierro, en la Europa occidental
hemos vivido a partir del posguerra un trentenio de crecimiento, en
los que se ampliaron los derechos sociales, gracias a las luchas obreras y
fuertes sindicatos. Sin embargo después de la caída de la Unión Sovietica,
el capitalismo, autodeniéndose “pensamiento único”, y abogando a la
deregulamentación nanciera, ha entrado con prepotencia a otra fase.
Utilizando dinero virtual, ha creado riquezas con la especulación, mientras
la producción de manifactura se trasladaba a países como China, Corea,
Vietnam y otros países emergentes, donde el trabajo cuesta menos de la
mitad, y existen reglas ambientales más laxas. Margaret Tatcher proclamó
al mundo entero que no existe la sociedad, solo los individuos,
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decretando así el n del pacto de interdipendencia entre jóvenes y
ancianos, empresarios y trabajadores. Pero, mientras tanto, el progreso
tecnológico iba, y sigue sustituyendo cada vez más procesos de manifactura
con robots, y crea en menor medida nuevas profesionalidades. Los países
considerados “ricos” han perdido millones de puestos de trabajo, y los que
se están creando son mal pagados y precarios. Con la terciarizacion de los
servicios, se dice, se favorece la autonomía de los trabajadores, que ya no
están obligados a ir a la ocina todos los días, pero (¡curiosamente!) resulta
que deben trabajar más horas para obtener menos ingresos. La distribución
de la riqueza se hace cada vez más desigual. Amancio Ortega, el tercero
hombre más rico del mundo, dueño del 59% del conglomerato Inditex,
(que incluye la famosa marca Zara) este año ingresa en su cuenta más de
1260 millones de dolares de ganancias, pero crea solo poco más de 9000
puestos de trabajo alrededor del mundo.
En Italia se está desmoronando el tejido social hasta ahora
mayoritario, constituido por una clase medio-baja de obreros y empleados,
que han disminuido drásticamente, mientras aumentan las familias sin
renta alguna, y los hijos que permanecen en casa de los padres aún a sus
30 o más años. En el Bel País hay unas 50.000 personas que viven en las
calles y, por primera vez en mi generación, he visto ancianos que buscan
comida en la basura.
La frustración e insatisfacción de gran parte de la población
hace crecer en toda Europa la extrema derecha que juega sobre el miedo
al futuro de la gente, apostando al regreso al “feliz” mundo anterior a la
Unión Europea, constituido por orgullosas naciones, que en el siglo pasado
desencadenaron dos guerras mundiales, pero esto es mejor no recordarlo.
En cambio, se indican como enemigos a los migrantes extranjeros, que
llegan en masa en estos años arriesgando su vida en desiertos y mares, para
huír de la miseria o las guerras en Africa o Medio Oriente. Sin embargo
Marine Le Pen y otros políticos populistas omiten explicar que en Africa,
como denuncia el escritor keniota Ngugi Wa iong’o, candidato a premio
Nobel, el 80% de los recursos están todavía en manos europeas, con la
complicidad de grupos restringidos de poderosos, y que los europeos
está haciendo buenos negocios vendiendo armas a todos. Los migrantes,
en la narrativa de la derecha, son vistos como ávidos invasores que se
aprovechan de los menguantes recursos sociales de nuestras sociedades,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
76 |
y se acusa el mundo islámico en toto como fuente de terrorismo. No se
menciona que en Italia se gastan unos 3 billones al año para los migrantes
y se pierden unos 100 en evasión scal, y se omite recordar que Arabia
Saudí, la principal aliada de Estados Unidos en Medio Oriente, es la que
nancia las mezquitas integristas, y los grupos extremistas en la región.
Con gran capacidad de síntesis, un personaje muy conocido como
Warren Buet, (uno de los pocos, entre los hombres más ricos del planeta,
que se escandaliza que su secretaria pague un porcentaje de impuestos más
alto que él), avisa que en esta fase económica se está dando no más una
lucha de clase de pobres contra ricos, como en el siglo pasado, sino una
guerra de ricos contra pobres, y claramente la están ganando.
La paradoja es que muchos ex obreros norteamericanos
empobrecidos, por ignorancia, o por la atracción que ejerce sobre ellos el
espejismo del lujo desmodado con grifos de oro de Mar- a- Lago, siguen
como si fuera el Mago de Hamelin, al millonario mediático que cuenta “se
ha hecho solo”, promete devolver los trabajos perdidos y otros milagros.
Sin embargo lo primero que hace al llegar a la presidencia es bajar los
impuestos a los ricos, cortar la asistencia sanitaria a 23 millones de personas
sin recursos que tengan el mal gusto de enfermarse, y aumentar de manera
descomunal los gastos militares, pues la guerra, esa sí, es buenísima para
reactivar la economía.
Dejo a otras intervenciones un análisis de la situación en
Brasil, que se ha vuelto como PBI la octava potencia mundial, pero que
actualmente está manteniendo el mundo en vilo por la nefasta política de
invasión y deforestación de la Amazonía, y el retroceso en el respeto de los
Derechos Humanos.
mujeres y contexto cAPitAlistA
La crisis capitalista ha tenido efectos muy diferentes para las
mujeres, en los diferentes lugares del mundo. Cuando los periódicos han
mostrado una foto de Melania Trump sonriendo juntos a mujeres saudíes
vestidas de negro hasta la cabeza, los comentarios más frecuentes em las
redes sociales fueron: ¡qué mundos diferentes! Quizás podríamos decir:
¡qué diferentes formas de dominación de las mujeres! Una, la más evidente
y odiosa, llega a prohibir que salgan solas sin un guardian varón, mientras
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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la otra las puede convencer a ser prisioneras voluntarias de un modelo
poco realista de belleza, que puede inducir a trastornos alimentarios o
bullismo en adolescentes. ¿Cómo es posible que en la economía más fuerte
del mundo se recorte el derecho de las mujeres a la planicación familiar y
al aborto, y la asistencia sanitaria a los pobres? En el país las mujeres se han
convertido en las mayores consumidoras de antidepresivos. El número de
suicidios de mujeres se ha elevado y se calcula que la esperanza de vida de
una mujer sin recursos es cinco años menor que la de su madre.
En Asia y Africa se da el problema del despojo de tierras, que
son básicas para sustentar las familias. En América Latina hay decenas
de conictos socioambientales entre los campesinos y los inversores
extranjeros en la minería que contamina lagunas y cuencas, o entre
indígenas y empresarios que destruyen la foresta para tener ganancias
inmediatas. Este despojo de tierra o “land grabbing”, realizado con la
connivencia de los gobierno en pos de la modernidad, obliga a las mujeres
a ir a trabajar en maquilas, (cuando hay) por sueldos bajisimos, o, como
en Bangladesh, donde azota la sequía provocada por el cambio climático, a
casarse apenas adolescentes para salir de casa. En este país, el gran incendio
del edicio Rana Plaza en 2013 evidenció las terribles condiciones en que
trabajaban las mujeres en el sector textil, pero las famosas casas de moda
que se aprovechaban de su trabajo (entre ellas la brillante empresa del
italiano Benetton) se resistieron un tiempo a indemnizar las familias con la
excusa que no gestionaban directamente el trabajo, que habían encargado
a empresas locales.
Está claro que este modelo económico capitalista, basado en el
despilfarro de materias primas e la destrucción ambiental para producir
artefactos con obsolescencia programada, en una rueda de consumo
accelerado, no puede ser sostenible a largo plazo. No podemos quedarnos
pasivos mientras se derriten el Artico y los glaciares, los oceanos suben
peligrosamente de nivel, se extinguen rápidamente millares de especies,
preparando un futuro aterrador para nuestros nietos.
Es importante que un analisis feminista considere esta conexión
entre un modelo de producción y consumo que ingloba las mujeres
como fuerza de trabajo con sueldos inferiores en los países más
avanzados, o bajísimos en los países “emergentes”, y feminiza la
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
78 |
pobreza en tiempos de crisis, y por otro lado, las hace protagonistas y
víctimas al mismo tiempo de un modelo no realista de belleza.
Criticamos el patriarcado que desprecia las diferencias, las
debilidades, exalta la competitividad, la ignorancia y la prepotencia, el
consumismo desenfrenado, el éxito basado en el dinero a toda costa.
El comercio de armas, la militarización de la sociedad, las
guerras como medio de dominación geopolítica, son otras caras de la
dominación masculina. La tierra y los oprimidos, diría Freire, piden a
gritos ahora que se difunda una visión más femenina de la economia,
más atenta a la vida, al bienestar de todos, no apostando solo a lo
material, sino a las personas y al ambiente.
Mientras tanto, algo está pasando en estos días que no habíamos
visto desde años. La contaminación del aire está bajando, la tierra respira
más, los peces regresan en las aguas de una Venecia desierta, desde
cuando la pandemia de coronavirus está bloqueando ciudades y fábricas
alrededor del mundo. En abril del 2020, aproximadamente la mitad de
la población mundial está sujeta a la cuarentena. Pero no todos la llevan
de la misma manera, dependiendo si viven en una cómoda mansión o en
la barraca de una favela, si son trabajadores informales, descapacitados,
ancianos aislados, inmigrantes indocumentados, refugiados o desplazados,
indigenas y campesinos a quienes no llegan las medidas económicas
paliativas. En primera línea de vulnerabilidad, entre estos grupos, están
las mujeres, sea las profesionales de la sanidad y del cuidado la persona,
que son predominantes en estas categorías, sea las mujeres que están a
cargo de las famílias, y que son ahora más sujetas al stress de organizar la
convivencia de niños sin escuela, y padres tensos por el desempleo, sobre
todo en casos de escasez. El aumento de divorcios durante la cuarentena
en China y de denuncias de violencia a la mujer em Francia son síntomas
de estas dicultades.
Sin embargo, esta situación inédita y dolorosa que involucra toda
la humanidad nos está dando muchas enseñanzas, si queremos escucharlas.
Los virus desde siempre presentes en la fauna silvestre pueden volverse
peligrosos para los humanos cuando se construyen grandes aglomeratos
urbanos en zonas recién deforestadas, pues pueden saltar de la especie animal
a la humana. A la vez, donde los sistemas sanitarios son estructuralmente
frágiles, como en África y América Latina o han sido debilitados con la
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 79
privatización de muchos servicios y la disminución de personal sanitario,
como en Italia o España, no hay sucientes medios para enfrentar una
situación de emergencia como el coronavirus. Los médicos entonces deben
decidir curar quienes tienen más posibilidad de sobrevivir, dejando morir
a los otros. Los cuerpos tirados en las calles de Guayaquil, rechazados por
las empresas funerarias, o en Bergamo, Italia, la caravana de camiones que
llevan a los crematorios los cuerpos de personas muertas en aislamiento,
sin una caricia de sus familiares, son unas de las imágenes más tristes que
hemos visto recientemente en la TV. El desplome de la economía, y la
ansiedad que provoca en millones de famílias, hacen tambalear nuestras
certezas y repensar cuales prioridades debería tener la producción, si armas
sosticadas o respiradores para las próximas pandemias. Y como deberían
cambiar nuestros sistemas políticos, para ser más orientados al bienestar
de la gente, y a un uso más sostenible de la Tierra. El mundo no podrá
regresar a la normalidad, si esa normalidad era el problema.
Miles de grupos, asociaciones, redes, están luchando en el mundo
sea contra la violencia hacia las mujeres, que para transformar los modelos
actuales de producción y consumo. A veces tratan las dos problemáticas a
la vez, como en el ecofeminismo, a veces actuan paralelamente. Ver esta
conexión, es importante. Rechazando rígidas yerarquías, se multiplican los
círculos que practican, dialogando, la búsqueda de soluciones comunes.
Las redes de la globalizaciòn difunden los mensajes de Vandana Shiva,
Naomi Klein, Greta urnberg, Malala, entre otras, favoreciendo
reexión e iniciativas.
Se trata de fortalecerlos a nivel local, luchando contra el desánimo.
AlGunos inDuDAbles AVAnces
1.concienciA que lA ViolenciA A lA mujer es un ProblemA munDiAl,
y unA mAnifestAción De lAs relAciones De PoDer HistoricAmente
DesiGuAles entre Hombres y mujeres, seA en el munDo Del trAbAjo,
que en el esPAcio Doméstico y en el esPAcio blico.
Lo está haciendo el feminismo, en movimientos como “No
una más”, que a nivel internacional abarca la dimensión universal de la
condición femenina, e a la vez la sitúa en el contexto económico. Hay
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
80 |
los casos dolorosos de Egypto, donde el 47% de las mujeres ha sufrido
alguna forma de violencia doméstica, hasta llegar al paraíso noruego donde
solo” el 10% de las mujeres ha sufrido una violación o un intento de ese
tipo. Pero otros países nórdicos, como Dinamarca, Finlandia y Suecia, a
pesar de actuar políticas igualitaria y tener gobiernos feministas, siguen
siendo los países europeos con los índices más altos de violencia física o
sexual hacia las mujeres, según un estudio de la Agencia de los Derechos
Fundamentales de la UE. Hay quien lo explica con el hecho que las mujeres
han adquirido mucho poder, y una parte de hombres se opone, o por el
frecuente abuso de alcool (factor presente sobre todo en Finlandia). Por eso
se preven planes de educación dirigidos a los jóvenes hombres. Suecia y
Finlandia tienen otros triste récord, el de suicidios, y el hecho que en Suecia
una de 4 personas muere sin que nadie reclame su cuerpo, probable resultado
de un modelo de vida “autosuciente”, que colinda con una terrible soledad.
En 2018 en Italia han sido matadas 142 mujeres, (dati Eures),
mientras muchas más sufren maltrato en silencio.
A veces las mujeres denuncian la pareja violenta, a nivel civil o
penal, pero la gran mayoría no la denuncian por temor a desencadenar su
rabia. En caso de denuncia, hay una orden de alejamiento de la pareja, pero
la mujer debe tener un alojamiento alternativo donde refugiarse. Existen
muchas leyes sobre el tema, pero son aplicadas de maneras diferentes de
ciudad a ciudad, y falta, según muchas operadoras del sector, un plan
integrado entre todos los actores que se ocupan del tema, desde los
centros antiviolencia, a la policia, a la asistencia legal, al sistema socio-
sanitario etc. para proteger realmente la mujer, como se da en otros países
europeos. Por eso pueden presentarse situaciones terribles como la que
vive una mujer siciliana, Lidia Vivoli de Bagheria, sobrevivida de milagro
a un ataque de su pareja en 2012, que espera en el terror su próxima salida
de la cárcel, siendo amenazada por él con toda su familia. Ella pide mayor
protección al Estado. Sin embargo, como veremos más adelante, se puede
hacer algo más que esperar tragedias angustiosamente.
Por otro lado, también la experiencia de Canada o Suecia, que
ofrecen óptimos servicios de asistencia psicológica, médica, habitativa, a las
mujeres víctimas de violencia, demuestra que tal abordaje es necesario pero
no suciente a reducir drásticamente el problema. Al parecer, modelos
inconscientes interiorizados por las mujeres desde milenios, que pasan
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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através de la educación, la escuela, las iglesias, la comunicación social, en
suma, en todo el orden social, siguen permeando los sentimientos, emociones,
el imaginario, los habitos mentales de hombres y mujeres, y no logran ser
borrados tan rápidamente como desearíamos. Invitan a las mujeres a
soportar los malos modales de los maridos, que pueden llegar a golpear mujer
e hijos, en calidad de “autoridad de la familia”. Si el hombre ya ha pedido
perdón por golpearla, alguna vez, la mujer enamorada cree que gracias a su
inquebrantable amor, él cambiará. Persisten mitos como un amor romántico
malentendido, que todo lo puede. Persiste en el fondo el miedo a enfrentar la
soledad, al sufrimiento de los hijos divididos entre dos hogares, a los problemas
económicos que conlleva una separación. Y en el hombre puede persistir contra
toda modernidad la idea que la mujer es “suya”.
Un caso muy triste en la moderna Francia ha sido el asesinato de la
hija de Jean Louis Tritignant, una actriz que murió “de manera accidental”
en una pelea, según declaró su pareja, un cantante acostumbrado a golpearla.
El hombre pasó solo 3 años en la cárcel, e iba a encontrarse en el mismo
festival de Avignon con Tritignant, pero el actor rechazó comparecer en
festival donde iban a aplaudir al asesino de su hija.
En Italia están en actividad muchos centros antiviolencia,
conectados en la Red Nacional DIRE (Mujeres en red) pero casi siempre
no cuentan con fondos sucientes para las crecientes necesidades. Por eso
se crean sinergías entre asociaciones, administraciones locales y público en
general, para dar vida a iniciativas que sirvan a la vez como sensibilización
sobre el tema y recolección de fondos. Por ejemplo en una ciudad del norte
de Italia, Vicenza, en el concierto de una coral local se ha presentado la
“Maleta de Caterina”, una maleta con objetos que simbolizan una nueva
vida que puede ser construida por las mujeres afectadas por la violencia, en
lo laboral, habitativo etcétera, según recorridos personalizados y nanciados
ad hoc. (Caterina es el nombre de una reconocida abogada que trabajó en
favor de las mujeres en situación de violencia, fallecida recientemente).
2. se HA AVAnzADo reconocienDo lA ViolenciA como ProblemA
culturAl, sociAl y Político De PrimerA PlAnA.
Los esfuerzos para quitar los casos de violencia desde el ambito de
la “crónica negra”, tendiente a atribuirlo a la patología de un indivíduo, o
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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a las costumbres bárbaras de comunidades extranjeras, o una cuestión de
seguridad, han producido algunos resultados.
Paralelamente al tratamiento de los casos de violencia, se está
viendo como necesaria a largo plazo una constante batalla cultural, que
pasa a través de la educación en las escuelas, los círculos autogestionarios de
mujeres y hombres, y campañas públicas, que hagan revisión crítica de los
modelos dominantes de “amor” . Muy acertada al respecto una campaña
publicitaria de mensajes en aches llevada a cabo por la Municipalidad de
Barcelona. En ellos se pregunta a una chica: “¿Es amor cuando tu chico
te controla el celular? ¿Cuando no te deja salir con tus amigos? Es una
relación sana si te grita o desvaloriza?”
En la escuela es posible utilizar estrategias creativas, para
revisar critícamente los modelos de relaciones vigentes en la familia y
la sociedad, de manera transversal a varias asignaturas. En historia, por
ejemplo, se pueden recoger testimonios de ancianas y ancianos, proverbios
tradicionales, canciones, y razonar sobre lo que cambió y no cambió en las
costumbres. En campo artístico, las telenovelas, la literatura, las canciones
(ver Celia Cruz versus ciertos reggaetones machistas) constituyen un gran
material por analizar .¿Qué tipo de relaciones hombre-mujer presentan?
Además del análisis crítico, es muy motivador para chicas y
chicos crear sus propios textos de canciones, y videos, o pequeñas obras
teatrales. Para los más atrevidos, hay la posibilidad de actuar directamente
en la calle realizando también performances de situaciones límites, según
las técnicas del “teatro del Oprimido”, que recurre a lo grotesco para
estimular reacciones de sorpresa y debates entre el público. Como se puede
ver online en un video de Fan Page, en Milán una pareja de actores han
actuado caminando en la famosa galeria al lado del Duomo; la chica tiene
la cara vistosamente amoratada por algún golpe, (obviamente se trata de
maquillaje), y el chico, que nge ser su pareja, pide a algun peatón que les
tomen una foto. A los peatones sorprendidos el chico explica que tuvo que
pegarla porque ella no le obedecía, hablaba demasiado, ectétera. Después
de haber escuchado las reacciones de la gente, los actores le explican el
objetivo de su provocación. En otro video, vemos un chico que (ngía)
maltratar verbalmente su chica en una parada de bus (sin pegarla) para ver
si alguien se oponía. Nadie se movió, sólo un comerciante les espetó “que
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podían ir a pelearse en otro lugar”, pero no comentó el hecho que la chica
tuviera que soportar la violencia verbal del chico.
Aprender a reconocer y expresar emociones y canalizarlas
de forma no destructiva para uno mismo y los demás es un reto que
tenemos a lo largo de toda la vida. Niños y niñas pueden ser educados a
hacerlo, desde las guarderías y la primaria, a traves de muñecos, títeres o
caretas que expresan sentimientos diferentes, en varias situaciones. Con
los adolescentes es muy oportuno realizar periódicamente debates en
círculo, (“circle time”), para conversar sobre el desarrollo de las clases,
o los problemas que pueden surgir en la convivencia cotidiana, y como
pueden resolverse. Un método ecaz para prevenir el bullismo es el de
la mediación escolar, donde se entrenan estudiantes de ambos sexos
que voluntariamente quieren aprender a mediar entre dos contricantes,
utilizando una metodologia que invita las personas a escuchar las
motivaciones del otro, entender sus necesidades, a trabajar sobre los puntos
en desacuerdo, para buscar una solución equitativa. Es un método de gran
utilidad también en lo cotidiano. Otros métodos que tienen éxito em
escuelas británicas, así como en Australia, Finlandia o Canada son basados
en la Whole Policy, implicando la participación de toda la comunidad en
el mantenimiento de la convivencia, favoreciendo dinámicas grupales que
susciten un sentimiento de inquietud compartida, objetivos comunes,
espíritu solidario y sensación de pertenencia, para frenar la intimidación
entre los chicos en general y entre los géneros.
3. lA bAtAllA meDiáticA y PenAl contrA los Abusos sexuAles. lA
cuestión Del consentimiento
A partir del octubre 2017, cuando comenzaron las revelaciones
públicas de acusaciones de violencia sexual contra el productor
cinemátograco Harvey Weinstein, el movimiento feminista “Me Too” se
ha difundido de manera viral em todo el mundo, como hashtag usado en
las redes sociales para evidenciar la difusión de las molestias sexuales hacia
las mujeres, sobre todo en el lugar de trabajo. En los últimos años se han
realizado avances en los sistemas legales de algunos países, dando mayor
importancia a la necesidad del “consentimiento” en una relación sexual.
Al respecto, la Convención de Istambul, es el documento más importante
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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sobre el tema. Sin embargo, mientras en el lugar de trabajo está clara la
asimetría de poder entre quien practica el abuso sexual como chantaje,
y la mujer como parte más débil que necesita conseguir o mantener un
trabajo, hay un terreno más indeterminado en que todavía se debate cuáles
deberían ser” las reglas del juego en un encuentro sexual.
Obviamente estas reglas dieren en los vários ambitos culturales,
desde India a Noruega. Todavía muchas películas de Bollywood tratan de
la lucha de las jovenes generaciones para liberarse de la imposición de un
matrimonio arreglado por las famílias, (que incluye la prescripción de la
virginidad para la novia), mientras en la puritana Teherán de los ayatollah,
donde está prohibido cantar en la calle, además que en las salas de té
jovenes mujeres y jovenes hombres pueden conocerse también a través
de la insólita modalidad del door-door, haciendo un recorrido circular
en un coche, ella con una amiga, él con un amigo, en un determinado
lugar de la ciudad, y observándose cuando los dos coches están paralelos.
Si este primer contacto visual produce atracción entre algunos de los/las
protagonistas, los interesados se paran en una plazuela e intercambian sus
números de teléfono.
Esto demuestra que cada código de conducta en la fase de cortejo
está evolucionando, más o menos rapidamente, en todo el mundo. En el
mundo occidental, el ritmo de cambio ha sido marcado por la emancipación
de la mujer, y su liberación sexual. Ya nada de largas y castas esperas antes
del matrimonio, también la mujer tiene libertad de iniciativa, y ninguna
especial expectativa frente al desarrollo de una relación sentimental formal
después de un encuentro intimo. En teoría, aunque no siempre en la
práctica, la mujer puede vivir su própria sexualidad sin ser juzgada.
Sin embargo, para muchos hombres no está claro en la fase del
cortejo, cuando la mujer está negándose, si lo hace por juego, una táctica
más para aumentar el deseo masculino en el escarceo erótico, o simplemente
quiere no quiere el contacto. Para detener el fenómeno de las violaciones
entre los estudiantes de los colleges norteamericanos, han sido introducidos
códigos de conducta con step muy precisos, hasta se ha implementado una
app que permite a las partes de grabar su consentimiento preventivo al
acto sexual. Todo esto no ha impedido a algunas jóvenes que denunciaran
el partner, sintiéndose violadas por las modalidades de la relación sexual, o
habiendo realizado en un segundo momento que habían accedido de forma
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inconsciente al acto. Desde estos episodios se ha profundizado la discusión
alrededor del consentimiento y la legitimidad de poderlo retirar em
cualquier momento, aun cuando el juego sexual ha comenzado. Esto
implica un gran cambio.
Mientras en el pasado cuando una mujer “daba el sí” en la boda, su
consentimiento era considerado debido, “hasta que muerte no les separe”,
o más recientemente, hasta que durara el enlace, ahora el consentimiento
tiende a plantearse, justamente, para cada acto sexual. Es un hecho que
cuestiona los derechos del marido, tradicionalmente moldeados sobre sus
necesidades” , mientras ahora se le estimula a una mayor comprensión y
diálogo con la sensibilidad femenina.
4. los GruPos De Hombres que reflexionAn
No son multitudes, pero están en lento desarrollo. En la decada
de los Setenta se formaron en el mundo francófono grupos de hombres
que como colectivo se planteaban reexionar sobre el machismo personal,
y como cambiarlo. De Canada se han difundido en Estados Unidos y
América latina, de Francia a los países nórdicos, Italia y España. En Italia hay
la asociación “Maschile Plurale”, (“Masculino Plural”) que ha inspirado en
España la “Asociación de Hombres para la Igualdad de Género” AHIGE.
En España esta organización realiza Encuentros mixtos con asociaciones
igualitarias y feministas, Jornadas de Formación, ruedas de hombres contra
la violencia, trata de multiplicar los grupos de reexión entre hombres,
y publica una revista; en los países vascos realizan también campañas de
igualdad a nivel institucional.
“Cada hombre es una revolucion interior pendiente”, es su lema.
Como escriben en un libro que recoge 19 historias de vida, “Hombres
para el siglo XXI, semblanzas de hombres feministas”, a cargo de Julián
Fernandez de Quero Luceron (2016), los protagonistas de este movimiento
son convencidos que los cambios sociales son destinados al fracaso si no
se practican en las relaciones personales los famosos principios de libertad,
igualdad y fraternidad que inspiraron la revolución francesa, pero en gran
parte se quedaron en el aire. Hay que contribuir a “humanizar la especie”,
arman. Saben que la lucha por la igualdad no es or de un día, las mujeres
están desde tres siglos en ello. Estos hombres igualitarios reconocen como
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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una ventaja haber descubierto la posibilidad de expresar entre ellos sus
dudas y sus experiencias, reexionar sobre los modelos familiares
introyectados, basados sobre fuerza, poder, virilidad, y razonar sobre
sus caminos personales llenos a veces de sobresaltos y sufrimientos. De
esta forma consiguen mejores relaciones y mejor vida, y esto es un logro
para todos. Son optimistas sobre el futuro del movimieno igualitario.
A nivel mundial los hombres igualitarios se coordinan en
entidades como Men Engage, HeforShe, Red de Lazo Blanco contra la
violencia de género.
5. el enfoque De lA justiciA rePArADorA, o restAurAtiVA
Cuántas mujeres esperan con terror que su ex pareja violenta salga
de la cárcel, más amargada aún, y determinada a matarlas, como hemos
visto en el caso siciliano. La prisión no siempre ayuda a hacer arrepentir
los violentos, sino que incluso no compensa tampoco a las mujeres de
manera justa. En cambio, el método de la Justicia Reparadora, que tiene
raíces antiguas y todavía se aplica con ecacia, como pude constatar,
también en algunas sociedades indígenas amazónicas y andinas, requiere
que el abusador tenga un proceso de revisión de su comportamiento
y que la víctima solicite una reparación de acuerdo con sus criterios,
( pero no necesariamente cara a cara con su abusador, sino con el apoyo
de amigos o parientes). Ya desde los años ‘80 y ‘90 a nivel de Consejo de
Europa que de la Comisión del Consejo de las Naciones Unidas, algunas
recomendaciones arman la importancia de recurrir, en casos de conictos
de menor gravedad, a formas de pena no custodial (frente al problemático
manejo de cárceles sobre pobladas), pasando por un proceso de mediación,
nalizado a denir modalidades de reparación, y acuerdos de reintegración
económica en favor de las victimas.
El concepto que subjace a estas recomendaciones es que mientras
una medida punitiva como la cárcel destruye la identidad social del reo
sin llegar a una compensación de la víctima y su família, al contrario,
dejándola muchas veces desamparada, el proceso de mediación istaurado
por la Justicia Reparadora trata de llegar a un reequilibrio en las relaciones
entre víctima y reo, valorando también el entorno social.
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Un caso peculiar, que ha atraido de manera especial la atención
del público y de los media en el festival DOC NYC del 2017 en New York,
por enfrentar de manera original el tema de la violencia doméstica, ha sido
el documental “A Better Man”, realizado gracias a un crowfunding de los
dos protagonistas: una ex pareja en que el hombre ha sido un maltratador
de su compañera en los dos años de la relación.
Attiya Khan, una joven de origen asiatica, y su ex pareja “Steve”,
de Ottawa, se habían conocido muy jóvenes, se habían enamorado y había
decidido vivir juntos. Pero al poco tiempo él comenzó a pegarla, ( un día
casi la extranguló), hasta que ella pudo huir. Por años Attiya sufrió de estress
post traumático, y centró su carrera de abogada en apoyar las mujeres en
situación de violencia doméstica, entre Canada y Estados Unidos. Diez
años después de la separación Attiya encontró de casualidad Steve, que
rompió en llanto y le pidió perdón. Y un día en que, en el trabajo de
apoyo a las mujeres se sintió particularmente agotada después de haber
escuchado tantas historias dolorosas, se le ocurrió pensar: ¿Por qué no
hablamos de una buena vez con los hombres violentos? ¿Por qué no
tratamos de descubrir lo que hay atrás de este “impulso” a hacer violencia
a las mujeres? Por eso pidió a Steve de hablar públicamente de esa historia,
frente a una videocamara, sinceramente, crudamente. Era importante que
ella pudiera explicarle los daños que le había inigido, y Steve pudiera
explicitar lo que le había movido a la violencia. Demasiadas veces, cuando
las mujeres daban sus testimonios en juicios o en los media, no eran
creídas. A lo mejor, si hablaba también un protagonista hombre, podían
ser igualmente escuchados los dos. Steve seis meses después aceptó. Dijo
que había buscado la ayuda de un terapeuta pero éste le había cerrado la
puerta. Attiya encontró un co-regista (Lawrence Jackman), y un terapeuta,
Tod Augusta-Scott, que trabajaba con hombres violentos, utilizando la
metodologia de la Justicia Reparadora, que se está practicando en Canada
desde unos 15 años, y solo en los últimos 5 años se está difundiendo como
método ecaz para ayudar las mujeres víctimas de violencia doméstica.
De la confesión de Steve en el documental resultó que también él fue
maltratado de pequeño, y si esto no lo justicaba, era un factor a considerar.
Creciendo, había interiorizado la idea que si amas a una persona y tienes
miedo a perderla, no puedes mostrarte débil y hacerle entender tu miedo,
sino mantenerla bajo tu dominio, domesticándola con la violencia. Una
horrible modalidad para socializar y llevar relaciones. “Muy a menudo en
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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los testimonios y reportajes sobre la violencia doméstica se habla netamente
de “buenos y malos”, víctimas y matones”, explica Attiya en una entrevista
con “e New Yorker”:
pero las cosas muchas veces tienen matices y rasgos particulares. Si
todos observamos más honestamente nuestro comportamiento en
pareja, vemos que no solo los hombres son siempre responsables
de celos excesivos, manipulaciones, mentiras, imponerse en
las discusiones etc. Corrigiendo estas actitudes, habría mejores
relaciones. Es difícil considerar a los hombres violentos, todavía
como personas, pero verlos solo como monstruos no los alienta a
responsabilizarse.
Además, el poder judicial basado en el castigo favorece el hecho
que los hombres tiendan a negar su responsabilidad por lo que
han causado. En realidad, más en que los hombres terminen
en la cárcel, las mujeres estamos interesadas en que termine la
violencia.
1
Realizar el documental resultó para Attiya Khan también como
una terapia. Poco a poco se sintió más ligera, las pesadillas desaparecieron
y se sintió más segura en la calle. Con Steve logró establecer una relación
positiva. Ahora vive en las afueras de Toronto con su esposo y su hijo.
Un caso esto, que demuestra que vale la pena experimentar y
trabajar más el enfoque de la Justicia Reparadora, para llegar al corazón del
problema de la violencia, comprenderlo y superarlo, cuando sea posible.
6. lA trAtA internAcionAl De mujeres y lA Prostitución locAl
Con la caída del Muro de Berlín, ha llegado desde los países del
Este europeo al Occidente una marea de mujeres altas, rubias, istruidas,
apostando a periodos de trabajos temporales para mejorar las acas
economías locales. Muchas cayeron en las garras de hombres de las maas
rusas o albanesas, que a veces les hacían enamorar al comienzo, obligándolas
después a la prostitución. Sucesivamente, los grandes ujos migratorios que
han llevado em estos ultimos años masas de hombres y mujeres africanas
http://laindependent.cat/index.php?option=com_content&view=article&id=7424%3Aa-better-man-un-
home-millor&catid=255%3Aaudiovisuals&Itemid=295&lang=es.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 89
a través del Mediterráneo a Europa, han evidenciado la relación entre el
crimen organizado internacionalmente y el fenomeno de la prostitución.
Mientras el “tráco de seres humanos se reere al traslado consentido
de personas de un estado al otro, la trata se verica cuando hay un engaño
inicial con falsas promesas o violencia hacia personas vulnerables. En
Europa hay aproximadamente un millón de prostitutas, y medio millón
cada año está sometido a trata (datos de la Organización Internacional de
las Migraciones), mientras en el mundo son 4 millones las mujeres y niños
obligados a prostituirse, generando un movimiento de 10.000 millones de
dólares. Cifras escalofriantes.
En Italia, la trata de personas constituye la tercera fuente de renta
para las organizaciones criminales, después del tráco de armas y de droga,
un business que vale entre 3 e 6 billones de euro al año. Aproximandamente
150.000 jovenes migrantes son explotados en trabajos no legalizados, y
entre 50 y 70 mila mujeres son obligadas a la prostitución. Entre ellas
destacan por número las nigerianas, en gran parte adolescentes de edad
entre los 15 y 17 años, con un numero creciente de niñas de 13 años. Según
los testimonios recogidos por Save the Children, las chicas están dispuestas
a migrar por benecio de la família extensa, que es todo para ellas. Reparar
un techo que gotea, comprar medicinas para la mama enferma, y quizás
algun día estudiar, son sus objetivos cuando deciden cruzar el desierto y
arriesgar la vida para cruzar el Mediterráneo. Muchas veces son reclutadas
por madames que viajan por los pueblos pobres ostentando riqueza, o
por conocidos, hasta por hermanas que ya viven en Italia, que les ofrecen
trabajos de peluquera, o servicios domésticos. Una vez convencidas, deben
hacer un ritual juju o voodoo, tomando un asqueroso brebaje preparado
con líquidos orgánicos que las mantendrá sujetas psicológicamente,
empeñándolas a devolver a su contratante la deuda contraida por el viaje,
alojamiento en Italia, vestuario etc. Descubrirán que se trata de cifras
espantosas, de 20.000 a 50.000 euro. Tendrán que pagar un alquiler no
solo por donde viven, sino también por la acera que ocupan en la noche,
con un gasto desde 100 a 250 euro mensuales, beneciando la maa local.
Mientras el número de las chicas africanas en la calle iba
creciendo, y ya no se podía ignorar en nuestro medio, han comenzado
a surgir iniciativas dignas de relieve, de parte de ONG, organizaciones
religiosas e instituciones públicas.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
90 |
Quiero mencionar entre ellas la actividad de Esohe Aghatise, una
abogada nigeriana que en 2007 recibió el Tracking in Persons Hero Award
de parte del Dipartimento de Estado de los Estados Unidos. Aghatise,
docente de derecho del petróleo, vino a Italia hace 27 años inicialmente
solo por una beca, pero decidió quedarse y fundar en 1998 la asociación
“Iroko”, para ofrecer alternativas a las prostitutas que quieren salir de la
calle. A la vez produjo un documental dirigido a las mujeres intencionadas
a partir, en Nigeria, para alertarlas sobre los peligros que la asechaban. “El
problema es social, no solo de unas cuantas ONG.”, ha repetido Esohe
Aghatise en decenas de conferencias y debates a nivel internacional, como
experta de la CATW (Coalition Against Traking in Women), de las
Naciones Unidas, y en una larga conversación que tuvimos en 2013.
“Si no hubiera demanda, no hubiera explotación de mujeres
y niños en redes internacionales. Hay que dirigirse a los potenciales
clientes”, arma, “y atacar el mito de la “necesidad del hombre” que debe
ser satisfecha como sea, donde sea, con quien sea, sin preguntarse en
qué condiciones ejerce este trabajo la mujer que tienes de frente. ¿Cuán
arraigada es, en los varones, la división de la feminidad en tres: la madre,
santa” de puro amor incondicional; la esposa, para el hogar, los hijos y
las tradiciones religiosas; la “puta”, para instinto y fantasías sin fronteras?
Aghatise recuerda además que en una investigación desarrollada en 5 países
europeos, a la pregunta “¿por qué pides el servicio de una prostituta?”, la
respuesta de muchos varones no fue, como podía esperarse, “por sexo”,
sino “por el poder de sentirme hombre, sin tener que dar explicaciones a
nadie, sin tener que esforzarme en cortejos”, o también “por poder expresar
todo el desprecio hacia mi jefe, mi mujer, o quien sea, que en lo cotidiano
no puedo expresar”. En n, la prostituta como válvula de escape por las
malas relaciones sociales, al par del alcohol o de las drogas. ¿No valdría
la pena, entonces, mejorar estas relaciones? “Hay que distinguir entre la
prostitución libre y voluntaria (minoritaria) y la prostitución por necesidad
económica, falta de oportunidades, esclavitud encubierta”.
En Italia un sindicato de trabajadoras sexuales locales pide
simplemente mejores garantías para ejercer en seguridad. ¿Y las demás?
Claro, la abolición de la prostitución es una utopía, sobre todo en tiempos
como los nuestros en que los partidos de derecha piden defender “la família
tradicional” y tratan de reabrir los burdeles abolidos por ley en el posguerra.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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| 91
Fue una utopia también, en su tiempo, la abolición de la esclavitud de
los africanos en las plantaciones de algodón del Sur de Estados Unidos,
las “que el viento se llevó”. Sin embargo, alguien debe imaginarlo, antes
de que exista, un mundo donde los géneros se expresan y encuentran en
libertad y respeto, sin necesidad de compraventa, opina Aghatise. “Suecia,
Noruega, Islandia, han apostado a abolir la prostitución, y los tracantes
ya no prosperan con ella. En Noruega, hablando con los jóvenes, en los
pequeños pueblos, entendí como se puede apostar a otra forma de
sociedad. El adolescente que es conducido por el padre, (a veces hasta
forzado si es homosexual), a iniciarse en su virilidad con una prostituta, es
parte de una sociedad patriarcal que podemos superar.
También Francia ha decidido intentarlo, apostando a una ley
abolicionista en 2016 que ha levantado una polvareda en la sociedad, por
multar a los clientes y depenalizar las prostitutas. “No me toquen mi puta”,
protestaron en un documento público más de 300 intelectuales. Tres años
después, la sección francesa de Médicos del Mundo avisa que la situación
económica y de seguridad de muchas entre las 40.000 prostitutas que
trabajan en Francia se ha fragilizado, y todavía son insucientes las ayudas
nancieras ofrecidas para dar una alternativa a la calle. Por otro lado, las
asociaciones abolicionistas reconocen que el camino es largo, pero está
aumentando el número de mujeres que decide buscar alternativas de vida.
El debate sigue encarnizado.
Entre los que rechazan rmemente la prostitución, asociándolo
a la trata de personas y a la degradación de la mujer, hay el movimiento
Zeromacho, presente a nivel mundial en 56 países. En una reciente
iniciativa sobre el tema en Barcelona, hubo testimonios de hombres
a quienes la empresa ofrecía un “ticket” con prostitutas como parte del
paquete de un viaje de negocios o la participación en ferias del auto, u
otro tipo de eventos comerciales masivos. No de casualidad, España es el
primer país en Europa y tercero en el mundo en consumir prostitución.
Pero pocos hombres, decían los activistas de Zeromacho, se preguntan si
las prostitutas con quienes pasan un rato agradable, ejercen este trabajo
por libre elección, o son víctimas de trata, o han sido obligadas por la
necesidad. También para este movimiento muchos hombres, yendo con
prostitutas, quieren simplemente rearmar su poder masculino sin tener
que reconocer los derechos sexuales, civiles y sociales de la mujer. Un
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
92 |
profesor refería que las chicas de su instituto eran invitadas por hombres
mayores a prestar servicios sexuales, de forma discreta, sin que las familias
se percataran.
En Estados Unidos es muy conocido el fenómeno de las “Sugar
Baby”, una red creada por un informático coreano en Estados Unidos para
poner en contacto ricos ancianos con chicas en apuros económicos, que
aceptan prostituirse por temporadas, muchas veces para pagarse los estudios
universitarios, que deberían poder ser accesibles a todos. Practicamente se
basa em la banalización del cuerpo, considerado como un conjunto
de piezas que pueden ser comercializadas en el mercado. (Recientemente
apareció un aviso en un baño de la universidad de Harvard: “Se paga
10.000 dolares el óvulo de una estudiante”. Alguien evidentemente valora
la genética).
Regresando a Zeromacho, su estrategia apunta a informar la
población sobre el drama de la trata, para que disminuya la demanda
de la prostitución. De hecho, hasta el momento las políticas públicas
se encuentran frente al dilema de tener que proteger las prostitutas,
permitiéndoles trabajar, por un lado, y por el otros punir los proxenetas
y los clientes. Una situación compleja cuando no contradictoria. Si las
chicas son explotadas y quieren salir de la prostitución, hay que ofrecerles
alternativas. En Noruega, uno de los tres avanzados países nordicos (Suecia,
Noruega e Islandia) que han sido los primeros en el mundo a despenalizar
las prostitutas y penalizar los clientes, todavía son pocas decenas las mujeres
víctimas de trata que han pedido apelarse a la ley, mientras el resto de
mujeres vive en el terror a ser matadas.
En Italia, para contrastar la trata internacional, en el marco de
un proyecto europeo CoEspu-OSCE, opera en un cuartel de la ciudad de
Vicenza un nucleo nacional del Arma de Carabineros, especializado en
la formación de ociales italianos y extranjeros. En la sociedad civil los
operadores de las diferentes asociaciones tratan de encontrar modalidades
comunes de trabajo dirigidos a personas victimas de explotación sexual,
con protocolos que pongan la persona al centro de las intervenciones de los
vários servicios sociales, actuando en sinergia. Por ejemplo, en el proyecto
N.A.Ve (Network Anti-trata per il Veneto) colaboran la Municipalidad
de Vicenza, la cooperativa Equality y la asociación Mimosa, con expertos
y expertas en educación, psicología y mediación linguistica transcultural,
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 93
y en derechos humanos, reunidos en “unidades de calle” en las zonas
nocturnas frecuentadas por las jóvenes prostituidas.
Para ellos y ellas lo fundamental es no tener una actitud de juicio
sino de escucha y acogida, para construir una relación de conanza con
las chicas y buscar posibilidades concretas para salir de la situación de
explotación. Por otro lado, el proyecto NA.Ve promueve la campaña
nacional “Questo è il mio corpo”, (este es mi cuerpo), recogiendo rmas
para pedir al Parlamento que se reconozca por ley el cliente entre los
responsables de la explotación sexual de las mujeres.
Entre las “casas-familia” que acogen las victimas de trata que quieren
salir de la explotación es muy conocida la “Comunidad Papa Juan XXIII”,
fundada por don Oreste Benzi. Allí, a las chicas no se pregunta “¿Cuánto
quieres?”, sino “¿Cuánto sufres?”, y pueden reelaborar sus heridas. La
experiencia de vivir en famílias extensas donde hay niños, jóvenes, adultos y
ancianos se vuelve fundamental para reconstruirse como mujeres.
Para concluir, el debate sobre la prostitución seguirá sacando
chispas, hasta cuando la prostitución se quedará como última opción para
amas de casa o estudiantes que deben pagar alquiler o estudios. Y todas las
leyes se quedarán cortas si la gente de a pie, y sobre todo los hombres, no se
cuestionarán sobre la “normalidad” de roles y comportamientos sexuales que
hieren la dignidad de las personas más vulnerables, en contextos de crisis.
construyenDo futuro
Aquí termina esta reseña a vuelo de pájaro sobre los problemas y
luchas de las mujeres en un mundo enfermo. “Hemos creido poder seguir
caminando imperterritos, seguir siendo sanos en un mundo enfermo”, dijo
recientemente al mundo papa Francisco, solo bajo la lluvia desde una
enorme plaza vacía, en un silencio ensordecedor roto solo por las sirenas
de las ambulancias. Es un mundo en que sobre todo las mujeres sostienen
con sacricio y pocos reconocimientos la fragilidad humana, en las casas
hacinadas de familiares en las periferias urbanas, o produciendo alimentos
en los rincones más aislados y duros del planeta, o en primera linea en los
hospitales, donde juntos a los pocos/muchos “hombres de buena voluntad
están haciendo esfuerzos, arriesgando su vida, para salvar vidas y crear
nuevas actitudes, y nuevas leyes más humanas. El mundo “enfermo” al
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
94 |
que estamos acostumbrados ahora debe ser repensado, y se encuentra en
una disjuntiva... En la crisis economica global provocada por la pandemia,
¿tendremos que asistir pasivamente al conocido espectáculo en que los
buitres de las nanzas, de la telecomunicación, de la inteligencia articial,
del crimen organizado se lanzarán como en las anteriores crisis para devorar
las economías más debiles, profundizando las desiguadades, o podrán brotar
y crecer más y más los espacios de creatividad, justicia, equidad?
Cuando pienso en “creatividad” y “futuro”, me vienen a la
mente las imágenes de un documental, realizado por dos jóvenes directores
francese, Cyril Dion y Melanie Laurent, recogiendo en crowfundind más
de 400.000 euros entre 10,000 pequeños donantes, para viajar y buscar
en los cinco continentes experiencias novedosas y exitosas en temas de
agricultura, nanzas, producción, transportes, democracia, educación,
capaces de contrarrestar el apocalipsis ecológico que se viene si seguimos
en el actual modelo económico depredador. El documental, “Mañana,
que tuvo solo 9 espectadores en la primera proyección en el diciembre del
2015, se exhibió en París en la COP 21, actualmente se presenta en 30
países, movilizando creatividad y energías de millones de personas a actuar
para “otro mundo posible”.
Me vienen a la mente también las imágenes de Sinal do Vale, una
fazenda clavada em el corazón de Brasil, en un espléndido resquicio de la
mata atlantica, a 40 km de Rio de Janeiro. Es una fazenda organica de 200
acres que desde 2012 se ha puesto el objetivo de unir la dimensión local con
la global. A nivel local realizando reforestacion, saneamiento ambiental,
mejoramiento de la alimentacion infantil, a nivel global ofreciéndose como
laboratorio vivo de transición a la sostenibilidad ambiental. Sinal signica,
justamente, Sincronicitá, (con el nuevo espiritu global) Inovación, Alegria,
trabajando con levedad y optimismo, incluyendo quizás un pizca de magia,
o rara intuición, sabiendo ver conexiones y posibilidades donde la mayor
parte de las miradas se para.
Aqui, en Sinal do Vale, no se habla por hablar. La fundadora de
este centro de investigación y experimentación es una mujer brasileña de
familia galiciana, ais Corral, especialista en sueños realizados. Uno, en
que trabajó voluntariamente en equipo por veinte años, fue el de hacer
hablar también las mujeres menos instruidas, y aisladas en los rincones
más perdidos de Brasil, sobre sus dicultades, sus sueños y proyectos para
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 95
mejorar su vida y la de su comunidad, a través de unos 400 programas
radios de “Fala Mulher”. Otro sueño realizado ha sido la implementación
de un modelo de producción agroforestal “Adapta sertao”, para adaptar el
habitat semiarido del Nordeste a la creciente sequia. Un modelo que ha sido
replicado en otros lugares, recibiendo premios internacionales. El interése
ambiental de ais Corral viene de lejos, al menos desde su participación
en la Cumbre de la Tierra en Rio de Janeiro en ‘92, cuando las redes de
mujeres allí presentes plantaron la tienda “Planet Femina”, volviéndose
agentes de cambio global. Desde Silicon Valley a las Naciones Unidas han
llegado reconocimientos a la extraordinaria capacidad de ais Corral en
motivar personas, equipos y redes a crear soluciones a los problemas, y
difundirlas.
En Sinal do Vale tuve la suerte de conocer, hace un par de años,
algunos jóvenes provenientes de varios continentes, allí reunidos para
intercambiar ls experiencis innovativas que estaban realizando en sus
paises. Entre ellos, no voy a olvidar Abigail Michael, nigeriana, que ha
creado un hub, el Youth Africa Innovation, como punto de encuentro para
la joventud innovadora de Africa, además de producir una máquina que
ahorra tiempo y esfuerzo a las mujeres en exprimir la mandioca. No voy a
olvidar una minuta joven cambogiana, Sokhema Nara, que ha enfrentado
el problema del desempleo juvenil nanciando en crowfunding proyectos
de reciclaje dirigidos a 10.000 jóvenes de las provincias, pidiendo al
gobierno integrarlos en politicas publicas.
Entre los brasileños presentes, no puedo olvidar Guilherme Lito,
el joven empresario que quiere producir con “cero residuos”, y al mismo
tiempo “creando felicidad” en la fábrica. O Charles Siqueiera, bailarín ex
dirigente de banco, que dejó su cómodo trabajo para mudarse en una favela
de Rio (“con el mejor panorama del mundo”, asegura), difundiendo el arte
y la belleza de murales en lugares degradados, además que crear videogames
con los jóvenes. O Silvia Wodzinska, la animosa chica polaca que ha
creado con otras compañeras una web para hacer hablar de sexualidad y
emociones a las adolescentes en un ambiente represivo...
Nos alegra la creatividad que vemos brotar en desiertos o periferias
urbanas, en escuelas o laboratorios, sobre todo cuando, poniéndose en
red, van a fundirse con las grandes corrientes de transformación que se
están dando, contra vientos y mareas, en el mundo. Algunas las señalan
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
96 |
investigadores como Naomi Klein o Salvoj Zizek, pero es algo que también
la mayoría de nosotras siente reales, y fuertes, como una lava interior. Son
simplemente” estas:
Los gobiernos tendrán que implementar sistemas sanitarios
más ecientes, formas de renta básicas garantizadas, redes de transportes
públicas (Johonson está nacionalizando temporalmente los ferrocarriles,
Trump ordena qué producir a industrias privadas), más apoyo para el
cuidado de todos los miembros de la familia, desde los niños a los ancianos,
sin dejar la tarea en las espaldas de las mujeres.
La gente vive ahora un imperativo paradojico: mostrar solidaridad
distanciándose. Pero tiene más tiempo, quizás por primera vez, para
pensar en la importancia de un bien desde tiempo despreciado en favor
del individuo, el bien común. Solidaridad global y colaboración entre
países, se está viendo, son la única vía para salir del caos. Ya no es tiempo
del orgulloso y mezquino “Primero Nosotros”, armado y difundido por
varones narcisistas. El patriarcado deberá dejar de ser el sistema que rige un
mundo, por haberlo dejado derrumbar.
Tenemos tiempo de pensarlo, y volvernos parte activa del cambio.
Quizás podamos vivir con menos dinero, pero no sin utopias.
Pues “si el miedo tendrá siempre más argumentos, tú escoge la
esperanza”. Lo dijo, hace casi dos mil anos, Seneca, en el imperio oscuro
de Nerón. Y sigue siendo válido.
referênciAs
BRANDAO, C. R. Nos, os humanos, do mundo a vida, da vida a cultura. São Paulo:
Cortez, 2012.
LUCERON, J. F. de Q. Hombres para el siglo XXI, semblanzas de hombres feministas.
Madrid: SL Bubok Publishing, 2016.
MACLEAR, K. Los pajaros, el arte y la vida: porque lo pequeño es hermoso: historia de
una recuperación. Barcelona: Ariel, 2017.
| 97
N    
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G
Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos
Diana Patrícia Ferreira de Santana
1. introDução
Como fazer uma avaliação inicial sobre o tema da questão sexual
nos cadernos carcerários de Antonio Gramsci? Esta é a questão central que
motiva este ensaio.
A questão sexual é o termo usado por Antonio Gramsci para
referir-se a temáticas contemporaneamente ans ao gênero e ao feminismo.
Esta é a hipótese embrionária que orienta o argumento a ser desenvolvido
Texto publicado na Revista Movimentação, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal da Grande Dourados (V.4, N.07, 2017).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
98 |
neste texto. A respeito dos temas de gênero e do feminismo, duas ressalvas
importantes são necessárias.
Primeiro, não se quer sugerir uma confusão entre gênero e
feminismo, duas categorias distintas e bastante complexas, não sendo o
objetivo deste artigo discuti-las em profundidade. Grosso modo, dene-
se a primeira como a construção material, social, cultural, histórica, etc
das imagens, signicados, identidades, papéis coletivos e individuais
relacionados ao homem e à mulher, tendo sido a antropóloga Gayle
Rubin (1975) a pioneira ao enunciar tal categoria. Também de forma
bastante simplicada dene-se o feminismo como um complexo
conjunto de distintas visões de mundo que possuem em comum a
temática das lutas das mulheres por seus direitos e por sua emancipação,
considerando-se o signicado e construção de caráter histórico do
patriarcado e da opressão masculina.
Segundo, não se quer enveredar por nenhum tipo de anacronismo
ao associar Gramsci e seu tema em pauta – com escritos de especial foco
neste texto redigidos entre 1929 e 1934 em seus cadernos carcerários – a
uma categoria, neste caso especíco, gênero – de lavra original de 1975. A
justicativa para tal associação se encontra na própria ressignicação histórica
de categorias sugerida por Gramsci metafórica e metodologicamente
como “tradução”, um novo signicado de conceitos em termos históricos,
sociais, políticos, éticos, morais, culturais, etc, ponto coerente com o
historicismo absoluto que caracteriza seu pensamento. Gramsci enunciou
que uma tradução não mecânica ou esquematicamente genérica, orgânica,
profunda, rica e complexa só atinge sua consecução no âmbito da Filosoa
da práxis, léxico por ele utilizado para se referir ao materialismo histórico
(GRAMSCI, 1975, p. 1468). A tradução como a ressignicação coerente
em questão de outras idéias e categorias de autores com aparatos teóricos
alheios ao marxismo, permite assim compatibilizá-los com o materialismo
histórico e viabilizaria também evitar uma perspectiva eclética com a
presença de formulações incompatíveis ou estranhas à Filosoa da práxis.
Acima de tudo, a tradução e a contextualização de categorias no âmbito do
materialismo histórico ensejam uma historicidade e um caráter dialético
– de permanente transformação - pautado pela ausência de signicados
estáticos, únicos. Portanto, ponto coerente com a historicidade dinâmica de
idéias – e obviamente com historicismo absoluto de Gramsci - e conceitos
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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na qual a categoria de gênero se insere como contribuição relevante na
trajetória de novos referenciais analíticos para enriquecer o marxismo.
Justica-se também o entendimento acima da questão sexual pelo
fato de que Gramsci não se refere de forma simpática aos termos “feminismo”,
machismo” e “machista”. A título de explicação, o termo “feminismo
aparece seis vezes em seus escritos nos cadernos (GRAMSCI, 1975, p. 130,
p. 902, p. 1792, p. 2160). Em nenhum deles, Gramsci o emprega de forma
simpática ou posicionando-se favoravelmente. Ao contrário, quando não
refere a eles de forma mais descritiva aludindo à história da unicação
nacional italiana e à literatura da península – nos termos assistemáticos,
incompletos e fragmentários da escrita carcerária gramsciana -, o faz, por
vezes, entre aspas com conotação irônica, pejorativa, dando a entender
tratar-se de algo contrário ao sentido emancipador da mulher (GRAMSCI,
1975, p. 2160). Também os usos dos termos “machismo” (GRAMSCI,
1975, p. 2160) e “machista” (GRAMSCI, 1975, p. 130, p. 302, p. 2160,
p. 2286) aparecem entre aspas nos seus escritos. Conforme já explicou
Álvaro Bianchi, o uso das aspas denota o não pertencimento à losoa
da práxis, ao passo que o mesmo vocábulo ou expressão em momento
posterior sem as aspas signica uma incorporação ao aparato gramsciano
com um signicado um pouco diferente (BIANCHI, 2008, p. 52). Ainda
que seja redundante reiterar isto, diferentemente do raciocínio exposto por
Bianchi, ressalta-se que os termos mencionados não aparecem sem aspas
nos cadernos carcerários gramscianos, não sendo, portanto, incorporados
ao léxico gramsciano. Acrescente-se, por m, que Gramsci, assim como
a maioria de seus contemporâneos marxistas, não era muito uente nas
questões do feminismo de sua época (HOLUB, 1992, p. 189).
O texto percorrerá as seguintes etapas: uma denição e discussão
do tema da questão sexual conforme Gramsci, um cotejo de dois momentos
diferentes de sua lavra carcerária - o parágrafo 62 do caderno carcerário 1
2
e o parágrafo 3 do caderno carcerário 22
3
- sobre a categoria em pauta e
alguns de seus nexos e contextos abordados sumariamente, com uma breve
Um texto catalogado na edição crítica italiana dos cadernos carcerários gramscianos organizada pela equipe de
pesquisadores coordenada por Valentino Gerratana (GRAMSCI, 1975) como um texto “A”, isto é, de primeira
redação. Foi escrito provavelmente entre fevereiro e março de 1929 (FRANCIONI, 1984, p. 140).
Um texto classicado na edição crítica dos cadernos carcerários gramscianos (GRAMSCI, 1975) como um
texto “C”, ou seja, um texto de segunda escrita em relação ao texto de primeira lavra classicado como “A”, com
alterações ou não. Neste caso especíco, há alterações da primeira para a segunda redação. Escrito provavelmente
entre fevereiro e março de 1934 (FRANCIONI, 1984, p. 145).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
100 |
conclusão com o resumo dos principais argumentos e o ensejo para novas
reexões sobre o tema em tela.
1. umA AborDAGem introDutóriA à questão sexuAl nos cADernos
De GrAmsci
Adam Morton (2007, p. 104) destaca a inadequação do termo
questão sexual” para tratar do que seria contemporaneamente designado
como gênero, uma outra justicativa para a hipótese embrionária aqui
trabalhada. Como se sabe e já destacou Gayle Rubin (1975, p. 204) ao
enunciar pioneiramente tal categoria, não se pode pautar a discussão
envolvendo papéis masculinos e femininos somente em uma perspectiva
biológica ou no mote sexo-gênero na medida em que a opressão exercida
sobre homens e mulheres se dá também na obrigatoriedade de exercer
sexualidades e papéis sexuais. Neste momento da argumentação, Rubin
justica nal e sutilmente porque avalia ser mais adequada a terminologia
gênero” do que “sexo-gênero”. Rubin culmina com esta formulação após
interessante diálogo construtivo com várias tradições intelectuais, inclusive
em pontos que avalia como muito pertinentes das formulações de Marx e
Engels para, inclusive, um maior aprofundamento e desenvolvimento de
teses dos cânones do materialismo histórico sobre o papel histórico das
mulheres. A tradução e, conseqüentemente, a ressignicação da questão
sexual tal como tratada por Gramsci para uma abordagem nos termos de
gênero poderia ser um ponto coerente com sua preocupação em termos de
um raciocínio adequado de suas categorias à transformação e dinamismo
históricos – inclusive de categorias -, algo relacionado àquilo que ele
chamou de historicismo absoluto.
A sua reexão sobre a questão sexual compõe, em parte, a
discussão sobre a hegemonia enquanto concepção de mundo mais
ampla. Na sua forma completa a hegemonia tem inúmeros aspectos e
componentes em termos ideológicos, ético-políticos, econômicos, sociais,
morais, sexuais, culturais, históricos, econômicos, militares etc. Formada
pelo nexo orgânico entre força e o predomínio do consenso por meio da
sociedade civil, ela implica na dominação e, principalmente, na direção
de um grupo ou fração de elite ou classe sobre outros extratos sociais.
A forma completa de hegemonia remete principalmente a radicais e
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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profundas transformações em termos de concepção de mundo, tomando
como exemplos a fase jacobina da Revolução Francesa e a Revolução Russa
de Outubro de 1917.
Um dos contextos nos quais a questão sexual é tratada por Gramsci
remete ao já mencionado caderno carcerário 22 (intitulado “Americanismo
e Fordismo”) no qual aborda (GRAMSCI, 1975, p. 2139-2181) vários
aspectos da nascente hegemonia norte-americana analisada em termos de
hipótese de uma revolução passiva, uma forma incompleta de hegemonia
que se relaciona a uma transformação conservadora em que predomina
a força exercida através do Estado e não da sociedade civil, em que há a
incorporação de algumas demandas das classes e grupos subalternos e a
cooptação de alguns de seus membros, sem dar protagonismo a tais classes
e grupos. Esta é uma denição bem grosseira da revolução passiva, dado
que a historicidade de tal categoria nos cadernos prisionais de Gramsci
refere a contextos bem particulares e distintos nos quais ela é sugerida
para análise em termos de hipótese: o processo histórico italiano desde a
unicação no século XIX até o fascismo no século XX, o processo histórico
francês no século XIX e o processo histórico norte-americano no início
do século XX. Uma outra hipótese enunciada nos cadernos, mas não
desenvolvida, é de que a revolução passiva poderia ser a chave histórica
para as análises da maioria dos processos históricos posteriores à Revolução
Francesa em termos dos nexos nacionais com o âmbito internacional,
conformando um sistema internacional pautado por uma passivização – e,
conseqüentemente, uma neutralização – em relação à formação de uma
nova vontade coletiva de cunho popular (GRAMSCI, 1975, p. 1560).
Por sua vez, a nascente hegemonia estadunidense é retratada em
contexto amplo em que a temática relacionada às mulheres é abordada.
Em rápido cotejo com o plano europeu, Gramsci constata a existência
de condições sociológicas, demográcas muito mais favoráveis a uma
hegemonia dos Estados Unidos em termos de um terreno fértil para
uma nova concepção de mundo que tem no seu conteúdo Fordista algo
bem mais amplo do que um modelo de gestão. Além de uma estrutura
de classes muito mais favorável do que o velho continente, despida de
elementos intermediários parasitários e menos favoráveis à produção em
massa, os Estados Unidos tiveram nas suas relações fundamentais alguns
componentes relevantes na sua formação e trajetória histórica no sentido de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
102 |
racionalizar nervos e músculos para a intensicação da produção. A busca
desta nova disciplina fabril tinha o ensejo inicial na própria fábrica, como
escreveu Gramsci (1975, p. 2146), em termos até de um salário maior, mas
sem a possibilidade de sindicatos abrangentes em sua base territorial e sim
pulverizados por local de trabalho. Tal lógica também não tinha a intenção
de minorar a exploração do trabalho pelo capital. A reorganização de tais
relações sociais e de posturas a serem exigidas dos operários em contexto
proibicionista do álcool, do controle sobre as posturas dos operários
após o trabalho incidia também sobre o conjunto de temas que Gramsci
catalogou como “questão sexual”. Incluía também uma visão de consumo
moderada, com a poupança de dinheiro – visando obviamente o consumo
- e se comportassem em termos de uma vida “regrada” e monogâmica fora
do trabalho. Henry Ford, fundador da montadora homônima, chegou a
enviar em 1916 assistentes sociais às casas de seus trabalhadores para que
checassem tais posturas (HARVEY, 1992, p. 126).
Tratemos de forma mais especíca do tema a seguir.
2. Dois momentos sobre A questão sexuAl nos cADernos Do
cárcere
O contexto de idéias de grande repercussão no período da escrita
gramsciana é um dos pontos relevantes a ser contemplado a respeito da
compreensão da questão sexual, dentre elas as de Freud, o fundador da
psicanálise, perspectiva analítica da psiquê humana que coloca em grande
relevo a sexualidade. Assim, a racionalização do instinto sexual no esteio
do que era considerado apropriado para tais operários a m de possuir
nervos e corpos adequados à nova e intensa produção em massa se inseriria
não somente no rol das questões atinentes às mulheres. Além disto, há que
se considerar os nexos das questões atinentes às mulheres com o tema da
sexualidade na relação e com o enorme impacto cultural das elaborações de
Freud no campo da psicanálise.
A abordagem da psicanálise freudiana possui uma complexa
relação com o pensamento e a vida de Gramsci - em particular suas cartas
trocadas com a esposa Giulia (GRAMSCI, 1973), que fazia tratamento
psiquiátrico e psicanalítico na União Soviética. Todavia, ressalve-se que
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 103
Gramsci entrou em contato com o aparato freudiano apenas de forma
indireta, sem ler, portanto, os originais ou traduções dos textos do médico
austríaco. A relação complexa em questão, em sua profundidade, não se
constitui no foco prioritário deste texto
4
.
O próprio Gramsci ressalva o amplíssimo papel da questão sexual
(GRAMSCI, 1975, p. 2147). Assim, Gramsci enumera vários aspectos.
Dentre eles, na linha de raciocínio que antecede o trecho que constitui
o foco principal desta breve análise, Gramsci constata a percepção sobre
a sexualidade feminina oscilante entre o ideal estético do “esporte” e da
reprodução ou do que chama de “brinquedo” (GRAMSCI, 1975, p.
2148). Escrito de outra forma, a mulher vista como um verdadeiro objeto
ou algo menor, acessório, desprezível frente ao homem.
Em seguida, Gramsci analisa vários aspectos históricos e
sociológicos que incidem sobre a avaliação da hegemonia que tangenciam
a Europa e os Estados Unidos. Posteriormente, enuncia o trecho que se
constitui em um dos focos centrais de análise deste ensaio. O trecho em
questão é uma retomada com alterações (um texto “C” assim catalogado
na edição crítica dos cadernos) de um texto “A” (de primeira redação).
Comparemos e destaquemos trechos e palavras em comum de ambos:
Quadro 1 – Comparativo entre textos A e C sobre a questão sexual
Texto A Texto C
A mais importante questão é a defesa da
personalidade feminina: já que a mulher
não realmente conseguiu uma independência
em face do homem, a questão sexual estará
repleta de aspectos mórbidos e terá a
necessidade de cautela em lidar com ela e em
elaborar conclusões legislativas. A abolição
da prostituição legal irá trazer consigo
imediatamente muitas diculdades: além da
frustração que acontece com qualquer crise
de compressão. Trabalho e sexualidade. É
interessante como os industriais americanos
estão preocupados com as relações sexuais
de seus empregados: a mentalidade puritana,
no entanto, busca uma necessidade óbvia: não
pode haver trabalho produtivo intenso sem
A mais importante questão ético-civil ligada
à questão sexual é a da formação de uma
nova personalidade feminina: enquanto a
mulher não tiver alcançado não apenas uma
real independência em face do homem,
mas também um novo modo de conceber a
si mesma e a seu papel nas relações sexuais,
a questão sexual continuará repleta de
aspectos mórbidos e será preciso ter cautela
em qualquer inovação legislativa. Toda crise
de coerção unilateral no campo sexual traz
consigo um desregramento ‘romântico’,
que pode ser agravado pela abolição da
prostituição legal e organizada. Todos estes
elementos complicam e tornam dicílima
qualquer regulamentação do fato sexual e
Para uma excelente avaliação sobre a relação entre o pensamento e a vida de Gramsci com as elaborações de
Freud, consultar BONI, 2017.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
104 |
regulação do instinto sexual
5
(GRAMSCI,
1975, Q1, §62, p. 73-74, tradução nossa,
grifo nosso).
qualquer tentativa de criar uma nova ética
sexual adequada aos métodos de produção
e de trabalho. Por outro lado, é necessário
encaminhar esta regulamentação e a criação
de uma nova ética. Deve-se observar como
os industriais (especialmente Ford) se
interessavam pelas relações sexuais de seus
empregados e, em geral, pela organização
de suas famílias; a aparência de ‘puritanismo
assumida por este interesse (como no
caso do proibicionismo) não deve levar a
avaliações erradas; a verdade é que não se
pode desenvolver o novo tipo de homem
exigido pela racionalização da produção e
do trabalho enquanto o instinto sexual
não for adequadamente regulamentado, não
for também ele racionalizado (GRAMSCI,
1975: Q22, §3, p. 2149-2150, destaques
nossos)
6
”.
Fonte: Elaborado pelos autores.
A fragmentária, incompleta e descontínua graa de Gramsci na
prisão fascista é exemplicada pelo comparativo acima demonstrado. São
trechos que distam provável e aproximadamente cinco anos um do outro.
Eles possuem em comum, entre outros pontos, as palavras e expressões da
personalidade feminina e a mais importante questão que a tangencia, a
ausência de consecução da independência da mulher frente ao homem, além
da enorme morbidade da questão sexual, a necessidade de cautela para lidar
com tal tema, inclusive no que se refere ao aspecto das leis concernentes.
Também interseccionam os dois trechos os aspectos mórbidos da questão
sexual, a preocupação com a abolição da prostituição legal, com o trabalho,
o instinto sexual, os industriais e seu interesse pelas relações sexuais de
Assim escrita no original (GRAMSCI, 1975, p. 73-74): “La quistione più importante è la salvaguardia della
personalità femminile: nché la donna non abbia veramente raggiunto una indipendenza di fronte all’uomo,
la quistione sessuale sarà ricca di caratteri morbosi e bisognerà esser cauti nel trattarla e nel trarre conclusioni
legislative. già molte dicoltà: oltre allo sfrenamento che succede a ogni crisi di compressione. Lavoro e
sessualità. È interessante come gli industriali americani si interessino delle relazioni sessuali dei loro dipendenti:
la mentalità puritana vela però una necessità evidente: non può esserci lavoro intenso produttivo. L’abolizione
della prostituzione legale porterà con sé senza una regolamentazione dell’istinto sessuale”.
A tradução deste trecho do caderno 22 foi extraída de um dos volumes da edição brasileira dos cadernos
carcerários gramscianos organizada e traduzida por Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sergio Henriques e Marco
Aurélio Nogueira (GRAMSCI, 2001, p. 75-76). A referência usada nesta comparação designa “Q” como o
número do caderno carcerário e “§” o número do parágrafo.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 105
seus empregados e a relação disto com um ritmo de trabalho mais intenso,
convenientemente travestido por um decoro puritano.
A análise da questão sexual inserida no quadro mais amplo de
uma hegemonia – esta última, manifestada pela expressão “questão ético-
civil” - no texto de segunda redação é realizada quando Gramsci anuncia
a necessidade de uma nova emancipação feminina frente ao homem e à
histórica estrutura patriarcal, cuja transformação será inócua se car somente
no âmbito da mudança das leis. Na primeira lavra, a personalidade feminina
emancipada não é associada à hegemonia, ao conjunto de aspectos que
fundam uma concepção de mundo, uma “questão ético-civil”
7
. Não se deve
ignorar a intenção de Gramsci anunciada logo no início do plano dos seus
cadernos de tratar da temática do Americanismo e do Fordismo na lista dos
temas que pretendia abordar em sua escrita (GRAMSCI, 1975, Q1, p. 5).
Assim, deve-se considerar também que os distintos ritmos de sua elaboração
pouco a pouco ampliaram o escopo de sua formulação, introduzindo assim
a temática da hegemonia e da congênere Fordista posteriormente.
Ainda nos textos “A” e “C” em tela, aparece o tema da “prostituição
legal e organizada”. Gramsci parece, entre outros pontos, aludir a
uma passagem que é grafada mais adiante no caderno 22. Menciona a
proliferação da mentalidade da prostituição real e a sua efetivação no
tratamento às mulheres ao ser travestida por frágeis formalidades jurídicas
(GRAMSCI, 1975, Q22, § 11, p. 2168-2169). Industriais milionários
que tratam suas lhas e mulher como “mamíferos de luxo”, os concursos
de beleza – dentre eles, um que envolveu em 1926 30.000 italianas que
enviaram fotos em trajes de banho para a companhia cinematográca Fox -,
o teatro, os concursos para atores cinematográcos, o “tráco de mulheres
legalizado para as classes altas e a permissividade envolvendo casamentos e
divórcios a bordo de navios que cruzavam o Oceano Atlântico. Mais uma
vez, é colocado em relevo o descarte, o desprezo e a opressão vivenciada
pela mulher. O contraste com tudo isso nos dois textos é apresentado
com a mentalidade puritana ou puritanismo, que alcança somente as
classes e grupos subalternos hegemonizados pela burguesia promíscua, em
particular seus homens. Enquanto os instintos sexuais dos operários devem
Evidentemente que um desdobramento deste entendimento no âmbito da tradução e atualização do legado
teórico-prático gramsciano em termos do materialismo histórico não comportaria no momento da escrita
deste texto somente uma mera emancipação feminina, dada a enorme complexidade teórico-prática da
temática de gênero.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
106 |
ser controlados e racionalizados para a adequação de corpos e nervos à
produção em massa, os homens burgueses cam alheios a tudo isto.
A “crise de compressão” (no texto “A”) ou “crise de coerção” (no
texto “C”) – a crise dos padrões de educação e de várias formas de conduta
violenta que afetam a condição feminina - que caracteriza tal situação para
as mulheres pode levar àquilo nomeado como “desregramento romântico”,
uma transformação nos padrões outrora hegemônicos de opressão feminina.
Gramsci desdobra disto a diculdade de construir uma nova hegemonia e
simultaneamente a busca de uma nova concepção de mundo relacionada,
entre outros pontos, à questão feminina no âmbito do Fordismo, também
referida como “uma nova ética sexual”.
Outro ponto para a análise é alusivo aos “aspectos mórbidos”,
mencionados nos dois textos. Conforme analisa Livio Boni (2017, p. 88-
89), tal expressão remete ao mal-estar coletivo e individual da civilização
na acepção freudiana. Por outras palavras, haveria na incompleta escrita
carcerária de Gramsci indícios de uma ressignicação crítica do legado
de Freud no sentido de apontar em algumas classes e grupos um caráter
místico, religioso, “fanático”, de cunho autoritário. Tais pontos remeteriam
aos mencionados “aspectos mórbidos”. A absorção crítica de Freud por
Gramsci – uma “tradução”, portanto - apontaria para a superação de tal
mal-estar, inseparável em relação à superação da civilização liberal na
construção de um “novo tipo humano”, coletivo e individual, coerente
com uma nova consciência livremente aceita, espontânea, libertária.
Ainda no esteio da argumentação do trecho de segunda
elaboração, Gramsci sugere que o nexo entre trabalho e sexualidade
como parte da hegemonia em sentido mais amplo inclui o instinto sexual
devidamente disciplinado e regulamentado para atender às exigências
do ritmo e características do trabalho racionalizado. Tal temática é mais
desenvolvida no texto “C” apontando a preocupação especial de Henry
Ford – o fundador da montadora homônima - com o tema, sugerindo que
o puritanismo e o proibicionismo são uma aparência para a consecução das
condições adequadas para o trabalho fabril nas suas novas congurações.
Não ao acaso Gramsci cita no texto “C” o “novo tipo de homem”, mais
uma vez reforçando um sentido relacionado a uma hegemonia, a uma
verdadeira concepção de mundo. Ao longo do caderno 22, conforme
já tratado em parte acima, Gramsci explora neste contexto também a
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 107
oposição entre a exigência da monogamia para as classes menos abastadas
no contexto das exigências do ritmo do trabalho fabril e a promiscuidade
para as classes altas.
Feitas tais considerações analíticas iniciais sobre os trechos em
tela e uma breve análise e explicação referente à questão sexual conforme
Gramsci, apontaremos considerações conclusivas e palavras nais sobre
esta análise embrionária.
3. consiDerAções finAis
Conforme o plano inicial, entendemos ser pertinente assinalar
uma síntese de argumentos relevante e alguns pontos para futuros
desdobramentos analíticos e reexivos. Comecemos por esta última
perspectiva, ou seja, possibilidades futuras de relações e nexos a serem
aprofundados e desenvolvidos.
Entendemos que não seria uma coincidência apontar, ao menos,
uma certa aproximação de argumento – ainda que haja entre ambos
enormes diferenças conceituais e teóricas, além de distintos contextos
históricos – entre a pioneira da abordagem de gênero Gayle Rubin e
Gramsci. A antropóloga destaca justamente a necessidade não somente
de desenvolver argumentos de Marx e Engels referentes ao “elemento
histórico e moral”, como também da produção dos meios de existência e
dos próprios seres humanos em termos de sua reprodução, pontos que se
relacionam com o sexo, sua posição em relação ao patriarcado de diferentes
sociedades e a própria opressão do sexo e seu nexo com o formato das
mesmas (RUBIN,1975, p. 164, p. 165, p. 204). Mais do que isso, Rubin
destaca a distinção de gênero como uma construção histórica nas diversas
sociedades e a possibilidade de uma discussão sobre a mulher em seus
diferentes papéis como equivalente de troca, como partícipe de uma relação
mediada por uma mercadoria, uma coisa. Algo dotado de sentido social
holista, de innitas variáveis, de totalidade e, portanto, semelhante aos
termos da crítica marxiana aos termos economicistas da economia política.
Algo que se inseriria àquilo que Rubin aludiu metaforicamente – como eco
das formulações de Marx - em uma verdadeira “economia política do sexo
(RUBIN, 1975, p. 204-205). Rubin estabelece, à sua própria maneira
em diferente contexto argumentativo e evidentemente com algumas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
108 |
diferenças, um sentido semelhante àquilo que Gramsci denominou como
prostituição legalizada e organizada”. Por outras palavras, considerando-se
que Marx deniu as mercadorias não somente em seu sentido mercantil
e econômico, mas algo a atender a qualquer necessidade humana em
contexto social, a mulher vista de forma coisicada, reduzida à condição de
mercadoria, se aproximaria da perspectiva mencionada de alguém inserida
na prostituição de cunho legal e organizado, tal como Gramsci referiu de
forma mais especíca.
Conforme escrito no parágrafo anterior, a questão não é só
econômica ou focada em um único aspecto. Entendemos que a abordagem
de gênero pioneira de Rubin sugere tal trilha. Não enfatiza um único ponto e
é sensível às transformações e ao dinamismo histórico. Um dos argumentos
usados para justicar a aproximação e a relação do que Gramsci formulou
como “questão sexual” entre 1929 e 1934 foi justamente a historicidade de
seu pensamento, que permitiria reinterpretá-lo em termos da historicidade
e dinamismo de suas idéias e categorias serem ressignicadas, viabilizando
assim uma leitura contemporânea compatível com a recente categoria de
gênero. Portanto, seria possível ressignicar, traduzir a “questão sexual”
em termos da enorme complexidade e dinamismo que permeia toda a
complexicação que a categoria de gênero assumiu e ainda assume no
momento de lavra desta reexão. Entendemos que há ainda outro ponto
coerente com o dinamismo e a totalidade aludidas nestes dois últimos
parágrafos.
Retomemos uma discussão aprofundada e desenvolvida em outro
momento (PASSOS, 2017). Muito se menciona a respeito justamente da
abordagem de gênero ser inter-relacional, como a sua autora pioneira Gayle
Rubin também o fêz. Algo, portanto, que se aproxima da já mencionada
análise de totalidade do materialismo histórico. Assim, a abordagem
de Gramsci também pode ser aproximada da perspectiva de gênero na
medida em que também contempla um lastro inter-relacional, como de
resto outras análises marxistas que se baseiam na perspectiva marxiana
da totalidade (MARX, 2011) ou categorias próximas desta, como a do
desenvolvimento desigual e combinado de Leon Trotsky (1977), que
vislumbra a possibilidade de explicar os tempos – as várias velocidades de
mudança, de desenvolvimento, de conito das diversas sociedades - das
várias possibilidades de produção da vida e da sua transformação vista de
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 109
forma completa. Em uma palavra, uma dinâmica desigual em suas várias
possibilidades, mas integrante de um todo.
Seguindo tal linha de raciocínio para chegar ao pensamento
do comunista italiano, Gramsci não menciona a noção marxiana de
totalidade em sua obra, mas enuncia o vínculo orgânico entre história,
losoa e política, formulação mais próxima que existe no seu pensamento
em relação à totalidade no sentido marxiano. Assim, a questão sexual se
constitui em tema inserido em análise mais ampla, em que há múltiplas
relações sociais fundamentais, moleculares envolvendo indivíduos, grupos,
classes e elites a serem avaliadas em conjunto com as questões interestatais.
Neste contexto aparece a avaliação da questão sexual como um dos motes
fundamentais de exame da nova concepção de mundo emergente no início
do século XX.
É possível notar até aqui como a preocupação gramsciana sobre
a hegemonia dos Estados Unidos busca estabelecer um elo da questão
internacional com o nacional nas suas relações sociais fundamentais, nos
aspectos moleculares, pontos normalmente negligenciados nas análises
concernentes a tal tema, focados somente nas questões das relações
interestatais, políticas entre os diferentes países.
Avançar na análise da questão sexual como aspectos concernentes
ao gênero implica aprofundar vários destes aspectos que compõem a
nascente hegemonia dos Estados Unidos da América, bem como as várias
motivações e fontes gramscianas por trás da escolha de seus léxicos.
referênciAs
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Sônia Aparecida Custódio
introDução
Este texto surgiu como trabalho de conclusão do Curso de
Aprimoramento “Movimentos sociais e crises contemporâneas à luz dos
clássicos do materialismo crítico”, uma parceria entre a UNESP/IBEC/
GPOD, ministrado nas dependências da UNESP-Marília, no ano de 2017.
Resolvemos, então, escrever sobre um movimento social, contemporâneo e
que instigasse o aprendizado e a novidade.
Para início de conversa a história dos movimentos sociais no
Brasil, remonta desde o primeiro século da colonização até os dias de hoje.
Esses movimentos conseguem demonstrar que os primeiros habitantes e os
que vivem nos dias atuais, nunca foram passivos e sempre procuraram de
uma forma ou de outra lutar em defesa de suas ideias e interesses.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Do período que inicia em 1988 aos dias atuais, observamos uma
série de movimentos pela efetivação de direitos existente e pela conquista de
novos. Vivemos sob uma Constituição que privilegia os direitos humanos
(civis, políticos e sociais) sobre a ação do Estado, e os movimentos sociais
devem ser instrumentos para o questionamento das muitas desigualdades
existentes no país.
Os movimentos sociais surgem em diversos lugares do mundo,
sempre que um grupo de indivíduos considerem seus direitos desrespeitados
ou se dispõe a lutar pela aquisição de novos direitos.
Considerando o término do Curso que zemos ao longo do ano
de 2017, que trata justamente dos movimentos sociais contemporâneos
à luz do materialismo crítico e o fator tempo, resolvemos que faríamos
algumas pontuações sobre um movimento com características da nossa
época e fazer um paralelo com uma situação bem diferente de tudo que
ouvimos falar.
O movimento em questão é o feminismo e a questão de gênero,
como aconteceu no mundo, no Brasil e a novidade é como está acontecendo
entre as mulheres curdas, especicamente em Rojava.
Feminismo é uma temática de suma importância, sendo um
movimento social que defende a igualdade de direitos e status entre homens
e mulheres em todos os campos. Luta contra todas as formas exercidas de
opressão sobre as mulheres e pela igualdade entre os gêneros. As raízes que
remontam a história do feminismo na humanidade podem ser vistas desde
tempos antigos, como a Grécia (FAHS, 2016).
Os estudos de gênero surgiram no campo das ciências sociais a
partir da década de 1970, em substituição ao que seriam denominados
estudos sobre a mulher, e se constituem como um campo de pesquisa
interdisciplinar cujo objetivo é compreender as relações de gênero no mundo
social. A emergência desses estudos representou a ruptura com a tendência
de se buscar no determinismo biológico a explicação para as desigualdades
entre homens e mulheres, promovendo assim, dentre outras coisas, a
superação das teorias dos papéis sexuais e da complementaridade dos sexos
(MATTOS; CARNEIRO E CORDEIRO; ARAÚJO; ALMEIDA, 2015).
Nesse sentido, a análise das desigualdades de gênero consiste na
identicação de como se constituem as relações entre homens e mulheres
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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face à distribuição de poder ou, qual a equivalência social entre os
gêneros (KERGOAT, 1996; SOIHET, 1998). Constatando a existência
de desigualdades entre homens e mulheres apresentadas pelos estudos de
gênero, é fruto da análise e interpretação dos dados estatísticos que apontam
pequena representação política das mulheres e destacam seus baixos salários,
banalização da violência contra a mulher e ainda a feminização da pobreza
(MATTOS; CARNEIRO E CORDEIRO; ARAÚJO; ALMEIDA, 2015).
Por outro lado, os homens apresentam indicadores precários em
relação à saúde, como menor expectativa de vida, maior acometimento por
doenças crônicas e expressiva mortalidade por causas externas. Analisar as
desigualdades de gênero consiste em entender as relações entre homens e
mulheres nos diferentes espaços da sociedade (MATTOS; CARNEIRO E
CORDEIRO; ARAÚJO; ALMEIDA, 2015).
Iniciaremos este texto com um breve histórico do movimento
feminista e a questão de gênero no mundo e no Brasil, e seguiremos focados
na novidade que o povo curdo apresenta a respeito de gênero e feminismo.
Buscamos conhecer sucintamente, o papel da mulher nas tomadas
de decisões culturalmente elas sempre foram junto com as crianças e idosos
o elo mais frágil em várias situações, uma vez que a novidade aqui é trazida
pelo povo curdo e nos mostra a força da mulher. Desta forma pretendemos,
também, evidenciar alguns acontecimentos, tais como o papel da Unidade
de Proteção às mulheres (YPJ) – exército curdo feminino – no Curdistão
Sírio, destacando como as mulheres curdas se utilizam de questões de gênero
para contribuir para segurança do Oriente Médio, assegurar seus direitos
e redimensionar a função feminina na guerra e na sociedade em geral. O
noticiário a respeito do atual conito na região do Curdistão, situado entre a
Síria e Iraque, tem nos revelado a igualdade de gênero nas decisões.
como surGiu o moVimento feministA no brAsil e no munDo
O movimento surge a partir do contexto das ideias iluministas
(1680 – 1780), com a Revolução Francesa (1789 – 1799) e Americana
(1775-1781), reivindicando direitos sociais e políticos, com maior ênfase
para luta sufragista, através da mobilização de mulheres de vários países
(OLIVEIRA; CASSAB, 2014).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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O movimento estruturado e intencionalmente desenvolvido,
por outro lado, é considerado mais recente, sendo denido como três
ondas iniciadas na modernidade. Para entendermos como são denidas
as três ondas da história do feminismo, e como evoluiu este importante
movimento social que luta pela garantia de paridades a despeito do gênero
de um indivíduo, dividiremos em três ondas e utilizaremos como referencial
teórico um artigo de Magda Guadalupe dos Santos (2017), escrito para
Revista Cult 20 anos/UOL:
A PrimeirA onDA feministA: 1830 A 1900
A primeira onda do feminismo pode ser considerada um
movimento incipiente que compreendeu sua posição social frente a uma
perspectiva histórica. Houve uma tomada de consciência a respeito da
opressão de gênero intrínseca à sociedade, onde os movimentos políticos
organizados de mulheres compreenderam que a obtenção de força suciente
para colocar pautas em prioridade deveria ser precedida de força política
inicial. Com isso foi possível desenvolver pautas mais aprofundadas, como
questões sexuais, econômicas e reprodutivas. Assim como na história do
direito, a história do feminismo inicia-se por uma onda em busca de
direitos políticos do indivíduo mulher. Essa primeira onda sedimenta a
base para o desenvolvimento de um debate que é, ao mesmo tempo, mais
amplo e mais profundo.
Ainda e nesta primeira onda, cujos movimentos já se revelavam
mesmo antes da era iluminista, como na literatura e poesia de mulheres
renascentistas, alguns nomes se destacam. Olympe de Gouges redige, em
1791, a conhecida Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, escrevendo
no preâmbulo que “a mulher” tanto é “o sexo superior em beleza quanto
em coragem, nos sofrimentos da maternidade”, além do que, nos dezessete
artigos do documento, inscreve os princípios que deveriam reger em direitos
e obrigações a vida da “mulher” e do “homem”, correlacionando liberdade,
justiça e resistência à opressão (GOUGES, 1791). Semelhantemente, Mary
Wollstonecraft, em Vindication of rights of woman, de 1792, entendia que
o simples ato de “nascer mulher” já comporta em si inferioridade, opressão
e desvantagem (WOLLSTONECRAFT, 2009). Ainda que, o cenário
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 115
revolucionário se apresenta e isto ocorre justamente porque as mulheres
reformam a si mesmas no propósito de reformar o mundo”.
Para De Gouges e Wollstonecraft, era necessário que, ao lado do
homem, a mulher pudesse ser uma individualidade autônoma, reconhecida
em sua dimensão racional e moral. Apesar do viés ontológico e iluminista,
já nessa primeira onda se manifesta uma crítica a certa neutralidade
universal, modelada a partir do masculino, com discursos regulados pela
lógica do mesmo e do próprio.
Esta onda feminista insere-se no cenário dos anos 1960, com
impacto nas duas décadas seguintes. Criado por Carol Hanisch em 1969,
o lema “o pessoal é político” propõe que as mulheres se “livrem da própria
culpa” e tentem enfrentar as situações da vida por meio de uma “terapia
política” que possibilite todas as mulheres pensarem, por si mesmas
(HANISCH, 1970).
Podemos destacar aqui uma fase em que problemas culturais e
políticos se mesclam, devendo as mulheres encorajarem-se para combater
as estruturas sexistas do poder. Mas já em 1949, Simone de Beauvoir
publica, na França, O segundo sexo, elaborando uma teoria crítico-losóca
da relação entre o paradigma masculino, indicado como o mesmo, e o
desvio feminino, assumido como o outro (BEAUVOIR, 1967).
A seGunDA onDA feministA: 1960 A 1980
Aconteceu durante o pós-guerra, onde a chamada segunda onda
feminista tomou sua maior forma especialmente a partir de sua função
econômica, que ganhou muito peso durante os períodos de guerra. Nos
anos 1960, despontou questionando radicalmente a naturalização dos
papeis sociais de gênero. Mulheres se dedicaram a denunciar as formas
como os processos de socialização que ensinam meninos e meninas a
cumprirem seus papéis de dominantes e dominados.
A organização da história do feminismo, neste ponto, confunde-
se com a participação de grandes nomes femininos de outros movimentos
(especialmente nos Estados Unidos), como grupos em busca de direitos
de pessoas negras, asiáticas e latinas, bem como movimentos em busca
de direitos homossexuais e antiguerra – especialmente do Vietnã, no
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
116 |
período em questão. É neste momento em que se estrutura um movimento
feminista verdadeiramente organizado, no sentido em que o poder político
já havia sido conquistado no início do século, e o peso econômico destas
mulheres incluídas na força produtiva primordial das nações ocidentais
tornava suas demandas muito mais urgentes.
Neste período as interlocutoras em destaque são: Simone de
Beauvoir, as feministas norte-americanas como Betty Friednan e Kate
Millet e a australiana Germaine Greer, entre outras, que lutaram pela
emancipação das mulheres, provocando novas iniciativas práticas e teóricas
para que a violência, sobre os corpos femininos pudessem ser freadas.
A terceirA onDA feministA: A PArtir De 1990
O que se chama de terceira onda feminista é o movimento que
pode ser entendido, na história do feminismo, como atual e que não visam
à hegemonia de uma tese sobre outra. Trata-se do momento em que o
feminismo se estabelece como uma matriz interpretativa de questões não
diretamente relacionadas ao desenvolvimento da força política feminina
como um m, mas seu uso como um meio.
A preocupação é com uma série de questões que envolvem a
sociedade: como trabalho, ecologia, questões de gênero, causas acadêmicas
e uma variedade de assuntos. Obviamente não se deixa de combater às
disparidades de gênero, mas é a consolidação da autoridade do movimento
como um ator político no cenário global.
Esta onda não representa o momento nal na história do feminismo,
pois claramente ainda há muito para ser buscado – incluindo as premissas
mais básicas do movimento, que é o m das disparidades. Sua existência, no
entanto, dá força para que novas ondas, cada vez mais sosticadas, surjam
com espaço e força na sociedade – algo impensável há pouco mais de um
século, quando a batalha ainda era ter alguma voz que fosse ouvida.
no brAsil
No século XIX os direitos das mulheres começaram a surgir de
forma mais nítida, uma vez que muitas já faziam parte da força de trabalho
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 117
empregada, ocupando o cenário industrial, inclusive na indústria têxtil.
Muitas mulheres participavam ativamente nas lutas trabalhistas, fazendo
reivindicações de seus direitos como trabalhadoras, inclusive contra a
opressão por gênero (OLIVEIRA; CASSAB, 2014).
No século XX, o feminismo no Brasil se apresenta de forma
mais crítica, com novos desaos e propostas, com a união de mulheres
de várias classes sociais. O caráter militante se sobressai neste momento,
pois há um questionamento sobre a política, a educação e a dominação do
homem na sociedade, além de temas relacionados à sexualidade e divórcio
(OLIVEIRA; CASSAB, 2014).
Com relação à luta trabalhista, algumas mudanças começam a
ocorrer no mercado de trabalho durante as greves (que é um instrumento
de pressão coletiva e um direito dos trabalhadores) realizadas em 1907
(greve das costureiras) e 1917, com a inuência de imigrantes europeus
(italianos e espanhóis), e de inspirações anarco-sindicalistas, que buscavam
melhores condições de trabalho em fábricas, em sua maioria têxtil, onde
se empregava predominantemente a força de trabalho feminina. Entre as
exigências das paralisações, estava a regularização do trabalho feminino,
a jornada de oito horas e a abolição de trabalho noturno para mulheres.
No mesmo ano, foi aprovada a resolução para salário igualitário pela
Conferência do Conselho Feminino da Organização Internacional do
Trabalho e a aceitação de mulheres no serviço público (FAHS, 2018).
Ainda no início do século XX, são retomadas as discussões acerca
da participação das mulheres na política aqui no Brasil. Foi fundada então,
em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, cujo os principais
objetivos eram a batalha pelo voto e livre acesso das mulheres ao campo
de trabalho. Em 1928, é autorizado o primeiro voto feminino (Celina
Guimarães Viana, Mossoró-RN), mesmo ano em que é eleita a primeira
prefeita no país (Alzira Soriano de Souza, em Lajes-RN). Ambos os atos
foram anulados, porém abriram um grande precedente para a discussão
sobre o direito à cidadania das mulheres (FAHS, 2018).
Alguns anos depois, em 24 de fevereiro de 1932, no governo de
Getúlio Vargas, é garantido o voto ou sufrágio feminino, sendo inserido no
corpo do texto do Código Eleitoral Provisório (Decreto 21076) o direito
ao voto e à candidatura das mulheres, conquista que só seria plena na
Constituição de 1946. Um ano após o Decreto de 32, é eleita Carlota
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
118 |
Pereira de Queiróz, primeira deputada federal brasileira, integrante da
assembleia constituinte dos anos seguintes (FAHS, 2018).
Na década de 60, lança-se a pílula anticoncepcional, num contexto
em que o movimento feminista no mundo vai se congurando como uma
luta por uma nova forma de relacionamento entre homem e mulher. Em
seguida passou-se por um período de repressão com a ditadura militar,
mas na década de 70, o movimento ganha expressividade e força através
dos debates públicos sobre o papel da mulher na sociedade. Outro fato
interessante é que o feminismo aproximasse da esquerda e dos conceitos
marxistas, num esforço para ganhar legitimidade (ALVES; ALVES, 2013).
Na década de 80, com a redemocratização do Brasil, o movimento
ganha força e se une com outros movimentos sociais, tais como, contra
o racismo, movimento sindicalista, entre outros e neste momento o
movimento que era voltado para a classe média, ganha adesão das camadas
populares. Além disso, foram palco de acontecimentos importantes
na vida nacional, como as campanhas pela Constituinte e por eleições
diretas. As pessoas ansiavam por uma sociedade democrática, após anos
de sofrimentos causados pelo Regime Militar. Os movimentos feministas
também passaram, por uma fase de reestruturação político-partidária, o
surgimento e o fortalecimento de inúmeros canais de participação social,
a proliferação de organizações não governamentais, a criação de centros de
pesquisas voltados para questão da mulher entre outros (BRABO, 2005).
Em 1984, temos a criação do Conselho Nacional da Condição
da Mulher que promove uma campanha para que seja incluído os direitos
da mulher na Constituição de 1988. Na década de 90 a principal luta foi
contra a violência doméstica, que encontrou forte apoio em 2006, com a
criação da Lei Maria da Penha, o nome homenageia uma farmacêutica que
cou paraplégica, após sofrer anos de violência (ALVES; ALVES, 2013).
Apesar de todo o movimento feminista ocorrido no Brasil e no
mundo, e de toda força que ganhou durante décadas, a sociedade ainda é
preconceituosa e machista, na qual há uma diferenciação exacerbada entre
homens e mulheres em relação ao emprego e posicionamento social. Os
papéis de gênero historicamente atribuídos às mulheres são questionados
pelo feminismo, que se constitui um movimento diferente dos demais ao
defender os interesses da mulher, caracterizado pela sua autonomia em
relação a outros movimentos e organizações (ALVES; ALVES, 2013).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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As mulheres como podemos observar, ainda, continuam sendo
oprimidas em todas as partes do mundo. Ao longo da história, lhes são
negados prazer sexual, exibição do rosto, são escravizadas e prostituídas,
etc. No entanto, as mulheres conquistam, aos poucos, seu lugar numa
sociedade onde há forte resistência aos novos conceitos de gênero,
protagonizando diversas formas de luta em favor da causa feminina, como
por exemplo, as mulheres curdas, que estão atuantes naquela sociedade
onde o patriarcalismo e o machismo ainda são uma dura realidade.
A seguir, passaremos a discorrer sobre esta novidade, que o povo
curdo nos apresenta, onde a mulher está sendo valorizada, através de
uma política de gênero que prega a igualdade entre homens e mulheres,
assim como uma nova forma de democracia denominada Confederalismo
Democrático.
o PoVo curDo
Os curdos são um dos povos originários do Oriente Médio
e se consideram como sendo uma etnia do Curdistão, região que não é
reconhecida pela Comunidade Internacional como Estado Nacional e
que está situada majoritariamente entre Turquia, Iraque, Irã e Síria. A
população curda é bastante expressiva nestes países e também, está presente
em grande número em outras localidades como Líbano, Azerbaijão, países
europeus, Estados Unidos, Canadá e Austrália. Há aproximadamente 36
milhões de curdos espalhados pelo globo, o que faz deles a maior etnia
sem pátria do mundo, estes são os curdos em diáspora. Existem, ainda, 40
milhões sedimentados no Curdistão (SILVA et al., 2017).
Com a queda do Império Otomano ao nal da Primeira Guerra
Mundial havia aberto um caminho para a criação de um Estado curdo,
previsto pelo tratado de Sevres de 1920, que o situava no Leste da península
turca de Anatólia e na atual província iraquiana de Mossul. Porém, após a
vitória de Mustafa Kemal na Turquia, os Aliados modicaram sua decisão
e, em 1923, o tratado de Lausanne instaurou o domínio da Turquia, Irã,
Reino Unido (no Iraque) e França (na Síria) sobre as populações curdas.
Os curdos, que nunca viveram sob um poder centralizado,
estão divididos em vários partidos e facções entre os quatro países. Às
vezes transfronteiriços, estes movimentos são antagonistas, em função
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
120 |
principalmente dos jogos de alianças com os regimes vizinhos. No Iraque,
os dois principais partidos curdos travaram uma guerra que deixou três mil
mortos entre 1994 e 1998. Finalmente se reconciliaram em 2003.
conflitos e reVoltAs
Os curdos, que reivindicam a criação de um Curdistão unicado,
são percebidos como uma ameaça à integridade territorial dos países em
que estão estabelecidos. Na Turquia, o conito entre o governo e o Partido
dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) foi retomado em 2015, acabando
com as esperanças de uma resolução para esta crise que causou mais de 40
mil mortes desde 1984.
No Irã, confrontos esporádicos opõem as forças de segurança
aos rebeldes curdos, cujas bases de retaguarda estão no Iraque. Após a
revolução islâmica de 1979, ocorreu uma revolta curda que foi duramente
reprimida. No Iraque, os curdos perseguidos pelo regime de Saddam
Hussein se rebelaram em 1991 após a derrota do exército iraquiano no
Kuwait e estabeleceram uma autonomia de fato, que foi legalizada pela
Constituição iraquiana de 2005.
Na Síria, os curdos sofreram décadas de marginalização e opressão
pelo regime por reivindicar o reconhecimento de seus direitos. Eles
adotaram uma posição de “neutralidade” em relação ao poder e a rebelião
no início do conito em 2011, antes de aproveitar o caos gerado pela
guerra para instalar uma administração autônoma nas regiões do norte do
país sob seu controle.
A Síria, também, foi o segundo destino onde se refugiou a maioria
dos curdos, para fugir da repressão turca durante os anos 1920 e 1930.
Desde 1924, que muitos dos que estão por lá reivindicavam a autonomia de
Rojava (Oeste) do Curdistão sírio. Quando a Síria se tornou independente
do protetorado francês, a população curda passou a sofrer perseguição.
A maioria árabe levou em frente à “espoliação”. Os curdos perderam a
nacionalidade síria e passaram a serem tratados como “estrangeiros
ou “ocultos” e passaram a sofrer perseguições. Cerca de 30 mil pessoas
perderam suas propriedades e depois foram expulsas de seus povoados,
sendo enviadas para Damasco e Aleppo. Desde então e principalmente
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 121
sob o governo dos Assad, foi aplicado um conjunto de leis que proibiram a
língua e qualquer traço da identidade e cultura curda (VÁSQUEZ, 2016).
A lutA contrA o estADo islâmico
Na Síria, as forças curdas lideram a aliança das Forças Democráticas
Sírias (FDS), que combatem o grupo Estado Islâmico (EI) com o apoio
de uma coalizão dirigida pelos Estados Unidos. A aliança lançou em
novembro de 2016 a batalha para expulsar o grupo extremista de Raqqa,
sua capital de fato no Norte do país. No Iraque, os combatentes curdos
peshmergas (aqueles que enfrentam a morte) também participam na luta
contra os jihadistas.
A imPortânciA DA conquistA DA ciDADe De rAqqA PArA o
emPoDerAmento DA mulHer
O Estado Islâmico (EI) no Iraque e na Síria surgiu em 2004,
como uma ramicação da organização terrorista Al Qaeda, fundada em
1989 por Bin Laden e responsável pelos ataques de 11 de setembro de
2001 (MILÍCIAS..., 2017). Com o objetivo de conquistar poder na região
e proclamar um califado, que é um regime político-religioso baseado nos
preceitos do Alcorão e da Sharia, nos territórios conquistados. O Alcorão
é o livro sagrado dos muçulmanos e a Sharia é o conjunto de leis que
direciona o comportamento dos mesmos (MUBARAK, 2014). O grupo é
formado por sunitas e se baseia em uma interpretação radical do salasmo
e do wahabismo.
Tudo isso com vistas a criar uma identidade árabe de cunho
sunita, o que pressupõe a conversão dos cristãos e a morte dos xiitas, que
são considerados inéis por divergirem em interpretações do Alcorão
(EBC, 2015).
Com a crescente atuação do EI no Oriente Médio e seu relativo
sucesso podem ser interpretados a partir das cidades de Raqqa (Síria) e
Mosul (Iraque) em 2013 e 2014, respectivamente, quando o grupo
atingiu o auge de sua expansão territorial. Desse modo, o crescimento do
desempenho do EI na Síria é beneciado pela guerra civil, onde conta com
o apoio daqueles que lutam contra o governo de Bashar Al-Assad, que é o
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
122 |
presidente Sírio, e no Iraque pelos conitos entre os curdos, árabes, sunitas,
cristãos e xiitas, onde conta com o apoio da parcela sunita da população
(EBC, 2015).
Neste cenário, o controle de tais cidades permitiu ao grupo
proclamar, em 2014, um califado que se estendia pela Síria e Iraque,
tendo Raqqa e Mosul como capitais e sendo controlada por Abu Bakr al-
Baghdadi, líder do EI (LAURIA et al., 2015). Além dessas, a organização
também se fazia presente em outras cidades, como Tikrit e Ramadi no
Iraque e Kobani, Aleppo e Tal Abyad, na Síria. Este fato revelou a força do
grupo no Oriente Médio e se congurou numa ameaça aos governos sírio
e iraquiano que, imersos em conitos étnicos e religiosos, se depararam
com a diculdade de retomar o controle de grande parte de seus territórios
que estavam sob o domínio do EI. Além disso, o califado de al-Baghdadi
se mostrou também como ameaça aos Estados Unidos e à Rússia, países
que tentam aumentar sua inuência na região (MILÍCIAS…, 2017;
RETOMADA..., 2017).
Vale ressaltar que a escolha de controlar Raqqa (sexta maior
cidade e a segunda mais populosa na Síria) foi carregada de signicado e
simbologia, uma vez que entre os anos 796 e 809, a cidade foi a capital
de um enorme império Muçulmano. Com isso, Raqqa foi transformada
no laboratório de experiências de administração do EI, onde o grupo
planejou ataques ao exterior, criou regras de comportamentos, impôs à
população um padrão de vestimenta islâmica e atacou igrejas. Além disso,
crucicações, decapitações e sequestros também foram práticas comuns
do grupo que controlou de forma rígida o funcionamento do comércio,
escolas hospitais da cidade (G1, 2015; MILÍCIAS..., 2017).
Diante dessa atuação violenta e do rígido controle exercido pelo
EI em Raqqa, foi organizada a operação Fúria do Eufrates para retomar o
controle da cidade. A operação foi criada pelas Forças Democráticas Sírias
(FDS), uma coalizão de forças curdas e árabes apoiadas pelos Estados
Unidos, que começou sua investida em direção à cidade em novembro de
2016. Na liderança desta coalizão estão às tropas curdas União de Proteção
Popular (YPG) e a Unidade de Proteção das Mulheres (YPJ), que recebiam
armamento leve e material logístico dos Estados Unidos, desde 2014, por
meio da coalizão FDS (SILVA et al., 2017; SANZ, 2017). As mulheres
acabaram tendo uma atuação bastante expressiva na recuperação da cidade.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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A atuação das mulheres curdas, zeram com que as mesmas
ganhassem visibilidade no Ocidente, em outubro/2017, quando uma
coalizão de forças curdas e árabes, apoiadas pelos Estados Unidos, retomaram
o controle de Raqqa (sexta maior cidade Síria e a segunda mais populosa),
dominada pelo EI desde 2013, sendo esta capital momentânea, deste grupo
terrorista, assim como Mossul (Iraque). Este evento pode ser considerado
importante pela decisiva participação das mulheres (QUITES, 2017).
feminismo, Gênero e o yPj – reDimensionAnDo o PAPel DAs
mulHeres curDAs.
Não é de hoje que as mulheres participam na luta pela constituição
de um Estado curdo independente, isso remonta à década de 1960 quando
as mulheres curdas lutaram juntamente com o Peshmerga (aqueles que
enfrentam a morte) e contra os baathistas,estes oriundos do Partido Baath,
surgido na Síria em 1947. Propunham a unicação do mundo árabe em
um único Estado e promoveu a política de arabização que constituiu em
forçar o deslocamento dos curdos para assentamentos árabes no Iraque e
na Síria (PEIXINHO, 2010; SILVA et al., 2017).
As mulheres curdas se engajaram no combate ao terrorismo no
Oriente Médio para proteger o seu povo, em geral, e defender os territórios
do Curdistão, além disso, elas utilizam da participação em organizações
militares para ter voz ativa na sociedade e garantir sua autonomia, igualdade
e direito à democracia, liberdade e educação. Ou seja, a luta dessas mulheres
é dupla, pois lutam pelos seus direitos tanto como mulheres quanto como
população curda. Além disso, as guerrilheiras têm como objetivo se vingar
das violências praticadas pelos terroristas contra meninas e mulheres
curdas, fazendo com que eles sofram assim como elas (SILVA et al., 2017;
DUZGUN, 2016).
Vale ressaltar que as mulheres são muito valorizadas e respeitadas
na cultura curda por meio da qual rearmam sua igualdade em relação
aos homens tanto no trabalho organizacional quanto no militar. Elas são
ligadas ao YPJ (Unidade de Defesa das Mulheres), que age no território
do Curdistão sírio, sendo uma ramicação do YPG (União de Proteção
Popular). As mulheres ligadas ao YPJ sentiram a necessidade de ingressar
na vida militar para defesa de seu território e povo. Com toda a valorização
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
124 |
que se tem dado às mulheres, somente em 1996 foi formado um batalhão
composto exclusivamente por mulheres e hoje elas compõem tropas que
lutam tanto no Curdistão sírio como no iraquiano e turco (PEIXINHO,
2010; SILVA et al., 2017).
Assim, no contexto do confronto ao Estado Islâmico (EI),que
atua no Curdistão da Síria, A YPG (Unidade de Proteção Popular) e a YPJ
(Unidade de Defesa das Mulheres) lutam intensivamente para defender o
território contra o EI, e por conta destes grupos, diversas cidades e vilas
curdas estão sendo retomadas, e já tem iniciado o processo de reconstrução
de algumas delas (SILVA et al., 2017).
Por não haver fronteiras delimitadas e por conta de boa parte da
população não seguir o fundamentalismo religioso que é pregado pelo EI,
em razão da existência de poços de petróleo em abundância em parte do
território curdo e, estes territórios fazerem parte do que o EI autoproclamou
como califado, os curdos são alvo frequente do expansionismo realizado
pelos jihadistas, que além de tomar as cidades e vilas, realizam assassinatos
em massa, estupros coletivos e sequestro de meninas para vendê-las como
escravas sexuais (SILVA et al., 2017).
As integrantes da YPJ utilizam as questões de gênero como uma
estratégia de combate aos jihadistas já que estes acreditam que perderão os
benefícios prometidos, aos mortos em batalha caso sejam assassinados por
mulheres. Com relação aos benefícios prometidos, segundo a fé islâmica,
os homens que morrerem na guerra vão diretamente para o paraíso, onde
serão contemplados com 72 virgens (MUBARAK, 2014).
Considerando que muitas das sociedades do Oriente Médio
seguem os preceitos do Alcorão e da Sharia, o papel e comportamento das
mulheres nessa região cam fortemente condicionados a rígidos padrões
de gênero e ao tradicionalismo. Sendo assim, as mulheres são tidas como
destinadas ao trabalho doméstico, ao âmbito privado e familiar, além de
serem oprimidas e submissas aos homens. Ademais, é negada às mulheres
a livre escolha de suas prossões e o uso do véu é imposto como sinal de
respeito a Deus e ao marido (MARQUES, 2010; MUBARAK, 2014).
A criação da YPJ em um contexto onde os direitos das mulheres
são constantemente reprimidos pode ser considerada revolucionário, pois
desconstrói o paradigma de dominação masculina e redimensiona as
funções sociais das mulheres curdas, possibilitando a elas atuação em novos
espaços e maior autonomia.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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A iDeoloGiA De VAlorizAção DA mulHer - ÖcAllAn
Abdullah Öcallan, é a liderança inclusive teórica do partido
PKK, que desenvolveu abrangente abordagem sobre a liberação feminina.
Suas análises teóricas são complementadas por discussões práticas sobre
a construção de alternativas para o empoderamento e emancipação das
mulheres. Não se limitando na análise sócio-histórica do desenvolvimento
do sistema patriarcal e seu caráter opressor; ele encoraja o público
feminino a superar os papéis generizados e criar seus próprios movimentos
e instituições (MIRANDA, 2016).
Sob a perspectiva dos direitos humanos, o empoderamento
feminino pode ser compreendido como o processo transformador
desenvolvido de “baixo para cima”, das relações de poder de gênero,
através da qual as mulheres tornam-se socialmente aptas a formularem e
defenderem suas próprias visões da sociedade, incluindo reexões sobre
regras generizadas. Adquirindo a possibilidade de fazer escolhas, o que
requer a possibilidade da existência de alternativas e do reconhecimento
das mesmas. Esta última condição é fundamental, uma vez que as relações
de gênero costumam operar através da aceitação inquestionável do poder
masculino (MIRANDA, 2016).
Abdullah Öcallan, iniciou sua luta pensando na formação de um
Estado-Nação de cunho socialista e que seguiam uma ideologia Marxista-
Leninista e buscavam a independência do Curdistão, até chegarem ao
estágio, de lutar pela conquista de uma unidade política curda autônoma
e para tal adotou o Confederalismo Democrático, que vem da visão
eco-anarquista de Boockchin, que foi modicada e renomeada por ele
(ÖCALLAN, 2011; DIRIK, 2014). Tendo como premissa que “povo curdo
não será livre enquanto as mulheres não o forem”, esta é uma condição
para libertação do povo (VÁQUEZ, 2016).
A resistênciA DA mulHer curDA
Em 20 de janeiro de 2018, a Revolução Curda entrou numa
situação dramática devido à invasão do cantão Afrîn, pelo exército turco.
Afrîn, Kobanê e Cizirê formam os três cantões onde os curdos do Curdistão
Oeste, conhecido como Rojava, exercem a sua autonomia democrática.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
126 |
Importante destacar que as mulheres de Afrîn e Rojava, resistiram
aos ataques do Estado Islâmico durante seis anos. E é inquestionável o papel
destas mulheres na construção de estruturas democráticas de autogestão.
Como exemplo, estruturas autônomas baseadas em organizações
comunitárias, conselhos femininos, academias e cooperativas, sem falar na
autodefesa feminina.
Quando a mulher percebe que a solidariedade feminina é uma
das armas mais ecazes, elas desenvolvem força e consciência. Então,
percebemos a força deste movimento.
O exemplo dessas líderes e de tantas outras mulheres que pegaram
em armas e defenderam suas terras, suas próprias vidas e seu futuro na
cidade de Afrîm, nos encanta e nos compromete para lutarmos por um
mundo melhor. Além disso, essa luta organizada pelas mulheres de Rojava
fazem parte da resistência global contra qualquer forma de expressão,
contra o feminicídio e o fascismo que tanto mal tem feito para as pessoas.
consiDerAções finAis
Buscamos conhecer, sucintamente, o feminismo como expressão
de direito e respeito às mulheres. Desta forma, procuramos evidenciar
alguns dos acontecimentos, em uma trajetória histórica, para melhor
compreendermos o movimento feminista, atribuindo-lhe a devida
importância.
O movimento feminista no Brasil, como no mundo mantém-
se ativo, porém adequando-se às novas demandas e reivindicações das
mulheres na contemporaneidade. Enfrentando incontáveis desaos
ao longo dos anos, seja no âmbito da sociedade ou dentro do próprio
movimento, não recuou aos atendimentos às novas demandas que surgiram.
Formando novas alianças, reformando e inovando suas ideias quantas vezes
fossem necessárias, em busca de novos espaços e articulações (OLIVEIRA;
CASSAB, 2014).
Tendo em vista a desconstrução dos papéis sociais e binários
entre sexos e gêneros que alimentam o patriarcado. Neste sentido, ao se
tentar entender as bases sobre as quais se assentam os feminismos, deve-se
levar em conta a vida das mulheres como ponto de partida para teorias e
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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práticas, ressaltando os caminhos dos quais as mulheres foram excluídas e
problematizando as supostas características que reproduzem o sentido de
serem mulheres.
Assim como novidade apresentamos como as mulheres estão
redenindo o seu papel na sociedade curda, através da luta contra o EI,
defendendo os civis e o território. Elas estão rompendo com a visão de
supostamente frágeis e que não conseguem tomar decisões relativas à
segurança e social.
Desta forma, desconstroem-se a ideia de que as diferenças entre
homens e mulheres são determinadas por fatores biológicos, e trazem
à tona a problemática de gênero que envolve a divisão de tarefas entre
homens e mulheres, sobretudo pelas sociedades patriarcais localizadas no
Oriente Médio.
Importante ressaltar que em razão da necessidade da presença
de mulheres no YPJ, elas estão ganhando uma maior autonomia e voz
na sociedade curda e estão lutando diariamente contra o patriarcalismo,
uma vez que ingressam no serviço militar juntamente com os homens e
executam as mesmas funções que sempre foram designadas a eles, tanto na
área militar como política. Está desconstruída a imagem “sexo frágil”, tão
utilizada nos tempos antigos como nos atuais.
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Antônio Rodrigues Neto
Ana Cláudia dos Santos Rocha
consiDerAções iniciAis
A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988
(BRASIL, 1988), é perceptível a preocupação do legislador originário em
minimizar os impactos criados pelas desigualdades de gênero historicamente
acumuladas pela sociedade brasileira, conferindo às mulheres tratamento
especial em diferentes searas, dentre elas sociais, laborais, representativas
ou de proteção, mas, sobretudo, pugnando pela igualdade entre os gêneros
(BRASIL, 1988).
É certo, ainda, que referida Carta Magna pugna pelo respeito à
dignidade da pessoa humana como um todo, trazendo-a, inclusive, como
um de seus fundamentos. Todavia, ao se referir expressamente às mulheres,
tal texto se mostra ainda mais zeloso prevendo normas programáticas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
132 |
especialmente criadas com o viés de garantir-lhes a efetivação de direitos
especícos e ensejar na criação de ações armativas próprias que, quando
aplicadas pelo Estado, visam resguardar os interesses da população feminina
e, por conseguinte, a expansão de suas cidadanias, conceito aqui entendido
como “direito a ter direitos” (ARENDT, 2012, p. 403).
A partir dessa perspectiva, com vistas ao modelo de governo
adotado no Brasil, qual seja predominantemente de democracia
representativa indireta (BRASIL, 1988), a proteção constitucional da
mulher acaba por reetir-se, também, na atividade política.
A preocupação com a representatividade da mulher no cenário
político brasileiro gura, atualmente, como importante desao social, cujo
m é elevar o protagonismo feminino aos cargos parlamentares (Poder
Legislativo) e de gestão (Poder Executivo), por meio de uma política de
cotas especícas que estimule um contingente maior de mulheres elegíveis
a se candidatarem nos pleitos elevando, desta feita, a representação da
classe feminina nos poderes executivo e legislativo, caso eleitas.
Tais ações armativas possuem amparo legal no bojo da Lei
nº. 9.504/1997 (conhecida também como “Lei das Eleições”, a qual
fora reformada pela Lei nº. 12.034/2009) (BRASIL, 1997), bem
como da Lei n.º 9.096/1995 (tida como Lei dos Partidos) (BRASIL,
1995) e a mais recente Lei nº. 13.165/2015 (BRASIL, 2015), as quais
passaram a exigir cotas femininas maiores nos partidos e nas eleições;
a veiculação, pelos órgãos responsáveis, de campanhas institucionais
focadas no incentivo do ingresso político feminino; a organização das
comissões femininas dentro dos partidos políticos e, ainda, estipulando
regras acerca da divulgação das campanhas de candidatas mulheres em
período eleitoral.
Desta feita, o objetivo desta pesquisa, ainda em andamento,
e que decorreu dos estudos, debates e pesquisas do grupo de pesquisa
Políticas Públicas e Direitos Fundamentais, da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas (UFMS/CPTL) é analisar
a representatividade das mulheres nas eleições de 2016 e descobrir se as
políticas públicas positivadas acerca das cotas para mulheres nos partidos
políticos tem atingido o escopo de inserção da mulher no meio político.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 133
Para tanto, tem como problema: a previsão de cotas partidárias
tem possuído o condão de efetivar a inserção feminina nos espaços políticos,
com a eleição efetiva para mandatos, e a expansão da cidadania feminina,
enquanto conquista de direitos?
A pesquisa, do tipo documental e bibliográca, e valendo-se do
método dedutivo, será alicerçada pela doutrina e os dados coletados no
portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além disso, tomará como
referencial teórico o conceito de cidadania de Arendt (2012, p. 403). Os
reexos das ações armativas serão analisados levando-se em consideração
o recorte temporal atinente às eleições de 2016, período em que as
mulheres, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, totalizaram mais de 30%
dos candidatos (BRASIL, 2016a).
Assim, o presente trabalho será dividido em três partes. A
primeira incumbir-se-á de analisar o surgimento do direito ao voto e
a possibilidade de candidatura política de mulheres no cenário político
brasileiro. Em continuidade, será discutida a importância da criação e
efetivação de ações armativas de proteção à participação política da
mulher e, por derradeiro, serão analisados os dados da participação
feminina nas eleições de 2016.
1. A conquistA Do Direito De VotAr e ser VotADA PelA mulHer no
brAsil
A Constituição Federal de 1988 representa um grande marco na
luta pela igualdade de gênero no Brasil, ao preceituar que: “[...] Homens e
mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição
(BRASIL, 1988). Além disso,
[...] o Estado brasileiro tem como princípio a armação dos direitos
humanos como universais, indivisíveis e interdependentes e, para
sua efetivação, todas as políticas públicas devem considerá-los na
perspectiva da construção de uma sociedade baseada na promoção
da igualdade de oportunidades e da equidade, no respeito à
diversidade e na consolidação de uma cultura democrática e cidadã.
(BRASIL, 2007, p. 11).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
134 |
No mesmo sentido, Gomes (2003, p. 71) arma que
[...] o reconhecimento dos diversos recortes dentro da ampla
temática da diversidade cultural (negros, índios, mulheres, pessoas
com deciência, LGBT, entre outros) coloca-nos frente a frente
com a luta desses e outros grupos em prol do respeito às diferenças.
Coloca-nos, também, diante do desao de concretizar práticas em
que a história e a diferença de cada grupo social e cultural sejam
respeitadas dentro de suas especicidades sem perder o rumo do
diálogo, da troca de experiências e da garantia dos direitos sociais.
Esta igualdade de gênero contempla os direitos civis, sociais e
políticos, dentre estes o direito ao voto e o de candidatura, possibilitando o
empoderamento e representatividade às mulheres, o que – acompanhando-
se o pensamento da lósofa alemã Hannah Arendt – expande a cidadania
feminina, aqui entendida como “direito a ter direitos” (2012, p. 403).
Hoje, juntamente ao texto constitucional, as leis nº. 9.096/1995 (BRASIL,
1995), nº. 9.504/1997 (BRASIL, 1997) e nº. 12.034/2009 (BRASIL,
2009) garantem o sufrágio universal e, consequentemente, asseguram o
direito de a mulher votar e ser votada.
Mas nem sempre foi assim. O Brasil, reconhecidamente concebido
como sociedade patriarcal, à priori eivou as mulheres do direito ao sufrágio,
de forma que estas não participavam, nos primórdios da República, do
processo eletivo como eleitoras, quiçá como candidatas.
Acerca dessa proibição, é importante mencionar que tal
imposição não era exclusividade da sociedade brasileira, sendo recorrente
em diversos países. Desta feita, narra a história que durante o Século XIX,
os movimentos sociais, com destaque ao movimento feminista, iniciaram
reinvindicações pela instituição da cidadania representativa e social para
as mulheres, bem como pelo fornecimento de uma educação de qualidade
a estas, que possibilitasse uma mudança em sua condição social, pautada,
à época, pela divisão sexual do trabalho com diferenciação dos salários,
preferências de contratação, hierarquização e, ainda, como agentes sociais
submissos à gura do patriarca (BARBOSA; CAVALCANTI, 2010).
Com relação ao Brasil, após intensa campanha nacional pelo
direito das mulheres ao voto, somente em 24 de fevereiro de 1932, por meio
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 135
do Decreto 21.076, tido como Código Eleitoral Provisório, as mulheres
conquistaram o direito em escolher seus representantes, garantia essa que era
restrita apenas às mulheres casadas, que tivessem autorização dos maridos,
e às viúvas e solteiras que possuíssem renda própria. Tais restrições, por sua
vez, foram eliminadas em 1934 com o surgimento do Código Eleitoral
que previu o voto feminino irrestrito, embora a obrigatoriedade deste fosse
um dever masculino. Já em 1946, a obrigatoriedade do voto foi estendida
às mulheres, as quais, entretanto, ainda não gozavam de participação no
cenário político enquanto candidatas a cargos eletivos (BRASIL, 2016b).
Atualmente, com a vigência da Constituição de 1988, os direitos
políticos, previstos nos artigos 14 a 16 do referido diploma, se perfazem
pela capacidade de votar e ser votado, exercendo dessa forma, os direitos
inerentes à cidadania. Tal previsão, por óbvio, abrange também a classe
feminina, consubstanciado pelos ideais de igualdade e dignidade da pessoa
humana que permeiam o texto Magno.
Vericado o contexto histórico e a trajetória de conquista ao voto
pela mulher, bem como estabelecida a relação entre o voto e a conquista
da cidadania (ARENDT, 2012, p. 403), resta compreender de que forma
as leis vigentes estabelecem a criação de ações armativas para assegurar a
inserção da mulher no meio político e, ainda, se referidas leis têm possuído
o condão de eliminar desigualdades representativas, tema que será melhor
abordado no próximo item.
2. A imPortânciA DAs ões AfirmAtiVAs De Gênero PArA inserção
DA mulHer no meio Político
A previsão constitucional de voto à mulher, amparada pelas
normas programáticas de busca pela equidade de gênero em diferentes
relações sociais, não fora suciente para garantir o m da exclusão social
da mulher desde a promulgação do texto constitucional até os dias atuais.
Ainda hoje, é possível identicar circunstâncias sociais em que a mulher é
desfavorecida unicamente pelo seu gênero, seja nas esferas de trabalho, de
educação, autonomia e, mesmo, política.
Piovesan (2005, p. 48) explica como a existência de discriminação
de gênero representa um óbice à concretização dos ideais constitucionais
de igualdade e cidadania (ARENDT, 2012, p. 403):
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
136 |
Vale dizer, a discriminação signica toda distinção, exclusão,
restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado
prejudicar ou anular o exercício, em igualdade de condições, dos
direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
Logo, a discriminação signica sempre desigualdade. Esta mesma
lógica inspirou a denição de discriminação contra a mulher,
quando da adoção da Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher pela ONU, em 1979.
A discriminação ocorre quando somos tratados como iguais em
situações diferentes, e como diferentes em situações iguais.
Desta forma, passou-se a instituir as políticas de ações armativas
visando efetivar-se a igualdade material em diferentes interações sociais,
com destaque para as de gênero, que nos dizeres de Gomes (2001, p. 132):
As ações armativas se denem como políticas públicas (e privadas)
voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade
material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de
gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Na sua
compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio
jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo
constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade.
Já Barbosa e Cavalcanti (2011, p. 140) complementam tal
entendimento, apontando que as ações armativas possuem: “uma
nalidade decisiva ao projeto democrático, assegurando a diversidade
e a pluralidade cultural e social que denem as nuances da sociedade
brasileira, bem como a maior participação de grupos “vulneráveis” nas
esferas político-sociais”.
A preocupação em estabelecer políticas públicas armativas para
a participação política feminina ensejou no surgimento de uma política de
cotas especíca para tentar reverter a exclusão das mulheres brasileiras dos
cargos políticos. Foi após a 4ª Conferência Mundial das Mulheres, com a
aprovação da Lei nº. 9.100/95 (BRASIL, 1995), que passou a estabelecer
que “[...] vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou
coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres” (BRASIL,
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 137
1995). O partido, todavia, era obrigado a reservar as vagas, mas não tinha
a obrigação de preenchê-las (BRASIL, 2016b).
Referida previsão, no entanto, fora modicada com a aprovação
da Lei nº. 9.504/97 (BRASIL, 1997), conhecida como “Lei das Eleições”,
que buscou dar um caráter mais igualitário à política de gêneros nos
pleitos, estabelecendo que “[...] do número de vagas resultantes das regras
previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo
de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de
cada sexo”.
A obrigatoriedade imposta de percentual mínimo de mulheres nas
disputas eleitorais foi reforçada pela minirreforma eleitoral de 2009 (Lei nº.
12.034/2009) (BRASIL, 2009), que substituiu a expressão prevista na lei
anterior - “deverá reservar” - para “preencherá”. Outra alteração importante
da Lei nº. 9.504/97 (BRASIL, 1997) se deu pela inclusão do artigo 93-A,
com redação dada pela Lei nº. 13.165/2015 (BRASIL, 2015), pela qual
o TSE foi incumbido de promover propaganda institucional destinada a
incentivar a participação feminina na política, bem como a esclarecer os
cidadãos sobre as regras e o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro.
Outrossim, a Lei nº. 9.096/95 (BRASIL, 1995), que regula a
organização e funcionamento dos partidos políticos, ainda prevê eu seu
bojo a: utilização dos fundos partidários para a criação e manutenção de
programas de promoção e difusão da participação política das mulheres;
possibilidade de criação de uma secretaria da mulher para o respectivo
partido político e promoção e difusão da participação política feminina a
partir da propaganda partidária gratuita, dedicando às mulheres o mínimo
de 10% (dez por cento) do tempo do programa e das inserções destinadas
ao referido partido.
É importante ressaltar que a jurisprudência do TSE tem sido
rigorosa no cumprimento de tais determinações legais, mantendo o
entendimento de que, na impossibilidade de registro de candidaturas
femininas no percentual mínimo de 30%, o partido ou a coligação deve
reduzir o número de candidatos do sexo masculino para se adequar às cotas
de gênero. Corroborando para esse entendimento, a exemplo, os REsp.
nº. 12637, REsp. nº. 18110 e REsp. nº. 12552, o aludido órgão chegou a
cassar o tempo de propaganda partidária das legendas que não destinaram
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
138 |
o mínimo de 10% de sua propaganda para a promoção e participação das
candidatas femininas (BRASIL, 2016b).
A imposição de ações armativas aos agentes públicos
responsáveis pela elaboração e realização dos processos eleitorais representa
um importante passo rumo à inclusão política feminina. Nesse sentido,
coaduna Brabo (2010):
O que se apreende, tanto da teoria a respeito do tema quanto
da observação do cotidiano, é que a sociedade se democratizou
formalmente e em alguns aspectos. Em países como o Brasil,
que não chegou atingir o Estado do Bem-Estar Social, é real o
aviltamento de direitos e também a não democratização de muitas
instituições como a família, os partidos políticos e a escola, entre
outros. Apesar de haver, no Brasil, os mecanismos de participação
democrática apregoados em seu seio desde a década de 1980,
acreditamos que, conforme Giddens (1997), é necessário ainda
democratizar a democracia.
Neste diapasão, eleva-se a importância da criação de políticas
públicas para a inserção igualitária da mulher no cenário político para
ns de igualdade e construção da cidadania política feminina (ARENDT,
2012, p. 403). Ao próximo item, restará a função de analisar os resultados
das eleições de 2016, o que permitirá um mapeamento, através dos
dados, da dimensão, alcance e efetividade das ações armativas de cotas já
apresentadas.
3. A PArticiPAção femininA nAs eleições De 2016
A criação e manutenção das ações armativas especícas à
participação das mulheres na política, então positivadas como apresentado
no tópico anterior, garantem o amparo estatal durante a realização do
processo eleitoral, bem como asseguram a construção de sua cidadania,
enquanto “direito a ter direitos”.
É importante mencionar, também, que no decorrer da criação de
tais medidas armativas, o país chegou a ter a função de chefe do executivo
ocupado por uma mulher. A ex-presidenta, Dilma Rousse, concorreu à
eleição presidencial em 2010 tornando-se a primeira mulher a ser eleita
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 139
para o mais alto cargo, o de chefe de Estado e chefe de governo, em toda a
história do Brasil. Dilma, ainda, foi reeleita em 2014, contudo, em maio
de 2016, teve seu mandato presidencial cassado em função de um processo
de impeachment.
Desta forma, nas Eleições 2012, 134.296 mulheres se candidataram
aos cargos de prefeito e vereador, o que representou um aumento de 9,56%
em relação à eleição municipal de 2008. Destas mulheres, 132.308 (31,8%
do total de candidatos) estavam aptas a concorrer ao cargo de vereador.
Para prefeito, os dados correspondiam a 13,3%, o que equivale a um total
de 1.988 mulheres candidatas (BRASIL, 2016a).
Do total de eleitos em 2012, 8.287 foram mulheres, representando
13,19%. Ao todo, foram eleitas 657 prefeitas, que correspondem a 11,84%
do total das 5.568 vagas, e 7.630 vereadoras, o que equivale a 13,32% dos
eleitos. O número comprova um crescimento em relação a 2008, quando
7.010 mulheres foram eleitas a esses mesmos cargos, representando 12,2%
do total (BRASIL, 2016c).
Com relação à Eleição 2016, do total de candidatos elegíveis,
156.994 (31,74%) eram do sexo feminino, enquanto 337.611 (68,25%)
eram homens. Na disputa para os cargos de vereador em todo o país, a
proporção de mulheres era de 32,93%. Na disputa majoritária (para
prefeito), 12,66% dos candidatos eram do sexo feminino. Além disso, as
mulheres representaram aproximadamente 52% do número de eleitores
(BRASIL, 2016c).
Dos índices apontados acima, considerando a existência de
5.568 municípios existentes no território nacional, todavia, apenas 8.456
mulheres, ou seja, 13% foram de fato eleitas (BRASIL, 2016c). Além disso,
as mulheres também representaram nas referidas eleições, mais da metade
do número de eleitores, ou seja, 52%, totalizando cerca de 75.226.056
mulheres cadastradas na Justiça Eleitoral (BRASIL, 2016c).
Assim, é perceptível que, desde a aprovação das referidas leis, a
participação política da mulher tem crescido. Sobre este fato, salientam
Barbosa e Cavalcanti (2010, p. 138):
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
140 |
A lenta participação das mulheres na política tem sido explicada
a partir dessas premissas. Ao longo da História, tem prevalecido a
divisão de papeis e dos espaços. O que reete uma sociedade em
mudança em que o patriarcado sempre foi predominante, cabendo
às mulheres a responsabilidade de “cuidar” das coisas da família e
aos homens a incumbência de resolver os assuntos públicos.
Todavia, apesar do crescimento na participação feminina
no cenário político brasileiro, as mulheres ainda ocupam hoje baixos
percentuais de vagas nos cargos eletivos no Brasil: são 10% do total de
deputados federais e 14% do total de senadores, embora seja metade da
população e da força de trabalho na economia. O percentual é idêntico nas
assembleias estaduais e menor ainda nas câmaras de vereadores e no Poder
Executivo.
Possível explicação para essa realidade é apontada por Barbosa e
Cavalcanti (2011, p. 150):
A herança cultural afasta as mulheres das instâncias de poder,
sobretudo nas eleições para cargos majoritários, como é o caso
do poder Executivo. Muito precisa ser feito para transformar as
estruturas que reforçam as discriminações de gênero, modicar
a imagem que as mulheres criaram sobre si mesmas, desaar os
sentimentos de inferioridade, diminuir a desigualdade social e
compartilhar responsabilidades e experiências.
Todavia, ainda que os números supracitados representem que as leis
em vigor têm sido aplicadas de forma a exigir cotas especícas às mulheres
enquanto candidatas e, também, que tais medidas têm levado à maior
participação política das mulheres enquanto eleitoras, os resultados obtidos
nas eleições alertam sobre a verdadeira efetividade de tais ações armativas.
Ressalta-se que dos 30% de candidatas mulheres disponíveis para serem
votadas em 2016, apenas 13% foram, de fato, eleitas (BRASIL, 2016c).
Nesta perspectiva, ainda que maior a participação feminina no
cenário político, a simples análise dos números obtidos pela mais recente
votação atesta que a condição da mulher na política brasileira, diante das
ações armativas que a cercam, ainda se mostra carente de efetividade.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 141
Mesmo representando metade da população e da força de trabalho
na economia, bem como, de mais da metade do número de votantes, os
baixos percentuais de vagas nos cargos eletivos no Brasil ocupados por
mulheres deixam em dúvidas acerca do real interesse em se garantir que
exista, de fato, igualdade política entre os gêneros.
No mesmo viés, o potencial eletivo feminino e a baixa adesão às
plataformas das campanhas lideradas por mulheres simbolizam outro ponto
alarmante acerca da representatividade política destas: as mulheres não se
veem representadas pelas candidatas ou não há consciência política das
eleitoras em se fazer representar por alguém de mesmo gênero, destoando da
prática cultural que até então concedeu aos homens o papel de administrar e
decidir os rumos da nação, a partir de seus diferentes poderes.
Nesse aspecto, pautas importantes às mulheres acabam sendo
subrepresentadas em sede dos poderes públicos, dentre as quais é possível
citar-se: o m da violência física e moral, a busca por um planejamento
urbano seguro e inclusivo, por um acesso à saúde de qualidade, a trabalho
e renda, e à saúde reprodutiva. Temas por vezes polêmicos que, se não
defendidos pelas reais afetadas por sua positivação ou não, podem trazer
o retrocesso às poucas conquistas já realizadas pelas mulheres em sede
política, a exemplo do Projeto de Lei nº. 6.033/2013, de autoria do
deputado Eduardo Cunha, que propõe a anulação da Lei nº. 12.485/2013,
a qual institui que o Sistema Único de Saúde - SUS deve oferecer às vítimas
de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar
(art. 3º, III), incluindo, entre outras coisas, a prolaxia da gravidez (art.
3º, IV) (FARIAS, 2016).
Assim, pelos dados coletados junto ao TSE apontam que, embora
as políticas públicas de inserção da mulher no cenário político brasileiro
tenham surtido efeitos, seus avanços ainda são tímidos, o que exsurge a
necessidade indubitável de estudos acerca da efetividade, eciência e
ecácia das ações armativas acerca das questões de gênero na política,
com destaque especial à representatividade e o exercício de mandatos
eletivos no Brasil por mulheres, bem como a construção de suas cidadanias
(ARENDT, 2012, p. 403).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
142 |
consiDerAções finAis
O desfecho das eleições municipais de 2016 reforça a necessidade
de que sejam repensadas as políticas públicas que efetivem, de forma
estrutural, a participação e representação das mulheres nas disputas
eleitorais, todavia, a maior participação de mulheres nos processos eletivos,
somente, não representa a qualidade dessas participações.
A mera existência de cotas de candidaturas, por sua vez, não tem
se mostrado de todo eciente na garantia da participação feminina, anal
não asseguram o preenchimento de cadeiras parlamentares, por exemplo,
de fato, por mulheres. Ademais, ainda que houvesse reserva de cargos
políticos às mulheres, tal prática não garantiria que as candidatas eleitas
estivessem, de fato, alinhadas com as causas femininas e, tampouco, que o
processo democrático se mantivesse preservado.
Por esse motivo, a existência das ações armativas especícas
ao incentivo político feminino permite que as mulheres deem voz às
demandas de gênero e, estando presentes nos espaços públicos, consigam
intervir na elaboração das agendas públicas, interagindo, em sede de
democracia, com a classe que representam e com os demais atores sociais,
levando à transformação social tão ansiada pelas pautas femininas que por
anos foram ignoradas pelas políticas públicas.
Contudo, sua aplicação deve ser efetiva, a m de gerar, de fato,
a transformação cultural da imagem da mulher em sede política, não a
restringindo à mera previsão legislativa e causa de sanção partidária ou
de campanha em caso de descumprimento das previsões que a norteiam,
concebendo uma participação política feminina atuante frente às
reminiscências do patriarcado e com foco na eliminação da exclusão da
mulher não apenas no âmbito privado, mas também no espaço público,
expandindo, com isso, a noção de suas cidadanias, aqui entendida como
direito a ter direitos” (ARENDT, 2012, p. 403).
referênciAs
ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São
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Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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| 145
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T (MST)
Jenier Ribeiro Pessôa
introDução
O movimento feminista possui grande inuência na mudança dos
papéis sociais, e na luta pela igualdade entre homens e mulheres em todo o
mundo. Como movimento social, o movimento feminista ganhou forma
como movimento social no nal do século XIX e início do século XX.
Contudo, quando analisamos os movimentos sociais, é possível armar
que os movimentos de mulheres ou feministas estão entre os considerados
Este trabalho advém de parte da pesquisa bibliográca e documental da dissertação de mestrado intitulada A
formação educacional e a igualdade de gênero no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para esse
texto faremos um recorte em que abordaremos os avanços das políticas de igualdade e, a introdução do conceito
de gênero no MST.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
146 |
mais recentes (DAL RI, 2017, p. 169). Em resumo, o conteúdo da tese
feminista está principalmente na luta pela igualdade social para ambas as
categorias de sexo (SAFFIOTI, 2015, p. 49).
No século XIX e início do século XX, a ideia de ‘direitos iguais
em torno da cidadania que implicava a igualdade entre os sexos,
incentivou uma mobilização feminista importante na Europa, nos
Estados Unidos e em outros países do continente americano. As
mulheres conseguiram romper com algumas desigualdades em
termos formais ou legais, particularmente no que se refere ao direito
ao voto, à propriedade e à educação. (MARQUES, 2017, p. 72).
O movimento feminista brasileiro foi inspirado pelas lutas dos
movimentos feministas da Europa e dos Estados Unidos. No Brasil, o
movimento ganha destaque da década de 1930, com a luta pelo direito ao
voto que foi adquirido em 1932, e continuamente foram atingindo outros
direitos que antes não lhes eram possíveis devido a sociedade patriarcal que
pairava na sociedade e predomina até hoje.
O feminismo surge para lutar contra as desigualdades sociais
entre homens e mulheres e, lutando por igualdade em todos os âmbitos.
“Em nossa sociedade existem três grandes desigualdades entre as pessoas e
grupos. Essas desigualdades são expressas através das categorias: raça/etnia,
classe social e gênero” (MST, 2003, p. 30).
Quando estas questões se problematizam é possível vericar as
relações sociais, os valores, a relação de classes e as contradições presentes.
Por isso, os movimentos feministas passaram à incorporar as questões de
gênero, tornando a sua luta mais abrangente.
Os estudos de gênero, aqui incluindo as categorias ‘mulher’,
mulheres’, ‘feminismo’, ‘feminilidades’, ‘masculinidades’ e
‘relações de gênero’, têm buscado se colocar no centro do debate
historiográco, tentando fazer com que essas categorias se tornem
comuns para quem pesquisa nesse campo (PEDRO, 2011, p. 277).
Portanto, destacamos que na “[...] perspectiva de análise que
partilhamos, gênero é entendido como um padrão socioeconômico e
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 147
cultural que dene o que é masculino e o que é feminino, em cada contexto
histórico” (SABIA; BRABO, 2016, p. 177).
Um fator relevante para a participação das mulheres nos
movimentos sociais, é que estes buscam novas relações, fundamentadas em
novos valores, portanto, ao pensarem nas questões necessárias para essas
mudanças, surgem questões como a igualdade de gênero. Nesse sentido,
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) entende que o
feminismo é um “[...] movimento pela melhoria e extensão do papel e dos
direitos da mulher na sociedade [...] é um movimento de luta, organizado
por mulheres, que surge exatamente para combater o machismo” (MST,
2003, p. 88).
No período de 1964 a 1985 o Brasil esteve sob o governo militar.
O cenário político-econômico dessa época e a luta contra a ditadura militar
impulsionou o surgimento de novos movimentos sociais no país. Dentre
esses movimentos, destaca-se o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), que foi fundado ocialmente em 1984.
O MST teve sua gestação no período de 1979 a 1984, e foi criado
formalmente no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores
Sem Terra que aconteceu de 20 a 22 de janeiro de 1984, em
Cascavel, no Estado do Paraná. Esse encontro teve a participação
de trabalhadores rurais de doze estados, onde já se desenvolviam
ocupações ou outras formas de luta ou de resistência na terra, bem
como de diversas entidades que se colocavam como apoiadoras
ou, em alguns casos, articuladoras dessas lutas (CALDART, 2004,
p. 101-102).
Assim que fundado, o Movimento estipulou três objetivos
principais: lutar pela terra; lutar pela reforma agrária; e, lutar por mudanças
sociais no país. A luta por mudanças sociais é entendida pelo MST como
uma transformação dos Sem Terra em sujeitos sociais, ou seja, trata-se de
um processo educativo, de formação humana.
Neste processo, o MST apóia-se em seus princípios losócos
e pedagógicos, que “[...] são o resultado de práticas realizadas, das
experiências que estamos acumulando nestes anos de trabalho” (MST,
1996a, p. 4). Os princípios losócos e pedagógicos do MST incorporam
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
148 |
suas concepções da realidade, e as contradições que homens e mulheres
Sem Terra vivem no campo, apontando caminhos para a construção de
um novo conhecimento, impulsionando mudanças nas relações sociais, no
modo de produção e criando possibilidades de superação das desigualdades
de classe e gênero com o objetivo de contribuir para a construção de um
sistema econômico socialmente justo e com uma cultura solidária.
Para levar a diante seu projeto pedagógico, o MST promoveu a
criação do Setor de Gênero no ano de 2000, que tem como principal objetivo
levar a discussão de gênero para o conjunto do MST, por meio de estudos
e reexões, divulgando cartilhas cujo conteúdo destaca a importância de se
estabelecer novas relações para se avançar na luta de classes.
Desse modo, o principal objetivo deste texto é apresentar uma
análise dos avanços das políticas de gênero do MST, que foram inuenciadas
pelos movimentos feministas.
É importante destacar que nos documentos analisados
vericamos que para ampliar a luta pela igualdade que o MST deixou para
trás as chamadas questões das mulheres e introduziu as questões de gênero
por considerar uma categoria mais abrangente, e não para substituir a
categoria mulher. Todavia, não expressa nesses documentos à existência e/
ou participação especíca de militantes LGBT.
1. o moVimento feministA e Gênero
O movimento feminista produz sua própria reexão crítica e
teórica. Esta coincidência entre militância prática e teoria impulsionou o
feminismo da segunda metade do século XX e as mulheres de classe média,
a partir de duas vertentes: da história do feminismo, ou seja, da ação do
movimento feminista, e da produção teórica feminista nas áreas da história
provocando um interessante embate e reordenamento de diversas naturezas
na história dos movimentos sociais (PINTO, 2010, p. 15).
Segundo as teorias dos movimentos feministas europeus, esses
podem ser divididos em ondas que são delimitadas de acordo com as
reivindicações de cada momento histórico.
A primeira onda foi pelo reconhecimento da mulher como
sujeito de direitos. Essa luta foi caracterizada pela criação da Declaração dos
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 149
Direitos da Mulher e da Cidadã, exigindo status de completa assimilação
jurídica, política e social das mulheres, escrito por Olympe de Gouges
em resposta a declaração que não contemplava às mulheres. “Já desde a
Revolução Francesa os direitos humanos foram pensados no masculino:
declaração universal dos direitos do homem e do cidadão” (SAFFIOTI,
1999, p. 84).
É a partir da Revolução Francesa, em 1789, que as mulheres passam
a atuar na sociedade de forma mais signicativa, reivindicando a
melhoria das condições de vida e trabalho, a participação política,
o m da prostituição, o acesso à instrução e a igualdade de direitos
entre os sexos. É nessa época que surge o nome da francesa Olympe
de Gouges. Em 1791, ela lança a ‘Declaração dos Direitos da
Cidadã’, onde reivindicava o ‘direito feminino a todas as dignidades,
lugares e empregos públicos segundo suas capacidades’. Armava
também que ‘se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, ela
deve poder subir também à tribuna’. Olympe de Gouges foi julgada,
condenada à morte e guilhotinada em 3 de março de 1793, por
ter querido ser um homem de estado e ter esquecido as virtudes
próprias do seu sexo’. Nesse mesmo ano, as associações femininas
foram proibidas na França. (MST, 2003, p. 69).
A continuidade dessa luta foi pelo direito voto feminino que
ocorreu ainda na primeira onda do feminismo, as mulheres reivindicavam
que tivessem os mesmos direitos políticos que os homens principalmente
o direito ao voto. Essas mulheres caram conhecidas como as sufragetes.
Mas a chamada primeira onda do feminismo aconteceu a partir das
últimas décadas do século XIX , quando as mulheres, primeiro na
Inglaterra, organizaram-se para lutar por seus direitos, sendo que o
primeiro deles que se popularizou foi o direito ao voto. As sufragetes,
como caram conhecidas, promoveram grandes manifestações em
Londres, foram presas várias vezes, zeram greves de fome. Em
1913, na famosa corrida de cavalo em Derby, a feminista Emily
Davison atirou-se à frente do cavalo do Rei, morrendo. O direito
ao voto foi conquistado no Reino Unido em 1918. (PINTO, 2010,
p. 15).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
150 |
Essa mesma reivindicação das mulheres pelo direito ao voto, que
se encontram as origens do movimento feminista no Brasil, marcando a
primeira onda do feminismo brasileiro.
No Brasil, a primeira onda do feminismo também se manifestou
mais publicamente por meio da luta pelo voto. As sufragetes
brasileiras foram lideradas por Bertha Lutz, bióloga, cientista de
importância, que estudou no exterior e voltou para o Brasil na
década de 1910, iniciando a luta pelo voto. Foi uma das fundadoras
da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, organização que
fez campanha pública pelo voto, tendo inclusive levado, em 1927,
um abaixo-assinado ao Senado, pedindo a aprovação do Projeto de
Lei, de autoria do Senador Juvenal Larmartine, que dava o direito
de voto às mulheres. Este direito foi conquistado em 1932, quando
foi promulgado o Novo Código Eleitoral brasileiro (PINTO, 2010,
p. 15-16).
Essa luta durou muito tempo, pois mesmo após conseguir o direito
ao voto, houve uma demora em implementar esse direito na legislação e,
assim, garantir a efetivação do direitos das mulheres em votarem e serem
votadas. “Anal, o direito ao voto feminino foi concedido em 1933 e
garantido na Constituição de 1934. Mas só veio a ser posto em prática
com a queda da ditadura getulista. As mulheres brasileiras votaram pela
primeira vez em 1945” (MST, 2003, p. 71).
Já a segunda onda do feminismo europeu é marcada principalmente
pelo livro O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, publicado pela primeira
vez em 1949. Nesta obra, Beauvoir estabelece uma das máximas da nova
onda do feminismo com a seguinte armação:
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino
biológico, psíquico, econômico dene a forma que a fêmea
humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização
que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado
que qualicam de feminino. (BEAUVOIR, 1980, p. 9).
A denição de gênero baseia-se nas diferenças que distingue os
sexos, e nos papéis e status atribuídos socialmente a cada sexo, constitutivos
da identidade sexual dos indivíduos, em que se permeiam relações de poder.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 151
Apesar de não criar e usar especicamente o termo gênero Beauvoir (1980)
foi pioneira em compreender que diferenças entre homens e mulheres são
culturalmente construídas.
A nomenclatura surgiu apenas posteriormente, com Robert
Stoller que passou a empregar o termo gênero para explicar que as diferenças
entre homens e mulheres não era em relação ao sexo, mas conforme sua
identidade, ou seja, como o indivíduo se sente.
Em 1968, Robert Stoller, no livro ‘Sex and Gender’, empregou a
palavra ‘gênero’ com o sentido de separação em relação ao ‘sexo’. Neste
livro, Robert Stoller estava discutindo sobre o tratamento de pessoas
consideradas ‘intersexos e transexuais’, enm, tratava de intervenções
cirúrgicas para adaptar a anatomia genital (considerada por ele como
sexo) com sua identidade sexual escolhida (considerada como gênero).
Para este autor, o ‘sentimento de ser mulher’ e o ‘sentimento de ser
homem’, ou seja, a identidade de gênero era mais importante do que as
características anatômicas. Neste caso, o ‘gênero’ não coincidia com o
sexo’, pois pessoas com anatomia sexual feminina sentiam-se homens,
e vice-versa. (PEDRO, 2005, p. 78).
No entanto, o conceito de gênero não prosperou logo em seguida.
“Só a partir de 1975, com o famoso artigo de Gayle Rubin, mulher,
fruticaram estudos de gênero, dando origem a uma ênfase pleonástica em
seu caráter relacional e a uma nova postura adjetiva, ou seja, a perspectiva
de gênero” (SAFFIOTI, 2015, p. 114-115, grifos da autora).
O conceito de gênero destaca que as diferenças entre homens
e mulheres são culturalmente construídas em cada sociedade. Essas
construções são manifestas principalmente nos papéis sociais que cada um
desempenha e o valor dado ao trabalho desempenhado por cada indivíduo
de acordo com o gênero. Cada sociedade constrói culturalmente o papel
social do masculino e feminino, ditando as prossões, estilos e atributos
em geral adequados a cada um. Portanto, gênero é usado para indicar a
construção social do ser homem e do ser mulher como categoria social.
O conceito de gênero está relacionado à construção sociocultural do
sexo. Isto coloca as diferenças entre homens e mulheres no campo
das relações de gênero, uma vez que são utilizadas para justicar as
desigualdades sociais. Esta concepção diferencia-se da compreensão
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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estrita do sexo em sua dimensão biológica, justicadora de
essencialismos, atribuindo a homens e mulheres uma ‘natureza
imutável’. [...] O conceito de gênero se inscreve em um universo
relacional. Portanto, há que se considerar o binômio igualdade/
diferença na construção de gênero. A mulher, sujeito oprimido,
vivencia um processo de dominação/exploração, cuja ideologia de
gênero, com ns de discriminação, busca atingir ecácia política,
naturalizando as diferenças que foram socialmente construídas, e
que podem, por isso, ser transformadas (CHAVES, 2009, p. 24).
Os estudos de gênero fazem parte “[...] de uma tentativa
empreendida pelas feministas contemporâneas para reivindicar um certo
terreno de denição, para insistir sobre a inadequação das teorias existentes
em explicar as desigualdades persistentes entre as mulheres e os homens
(SCOTT, 1990, p. 13). Na década de 1990 o conceito de gênero ganha
força por inuência das pesquisadoras feministas norte-americanas “[...] as
feministas começaram a utilizar a palavra ‘gênero’ mais seriamente, num
sentido mais literal, como uma maneira de se referir à organização social
da relação entre os sexos” (SCOTT, 1990, p. 5). O objetivo é assinalar que
as características e comportamentos que reputamos como naturais de um
gênero são construções sociais e culturais e que, portanto, não podem ser
interpretadas como determinados por aspectos biológicos, ou seja, exclui
referências para as diferenças biológicas e foca nas diferenças culturais.
O termo gênero emerge no Brasil primeiramente durante às
décadas de 1970 e 1980, em meio à problemática da condição feminina,
ou seja, acreditava-se que havia um problema da mulher, que deveria ser
pensado unicamente pelas mulheres. “A discussão geral sobre a questão do
gênero surge no interior do movimento feminista como uma necessidade
de trabalhar com uma categoria mais condizente com seus objetivos
políticos emancipatórios” (MELO, 2001, p. 55).
A construção deste conceito e, a situação do Brasil na década de
1980, - com a luta contra a ditadura militar - fortaleceram o movimento
feminista e de mulheres, que além de se posicionar contra a ditadura,
desencadeou outros tipos de lutas, com avanços para a igualdade de gênero
como, por exemplo, por serviços especícos para atender às mulheres
vítimas de violência.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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As discussões sobre gênero se ampliaram no interior dos movimentos
feministas inuenciadas, inclusive, pelas transformações das
orientações teóricas e das práticas do feminismo passando pelo
movimento” das “três ondas”, conforme Pedro (2005). O feminismo
inicia o uso do gênero para explicitar que as identidades de gênero
denem os gostos, os comportamentos, os sentimentos masculinos e
femininos, não havendo uma coincidência com o sexo/características
anatômicas. E ainda, o gênero surge para o feminismo quando passa
a pautar as discussões para explicar/questionar/superar a condição de
inferiorização e subordinação para a qual as mulheres, historicamente,
foram direcionadas e condicionadas – com resistências cotidianas.
(FARIAS, 2011, p. 10).
Os estudos de gênero inuenciaram os movimentos rurais, os
quais foram, aos poucos, incorporando essa categoria para repensar suas
práticas, ou seja, foram percebendo a necessidade de incorporar a luta
feminista dentro da luta pela terra.
O movimento feminista ganhou espaço com as mulheres na
esfera rural, pois os movimentos sociais incentivam a luta pela conquista
de seu espaço, assim as mulheres passaram a buscar conhecimento para
fundamentar sua luta. Assim, “[...] o movimento feminista camponês
coloca para os estudos feministas questões e problemas que renovam
criticamente seus conceitos e categorias” (MARQUES, 2017, p. 85).
O conceito de gênero, para os movimentos engajados na luta contra
as desigualdades, mostra que é possível transformar essa realidade.
Na medida em que explicita que as relações de gênero são uma
construção social e não uma consequência natural de diferenças
biológicas, evidencia que estas relações podem ser mudadas, que se
podem construir novas relações (SABIA; BRABO, 2016, p. 177).
Os movimentos feministas possibilitaram às mulheres, a
oportunidade de conquistarem a ampliação no espaço de igualdade com
os homens, além da proteção legal, e políticas públicas que garantem a
igualdade entre homens e mulheres. Contudo, “[...] podemos concluir que
a luta pela igualdade de gênero vem sendo levada ao longo dos séculos e
terá muito que avançar ainda” (DAL RI, 2007, p. 54).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
154 |
Com a grande expressão o movimento feminista, ganhou espaço
na sociedade e, em “[...] organismos governamentais e não governamentais,
inuenciando o planejamento e a efetivação de políticas públicas
direcionadas às mulheres. Outrossim, esse Movimento impactou a atuação
de outros movimentos sociais como o MST.” (CHAVES, 2009, p. 23).
Assim, o MST, passou a pensar nas questões das mulheres e da igualdade
de gênero, proporcionando melhores condições às mulheres do campo,
grande parte inuenciada pelos movimentos feministas.
2. A iGuAlDADe De Gênero no mst
As questões da mulher e de gênero e a luta pela igualdade são
necessárias na luta por uma sociedade mais justa e igualitária, por isso
a preocupação do MST em acrescentar nos seus objetivos de luta essas
questões. “Os estudos feministas sobre os movimentos de mulheres
camponesas vericam que há um elemento que as tem unicado nos
últimos anos. Esse elemento é a luta pelo acesso à terra como seu direito
de propriedade e de trabalho e subsistência” (MARQUES, 2017, p. 81).
O MST reconhece a diculdade de abordar o tema gênero, pois
se trata de concepções e valores presentes nas relações sociais cotidianas
e que são considerados naturais na sociedade, pois foram culturalmente
sendo construídas e reconstruídas ao longo do tempo. Além disso, “[...] há
a diculdade de relacionar o conceito com a realidade, pois trata-se de uma
abordagem nova para o velho problema da desigualdade entre homens e
mulheres” (MST, 2003, p. 7).
Partindo do entendimento de que gênero é uma construção social,
o conceito busca derrubar “[...] uma velha compreensão de que homens
e mulheres têm funções sociais porque são biologicamente diferentes.
(MST, 2003, p. 7-8).
No sentido de debater e promover a igualdade de gênero, o MST
trabalha com discursos, ações e práticas para a formação dos militantes
forjando novos valores, conscientizando sobre a necessidade de mudanças
e tentando romper com a ideologia dominante.
A primeira ação do Movimento no sentido de promover a
igualdade de gênero ocorreu em seu I Congresso Nacional realizado
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 155
em 1985, no qual foram aprovadas normas gerais e a organização de
comissões de mulheres para discutir problemas especícos como: estimular
a participação das mulheres em todos os níveis de atuação, instâncias de
poder e representatividade; combater toda forma de discriminação das
mulheres; e, lutar contra o machismo. Desta forma, “[...] em todos os
níveis de organização: núcleos de base, nos grupos de ocupação, comissão
municipal, comissão dos movimentos regionais, comissão estadual, e
coordenação nacional, deve ter companheiras mulheres trabalhadoras
(MST, 1986a, p. 9).
O Caderno de Formação n. 10 com o título A luta continua: como
se organizam os assentados apresenta as resoluções políticas do Movimento,
acerca da igualdade de gênero.
1.
o
) Que os homens apóiem as iniciativas e a organização das
mulheres, dando força para suas esposas participarem.
2.
o
)Que os assentamentos onde as mulheres já têm organização
ajudem as mulheres dos outros assentamentos onde não há esta
organização e está difícil de começar a nível de estado.
3.
o
) Que as mulheres assentadas incentivem e animem as mulheres
dos sem terra a participar das reuniões e do Movimento.
4.
o
) Que nas comissões dos assentamentos, estaduais e nacional, as
mulheres conquistem o seu espaço, sem paternalismos, mas sendo-
lhes reconhecida a capacidade de ocupar tais cargos.
5.
o
) Que as secretarias estaduais dos sem terra enviem material para
ajudar a organização das mulheres nos assentamentos
6.
o
) Que as mulheres participem na renovação sindical, exijam o
direito de associação e conquistem seu espaço nas diretorias.
7.
o
) Que as mulheres votem nos candidatos que são mulheres e/
ou trabalhadores que defendem os direitos dos assentados e das
mulheres na Constituinte.
8.
o
) Que, ao tirar documentos em que conste a prossão, as
mulheres possam colocar que são trabalhadoras rurais, não
aceitando a simples denominação ‘doméstica’ ou ‘do lar’. Isto é
importante agora na troca de título de eleitor e em caso de título de
eleitor e em caso de núpcias na certidão de casamento, entre outros.
(MST, 1986b, p. 33).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Essas são as primeiras resoluções aprovadas pelo MST como
diretrizes para tentar garantir a participação política das mulheres na
luta pela reforma agrária, pois “[...] a existência desta resolução denota
que o processo de construção de novas formas de relações humanas nas
comunidades assentadas pelo movimento começava a ser colocado na pauta
dos problemas a serem enfrentados e solucionados no MST” (MELO,
2007, p. 120).
As orientações apresentadas tratam do incentivo à participação
das mulheres em todos os níveis de atuação, do combate a qualquer tipo de
discriminação das mulheres e do estímulo à organização das mulheres em
comissões em nível nacional. Segundo Melo (2007) as resoluções tiveram
por objetivo buscar soluções para o problema das discriminações de gênero
e fazer com que a luta pela igualdade deixe de ser reservada ao coletivo de
mulheres, e passe a ser um princípio político norteador dos processos de
lutas do MST. Desse modo, as resoluções trouxeram uma atenção mais
apurada à participação política das mulheres e à igualdade de gênero.
A cartilha organizada pelo Coletivo Nacional de Mulheres sob
o título A questão da mulher no MST (1996b), apresenta um plano de
trabalho oriundo do I Encontro Nacional das Mulheres Militantes do
MST, realizado de 25 a 28 de maio de 1996. “Nesse encontro, além de
discutirem sobre a construção histórica da dominação de gênero nas
relações sociais, discutiram sobre o cotidiano a mulher no processo de luta
pela terra e sua inserção nas instâncias decisórias do movimento” (MELO,
2007, p. 132). Para pôr em prática a construção das novas relações de
gênero o programa traça alguns objetivos:
1. Nossos objetivos estratégicos
a) construir novos valores no cotidiano (família, militância,
direções, postura pessoal);
b) tratar a questão de classe e gênero enquanto princípio;
c) massicar e qualicar a participação das mulheres;
d) dar organicidade à participação das mulheres;
2. Nossos objetivos especícos:
a) criar mecanismos para garantir a participação das mulheres em
todos os níveis (creches e outras)
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 157
b) criar novas relações em que os resultados políticos, econômicos
e sociais sejam distribuídos de forma igualitária entre homens e
mulheres. (MST, 1996b, p. 7).
Para tanto, o Movimento estabelece níveis de ação, em que uma
das tarefas do coletivo consistia em fazer com que nas instâncias do MST
“[...] todos os setores discutam e encaminhem concretamente a questão de
gênero” e ainda que busquem “[...] garantir espaços de estudo e discussão
em instâncias criando mecanismos de participação” (MST, 1996b, p. 8).
A questão da mulher também é destacada na cartilha Compreender
e construir novas relações de gênero (MST, 1998), que serve “[...] de
documento permanente de estudo e aprofundamento entre a militância
do MST, para compreendermos e construirmos novas relações de gênero
no nosso dia-a-dia” (MST, 1998, p. 5). Para responder qual o papel das
mulheres, o texto arma que
[...] é o mesmo papel político desempenhado pelos homens, porém
do jeito da mulher, ou seja, é o papel de atriz política, com sua
característica de gênero feminino e de classe trabalhadora e que,
por assim ser, é muito mais que estratégia para a resistência nas
ações, e muito mais que esposa e mãe somente (MST, 1998, p. 49).
Posteriormente, o Coletivo Nacional de Gênero lançou a
cartilha Mulher Sem Terra (1999), com propostas para oito encontros.
As propostas foram fruto “[...] do MST para fortalecer a participação e
organização das mulheres” (MST, 1999, p. 4). A cartilha traz orientações
para a reexão sobre a realidade e para que as mulheres busquem meios
para a construção de uma participação igualitária. O grande avanço dessa
cartilha é a construção do conceito de gênero. O Movimento aponta a
“[...] importância da mulher no seu desenvolvimento como ser humano,
da sua igualdade na diferença com o homem [para construir] [...] novas
relações de poder [...] baseadas em novos valores” (MST, 1999, p. 11).
E arma que a maneira de viver na sociedade como mulheres ou como
homem, é de acordo com os costumes, por isso conclui que “[...] é cultural.
Portanto pode ser mudado!” (MST, 1999, p. 12).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Nós mulheres, somos diferentes dos homens, mas não somos
inferiores. Politicamente, somos iguais. Existe na sociedade o
masculino e o feminino, mas está organizada PELO masculino e
PARA o masculino, falta a participação do feminino. Queremos é
que o ser feminino participe da organização dessa sociedade para
que ela seja pensada pelos dois e para os dois. Sendo assim, não dá
para continuar falando que existe um papel para a mulher e um
papel para os homens. Em nossos Acampamentos e Assentamentos
e na nova sociedade, o papel das mulheres é o mesmo papel político
desempenhado pelos homens, porém do jeito da mulher. Não
queremos ser vistas apenas como mães e esposas, ou simplesmente
estar presentes nas ações. Queremos sim, ocupar os espaços de
decisões em todos os níveis na nossa organização e na sociedade que
almejamos construir. A cada mulher maltratada pelo machismo,
pela violência que o sistema nos impôs há mulheres e homens
que lutam e são felizes. Lhe ofertando ores de novas relações
de libertação. Quando alguém lhe perguntar: Quem é esse novo
homem, essa nova mulher? Onde eles estão? Grita: Eles estão
dentro de cada uma e cada um de nós. (MST, 1999, p. 14).
Para fortalecer e envolver a todos no debate, é que foi criado o
Setor de Gênero em um Encontro Nacional do MST, no ano de 2000,
com a tarefa de estimular o debate sobre gênero nas instâncias e espaços
de formação, produzir materiais, propor atividades, ações e lutas que
contribuíssem para a construção de condições objetivas de participação
igualitária aos homens e mulheres, fortalecendo o próprio Movimento
(MST, 2014, p. 1).
Fica a cargo do Setor de Gênero a tarefa de formular e sistematizar
as discussões referentes à situação das mulheres na sociedade e no
MST. Cada assentamento conta com um núcleo de mulheres;
os assentamentos estão organizados por regiões, cada região
indica uma representante para participar das reuniões estaduais
de gênero; e cada estado indica uma representante para compor
o Setor Nacional de Gênero. Dessa forma vai se dando a troca
entre as deliberações locais e as deliberações nacionais, bem como
o compartilhamento das experiências e discussões realizadas em
todos os assentamentos do Brasil. (SANTO, 2016, p. 10-11).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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O Setor de Gênero tem como principal objetivo levar a discussão
para o conjunto do MST, por meio de estudos e reexões e divulgar cartilhas
cujo conteúdo explore a importância de se estabelecer novas relações para
se avançar na luta de classes.
O setor de Gênero do MST compreende que discutir e buscar
construir novas relações de gênero não está descolado da luta
de classes. Ao contrário, entende que essas lutas não podem
acontecer separadamente. O setor luta exatamente para garantir
que as mulheres participem do processo de luta pela transformação
social como sujeitas da história. Por isso procura garantir que elas
tenham iguais oportunidades de militar e dirigir o movimento.
Anal aprendemos na experiência destes 20 anos do MST que é
participando que se eleva o nível de consciência. É no processo de
formação permanente, com teoria e prática, que vamos deixando
de ser objeto para nos transformarmos em sujeitos (as) sociais.
(MST, 2003, p. 22).
A criação do Setor de Gênero demonstra principalmente a
intenção do Movimento em colocar em prática propostas para garantir
a igualdade e, também, abrir espaços para que as mulheres possam
efetivamente ter voz e poder de decisão, por isso, com a criação do Setor,
foi necessária a constituição de novos objetivos.
1. Objetivos do setor de gênero
Objetivos gerais
a) Levar a discussão de gênero para o conjunto do MST e procurar
mostrar a importância de se estabelecer novas relações de gênero
para avançar na luta de classes.
b) Elevar o nível de participação das mulheres na luta pela terra, pela
reforma agrária e na construção de uma nova sociedade.
c) Contribuir para transformar as relações de gênero no MST para
que homens e mulheres sejam de fato sujeitos sociais.
d) Motivar a construção de novas relações na família, militância
e instâncias, baseadas em valores como respeito, solidariedade,
igualdade, companheirismo.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
160 |
Objetivos especícos
a) Fortalecer o MST nas duas diversas instâncias e setores.
b) Massicar e qualicar a participação das mulheres desde antes do
acampamento (na fase de preparação), durante a luta pela terra, nos
assentamentos, setores e instâncias.
c) Exercer pressão permanente para a construção de novas relações de
gênero, baseando em novos valores.
d) Motiva a construção de um novo jeito de ser família, em que toda
a comunidade (núcleos, acampamentos, assentamentos) tenha
responsabilidade no processo de educação e formação das crianças
e jovens e não apenas os pais biológicos.
e) Despertar a mulher para a necessidade de participar das decisões
políticas e econômicas, para a importância de assumirem tarefas
produtivas e administrativas e serem beneciadas nos projetos e
recursos.
f) Fortalecer a auto-estima das mulheres através de atividades de
formação especícas.
g) Incluir as reivindicações femininas na pauta do MST, como por
exemplo: ciranda e educação infantil, reconhecimento da prossão
de trabalhadora rural através do cadastro, políticas de saúde
especícas para a mulher e a família rural. (MST, 2001, p. 147-
148, grifos do autor).
Além dos novos objetivos, o Setor de Gênero desenvolveu novas
diretrizes para as linhas políticas de gênero, cujo objetivo principal é buscar
a garantia de participação de todas as mulheres militantes em todas as
instâncias e em todos os setores do Movimento.
LINHAS POLÍTICAS DE GÊNERO NO MST
1. Garantir que o cadastro e o documento de concessão de uso da
terra seja em nome do homem e da mulher;
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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2. Assegurar que os recursos e projetos da organização sejam discutidos
por toda a família (homem, mulher e lhos que trabalham), e que
os documentos sejam assinados e a execução e controle também
sejam realizados pelo conjunto da família.
3. Incentivar a efetiva participação das mulheres no planejamento
das linhas de produção, na execução do trabalho produtivo, na
administração das atividades e controle dos resultados.
4. Em todas as atividades de formação e capacitação, de todos os
setores do MST, assegurar que haja 50% de participação de homens
e 50% de mulheres;
5. Garantir que em todos os núcleos de acampamentos e assentamentos
tenha um coordenador e uma coordenadora que, de fato, coordene
as discussões, estudos e encaminhamentos do núcleo, e que
participe e todas as atividades como representante da instância.
6. Garantir que em todas as atividades do MST, de todos os setores
e instâncias, tenha ciranda infantil para possibilitar a efetiva
participação da família (homem e mulher);
7. Assegurar a realização de atividades de formação sobre o tema
gênero e classe em todos os setores e instâncias do MST, desde o
núcleo de base até a direção nacional;
8. Garantir a participação das mulheres na Frente de Massa e SCA
para incentivar as mulheres a ir para o acampamento, participar
das atividades no processo de luta, e ser ativa nos assentamentos;
9. Realizar a discussão de cooperação de forma ampla, procurando
estimular mecanismos que liberam a família de penosos trabalhos
domésticos cotidianos, como refeitórios, lavanderias, etc,
comunitários.
10. Garantir que as mulheres sejam sócias de cooperativas e associações
com igualdade na remuneração das horas trabalhadas, na
administração, planejamento e na discussão política e econômica.
11. Combater todas as formas de violência, particularmente contra
as mulheres e crianças que são as maiores vítimas de violência no
capitalismo. (MST, 2003, p. 25, grifos do autor).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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A categoria gênero defendida pelo Movimento Feminista trouxe
avanços para o MST, pois permitiu novas reexões e a construção de novos
valores em relação à igualdade. Nesse sentido, o MST passou a entender
que a luta deve ser de todos, homens e mulheres rompendo os modelos
até então reproduzidos. “A distribuição e o exercício de poder dentro das
organizações populares é bastante desfavorável às mulheres. Partindo da
compreensão que as relações de gênero são relações de poder, é importante
reetir no cotidiano do MST como essa relação de poder/relação de gênero
se manifesta” (MST, 2003, p. 22).
Evidente que sendo uma questão sócio cultural, construída e
consolidada ao longo da história, não pode se alterar as relações
de gênero de uma hora para outra. É necessário todo um processo
de transformação de concepção e de comportamento. Mas se não
sairmos do campo do discurso para a prática a mudança nunca
vai acontecer. Nesse sentido é preciso criar as condições para ir
construindo, de fato, relações de gênero baseadas na solidariedade,
no companheirismo, cooperação [...]. (MST, 2003, p. 23).
Se os valores disseminados e impostos são culturais, esses podem
e devem ser mudados. Contudo, homens, mulheres e crianças não
adquirem, espontaneamente, a consciência da mudança de valores. Por isso
o Movimento busca nas suas práticas educativas e escolares, a realização
de trabalhos no sentido de avançar na construção de uma consciência
de gênero voltada para a igualdade. Nesse sentido, que os movimentos
feministas tem incentivado o MST a incorporar a luta pela igualdade de
gênero dentro da luta principal do Movimento.
consiDerAções finAis
Os movimentos sociais rurais, e especialmente o MST, aos poucos
foi incorporando os ideais das lutas feministas a sua luta principal pela
terra. Os movimentos feministas em geral inuenciaram as mulheres do
campo que passaram a se organizar e, a lutar por visibilidade dentro do
Movimento e reconhecimento como trabalhadoras rurais. As mulheres se
uniram na luta pela igualdade, deixando para trás os serviços domésticos e
ganhando espaço no interior do movimento em questões como o trabalho,
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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e em posições de liderança, reconhecendo a importância da luta de gênero
juntamente com a luta de classes.
Segundo Schwendler (2014, p. 58), outro motivo que fez
o Movimento Feminista ganhar espaço no movimento rural é “[...]
a politização das questões agrárias e de gênero, juntamente com a
compreensão das estratégias da luta de classe e a prática da liderança, tem
sido fundamental no desencadeamento dos protestos e das ocupações de
terras, lideradas por mulheres camponesas”.
A organização das mulheres e sua participação na luta de classe foram
cruciais para a percepção de que as questões de gênero precisavam
compor a agenda política da luta social, para se desaar as restrições
que lhes eram impostas pelos regimes patriarcais de gênero. Nos
acampamentos e assentamentos, as mulheres Sem Terra começam a se
organizar e debater sua participação política, pois elas percebiam que
para os homens havia mais oportunidade para participar dos espaços
formativos e de decisão política, o que também contribuía para o
desenvolvimento da liderança. (SCHWENDLER, 2014, p. 94).
Ao longo de sua história, o MST foi construindo um projeto
direcionado para igualdade entre homens em mulheres no Movimento.
Desta forma, suas reexões teóricas e experiências práticas proporcionam,
de maneira contínua, a elaboração e publicação de documentos que trazem
contribuições teóricas e empíricas para a atualidade.
A criação do Setor de Gênero foi um grande avanço no sentido de
fortalecer a luta pela igualdade, ampliando a discussão sobre gênero entre
todos os militantes do MST. As mulheres Sem Terra foram se organizando
interna e externamente para a luta contra o machismo e a violência, e pela
ampliação e garantia de direitos igualitários aos dos homens. Aos poucos
ganharam espaço, e foram denindo as políticas de gênero, incorporando
os novos valores e criando diretrizes políticas para a questão de gênero,
pautadas na formação do ser humano por meio de práticas e vivencias.
Os movimentos feministas inuenciaram o MST inclusive na
alteração da nomenclatura, quando o os coletivos do MST pensavam
nas questões das mulheres que foram substituídas pelas questões de gênero,
acompanhando, portanto, as teses feministas que também passaram a
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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considerar o termo gênero mais abrangente. Com a implementação das
políticas alcançadas, as mulheres militantes do MST já conquistaram a
igualdade em muitos aspectos. Por exemplo, em todas as atividades de
formação e capacitação, de todos os setores do MST, deve-se assegurar
que haja 50% de participação de homens e mulheres, assim como na
coordenação dos acampamentos e assentamentos. A alteração na legislação
que permitiu à mulher também ser considerada titular de lotes de terra,
independentemente de seu estado civil, entre outros.
Contudo, ainda há muito a se avançar para garantir as mulheres
trabalhadoras rurais, a igualdade de oportunidades no campo, por isso,
as lutas dos movimentos feministas, dos movimentos de mulheres rurais
e das mulheres do MST devem continuar. Todavia, podemos constatar
que as lutas promovidas nos últimos anos pelos movimentos feministas e
pelas mulheres militantes do MST já garantiram avanços importantes que
proporcionaram as mulheres à saída dos afazeres domésticos e sua inserção
como trabalhadoras, e, principalmente o fato de serem reconhecidas como
tal, com espaço de igualdade entre homens e mulheres em todos os setores
e instâncias dentro do Movimento.
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D H,
G, S 
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| 169
P   
   ,
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 
Eunice Macedo
Soa Almeida Santos
introDução
Este capítulo explora construções narrativas de mulheres e
homens jovens para reetir sobre a construção das suas sexualidades, num
enquadramento de direitos e de afetos. Para isso, suporta-se em particular
na tradição emancipatória feminista (ARNOT, 2006) que toma o género
como ponto de partida e assenta no poder libertador da voz. Como conceito
sociológico, a voz é vista como instrumento e símbolo da armação das
perspetivas, vidas e histórias de pessoas concretas inseridas em contextos
concretos (LISTER, 2007), num quadro de horizontalização das relações
sociais. Neste capítulo a dimensão de género é trabalhada numa perspetiva
intersecionalista (CRENSHAW, 1991) que tem em conta localizações
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
170 |
estruturais de poder que se cruzam de forma diferenciada nas vidas de
diferentes grupos da população e das pessoas que os constituem, incluindo
localizações como a diversidade afetivo-sexual, a etnia ou outras.
Partindo deste enquadramento, argumenta-se em favor do direito
das pessoas jovens a expressar-se e a serem ouvidas, como cidadãs em todos
os momentos da sua vida (e não como projeto de cidadania para o futuro).
Como cidadãs, as pessoas jovens são, portanto, capazes de reportar, analisar
e transformar a sua ordem social, como informantes privilegiadas acerca
dos seus contextos de vida (FERREIRA, 2004). A discussão dos afetos e
da sexualidade, a que se dá relevo neste capítulo, constitui um dos tópicos
introduzidos na agenda do debate pelas pessoas jovens no âmbito de sessões
de grupo focal e de entrevistas individuais.
É de referir, que o desenvolvimento de grande número de pesquisas
no campo das sexualidades, género e diversidade sexual nas últimas décadas
trouxe uma nova legitimidade à investigação em saúde e educação numa
perspetiva de direitos e de cidadania. Tal como Santos e Fonseca (2013)
denotam, as agendas da sexualidade têm sido problematizadas pelos debates
que deslocam o foco da saúde e da educação para uma visão de cidadania mais
alargada, comprometida com direitos sexuais e íntimos. Os cânones de silêncio
e abstinência sexual e as estratégias preventivas da saúde para evitar riscos, que
têm dominado o campo escolar, passam a ser questionados como formas de
acesso, presença, mitigação ou ausência de cidadania. A partir do momento em
que os direitos sexuais foram reconhecidos como direitos humanos tornam-se
centrais na vontade política e educativa de conceber uma escola que empodere
rapazes e raparigas com conhecimento e competências para “[...] viverem
relacionamentos afectivos e íntimos saudáveis e prazerosos, em condições de
igualdade, livres de coerção e violência.” (SANTOS; FONSECA; ARAÚJO,
2012, p. 32). Articulando cidadania e direitos humanos, tal como proposto
por Kiwan (2005), Isin e Wood (1999) acentuam dimensões de direito sexual
com base no reconhecimento da orientação sexual, do prazer e da decisão sobre
o próprio corpo, numa abordagem mais universalistas de cidadania, (KIWAN,
2005). O direito sexual em análise foca sobretudo a forma como jovens têm
direito a ter uma vida sexual satisfatória e prazerosa e a “falar disso”. Contudo,
passar do discurso do risco ao discurso da sexualidade como desejo implica
aberturas formais e informais nas redes de poder institucionalizadas, como os
currículos e as interações na sala de aula (SANTOS, 2015a , SANTOS, 2015b;
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 171
FINE, 2009). Espera-se que estas redes permitam e estimulem a expressão
da diversidade, a capacidade de negociação, o reconhecimento do prazer, a
complexicação das relações de intimidade, a noção de consentimento, entre
outras (CAMERON-LEWIS; ALLEN, 2013).
Neste sentido, torna-se fundamental captar o potencial da voz
das e dos jovens para a melhoria da educação e das escolas, em termos
da desmarginalização (CRENSHAW, 1991) da construção dos afetos e
das sexualidades para além da abordagem mais higienista, controladora
e moralizadora. Assim, na reexão que aqui se apresenta cruzam-se as
preocupações das investigadoras com as preocupações das e dos participantes,
num enquadramento em que se efetivou o desvio de poder para as e os jovens
como sujeitos ativos na co-construção da investigação (WILKINSON, 1999,
2004), ou seja, num contexto em que tiveram oportunidade de introduzir
tópicos que consideraram pertinentes, bem como de investir mais ou menos
nos tópicos propostos, em função dos seus interesses.
Face ao que foi dito, e tendo em conta a necessidade de trabalhar
com uma noção diferenciada de voz no processo de escuta das e dos jovens
(ARNOT; REAY, 2006a, 2006b) que (re)conheça a heterogeneidade intra-
grupal (YOUNG, 1990) das experiências, histórias e perspetivas, este
capítulo apresenta, interpreta e discute a forma como jovens constroem as
suas culturas sexuais num contexto de múltiplas cidadanias, da sua negação
ou limitação. As suas vozes permitiram a construção de uma tipologia que
regista a mediação entre os interesses jovens e a implicação subjetiva da
investigadora na própria pesquisa. Busca-se a interpretação ampla dos
processos de construção genderizada de pessoas jovens em diferentes
contextos de vida: na escola, no espaço público, na relação entre pares, e
com a família no espaço familiar.
A tradução dos argumentos jovens nesta tipologia, inclui a
noção de cidadania como direito político e cultural, na esteira da tradição
emancipatória feminista (ARNOT, 2006) mas também outras construções
jovens que não se enquadram neste conceito. A tipologia inclui: formas
de cidadania – com argumentos que substanciam cidadania como direito
político e cultural; quasi-cidadania – quando a cidadania é de alguma
forma mitigada e ca aquém de realizada, sem que se vislumbre conito
aberto; e não-cidadania – quando a construção da relação com a polis
contradiz os pressupostos da cidadania baseada em direitos. Para este
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
172 |
capítulo, destacamos da tipologia as construções relativas às questões de
género e das sexualidades.
notAs teórico-metoDolóGicAs
A análise parte de uma pesquisa qualitativa interpretativista
1
com
jovens do ensino secundário em Portugal. Este nível inclui do 10º ao 12º
ano (jovens dos 16 aos 18 anos de idade), e corresponde à conclusão da atual
escolaridade obrigatória
2
. Pode dar acesso ao prosseguimento de estudos
pós secundários não superiores, a estudos universitários, e/ou à busca de
inserção no mundo de trabalho. Como já referimos, a discussão dos afetos
e da sexualidade surgiu como tópico não previsto, mas muito valorizado
pelas e pelos jovens, na agenda da investigação, a qual se transformou
para incorporar os seus contributos (MACEDO, 2018). Sendo este o
ponto de partida, este capítulo entra em diálogo com pesquisas centradas
nas sexualidades jovens desenvolvidas em Portugal, numa perspetiva de
cidadania e de direitos, concretamente por Fonseca e Santos (2015), Santos
(2015b), Santos, Fonseca e Araújo (2012) e Fonseca (2009).
Como método de pesquisa suportado na voz (como expressão
de si) e nas vozes (como capacidade comunicativa), a consulta realizou-se
no Norte de Portugal, na subregião do Tâmega, cuja situação de relativa
desvantagem, situa as pessoas jovens em relações estruturais de poder de
maior permeabilidade, nas suas condições sociais e educacionais. É de notar
que a situação de relativa desvantagem social e educacional das e dos jovens
participantes não foi estabelecida em termos do conceito de “classe social
3
mas foi auscultada através da inquirição da formação académica das mães e
 Financiada pela FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), Referência SFRH / BD / 36172 / 2007.
À data de realização do trabalho empírico a escolaridade obrigatória era o 9º ano. A Lei nº 85/2009, de 27 de
Agosto, expande o âmbito da escolaridade obrigatória, com efeito a partir de 1 de Setembro (BRASIL, 2009). O
artº 1º, nº 1, “estabelece o regime da escolaridade obrigatória para as crianças e jovens que se encontram em idade
escolar”, o artº 2º, nº 1 considera “em idade escolar as crianças e jovens com idades compreendidas entre os 6 e os
18 anos.” E o artº 2º, nº 4 dene que a “escolaridade obrigatória cessa: a) Com a obtenção do diploma de curso
conferente de nível secundário da educação; ou b) Independentemente da obtenção do diploma de qualquer ciclo
ou nível de ensino, no momento do ano escolar em que o aluno perfaça 18 anos” (BRASIL, 2009).
Resistimos à utilização do termo classe, cuja concetualização, dada a sua enorme complexidade tem estado
muito presente no debate académico, como conceito chave da sociologia. Avançamos, para o objetivo deste
trabalho, com a noção de série prossional – que inclui o exercício de prossões ou ocupações de estatuto social
e de nível salarial similar. Utiliza-se este conceito para acentuar as heterogeneidades, em termos do exercício
prossional, em coerência com a noção da fragmentação do “sujeito” da cidadania. Para aprofundamento do
conceito de série prossional, consulte-se (MACEDO, 2011).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 173
pais, da sua ocupação prossional e da situação face ao emprego; e, ainda,
da situação de irmãos e irmãs face à universidade e ao mundo do trabalho.
Relativamente ao nível de escolaridade das mães e pais, evidenciou-
se que a grande maioria não concluiu a escolaridade obrigatória, situando-
se entre a conclusão do 1º e do 2º ciclo do ensino básico (4º e 6º anos).
Quanto à ocupação prossional, como tentativa de operacionalização
para efeito de tratamento de dados, foi feita uma agregação das categorias
prossionais, que concilia nível de formação, estatuto social e índice
salarial aproximados, associados às diferentes prossões, a qual indicia
níveis diversos de acesso a bens de consumo, reconhecimento social e
estatuto. O estudo evidenciou que a ocupação da maioria das mães e pais
se situa na série de estatuto popular, que inclui trabalhadores manuais,
operários fabris e da construção civil, empregados de balcão, e contínuos
(GRÁCIO; MIRANDA, 1977). A percentagem de pais e mães decresce na
série de estatuto médio e ainda decresce mais na série de estatuto superior.
Os índices de desemprego identicados são baixos na série de estatuto
superior (3%), aumentam na série de estatuto médio (7,2%) e ainda mais
na série de estatuto popular com 15,1%.
Tendo o estudo abrangido jovens de 4 escolas, situadas em
posições intermédias nos rankings das escolas secundárias do Jornal
Público, focam-se jovens do 12º ano, numa escola da região em particular,
em situação de relativa desvantagem, pois ocupava uma posição abaixo
da média nos rankings das escolas secundárias e a mais baixa entre as
escolas estudadas. Para além da posição de relativa desvantagem social e
escolar, comuns às pessoas consultadas e associada quer aos baixos níveis
de escolarização da maioria das famílias e à ocupação por esta, também
na maioria dos casos de prossões com baixo estatuto social e mal
remuneradas, na fase de aprofundamento na última escola, foram tidos
em conta critérios de género e de desempenho escolar (mais elevado,
elevado e regular).
É de referir que não foi possível investigar com jovens de
desempenho excelente, impedidos de participar na pesquisa com a
justicação, pela direção de turma, que se estariam a preparar para os exames
e não quereriam participar, bem como não foi possível investigar com jovens
de desempenho muito baixo, à data erradicados da escola pelo ltro do 9º
ano, que correspondia à escolaridade obrigatória, como se referiu.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
174 |
A secção seguinte explora a referida tipologia – cidadania, quasi-
cidadania e não-cidadania, primeiro apresentando-a como um todo para
mostrar a complexidade das construções jovens, e posteriormente focando
as suas perspetivas acerca da construção dos afetos e da(s) sexualidade(s) e
dos contributos da educação para essa construção.
concetuAlizAnDo A ciDADAniA: um Ponto De PArtiDA PArA A
Análise DAs construções nArrAtiVAs joVens
O estudo permitiu constatar que as pessoas jovens se constroem
simultaneamente a diversos níveis e com maior ou menor expressão. A
diversidade jovem é evidenciada numa forte “heterogeneidade intra-
grupal” (YOUNG, 1990), sendo que manifestações de cidadania, quasi-
cidadania e não-cidadania se cruzam ora de forma complementar ora
em conito. Este capítulo cruza a conceção de cidadania como direito
político e cultural com as narrativas jovens. Ou seja, explora-se uma
compreensão das suas vivências efetivas nos seus diferentes contextos de
vida e por relação com as suas localizações estruturais de poder, cruzando
critérios de género e de desempenho escolar. Para além das manifestações
de cidadania, o estudo detetou modalidades de reprodução social acrítica,
que se desviam frequentemente da cidadania como direito político e
cultural, assumindo formas de cidadania mitigada ou de negação da
cidadania.
A tipologia das construções narrativas jovens explora
caminhos entre a cidadania atribuída e a cidadania reclamada (STOER;
MAGALHÃES, 2001, 2005). Enquanto a primeira se relaciona com
direitos e responsabilidades circunscritos ao estado, à luz da proposta
de T. H. Marshall (1950), a cidadania reclamada corresponde à
reivindicação de direitos de diversa ordem, baseados em diferenças. Essas
reivindicações podem articular-se com as reclamações de identidade e de
diferença, de diversidade afetivo-sexual entre outras. No dizer de Stoer e
Magalhães (2005), sendo típica da modernidade, a cidadania atribuída
associa-se à igualdade política e social e à homogeneidade cultural. Esta
centração num “cidadão” ideal abstrato parece poder implicar silêncio e
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 175
invisibilidade. Por sua vez, a cidadania reclamada na pós-modernidade
4
expressa-se em fragmentação e miscigenação identitária. Implicando a
emersão de diversas ordens de reivindicação, e atendendo à preocupação
de que as diferenças não sejam anuladas nem transformadas em
desigualdades (STOER; MAGALHÃES, 2005), conceção que parece
pressupor asserção da voz.
Atendendo à emersão de outras entidades e atores de regulação,
que se armam e interagem ao nível supra e subnacional, para além e
aquém do estado (MACEDO, no prelo), faz sentido recontextualizar
a cidadania atribuída nesse quadro de multirregulação social aquém e
além dos Estado e no interior destas relações complexas. A escuta das e
dos jovens permitiu detetar formas de cidadania reclamada, enquadráveis
na busca de reconhecimento, por exemplo na reivindicação dum espaço
de realização pessoal. Como veremos, esta reivindicação nem sempre
incorpora cidadania mas outras formas de construção que por vezes a
limitam ou contrariam.
A análise permitiu detetar ainda formas de construção
jovem que, supondo apropriação por sujeitos masculinos e femininos
diferenciados, não podem enquadrar-se na cidadania atribuída mesmo que
recontextualizada, dada a indiferenciação do “sujeito” da cidadania, com
homogeneização e potencial invisibilidade. Essas formas de construção
também não se enquadram na cidadania reclamada pois correspondem
ao autossilenciamento. Isto justica a introdução nesta tipologia de uma
ordem outra, a cidadania não-reclamada.
focAnDo A construção Dos Afetos e DAs sexuAliDADes joVens:
ciDADAniA, quAsi-ciDADAniA, não-ciDADAniA
A construção dos afetos e das sexualidades jovens surge de par
com construções a outros níveis e em diversos contextos. A complexidade
desses processos é captada no quadro 1, abaixo.
Contrariamente a Stoer e Magalhães (2005), neste trabalho, optamos pelo conceito de modernidade tardia, em
linha com Chouliaraky e Fairclough (2005), Freire (2002), Harvey (1993), Santos (1994) e Young (1999), para
evidenciar a interação e potencial conito, no mesmo período histórico, de conceções e reivindicações modernas
e pós-modernas de cidadania.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
176 |
Quadro 1 - Tipologia de construções narrativas jovens
Formas de construção jovem
Cidadania Quasi-cidadania
Não-
cidadania
Ponto de
partida da
análise da
cidadania
com
Stoer e
Magalhães
(2005)
a
t
r
i
b
u
í
d
a
escolar
mínima
compensadora heterorregu-
lada
sexual-de-
exibição
sexual-
predatória
Modalidades
de constru-
ção jovem
de indução
comunitária
afetivo-sexual-recatada
r
e
c
l
a
m
a
d
a
educacional
-de-direitos
alternativa-moderada
de diluição
alternativa-
de-
transgressão
de
autoproteção
-do-saber
alternativa-responsável
do-lazer-e-da-
convivialidade
autoinvestida
do-trabalho-responsável
dos-afetos-e-do-cuidar
afetivo-sexual-
interdependente
Fonte: Macedo, 2018.
Numa síntese interpretativa das visões jovens, este capítulo
limita a análise à cidadania-afetivo-sexual-interdependente, à quasi-
cidadania-afetivo-sexual-recatada, à não-cidadania-sexual de exibição e à
não-cidadania-sexual-predatória, como manifestações da construção de si
enquanto sujeitos sexuais. Depois de uma primeira abordagem ao que se
entende por cada uma destas modalidades de construção de si, este trabalho
procura explicitar qual o seu lugar nos casos estudados, estabelecendo um
diálogo com as vozes jovens.
As modalidades de cidadania, quasi-cidadania e não-cidadania
que exploramos neste texto enquadram-se no debate acerca dos recursos
e condições necessários para se atingir e viver num contexto de cidadania
íntima e cidadania sexual (EVANS, 1993; RICHARDSON, 2001;
WEEKS, 2010). Isto implica o acesso a e o exercício de um conjunto de
direitos e formas de reconhecimento que, por sua vez, obrigam a questionar
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 177
os diversos estereótipos que têm (en)formado a construção e aprendizagem
das feminilidades e masculinidades. Conforme referem Santos, Fonseca
e Araújo (2012) a cidadania sexual reporta-se à reivindicação política de
igualdade de acesso e reconhecimento na esfera pública e privada, por parte
dos diversos grupos sexuais. Já o conceito de cidadania íntima vai além do
campo dos direitos e do reconhecimento e pressupõe uma reestruturação
das relações de intimidade, na linha de Anthony Giddens (1992), com base
em princípios democráticos de igualdade sexual e emocional, liberdade
e direito ao prazer. Neste sentido, os direitos sexuais e de cidadania são
estendidos aos valores da intimidade abrangendo também
o controlo (ou não) sobre o próprio corpo, sentimentos,
e relacionamentos; o acesso (ou não) à representação, aos
relacionamentos e aos espaços públicos; escolhas socialmente
enraizadas (ou não) acerca das identidades, das experiências de
género e das experiências eróticas
5
(PLUMMER, 1995, p. 151).
Estes contributos são fundamentais para repensar o papel da
escola na construção das culturas sexuais jovens (SANTOS, 2015a) bem
como das feminilidades e masculinidades (MACEDO, 2018), em torno
da cidadania, quasi-cidadania e não-cidadania. Estabelecendo pontes
entre conceitos, enquanto a cidadania afetivo-sexual-interdependente se
enquadra nos esforços desenvolvidos pelas e pelos jovens no caminho para
a construção da sua cidadania íntima e sexual, a quasi-cidadania-afetivo-
sexual-recatada apresenta aspetos de mitigação desse percurso. Já a não-
cidadania-sexual de exibição e a não-cidadania-sexual-predatória podem
ser vistas como negação da possibilidade de realização da cidadania.
A cidadania-afetivo-sexual-interdependente constitui uma
modalidade de cidadania reclamada (STOER; MAGALHÃES, 2005) que
é responsável, assente na relação de respeito, reconhecimento, e na busca
de prazer mútuo. Nesse sentido, supõe a partilha da responsabilidade
do cuidado, no interior da relação, e nos processos associados aos
relacionamentos sexuais, que podem incluir questões como a gravidez e
co-parentalidade (FONSECA, 2009; FONSECA; SANTOS, 2015).
Tradução livre pelas autoras de “[...] the control (or not) over ones body, feelings, relationships; access (or
not) to representations, relationships, public spaces; socially grounded choices (or not) about identities, gender
experiences, erotic experiences.” (PLUMMER, 1995, p. 151).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
178 |
A quasi-cidadania-afetivo-sexual-recatada é atribuída pelas
famílias e pela escola, e assenta em certa discrição e silenciamento sobre
a sexualidade e o desejo sexual. Se, por vezes, emerge num contexto de
comunicabilidade e afeto, entre mulheres, incorporando diálogo e, às vezes,
expressão de si, corresponde também à indução das jovens numa feminilidade
adequada como forma de protegê-las da má reputação (FONSECA, 2009).
Associada a culpabilização e julgamento moral, é o facto de esta modalidade
de construção jovem constranger a cidadania-afetivo-sexual-interdependente
que a constitui como quasi-cidadania, uma forma de cidadania não
reclamada. Neste estudo, a quasi-cidadania-afetivo-sexual-recatada surge
também como induzida aos rapazes, conduzindo a uma visão estratégica
de silenciamento da sexualidade. Este silenciamento não tem a ver com a
repressão da sexualidade mas tem antes como objetivo evitar a crítica social e
o julgamento moral que separa o mundo adulto do mundo jovem. O debate
sobre a sexualidade ocorre de forma aberta entre pares. Este último aspeto
reforça também a reconhecida hipersexualização do discurso masculino em
torno do desejo e prática sexual, como pressão exercida sobretudo pelos pares
para serem sexualmente ativos (SANTOS, 2015b).
Sendo atribuída pelos padrões morais tradicionais assentes na
dicotomização de género, a não-cidadania-sexual-de-exibição assenta no
julgamento moral que é feito por mulheres jovens em relação a atitudes e
expressões femininas que rompem com as normas da sexualidade recatada.
Essa exibição é encarada como provocação e não como tentativa mitigada
de igualdade, como mostram Fonseca e Santos (2015). Estas jovens são
frequentemente vistas pela sociedade como “[...] desadequadas e ‘mal
comportadas’, que se dedicam a experimentações… e outras ‘curtições
com os rapazes.” (FONSECA, 2009, p. 373). A não-cidadania-sexual-
de-exibição é uma modalidade que não aceita novas formas de expressão
femininas. É interessante realçar como esta exibição do corpo, criticada
pelas pares, pode ser sentida pelas próprias jovens como um potencial de
reconhecimento e alcance de igualdade no campo da sexualidade, como
evidencia o estudo de Santos (2015b).
A não-cidadania-sexual-predatória, identicada na pesquisa de
Macedo (2018), assenta na visão das relações afetivo-sexuais heterossexuais
num enquadramento de verticalização entre homens e mulheres, sendo as
últimas situadas em subordinação (MACEDO, 2012). Esta modalidade
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 179
de não-cidadania é centrada na objetização da sexualidade desligada dos
afetos, podendo incorporar manifestações de violência física e psicológica.
Podendo ser associada à atribuição social tradicional da “masculinidade
hegemónica” (CONNELL, 2003), esta não-cidadania resulta da vinculação
a estereotipias de género sobre o que as e os jovens pensam que é, ou
deveria ser, a relação sexual e os afetos.
nos cAsos estuDADos, quAl o luGAr DAs Diferentes construções
Dos Afetos e DA sexuAliDADe?
Tendo o estudo que aqui se retoma, incorporado vários momentos
de consulta a partir de uma agenda de investigação ampla e exível, o debate
sobre os afetos e as sexualidade(s) surgiu de forma espontânea de par com
o debate sobre as amizades, namoros e relações entre pares. No entanto,
esta questão foi referida apenas por alguns dos e das jovens consultadas,
tanto nas sessões de discussão focalizada em grupo (grupo focal) como nas
entrevistas individuais.
Entre as e os jovens a ideia de uma cidadania-afetivo-sexual-
interdependente, responsável assente no cuidar, no respeito e no
reconhecimento, e na busca de prazer mútuo foi pouco referida. Enquanto
uma das jovens desvalorizou a construção desse tipo de relação, como prisão
que a impediria de levar para a frente o seu presente e o seu futuro, alguns
rapazes expressaram visões das relações intergéneros, no caminho para uma
cidadania-sexual-interdependente, ainda permeada por certa objetização:
Eu falo por mim e falo pela maioria dos meus amigos, pensamos
sempre numa jovem não só como um objeto mas também como
uma pessoa a quem temos bastante carinho, a quem somos
dedicados principalmente… (Sílvio, jovem com desempenho
elevado, Entrevista Individual, 16.03.10).
Já a quasi-cidadania-afetivo-sexual-recatada, associada ao
silenciamento da sexualidade (ou á não reclamação de cidadania) foi
corporizada em algumas narrativas de jovens mulheres. Estas acentuaram
alguns aspetos que cabe aqui delinear. Em primeiro lugar, a indução na
quasi-cidadania-afetivo-sexual-recatada foi a mais presente nos relatos das
jovens acerca da negociação das feminilidades na família, e do potencial
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
180 |
comunicativo das famílias (VILAR, 2002). Além disso, a não discussão da
sexualidade é referida por várias jovens, embora se acentue, em casos pontuais,
a construção de contextos de comunicabilidade e afeto, de cumplicidade
entre mulheres mais jovens e mais velhas, na discussão dessas questões. Uma
jovem, em particular, ilustra o impacto da heterorregulação social sobre a
sexualidade, localizando comportamentos individuais no regime totalitário
de Salazar que ainda constrange a sexualidade das mulheres:
Sobre sexo não falo com a minha mãe… É tabu para ela.
Infelizmente, tenho pena mas é tabu, eu sei que não vou conseguir
mudar isso! A ela não… com as minhas tias e com a minha mãe
não, porque foram criadas num ambiente antigo… no tempo de
Salazar! É um bocado complicado! (Dina, jovem com desempenho
mais elevado, Entrevista Individual, 11.03.10).
Na fala do jovem seguinte cruza-se reivindicação de direitos e
a associação da sexualidade à saúde. Para além disso, denotando um
pensamento estratégico associado ao silenciamento da sexualidade, um
jovem situa-se na quasi-cidadania-afetivo-sexual-recatada como forma de
contornar a crítica social e o julgamento moral por parte do mundo adulto.
Claro que as pessoas da minha idade devem ter sexo! Mas com
precaução!... para evitar essas situações [aborto], as doenças
sexualmente transmissíveis… É uma questão de responsabilidade
também de cada um! … acho normal um rapaz ou uma jovem
da minha idade ter uma vida sexual ativa… Penso que não é bem
aceite pela sociedade, porque apesar de termos 17, 18, há muita
gente que ainda nos vê como crianças!... Mas também não é preciso
andar para aí a dizer! (Dário, jovem com desempenho regular,
Entrevista Individual, 16.03.10).
Sendo necessário atender ao facto de que a atribuição como
não-cidadania à erotização do corpo poder estar imbuída do moralismo
da quasi-cidadania-afetivo-sexual-recatada, que reprime a expressão da
sexualidade, como se referiu acima, a não-cidadania-sexual-de-exibição
surgiu associada à exibição do corpo, vista pelas pares como objetização
e provocação, e rutura com uma sexualidade recatada. Pode assim dizer-
se que a não cidadania sexual de exibição acaba por corresponder à
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 181
incapacidade de algumas jovens reconhecerem o direito a outras de viverem
uma sexualidade mais visível.
Em termos globais esta modalidade de não-cidadania é atribuída
pelos padrões morais tradicionais assentes na dicotomização de género.
Pode também ser vista como atribuída através dos media, através da
hipersexualização e venda dos corpos femininos como produtos (MACEDO,
2015). No estudo de Macedo (2018) é associada pelas jovens à pressão dos
media para que correspondam aquilo que designaram por Barbies, e cujas
representantes na escola seriam as jovens “muito produzidas”, que iam para
a escola “como quem vai para uma passerelle”, e com poucas ambições ao
nível escolar. Esta modalidade de não cidadania foi atribuída às jovens
mais novas por um grupo de jovens que se autonomearam, e reclamaram
o estatuto de normais. Segundo aquelas jovens “normais”, as colegas que
exercem esta forma de não-cidadania falam abertamente sobre as partes
íntimas do seu corpo e oferecem-se aos rapazes. Já no estudo de Santos
(2015b), como referimos acima, as ditas Barbies armam a erotização do seu
corpo como forma de armação da sua cidadania sexual, como veremos no
excerto que se segue. De forma interessante, se nos remetermos à tipologia
apresentada neste artigo, esta modalidade de não cidadania passaria, no
estudo de Santos, de atribuída a reclamada, num enquadramento de
autonomeação e não de heteronomeação. Isto permite enfatizar tanto o
poder das vozes como o impacto das localizações estruturais de poder na
produção de subjetividades e de representações sobre o ‘outro’/ ‘outra’.
Na turma da minha irmã há duas jovens do pior… têm 12 anos,
elas viram-se para os rapazes ‘Esta maminha é tua, e esta é tua’. É
mesmo assim. É impressionante. Eu digo à minha irmã ‘Tu não
andes com elas, por favor’. Ao m-de-semana saem de casa as
duas… as mães nem querem saber, desde que elas cheguem a casa
sãs e salvas… Elas estão sempre a ser expulsas, tiraram negativas
a tudo, até a educação física... São mal-educadas, são relonas,
tratam mal os professores mesmo (Josefa, jovem com desempenho
omisso, Discussão Focalizada em Grupo, 03.06.09).
Por último, a não-cidadania-sexual-predatória tem sido atribuída
socialmente aos rapazes pela indução na masculinidade hegemónica
(CONNELL, 2003), em linha com uma herança cultural de género
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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(MACEDO, no prelo), a qual assenta na legitimação da subordinação
das jovens na relação afetivo-sexual. Nos casos em estudo, é atribuída aos
rapazes por uma jovem e às jovens por um rapaz, que veiculam estereotipias
sobre o género, os afetos e a sexualidade. Sustentando essa perspetiva,
uma jovem acentua diferenças inter géneros, de tal modo que as jovens se
centrariam mais nos afetos e nas relações solidárias entre mulheres enquanto
os rapazes teriam o seu foco na realização estratégica da sua sexualidade,
independentemente dos afetos e com base na mentira e no engano:
[…] os rapazes só andarem connosco por causa disso [sexo]… os
rapazes têm muita lábia!… da minha idade é aquele tipo de mulher
que já está mais ou menos esclarecida para o futuro!... Mas tenho
amigas mais novas e falamos frequentemente sobre isso!... rapazes
que podem andar com três ao mesmo tempo, conseguem gerir…
gostam muito de comunicar pelas novas tecnologias, podem ser
mais dissimulados aí… fazem-nos sentir lá no cimo como se
fossemos o mais importante da vida deles. E por vezes isso é só
um monte de mentiras! Eu acredito no estudo em que os homens
pensam em sexo várias vezes ao dia! [as jovens] Claro que pensam!,
mas não com tanta frequência… estamos a pensar num problema
duma amiga, em decisões que temos que tomar ou outras coisas.
Os homens não!... mal vêem uma mulher bem constituída e bonita,
a primeira coisas que lhe passa na cabeça é isso!... (Dina, jovem
com desempenho mais elevado, Discussão Focalizada em Grupo,
25.02.10).
A visão desta jovem, que foi exceção no contexto do estudo, vem
reforçar as estereotipias do discurso tradicional dominante de que as jovens
se centram nos afetos e os homens no sexo. Esta jovem particular, que se
situa no quadro da quasi-cidadania-afetivo-sexual recatada ilustra assim
uma visão convencional. Por sua vez, a ausência deste discurso entre as
outras e os outros jovens consultados parece indiciar a libertação destas
estereotipias, bem como o caminho na construção de uma cidadania sexual
interdependente.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 183
como contribui A eDucAção PArA estAs Visões De ciDADAniA,
quAsi-ciDADAniA e não-ciDADAniA, no que concerne à construção
Dos Afetos e DAs sexuAliDADes?
Tal como no ponto anterior, dialogamos aqui com as vozes jovens,
as quais nos dão acesso a uma compreensão dos contributos da educação
para a construção dos afetos e das sexualidades jovens num enquadramento
de cidadania, quasi-cidadania e não cidadania.
coconstruir o sAber, Discutir sexuAliDADe: umA reiVinDicAção
Neste estudo, na contracorrente da tendência mais global entre
participantes, para as e os quais a participação na coconstrução do saber
não adquiriu relevo particular, o desejo de coconstrução transformadora do
saber é expresso por algumas jovens, no que concerne à discussão dos afetos
e das sexualidades, numa sessão de Discussão Focalizada em Grupo, que
teve lugar em 25.02.10, e que envolveu rapazes e raparigas, de desempenho
mais elevado, elevado e regular. Enquanto as jovens de desempenho
regular se inibiram de expressar a sua opinião, talvez por se sentirem menos
empoderadas, as jovens de desempenho mais elevado e de desempenho
elevado, talvez pela razão inversa, revelaram a sua preocupação acerca
da exclusão ou deriva, na escola, de tópicos que consideram pertinentes
para si e para o desenvolvimento social, em termos mais globais. Torna-se
interessante acentuar esta articulação entre desempenho escolar e discurso
sobre afetos e sexualidade pela associação frequentemente atribuída ao
puritanismo da classe média para falar de assuntos sensíveis, e da maior
facilidade das chamadas classes trabalhadoras para abordarem estes assuntos.
No estudo de Macedo, como se enfatizou nas notas metodológicas, não se
trabalhou com o conceito de classe mas foi possível identicar o estatuto
socioeconómico das famílias, utilizando dimensões como as qualicações
escolares dos pais e mães, a sua ocupação prossional e situação face ao
emprego, o que permitiu identicar a posição de relativa desvantagem das
e dos jovens envolvidos bem como das suas famílias.
As questões associadas à sexualidade e à gravidez adolescente
foram as mais referenciadas. A indução pela escola e pelas famílias na
quasi-cidadania-afetivo-sexual-recatada insere-se nesse debate. As jovens
reconhecem a delicadeza de alguns aspetos do tema, em que a discussão
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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da sexualidade surge associada às questões da saúde: “[…] as doenças
sexualmente transmissíveis. Por si só o tema já é sensível.” (Dina, jovem
com desempenho mais elevado, DFG, 24.02.10).
As jovens questionam também a inadequação dos métodos
utilizados para a introdução do debate sobre os riscos e consequências das
práticas sexuais, frequentemente assentes em estratégias que amedrontam
pois, na sua opinião, poderão ter efeitos opostos ao desejado (FONSECA;
SANTOS, 2015). Por outro lado, as mesmas jovens armam como válida
a sua própria abordagem, que respeita a discrição sobre a sexualidade, que
associamos à quasi-cidadania-afetivo-sexual-recatada:
[…] [as docentes] queriam que nós puséssemos imagens do que
provoca o vírus no nosso corpo!… se eles [jovens] virem aquelas
células todas coloridas, até acham piada! Agora se virem as próprias
imagens, não se esquecem! Já sabem o que fazer!... Tínhamos
uma das feridas que provoca, apareciam os genitais duma mulher,
mostrava aquele corrimento branco… Não mostramos mesmo
tudo, tudo, tudo […] (Dalila, jovem com desempenho mais
elevado, DFG, 25.02.10).
No grupo de discussão emerge ainda a reclamação do direito ao
saber e o reconhecimento de que, na ausência de diálogo na família e na
escola, as e os jovens recorrem a meios de informação que, admitimos, serão
às vezes, ainda menos áveis: “E se em casa não temos aquela educação,
onde é que a vamos ter se também na escola não a temos? [...] Procuro na
internet […]” (Alda, jovem com desempenho elevado, DFG, 25.02.10).
É nesta linha de preocupações, que algumas jovens lamentam que
a escola se limite ao foco no nível académico e prossional e à proibição de
comportamentos, na relação social e de aprendizagem. Reclamam também
preparação cultural, social e pessoal, para além dos limites dos conteúdos
avaliáveis, transmitidos pela escola. Sexualidade e gravidez adolescente
seriam questões chave que as jovens gostariam de tratar na escola pois,
para além de preencherem essas lacunas na aprendizagem, abrindo
caminho à construção de uma cidadania-afetivo-sexual-interdependente,
poderiam conduzir a transformação social. Tal como acentuam Santos e
Fonseca (2013) estas questões, mais associadas à saúde, não podem ser as
únicas a ser tratadas na escola havendo que abordar as sexualidades num
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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enquadramento de cidadania e de direitos (SANTOS, 2015b). No mesmo
grupo de discussão, uma jovem de desempenho elevado acentua:
A escola ensina a matéria, só que saímos daqui e o que aprendemos,
lá fora, da vida social foi por nós!, pelo que vimos [...] A escola não
nos prepara para uma vida futura! A escola só nos prepara a nível
académico, mais nada! [...] (Liza, jovem com desempenho elevado,
Entrevista Individual, 11.03.10).
Esta questão é reforçada por outra jovem de desempenho
mais elevado que, acentua a dimensão cultural das aprendizagens sobre
sexualidade, bem como, reproduzindo o discurso dominante da escola
tradicional, acentua potenciais efeitos nefastos da ausência de discussão de
questões sociais prementes, como a gravidez adolescente:
Ao aprendermos matérias relativas à sexualidade, a nossa
cultura vai aumentando, mas restringimo-nos a certas disciplinas
e não a abrir um elo com assuntos que podem ser mais delicados,
mas são fundamentais falarmos e se não…estas taxas de gravidez
adolescente vão continuar elevadas! (Dina, jovem com desempenho
mais elevado, DFG, 24.02.10).
Situando-se como ser aprendente, neste grupo de discussão, uma
das jovens que mais se expressou, apresenta propostas de introdução de
temas ligados aos afetos e à sexualidade, que considera mais sensíveis e
sujeitos a crítica social, de uma forma transversal e subtil que permita vencer
resistências e alterar mentalidades, valorizando a escola e conduzindo a
maior reconhecimento das pessoas aprendentes, fora da escola:
A maior parte da nossa vida é na escola! Não é em casa que nos
confrontamos com as drogas, com essas coisas!... Não é proibir-nos
[…] Criar uma disciplina só para isso, não! [...] Um conjunto de
todas as disciplinas, em biologia aprofundava-se a parte biológica,
em português mais outra parte… Se puserem aqui uma disciplina
de educação sexual na escola, metade dos alunos não aderem! E se
fossem introduzindo essa matéria duma maneira indireta, as pessoas
iam assumindo e agarrando essas noções sem estarem a reparar que
anal de contas aquilo era a sexualidade! As mentalidades mudavam
de tal maneira, que até os pais haviam de achar piada. Até as pessoas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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lá fora, as mais idosas e assim diziam: ‘Olhe, aquela escola tem um
bom método, os alunos são diferentes!”’ E é o que falta! (Liza, jovem
com desempenho elevado, DFG, 25.02.10).
Se a perspetiva anterior, de alguma forma, induz à reprodução do
silenciamento sobre a intimidade e a sexualidade, reetindo outras vozes
que não cabe aqui incluir, os contibutos destas jovens permitem equacionar
a indução pela escola da quasi-cidadania-afetivo-sexual-recatada, associada
ao silenciamento dos afetos e da sexualidade. Isto ocorre quer através da
mera associação da sexualidade às questões da saúde, omitindo o prazer
e os afetos, quer através da ausência de debate acerca da sexualidade em
contexto escolar.
Estas vozes apresentam também reclamações e soluções que
indicam formas outras de incorporar a discussão dos afetos e das sexalidades
como temas de relevo nas vidas jovens na escola, de forma a potenciar a
construção da cidadania-afetivo-sexual-interdependente. Pode antecipar-
se que, nesse enquadramento, o sentido de responsabilidade e a busca de
prazer mútuo surgiriam associados ao saber sobre os afetos, as sexualidades
e as implicações para cada jovem da experimentação esclarecida da
sexualidade na relação de respeito e reconhecimento da outra pessoa.
PArA concluir
Este capítulo, suportado na análise das vozes jovens, faz uma
sistematização de formas de construção genderizada dos afetos e da
sexualidade. Essa sistematização emergiu da interpretação das suas vozes
à luz da concetualização da cidadania como direito político e cultural, da
quasi-cidadania, em que os direitos surgem de alguma forma mitigados, e
da não-cidadania, que denota a negação da cidadania como realização de
direitos. Nestas formas de construção jovem combinam-se e conituam-se
atribuição, reclamação e silenciamento, incluindo o autossilenciamento.
Entende-se que ouvir as vozes de jovens, mulheres e homens,
as suas frustrações, reclamações e realizações é um percurso promissor na
abordagem a esta e outras questões, numa perspetiva transformadora de
realização de direitos. A criação de espaço para que a voz e as vozes se façam
ouvir insere-se, assim, no esforço de promoção da tomada de consciência
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da sexualidade e dos afetos pela sociedade alagarda numa perspetiva de
exercício de cidadania. Num contexto mais global em que se conituam a
hipersexualização dos corpos através dos media e o julgamento moral, erguer
a voz para falar sobre a sexualidade e os afetos, mesmo que reproduzindo
ainda estereótipos sobre as masculinidades e as femininidades pode ser
visto como primeiro passo para a tomada da voz e a cidadania.
Como preocupações, evidencia-se que a sexualidade é, em muitos
casos, um direito de cidadania ainda não realizado. Surge associada a questões
como a gravidez e maternidade jovem, a relação com o corpo, percursos de
jovens mulheres e homens mais ou menos mitigados, bem como (falta de)
políticas e práticas de educação e de sexualidade. Nesse quadro, as condições
em que a sexualidade é aprendida e partilhada evidenciam o modo como
os “protocolos sexuais” (NOGUEIRA, 2015) sobre o que é adequado se
mantém e rearmam, mantendo-se muitas vezes distantes das práticas e
experiências jovens. O desejo sexual e sobretudo, o desejo feminino parecem
continuar ausentes – ou quase – dos discursos da escola e da saúde, embora
vão surgindo pontualmente nos discursos das e dos jovens.
O estudo em que se baseou este capítulo, e aqueles com que
estabeleceu diálogo, estão na contracorrente do silenciamento dos afetos
e da sexualidade, que tem sido estimulado pela escola e pelas famílias, na
linha de uma herança cultural de género, que está longe de ser libertadora.
Mostrou-se a prevalência e dominância de papéis de género tradicionais, mas
também se evidenciou algum progresso nas formas de armação e exercício
de cidadanias femininas e masculinas jovens. Sendo clara a heterogeneidade
intra e intergénero, este aspeto é particularmente notório, para as raparigas,
no que concerne a tendência para serem mais assertivas e saberem melhor
como posicionar-se face à sexualidade e aos afetos. Entre os rapazes, os dados
mais interessantes reportam-se à entrada e reclamação pontual do espaço do
cuidar bem como ao desenvolvimento de um pensamento estratégico no que
concerne à realização discreta da sua sexualidade.
O posicionamento da escola – referido pelas e pelos jovens – reete
tanto a falta de questionamento das visões dominantes e heterossexuais da
educação como a impossibilidade de as e os jovens serem encarados como
sujeitos sexuais, limitando o seu estatuto de cidadãs e cidadãos sexuais. A
discussão aqui trazida torna evidente a ausência, ainda, de uma perspetiva
da sexualidade como afeto, desejo e prazer nos discursos da escola – que
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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algumas e alguns jovens contrariam, quando revelam e armam o seu
direito ao prazer e ao saber sobre o seu corpo e a sua sexualidade. No
entanto, para além dos enquadramentos institucionais, o silenciamento
parece estar ainda presente na voz de jovens que participaram no estudo,
as e os quais aparentam estar tendencialmente a construir-se em torno
de modalidades de quasi-cidadania, tendo uma noção limitada dos seus
direitos enquanto cidadãos e cidadãs sexuais. Cabe destacar as poucas vozes
que caminham já para uma cidadania-afetivo-sexual-interdependente,
começando a introduzir respeito, sensibilidade e amorosidade na sua voz.
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ais Emília de Campos dos Santos
Raul Aragão Martins
Ana Maria Klein
introDução
O presente artigo nasce da inquietude de uma das autoras a partir
da vivência de uma situação pessoal/familiar envolvendo “ambiguidade
sexual”, que descrevemos a partir da gestação do seu último lho, que foi
diagnosticado com má formação fetal congênita grave afetando, cérebro,
coração e genitália. Diante da gravidade dos resultados dos exames foi
sugerida a interrupção da gestação, o que não foi aceito por ela.
Logo após o nascimento do bebê foi constatada pela equipe
médica a existência de uma genitália masculina externa perfeita, porém
com ausência de testículo, o que é considerado ‘ambiguidade sexual” pelas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Ciências Médicas (DAMIANI et al., 2001). A partir desta situação a equipe
médica investigou a possibilidade de outra má formação associada, para
tanto, realizou ultrassom em busca de testículo, útero ou ovários. Porém,
nada foi encontrado.
Em função da criança ter nascido em um hospital associado a uma
faculdade de Medicina, ela foi assistida por mais de uma equipe médica e elas
se dividiam em pontos de vistas diferentes. De um lado posicionamentos
que defendiam a declaração do bebê como pertencente ao sexo masculino
e indicava o respeito pelo “tempo do bebe”, ou seja, aguardar para saber
se haveria o desenvolvimento dos testículos, pois estes ainda poderiam se
formar. Este posicionamento entende que ao chegar à idade adulta, muitas
pessoas com genitália indenida optam pelas cirurgias de adequação sexual
em função de sua identidade de gênero. De outro lado, havia médicos que
defendiam uma investigação mais minuciosa a m de buscar indicadores
cariótipos de cromossomos. Caso ocorresse um resultado de cariótipo
XXY, ou XX e XY, seria possível optar pela denição sexual masculina ou
feminina, tendo até a indicação de cirurgia de adequação sexual para o sexo
indicado pelos médicos. Independente destas posições ambas as equipes se
negavam a declarar o bebê como pertencente ao sexo masculino uma vez
que o mesmo não apresentava gônadas, mesmo tendo o pênis perfeito.
Como não foram encontrados outros órgãos, ou seja, ovários,
úteros ou testículos, o preenchimento da Declaração de Nascido Vivo
(DNV) (BRASIL, 2012), documento emitido pelos hospitais e ou
maternidades para que o responsável pela criança possa fazer o registro civil
dela, deveria ter sido completada com a indicação de sexo “Ignorado”, pois
não se sabia ainda se era masculino ou feminino. A diculdade da equipe
hospitalar em assinalar “Ignorado” no campo destinado a atribuição do
sexo mostra uma concepção de denição de sexo pautada unicamente em
uma lógica binária, de masculino ou feminino. Um levantamento sobre
casos da mesma natureza revelou que muitos bebês chegam a car meses e
até anos sem registro civil, por não se enquadrarem no binarismo sexual.
Após dois meses, com o resultado do exame de cariótipo, o bebê
foi registrado como sendo pertencente ao sexo masculino, apesar de ter
características Intersexo. Durante esse período o bebê cou sem nenhum
documento que comprovasse sua vida/nascimento. Com isso teve seus
direitos de cidadania negados, em especial, o direito ao Cartão do Sistema
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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Único de Saúde (SUS), o que era bem complicado por se tratar de um bebê
cardiopata. Sem o seu reconhecimento como ser humano não foi possível
ter acesso nem mesmo a convênio médico particular, correndo o risco de
perder a carência para doença congênita quando tal documentação casse
pronta. Além disso, a mãe não podia provar o nascimento da criança e com
isso, não obteve até seu registro, licença e auxílio maternidade.
Para além da negação de direitos de cidadania da criança, os pais
do bebê são expostos a situações constrangedoras que envolvem desde
comentários sobre a “displicência dos pais” em não terem registrado a
criança até a curiosidade de prossionais da saúde interessados em dar
banho ou trocar o “bebê hermafrodita”.
A partir desta situação pretende-se discutir os Direitos Humanos
em relação às pessoas Intersexo e, para tanto, organizamos o texto em
quatro partes. Na primeira, apresentamos os conceitos de sexo, gênero e
sexualidade; a segunda, Direitos Humanos e Intersexualidade; na terceira,
relatos de pessoas Intersexo, para tecermos, na última parte considerações
e possibilidades educacionais para pessoas Intersexo.
sexo, Gênero e intersexuAliDADe
O sexo pode ser denido por aspectos genéticos, endócrinos e
morfológicos. Em relação ao primeiro aspecto toma-se por parâmetro a
denição cromossômica (XX mulher; XY homem). Do ponto de vista
endócrino toma-se por referência as gônadas (testículos nos homens e
os ovários nas mulheres), além de outras glândulas (hipóse e tireoide)
responsáveis por traços de masculinidade e feminilidade. O aspecto
morfológico diz respeito à aparência dos genitais internos e externos. O
sexo é também um constructo psicossocial e social. Os elementos destas
ordens que o compõem são denidos a partir de alguns fatores tais
como a formação educacional, a inuência da família e da sociedade, o
comportamento do indivíduo e sua armação em determinado gênero
(FRASER, 2012).
A denição da identidade sexual do ser humano inclui também o
aspecto legal/civil, ou seja, o aspecto morfológico dos genitais determinam
o sexo da pessoa e suas implicações sociais. Assim, segundo Fraser (2012) a
formação da identidade sexual do indivíduo é o resultado da integração dos
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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elementos biológico, psicossocial e civil. Neste contexto, a criança Intersexo
pode ser entendida como aquela que apresenta distúrbios, anomalias ou
incongruências em qualquer dos seus sexos cromossômico, endócrino ou
morfológico, ocasionando ambiguidades no componente biológico da sua
identidade sexual.
Gênero é um conceito inter/multi/transdisciplinar, caracterizando-
se pela sua complexidade. Apesar de gênero ser uma construção educacional
ele é mais estudado no campo das Ciências Sociais e Humanas, pois se
disseminou que gênero é uma construção histórica, cultural ou social,
deixando de lado que gênero é construído educacionalmente (CARVALHO
et al., 2016). Gênero é um princípio de divisão que tem efeito pedagógico
e de poder, controle social, pois a reprodução das relações de gênero, a
aprendizagem e introjeção de modelos sociais prontos, papéis sociais, valores
culturais e identidades, pode emancipar ou oprimir. Essa conscientização do
gênero e de suas expectativas é aprendida subjetivamente e indiretamente,
incorporadas pelo hábito, são naturalizadas nas estruturas e espaços sociais
(BORDIE, 1999).
Àqueles que não se enquadram à heteronormatividade são
alocados à abjeção (BUTLER, 1999) e tem, socialmente, a existência e
a materialidade de seus corpos ameaçadas e intimidadas. As suas vidas se
tornam frágeis e precárias, são considerados sub-humanos e aberrações
humanas. Tornam-se fantasmas que assombram a construção de gênero
binário saudável e que podem desviar-se. Deste modo, tornam-se ameaças
à sociedade que desempenha esforços violentos, simbólicos ou materiais a
m de perpetuar o que se considera natural (BALIEIRO, 2011).
Do mesmo modo que a transexualidade desconstrói as normas
sociais e tira o sexo do campo apenas biológico (ÁVILA, 2014) diz que, a
Intersexualidade rompe com esses e muitos outros conceitos que diferenciam
sexo e gênero, desconstrói não só socialmente como biologicamente o
binarismo em gênero/sexo, fortalece as concepções de sexo/gênero como
produções culturais e como construção educacional através da tecnologia de
controle social heteronormativo exposto por Preciado (2014), e o acesso às
pessoas Intersexo desconstrói a visão de aberrações sexuais/cromossômicas/
sindrômicas. Pois, Intersexo trata-se de uma categoria socialmente
construída devido a variações reais biológicas, sendo compreendida como
uma variedade de condições onde o ser humano apresenta “ambiguidade do
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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sexo” biológico nos aspectos reprodutivo, genital, genético ou andrógino
(pessoa que tem características físicas e comportamentais de ambos os
sexos.), ou seja, pessoas que parecem tanto como homem como mulher
esteticamente, que não se encaixam com essa concepção conservadora de
sexo binário masculino ou feminino (ARCARI, 2017).
Para Fausto-Sterling (1993), o sexo não é algo somente biológico,
envolve toda uma construção psicossocial. Sexo e gênero são inseparáveis.
Assim, a questão da Intersexualidade para ela é negligenciada em relação à
percepção do verdadeiro signicado do sexo, isso devido à caracterização da
Intersexualidade abarcar questões físicas e psíquicas dos sexos masculinos
e femininos em decorrência de sua formação congênita, expressadas
tanto nos gametas sexuais como nas questões genéticas, representada nas
combinações X0, XXY ou XYY (FAUSTO-STERLING, 1993).
Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), de acordo com
a Resolução 1.664/2003, que regulamenta o tratamento para indivíduos
Intersexo, esta é catalogada como “anomalia de diferenciação sexual”, com
subclassicações como genitália ambígua, ambiguidade genital, Intersexo,
pseudo-hermafroditismo masculino ou feminino, hermafroditismo
verdadeiro, disgenesia gonadal, sexo reverso, entre outros (CFM, 2003).
Observe-se que nem mesmo o CFM cataloga todas as ocorrências de
DDS (Diversidades do Desenvolvimento Sexual), o que corrobora o
entendimento de que é uma situação de intensidade variável, e talvez até
de difícil identicação.
Também Machado (2005b) cita que na biomedicina Intersexo
é conhecido como “sexo ambíguo”, “sexualidade incompleta e “estados
Intersexo”. As pessoas Intersexo são popularmente conhecidas como
“hermafroditas”. Pela biologia são reduzidas a aberrações cromossômicas
ou as más formações congênitas e quando ocorrem são submetidas,
logo após o nascimento, a cirurgias “corretoras”, de adequação genital
para, geralmente o sexo feminino, pois a cirurgia é menos complexa
(CARVALHO et al., 2016).
Essa mesma autora questiona o poder médico na opção do
sexo adequado ao Intersexo logo após seu nascimento, coloca que estes
prossionais tentam causar invisibilidade a questão da Intersexualidade,
buscando logo nos primeiros meses de vida a denição do sexo, sem
respeitar o tempo de desenvolvimento do bebê (FAUSTO-STERLING,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
196 |
1993). Essa adequação imediata mantém a reprodução do gênero binário
que foi construído educacionalmente, não sendo algo natural, porém
discursado como natural, sendo que nesses casos, o natural e real seria a
Intersexualidade.
Desde a década de 1960 as tais cirurgias de adequação sexual são
incentivadas e realizadas, tais procedimentos não têm sido questionados
quanto a sua ética e consequências para o desenvolvimento psicobiológico
do sujeito Intersexo (FAUSTO-STERLING, 1993). Muitas vezes a opção
feita pelas equipes médicas resultam em grandes traumas para as pessoas
operadas, não se identicam com tal opção conforme crescem, muitas delas
na adolescência desenvolvem hormônios opostos a opção que foi realizada
(ARCARI, 2017). Campinho, Bastos e Lima (2009, p. 1155) retratam esta
situação quando expõem que nestas situações a
[...] identidade sexual [...] é determinada primordialmente
por condições biológicas, abrindo espaço para as práticas de
reconstituição dos órgãos sexuais como algo de extrema relevância
para a consolidação do “verdadeiro sexo”. Após a delimitação do
sexo verdadeiro, iniciam-se algumas práticas cirúrgicas que são
indicadas de acordo com a condição estética do órgão genital. Desta
forma, uma anatomia considerada “cosmeticamente ofensiva” se
torna alvo privilegiado de correções cirúrgicas.
Em relação à prevalência de pessoas Intersexo tem-se uma em
cada 100 nascimentos com nível de ambiguidade sexual e, entre um e dois
nascidos em cada 1.000, essa ambiguidade é tal que precisa de cirurgia
para diferenciação de gênero (ARAUJO, 2006; FAUSTO-STERLING,
2000; SANTOS), porém acredita-se que há muitos mais casos que não são
noticados devido a questões culturais da invisibilidade. Outros estudos
de prevalência de anormalidades genitais apresentam resultados variáveis
desde 1:20.000 até 1:4.500 recém-nascidos (CASTILLA et al., 1987;
HUGUES et al., 2006).
No Brasil, o registro populacional de nascimento com defeitos
congênitos iniciou em 1999 através da introdução de um campo na
Declaração de Nascido Vivo (DNV), que deve ser preenchida completa
e obrigatoriamente para a Certidão de Nascimento poder ser emitida.
Registros das más formações congênitas possibilitam o fornecimento de
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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informações sobre prevalência e fatores de risco para defeitos congênitos.
Com essas informações, é possível não só planejar políticas de prevenção e
atenção à saúde, mas também avaliar a efetividade das ações implantadas.
Assim, só a partir de 1999 é possível fazer algum levantamento estatístico
dos nascimentos de indivíduos Intersexo. Porém, nem sempre as equipes
médicas possuem capacidade técnica para tal diagnóstico e sabem como
proceder nessas noticações estatísticas (MONLLEO et al., 2012).
Em pesquisa realizada por Monlleo et al. (2012) em Maceió
(Alagoas - BR), no período entre 19/04/2010 e 18/04/2011, foram
encontrados 29/2.916 (prevalência de 1:100) casos com alguma
anormalidade genital detectada ao exame físico.
Sobre as implicações sociais, culturais e psicológicas da
Intersexualidade, o não reconhecimento desta como um sexo gera, além
de questões psicológicas, questões legais. Na primeira, as pessoas nesta
condição sofrem os mais diversos e complexos conitos na construção de
sua identidade psicológica, na forma de ser educada pela família e pela
escola. A educação de gênero nesses casos não pode se reduzir a optar
pelo sexo biológico mais fácil de fazer a cirurgia estética de adequação e
educar a partir da escolha que foi feita pelos médicos. Também, a opção
mais comum das equipes médicas é para o sexo, ou melhor, para genitália
feminina, pois é mais fácil a cirurgia. Desconsiderando a questão do
prazer sexual feminino, que, com a cirurgia ca muito comprometido. E,
reproduzindo o feminino como submisso ao masculino que deve satisfazer
e não ser satisfeita, servir e submeter-se.
Na segunda questão, a legal, diz respeito ao registro de
nascimento, que atualmente precisa constar “Feminino” ou “Masculino”.
As pessoas Intersexo tem se mobilizado pelo direito a serem registradas
logo que nascem como sexo não binário Intersexo e o direito de não
terem seus corpos mutilados e tão invadidos, violados e expostos por
procedimentos doloridos sicamente e emocionalmente, pois precisam ter
seu sexo denido apenas em masculino ou feminino para terem direito
a existir, desconsiderando completamente a condição da Intersexualidade
e interferindo bruscamente na construção da identidade Intersexo. Essa
adequação binária é logo realizada, pois para ter direito ao registro civil
no Brasil é necessária a especicação de um sexo binário, masculino ou
feminino, para ns de registro de nascimento (DREISSIG, 2016).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Assim, a situação de crianças Intersexo, que tem sexo biológico não-
binário, ou seja, não são nem masculino nem feminino, pela falácia médica
da necessidade de terem seu nascimento registrado com sexo especicado,
faz com que sofram cirurgias de adequação sexual apenas para ns registral/
documental, na verdade, diculdade médica de preencher o item ignorado.
Desta forma, a falsa necessidade de denição de sexo para ns de registro de
nascimento, se sobrepõe à dignidade humana e ao respeito ao corpo singular
da criança, levando a intervenções cirúrgicas mutiladoras para designação
ou adequação sexual. A realização dessas cirurgias de adequação sexual, são
apenas por adequações estéticas, não são necessárias para ns de saúde ou
por risco de vida, pois a Intersexualidade, na maioria dos casos, não traz
questões de saúde e risco de vida associados a ela, e, essas cirurgias, geram
além da violência física a psicologia, futuros problemas de identidade de
gênero, já que geralmente a opção sexual realizada pelos médicos não tem
coincidido com a identidade da pessoa Intersexo (DREISSIG, 2016). Por
isso a importância de reetir sobre a ética
[...] dos procedimentos cirúrgicos de correção de genitais sob a
justicativa de adequação à dicotomia de sexo e de gênero vigente
na sociedade (MACHADO, 2005). Para Foucault, se vê necessário
o debate cientíco sobre sexualidade humana e sua organização
anatômica (FOUCAULT, 2001). Nesse mesmo sentido, é preciso
reetirmos sobre o fato de que “[...] o Direito não pode fechar os olhos
para a realidade social estabelecida, notadamente no que concerne à
identidade sexual, cuja realização afeta o mais íntimo aspecto da vida
privada da pessoa.” (ANDRIGHI apud RABELO; VIEGAS; POLI,
2014, p. 37). Quer dizer: não pode ser o corpo da criança manipulado
para satisfazer uma vontade social, que, é importante frisar, talvez não
se aplique a ela. (DREISSIG, 2016, p. 40).
Em relação à Educação Sexual da pessoa Intersexo e sua construção
da identidade de gênero, essa invisibilidade, negação da situação real,
biológica, desde a descoberta da DDS já no nascimento gera diversos
conitos e sofrimento psíquico na pessoa Intersexo. E, de modo geral,
demonstra o quanto à questão de gênero é uma produção educacional, que
também vem sendo negada, tratada sem ética, já que se educam as pessoas
apenas de forma binária, nos gêneros/sexos masculino ou feminino, por
exemplo: la de meninas e meninos, banheiro de meninos e meninas,
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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roupas de meninos e meninas, brinquedos de meninos ou meninas,
comportamento de meninas ou meninos, entre outras.
Isso é perceptível desde a Educação Infantil, onde meninos e
meninas estão frequentemente separados nos espaços e atividades escolares
(ver CARVALHO et al., 2016). Ainda se encontram las por sexo em
algumas escolas! – um reexo do tempo em que as escolas não eram mistas.
E na Educação Superior a organização gendrada de campos
de conhecimento, disciplinas, cursos e carreiras praticamente não é
questionada (CARVALHO et al., 2016).
Direitos HumAnos e intersexuAliDADe
A identidade sexual é um atributo da dignidade humana, cerne
dos Direitos Humanos. Pautado nestes princípios alicerça-se o direito ao
registro e à identidade, condições para exercício da cidadania. A lei que
trata deste tema é de 1973 (BRASIL, 1973) e ela determina o registro civil
no prazo de 15 dias após o nascimento da criança exigindo, para tanto, a
indicação do seu nome e sexo.
Em relação ao registro de nascimento da pessoa Intersexo,
atualmente tem-se o Projeto de Lei N.º 5.255, de 2016, da deputada
Laura Carneiro, que propõe introduzir no Artigo 54, da referida lei o 4º
parágrafo, com a seguinte redação:
§ 4º O sexo do recém-nascido será registrado como indenido
ou intersex quando, mediante laudo elaborado por equipe
multidisciplinar, for atestado que as características físicas,
hormonais e genéticas não permitem, até o momento do registro,
a denição do sexo do registrando como masculino ou feminino.
(NR) (CARNEIRO, 2016).
A deputada justica a proposta por a exigência legal de registro da
criança, com indicação de nome e sexo, em 15 dias, ser um prazo pequeno
para os pais do recém-nascido com indenição sexual. Os procedimentos
médicos e laboratoriais tomam um prazo maior do que o denido em
lei e desta forma a legislação não pode funcionar como limite objetivo
à concretização do direito à identidade e à saúde da criança Intersexo. A
legislação atualmente em vigor é anacrônica e não confere a devida proteção
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
200 |
jurídica nesses casos. Alie-se a este outro problema, o da inexistência de
norma uniforme, especíca e clara, a ser seguida pelos ociais de registro
civil e pelos magistrados quando se deparam com a situação concreta de
requerimento de registro de recém-nascido Intersexo (CARNEIRO, 2016).
Porém, essa proposta, de acordo com os ativistas dos Direitos das
Crianças Intersexo (VISIBILIDADE INTERSEX, 2017), não resolveria
muito as situações que vêm ocorrendo, já que o protocolo proposto é
muito detalhado, com exames caros e demorados, continuando a carem
meses ou anos sem registros até que tal situação se dena. A luta desses
ativistas é pelo direito de serem reconhecidos e registrados como Intersexo
e não serem submetidos e expostos a tantos exames para denição do sexo
masculino ou feminino e, também, não serem mutilados em cirurgias de
adequação sexual logo após o nascimento ou durante a infância.
A pessoa na condição de Intersexualidade, também poderá se
constituir tanto nos gêneros binários, tanto no não-binário, quanto na
condição trans. A condição cis seria a Intersexualidade, o que não pode
ocorrer é ter a sua condição natural negada logo ao nascimento, pois
gênero é uma construção educacional e essa constituição se dá através de
uma produção cultural.
Portanto, em relação à construção da identidade da pessoa
Intersexo esta está diretamente relacionada à Educação que esta pessoa
estiver inserida, que, atualmente, tem sido geradora de conitos emocionais,
rebaixamento da autoestima, causa de suicídio, motivo de discriminação
e preconceito. A educação pode “[...] tanto reforçar, manter ou reproduzir
formas de dominação e de exclusão como constituir-se em espaço
emancipatório, de construção de um novo projeto social.” (GADOTTI,
2000, p. 2).
Se realizarmos um trabalho educacional remetendo ao
desenvolvimento da autonomia sexual (CAMPOS, 2015), ou seja,
conhecimentos sobre sexualidade, para decisões positivas, desenvolvimento
do autorrespeito e autocuidado, respeito mútuo nos relacionamentos
sexuais e cooperação dos sujeitos Intersexo como busca de emancipação,
como fator gerador de empoderamento, sendo compreendido como
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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[...] processo - e o resultado do processo - mediante o qual os
membros sem poder ou menos poderosos de uma sociedade
ganham maior acesso e controle sobre os recursos materiais e
do conhecimento, desaam as ideologias da discriminação e
subordinação, e transformam as instituições e estruturas através das
quais o acesso e controle desiguais sobre os recursos são sustentados
e perpetuados. (CARVALHO et al., 2016, p. 60).
Provavelmente, a educação contribua de forma positiva, emancipatória
e na construção da identidade da pessoa Intersexo de forma menos conituosa.
Ignorar a existência da pessoa Intersexo é violar os Direitos Humanos,
princípios da dignidade e o Direito Sexual, sendo que Direito Sexual
envolvem: direito à liberdade sexual; direito à autonomia sexual, integridade
sexual e à segurança do corpo sexual; direito à privacidade sexual; direito ao
prazer sexual; direito à expressão sexual; direito à associação sexual; direito às
escolhas reprodutivas livres e responsáveis; direito à informação sexual livre dos
princípios fundamentais da igualdade e da liberdade que regem um direito da
sexualidade. Liberdade, privacidade, autonomia e segurança, por sua vez, são
princípios fundamentais que se conectam de modo direto ao direito à vida e ao
direito a não sofrer exploração sexual (RIOS, 2006, p. 17).
Buscar compreender a articulação entre a produção cultural e a
construção educacional do conceito de gênero e heterossexismo, contribui
para superação da homofobia, transfobia e intersexfobia e, também, das
demais formas de discriminação as pessoas LGBTTQI (Lésbicas, gays,
bissexuais, travestis, transex, queer e intersex), pois para
Adrienne Rich (1980) a instituição política da heterossexualidade
constrói a sexualidade humana e o gendramento dos sujeitos,
funcionando como um mecanismo de exclusão e opressão daqueles
e daquelas que não se enquadram em suas determinações. Segundo
outra teórica feminista, contemporânea, Judith Butler (2003),
a matriz heterossexual produz as versões aceitáveis e viáveis de
masculinidade e feminilidade, de tal forma que qualquer ameaça
à identidade heterossexual afeta não apenas a sexualidade, mas
também o gênero do sujeito, portanto, a homofobia funciona
como uma estratégia disciplinar empregada contra todos os sujeitos
sociais (CARVALHO et al., 2016, p. 57-58).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento
realizada no Cairo (1994), debateu-se, pela primeira vez, a sexualidade em
um sentido positivo em detrimento das discussões sobre mutilações genitais,
violência sexual e Infecções sexualmente Transmissíveis (ISTs). Dessa
conferência resultou o documento nomeado “Relatório da Conferência
Internacional sobre População e Desenvolvimento” - Plataforma de Cairo
de 1994. Esse documento representa marco fundamental na igualdade
dos sexos e em uma dimensão ampla de direitos humanos em que saúde
sexual e reprodutiva estão presentes (MORAES; VITALLE, 2012). Assim,
faz-se necessário um olhar atendo a estas questões principalmente no que
se refere a constituição da identidade, a violação do corpo e mutilações
genitais, voltando a discussão para autonomia no sentido moral como base
para as escolhas em relação a seu gênero/sexo.
Em 2011, na II Conferência Nacional de Políticas Públicas e
Direitos Humanos para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
com o tema “Por um país livre da pobreza e da discriminação, promovendo
a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais” foram
aprovadas diretrizes e a necessidades de políticas públicas diversicadas
para a população LGBTT.
No Brasil, os estudos acadêmicos dos movimentos LGBTTQI
ainda não prosperaram e se legitimaram como nos Estados Unidos, assim,
faz-se necessário avançar na proposta estratégica do Plano Nacional de
Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBTQI – Sensibilização
e mobilização de atores estratégicos e da sociedade para a promoção da
cidadania e dos direitos humanos de LGBTQI (BRASIL, 2009), que
propõe a estimulação e fomentação para criação e o fortalecimento das
instituições, eventos, pesquisas, propostas pedagógicas, difusão cientíca,
grupos e núcleos de estudos acadêmicos sobre gênero e direitos humanos
das pessoas LGBTTQI (CARVALHO et al., 2016).
Nesse, sentido, parafresando Brabo (2005), quando diz que
“[...] é preciso ensinar sobre feminismo e a história das mulheres e de suas
lutas passadas e presentes por direitos, incluindo as questões dos direitos
humanos das mulheres e da equidade de gênero no currículo da educação
básica e da formação docente.” (CARVALHO et al. 2016, p. 57), é preciso
ensinar sobre Intersexo/gêneros não binários e a história dos movimentos
e lutas LGBTTQI passadas e presentes, incluindo as questões dos Direitos
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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Humanos das mulheres e da equidade de gênero em todo sociedade, na
Educação Básica e formação docente.
relAtos
Seguem relatos de algumas pessoas Intersexo para exemplicar
as mais diversas situações. Esses relatos foram retirados de uma entrevista
que sujeitos Intersexo forneceram ao site NLucon http://www.nlucon.
com/2016/10/pessoas-Intersexo-revelam-vivencias.html, que aborda
assuntos voltados às questões sociais, culturais e de entretenimento. Ele é
escrito pelo jornalista Neto Lucon. Tem como meta servir de ferramenta
no combate ao preconceito e dar a voz da população trans. Tem cerca de 1
milhão de acessos por mês (LUCON, 2016).
E.D., 20 anos. Em seu nascimento os médicos não conseguiram
denir se ele era do sexo masculino ou feminino. Diante disto, realizaram
uma cirurgia para estudar o que ocorria. Encontraram tubas uterinas,
retiraram essas tubas. Realizaram exame de cariótipo que revelou os
cromossomos XY. Assim, a equipe médica optou pelo processo de
masculinização hormonal e aconselharam os pais educarem como menino
(LUCON, 2016).
M.B, 35 anos, apresentou ao nascer um clitóris avantajado,
lembrava um pênis, possuía um útero pequeno e gônadas que não
produziam estrogênio. Os médicos a deniram como do sexo feminino. A
submeteram a duas cirurgias de adequação de genital para o sexo feminino.
Orientaram a família a educarem como menina (LUCON, 2016).
A cirurgia de M.B. traz muito carregada uma concepção machista:
A lógica de mutilar um clitóris que parecia ser um pênis era de
que, futuramente, nenhum homem iria querer se relacionar comigo. Ou
seja, em momento algum o meu prazer sexual foi levado em consideração.
É como se o meu corpo existisse para cumprir o papel de ser atrativo a
outros”, reete, destacando a violência que sofreu com o aval da medicina
(LUCON, 2016, p. 1).
O caso de M.B. foi tratado como tabu. A família não contava
para ela exatamente o que aconteceu, só diziam que ela era diferente. Isso
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
204 |
gerava muito sofrimento emocional. Com a morte de seu pai, a família
revelou para ela sua história de vida.
Minha infância foi regada a solidão, rejeição e muito bullying e a
adolescência foi ainda pior. Fuga era o que eu queria e drogas era
o que tornava isso possível. Por muito tempo eu tentei me matar,
porque odiava meu corpo por ser diferente. Minha vivência foi
sofrida (LUCON, 2016, p. 1).
A.M.V, de 34 anos, sociólogo, nasceu sem genitália. Enfermeira
e médicos no hospital a todo instante entravam em seu leito para ver
como um animal exposto numa jaula. Foi diagnosticado com síndrome
de insensibilidade e andrógenos, possuía cromossomos XY e, ainda bebê,
sendo atração do hospital, realizou a cirurgia de vaginoplastia. Essa opção foi
realizada pela equipe médica. Mesmo com cariótipo masculino a cirurgia de
adequação foi para genitália feminina, por ser mais fácil os procedimentos,
e seguido de hormonização feminina. A família manteve isso em segredo
até a idade adulta. Diziam que os hormônios eram vitaminas. A religião da
família inuenciou muito nas questões de esconder o que ocorria de fato
(LUCON, 2016).
Ele declara que a Intersexualidade ainda causa espanto, horror
e surpresa na sociedade. Mas que esta característica é biológica e fruto da
natureza. “Queremos o reconhecimento do intersex como pessoa humana e
sua existência como intersex como direito humano. O corpo e o indivíduo
intersex merecem respeito” (LUCON, 2016).
Os três casos citados
[...] fazem parte de um grupo ainda invisibilizado, mas muito
comum: o das pessoas intersex (ou Intersexo). Ou seja, daquelas que nascem
com órgãos genitais internos ou externos fora dos padrões médicos e de uma
sociedade cisnormativa e binária. E cuja condição é “corrigida” ou “mutilada
na infância por meio de cirurgias e hormonização (LUCON, 2016).
Entenda: em muitos casos são necessárias as intervenções
(sobretudo internas) por questão de saúde. Em outros, elas são realizadas
por mera questão de encaixe binário. É preciso destacar que após as
cirurgias e os processos de hormonização nem todo Intersexo se identica
com o gênero e genital que lhe foi atribuído no hospital (LUCON, 2016).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 205
H. H, 20 anos, DJ, nasceu com hipospádia, clitoromegalia e
hirsutismo leve, devido à Hiperplasia Adrenal Congênita. Os médicos
optaram pela feminização de seu corpo com hormônios. A família também
dizia que eram vitaminas. Foi educada como menina. Era forçado a vestir
roupas para disfarçar e apertar os seus genitais para que não chamasse
atenção para a sua diferença, principalmente nas aulas de natação. Na
puberdade não vieram o desenvolvimento hormonal e aumentaram
as dosagens hormonais para deixá-lo mais confortável, mas de fato, o
deixaram mais confuso. “Quando questionei minha mãe, tudo o que ela
me disse é que não queria que eu fosse uma aberração.” (LUCON, 2016).
Ao mesmo tempo ele via os seus seios se desenvolvendo, não
menstruava e também via os pelos crescerem nos mesmos lugares dos
meninos cisgêneros. Resultado: Foi alvo de bullying e diversas violências
morais. Hoje, ele se dene como não-binário e prefere ser tratado por
artigos masculinos ou neutros.
De acordo com Haru, ser intersex ainda hoje é ser invisível e
passar por várias violências, muitas vezes sem saber o motivo.
Nas escolas não ensinam nada sobre o corpo humano não-
diádico. E, se ensinam, é um resumo tão básico que se aprende ao obsoleto
‘hermafroditas’. Você aprende que existem homens (que são sempre XY)
e mulheres (que são sempre XX) e que tudo que se encaixa fora daquilo é
incompleto, deciente, raro, exceção e anormal (LUCON, 2016).
“R. C., 18 anos, nasceu com canal vaginal e clitóris aumentado,
porém cariótipo XY e não possuía gônadas completamente desenvolvidas
e útero”. Ela passou por uma vaginoplastia enquanto bebê. Só teve
conhecimento disso aos 16 anos. Na infância, tentava ser uma menina, mas
sofria muito com isso. Na adolescência, os processos foram complicados,
seu corpo continuava infantil.
“O meu caso foi um tipo de adolescência tardia. O desenvolvimento
físico, mudança da mentalidade e da própria imagem só foram ocorrer
recentemente. No começo, era difícil lidar, havia uma sensação de não
pertencimento.” “Ser intersex requer bastante amor próprio e fé em
si mesmo, pois nossa existência é posta à prova a todo momento. É um
sentimento de incompreensão, de não cabe dentro desses dois limites pré-
estipulados”, declara ela, que arma que sua “transição” ocorreu puramente
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
206 |
no plano mental. “Foi uma mudança na maneira que me percebia e percebia
meus limites. No plano físico, continuo com a hormonioterapia que faço
desde os 11 anos com estrogênios”. Ela acredita que o seu corpo ainda
não completamente desenvolvido representa o conceito de não-binarismo.
Aprendi a respeitar o meu tempo e perceber essas diferenças como aspectos
íntegros da minha identidade.” (LUCON, 2016).
D. F., 27 anos, mulher trans e Intersexo, tem o cariótipo XXY.
Explica que é Intersexo e que seu corpo não funcionava “nem como
masculino nem como feminino”, devido à disgenesia gonadal que gera
hipogonadismo (ovários ou testículos não produzem hormônios). Foi
denida pelos médicos como do sexo masculino, mas desde criança
sentia que era uma garota. Os médicos sugeriram a hormonização com
testosterona, ela discordava. Assim, começou a tomar hormônios femininos
por conta própria, enfrentou a transexualidade em diferentes contextos,
transfobia e interfobia, até por familiares, superou muitas burocracias para
que médicos aceitassem tratá-la com estrogênios e até hoje é assediada
sexualmente por curiosos e pessoas que acreditam que toda mulher trans é
prossional do sexo. Conseguiu realizar a cirurgia de resignação sexual de
sua opção (LUCON, 2016).
Dionne relembra dos ataques que sofreu: “Era humilhada e
ridicularizada no ensino fundamental, mas as violências transfóbicas
foram mais evidentes no primeiro ano do colegial, onde tentavam impedir
o uso do banheiro feminino. Tentavam até me tirar do banheiro a força,
ou tentavam arrancar minhas roupas para verem o meu ‘sexo’”, lamenta.
Diante de tantas violências, ela decidiu se engajar na luta contra a interfobia
e a transfobia (LUCON, 2016).
L., 35 anos, nasceu hermafrodita, ou seja, Intersexualidade
verdadeira, que é uma condição muito rara, os dois órgãos sexuais são
igualmente bem desenvolvidos e produzem hormônios sexuais masculinos
e femininos. Foi registrada como sexo masculino, sofreu muito durante
a infância e adolescência pois sentia-se mulher, queria estar na la das
meninas, se vestir como menina. A mãe, por fatores religiosos, a considerava
obra do demônio”, na adolescência queria se arrumar como mulher e era
considerada travesti pelos familiares e na escola. Devido à exclusão familiar
e escolar, fugiu de casa, foi morar num abrigo para travesti após viver em
situação de rua. Conseguiu estudar e aos 30 anos, tendo um relacionamento
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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estável, engravidou e teve uma lha, a qual não pode registrar como mãe
porque, documentalmente, ela é homem e não poderia ser mãe de sua
lha. Após anos de processo judicial, conseguiu registrar sua lha como
mãe e ser beneciada com a cirurgia de adequação para o sexo feminino
com alteração no Registro Geral (WARKEN, 2017).
consiDerAções finAis
Os relatos apresentados na seção anterior dão corpo às discussões
apresentadas neste texto, começando pelo entendimento de sexo, gênero
e Intersexualidade. O primeiro conceito, sexo, não pode ser denido
simplesmente pela existência ou não de determinados órgãos, como o
pênis e bolsa escrotal com testículos, para o masculino e, vulva, vagina,
útero e ovários, para o feminino; cromossomos XX, XY, XXY, XXXX, XX
e XY, entre outras tantas variedades; por questões endócrinas e fenótipos.
Estas designações são produções culturais de classicação de pessoas, que
frente à situação concreta de crianças que nascem sem uma distinção clara
destes órgãos e demais denidores, cam relegadas a uma situação de não
existência legal, ferindo seus direitos enquanto pessoas humanas.
Outras forma que fere seus direitos são as cirurgias que os médicos
chamam de “adequação sexual”, que se trata de mutilações genitais em
bebês sem respeitar o direito de escolha sobre seu corpo, adequando
esteticamente desconsiderando a siologia do órgão genital no que se refere
à produção de prazer, como no caso das mutilações de clitóris aumentados
e micro pênis. Também, na hormonização obrigatória, sem respeitas a
natureza dos corpos.
Essas tais “cirurgias de adequação” e hormonização para adequação
vêm sendo justicadas pelas equipes médicas como algo que quanto mais
cedo for realizada, sendo ideal no primeiro ano de vida, menos traumática
será a vida dessas crianças. Porém, não encontramos nenhuma pesquisa
longitudinal em Psicologia que tenha avaliado tal situação e armado que a
idade ideal para isso seja até o primeiro ano de vida, apenas relatos médicos
em suas convicções pessoas. Pelo contrário, encontramos diversos relatos
de pessoas Intersexo se queixando das mutilações e hormonizações sofridas
na infância.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
208 |
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 (2000-2016)
Luiz Henrique Moreira Soares
Rosiney Aparecida Lopes do Vale
Adenize Aparecida Franco (In memorian)
introDução
Todo espaço social é um espaço em constante disputa. Assim, a
literatura pode ser entendida como um espaço da construção de identidades,
no qual se cria a possibilidade de problematizar e expressar as dinâmicas
sociais, indagar sobre consensos e cristalizações. Como já apontado por
Bakhtin (1995), o indivíduo é construído na e pela linguagem, além
dos inúmeros sistemas simbólicos pelos quais a identidade pode ser
representada. A linguagem, para Wittig (1985 apud BUTLER, 2003,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
212 |
p. 162), exerce o poder de projetar feixes de realidade sobre o social, ao
mesmo tempo em que carimba, molda e violenta os corpos.
É a partir das práticas linguísticas e de signicação que são produzidas
as identidades e as diferenças. Entende-se a linguagem, também, como um
conjunto de atos, repetidos ao longo do tempo, que produzem efeitos de
realidade e que acabam sendo percebidos como naturais e essenciais (BUTLER,
2003, p. 168). A “verdade”, assim construída, está inteiramente ligada às
noções de poder e modos de vigilância, de forma a controlar os corpos.
Devido ao seu aspecto (trans) formador, a literatura pode atuar
sob uma linha tênue, que separa a manutenção do preconceito e da
discriminação, da desconstrução de imagens estereotipadas e negativas. O
discurso literário é também um discurso político. Não se pode separar a
literatura do seu momento histórico de produção e nem da cultura à qual
está inteiramente ligada, uma vez que ela adquire o poder de dialogar com
o pensamento social.
Os estudiosos da cultura, entretanto, apontam para questões mais
amplas, que abrangem a “celebração artística e cultural” estabelecida pelo
cânone literário. O próprio processo de canonização é assentado em um
princípio de seleção e exclusão, e sua concepção engendra a subjetividade
de grupos minoritários, “[...] prevalecendo autores europeus geralmente
do sexo masculino, heterossexuais, brancos e pertencentes às elites.
(CALEGARI, 2013, p. 13). Desta feita, a literatura avulta-se como um
espaço em disputa, que proporciona a possibilidade do choque de ideias
e perspectivas. A gura do autor, como arma Barthes (1999, p. 33),
também exerce a posição daquele que “fala no lugar do outro”, e, por
estar socialmente situado, possui o poder de julgar e excluir, sem levar em
consideração a subjetividade e as possibilidades de fala.
Na literatura contemporânea brasileira, principalmente aquela
produzida nos primeiros anos da década de 1990 até os dias atuais, é
possível notar a presença da multiplicidade nas obras, multiplicidade tanto
em relação às formas de produção e disseminação das obras, quanto às
vozes que circundam nos textos literários. Longe de ser apenas uma mera
representação da realidade, constata-se que a produção literária recente
incorpora novas vozes, o experimentalismo de novas formas e processos de
criação artística, fragmentação nas demarcações de tempo e espaço, além
de maior subjetividade na construção de enredos e personagens.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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Apesar disso, o campo literário brasileiro é, ainda, marcadamente
homogêneo. Quando pensado, aponta para um conjunto de problemas, advindos
de nossa época globalizada e fragmentada: a personagem contemporânea,
especialmente a representativa de grupos minoritários, ainda é congurada em
lugares e espaços pré-denidos, interpelada por poderes paralelos.
Resende (2008, p. 20), em sua obra Contemporâneos: expressões
da literatura brasileira no século XXI, pontua que, nessa produção literária
recente, o “centro” e a “margem” aparecem desgurados, apresentam “[...]
olhares oblíquos, transversos, deslocados que terminam por enxergar
melhor.” É justamente na obliquidade que as novas formas de criação
literária se agrupam: o aspecto irônico e debochado, a temática do trágico,
a violência das grandes cidades, o consumismo desenfreado, o cotidiano
privado e o processo de (re)construção da memória individual e coletiva,
traumatizada. Novas abordagens nos estudos literários, dando destaque à
obras que convergem na desconstrução de ideias cristalizadas pelo discurso
heterossexista, vêm colocando em xeque visões essencialistas e propõem
discussões mais amplas sobre temas pertinentes à crítica cultural.
Para Dalcastagnè (2012, p. 49), a personagem da narrativa
contemporânea ‘sabe seu devido lugar’. A teórica arma que a divisão
de classes, raças e gênero é muito bem marcada na literatura brasileira:
grupos marginalizados historicamente, como pobres, negros, mulheres,
homossexuais e corpos que fogem às normas de gênero, são relegados de
ocupar determinados espaços, em comparação aos espaços destinados ao
homem branco, heterossexual, católico e de classe média. O que resta para
essas personagens é o espaço da subalternidade, o espaço dos presídios, o
espaço da favela, o espaço da exclusão, o espaço da prostituição, o espaço
da rua, o espaço da cozinha e o espaço da servidão.
Algumas produções literárias, especialmente as que se inserem
na contemporaneidade, alteram a “silhueta do sujeito”, (des) montam o
indivíduo essencial posto como referência, construído sob um modelo
dominante e que não favorece as subjetividades e perspectivas. Essas
produções propõem um novo olhar, constroem novas signicações sobre
o indivíduo contemporâneo, de identidade marcadamente fragmentada,
“[...] composto não de uma, mas de várias identidades, algumas vezes
contraditórias ou não-resolvidas.” (HALL, 2006, p. 12). Citando Bourdieu
(2007), Fernandes e Schneider (2016, p. 157), armam que:
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
214 |
Entre as chamadas minorias segregadas, nenhuma, talvez, tenha
experimentado tanto o rechaço cultural e a violência simbólica
(BOURDIEU, 2007), como também a violência física, quanto
aquela formada por homens e mulheres que perturbaram as
fronteiras de gênero travestindo-se, no intuito de construir uma
identidade outra ou de viver uma subjetividade diferente da
considerada “normal” nos termos binários que regem o campo da
sexualidade na maior parte das sociedades ocidentais.
Pode-se observar que grupos não-hegemônicos muitas vezes
são representados em situações negativas dentro do contexto social. Essas
representações os colocam em posições de marginalidade e subalternidade.
Julga-se necessário, porém, no âmbito desse artigo, mapear e analisar os espaços
de violência e subalternidade em que personagens travestis são conguradas no
romance contemporâneo brasileiro (2000-2016), como forma de evidenciar
essas obras, que, em geral, não fazem parte do cânone literário.
Não obstante, congura-se como escorregadio e complexo o
campo no qual se inserem os estudos sobre identidades no contemporâneo,
por acreditar em um processo de construção identitária formada ao longo
do tempo, não congênita. Nesse contexto, propõem-se a ressignicação das
vivências representadas, como forma de resistência e construção de novas
histórias, novas imagens e representações dessas personagens. Questionar os
espaços subalternos de conguração é, também, questionar sobre as hierarquias,
exclusões, negações e violências que são condicionados esses corpos no Brasil,
em um jogo de poderes que dene o que é humano e o que é indigno.
A trAVesti: umA PersonAGem e um corPo nA HistóriA
A identidade travesti faz parte dos corpos que, historicamente, são
construídos sob discursos hegemônicos e heterossexistas, que hierarquizam
os espaços e as subjetividades. À travesti, nesses espaços hierarquizados, é
negada a possibilidade de produção e de representação artística, embora
sejam representadas por outros, autores de outras histórias e vozes,
autoridades que “[...] possuem o poder de julgar e falar no lugar do outro
(BARTHES, 1999).
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A travesti
1
, segundo Don Kulick (2008, p. 27), tem a capacidade
de transmitir e despertar a repulsa e o medo, mas ao mesmo tempo,
uma atração eletrizante, onde quer que esteja. Então, a identidade aqui
estudada refere-se a sujeitos caracterizados ao nascer, tradicionalmente,
como sendo do sexo masculino, mas que acabam por assumir “[...]
condensações de determinadas ideias gerais, representações e práticas do
masculino e feminino.” (KULICK, 2008, p. 26). Ou seja, as travestis não
estão em lugar propriamente subversivo, pois elaboram “determinadas
congurações de sexo, gênero e sexualidade que sustentam e (re) signicam
as concepções de ‘homem’ e ‘mulher’ no Brasil”. São corpos abjetos no
sentido da negação da subjetividade, na colocação desses seres como objetos
de inúmeras violências – física e simbólica –, são corpos indizíveis, (in)
visíveis e ambíguos, nos quais o discurso dominante atravessa e interpela,
tornando-os seres desumanizados e indignos.
Nas palavras de Butler (2003 p. 162), esses corpos constituem o
domínio do “abjeto”: são destinados a ocupar o não - lugar, o lugar fronteiriço
e inabitável do (não) dizer-se, do não expressar-se. Ainda, para a teórica, os
sujeitos que possuem “imagens corporais” que não se encaixam em nenhum
desses gêneros (masculino e feminino) cam fora do humano, “constituem
a rigor o domínio do desumanizado e do abjeto, em contraposição ao qual o
próprio humano se estabelece”. No corpo social, onde “a linguagem projeta
feixes de realidade”, conforme Monique Wittig
2
(1985 apud BUTLER,
2003, p. 162) nos lembra, são denidas as vidas e as subjetividades dignas de
serem vividas e os corpos dignos de importância, ao mesmo tempo em que a
linguagem também “carimba, molda e violenta os corpos”.
A conceituação de travesti e transexual é um tanto quanto polêmica, posto que haja diculdade em se estabelecer
e nalizar conceitos no contemporâneo. De forma grosseira, as travestis podem signicar sujeitos que foram
identicados biologicamente como homens ao nascer, mas que adotam comportamentos, nomes e roupas comuns
do sexo feminino, construindo uma identidade semelhante ao que se é chamado de “feminilidade”. Diferentemente
das transexuais, as travestis não se submetem às cirurgias para retirada da genitália, nem desejam tornar-se mulheres,
caminhando sob o trilho da ambiguidade e do hibridismo. Já os/as transexuais são caracterizados/as como sujeitos
que não se identicam com o órgão sexual na qual nasceram e desejam manifestar a identidade do sexo oposto,
recorrendo às cirurgias de redesignação ou mudança de sexo. Convém destacar que a cirurgia de mudança de
sexo não é o que caracteriza a pessoa transexual. Acima de qualquer procedimento cirúrgico está o seu desejo em
manifestar integralmente a identidade com a qual se sinta mais à vontade.
Judith Butler, no capítulo 3, do seu livro Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade (2003), ao
debater ideias sobre a linguagem e atos corporais, traz uma importante armação da teórica francesa Monique
Wittig: para ela, “[...] a obra literária pode operar como uma máquina de guerra”, até mesmo como uma
máquina perfeita de guerra.” (BUTLER, 2003, p. 172).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
216 |
Acompanhada por um processo de urbanização, como demonstra
James Green (2000), a identidade travesti desenvolveu-se nas grandes cidades
brasileiras a partir das décadas de 60 e 70. Antes disso, o termo “travesti” era
constantemente ligado à gura de artistas transformistas que se apresentavam
shows glamorosos pelo país. Tal diferença se constitui devido à entrada das
travestis no universo da prostituição e a ocupação de ruas e avenidas das
grandes cidades. O espaço citadino e urbano, conforme observam Kulick
(2008) e Pelúcio (2005), é ambiente propício às manifestações “transgressoras
das sexualidades, à libertação dos próprios desejos e subjetividades. Pensar
essa identidade, portanto, é pensar em construções complexas e peculiares
que abalam os binarismos e normas de gênero.
Segundo Miranda (2008), as travestis (sobre) vivem entre camadas
de preconceitos e são conguradas a partir de uma ótica discursivamente
negativa, que constrói “verdades” sobre os corpos e sobre as vivências. É
por isso que, dentro dos estudos literários, abre-se a possibilidade de (re)
construir e (re) materializar os corpos e as ideias, como forma de evidenciar
os preconceitos e as exclusões, (re) pensar, sempre que possível, na subversão
dos cânones da própria linguagem.
A exclusão e o silenciamento, para Dalcastagnè (2010, p. 42-43),
advém da produção controlada do discurso, que impossibilita e nega o
direito à fala de grupos marginalizados. Por estarem excluídos da produção
literária, esses sujeitos acreditam ser incapazes de produzir ou fazer parte
do campo literário
3
. A exclusão mantém o rechaço cultural e promove, por
meio dos discursos negativos, a manutenção da violência física e simbólica.
Conforme observa Inácio (2012), no ensaio Sobre Geni e Gisberta: baladas
e amores trágicos, a travesti/trava/transexual vem habitando o imaginário
cultural de maneira silenciosa:
[...] como ocupando lugar semelhante ao de tantas e tantas outras
guras mundo, obliteradas e tornadas apenas objeto pelo campo
literário: o negro, a mulher pobre, a criança, o homossexual, corpos
manipuláveis pelos discursos de poder, pelas políticas do discurso,
pela impossibilidade de dizerem sobre si mesmos muitas vezes.
(INÁCIO, 2012, p. 34).
A própria denição de literatura tem caráter ideológico e pode ser entendida como uma prática discursiva,
uma disputa estrutural na conceituação de ideias e valores, que edicam e/ou reforçam privilégios e estabelecem
fronteiras (REIS, 1992, p. 72).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 217
Para Inácio (2012), é necessário pensar sobre a margem que se
desenha dentro da própria margem e “dos discursos ditos e tidos como
marginalizados”, posto que a travesti, também não possui lugar especíco
dentro desses discursos, e muitas vezes é desprovida do caráter de enunciação
própria e legitimidade.
Em outras palavras, a literatura não se encarrega de referir-se ao
mundo, mas “representa suas linguagens e discursos”. No livro Crítica da
Imagem Eurocêntrica: multiculturalismo e representação (2006), Ella Shohat
e Robert Stam debatem a questão da representação na contemporaneidade,
e como a arte, de certa forma, incorpora representações hegemônicas
que dizem muito sobre a sociedade atual. Os autores admitem que não
é tarefa fácil identicar distorções em um objeto cultural, todavia, sabem
da importância das representações e que elas possuem efeitos reais sobre o
mundo (SHOHAT; STAM, 2006, p. 262).
Há muitas questões em jogo: a representação não busca o real,
nem o deve assim fazer, mas é certo de que um objeto cultural admite a
inserção de referências da vida comum. O fato é que uma obra literária,
como toda e qualquer representação artística, trata-se de um artefato
social, que transita entre uma conjunção de ideologias e discursos, que são
sociais e históricos. Logo, a literatura seria parte inseparável da cultura. Os
teóricos armam que:
[...] a arte é inegavelmente social não porque representa o real, mas
porque constitui uma “enunciação” situada historicamente - uma
rede de signos endereçados por um sujeito ou sujeitos constituídos
historicamente para outros sujeitos constituídos socialmente, todos
imersos nas circunstâncias históricas e nas contingências sociais.
(SHOHAT; STAM, 2006, p. 265).
O que se observa não é simplesmente se um texto busca ou não
a realidade, a verdade (in) existente. A questão vai além, e trata da (re)
produção de discursos tradicionalmente patriarcais e conservadores que
promovem exclusão e negação, agindo como controladores de uma ordem
social, recheada de desejos, intenções, poderes e lutas.
Destarte, discutir literatura também seria discutir sobre jogos
simbólicos de poder, que acabam por demonstrar que o discurso literário
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
218 |
não está isento de neutralidade. Desse modo, indagar sobre a representação
de personagens travestis na literatura brasileira é pensar sobre a sociedade
contemporânea, os discursos que rondam os corpos e seus espaços sociais
de (não) ocupação.
A literAturA como um território De contestAções
A pesquisa investigou diversas teses, dissertações, artigos
cientícos, catálogos de editoras, textos em jornais e revistas, a m de
encontrar e evidenciar romances que apresentassem personagens travestis.
No processo de mapeamento, alguns critérios foram necessários para
que fosse possível reconhecer determinada obra como importante ao
trabalho: 1) romances escritos originalmente em português; 2) autor (a) de
nacionalidade brasileira; 3) publicação após os anos 2000; 4) romances que
apresentam em sua composição personagens travestis, como protagonistas
ou mesmo personagens secundárias.
A escolha do gênero romance, em detrimento de contos ou peças
de teatro, decorre da amplitude e complexidade com que as personagens
alcançam na construção narrativa, além de o texto apresentar estruturas
não convencionais e ser um gênero literário em constante mutação. Em
um primeiro momento, os dados coletados foram distribuídos em uma
planilha, organizados, de forma a obedecer aos itens: título da obra, autor
(a), editora, personagens (protagonistas e secundárias) e ano de publicação.
Na tabela abaixo, pode-se observar os dados coletados:
Tabela 1 - relação de obras, autores, personagens, editora e ano de publicação
OBRA AUTOR EDITORA
PERSONAGENS
TRAVESTIS
ANO DE
PUBLICAÇÃO
O azul do lho
morto
Marcelo Mirisola Editora 34 o zelador travesti 2002
Homens há
muitos
Francisco Salgueiro Ocina do Livro Não atuante 2003
Os demônios
morrem duas
vezes
Fernando Pessoa
Ferreira
Códex
-Sheila Beatriz
-Rose
2005
Berenice Procura
Luiz Alfredo
Garcia- Roza
Cia. das Letras -Valéria 2005
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 219
Da paisagem
fogem os pássaros
Antonio Carlos
Teltamanzy
7 Letras Não atuante 2006
Morte nos búzios Reginaldo Prandi Cia. das Letras Não atuante 2006
Deixei ele lá e vim Elvira Vigna Cia. das Letras
-Shirley Marlone
-Mamãeoutrinha
2006
A inevitável
história de Letícia
Diniz
Marcelo Pedreira
Editora Nova
Fronteira
Letícia 2006
A Boneca
Platinada
Álvaro Cardoso
Gomes
A Girafa Não atuante 2007
A louca Del Candeias Dix Editorial Paula 2007
Desacelerada
Mecânica
Cotidiana
Arlindo Gonçalves Editora Horizonte Vladimir 2008
Pornopopeia Reinaldo Moraes Objetiva Lolla Bertoludzy 2008
Concerto
Amazônico
Álvaro Cardoso
Gomes
Ateliê Editorial Não atuante 2008
Aos meus amigos
Maria Adelaide
Amaral
Editora Globo Cíntia 2008
Do fundo do poço
que se vê a lua
Joca Terron Reiners
Cia. das Letras
Wilson 2010
Elvis e Madona:
Uma novela lilás
Luiz Biajoni Língua Geral Madona 2010
Cortina de
Sangue
Braz Chediak Mirabolante Não atuante 2010
Odara Márcio Paschoal Record Odara 2011
Crimes Bárbaros Christian Petrizi Editora Baraúna Barbara Taylor 2011
Um brinde em
copos de plástico
Ricardo Carlaccio Editora do Autor Tinky Winky 2011
Se Freud
Expplicar...
Shirley Queiroz Clube de Autores Andréia de Maio 2011
O senhor das
sombras
Rosalvo Leal Biblioteca 24 horas Fulô 2011
A espetacular vida
da Morte
MJ Macedo Gutenberg Não atuante 2012
Guadalupe
Angélica Freitas/
Odyr
Quadrinhos na Cia Minerva 2012
Scarlett Reynaldo Araújo Metanoia Scarlett 2012
O cafuçu Marcos Soares Metanoia Não atuante 2012
Luís Antônio
Gabriela
Nelson Baskerville Nversos Gabriela 2012
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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Nossos Ossos Marcelino Freire Record Estrela 2013
A mais amada R.W Gomes Clube de Autores Elma 2013
Machu Picchu Tony Bellotto Cia. das Letras “O sogro travesti” 2013
As fantasias
eletivas
Carlos Henrique
Schroeder
Record Copi 2014
Sim, eu sou
mulher
Mônica Candiani Metanoia Isabel 2014
O diário de
Marjorie
Marcos Soares Metanoia Marjorie 2014
Na esquina de
batom
Evandro Fernandes
da Silva
Editora In House Lady Lucy 2015
Me deixe morrer
em Seattle
Karen Schumacher Biblioteca 24 horas Felicity 2015
É assim que me
lembro
R.R Silva Clube de Autores Não atuante 2015
A vida não tem
cura
Marcelo Mirisola Editora 34 Baronesa 2016
Crianças perdidas Mateus Gonçalves Biblioteca 24 horas Mirian Machadão 2016
Ultraje! Marcelo Bossler Clube de Autores Não atuante 2016
Fonte: elaborada pelos autores.
Longe de investigar, criticar ou “policiar” o trabalho dos escritores,
esse artigo propõe-se a pensar o mapa de ausências de personagens
travestis na literatura brasileira. É necessário evidenciar essas obras e
analisá-las sob o viés da ressignicação, questionar o está representado e
propor novos sentidos e imagens, que não sejam conservadores ou que
provoquem ainda mais a invisibilidade desses sujeitos na sociedade. As
perguntas que norteiam nossas reexões são: que tipo de histórias são
contadas sobre as travestis? Como elas são representadas nas narrativas?
O olhar dessas personagens é levado em consideração? Que tipo de
espaço é reservado para elas?
No processo de mapeamento e análise dos dados coletados,
foram encontradas 39 obras, publicadas entre 2002 e 2016. Pode ser
possível constatar a presença majoritária de autores homens, que,
conforme aponta Dalcastagnè (2012, p. 148), também monopolizam os
lugares de fala no interior das narrativas. São 32 autores homens e apenas
7 autoras mulheres.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 221
O fato é que o cânone literário brasileiro tende a reetir um
caráter excludente, no que se refere aos quesitos de classe, raça e gênero.
Então, muitas obras que propuseram torcer o olhar sobre os esquemas de
dominação e exclusão presentes na sociedade, foram banidas e omitidas
das historiograas literárias “[...] tornando-se pouco lidas, estudadas e
criticadas, e permanecendo, inclusive pela temática, à margem do cânone
ocial.”, como aponta Fernandes (2016, p. 53).
Essas exclusões são evidentes quando observamos o número
de personagens travestis presentes nos romances mapeados: foi possível
encontrar aproximadamente 50 personagens, dentre protagonistas e
personagens secundárias. As protagonistas somam 18 personagens, e
as restantes podem ser representadas como “não-atuantes”, seres sem
nomeação e atuação nas narrativas. Quando se analisa a questão dos
espaços, vê-se que essas narrativas ainda demarcam determinadas ideias
sobre os corpos, de forma a rearmar hierarquias e dominações:
Tabela 2- relação dos espaços em que são representadas personagens
travestis no romance contemporâneo
Espaços de representação Porcentagem (%)
Espaços não-identicáveis 23,1%
Violência/Morte 33,4%
Rua/Prostituição 43,6%
Trânsito/ dark room 25,7%
Outros espaços 7,7%
Fonte: elaborada pelos autores.
É possível observar que a maioria das personagens travestis
ocupa o espaço prostituição, da rua, da exclusão social, da prisão e do
entre-lugar. O que chama a atenção é que os espaços de representação
na literatura contemporânea parece construir e rearmar desigualdades
sociais. Claramente, os espaços mapeados, que podem ser tanto físicos
quanto simbólicos, resguardam signicações importantes para se pensar
a conguração de personagens travestis na literatura. Os espaços se
intercomunicam, como uma cadeia de preconceitos, que recaem sobre o
corpo travesti. A problemática que se congura é a constante higienização
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
222 |
de alguns espaços em detrimento de outros, como é o caso da prostituição.
Embora os discursos conservadores denam o espaço da prostituição de
modo pejorativo e marginalizado, esse território pode ser entendido como
elemento de construção da pessoa travesti (PELÚCIO, 2005, p. 221-222).
É na convivência e (sobre)vivência nesse espaço que abre-se a possibilidade
das travestis incorporarem valores e noções do feminino.
A constante negação de alguns espaços sociais, historicamente
subjugados, (re) constrói estigmas que atravessam os corpos marginalizados,
e logo, precarizam a vida. Nesse sentido, pensar o estigma constante do/no
corpo travesti na literatura, é pensar no estigma reproduzido socialmente,
em espaços ocupados socialmente pela não-vida, pelo não-direito e pelo
desejo no higienizado. Antes de tudo, problematiza-se esses espaços a
partir de seus estigmas, representados e reproduzidos por uma literatura
contemporânea que também se constrói sob estigmas.
O que mais preocupa, de acordo com os dados observados na
pesquisa de mapeamento, é que a literatura brasileira parece incorporar
ou representar um determinado senso comum, sem levar em consideração
a subjetividade de cada indivíduo. Além da monopolização hegemônica
do masculino, há, também, certa produção hegemônica nos espaços de
representação de personagens travestis.
A maioria das narrativas mapeadas é constituída no espaço
urbano das cidades. Tal como uma personagem, a cidade na narrativa
contemporânea aparece congurando e diluindo os sujeitos, combinando
elementos de segregação, separação das esferas pública e privada, a divisão
geográca entre as margens e o centro, e violências. A importância de se
pensar o espaço da cidade é justamente nos constantes deslocamentos que
o indivíduo contemporâneo realiza, um deslocamento que se congura,
principalmente, nas ausências.
Nas palavras de Maria Clara Araújo (2016), a vida de uma travesti
brasileira é construída a partir de ausências; ausências que são múltiplas,
mas que sobressai a ausência do direito de viver:
[...] ouvi de uma travesti que o brasileiro parece acreditar que
travestis não sangram. Ao dizer isso, ela sintetizou, para mim, o
que venho construindo por todo esse tempo que tenho não só
vivido enquanto uma travesti, como também estudado o que é
ser travesti no Brasil: somos vistas como sub-humanas aos olhos
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 223
dos brasileiros. Nossas lágrimas enquanto levamos facadas, nossos
apelos enquanto somos carbonizadas, nossos gritos enquanto
estamos sendo espancadas… nada disso os faz serem empáticos.
Uma vez que nossa vida, na visão de quem nos genocida, não
importa. Ela não merece sua empatia. (ARAÚJO, 2016).
A armação acima é clara e precisa. Segundo pesquisa divulgada
pela Transgender Europe (TGEU), rede europeia de organizações que
apoiam os direitos da população transgênero, o Brasil é o país que mais
mata travestis e transexuais no mundo. Entre janeiro de 2008 e março de
2014, foram registradas mais de 604 mortes no país.
Esses dados reetem, de certa forma, sobre a realidade que as
travestis brasileiras enfrentam historicamente, como foi retratado, por
exemplo, no documentário Temporada de caça (1988), no qual a cineasta
Rita Moreira revela a presença do ódio e da violência às minorias na
sociedade e no imaginário brasileiro, frente a onda de crimes que ocorriam
contra LGBTTQIAs no nal da década de 1980.
Embora a tragicidade e o estranhamento sejam características comuns
na literatura contemporânea, como aponta Resende (2008), elas parecem
ganhar destaque principal quando analisamos os romances nos quais há
personagens travestis. É possível observar nas pesquisas que, em 12 romances,
as personagens travestis têm nal trágico. Em alguns textos, a conguração
das travestis parece representar um tipo de arquétipo não questionável.
Aproximadamente 80% das narrativas mapeadas apresentam algum tipo de
violência contra essas personagens, seja violência física ou simbólica.
Pode-se observar, contudo, a partir das obras mapeadas, que as
travestis podem apresentar 4 (quatro) representações problemáticas na
literatura: a travesti pode aparecer nas narrativas como um corpo morto,
assassinas e perigosas, como seres angustiados que encontram na morte o
seu único destino, ou como personagens não-atuantes. Veja a tabela:
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
224 |
Tabela 3 - relação das representações de personagens travestis no romance
contemporâneo brasileiro
Representações violentas
Corpo morto
Encontrada comumente no início de narrativas policiais; a
personagem travesti congura-se como mais um número na
estatística, sua voz não é ouvida;
Assassinas, perigosas
Encontrada comumente em romances policiais; A
personagem é indiciada por assassinatos, roubo e é tida como
alguém perigoso e traiçoeiro;
Final trágico
A personagem encontra a morte ao nal da narrativa,
geralmente pelo suicídio. A morte é como um destino traçado
ou redenção possível;
Não-atuação
A personagem não tem voz, não tem representação nem nome;
É um corpo que anda pelo mundo, parte gurante da história,
não tem narrativas próprias;
Fonte: elaborada pelos autores.
A primeira representação diz respeito à personagem travesti como
um corpo morto, um cadáver sem nenhuma importância. Encontrada no
início de narrativas policiais, a personagem se congura como mais um
número na estatística e sua voz nunca é ouvida. Como exemplo, podemos
citar os romances Berenice Procura (2005), de Luiz Alfredo Garcia Roza, A
boneca platinada (2007), de Álvaro Cardoso Gomes e Os demônios morrem
duas vezes (2005), de Fernando Pessoa Ferreira. Em Berenice Procura, o
leitor se depara com uma trama investigativa sobre a vida e morte da travesti
Valéria, encontrada morta a facadas na beira da praia de Copacabana:
Era quase meio-dia quando o corpo do travesti foi removido. Valéria,
seu nome de guerra, foi o máximo que os policiais conseguiram
obter dos empregados dos quiosques à beira da calçada. Não sabiam
seu nome verdadeiro, onde morava e se morava sozinho. Ninguém
o vira na noite anterior. Valéria era da área, nisso estavam de
acordo. Quanto ao resto, os policiais achavam que era questão
de tempo e paciência, embora o pouco que tinham de tempo e
paciência não era para ser desperdiçado com putas e travestis.
(ROZA, 2005, p. 12, grifo nosso).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 225
Embora essa cção policial trate de investigar o assassinato de
Valéria, colocando a taxista Berenice e o sem-teto Russo como protagonistas
da narrativa, o assassino não é preso nem condenado.
A segunda representação a ser observada nesses romances é
a personalidade assassina e perigosa. De caráter frio e calculista, essas
personagens, muitas vezes, estão envolvidas no submundo do crime,
perseguidas pela força policial e/ou investigadas por assassinatos e roubos,
como no romance Crimes bárbaros (2011), de Christian Petrizi, no qual
a travesti Barbara Taylor é indiciada pelo suposto assassinato de um
médico, ou em narrativas como Scarlet (2012), de Reynaldo Araújo. Nesse
ponto de representação, pode ser constatada a presença de narrativas que
apresentem, ainda, personagens travestis que lutam pela sobrevivência, em
meio ao espaço, por vezes perigoso, da prostituição, como no romance Me
deixe morrer em Seattle (2015), de Karem Schumacher, e Hotel Brasil: o
mistério das cabeças degoladas (1999), de Frei Betto.
Outra representação mapeada durante a pesquisa foi a da
personagem travesti com nal trágico, no qual tem-se a morte como
um destino traçado ou redenção possível. Podemos citar os romances
As fantasias eletivas (2014), de Carlos Henrique Schroeder, A inevitável
história de Letícia Diniz (2006), de Marcelo Pedreira, e Luís Antônio-
Gabriela (2012), de Nelson Baskerville.
Narrado em terceira pessoa, As fantasias eletivas (2014) conta a
história de Renê, um frustrado e solitário recepcionista de hotel da cidade
de Balneário Camboriú e, também, conta a história da travesti Copi, que,
sem família e sem destino, vai sobrevivendo da prostituição e escrevendo
pequenos textos tendo como referência ou “inspiração” fotos que realiza
com uma câmera Polaroid. Copi apresenta seu book à Renê e briga com ele
para que indique seu trabalho no hotel. Renê nunca a chama para trabalho
algum, já que ela não era uma “mulher”. Antes do nal trágico de Copi,
que cometeu suicídio cortando os pulsos em seu quarto de hotel, o leitor
tem acesso aos textos e fotograas compostas pela personagem.
Renê segurou a foto da menina no trilho e não conteve as lágrimas:
lembrou daquela tarde, havia duas semanas, em que estava sentado
na cozinha de Copi, tomando um Malbec que ela trouxera de
Mendoza, e como ela parecia eufórica, feliz e radiante naquela
tarde. Era injusto que estivesse morta agora, mas o que é a justiça? É
coisa de homens, não de deuses, nem de travestis. (SCHROEDER,
2014, p. 53).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
226 |
Em A inevitável história de Letícia Diniz (2006), a personagem
Letícia, que também comete suicídio ao nal da narrativa, jogando-se nua
do oitavo andar de um prédio, ouve atenta aos conselhos do Tio Cristina
sobre a vida de uma travesti:
Eu sempre te disse: travesti tem que ser dez vezes mais corajoso,
dez vezes mais forte e dez vezes mais persistente para vencer na
vida. Fraqueza não é luxo permitido pra gente do nosso tipo, tá me
ouvindo? Não foi essa a tua escolha? Agora vai... Vai... Vai e não
olha mais pra trás. (PEDREIRA, 2006, p. 16).
O romance de Pedreira narra a história de Letícia Diniz, uma
travesti do norte do Brasil que decide abandonar a vida em Porto Velho
e tentar a sorte no Rio de Janeiro, trabalhando na prostituição. Desde o
início da narrativa, o leitor tem acesso aos diários e escritos da personagem,
contados por um narrador inicialmente misterioso. A vida da travesti
Letícia é atravessada por inúmeras violências e exclusões: as discriminações
sofridas na escola, o estupro cometido pelo próprio pai, o sonho impossível
de ser rica e famosa. Em uma passagem do romance, ao chegar à cidade do
Rio de Janeiro com sua amiga Alicinha, e realizar o seu primeiro programa,
a personagem é atravessada pela angústia da exclusão:
[...] o homenzinho sem graça ordenou, com seu sotaque de
nazista, o m da sodomia. Voltou a masturbar-se com ainda mais
sofreguidão e nalizou o programa gozando profusamente no
ventre dourado da “travesti-de-trinta-reais-cuja-história-pouco-
me-importa”. Esvaziado momentaneamente de sua incômoda
devassidão, e reduzido a seu metro e sessenta e poucos centímetros
originais, o homenzinho levantou-se, vestiu a roupa com pressa e
partiu, cabisbaixo, de volta aos braços de sua mulher e lhos sem
sequer dizer “tchau-obrigado-ca-com-Deus”. Tudo durara apenas
15 nojentos minutos. Letícia continuou ali, sentada na beirada da
cama, absorta, solitária, com o esperma do estranho a escorrer pela
sua virilha. O príncipe encantado lhe dera o cano e aquela agora
era a sua realidade, com a qual precisava se entender. (PEDREIRA,
2006, p. 81).
A primeira experiência de Letícia com a prostituição demonstra
bem como os espaços e os corpos são colonizados pelo poder hegemônico
machista e falocêntrico. Ao retornar para a casa, a personagem escreve em
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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seu diário: Então é isso... Os tubos de PVC da sociedade onde os calígulas
se aliviam... É pra isso que a gente serve... Pras famílias deles poderem viver
na luz, longe de toda essa podridão (PEDREIRA, 2006, p. 81).
A última conguração que pode ser observada na pesquisa é a
representação da personagem travesti como seres não-atuantes. Isso é o
que caracteriza a maior parte das obras mapeadas. Nelas, as personagens
são nomeadas como “criaturas”, seres anormais que transitam pelas ruas,
de perl “exótico” e indecifrável. Como exemplo, podemos citar as obras
Homens há muitos (2003), de Fernando Salgueiro, Concerto Amazônico
(2008), de Álvaro Cardoso Gomes, e Morte nos búzios (2006), de
Reginaldo Prandi.
Nas palavras de Butler (2003 p. 162), os corpos abjetos quase
sempre estão destinados a ocupar o entre - lugar, o lugar fronteiriço
e inabitável do (não) dizer-se, do não expressar-se como parte de um
corpo social. Os sujeitos que possuem “imagens corporais” que não se
encaixam em nenhum desses gêneros (masculino e feminino) cam fora do
humano, “constituem a rigor o domínio do desumanizado e do abjeto, em
contraposição ao qual o próprio humano se estabelece”, logo, são corpos
dignos” de violência, à medida que são vidas indignas de importância.
AlGumAs consiDerAções
Pode-se concluir, a partir das análises feitas, que, embora a literatura
contemporânea brasileira constitua-se na “era da multiplicidade”, a travesti
ainda é representada como o “outro” nos discursos sociais (MIRANDA,
2008). O corpo travesti, ambíguo e denunciador da cristalização das normas
de gênero, aparece sendo representado e (re) criado a partir da montagem de
imagens e discursos hegemônicos, muitas vezes negativos. A representação
dessas personagens em espaços de estigma e exclusão, como pode ser percebido
no mapeamento, rearma condições de marginalidade e preconceito. Além
disso, a associação constante de personagens travestis ao submundo do crime,
da prostituição, da rua e da doença, resguardam estereótipos, que são também
rearmados por outros meios culturais e de comunicação.
O que deve ser evidenciado são as perigosas naturalizações que o
discurso literário pode ter. Assim, segundo Dalcastagnè (2012, p. 12), “[...] não
é simplesmente o fato de que a literatura fornece determinadas representações
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
228 |
da realidade, mas, sim, que essas representações não são representativas do
conjunto das perspectivas sociais.”. Em outras palavras, há uma preocupação
em observar a forma como se materializam as representações, se há um reforço
nos estereótipos ou propõem-se debates acerca da construção de identidades e
da problematização de discursos dominantes.
No campo ccional, entretanto, é necessária a análise crítica
das produções e seus espaços demarcados, como forma de (r)existência e
desestabilização aos discursos dominantes, em um território que deve ser
contestado e reconstruído.
Outrossim, as travestis ocupam um lugar na literatura brasileira.
Embora representada em uma parcela ínma nas produções literárias, não
apenas as que se inserem na contemporaneidade, mas em um processo
histórico de repulsa, de exílio e do entre-lugar. O papel das travestis
na literatura brasileira é (de) marcado pela subversão (embora ela não
represente uma função teoricamente subversiva), pela doença e pelo nojo.
Apesar de tudo, vale destacar que as travestis vêm conquistando
importantes espaços na sociedade brasileira. Não apenas como personagens
de livros, lmes, ou novelas, mas como agentes culturais e sociais de resistência
às discriminações e violências: seja na música, com Linn da Quebrada, As
Bahias e a Cozinha Mineira e Rosa Luz, seja na academia e nas ciências, com
Maria Clara Araújo, Viviane Vergueiro e Luma Nogueira, seja na literatura,
com Amara Moira e Bianca Lafroy, ou no teatro, na TV e no cinema, com
Renata Carvalho, Dandara Vital e Leonarda Glück, por exemplo.
Portanto, o que ca evidente é a capacidade de luta política
do corpo, sendo necessário desmisticar os espaços e as narrativas com
espaços higienizados, subverter os cânones da própria linguagem e
estabelecer possibilidades de construção de novas histórias, novas imagens
e representações. Ao trazer novos sentidos para as vivências de travestis
na literatura brasileira, não se trabalha apenas na inclusão social – física
e simbólica –, ou o acesso aos bens culturais; trabalha-se na construção
sociológica e humana das travestis, na admissão de suas identidades, e na
(re) montagem dos espaços representativamente excludentes;
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 229
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
Keith Daiani da Silva Braga
Arilda Ines Miranda Ribeiro
Marcio Rodrigo Vale Caetano
introDução
A temática do gênero e da sexualidade na educação discutida por
nós, neste texto e apresentada parcialmente na XIII Semana da Mulher
“Mulheres e gênero: olhares sobre a educação, mídia, saúde e violência”,
deriva de levantamento bibliográco realizado durante nosso estudo de
doutoramento “Lesbianidades, performatizações de gênero e educação
escolar”, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”. A investigação consiste em compreender a
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
232 |
trajetória escolar de lésbicas egressas do Ensino Médio público. Para
desenvolvê-la partimos de uma concepção metodológica qualitativa
vinculada aos estudos de gênero e sexualidade, a partir de realização de
entrevistas e orientação teórica voltada para autoras e autores ligados aos
Estudos Pós- Estruturalistas, Feministas e Queer.
O recorte escolhido para trabalharmos aqui refere-se à
importância que a educação, enquanto formação para a vida, possui
em termos de pedagogização do gênero e da sexualidade. Partimos do
pressuposto que a sexualidade não é desinteressante às instituições ensino,
mas sim, produzida nelas com caráter fortemente heteronormativo. Para
sustentar tal perspectiva utilizaremos nossas reexões realizadas na fase de
levantamento bibliográco de nosso estudo.
Nesse sentido nosso texto está dividido em três partes: na primeira
abordamos que a questão da necessidade educativa da sexualidade reside
justamente em sua não-naturalidade, não-determinação biológica; em
seguida apresentamos as elaborações de Michel Foucault que refutam a
hipótese de que a sexualidade seja natural e selvagem, por isso reprimida,
bem como apresentam a sexualidade como um dispositivo que por meio
do sexo inscreve no corpo as práticas de poder; na última parte expomos o
gênero e seu caráter discursivo a partir das contribuições de Judith Butler
(2003, 2008) no intento pensarmos sua regulação por meio das instituições
educativas. Por m, o artigo se encerra nas considerações nais, seguido
das referências bibliográcas.
A necessiDADe eDucAtiVA DA sexuAliDADe
Podemos pensar de início que nosso estudo se situa no campo da
educação porque o tema escolhido, as lesbianidades, também é passível de
ser problematizado nesta área, contudo, acreditamos que para além de uma
possibilidade epistemológica, nossa problemática tem grande anidade
com a educação quando situamos que todos nós estivemos e provavelmente
ainda estaremos, durante nossas vidas, expostos a uma educação para a
heterossexualidade.
Nesse sentido, da relação entre a sexualidade e a educação,
Monserrat Moreno (1999, p. 29) nos traz uma ideia interessante:
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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Se os seres humanos se comportassem unicamente a partir de
seus impulsos biológicos, se as condutas consideradas masculinas
e femininas fossem espontâneas, naturais e predeterminadas, não
seria necessário educar tão cuidadosamente todos os aspectos
diferenciais; bastaria deixar que a natureza atuasse por si mesma.
A autora nos convoca a pensar, primeiro, que falar em termos
de educação não signica nos limitarmos à ideia de escola, pois as
condutas masculinas, femininas, os referenciais considerados corretos e
normais de sexualidade a que ela se refere não estão circunscritos apenas
à intencionalidade das instituições escolares. As intervenções e maneiras
de exercitar o gênero, por exemplo, são desenvolvidas com muitíssimo
empenho na família, nosso primeiro grupo social. Nesse sentido, a
educação familiar é uma das mais poderosas e normativas, ao lado da
escolar, na capacidade interferir e deixar marcas na vida dos sujeitos. Isso
sem mencionarmos que existe a educação que acontece por meio da mídia,
da religião entre outros grupos e instituições.
Para falarmos de outra maneira, se existe com maior êxito
trabalhos sobre o tema, especicamente, dentro da educação escolar, isso
ocorre por ser a escola por excelência um dos locais onde a educação formal
ocorre, devido em muito a seu histórico caráter normativo, contudo ela
não encerra, nem dá conta de sintetizar a ideia de educação enquanto
formação de vida. Outro ponto que Moreno (1999) nos permite pensar
é que nesse “educar tão cuidadosamente” implica em nos darmos conta
que para ser educação é necessário haver intencionalidade, um objetivo,
um m. Concordamos assim, com Caria (1992) quando pontua a ideia
de educação como a busca intencional de transformação do outro, a
mudança, a alteração.
E essa transformação do outro não deve ser interpretada como
puramente boa ou ruim. Semelhante à ideia de Foucault (2011) sobre o
poder, em que o lósofo nos indica que o poder não é essencialmente
ruim, mas sim produtivo, também precisamos pensar as transformações
realizadas pela e na educação, não enquanto essencialmente boas ou ruins,
mas que, por serem intencionais representam o desenvolvimento de um
projeto de humano, de cidadão, de sujeito que se quer produzir, fabricar.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
234 |
Isso nos permite reetir, por exemplo, que quando há uma
reivindicação para que haja Educação Sexual na escola, ou seja, uma
proposta, um projeto, um conjunto de conhecimentos e argumentos
sobre sexualidade a ser ensinado naquele espaço de forma sistemática, há
uma intenção de propor o que podemos considerar “boa sexualidade”, de
mostrar aos alunos e alunas e construir com eles uma visão dentro daquilo
que nós consideramos adequado e relevante sobre sexualidade. Ainda que
essa ideia nasça da tentativa de superar a educação sexual biologicista,
heterocêntrica, excludente, ela também não será neutra, há aí uma tentativa
de transformar e produzir sujeitos segundo uma determinada perspectiva
de educação sexual, independentemente dessa atitude se mostrar mais
justa, mais igualitária que a anterior.
Educar, nesse sentido, sempre implica em abrir mão de qualquer
ideia de neutralidade, por mais que o ideal de sujeito a ser formado seja
baseado em ideais de consensualidade, autonomia, justiça, não escapará
de um modelo, uma proposta escolhida dentre outras possíveis, um ideal
(CARIA, 1992). A educação, o ato de afetar e mudar o outro não será
assim de nenhum modo um ato desinteressado.
Então, quando nós vemos tanta gente, tantos grupos,
especialmente conservadores, religiosos interessados na escola, na educação,
eles estão preocupados com o que? Parafraseando Berenice Bento (2011),
quando uma mãe ou pai leva seu lho ou lha ao psicólogo porque não
considera seu “jeito” de andar, falar e vestir adequado nos padrões de
identidade de gênero e sexualidade, qual é o medo que aige o coração
deles? O que os motiva a fazer isso? O que buscam numa terapia? Podemos
com Preciado (2013) responder que é: garantir a constituição do futuro
adulto heterossexual.
Nesse sentido reside a enorme importância da educação, quando
falamos de gênero e sexualidade, porque existe uma preocupação de que
por meio, especialmente da família e da escola, as crianças e adolescentes
tornem-se aquilo que está predestinado para eles, adultos alinhados aos
padrões hegemônicos de identidade de gênero e sexualidade.
Assim sendo, é bastante incoerente aceitarmos muito facilmente
narrativas que presumem desinteresse da escola, por exemplo, sobre os
temas de gênero e sexualidade. Não é raro de se ouvir que “na escola não
há espaço para discutir sexualidade”, “na escola não se debate a diversidade
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 235
sexual”, “na escola é proibido falar de sexo”, “na escola as crianças são
vistas como assexuais” “O tema de gênero não existe na escola”. E é muita
ingenuidade nossa crer nessas armações, pois a escola pode não estar
interessada no que nós, pesquisadoras e pesquisadores, ativistas, militantes
das diferenças, estamos discutindo sobre gênero e sexualidade, mas isso de
nenhum modo signica que ela não tenha uma educação para a sexualidade
sendo ministrada todos os dias, de forma reiterada, sútil, naquilo que
alguns costumam chamar de “currículo oculto”.
A escola, para citar Caetano (2016), está profundamente
interessada no gênero e na sexualidade. Da sua arquitetura, passando pelos
materiais didáticos e chegando nas relações interpessoais as instituições de
ensino ensinam todos os dias muita coisa sobre gênero e sexualidade. Nessa
mesma perspectiva, Louro (1999) argumenta que a escola está empenhada
em transformar os meninos e meninas em homens e mulheres de verdade.
Em outros termos, em sujeitos centrados na heteronormatividade.
Destarte, nós temos de um lado essa perspectiva de que na escola
a sexualidade é tabu, de outro lado a de que a escola no fundo é bastante
empenhada em por em funcionamento a educação para a sexualidade
hegemônica. Podemos perceber que essa oposição de ideias é bastante
familiar. Michel Foucault é um dos autores que tem ganhado, como já
disse várias vezes Veiga-Neto (2011), notoriedade no campo da Educação.
Apesar de não ter escrito especicamente sobre educação, os escritos do
lósofo trouxeram importantes elaborações para se pensar a educação e as
pesquisas sobre escola, principalmente seus trabalhos sobre disciplinamento
dos corpos, da obra Vigiar e Punir, e sobre sexo e sexualidade em História
da Sexualidade.
A eDucAção DA sexuAliDADe
Segundo Foucault (1985), foi a partir do século XVIII que o
sexo adquiriu contorno na vida dos sujeitos e por meio dele incontáveis
dispositivos institucionais e discursivos objetivavam regular e controlar
suas condutas e desejos. Como sequência dessa estratégia, no século
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
236 |
XIX, o homossexualismo
1
ou inversão
2
foi criado pela Scientia Sexualis
(FOUCAULT, 1985).
Com os estudos foucaultianos sabemos que o alvo das regulações
e controles eram, sobretudo, os corpos de mulheres. Assujeitadas, marcadas
e aprisionadas, às mulheres somente restavam o conjunto de valores e regras
entendidas e reconhecidas pelo modelo social androcêntrico e patriarcal.
Pensar os discursos produzidos e difundidos em torno da lésbica,
nos aproxima da compreensão foucaultiana sobre os regimes de verdade,
tendo como objetivo a produção da verdade última e denitiva sobre o
mundo físico e social (FOUCAULT, 2011). Esses regimes são, no caso
deste artigo, as representações de estudantes que, ao estarem carregados de
redes de signicados, produziram performances da lesbianidade.
Para Mogrovejo (2000), o governamento de corpos e desejos de
mulheres que amavam outras mulheres ocorreu, sobretudo, a partir do
século XIX, quando a medicina passou de seu conhecimento sobre as
enfermidades para o conhecimento daquilo que seria, “[...] el conocimiento
de las reglas de discriminación entre lo normal y lo patológico. Y en la
desviación de la norma, el lesbianismo se convierte en enfermedad, que lo
aísla le impone um retorno a la normalidad.” (MOGROVEJO, 2000, p.
29). Essa “doença” era variável, vez que os diagnósticos ora a consideravam
enfermidade física, ora psicológica.
Em 1869, Karl Westphald, psiquiatra de Berlim, concluiu que
o “lesbianismo” era uma “[...] anormalidade congênita, ou seja, uma má
formação congênita que podia ser denida como defeito na constituição
de algum órgão, ou conjunto de órgãos, que determinava uma anomalia
morfológica presente no nascimento.” (MOGROVEJO, 2004, p. 12).
Ainda segunda a autora, alguns anos mais tarde, em 1887, Paul Moreau,
utilizou o termo aberração para denir a inversão, considerando-a, ainda,
como um vício vergonhoso que a antiga Lesbos havia deixado às sociedades
modernas. As relações carnais entre mulheres, esses amores insensatos que
alguns autores modernos tiveram diculdade de descrever em decorrência
de sua perspectiva falocêntrica da relação sexual, poderiam revestir de um
caráter patológico ou dar lugar a um autêntico delírio parcial limitado ao
O uso do prexo ismo utilizado no nal da palavra lesbianismo justicam-se por ser primeiramente dessa
forma que era mencionada a lesbianidade antes da retirada do livro das doenças mentais.
Denominação dada no período a mulheres que se relacionavam de forma afetivo-sexual com outras mulheres.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 237
genital. Anteriormente a essa armativa de Moreau, Richard Kra-Ebing,
em 1886, já havia apresentado argumentos sobre a doença. Segundo ele, a
inversão era uma psicopatia sexual, que podia ser advinda de duas formas:
inata ou adquirida. O teórico, ao signicar a psicopatia, recomendava às
famílias uma maior atenção para com as lhas e/ou entes femininas. Ele,
ainda, advertia que o “lesbianismo” era um mal perverso que se opunha aos
objetivos da natureza, ou seja, não tem nalidade com a procriação.
Segundo Mogrovejo (2004), os discursos produzidos sobre
a lesbianidade foram elaborados e interpelados por marcas sociais que
buscavam esquadrilha-las por meio da linguagem e as instâncias educativas.
Esse quadro vai de encontro ao entendimento com as armações de Lauretis
(1994) para quem ser lésbica é uma ação de liberdade considerando que
nenhum destino sexual governa a vida dos indivíduos. Contudo, não
podemos negar a força com que as instancias educativas heteronormativas
atravessam os sujeitos ao ponto de que a heterossexualidade seja a única
alternativa de viver a sexualidade e projetar socialmente o gênero.
As considerações feitas até aqui nos auxiliam a reetir sobre os
aportes e debates acerca de Foucault e a ação educativa. O autor torna-se
importante para compreender como a educação passa a ser uma forma
tão poderosa de moldar os corpos, tanto em seus gestos como em suas
utilidades. Nos explica que a partir dos séculos XV e XVI o Ocidente
passa a se preocupar com a educação, não somente clerical, mas daqueles
que viriam a se tornar comerciantes, homens da lei, entre outros. Inicia-se
uma perspectiva de educar, formar as crianças desde pequenas. A educação,
então burguesa, se tornará a partir desse período bastante popular, porque
esse processo está inserido nos fenômenos da disciplinarização da sociedade
ocidental (CASTRO, 2009).
Nesse processo de disciplinarização da educação, Foucault irá
enfatizar a nova importância que a questão do corpo ganhará (CASTRO,
2009), em suas palavras, “[...] a partir da Revolução Francesa, um dos
objetivos prescritos ao ensino primário será forticar e desenvolver o
corpo.” (FOUCAULT, 2011, p. 212).
O corpo neste contexto é entendido como o lugar em que atua
aquilo que o lósofo chamou de poder disciplinar, isto é, um tipo muito
especíco de poder que opera em último nível, é a forma pela qual o poder
político, todos os poderes em geral podem chegar a tocar os corpos, tomar
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
238 |
conta dos gestos, comportamentos, das palavras, hábitos. Em resumo: “[...]
el poder disciplinario es una modalidad determinada, muy especíca de
nuestra sociedad, lo que podríamos denominar contacto sináptico cuerpo-
poder.” (FOUCAULT, 2005, p. 59-60).
A partir das teorizações foucaultianas, por ser o sexo,
essencialmente corporal, existe seu controle (disciplinamento) no nível do
corpo individual, não apenas em termos de controle da vida em nível de
população (biopoder); e a educação, nosso campo de interesse, tem uma
relação histórica de estreitamento com as práticas de disciplinarização do
corpo marcadas pelo gênero e pela sexualidade.
A sexualidade, pensada em correntes tradicionais, enquanto
aspecto natural dos humanos que fora, a partir do período vitoriano,
reprimido nas sociedades ocidentais por meio de tabus e proibições, foi
o argumento mais rebatido por Michel Foucault (1985) em História da
Sexualidade. Para ele, a sexualidade não é uma derivação ou extensão da
biologia, mas uma construção social, cultural, histórica e discursiva, bem
como também não foi reprimida, mas colocada, principalmente nos séculos
XVIII e XIX, de forma insistente nos discursos. Incitada, estimulada e
proliferada, tornou-se um dispositivo, que ao xar, pela reiteração, o sexo
como eixo central da existência, inscreve no corpo as práticas de poder,
regulação e normalização dos sujeitos (FOUCAULT, 1985; SCAVONE,
2006; SPARGO, 2006; SWAIN, 2006).
Em síntese, com Foucault (1985) refutando a hipótese repressiva,
ganharam fôlego essas elaborações que dispomos hoje para pensar que
a sexualidade não é tabu na escola, não é reprimida, pelo contrário, ela
é estimulada, produzida, tutelada para atender aos parâmetros do que é
considerado “normal”, disfarçada de natural, de espontânea e autônoma.
Foucault para ampliar tal compreensão identicou quatro
dispositivos que nos permitem compreender a sexualidade como o produto
de tecnologias positivas e produtivas, e não como o resultado negativo de
tabus, repressões, proibições legais. Estas quatro grandes tecnologias da
sexualidade são: histerização do corpo da mulher, a pedagogização do sexo
da criança, a socialização das condutas procriadoras e a psiquiatrização do
prazer perverso (PRECIADO, 2002).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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A respeito da histerização do corpo da mulher, o feminino passa
a ser concebido como saturado de sexualidade, e com isso, incorporado
às práticas médicas, que devem controlá-lo, guiá-lo, regulá-lo, prescrever-
lhe regras de conduta etc. Com isso, tornou-se possível que por um lado
houvesse uma comunicação “[...] orgânica com o corpo social, o espaço
familiar e a vida dos lhos” (CASTRO, 2009, p. 400), haja vista que as
mulheres cuidavam dos corpos e educação das crianças, por outro que
se instituísse um modo de perceber o sexo de três modos: algo que é do
homem e da mulher, mas que é de pertencimento do homem e constitutivo
do próprio corpo da mulher (CASTRO, 2009).
Alinhando essa argumentação com nosso estudo, podemos
compreender porque quando falamos de lesbianidade, não podemos nos
esquecer de abordar a questão das mulheres ainda terem sua sexualidade
tomada como propriedade dos homens (LAURETIS, 1994) fato que justica
a proposital indiferença existente na história das mulheres não-heterossexuais.
O silenciamento imposto às histórias lesbianas gura a hostilidade em se
aceitar a existência de vidas femininas não centradas em falos.
Adiante, Foucault (1985) nos fornece teorizações a respeito da
pedagogização do sexo infantil, que foi tomada por meio da rejeição a
práticas sexuais – como a masturbação – que passavam a ser vistas como
perigos gravíssimos para as crianças, que tenderiam a crescer na imoralidade,
colocando em risco inclusive seu desenvolvimento físico. Deste modo, as
crianças são vistas como seres com corpos que possuem de sexo somente a
anatomia (órgãos genitais), mas ausente de atividade sexual. Cabendo, por
m, aos pais, médicos e pedagogos a responsabilidade de vigiar e cuidar
desses corpos infantis para que não pratiquem as atividades perigosas.
É na socialização das condutas procriadoras, que se inicia uma
política de incentivo ou de restrição da reprodução, os casais são incitados
à fecundação e os médicos e a ciência a incumbência de controlar os
nascimentos (FOUCAULT, 1985; CASTRO, 2009). Em especico, há
a partir daqui uma operação e controle da vida, em termos de população.
Por m, no que tange à psiquiatrização dos prazeres perversos:
“[...] o instinto sexual foi isolado como um instinto biológico e psíquico
autônomo, as suas anômalas foram clinicamente analisadas, as condutas
foram normalizadas e patologizadas.” (CASTRO, 2009, p. 400). Deste
modo, o sexo passa a se referir a funções biológicas justicadas e entendidas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
240 |
a partir de suas características anatômicas siológicas. Mas o instinto sexual
pode se desviar apresentando, assim, condutas pervertidas (FOUCAULT,
1985; CASTRO, 2009).
Em síntese, as elaborações foucaultianas corroboram que a sexualidade
a partir do século XIX é analisada, conferida, esmiuçada, investigada com
tanto empenho e atenção, suspeitando de todo e qualquer detalhe se examina
a todos, inclusive acompanha-se sua manifestação nos primeiros anos de vida
das crianças, no corpo das mulheres, das condutas tidas como estranhas. Em
síntese: o sexo toma então a centralidade da política.
Isso, em muito se deve, porque o sexo se encontra na ligação
entre dois eixos por meio dos quais longamente se aplicou toda uma
tecnologia da vida. Reside em um eixo, as disciplinas do corpo: docilização,
distribuição no espaço, articulação das forças, economia das energias. No
outro, o controle das populações, por meio das incitações ou limitações à
procriação, controle estatístico de nascimentos, socialização de campanhas
ideológicas para moralizar os sujeitos, entre outros (CASTRO, 2009;
FOUCAULT, 1985). Podemos então sintetizar, que as estratégias de
controle e incitação supracitadas não se tratam de formas de barrar o
sexo, de impedir a sexualidade, pelo contrário, trata-se de ao articulá-la,
organizá-la, poder produzi-la.
A resPeito Do Gênero
Seguindo essa mesma linha, a lósofa norte-americana Judith
Butler (2003), desloca a síntese de Foucault (1985) sobre a construção
da sexualidade nos discursos, para pensar o gênero também com caráter
discursivo (SPARGO, 2006). Em sua perspectiva, o gênero não é algo que
nos pertence, conjunto de atributos masculinos e femininos que possuímos,
mas sim performativo, o efeito dos atos e estilizações repetidas do corpo
que realizamos durante toda a vida, que por sua repetição possui verniz de
naturalidade (BUTLER, 2003).
É importante destacar que a desnaturalização do gênero já havia
se iniciado com as autoras feministas como Simone de Beauvoir na década
de 1940, Betty Friedan na década de 1960 e desenvolvido nas décadas
seguintes por diversas feministas, tais como Gayle Rubin, Monique
Wittig, Adriane Rich, Joan Scott, entre outras. O que trazemos de Butler,
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 241
originalmente publicadas nos anos 1990, nos EUA, são as considerações
em torno do poder da linguagem, do discurso, para pensar o caráter
performativo do gênero.
Butler vai trazer a ideia de que a reiteração cria o gênero. Reiterar,
signica dizer que é através de práticas, de atos que o gênero existe. O
gênero se faz na ação, através das roupas, adereços, gestos, olhares, modos
de falar, andar, comportar, ou seja, toda uma estilística considerada
apropriada, correta (BENTO, 2011; BUTLER, 2003). E mais, tal ação
ininterrupta é negociada socialmente, determinadas performatizacões são
aceitas e outras questionadas e até mesmo rejeitadas.
A origem desta teoria, deste “fazer” o gênero é em grande parte
assentada no pensamento desenvolvido por Beauvoir em sua obra “O
segundo sexo”. Especicamente a reexão “Ninguém nasce mulher: torna-
se mulher” motivou Butler (2003) a pensar no gênero como um eterno
tornar-se, um eterno fazer-se.
Nós, nessa lógica, nunca chegamos a ser o gênero, mas fazemos o
gênero. Dentro de uma prática discursiva contínua, gênero é um processo.
Dito de outro modo, é algo que nós fazemos e não algo que somos (SALIH,
2012). Isso implica em afastar qualquer ideia de naturalidade no gênero,
pelo contrário, nos leva a pensar na construção, na articialidade do gênero.
Nesse sentido, Butler irá inclusive refutar a ideia de que sexo e
gênero são distintos. Para ela, “[...] por denição, o sexo se revelará ter
sido o gênero o tempo todo.” (BUTLER, 2003, p. 8). A autora desfaz essa
distinção sexo/gênero para argumentar que não há sexo que não seja já e,
desde sempre gênero. Todos os corpos são “genericados” desde o começo
de sua existência social (e não há existência que não seja social) o que
signica que não há “corpo natural” que preexista à sua inscrição cultural.
Quando eu falo corpo, eu já trago toda a signicação cultural que
essa palavra possui. Assim, quando penso em “sexo” não estou pensando
em algo que não seja gênero. A ideia de sexo possui embutida em si mesma
o gênero. Não seria possível, na perspectiva butleriana, olhar para o “sexo
sem o gênero. Acrescenta, que o interessante seria buscar por meio de uma
pesquisa genealógica identicar de que modo, através de quais discursos o
sexo e o gênero foram instituídos enquanto “dados”, e em especial, como
foi construída, fabricada discursivamente essa dualidade. Nesse sentido, o
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
242 |
gênero não deveria mais ser considerado como inscrição cultural de um sexo
autônomo. O gênero precisaria ser compreendido como o meio discursivo
e cultural através do qual o sexo é tanto produzido quanto armado como
pré-discursivo (PISCITELLI, 2002).
Outro aspecto, dentro do conceito de gênero, de grande relevância
para nossa pesquisa é a ideia da performatividade. Quando Butler propõe
que o gênero é performativo, quer dizer que ele é um fazer, porém, não um
fazer por um sujeito que preexista ao feito (BUTLER, 2003). Ela se apoia
a premissa de uma ação contínua sem um ator que a empenhe, ela inverte
o pensamento, e nos traz a possibilidade de um ator que se constrói nessa
ação, que é efeito dela.
Para compreendermos melhor tal argumento, precisamos
diferenciar performance de performatividade, ainda que como aponta Salih
(2012) esses termos sejam em alguns momentos usados por Butler (2003)
de forma indistinta em “Problemas de Gênero”.
Performance pressupõe um sujeito, ator, que se apresenta, como
em uma peça teatral, alguém que “empresta” seu corpo aos contornos e
características de um personagem. Em performatividade ela propõe que o
gênero é um ato que faz existir aquilo que ele nomeia, as identidades de
gênero são construídas e constituídas na linguagem, o que signica que
não há identidade de gênero “anterior” à linguagem (BUTLER, 2003;
SALIH, 2012). Em resumo, poderíamos dizer que não é que a identidade
faça” o gênero, como em uma performance, mas sim que as identidades
são efeitos do gênero.
Tudo isso se dá na superfície dos corpos, o gênero é uma fabricação
inscrita nos corpos, um estilo corporal, e que inclusive não se adquire de
uma vez, quando se nasce, por exemplo, mas se realiza por toda a vida. Isso
signica dizer que em inúmeros momentos durante nossa existência social
estamos sujeitos as avaliações e regulações das normas de gênero, o nosso
corte de cabelo, nossa roupa, a forma com que empossamos a voz, nossas
decisões prossionais, nossa maneira de caminhar, sujeitos com quem
vivenciamos nossos desejos, nossas atitudes mais íntimas e sutis, tudo se
amarra – algumas mais outras menos- a nossa performatização de gênero.
Assim, ao retomarmos as primeiras pontuações que trouxemos,
com a citação da autora Monsserat Moreno (1999), a respeito da necessidade
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 243
da educação quando falamos de gênero e sexualidade, recolocamos a
pergunta: se o gênero fosse realmente espontâneo e natural, como pregam
diversas teorias biologicistas, demandaria de tanto esforço e repetição para
se produzir?
Desde que nascemos, desde a mais tenra idade nos é ensinado
– por diversos discursos e instituições educativas, em especial a familiar
e a escolar– o respeito à lógica sexo-gênero-desejo, que em síntese refere-
se à correspondência rígida e binária estabelecida entre sexo biológico
(cromossomo XX, XY) identidade de gênero (masculino/feminino) e desejo
(homossexual/heterossexual) de modo a dar coerência e naturalidade à
heterossexualidade. A partir disso, sempre somos impelidos a performatizar
nosso gênero “de acordo” com nosso “sexo” e nos atrairmos erótico, sexual
e afetivamente por nossos “opostos”.
Dito de outro modo, uma criança ao nascer já se encontra
imersa em um meio linguístico-discursivo que a submete à apenas
duas possibilidades (macho/fêmea), opostas, hierarquizadas, prévia e
ccionalmente construídas, de ser percebida. No caso, por exemplo, da
heterodesignação
3
biologicista determinar “fêmea”, a sentença médica “é
uma menina” será lançada e inaugurar-se-á o processo ininterrupto de
aquisição do gênero, que cobrará desse novo “ser” encarnações especícas
de feminilidade com o intento de futuramente complementar outro sujeito
heterodesignado homem e constituído forçosamente na masculinidade.
O encontro dos dois, simbolizado com frequência no segundo grande
ato performativo “os declaro marido e mulher”, é então entendido e
propagandeado como a união perfeita, coerente e natural, em detrimento
de outras formas de arranjos (BUTLER, 2002, 2008).
A questão que nos importa a partir dessas considerações teóricas
é a seguinte: toda essa produção de corpos centrados na heterossexualidade
demanda um esforço excessivo e contínuo para se sustentar. E é nesse
sentido, que a infância – etapa central para os primeiros exercícios de
Retomamos e ressignicamos a categoria heterodesignação hegemônica (heterodesignación hegemónica)
elaborada por Magda Rodríguez (1994a, p. 220) em que a descreve como a “denición del otro por parte de quien
tiene el poder de la palabra”. A autora dene o grupo ou saber hegemônico como o detentor do poder de denir
o outro e ao grupo heterodesignado. Em relação ao conceito de diferença, a autora expressa: “lo diferente entra
dentro de las estrategias de domínio, de la exclusión/ integración y como zona heterodesignativa, denida por
parte del grupo hegemónico (detentor do poder/saber) que, al denirse como uno, autónomo e idéntico, há de
separar de su seno todo lo diferente” (RODRIGUEZ, 1994b, p. 96-97).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
244 |
gênero – é vista como garantia de constituição do adulto previsto nos
moldes de identidade e sexualidade hegemônicos (PRECIADO, 2013).
A escola, antecipada pela família, historicamente, por seu caráter
normativo e disciplinar (FOUCAULT, 1985) combinado com sua tutela
parcial de crianças e adolescentes, se torna um dos espaços institucionais
mais poderosos na reiteração e naturalização desses preceitos (BENTO,
2011; LOURO, 1997; MORENO, 1999).
No seio da família todo um projeto se inicia para a chegada de
um novo ser, com gênero já heterodesignado pela ciência médica. A cor
das roupas, os brinquedos, o nome, as projeções futuras, a personalidade,
o conjunto de atributos qualitativos, tudo se decide antes da chegada da
criança. As primeiras palavras ditas, as preferências, as brincadeiras, os
lugares permitidos, os lugares proibidos, as formas de usar o próprio corpo,
as relações mãe-criança, pai-criança, os adjetivos, as condutas estimuladas,
os comportamentos coibidos, uma educação para o gênero adequado é
especialmente investida e empenhada no âmbito familiar.
Ao lado, na escola temos: divisão de banheiros por sexo biológico
(XX, XY); uso de linguagem androcêntrica –ainda que maioria dos sujeitos
seja indiscutivelmente feminina – a qual perpetua a ocultação e lugar de
menor prestígio das mulheres; crença e circulação de diversos discursos
que naturalizam características comportamentais tidas como de meninos
e meninas; conteúdos, exercícios, contos, histórias e materiais que tomam
a heterossexualidade como única relação possível (FURLANI, 2008;
SABAT, 2003). Avaliações e relações docentes-estudantes atravessadas de
variados aspectos subjetivos, tais como, letra “caprichada”, caderno limpo
e enfeitado, obediência, delicadeza, entre outros estreitamente ligados ao
ideal de feminilidade, para com alunas, e ânimo, liderança e maior tolerância
à desobediência e indisciplina de garotos. Em síntese, parafraseando Bujes
(2002), na escola opera toda uma maquinaria da infância no auxílio de
produção das feminilidades e masculinidades heterossexuais.
consiDerAções finAis
Buscamos ao longo do texto, por meio de levantamento
bibliográco desenvolvido em nossa pesquisa sobre lesbianidades e
trajetórias escolares, expor que a sexualidade não é tema desprezado pelas
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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instituições de ensino. Ainda que no espaço de muitas famílias, escolas,
igrejas e outros ambientes educativos não haja uma visão da temática na
mesma direção que nós, educadoras e educadores alinhados aos debates
feministas, de direitos humanos e/ou da teoria queer temos, não signica
que não exista uma intencionalidade educativa direcionada as crianças e
adolescentes, em termos, de garantia da heterossexualidade.
Em outras palavras, argumentamos que os sujeitos ao longo de
suas vidas têm seus corpos investidos de normas regulatórias de gênero e
são expostos a uma espécie de pedagogização da sexualidade de forma
heteronormativa. Todavia é importante ressaltar que há corpos que resistem,
não se conformam e escapam, ao menos em partes, deste investimento.
Temos então: estudantes lésbicas, travestis, transexuais, gays, bissexuais entre
tantas outras possibilidades de sujeitos não-heterossexuais tencionando o
espaço, as representações, o currículo e as relações sociais educativas.
Estudar os relatos desses sujeitos permite, no sentido de relevância
cientíca, uma problematização dentro do campo da Educação acerca
das tensões, rupturas, estratégias e readequações que são construídas e
reconstruídas nas instituições de ensino para lidar com a diferença quando
essa deixa de ser inteligível ou se mostra contrária/transgressora ao plano
educacional de meninos e meninas nos moldes hegemônicos de identidade
de gênero e sexualidade.
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Jamilly Nicácio Nicolete
Joicimar Cristina Cozza
Em 1996, a 49ª Assembleia das Nações Unidas declarou que
a violência é um grande e crescente problema, que fere as tentativas de
igualdade de gênero ao redor do mundo, tendo consequências de curto
e longo prazo para indivíduos, famílias, comunidades e países. Como
apontado por Wieviorka (2006), as diferentes formas de violência, assim
como as suas representações, não podem ser encaradas como fenômenos
a-históricos e destituídos de subjetividade. Por meio desse olhar, torna-se
possível a compreensão da complexidade das violências e como as suas
diferentes formas são ora toleradas e ora condenadas, de acordo com
momentos históricos e diferentes circunstâncias (MINAYO, 2005).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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A reexão ora proposta discute uma das formas de violência
que por mais tempo permanece tolerada e até estimulada socialmente: a
violência contra as mulheres. A Organização das Nações Unidas (ONU)
arma que a violência contra as mulheres persiste em todos os países do
mundo como uma violação contundente dos direitos humanos e como
um impedimento na conquista da igualdade de gênero (ONU, 2006).
Além de ser um problema de saúde pública, pois afeta profundamente a
integridade física e a saúde mental das mulheres, deve ser considerada uma
questão política, social e que se insere no campo da educação.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o
termo violência contra as mulheres se refere a qualquer ato de violência
baseado em gênero que resulta em prejuízo ou sofrimento para a mulher
(físico, sexual ou psicológico), incluindo ameaça, coerção ou privação de
liberdade, que ocorre na vida pública ou privada. Na Assembleia Geral
de 1993 foi adotada a Declaração de Eliminação da Violência Contra a
Mulher e considerou-se este tipo de violência como um problema de saúde
pública (NASCIMENTO, 2001).
Da mesma forma, o signicado de violência - que atribui o
sentido de danos, abusos e lesões a determinadas ações - é constituído
historicamente e depende do poder de voz daqueles que participam do
jogo democrático. É, portanto, de importância fundamental empreender
distinções entre os signicados de processos de violência e daqueles
processos que criminalizam os abusos.
Azevedo e Guerra (2000) armam que violência é a imposição
da força e a considera sob dois ângulos: a violência com a nalidade de
dominação/ exploração, superior/ inferior, ou seja, como resultado de
uma assimetria na relação hierárquica e o tratamento do ser humano não
como sujeito, mas como coisa, caracterizado pela inércia, pela passividade
e pelo silêncio, quando a fala e a atividade de outrem são anuladas. “[...]
assim, tanto num caso quanto no outro, estamos diante de uma relação
de poder, caracterizada num polo pela dominação e no outro pela
coisicação.” (AZEVEDO; GUERRA, 2000, p. 46). A violência é uma
forma de relação social que está inexoravelmente atada ao modo pelo qual
os homens produzem e reproduzem suas condições sociais de existência.
Sob esta ótica, a violência expressa padrões de sociabilidade, modos de
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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vida, modelos atualizados de comportamento vigentes em uma sociedade,
em um momento de seu processo histórico.
Foucault (1995) aponta que quando se pensa na mecânica do
poder, se pensa em uma forma capilar de existir, no ponto em que o poder
encontra o nível dos indivíduos, atinge seus corpos, vem se inserir em seus
gestos, suas atitudes, sua aprendizagem, sua vida cotidiana.
Porém, é importante frisarmos que, apesar da divisão didática que
os autores geralmente fazem, as formas de violência não são excludentes e,
na prática, apresentam-se sobrepostas, com um ou mais tipos de violências
vericadas em um mesmo caso (NEVES, 2004). Inclusive, existem autores
que consideram outros tipos de comportamentos violentos, como Barnett
(2000), por exemplo, que também considera como violência a negligência
e a destruição de propriedade ou de animais de estimação.
Tanto para Arendt (1973) quanto para Azevedo (1985), Saoti
(1998), Romanelli (1997), Azevedo e Guerra (2000), Johnson e Ferraro
(2004), a violência é uma questão de poder que está legitimada pela
cultura, em que o mais forte se sente no direito de subjugar o mais fraco,
como se fosse uma justiça natural. Para Barnett (2000), o poder não está na
natureza humana, mas em um comportamento apreendido e incorporado
por várias gerações que funciona como ação disciplinar. Acreditamos que
a violência é um fenômeno constante no universo das relações e entre as
formas mais perversas, encontramos a violência de gênero.
Stover (2005), da Yale University Child Study Center, acredita que
os primeiros estudos sobre a violência de gênero ajudaram no entendimento
da natureza do agressor, do ciclo da violência e as consequências disso para
as crianças que conviveram com o problema. Shepard (2005) arma que,
nos últimos vinte anos, grandes progressos foram alcançados nas estratégias
de combate à violência contra a mulher e que as reformas institucionais
tiveram um importante impacto positivo nesse processo.
Saoti (1998) buscou traçar um panorama da violência doméstica
no Brasil, a partir do estudo de 170.000 Boletins de Ocorrências registrados
em todas as delegacias de Defesa da Mulher de 22 capitais. Os resultados
mostram que 81,5% dos casos referem-se a lesões corporais dolosas; metade
das mulheres tem entre 30 e 40 anos e 30% das mulheres têm entre 20 e 30
anos; e que, depois da queixa, 60% dos casais permanecem juntos.
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A pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e
privado” realizada em agosto de 2010 e divulgada no nal de fevereiro de
2011 pela Fundação Perseu Abramo (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO,
2011), em parceria com o Sesc, ouviu 1.181 homens, além de 2.365
mulheres, em 25 estados, em todo o país. Os principais temas abordados
foram: feminismo e machismo; divisão sexual do trabalho e tempo
livre; corpo, mídia e sexualidade; saúde reprodutiva e aborto; violência
doméstica; e democracia, mulher e política.
Esta edição trouxe dados inéditos sobre o que os homens pensam
sobre a violência contra mulheres. Enquanto 8% do total admitem ter
batido na mulher, 48% dizem ter um amigo ou conhecido que batem
na mulher e 25% têm parentes que agridem as companheiras. No total
de homens, 2% declaram que “tem mulher que só aprende apanhando
bastante”. Além disso, entre os 8% que assumem praticar violência, 14%
acreditam ter agido bem e 15% declaram que bateriam de novo. Isso indica
um padrão de comportamento e não uma exceção.
As formas de opressão, geradas a partir da questão de gênero, são
uma realidade objetiva que atinge um contingente expressivo de mulheres
e, neste sentido, só podem ser entendidas no contexto sócio-histórico-
cultural, num movimento complexo e contraditório entre sociabilidade e
individualidade e entre as relações de gênero e a totalidade da vida social.
Destacamos aqui aspectos da luta feminista que, em sua diversidade
de expressão, contribuindo na criação e efetivação de estratégias de
enfrentamento às formas de opressão, considerando limites, possibilidades
e desaos dessas lutas no capitalismo contemporâneo.
Partimos do pressuposto de que homens e mulheres vivem sob
dadas condições objetivas e subjetivas que são produto das relações sociais,
culturais e históricas. Isso signica que a construção social das respostas que
dão às suas necessidades e vontades tem na sociabilidade sua determinação
central ou, de outra forma, signica também que os indivíduos fazem a
história, mas suas possibilidades de intervenção se efetivam na dialética
relação entre objetividade e subjetividade, entre ser e consciência. Na
sociabilidade do capital, as condições materiais se constituem num grande
obstáculo que limita o desenvolvimento pleno e livre da individualidade.
Considerando que o modo de pensar e agir é determinado na dinâmica
complexa e contraditória entre sociabilidade e individualidade, podemos
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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vericar a prevalência de indivíduos despotencializados em sua criatividade,
em sua capacidade reexiva, reproduzindo práticas que reiteram processos
de alienação e de subalternidade.
Neste processo, as relações de gênero são permeadas por uma
diversidade que envolve as relações entre homens e mulheres, mas também
entre mulheres e mulheres e homens e homens, de modo que “[...] o
tornar-se mulher e tornar-se homem constitui obra das relações de gênero.
(SAFFIOTI, 1992, p. 18).
Historicamente, identica-se uma maior apropriação pelos
homens do poder político, do poder de escolha e de decisão sobre sua
vida afetivo-sexual e da visibilidade social no exercício das atividades
prossionais. Esse é um processo que resulta em diferentes formas
opressivas, submetendo as mulheres a relações de dominação, violência e
violação dos seus direitos. Poder e visibilidade são construtos históricos,
determinados na e pelas relações sociais. Em cada conjuntura sócio histórica
é preciso, portanto, analisar os elementos de determinação do ponto de
vista econômico, político e cultural que incidem na vida cotidiana dos
indivíduos e estruturam valores, modos de pensar, de ser e agir. Ou seja,
trata-se não apenas de reconhecer quem tem poder e visibilidade, mas em
quais condições materiais foram alicerçados e são efetivados.
Partimos da perspectiva teórica do(s) Feminismo(s) e, apesar
desse termo, ainda nos dias atuais, ser erroneamente interpretado como
movimento de aversão ou guerra da parte das mulheres aos homens, a
vertente cresce academicamente, em tempos de debates sobre violência e
gênero, feminilidades e masculinidades, diversidade sexual, entre outros.
Os feminismos
1
desmiticam a ideia de uma supremacia
masculina como algo tolerável e natural, observável já desde os primeiros
anos de vida dos meninos, que devem ser ativos, competitivos, fortes,
agressivos; e das meninas, que supostamente serão dóceis, ternas e
sensíveis. O pensamento feminista tem gerado conceitos e teorias que
questionam a subordinação sob o pretexto de consenso e liberdade, em que
as mulheres vivem. Por isso, estudar, indagar ou analisar o mundo a partir
de uma perspectiva feminista implica tomar consciência, corrigir hábitos
Nos referirmos ao Feminismo no plural, pois existem diferentes ideias, correntes e pensamentos. Todos
coincidem em defender a igualdade de mulheres e homens, no entanto, diferem em algumas questões (por
exemplo, nos meios de comunicação) para alcançar este objetivo.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
254 |
naturalizados, esforçar-se para desmiticar aquilo que é apresentado como
natural quando é uma construção social arbitrária, desarticular falsidades,
prejuízos e contradições que legitimam uma estrutura social de inequidade
entre homens e mulheres.
Entendemos que a Universidade se constrói como um espaço
de reprodução do machismo vigente. No entanto, as Universidades no
Brasil deveriam ser um espaço de mudança de paradigmas, de tomada de
consciência, de debate e aprendizagem. Têm ganhado destaque na mídia as
denúncias de violência sexual que ocorrem de forma rotineira e silenciosa
nas Instituições de ensino. A partir dos relatos dos abusos sexuais e dos
trotes humilhantes ocorridos na Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (FMUSP), que revelou ser um espaço emblemático de
violações combinadas com um acobertamento sistemático por parte da
instituição, inúmeros outros casos de estupros e abusos sexuais perpetrados
entre docentes, discentes e funcionários têm vindo à tona.
É importante enfatizar que a violência sexual nas Universidades
se parece com os casos de violência sexual da sociedade em geral em dois
pontos: além de subnoticados, a violência mais comum é aquela entre
pessoas que conhecem, são colegas, amigos, conhecidos, namorados.
Dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e
Superintendência de Segurança da USP indicam que, no caso da USP,
a proporção de atos de violência sexual foi maior do que na cidade de
São Paulo nos últimos três anos. Enquanto os ataques sexuais noticados
representaram 3,4% do universo dos crimes violentos registrados pela
Universidade, este número é de 1,54% na capital.
Em 2010 a Universidade Estadual Paulista (UNESP),
protagonizou um evento baseado em preconceito e violência de gênero.
Os homens presentes eram incentivados a agarrar e montar em jovens
obesas durante os jogos universitários em Araraquara, o INTERUNESP.
O ato cou conhecido como “rodeio das gordas”. Após seu encerramento,
foi criada uma página em uma rede social onde eram estabelecidas regras
para as próximas edições do «torneio», bem como a premiação para os que
fossem os melhores «montadores de gordas»
2
.
Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,humilhadas-e-ofendidas-o-rodeio-de-araraquara,632178.
Acesso em: 11 out. 2015.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 255
Em 2013, no campus de Pirassununga, a estudante do quarto
ano do curso de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, de 27 anos,
foi estuprada por um colega de curso depois de uma festa
3
. Numa rápida
busca pela internet, é possível encontrar diversas notícias como estas.
Em junho de 2015, um cartaz com ofensas a alunas da Esalq
(Escola Superior de Agricultura “Luiz Queiroz”), em Piracicaba, foi axado
no campus da Universidade, contendo apelidos pelos quais as estudantes
eram conhecidas na faculdade. Elas foram listadas em uma espécie de
ranking disponibilizado no Centro de Vivência. As características apontadas
eram “buceta fedida”, “teta preta” e “sociedade do anel”. Ao lado de cada
apelido, haviam marcas indicativas de quantidade
4
.
Até a instalação da CPI “das Universidades” na Assembleia
Legislativa de São Paulo era baixo o número de “casos denunciados
ocialmente” em decorrência do próprio esforço institucional para
invisibilizar, silenciar e deslegitimar o problema. Além disso, a pouca
quantidade de denúncias também se explica: primeiro, por não haver um
conhecimento disseminado sobre o que constitui uma violência sexual, que
pode, por exemplo, incluir situações com pessoas conhecidas ou mesmo
com pessoas com quem se mantém algum tipo de relacionamento; segundo,
por uma prática social de culpabilização, humilhação e perseguição da
vítima por parte do corpo discente, docente e funcionários, que coíbe a
denúncia de agressores; e, terceiro, pelo despreparo das instituições em lidar
com situações de violência de gênero. A Pesquisa Nacional de Vitimização
de 2012 aponta que casos de ofensas sexuais são denunciados em apenas
7,5% das situações. Em contrapartida, roubos de carro são denunciados
em 90% dos casos. Isso signica que o número de denúncias de violência
sexual que existe hoje é cerca de 14 vezes menor do que o número de casos
que efetivamente ocorreram.
O descaso das instituições frente às denúncias e a ausência de apoio
às vítimas de violência sexual têm signicado não apenas a perpetuação
das violações de direitos humanos, mas também o maior agravamento da
situação das vítimas. Não são poucos os casos em que as vítimas acabam
Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2015-01-15/acordei-com-ele-me-penetrando-por-
tras-diz-vitima-de-estupro-na-usp.html. Acesso em: 10 out. 2015.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1644529-usp-investiga-cartaz-com-ofensas-
a-alunas-da-esalq-em-piracicaba.shtml. Acesso em: 10 out. 2015.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
256 |
desistindo de frequentar as instituições de ensino e nalizar seus cursos, ao
passo que os agressores são contemplados com diplomas.
Em 25 de abril de 2016, uma estudante de 23 anos, relatou que
sua sensação ainda é de impunidade. Em novembro de 2015 ela foi atacada
por um vigilante dentro do campus da UFES (Universidade Federal do
Espírito Santo) denunciou o caso à polícia e na ocasião, a UFES informou
que o suspeito era funcionário de uma empresa terceirizada e já havia
sido afastado das funções. A aluna disse que foi diversas vezes à polícia
para prestar depoimento e fazer reconhecimento do suspeito, mas que
o crime não foi solucionado. “Pensei que isso seria resolvido logo, mas
me enganei. Até hoje aguardo respostas
5
. Por essas razões, é urgente que
sejam tomadas medidas que deem visibilidade a esses casos, promovam a
responsabilização dos agressores, ofereçam apoio às vítimas e fomentem
reexões sobre estratégias de prevenção de novos casos.
O trabalho de prevenção à violência sexual perpassa a temática
da violência de gênero: os casos de estupro ocorrem contra mulheres,
homens que de alguma forma contestam estereótipos binários de gênero e
sexualidade, homossexuais, mulheres transexuais, homens trans e travestis.
A existência de qualquer tipo de relacionamento afetivo-sexual
com alguém não pressupõe obrigatoriedade em manter relações sexuais,
sobretudo quando não há expressado consentimento das partes envolvidas.
O uso de substâncias lícitas ou ilícitas, ministradas de forma voluntária ou
criminosa, não pode ser alegado para culpabilizar a vítima de abuso sexual
e/ou justicar a ação do agressor.
A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, Art. 213 considera
estupro: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro
ato libidinoso.” (BRASIL, 2009), sendo que este, terá a pena aumentada,
caso haja lesão corporal de natureza grave ou se a vítima for menor de
idade ou se resultar em morte. A Lei também deixa claro que é crime “Ter
conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante
fraude ou outro meio que impeça ou diculte a livre manifestação de
vontade da vítima.” (BRASIL, 2009).
Disponível em: http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2016/04/abuso-na-ufes-faz-5-meses-e-vitima-
relata-sensacao-de-impunidade.html. Acesso em: 30 abr. 2016.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 257
A violência sexual dentro e fora do campus não é pontual e ocorre
sistematicamente como uma violência de gênero. Assim, o trote não é um
contexto isolado de violência, mas de exacerbação de violências já existentes
no meio social, tanto de gênero, como de cunho racista e homofóbico.
Nesse sentido, para além do processo judicial criminal dos agressores, cabe
às instituições de ensino adotar medidas de prevenção e de apoio às vítimas.
A abstenção da instituição, ao invés de zelar pela sua imagem, demonstra
cumplicidade com as agressões e com os agressores, bem como contribui
para a perpetuação da cultura machista de culpabilização das vítimas.
Em abril, alunas do Mackenzie, uma faculdade particular da
cidade de São Paulo, denunciaram estas práticas agressivas perpetradas
por docentes da instituição. Frases como: “Agora vamos explicar de novo,
porque a sala tem muitas meninas”, “seu trabalho está ruim, você podia
pelo menos ter vindo com uma saia mais curta”, foram algumas das que
elas denunciaram ter ouvido dos professores (PALHARES, 2016). Para as
alunas, as atitudes machistas não são exclusivas, elas estão institucionalizadas
e generalizas na universidade (PALHARES, 2016).
Durante o XVII Coloquio Internacional Cómo Enseñamos la
Historia (de las mujeres), em Alicante, Espanha, em 2014, Maria Dolores
Ramos Palomo nos apresentou um dado alarmante: 70% dos prossionais
que tiveram como foco de pesquisa Gênero e/ ou Feminismos durante
sua formação acadêmica, abandonaram tais temas quando se tornaram
prossionais universitários. Os motivos geralmente relacionam-se à
perseguição sofrida em seus departamentos, falta de verba para projetos,
isso porque o estudo trazia números internacionais, de países como
Espanha, França e Inglaterra.
Outra professora espanhola, Pilar Ballarín Domingo, que
também trabalha com o tema
6
, apresentou, no mesmo evento, dados de
Em artigo publicado este ano, 2015, a pesquisadora apresenta, na Revista Iberoamericana de Educación, uma
reexão sobre como estão atuando os códigos de gênero na instituição universitária espanhola e de que modo
seguem marcando as relações de poder através da sobrevivência cultural androcêntrica que rege à crítica feminista
e contribui para a naturalização das desigualdades de género e das relaciones de dominação. A universidade
todavia se mostra como um lugar privilegiado de reprodução da sociedade patriarcal na qual está imersa, apesar
das mudanças em sua antiga estrutura; e os códigos sociais de género, embora se transformem, cobram novos
signicados para seguir mantendo a estrutura de privilégios masculinos. Aspectos como a medida da excelência,
a violência cotidiana e a complexidade coletiva que completam esta reexão, apontam como as mulheres tem
ocupado cada vez mais espaço na universidade, mas ainda não a habitam. Disponível em: http://www.rieoei.org/
rie68a01.pdf. Acesso em: 10 out. 2015.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
258 |
uma pesquisa realizada em 2013 com quinze professores universitários
(DOMINGO, 2013): 4 professores de Educação Infantil, 3 de Pedagogia,
2 de Psicologia, 3 de Medicina e 3 de História. Sendo 8 professores e
7 professoras. Destes, 6 diziam tratar das questões de gênero e 8 não.
Segundo Domingo (2013), os professores mostraram com claridade que
não é o conhecimento cientíco que os inspira a considerar as mulheres
em sua docência, mas questões cotidianas. “Uma das entrevistadas dividiu
sexualmente o que considera “ciência dura” e ciência branda”. Precisamos
identicar os sexos?
Os professores entendem que é necessário incorporar questões
de gênero às suas docências, mas não reconhecem a necessidade de uma
formação especíca para isso. Na maioria dos casos, justicam dizendo
que a igualdade é algo já alcançado e que há muitas outras questões que
também deveriam ser incluídas nos programas dos cursos.
Para Domingo (2013), a transversalidade se converte assim, nos
discursos analisados, em um desideratum pedagógico recorrente e quase
mágico. Bastaria ter uma atitude de rejeição frente às discriminações
e valorizar a igualdade entre homens e mulheres – que já se considera
alcançada para seu “natural” desenvolvimento. Trata-se, em denitivo,
segundo a autora, de desenvolver uma sensibilidade frente às questões
sociais, distintamente e dissociadas da razão cientíca que fundamenta os
conhecimentos prossionais.
Para Domingo (2013), esta ausência de programas docentes, de
conhecimentos especicamente voltados para a investigação feminina e de
gênero, não só está dicultando no alunado universitário a compreensão
de uma realidade marcada pela discriminação apesar do progresso da
igualdade, senão que, por omissão, contribui para a naturalização das
diferenças construídas e a reprodução dos prejuízos mais arraigados.
Entendemos que problematizar estes dados no Brasil seja de
extrema importância nas diversas áreas do conhecimento, principalmente
educação, área na qual se privilegia a compreensão e reexão sobre a formação
ética dos sujeitos, tendo em vista os números, a seguir apresentados, que
guram uma situação nacional gravíssima de violência física, simbólica
e psicológica de gênero. Apesar de ser um crime, e grave, de violação de
direitos humanos, a violência contra as mulheres segue vitimando milhares
de brasileiras reiteradamente.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 259
No primeiro ano de vigência efetiva da lei Maria da Penha, 2007,
as taxas experimentaram um leve decréscimo, voltando imediatamente
a crescer de forma rápida até o ano 2010. A pesquisa Violência contra a
mulher: feminicídios no Brasil, coordenada pela técnica de Planejamento
e Pesquisa do Instituto Leila Posenato Garcia, entre 2009 e 2011, aponta
que o Brasil registrou 16,9 mil assassinatos de mulheres (feminicídios), ou
seja, “mortes de mulheres por conito de gênero”, especialmente em casos
de agressão perpetrada por parceiros íntimos. Esse número indica uma
taxa de 5,8 casos para cada grupo de 100 mil mulheres. A média é de 472
assassinatos de mulheres por mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e
meia (CARTA CAMPINAS, 2013).
Uma pesquisa inédita, realizada pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), em 2015, a pedido do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) revelou que a cada quatro ex-condenados, um volta a ser
condenado por algum crime no prazo de cinco anos, uma taxa de 24,4%
(IPEA, 2015). O resultado foi obtido pela análise amostral de 817 processos
em cinco unidades da federação - Alagoas, Minas Gerais, Pernambuco,
Paraná, Rio de Janeiro.
O estudo considera apenas o conceito de reincidência legal
- conforme os artigos 63 e 64 do Código Penal- só reincide aquele que
volta a ser condenado no prazo de cinco anos após cumprimento da pena
anterior. Outros levantamentos já realizados sobre reincidência, com taxas
mais elevadas, costumam considerar a quantidade de indivíduos que volta a
entrar nos presídios ou no sistema de Justiça criminal independentemente
de condenação, caso dos presos provisórios. A pesquisa também traz
detalhes sobre o perl do reincidente: ele é jovem, do sexo masculino, tem
baixa escolaridade e possui uma ocupação.
Mas será que os estudantes universitários questionam a crença
generalizada de considerar a violência de gênero como um problema
marginal, próprio de setores com um baixo nível acadêmico-educativo? Seria
a Universidade uma local privilegiado para a construção do conhecimento,
da pesquisa, e em tese, também na formação de sujeitos mais críticos? Sendo
assim, será que isso garantiria ou subsidiaria aos jovens universitários uma
formação menos marcada pelas desigualdades de gênero? As Universidades
são espaços onde há igualdade entre mulheres e homens de uma maneira
real? Um espaço onde não há violência de gênero? Entre os estudantes de
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
260 |
ensino superior se estabelecem relações equitativas com outras mulheres
e homens? Que atitudes e crenças mantem em relação a estes temas? As
Universidades estão conseguindo formar prossionais conscientes sobre a
igualdade real entre homens e mulheres?
Internacionalmente o tema também vem sendo debatido.
O recém-publicado Missoula: Rape and the Justice System in a College
Tow n , do jornalista norte-americano Jon Krakauer esmiúça o que o
autor considera uma espécie de epidemia: os estupros em ambientes
universitários nos EUA. No livro, o autor aponta que em Missoula, no
norte do país, foram registrados 350 casos entre 2008 e 2012. O autor se
embrenha em entrevistas às vítimas e percorre os meandros do judiciário,
das instâncias universitárias e das investigações policiais para traçar um
painel de impunidade de estupradores, em geral, jogadores de time de
futebol americano local, orgulho da cidade, que se aproveitam de mulheres
alcoolizadas. Para Krakauer, o álcool afeta a equação indiretamente,
fazendo com que a justiça exima os culpados. O problema é a falta de
compreensão generalizada sobre o que é o estupro: há muitos que creem
que se a mulher não luta por sua vida, então consentiu com o crime. Após
o ato, os primeiros apontamentos questionam: o que ela vestia e se havia
bebido. O autor revela ainda que a impunidade nos Estados Unidos é igual
à de sociedades não civilizadas e arma que polícia, promotoria e judiciário
precisam ser treinados a lidar com as particularidades desse tipo de crime:
“Precisam saber como o trauma afeta a memória das vítimas”. E faz um
alerta: “Estupradores acabam se safando em mais de 90% dos casos
7
.
Na Lei nº 10.224, inserida no artigo 216-A, o assédio sexual passou
a ser considerado crime e a fazer parte do Código Penal Brasileiro, sendo
denido no ato de constranger alguém com o intuito de obter vantagem
ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de
superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego,
cargo ou função e a pena para este crime é a detenção por 1 (um) ou 2
(dois) anos. A Lei, no entanto, considera que o agente - aquela pessoa que
pratica o crime - deve ser superior hierárquico ou ter ascendência inerentes
ao exercício de emprego, cargo ou função.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/05/1767742-novo-livro-do-best-seller-jon-
krakauer-esmiuca-estupros-em-universidades.shtml. Acesso em: 05 maio 2016.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 261
Todo tipo de abuso que não resulta em ato sexual mediante uso da
força é classicado como importunação ofensiva ao pudor, a punição, no
entanto, é branda e prevê apenas pagamento de cestas básicas ou prestação
de serviços comunitários. O crime de assédio moral, classicado entre os
crimes de “menor grau”, normalmente praticado por pessoas conhecidas
da vítima, também é punido com penas ínmas, em geral aançáveis.
e Hunting Ground, de Kirky Dick, aponta para os casos de
assédio nos campi das Universidades norte-americanas e mostra o impacto
dessas situações na vida das vítimas e a ausência de medidas de repreensão aos
infratores, que perpetuam tais crimes graças à impunidade O movimento
ganhou visibilidade com a participação de Lady Gaga, que interpretou a
música tema Til it Happens to You durante a premiação do Oscar deste ano,
para a qual concorria como Melhor Canção Original. A ONG Men Can
Stop Rape informa que uma em cada cinco universitárias norte-americanas
já foi vítima de algum tipo de violência dentro da instituição de ensino.
Tendo como eixo central as perspectivas de Gênero e Feminismos,
compreendemos as relações desiguais de poder entre homens e mulheres
que se manifestam num sem-número de espaços e processos cotidianos
ditos privados, sociais e culturais, econômicos, sexuais etc. E esses espaços
precisam ser entendidos como políticos – espaços e processos onde as
relações desiguais de poder entre os gêneros, e também de classes, raciais etc.
se constroem, se mantêm, se (re) conguram, e também onde essas relações
de poder têm sido contestadas ou desaadas historicamente (ALVAREZ,
2004). Para Barrig (2001), o gênero parece ser menos provocante, menos
urticante” que a palavra feminismo.
Sanfeliu Gimeno (2005) escreve que a percepção de como estão
sendo produzidas as mudanças nas atitudes sociais, na vida cotidiana e nas
relações entre os sexos, muitas vezes acontece de forma discreta. E todos os
dias, tudo o que se relaciona com o campo da privacidade, sob o pretexto
da repetição imutável, aparece como natural. Tal expressão aparece para a
autora no sentido daquilo que é socialmente aceito. A autora cita um texto
de Buñuel y Denche (1986, p. 184) “[...] la cotidianidad se convierten en
procesos rituales de conversión de lo signicativo y heterogéneo en habitual y
no conictivo. De este modo, actúan a modo de conductor de un orden social y
de su ámbito ideológico, convalidándolo a través de sucesiones lineales.” Nestas
reiterações de hábitos, comportamentos e valores culturais, certos estereótipos
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
262 |
ainda estão profundamente enraizados sob tipos patriarcais de masculinidade
e feminilidade que são considerados «naturais» e é especicado em frases
como: «Em algumas lutas não pode intervir», «mulheres que sofrem abuso
porque querem», «essas coisas sempre aconteceram», entre outras.
Brabo arma que nenhum destino biológico, psíquico ou
econômico dene a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade:
é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre
o macho e o castrado que qualicam de feminino. Somente a medição de
outrem pode constituir um indivíduo como Outro. Desde o nascimento
as mulheres foram submetidas ao processo de inculcação-socialização
(BRABO, 2005). Conforme arma Beauvoir (1970, p. 264), “[...] os países
latinos, como os orientais, oprimem a mulher pelo rigor dos costumes
mais que pelo rigor das leis.”.
Scott (1991), Viezzer (1989), Saoti (1987), Laurentis (1994)
e Louro (1996) conceituam o gênero como elemento constitutivo das
relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre os sexos como
uma forma primeira de ressignicar as relações de poder.
Como tais atributos tidos como naturais nas mulheres ou
nos homens são, na verdade, características socialmente construídas, é
indispensável demonstrar que, ao longo dos tempos, uma “naturalização
do social foi produzida. Porém, não podemos esquecer que a construção
dos gêneros também envolve o corpo e, com isso, podemos supor uma
estreita e contínua imbricação do social e do biológico na compreensão
de gênero (LOURO, 1996). Segundo Barnett (2000), as qualidades mais
valorizadas nas mulheres como tolerância e comprometimento acabam
sendo responsáveis pela patologização de seus relacionamentos.
Joan Scott (1991) é quem nos oferece uma das mais importantes
contribuições teóricas sobre o uso da categoria gênero. Para Scott (1991, p.
265) “[...] as coisas que tem a função de signicar algo, tal como as palavras
e as ideias, possui uma história, o que inclui o termo gênero.” Desta forma
rejeita palavras que poderiam trazer a noção de determinismo biológico e
realça o caráter relacional das denições de feminismo e masculino.
Georges Vigarello (1998), ao estudar procedimentos da justiça
francesa em relação aos crimes sexuais daquele país, encontrou casos
envolvendo crianças e adolescentes, meninas e, mais raramente meninos,
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 263
vítimas de violências sexuais. O autor inicia sua obra “História do Estupro”,
armando que as fontes de pesquisas relacionadas a essa questão existem e
o interesse pelo tema é crescente entre os pesquisadores, entretanto é uma
história ainda a ser construída. Ao tratar de casos de estupro ocorridos na
França entre os séculos XVI e XX, apresenta de uma forma crítica o motivo
dessas variadas classicações acerca dos atos contra a mulher:
[...] o estupro é primeiramente uma transgressão moral no direito
clássico, associada aos crimes contra os costumes, fornicação,
adultério, sodomia e bestialidade e não aos crimes de sangue. Ele
pertence ao universo do inpudor, antes de pertencer ao universo
da violência; é gozo ilícito antes de ser ferimento ilícito: ‹Luxúria à
força›, diz Papon, ‹crime de indecencia que se comete por coação›,
diz Lange, ‹estupro forçado›, resume Le Brun de La Rochette. É
primeiramente um gesto de lascívia. (VIGARELLO, 1998, p. 36).
Assim, o estupro está além da esfera moral e dos costumes, mas
deve ser considerado um crime de sangue, delito grave.
O autor entende que no século XX, constroem-se guras novas.
O estuprador não é mais somente o degenerado, mas é também o pai, o
padre, o professor - os distúrbios atingem todos. As vítimas têm papéis
transformados e o pós-estupro é mais estudado, das mais diversas formas
possíveis. A Psicologia enumera os efeitos devastadores do incesto, assim como
os Códigos Penais se renovam, dissociando o assédio, o atentado ao pudor e
o estupro. Surgem os estupradores em série, como guras midiáticas, como
causa das ideias de retorno da pena de morte; a contaminação da criança e a
sua posterior transformação em agressor, e o agressor sendo transformado em
assassino - perigos de julgamento que costumam permear nossa sociedade.
Vigarello (1998) destaca ainda a importância das lutas feministas
que nalmente transformam o crime de estupro em crime contra a pessoa,
e não um crime contra a propriedade, e o estupro, com todos os seus atores
(agredidos e agressores), se transforma em crime de comoção nacional.
E, assim como tudo que passa pelo julgamento das emoções, passa a um
novo papel, certas vezes perigoso. Ou seja, o debate acerca desse crime
não acabou, e não vai acabar enquanto ainda for praticado. Discursos
retrógrados ainda são mascarados das mais diversas formas, renovados,
assim como nosso interesse pelas desgraças alheias.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
264 |
Há uma crença generalizada entre a sociedade em geral e estudantes
universitários em particular, a considerar a igualdade entre homens e
mulheres como uma questão já alcançada, onde homens e mulheres gozam
dos mesmos direitos e, portanto, de idênticas oportunidades de ensino,
trabalho, no âmbito familiar, social, pessoal e/ ou de formação, considerando
a Violência de Gênero uma questão anedótica, relativa a situações marginais,
onde as drogas, a pouca escolaridade, a cultura ou religião são fatores que
predizem e causam esse fenômeno. A entrada feminina no mercado de
trabalho, o consumo, as novas congurações familiares, no caso do Brasil,
por exemplo, em que muitas famílias são cheadas por mulheres, trouxe
uma perspectiva de igualdade já alcançada e ela encobre as desigualdades
menos visíveis, mas que também são importantes de serem investigadas,
denunciadas. Em geral, assumir essa crença tem implicações profundas no
futuro prossional, social e pessoal dos atuais universitários, porque se você
acreditar em um fato particular como verdadeiro, você vai acreditar que parte
do mundo se forma e se relaciona com o mundo contando com a existência
desse fato (VILLORO, 1984).
O Mapa da Violência 2015, compilado pela Agência Patrícia
Galvão, no Dossiê Violência contra as Mulheres, mostra que a cada 2
minutos 5 mulheres são espancadas, a cada 11 minutos um estupro e a
cada 90 minutos 1 feminicídio. Mais de 160 mil mulheres foram vítimas
de homicídio entre 1980 e 2013. O Disk 180 – Central de Atendimento
à Mulher, registrou, entre janeiro e junho de 2015, 179 relatos de agressão
por dia, 43% das que vivem em situação de violência sofrem agressões
diariamente; para 35%, a agressão é semanal.
Em relação ao momento em que a violência começou dentro
do relacionamento, os atendimentos de 2014 revelaram que os episódios
de violência acontecem desde o início da relação (23,51%) ou de um até
cinco anos (23,28%). Em 2014, do total de 52.957 denúncias de violência
contra a mulher, 27.369 corresponderam a denúncias de violência física
(51,68%), 16.846 de violência psicológica (31,81%), 5.126 de violência
moral (9,68%), 1.028 de violência patrimonial (1,94%), 1.517 de violência
sexual (2,86%), 931 de cárcere privado (1,76%) e 140 envolvendo tráco
(0,26%). Entre 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil mulheres
no Brasil, 43,7 mil somente na última década.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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referênciAs
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e na América Latina. In: GONCALVES, E. Desigualdades de gênero no Brasil: reexões e
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AZEVEDO, M. A. Mulheres espancadas: a violência denunciada. São Paulo: Cortez,
1985.
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Eliana Cristina Pedroso de Oliveira
1. notAs introDutóriAs:
Neste artigo foram abordadas as concepções de violência
doméstica contra as mulheres no âmbito familiar, suas consequências e o
comportamento das vítimas diante desses abusos.
Foi realizado um levantamento sobre o reexo dessa violência no
desenvolvimento físico, psicológico, social e intelectual de suas vítimas e
sobre o que diz a Lei Federal 8.069/90 – Estatuto da Criança e Adolescente
(BRASIL, 1990) – sobre a responsabilidade da sociedade e do educador
para a garantia dos direitos fundamentais ao exercício pleno da cidadania.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
270 |
A violência doméstica contra a mulher se caracteriza pela
ocorrência dentro do ambiente familiar, onde o agressor é normalmente
um indivíduo que manteve ou ainda mantém uma relação íntima com
a vítima. Sendo assim, observa-se vários danos na estrutura emocional
da mulher, tanto decorrente das agressões físicas, que deixam marcas
evidenciadas em seu corpo, quanto das psicológicas, que podem ocorrer de
diversas maneiras. Tanto uma como a outra possuem elevada signicação
dentro desse rol de desrespeito contra a mulher.
Destacamos, ainda, a necessidade da ação das políticas públicas,
em parceria com a educação, para que se possam ultrapassar os limites
geográcos de um único setor de atendimento à população e possa
abranger uma parcela maior da comunidade, um trabalho mais amplo de
conscientização das questões de gênero trabalhadas na escola.
Neste sentido, é papel da comunidade escolar, dentre eles
professores e alunos discutir, analisar e construir reexões norteadoras
que possibilitem a criação de valores, permitindo a boa convivência, sem
discriminações, inclusive a de gênero. A cultura patriarcal se reproduz
também no meio escolar e leva, por consequência, ao favorecimento
da naturalização da violência contra a mulher desde os primeiros anos.
Compreendemos a necessidade da valorização do respeito e enfrentamento
da violência, aceitando-se riscos, contradições e desaos.
Com isso, o respeito à dignidade humana, desenvolve uma
mudança de atitudes e valores, estimulando uma cultura onde o respeito
às diferenças, a democracia e a promoção da igualdade sejam enraizadas
construindo uma sociedade com relações saudáveis.
2. o fenômeno DA ViolênciA: necessáriAs Definições
Violência vem do latim violentia, que signica violento ou bravio.
A palavra violare signica abordar com violência, desonrar, desrespeitar.
Esses termos devem ser apontados de forma, que indique a força em
execução, são meios de um corpo exercer a sua ação e, portanto, a energia,
a robustez. Violência que é composto por vis, que em latim signica força,
sugere a ideia de vigor, potência, impulso. Também traz a ideia de excesso
e de valentia. Portanto, além da força, a violência pode ser notada como o
abuso da força (CAVALCANTI, 2007).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 271
Dessa forma, entende-se que a violência também é caracterizada
pelo o uso de palavras ou ações que machucam, também, o abuso do poder,
assim como o uso da força que resulta em sofrimento, tortura ou morte.
Nota-se que essa questão social continua grave e delicada,
presente em diversos formatos de famílias as quais não estão associadas à
classe subalterna, marginalizada, como muitos pensam, mas aparecem em
todas as camadas sociais, idades, sexos, raças, etnias, religiões, etc.
Violência é toda iniciativa que procura exercer coação sobre a
liberdade de alguém, que tenta impedir-lhe a liberdade de
reexão, de julgamento, dedicação e que, termina por rebaixar
alguém em nível de meio ou instrumento num projeto, que a
absorve e engloba, sem tratá-lo como parceiro livre e igual. A
violência é uma tentativa de diminuir alguém, de constranger
alguém a renegar-se a si mesmo, a resignar-se à situação que lhe é
proposta, a renunciar a toda a luta, abdicar de si. (VIELA, 1977
apud AZEVEDO, 1985, p. 19).
Deste modo, percebe-se que a mulher passa a ser aspecto central
da cultura patriarcal, sendo a violência, quase sempre praticada por
homens contra as mulheres, no âmbito familiar, nas relações de intimidade
no exercício do poder contra a vítima.
Esta perspectiva leva à reexão das relações que envolvem
categorias históricas, como as relações de classe, relações de gênero e
relações de raça/etnia, que indicam a submissão que as mulheres sofrem
nas mais diferentes organizações sociais. Essas categorias históricas-sociais
formam um contingente referencial nas práticas sociais, fazendo parte
nos diversos tipos de culturas, como arma Silva (1992, p. 26). Para o
autor, a concepção de fragilidade da mulher foi criada para dar ao homem
o direito de tutela sobre ela”, e isso teria sido usado tanto no âmbito
familiar quanto social, incluindo-se o trabalho, para que o homem pudesse
comandar as relações. Tal sistema não teria condições de se perpetuar sem
a naturalização dessa concepção, as próprias mulheres passam a acreditar
em sua fragilidade, em sua incapacidade de decidir por si. As histórias
contadas para as crianças desde o berço mostram a princesa indefesa sendo
protegida por um valente príncipe, passando a mensagem que meninas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
272 |
devem esperar não agir, que os meninos são os heróis, os ativos, quem vai
trazer fortuna e proteção (MARTINS, 2012).
Dessa forma, são vários os motivos pelos quais a violência
é desencadeada, naturalizada e perpetuada, fatores como a pobreza,
desigualdade, desemprego, discriminação, entre outros, que acabam
contribuindo para os atos agressivos entre as pessoas.
2.1 cArActerísticAs DA ViolênciA DomésticA contrA A mulHer
Dias (2004) relata que nos anos 1960 a violência doméstica
passou a ser vista como um atentado aos Direitos Humanos, mas que se
trata de uma questão enraizada na história e nas práticas sociais, que as
práticas familiares violentas podem ser observadas em culturas e classes
sociais variadas, o que torna sua compreensão ainda mais complexa.
As situações de violência contra a mulher reetem, basicamente,
da vinculação estabelecida hierarquicamente entre os sexos, construída
historicamente pela divergência de papéis estabelecidos socialmente entre
as mulheres e os homens, é portanto, consequência de uma educação com
base em fatores discriminatórios. Deste modo, o processo de “fabricação
de machos e fêmeas”, prospera por meio das instituições, como a própria
família, a escola, a igreja, os amigos, os arredores e meios de comunicação.
Na maior parte dos casos, são atribuídas menções ao sexo masculino de
superioridade e valentia. Já às mulheres foi estipulado o símbolo de “sexo
frágil”, pelo fato de serem mais persuasivas, ou seja, sensíveis e afetivas,
diferentemente dos atributos normalmente masculinos e, por isso,
desprestigiados na sociedade (AZEVEDO, 1985).
Através das pesquisas realizadas, foram reconhecidas diversas
formas de violência contra a mulher, entre as quais destacam-se a violência
intrafamiliar ou doméstica; dentre elas a violência física, sexual, psicológica
e moral, patrimonial e institucional. Essa, por sua vez, entendemos ser a
violência explícita ou velada praticada no âmbito familiar por indivíduos
unidos por parentesco civil (marido e mulher, sogra, padrasto, lhos) ou
parentesco natural (pai, mãe, lhos irmãos).
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Volume I
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Deste modo, verica-se que a violência intrafamiliar é praticada
mediante agressões na maioria das vezes cometida por um membro da
família, sendo o agressor morador da mesma casa ou não.
Uma violência frequentemente praticada no meio familiar é a
violência física, sendo a demonstração do uso da força com a intenção
de ferir, deixando ou não marcas evidentes. São comuns tapas, murros e
chutes, agressões com diversos tipos de objetos e queimaduras por objetos
ou líquidos quentes. É denida como qualquer conduta que comprometa a
integridade ou saúde corporal. Entretanto, ainda que a agressão não tenha
deixado marcas visíveis, pode ser caracterizada pelo o uso da força física
contra a mulher. Conforme Dias (2007, p. 47) “[...] não só a lesão dolosa,
também a lesão culposa constitui violência física, pois nenhuma distinção
é feita pela lei sobre a intenção do agressor.”.
Ainda temos a violência psicológica, caracterizada por rejeição,
discriminação, depreciação, humilhação, desrespeito e punições
exacerbadas. Entendida como qualquer conduta que cause dano à saúde
psicológica ou o desenvolvimento pessoal.
Essa categoria se evidencia por condutas regulares que seguem
um parâmetro especíco, objetivando alcançar, conservar e efetuar poder
sobre a vítima. Miller (1999) descreve que a princípio, as tensões não
parecem preocupantes, são apenas opiniões divergentes com assuntos
cotidianos como hábitos, emprego, questões nanceiras, mas que evoluem
e principiam-se uma série de situações que geram opressões psicológicas,
até chegar ao ato nal de agressão física. O autor explica que a diferença
dessa situação com os relacionamentos não violentos é que os envolvidos
conversam sobre as possíveis situações que possam trazer desentendimentos
ou as desconsideram, e estas acabam diminuindo de acordo com as etapas
que alcançam.
Outro ponto seria a violência verbal, a qual normalmente
acontece paralela à violência psicológica trazendo consigo uma série de
consequências à vítima. Certos agressores verbais acabam se dirigindo a
outros membros da família. As mulheres que sofrem esse tipo de violência
poderão desenvolver alguns sintomas: medos que podem resultar em
pânico, insegurança, ansiedade, depressão, entre outras. Com isso, nota-se
que mesmo que não deixem marcas, se torna patológico na saúde psíquica
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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da mulher. Contudo, compreende-se que esta seja uma das violências mais
frequentes, porém menos denunciadas.
A vítima muitas vezes nem se dá conta que agressões verbais,
silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são
violência e devem ser denunciados. Para a conguração do dano
psicológico não é necessária a elaboração de laudo técnico ou
realização de perícia. (DIAS, 2007, p. 48).
A violência sexual, que também é um dos problemas que atingem
as vítimas, como percebemos, acaba acontecendo por meio do abuso
de poder exercido sem o consentimento, carícias indesejadas, coerção,
chantagem, suborno, manipulação, ameaça, exibicionismo, pornograas
infantis e estupro. É entendida como qualquer conduta que constranja a
mulher em seu pudor, a manter relação sexual não desejada.
Nota-se através de estudos relativos ao tema, que há certa
resistência da lei em reconhecer que nos vínculos familiares, ocorra
esse tipo de violência. Conforme Dias (2007, p. 49), “[...] a tendência
sempre foi identicar o exercício da sexualidade como um dos deveres
do casamento, a legitimar a insistência do homem, como se estivesse ele
a exercer um direito.”.
Por conseguinte, há também à violência patrimonial, que acontece
quando o agressor quebra utensílios pessoais, esconde documentos
pessoais e/ou prossionais, e até objetos de valor sentimental. São atos que
implicam dano, perda, subtração, destruição ou retenção de objetos. Dias
(2007) explica que nesse tipo de violência homem se apodera dos recursos
econômicos – pensão, objetos de sua casa, valores, faz dívidas em seu
nome- da mulher, impedindo seu uso para o m que ela desejaria destinar.
O autor cita nesse caso o não pagamento das pensões alimentícias, que
também pode ser tipicada como abandono material. Dias (2007, p. 53)
também enquadra nesse tipo de violência o dano causado aos bens materiais
da mulher, ele explica que “[...] é violência patrimonial ‘apropriar-se’ e
destruir’, os mesmo verbos utilizados pela lei penal para congurar tais
crimes. Perpetrados contra a mulher, dentro de um contexto de ordem
familiar, o crime não desaparece nem ca sujeito à representação”.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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E nalmente, ainda existe aquela que talvez seja a pior de todas
acima mencionadas que é a negligência, fruto da omissão ao atendimento
das necessidades básicas, a qual acarreta uma série de consequências
irreparáveis à vítima.
3. consequênciAs e comPortAmentos DA mulHer VítimA De
ViolênciA DomésticA
Muitas mulheres aceitam punições por acreditar que não tenham
desempenhado o seu papel dentro da relação conjugal. Por motivos
nanceiros e incapacidade de cuidar dos lhos sozinha, não denunciam
o agressor, suportando essa condição. São persuadidas a pensar não serem
capazes de cuidar dos lhos e da casa. Com o intuito de acabar com a
autoestima da vítima, o agressor busca meios para que tudo seja feito de
acordo com a sua vontade. Utiliza também de críticas na tentativa de coibir
a vítima e aproveitar da afetividade desta em relação à família, além de
constantemente tentar isolá-la da família, amigos e inclusive do trabalho
denegrindo sua imagem para inibir qualquer tentativa de apoio a ela.
O ciclo da violência é perverso. Primeiro vem o silêncio seguido
da indiferença. Depois surgem as reclamações, reprimendas,
reprovações e começam os castigos e as punições. Os gritos
transformam-se em empurrões, tapas, socos, pontapés, num crescer
sem m. As agressões não se cingem à pessoa da família, o varão
destrói seus objetos de estimação, a humilha diante dos lhos.
Sabe que estes são os seus pontos fracos e os usa como massa de
manobra, ameaçando maltratá-los. (DIAS, 2007, p. 18).
Além disso, o agressor tem habilidade de encantar e ser agradável
socialmente. Justica seu descontrole em relação às agressões dirigidas a
companheira, alegando ser seu dono. Nesse sentido:
[...] facilmente a vítima encontra explicações, justicativas para
comportamento do parceiro. Acredita que é uma fase, que vai
passar, que ele anda estressado, trabalhando muito, com pouco
dinheiro procura agradá-lo, ser mais compreensiva, boa parceira.
Para evitar problemas, afasta-se dos amigos, submete-se à vontade
do agressor, só usa as roupas que ele gosta, deixa de se maquiar
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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para agradá-lo. Está consequentemente assustada, pois não sabe
quando será a próxima explosão, e tenta não fazer nada errado.
Torna-se insegura e, para não incomodar o companheiro, começa
a perguntar a ele o que e como fazer, torna-se sua dependente.
Anula a si própria, seus desejos, sonhos de realização pessoal,
objetivos próprio. Neste momento a mulher vira um alvo fácil.
(DIAS, 2007, p. 19).
Segundo constatações realizadas por pesquisas aqui mencionadas,
observa-se que cada um dos tipos de violência traz como consequência
danos, sejam eles na esfera cognitiva, social, moral, emocional ou afetiva.
Nas de âmbito físico, podem aparecer inamações, hematomas, contusões,
traumatismos, deixando sequelas temporárias ou permanentes. Os danos
psicológicos que são frequentes surgem através de depressão, insônia,
falta de apetite, ansiedade, síndrome do pânico, usa de álcool e drogas, e
tentativas de suicídio (KASHANI; ALLAN, 1998).
Sendo assim, a violência doméstica sobre a mulher afeta sua
integridade física e emocional, trazendo consequências psicológicas que
vão desde tristeza profunda ou depressão, insônia, falta de concentração,
falta de apetite, ansiedade, síndrome do pânico, stress pós-traumático,
além de comportamentos autodestrutivos e até o suicídio.
Outras características também são as ausências no trabalho,
desleixo com a aparência, abandono da vida social, como por exemplo,
distanciamento da companhia de parentes e amigos, além da apresentação
de comportamentos solitários e sem diálogos, esse cenário, segundo Miller
(1999) faz parte da desvalorização da mulher, que acaba por renunciar o
que sente e até suas próprias escolhas. Ao abrir mão de sua espontaneidade,
a mulher gera em si uma imagem de incompetência, improdutividade e
uma percepção negativa de si mesma, destruindo aos poucos seu amor
próprio e autoestima.
Como visto, a violência psicológica compromete a saúde mental
e consequentemente comportamental, interferindo na autoconança
da mulher por meio do crédito de suas competências e habilidades na
movimentação de seus recursos intelectuais para o cumprimento das
tarefas necessárias à sua vida. Algumas vítimas apresentam diculdades em
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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sua comunicação, trazendo sentimento de insegurança, baixa autoestima
pela desvalorização de si mesma e da perda do amor próprio.
O afastamento da vítima dos círculos sociais contribui na
continuidade do ciclo e aumento da taxa de violência contra a mulher,
retratado pelo pequeno número de pessoas que podem ser parentes ou
amigos, entidades, instituições as quais fazem parte da vida social desta,
criando oportunidade para que ela possa depositar sua conança e expor a
ocorrência dos fatos acreditando que seja feito algo a m de que tal quadro
não se repita mais. Miller (1999) acredita que quando a mulher tem uma
relação próxima com os familiares e amigos, que permita a ela expressar-
se sobre sua vida conjugal, essas pessoas passam a ser uma possibilidade
de resguardo, mas que quando isto não ocorre, devido à condição de
retraimento estimulada por seu parceiro, o único caminho encontrado
são as casas-abrigo, que atuam no acolhimento a mulheres em situação de
violência, mas que para muitas, signica defrontar com um futuro incerto.
Apesar de constar na Lei 11.340/06 (BRASIL, 2006) a criação de
uma rede de proteção à mulher, que inclui a construção de Casas Abrigo,
passados mais de dez anos poucos desses abrigos foram efetivamente
construídos e muito da rede de proteção continua em andamento pelas
casas legislativas, o que expõe a mulher, vítima de violência, aos desmandos
daquele que detém, a força, o poder econômico familiar.
Podemos ainda concluir, que as razões mais comuns às quais têm
levado mulheres a permanecerem em relações conjugais violentas, são as
de âmbito nanceiro, esperança da mudança comportamental futura do
companheiro, medo provocado por ameaças de morte e, principalmente,
em proteção aos lhos.
3.lei mAriA DA PenHA:
A atual legislação brasileira sobre violência doméstica e
intrafamiliar contra mulheres entrou em vigor no ano de 2006 a Lei
11.340 - Lei Federal de Violência Doméstica ou Familiar contra Mulher,
conhecida popularmente como “Lei Maria da Penha” (BRASIL, 2006).
Essa Lei, inspirada na biofarmaceutica Maria da Penha Maia que cou
paraplégica após sofrer violência doméstica, tem como objetivo coibir a
violência doméstica e aumentar o rigor das punições nos crimes contra
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
278 |
mulheres, propôs-se também a criar mecanismos para coibir tais violências
e prevê a criação de Juizados especializados para tratar do assunto.
A referida lei foi criada em bases estatísticas de mulheres que
sofreram agressões, movimentos feministas que deixaram evidente um
problema grave da justiça brasileira: a morosidade e a falta de instrumentos
legais que possibilitassem a rápida apuração e punição desses crimes, bem
como a proteção dessas vítimas.
A Lei 11.340 tornou-se um indispensável instrumento político e
jurídico contra as ações de violência que sobrecarregam o ambiente familiar,
que muitas vezes não é visível. De acordo com Rodrigo Ghiringhelli de
Azevedo (2008), somente a existência da Lei não garante a construção
social de valores em igualdade de gênero. Isso porque, essa questão é um
problema social complexo e somente a medida jurídica não irá alterar o
comportamento cotidiano.
4. A eDucAção como AuxiliADorA nA PreVenção contrA A
ViolênciA DomésticA:
O poder público na totalidade de suas obrigações, juntamente com
as devidas parcerias, deve garantir direitos necessários à dignidade humana.
Mas ainda há muito o que pode ser melhorado pelas políticas públicas em
garantir o cumprimento das leis já existentes e criar novas leis e mecanismos
preventivos e não apenas punitivos. Hoje há políticas que abrangem mais
as formas assistencialistas, como bolsas e auxílios nanceiros a famílias em
riscos, contudo, sabemos que essas ações deveriam ser medidas emergenciais
e não práticas permanentes. Dessa forma, conclui-se que tais medidas
impossibilitam a erradicação desse ciclo de violência que compromete as
famílias acarretando péssimas consequências à vida dessas vítimas.
Essas ideias partem dos fundamentos explícitos na Constituição
Federal Brasileira de 1988 e raticada pela Lei Federal 8.069/90 – Estatuto
da Criança e Adolescente (ECA), que discorre sobre o dever da família,
da comunidade, da sociedade em geral e do poder público em assegurar,
prioritariamente, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à prossionalização, à cultura,
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar (BRASIL,
1990).
Desta maneira, é possível pensar em uma educação que trabalhe em
parceria com o poder público, viabilizando programas que desenvolvam na
criança e na família o respeito à dignidade humana e à educação de gênero
desde a pré-escola, conscientizando-os desde cedo da importância deste
movimento. Por conseguinte, objetivar que a escola trabalhe integrando o
educando como um sujeito de direito, sendo respeitado como um todo,
de modo que favoreça a construção de uma identidade cultural saudável.
Portanto, a escola também deve criar as condições para que isto
aconteça, tais como a criação de um ambiente de respeito, de alegria e de
aprendizagens. Poderemos pensar nesta condição, à luz da poesia de Paulo
Freire (2008):
A escola é... o lugar onde se faz
amigos não se trata só de prédios, salas
quadros, programas horários,
conceitos... A escola é, sobretudo,
gente, gente que trabalha, que estuda,
que se alegra, se conhece, se estima. O
diretor é gente, o coordenador é gente,
o professor é gente, o aluno é gente,
cada funcionário é gente. E a escola
será cada vez melhor na medida em que
cada um se comporte como colega,
amigo, irmão. Nada de ‘ilha cercada de
gente por todos os lados’. Nada de
conviver com as pessoas e depois
descobrir que não tem amizade a
ninguém. Nada de ser como um tijolo
que forma a parede, indiferente, frio, só.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
280 |
A escola precisa avançar nesta perspectiva tradicionalista e
reprodutora de uma educação opressora e paternalista, tornando-se espaço de
aprendizagens, respeitos, valorização às diferenças e aos direitos fundamentais.
Além desses preceitos, defende-se nesse estado importância
da contribuição para a construção de uma cultura de paz por meio do
exercício do diálogo, da tolerância e da solidariedade, trabalhados através
da transversalidade, interdisciplinaridade e disciplinaridade, propostas
nos PCNs e Diretrizes Curriculares (BRASIL, 1998), ferramentas
essenciais no processo educativo e na construção da sociedade livre e
igualitária que almejamos.
E nesse sentido, para que se possa aprofundar nessa linha,
compreendemos que a escola deve estar aberta à comunidade sendo
um importante centro de conhecimento de direitos, além de exercer
função social de formação de cidadãos capazes de construir estratégias de
enfrentamento da questão.
Existe a necessidade de adotar métodos pedagógicos que
intervenham no processo educativo, investindo na formação de humanização,
favorecendo tanto a formação continuada de educadores quanto a de
educandos baseadas na educação de direitos humanos. Construindo assim,
uma Proposta Curricular o quanto mais próximo possível da realidade vivida
pelos educando e que contemple às demandas sociais e culturais a qual a
escola propõe-se mediante sua função de entidade educadora.
A educação em direitos humanos é considerada fundamental
na perspectiva de transformar e redirecionar o panorama de estudantes
e professores junto ao cotidiano escolar. Através desse entendimento, a
educação hoje não é somente incumbida de transmitir conteúdos, mas
preparar para a cidadania, favorecendo a compreensão dos direitos e
deveres para que a convivência em sociedade a desde cedo.
O conceito de Direitos Humanos se fez necessário e também
universal desde dez de dezembro de 1948 quando a Organização das
Nações Unidas outorgou a Declaração Universal dos Direitos Humanos
tendo em vista a defesa das liberdades fundamentais do ser humano.
Dallari (2004) ressalta que os direitos são considerados fundamentais
porque, acima de tudo, preservam a dignidade da pessoa humana, mas que
também transformam o ser, dando-lhe a capacidade de aprimoramento,
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 281
dessa forma, são essenciais assim como as necessidades primárias de
sobrevivência.
Compreende-se que uma educação pautada em Direitos
Humanos, além de ser um direito fundamental também é o meio pelo
qual se alcança outros direitos. Dessa forma, o acesso à educação tem
por objetivo: “[...] garantir a toda criança o pleno desenvolvimento de
suas funções mentais e a aquisição dos conhecimentos, bem como valores
morais que correspondam ao exercício dessas funções, até a adaptação à
vida social atual.” (PIAGET, 1973, p. 40).
Para a conquista desse direito, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB
nº. 9.394/96) (BRASIL, 1996) rma que os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios estão incumbidos do cumprimento da Educação Básica. A
Educação Infantil, os Ensinos Fundamental e Médio compõem a Educação
Básica, a qual está delimitada, no artigo 22. “Art.22. A educação básica
tem por nalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios
para progredir no trabalho e em estudos posteriores.” (BRASIL, 1996).
A educação é, portanto, um direito garantido por lei e tem o
dever de preparar o educando na conscientização e respeito aos seus
direitos e deveres em relação a si e aos outros, aspecto fundamental para
uma vida social saudável. Direitos esses que devem ser trabalhados nos
diversos níveis educacionais.
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL,
2003), conrma a responsabilidade do Estado brasileiro na estruturação
social justa e democrática, fundamentada na educação em direitos humanos
e cidadania sendo critérios necessários para a Educação Básica:
A educação em direitos humanos deve estruturar-se na diversidade
cultural e ambiental, garantindo a cidadania, o acesso ao ensino,
permanência e conclusão, a equidade (étnico-racial, religiosa,
cultural, territorial, físicoindividual, geracional, de gênero, de
orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre
outras) e a qualidade da educação. (BRASIL, 2003, p. 24).
Faz-se necessário o incentivo a consciência crítica e social
na Educação Básica que crie uma consciência de respeito ao outro,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
282 |
um trabalho que permeie todos os níveis (Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Médio), já que integra a formação do educando do
individual como para o coletivo.
A saúde física, emocional, intelectual e social deverá ser uma
condição natural desse espaço de movimentos em prol a uma educação
emancipadora e que promova a paz.
6. consiDerAções finAis:
Com a realização das pesquisas, concluiu-se que ainda é necessário
muito empenho para que os números de violência doméstica registrados
venham a ser erradicados.
Sabe-se que é necessário proteger as vítimas, e lutar pela defesa de
seus direitos segundo a Constituição e as leis que compõem a Defesa da
Mulher, responsabilizando criminalmente àqueles que a violam.
Para que se chegue ao ideal esperado em relação à proteção da
integridade física, psicológica e emocional das mulheres vítimas da violência
doméstica, devem ser adotadas e pontualmente executadas, políticas de
prevenção mais severas para que coíbam o agressor a realizar qualquer tipo
de ato violento, tornando possível assim, a não coação das mulheres ou
medo de na realização das denúncias.
A violência doméstica contra a mulher se desdobra como um
grave problema que necessita de enfrentamento pela sociedade e órgãos
governamentais, através da criação e execução das políticas públicas que
promovam sua efetiva prevenção através da educação e combate como
fortalecimento de apoio à vítima.
Para eliminar a violência doméstica, ou familiar, como visto, é
importante a mudança cultural que está arraigada na sociedade patriarcal.
Para isso é necessário realizar o trabalho educacional voltado ao respeito dos
direitos humanos e à dignidade para que se formem cidadãos conscientes
para uma sociedade igualitária. Além disso, é preciso que a violência não
seja compreendida em nível individual, mas como uma questão de direitos
humanos, pois trás consigo fatores que afeta a dignidade da pessoa humana
e limita o poder de cidadania da mulher.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 283
Isto pode tornar-se possível a partir de ações pedagógicas que
dialoguem com a Proposta Política Pedagógica das escolas e a legislação
e direitos vigentes. Este diálogo pode ser feito mediante, por exemplo,
de uma pesquisa-ação voltada às questões educacionais relacionadas a
essa temática, por meio de um trabalho interventivo em salas de aula, na
Educação Básica em séries iniciais do ensino fundamental I, quando esses
conceitos, noções, valores e princípios morais estão ainda em formação.
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| 285
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Flor de Maria Meza Tananta
Nuria Piñol
“Si la Violencia contra la Mujer alcanza proporciones epidémicas en
tiempos de aparente paz, no es de extrañar que en tiempos de guerra
ésta no sólo aumente en cantidad sino también en perversidad,
especialmente cuando esta violencia tiene connotaciones sexuales. La
creatividad demostrada en la realización de crímenes sexuales por todos
los bandos de las demasiadas guerras que se dieron en el siglo XX, es
realmente devastadora. Pero más devastador es el silencio y la falta de
seriedad con que el derecho internacional humanitario y también el
derecho penal interno han tratado el tema”.
(FACIO, 2002).
Trabajo originalmente realizado para las Jornadas Feministas, organizadas por Cotidiano Mujer, en la Facultad
de Ciencias Sociales, UdelaR, Montevideo, Uruguay, Julio de 2017, corregido y ampliado.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
286 |
1. introDucción. Género y terrorismo De estADo. lAs mArcAs
Del PAtriArcADo
La violencia sexual fue una constante en las dictaduras del
Cono Sur y en general en todos los países de la región, especialmente
en Argentina y Uruguay. Esta particular forma de violencia no fue
visibilizada tempranamente en los procesos de justicia transicional, sino
que su juzgamiento se dio luego de que otros crímenes como secuestros,
homicidios, torturas, ya habían sido juzgados. Argentina y Uruguay tienen
recorridos diferenciados al respecto.
La presente exposición busca reexionar en torno a estos
caminos: las prácticas judiciales en estos países respecto a la violencia sexual
durante el Terrorismo de Estado y la necesidad de que éstas respondan a
políticas públicas diseñadas y ejecutadas por los órganos responsables de la
investigación y juzgamiento, como parte de las obligaciones en el marco
del Derecho Internacional de los Derechos Humanos.
Según la concepción de los represores, las mujeres víctimas
de la represión ilegal, eran mujeres doblemente transgresoras. Por un
lado, cuestionaban los valores sociales y políticos tradicionales, con su
participación en la militancia política activa y, por otro lado, rompían
las normas que según el imaginario social rigen la condición femenina:
las mujeres como madres o esposas permanecen en el ámbito privado o
doméstico, mientras el espacio político o público era un lugar reservado
exclusivamente a los hombres (AUCÍA, 2011). Y cuando una mujer
tenía militancia activa en la lucha política o incluso en la lucha armada,
más todavía, pues había desaado los roles tradicionales, y se convertía
entonces en un enemigo doblemente peligroso a controlar: se había
atrevido a dedicarse a una actividad tradicionalmente masculina, violenta,
de poderío, de coraje, rompiendo el molde tradicional de “lo femenino”, la
mujer “débil” y “sumisa”. De ahí, la creencia en que eran más peligrosas y
que había que “disciplinarlas”.
2
Explica Pilar Calveiro que para los represores las mujeres “ostentaban una enorme liberalidad sexual, eran
malas amas de casa, malas madres, malas esposas, y particularmente crueles. En la relación de pareja eran
dominantes y tendían a involucrarse con hombres menores para manipularlos. El prototipo construido
correspondía perfectamente con la descripción que hizo un subocial chileno, ex alumno de la Escuela de
las Américas, como muchos militares argentinos, ‘cuando una mujer era guerrillera era muy peligrosa: en eso
insistían mucho los instructores de la Escuela, que las mujeres eran extremadamente peligrosas. Siempre eran
apasionadas y prostitutas y buscaban hombres.’” (CALVEIRO, 2004, p. 94).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 287
En los testimonios, las mujeres sometidas a secuestro en centros
clandestinos señalan que estaban sometidas a un mayor temor, a un doble
peligro respecto de los hombres: peligro de ser torturadas (como todos)
y peligro de ser violadas, y que esto era una amenaza permanente. La
violación era así una suerte de “trofeo” para los represores, representaba
una apropiación del cuerpo de las mujeres, tomándolas como “una
cosa”, era como “tomar la propiedad del enemigo”, exacerbando así las
jerarquizaciones de la sociedad patriarcal.
Si para esta concepción toda mujer es propiedad del hombre que la
posee, cuando un hombre es “enemigo” de otro, entonces violar la mujer de
su enemigo político tiene una connotación especial, éste es un acto más de
agresión de la “guerra”. La agresión se verica directamente contra la mujer
pero también está presente la agresión simbólica contra el enemigo
3
varón. Si
la sexualidad de la mujer es vista como un territorio sobre el cual el hombre
es quien marca las condiciones para su acceso entonces, “[...] la violación se
vuelve el robo que hace un hombre de la propiedad de otro.” (AUCÍA, 2011,
p. 39). La violación de las mujeres se convierte en ciertos contextos en táctica
de guerra, como estrategia política para destruir al enemigo.
4
La violencia sexual y las violaciones tienen en esta lógica una
función “domesticadora” para la mujer, como castigo por desaar su rol
impuesto por las normas, es un acto de restauración de un poder que ha
sido cuestionado. Pero también en los cuerpos se inscribe la violencia
política, en el cuerpo violado de las mujeres la agresión sexual inscribe la
soberanía de los perpetradores, el cuerpo es así, asimilado a la ocupación
del territorio enemigo (SONDERÉGUER; CORREA, 2012).
La violación juega una reproducción simbólica del poder cuya
marca es el género. De esta manera, se comprueba lo que Rita Segato (2010)
explica como una relación triangular. Ella señala que en la violación se
verica una relación jerárquica de dominación entre el hombre y la mujer
violada, pero también hay una relación horizontal del violador con los
Algo similar ocurría con los niños y su apropiación, por ello se habla de los niños desaparecidos y apropiados
como un “botín de guerra”.
Dice Jelin (2017, p. 221) citando a Mostov: “Así, las violaciones masivas reportadas por las mujeres en Bosnia
no tienen nada que ver con el placer sexual. Son invasiones de las fronteras –la ocupación de su espacio simbólico,
de su propiedad y su territorio- y la violación de su masculinidad. Por extensión, signican la violación de la
soberanía y la autonomía de la nación”. Más aún, cuando el modelo de género identicaba masculinidad con
dominación y agresividad, características que se exacerban en la identidad militar.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
288 |
otros hombres: la mujer como “trofeo” para mostrar al hombre enemigo
que ha sido dominado. La violación como una demostración de virilidad
ante una comunidad de pares.
5
Así, en la tortura el cuerpo femenino fue un “objeto especial” para
los torturadores, a la vez que para los hombres la tortura implicaba un acto
de feminización, transformándolos en seres “inferiores” y consagrando la
virilidad” militar (JELIN, 2017).
Estas conceptualizaciones son imprescindibles para abordar una
investigación con perspectiva de género sobre violencia sexual durante el
terrorismo de Estado en el marco de las obligaciones del Estado respecto
de los derechos humanos.
2. uruGuAy. el continuum De lA ViolenciA contrA lA mujer
bAsADA en su Género
En el informe de 2012 la Relatora especial sobre la Violencia contra
la Mujer, sus causas y sus consecuencias, Rashida Manjoo, reriéndose a
los femicidios arma que éstos más que una nueva forma de violencia,
constituyen la manifestación extrema de formas de violencia contra la
mujer. No se trata de incidentes aislados que ocurren de forma repentina
e imprevista sino más bien del acto último de violencia que tiene lugar en
un continuum de violencia. Esa violencia sigue una lógica institucional de
denir y mantener relaciones jerárquicas de género, raza, sexualidad y clase
y de esa manera perpetuar la desigualdad de los grupos en situación de
mayor vulnerabilidad.
Han pasado ya treinta y cuatro años del retorno a la democracia
en Uruguay pero es recién a partir del 2005 que se empiezan a esbozar
algunas acciones en torno a la memoria, la verdad y la justicia.
La impunidad de los crímenes durante el terrorismo de Estado tiene
consecuencias negativas para el tejido social, para las nuevas generaciones
que crecen con el mensaje de “acá no ha pasado nada”. Lamentablemente,
sabemos que la cultura de la impunidad no empezó con las violaciones
Esto se comprueba en los testimonios en los juicios actuales, porque muchos hombres cuentan que los
amenazaban en la tortura diciendo que si no hablaban traerían a sus mujeres y las violarían, o les hacían
referencias sobre el goce de sus mujeres, burlándose de ellos y su virilidad.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 289
múltiples de los derechos humanos del Terrorismo de Estado. Acá es
pertinente preguntarnos, ¿Cómo trata el tema de la violencia sexual contra
la mujer en tiempos de paz el derecho penal uruguayo?, ¿Cómo viene
tratando la justicia uruguaya la denuncia penal sobre violencia sexual y
tortura de 28 mujeres uruguayas que decidieron valientemente visualizar
estos crímenes denunciando a los responsables y pidiendo justicia?
Sobre el primer punto, en julio de 2016 el Comité de expertas de
la CEDAW le dijo al Estado uruguayo que le sigue preocupando (pues ya
había recomendado al respecto en 2008) las disposiciones discriminatorias
del Código Penal, como los conceptos patriarcales de “honestidad”,
“honra” y “escándalo público”, que impiden el enjuiciamiento de algunas
formas de violencia sexual contra la mujer recomendando en consecuencia
que derogue las disposiciones del Código Penal que incluyen los conceptos
patriarcales de “honestidad”, “honra” y “escándalo público” como
elementos de los delitos penales que afectan a las mujeres (párrafo 12)
(CEDAW/C/URY/CO/8-9, 2016).
Tal como constata Alejandra Paolini la categorización y
consideración de la violación y otros delitos sexuales como atentados
al honor de la familia han sido las razones que han obstaculizado la
visibilización y el tratamiento de tales crímenes como graves violaciones
de los derechos humanos (PAOLINI, 2011). En consecuencia, añade
Chiarotti, que la impunidad de los delitos contra la integridad sexual en el
marco de crímenes de lesa humanidad no es otra cosa que la prolongación
de la impunidad propia de esos delitos cuando son delitos comunes, el pan
cotidiano (AUCÍA, 2011).
Actualmente, el parlamento uruguayo viene trabajando en torno
a un nuevo proyecto de Código Penal. La Sociedad Civil, en la que también
participa el Grupo Derecho y Género, ha elaborado en documento en el que
expone, de manera general, los supuestos para que el nuevo Código Penal
tenga las perspectivas de derechos humanos y de género. Así, reriéndose
al proyecto anterior se arma:
El proyecto mantiene una mirada androcéntrica que no considera las
relaciones desiguales de poder que sustentan los delitos vinculados
a las violencias de género, como la violencia sexual o la violencia
doméstica. Subsiste una importante carga discriminatoria hacia
la víctima y no se incorporan guras delictivas adecuadas, como
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
290 |
las vinculadas a violencia psicológica, a la patrimonial, o las que
utilizan las tecnologías de la información y la comunicación como
instrumento para la comisión de otros delitos o como integrantes
del tipo penal. (DOCUMENTO, 2015).
Sobre la segunda pregunta, la respuesta de la justicia uruguaya
frente a la denuncia de las 28 mujeres denunciantes por violencia sexual y
tortura durante el Terrorismo de Estado ha sido la impunidad. En varias
ocasiones ellas han armado:
Queremos que haya reconocimiento y sanción por parte de la
sociedad, y juzgamiento y castigo por parte de la justicia de esos
delitos contra la integridad sexual. No queremos que la violencia
sexual quede subsumida o minimizada en otro delito, por ej. en
la tortura, porque es un delito gravísimo y un crimen de género,
especíco y autónomo. (Información verbal).
6
Y es justa y legítima su aspiración. Desde 1998 el derecho penal
internacional contempla la violencia sexual como delito autónomo en el
Estatuto de Roma, por el que se rige la Corte Penal Internacional (CPI).
Además de la jurisprudencia de la CPI desde los primeros años de la década
de los 90s el mundo cuenta con jurisprudencia regional y experiencias de
tribunales que se organizaron para juzgar los crímenes cometidos durante
los conictos de Ruanda, la ex Yugoslavia y Sierra Leona.
Respecto a la situación del proceso que iniciaron las 28 compañeras
en 2011, éste después de 6 años de iniciado se encuentra aún en etapa
presumarial (investigación preliminar). Se sigue tomando declaración a
denunciantes y denunciados. En abril de 2016 se procesó al ex militar Asencio
Lucero por el delito de privación de libertad, quien falleció el pasado 8 de
agosto. En la resolución judicial de este procesamiento no hay imputación ni
del delito de tortura ni del de violencia sexual. Ello motivó un comunicado
de una organización de la sociedad civil, Observatorio Luz Ibarburu.
7
La justicia camina pero camina muy lenta y los tiempos que se
toma el Estado uruguayo para resolver responden a la lógica perversa del
Exposición de Beatriz Benzano. Facultad de Humanidades, Universidad de la República el 6 de octubre de 2015.
7
Disponible en http://www.observatorioluzibarburu.org/.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 291
sistema penal recargado e inoperante. Entendemos que los juzgados penales
tienen excesiva carga procesal, falta de recursos humanos y materiales, que los
magistrados a veces tienen que ser trasladados de sede como ha ocurrido con
esta causa en la que se han cambiado dos veces jueces y scales. La prioridad
de la justicia no es la misma que la de las víctimas, familiares y organizaciones
de las numerosas causas penales pendientes por crímenes de lesa humanidad
durante el terrorismo de estado en Uruguay.
8
Para un análisis de las demoras
de la justicia actualmente en el Uruguay puede consultarse el informe del
Observatorio Luz Ibarburu presentado ante la Comisión Interamericana de
Derechos Humanos en 2017, que releva también la falta de eciencia en la
investigación de la causa arriba mencionada.
AVAnces en lA reGión
En Uruguay, en el Informe del Observatorio Luz Ibarburu ya citado,
surge que de las 180 causas activas, sólo hubo 13 sentencias de condena y 20
personas condenadas. No existe justicia especializada para estos casos como
lo hay por ejemplo en la República Argentina donde, como sabemos, se
siguen condenando y sancionando a violadores de los derechos humanos.
En Uruguay se creó recientemente la Fiscalía Especializada en
Crímenes de Lesa Humanidad
9
, que entró en funciones en febrero del
2018. El Fiscal Letrado Penal de Montevideo Especializado en Crímenes
de Lesa Humanidad, Dr. Ricardo Perciballe, encausó la investigación
iniciada en 2011 que estaba dispersa.
En octubre de 2018 se citaron a 65 denunciados. La mayoría de
ellos no se presentaron y quienes lo hicieron accionaron recursos dilatorios,
excepción de prescripción, excepción de inconstitucionalidad de la Ley No
18.831 y excepción de constitucionalidad de la Ley 19.550 que crea esta
scalía especializada. Dichas acciones dilatorias si bien no paralizan la
causa principal la distorsionan generando costos adicionales. Asimismo,
8
El 9/10/2014 el Relator Especial sobre la promoción de la verdad, la justicia, la reparación y las garantías de
no repetición, de la ONU, emitió una recomendación en la cual enfatiza “la importancia de dar visibilidad a
todos los tipos de violaciones a los derechos humanos ocurridas durante la dictadura, en particular la detención
arbitraria, en condiciones de malos tratos sistemáticos, y la tortura, incluyendo la violencia sexual y la detención
de los niños y adolescentes: crímenes que no pueden ser “naturalizados” y con los cuales no se debe convivir como
si no hubieran ocurrido, no fueran graves, o no crearan lastres tanto a nivel personal como en las instituciones”.
9
Ley N° 19550, promulgada el 25 de octubre de 2017.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
292 |
esta scalía especializada solicitó la extradición de dos exmilitares a Chile
y a Argentina, y el pasado 10 de diciembre solicitó el procesamiento de
cuatro involucrados en la causa.
Estos avances en la Fiscalía no tienen correlato en el Poder Judicial
pues no existe un Juzgado especializado en crímenes de Lesa Humanidad
que acompase su trabajo con el de la Fiscalía especializada en crímenes de
lesa humanidad y se obtengan resultados concretos.
Solo en nuestra región la Corte Interamericana de Derechos
Humanos (CoIDH), viene estableciendo estándares al respecto mediante
sentencias como la del Caso Penal Miguel Castro Castro v. Perú, sentencia
de 25 de noviembre de 2006, (Fondo, Reparaciones y Costas).
En esta Sentencia la Corte IDH avanza en establecer que:
[…] todos los internos que fueron sometidos durante ese
prolongado período a la referida desnudez forzada fueron víctimas
de un trato violatorio de su dignidad personal. (p. 305). Y que
ese trato violatorio de la dignidad fue más grave en el caso de las
seis mujeres que fueron sometidas a ese trato pues “durante todo
el tiempo que permanecieron en este lugar a las internas no se
les permitió asearse y, en algunos casos, para utilizar los servicios
sanitarios debían hacerlo acompañadas de un guardia armado quien
no les permitía cerrar la puerta y las apuntaba con el arma mientras
hacían sus necesidades siológicas. (CASO PENAL, 2006, p. 306).
El Tribunal arma que esas mujeres:
[…] también fueron víctimas de violencia sexual, ya que estuvieron
desnudas y cubiertas con tan solo una sábana, estando rodeadas de
hombres armados, quienes aparentemente eran miembros de las
fuerzas de seguridad del Estado. Lo que calica este tratamiento
de violencia sexual es que las mujeres fueron constantemente
observadas por hombres. La Corte, siguiendo la línea de la
jurisprudencia internacional y tomando en cuenta lo dispuesto en
la Convención de Belem do Pará considera que la violencia sexual
se congura con acciones de naturaleza sexual que se cometen en
una persona sin su consentimiento, que además de comprender la
invasión física del cuerpo humano, pueden incluir actos que no
involucren penetración o incluso contacto físico alguno. (CASO
PENAL, 2006, p. 306).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 293
Asimismo, la Corte es muy rme al señalar que dichos actos
de violencia sexual atentaron directamente contra la dignidad de esas
mujeres. El Estado es responsable por la violación del derecho a la
integridad personal consagrado en el artículo 5.2 de la Convención
Americana, en perjuicio de las seis internas que sufrieron esos tratos
crueles inhumanos y degradantes.
La CoIDH reconoce que la violación sexual de una detenida por
un agente del Estado es un acto especialmente grave y reprobable, por la
vulnerabilidad de la víctima y el abuso de poder que despliega el agente.
Arma que la violación sexual es una experiencia traumática que puede
tener severas consecuencias y causa gran daño físico y psicológico que deja
a la víctima “humillada física y emocionalmente”, situación difícilmente
superable por el paso del tiempo, a diferencia de lo que acontece en otras
experiencias traumáticas (CASO PENAL, 2006, p. 311), consecuencias
que se ven agravadas en los casos de las mujeres detenidas (CASO PENAL,
2006, p. 313).
Es por ello y tomando en cuenta lo dispuesto en el artículo 2
de la Convención Interamericana para Prevenir y Sancionar la Tortura el
tribunal concluye que los actos de violencia sexual a que fue sometida una
interna bajo supuesta “inspección” vaginal dactilar (CASO PENAL, 2006,
p. 309) constituyeron una violación sexual que por sus efectos constituye
tortura. Por lo tanto, dictaminan que el Estado peruano es responsable por
la violación del derecho a la integridad personal consagrado en el artículo
5.2 de la Convención Americana, así como por la violación de los artículos
1, 6 y 8 de la Convención Interamericana para Prevenir y Sancionar la
Tortura (CASO PENAL, 2006, p. 312).
La jurisprudencia que se establece en esta sentencia, como en
otras de la CoIDH, y de otras instancias internacionales deben servir para
que la justicia uruguaya también avance en el establecimiento de nuevos
estándares de los derechos humanos vulnerados en estos delitos siguiendo
el principio de Res interpretata.
Este principio indica que cuando se establece una sentencia de la
Corte Interamericana de Derechos Humanos se producen 2 efectos para todos
los Estados Partes, una subjetiva y directa hacía las partes de la controversia
y otra objetiva e indirecta hacía todos los Estados Partes de la Convención
Americana de Derechos Humanos (CADH). En el segundo supuesto se
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
294 |
produce una ecacia erga omnes hacía todos los Estados Parte de la CADH
en la medida que todas las autoridades nacionales quedan vinculadas a la
efectividad convencional y al criterio interpretativo de la Corte IDH, en
tanto estándar mínimo de efectividad de la norma convencional, derivada de
la obligación de los Estados de respeto, garantía y adecuación (interpretativa
y normativa) que establecen los artículos 1 y 2 de la CADH, de ahí que
la sentencia se transmite a todos los Estados Partes en la Convención en
términos del artículo 69 de dicha Convención (CORTE, 2013, p. 23).
El desarrollo del derecho internacional de los derechos humanos
respecto a la violación sexual como una manifestación de la Violencia contra
la mujer y como crimen de lesa humanidad da la oportunidad a las víctimas
de buscar justicia y reparación. No condenar la violencia sexual de las mujeres
detenidas durante el terrorismo de estado en Uruguay signicará enviar el
mensaje a la sociedad de que “[...] la violencia contra la mujer es tolerada, lo
que promueve su perpetuación y la aceptación social del fenómeno, y genera
el sentimiento de desconanza de las mujeres en el sistema de administración
de justicia” (CASO CAMPO ALGODONERO, 2009, p. 102).
lA ViolenciA contrA lA mujer bAsADA en su Género
En el ámbito universal contamos con instrumentos especícos
sobre la Violencia Contra la Mujer (VCM) como la Declaración sobre la
Eliminación de la Violencia contra la Mujer (DEVAW) por sus siglas en inglés,
de 1993; la Recomendación General 19 de 1992 del Comité CEDAW que
integra la violencia contra la mujer dentro de la denición de discriminación
contra la mujer (artículo 1 de la CEDAW)
10
; y la jurisprudencia que viene
emitiendo el Comité CEDAW desde 2003 mediante la vía de la comunicación
individual, prevista en su Protocolo Facultativo.
La Declaración sobre la Eliminación de la Violencia Contra
la Mujer fue adoptada por la Asamblea General de las Naciones Unidas
mediante Resolución Nº 48-104, en 1993, dando seguimiento a la
Conferencia Mundial de Derechos Humanos (Viena, Junio de 1993). Esta
Declaración, en su Artículo 1 dene por primera vez el término violencia
contra las mujeres, señalando que por:
10
La Recomendación General 19 fue actualizada recientemente por la Recomendación general 35 del Comité
para Eliminar la Discriminación contra la Mujer el pasado 14 de julio en la Res. CEDAW/C/GC/35 “General
Recommendation No. 35 on gender-based violence against women, updating general recommendation No. 19”.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 295
[…] violencia contra la mujer se entiende todo acto de violencia
basado en la pertenencia al sexo femenino que tenga o pueda tener
como resultado un daño o sufrimiento físico, sexual o sicológico para
la mujer, así como las amenazas de tales actos, la coacción o la privación
arbitraria de la libertad, tanto si se producen en la vida pública como
en la vida privada. (NACIONES UNIDAS, 1994, p. 3).
Complementando esta denición, precisa los contextos en los que
se produce la violencia contra la mujer (VCM), sin limitarse a ellos. Así dice
que ésta abarca: (a) La violencia física, sexual y sicológica que se produzca en
la familia […]; b) La violencia física, sexual y sicológica perpetrada dentro
de la comunidad en general, inclusive la violación, el abuso sexual, el acoso
y la intimidación sexuales en el trabajo, en instituciones educacionales y
en otros lugares […]; c) La violencia física, sexual y sicológica perpetrada o
tolerada por el Estado, dondequiera que ocurra.
Esta Declaración reconoce que la VCM:
[…] constituye una manifestación de relaciones de poder
históricamente desiguales entre el hombre y la mujer, que han
conducido a la dominación de la mujer y a la discriminación en
su contra por parte del hombre e impedido el adelanto pleno de la
mujer, y que la violencia contra la mujer es uno de los mecanismos
sociales fundamentales por los que se fuerza a la mujer a una
situación de subordinación respecto del hombre. (NACIONES
UNIDAS, 1994, p. 2).
Pese a contar casi con 23 años de haberse proclamado lo que
señala el Preámbulo mantiene plena vigencia. En ese contexto la Asamblea
General considera que:
[…] se requieren una denición clara y completa de la violencia
contra la mujer, una formulación clara de los derechos que han
de aplicarse a n de lograr la eliminación de la violencia contra
la mujer en todas sus formas, un compromiso por parte de los
Estados de asumir sus responsabilidades, y un compromiso de
la comunidad internacional para eliminar la violencia contra la
mujer. (NACIONES UNIDAS, 1994, p. 3).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
296 |
lA recomenDAción GenerAl nº 19 Del comité ceDAw: lA
ViolenciA contrA lA mujer
La violencia contra la mujer no es tratada explícitamente por
la CEDAW porque en el momento de su adopción ésta no estaba en la
agenda pública. Es por ello que en su 11º período de sesiones en 1992,
el Comité CEDAW decidió ampliar ocialmente la prohibición general
de la discriminación por motivos de sexo, de manera tal que incluyera la
violencia basada en el sexo, estableciendo en su párrafo 6.
El artículo 1 de la Convención dene la discriminación contra
la mujer. Esa denición incluye la violencia basada en el sexo, es decir,
la violencia dirigida contra la mujer porque es mujer o que la afecta en
forma desproporcionada. Incluye actos que inigen daños o sufrimientos
de índole física, mental o sexual, amenazas de cometer esos actos, coacción
y otras formas de privación de la libertad. Mediante esta recomendación
general el Comité estableció que la VCM constituye una violación de sus
derechos humanos internacionalmente reconocidos, y que el autor de esta
violencia puede ser un particular o un funcionario público. Esto porque la
responsabilidad del Estado implica también eliminar la discriminación por
razones de sexo por parte de cualquier persona, organización o empresa.
La responsabilidad del Estado no sólo se concreta cuando un representante
del mismo interviene en una situación de violencia por motivos de sexo
sino también cuando no procede con la debida diligencia para prevenir
violaciones de derechos perpetradas por particulares, o para investigar,
sancionar y reparar oportunamente.
Esta recomendación trata en su totalidad de la VCM y las medidas
que deben ser tomadas para eliminarla. En cuanto a los temas de salud,
recomienda que los Estados ofrezcan servicios de apoyo a todas las víctimas
de la violencia por razón de género, como refugios, trabajadores de salud
adiestrados especialmente y servicios de rehabilitación y orientación.
Asimismo, hace un listado de los derechos humanos de las mujeres
que se afectan cuando son víctima de violencia. La violencia contra la mujer,
que menoscaba o anula el goce de sus derechos humanos y sus libertades
fundamentales en virtud del derecho internacional o de los diversos convenios
de derechos humanos, constituye discriminación, como la dene el artículo
1 de la Convención. Esos derechos y libertades comprenden:
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 297
a) El derecho a la vida;
b) El derecho a no ser sometida a torturas o a tratos o penas
crueles, inhumanos o degradantes;
c) El derecho a protección en condiciones de igualdad con
arreglo a normas humanitarias en tiempo de conicto armado
internacional o interno;
d) El derecho a la libertad y a la seguridad personal;
e) El derecho a igualdad ante la ley;
f) El derecho a igualdad en la familia;
g) El derecho al más alto nivel posible de salud física y mental;
h) El derecho a condiciones de empleo justas y favorables
(INSTITUTO, 2008).
El Comité no deja lugar a dudas cuando señala en el párrafo 8
que la Convención se aplica a la violencia perpetrada por las autoridades
públicas (INSTITUTO, 2008). Esos actos de violencia también pueden
constituir una violación de las obligaciones del Estado en virtud del
derecho internacional sobre derechos humanos u otros convenios, además
de violar la Convención.
lA conVención sobre lA eliminAción De toDAs lAs formAs De
DiscriminAción contrA lA mujer (ceDAw).
Las mujeres, en tanto personas humanas, cuentan con todos los
instrumentos de derechos humanos emitidos hasta la fecha. Sin embargo,
es importante señalar que hubieron de transcurrir tres décadas, desde 1948,
para que los derechos de las mujeres sean incorporados formalmente a la
esfera de los derechos humanos mediante la adopción de un instrumento
jurídicamente vinculante como la CEDAW lo que da cuenta de que su
humanidad no fue suciente para garantizar sus derechos humanos.
La historia de los derechos humanos nos permite armar
que, paulatinamente, el espectro original de los derechos humanos fue
reformulándose, pasando del “sujeto universal y abstracto al sujeto con
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
298 |
identidades particulares, a un sujeto situado” (CHIAROTTI, 2001, p.
77). Es decir, reconociéndose concretamente a esos “otros” seres humanos,
diversos, con sus especicidades y necesidades.
En este pasaje del desarrollo de los derechos humanos encontramos
diversas Convenciones que dan cuenta del tránsito de la universalidad a la
diversidad. Así, en 1965 entra en vigor la Convención sobre la eliminación
de la discriminación racial; en 1979 la CEDAW; en 1989 la Convención
de los Derechos del niño y la niña; en el 2000 la Convención sobre los
trabajadores migratorios y sus familiares; en 2007 la Convención sobre los
derechos de las personas con discapacidad, entre otros.
La CEDAW es un tratado internacional, adoptado por la
Asamblea General de las Naciones Unidas mediante resolución 34/180,
el 18 de diciembre de 1979, con el n de “[...] proteger y promover el
respeto a los derechos humanos de las mujeres.” (ONU MUJERES, 2012,
p, 9). Entró en vigor el 3 de septiembre de 1981 luego de recibir las 20
raticaciones necesarias para ello, a la fecha la han raticado 189 Estados
miembros de las Naciones Unidas.
Con la adopción de este tratado el Derecho Internacional de
los Derechos Humanos reconoce y positiva los derechos humanos de
las mujeres “[...] explícita o implícitamente al prohibir todas las formas
de discriminación por sexo.” (FACIO, 2009, p. 55), la misma que en el
2000 será complementada por su Protocolo Facultativo, situándola en el
rango de otras convenciones del sistema internacional. En su preámbulo
se reconoce que si bien existen convenciones internacionales, resoluciones,
declaraciones y recomendaciones aprobadas por las Naciones Unidas y de
los organismos especializados para favorecer la igualdad de derechos entre
el hombre y la mujer éstas no fueron sucientes para garantizarles a las
mujeres sus derechos. Así, los Estados Partes constatan “[…] sin embargo
[…] a pesar de estos diversos instrumentos las mujeres siguen siendo objeto
de importantes discriminaciones.” (CEDAW, 2004).
La CEDAW es el primer instrumento internacional de derechos
humanos que reconoce que históricamente la mujer viene sufriendo
discriminación y que dicha discriminación:
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 299
[…] viola los principios de igualdad de derechos y del respeto de
la dignidad humana, que diculta la participación de la mujer, en
las mismas condiciones que el hombre, en la vida política, social,
económica y cultural de su país, que constituye un obstáculo
para el aumento del bienestar de la sociedad y de la familia y que
entorpece el pleno desarrollo de las posibilidades de la mujer para
prestar servicio a su país y a la humanidad. (CEDAW, 2004).
De esta manera la CEDAW toma como punto de partida la
histórica desigualdad entre hombres y mujeres y “[...] aunque no hablaba
de género o de perspectiva de género en el momento que fue discutida,
si se puede decir que es un instrumento con perspectiva de género.
(FACIO, 1997).
A nes de los años ochenta diversas juristas iniciaron la crítica
del paradigma de los derechos humanos con el n de develar el sesgo
androcéntrico en la teoría y práctica de los derechos humanos. Asimismo,
propusieron un nuevo paradigma que incluyera mujeres de todas las razas,
edades, capacidades, regiones, prácticas sexuales, religiosas y culturales
(FACIO, 2009).
La CEDAW consta de un preámbulo y 30 artículos. En su
Artículo 1 dene la discriminación armando que:
A los efectos de la presente convención, la expresión “discriminación
contra la mujer” denotará toda distinción, exclusión o restricción
basada en el sexo que tenga por objeto o por resultado menoscabar
o anular el reconocimiento, goce o ejercicio por la mujer,
independientemente de su estado civil, sobre la base de la igualdad
del hombre y de la mujer, de los derechos humanos y las libertades
fundamentales en las esferas política, económica, social, cultural y
civil o cualquier otra esfera. (CEDAW, 2004).
Como bien señala Facio, la CEDAW se plantea 4 objetivos para
lograr la igualdad entre mujeres y hombres, siendo éstas: (i) eliminar
la discriminación contra las mujeres, ya sea esta directa o indirecta, en
cualquier esfera, en la vida pública, privada o familiar; (ii) eliminar las
tradiciones, prácticas culturales y religiosas y los estereotipos o prejuicios
que perjudican a las mujeres; (iii) lograr la igualdad de resultados para
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
300 |
todas las mujeres enfatizando la interseccionalidad de la discriminación
hacia la mujer y otras discriminaciones basadas en condiciones como etnia,
edad, estatus económico, estatus migratorio, nacionalidad, entre otras; y
(iv) establecer obligaciones o responsabilidades estatales concretas para
eliminar la discriminación contra las mujeres y el logro de igualdad entre
mujeres y hombres (FACIO, 2009).
El Estado uruguayo raticó la CEDAW mediante Decreto Ley
Nro. 15.164 el 30 de noviembre de 1981, incorporándola formalmente de
esta manera a su ordenamiento jurídico interno.
el comité PArA eliminAr lA DiscriminAción contrA lA mujer
El Artículo 17 de la CEDAW establece este Comité con el
objetivo de examinar los avances realizados por los Estados Parte en la
aplicación de sus disposiciones. El mismo está integrado por 23 personas
expertas quienes son elegidas por la conferencia de Estados Partes cada dos
años a título personal. El mandato tiene una duración de 4 años.
El Comité funciona “[...] como un sistema de vigilancia de la
aplicación de la Convención por los Estados que la hubieren raticado o
se hubieren adherido a ella.” (NACIONES UNIDAS, 2005, p. 37). Esta
vigilancia se da en virtud de lo mandatado en el Artículo 18 de la CEDAW
donde se señala que los Estados partes deben presentar un informe inicial al
año de haberla raticado y cada 4 años su informe periódico. Sin embargo,
como señalamos anteriormente, este Comité es uno de los que ha innovado
con los llamados informes de avance o de medio camino para agilizar la
respuesta del Estado Parte en la recomendación planteada por este Comité
respecto de los puntos más álgidos que el Estado Parte tiene pendiente.
Este proceso de examen de informes es público. El Comité,
acorde con el Artículo 22 de la CEDAW invita a las Organizaciones No
Gubernamentales, cuyos informes se examinan en sesiones informales con
el Comité, y a organismos especializados del Sistema Internacional como
ONU Mujeres, UNICEF, FAO, OIT, FNUAP, ACNUR, OMS, entre
otros a presentar sus informes respecto a la situación de las mujeres del país
que es examinado.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 301
Este proceso ha permitido establecer “un diálogo constructivo”,
llamado así por el mismo Comité, entre éste y los representantes del Estado
examinado mediante las preguntas y comentarios de parte de las personas
integrantes del Comité. Esta instancia no supone un enfrentamiento pues
en general el ambiente es de “[...] libre intercambio de ideas, información
y propuestas” (NACIONES UNIDAS, 2005, p. 41). Esto se ve reejado
en el hecho que el Comité nunca declara formalmente que un Estado
ha violado la CEDAW sino que señala las carencias del Estado mediante
preguntas y observaciones.
Luego de las sesiones públicas de examen a los Estados Partes, el
Comité revisa la información recibida por éstos y decide respecto de las
observaciones y recomendaciones nales a ser presentadas, las que luego
serán incluidas en su informe anual a la Asamblea General.
Respecto a las Observaciones Finales realizadas por el Comité
CEDAW a los Estados Partes precisa Alda Facio que estas observaciones
nales deben ser asumidas por los Estados como verdaderas orientaciones,
directrices o pautas para cumplir con una obligación jurídica asumida
al raticar la convención. En esa medida, estas orientaciones no son
totalmente discrecionales ya que descansan en esa obligación legal.
Los Estados deben crear los mecanismos que permitan la
implementación de estas recomendaciones pues éstas están basadas en
la obligación legal de implementar la CEDAW con la debida diligencia
(FACIO, 1997).
Del proceso de exámenes a los Estados Partes, de sus observaciones
nales y de sus diversos informes el Comité elabora sus recomendaciones
generales. A la fecha cuenta con 33 recomendaciones generales.
lA recomenDAción GenerAl nº 30 Del comité PArA eliminAr lA
DiscriminAción contrA lA mujer
En el párrafo 1 el Comité CEDAW señala el principal objetivo
de esta recomendación es proporcionar una orientación autorizada a los
Estados partes sobre medidas legislativas y de políticas y otras medidas
apropiadas para garantizar el cumplimiento pleno de sus obligaciones
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
302 |
en virtud de la Convención de proteger, respetar y ejercer los derechos
humanos de la mujer. Asimismo, se señala que:
Las mujeres no constituyen un grupo homogéneo y sus
experiencias en relación con los conictos y sus necesidades
especícas en contextos posteriores al conicto son diversas. Las
mujeres no son espectadoras ni meras víctimas u objetivos, y han
desempeñado históricamente y siguen desempeñando un papel
como combatientes, en el contexto de la sociedad civil organizada,
como defensoras de los derechos humanos, como miembros de los
movimientos de resistencia y como agentes activos en los procesos
de consolidación de la paz y recuperación ociales y ociosos.
(CEDAW, 2013, p. 3).
Entre otros puntos, el Comité recomienda a los Estados parte que
prohíban todas las formas de violencia por razón de género por parte de
agentes estatales y no estatales, entre otros medios, a través de leyes, políticas
y protocolos” Asimismo recomiendan a los Estados “Prevengan, investiguen
y sancionen todas las formas de violencia por razón de género, en particular
la violencia sexual, por parte de los agentes estatales y no estatales y apliquen
una política de tolerancia cero.” (CEDAW, 2013, p. 11).
el informe sombrA, lAs recomenDAciones Del comité ceDAw y
lAs DeuDAs Del estADo uruGuAyo.
el informe sombrA
El informe Sombra se elaboró en el marco del examen periódico
8º y 9º combinado del Estado uruguayo ante el Comité CEDAW, el
mismo que se realizó el 14 de julio del 2016 en Ginebra
11
. Este informe
da cuenta que en 2011 un grupo de 28 de mujeres ex presas durante el
último terrorismo de estado en Uruguay, (1973-1985), denunció a civiles
y también a militares de distintos grados y participación por violencia
sexual y tortura durante el tiempo en que estuvieron privadas de libertad.
11
Elaborado por Cotidiano Mujer; Comité de América Latina y el Caribe para la Defensa de los Derechos de
las Mujeres-CLADEM Uruguay; Cooperativa Mujer Ahora; Colectiva Mujeres; Ciudadanías en red (CIRE);
Centro Interdisciplinario de Estudios sobre el Desarrollo-Uruguay (CIEDUR); Unión Nacional de Ciegos del
Uruguay (UNCU) y la Red Uruguaya de Lucha Contra la violencia doméstica (RULCVD). Comité redactor:
Flor de María Meza Tananta (Cotidiano Mujer), Ana Lima (CLADEM Uruguay) y Margarita Percovich (CIRE).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 303
A la fecha
12
sólo se procesó a un militar denunciado. Este delito de lesa
humanidad se viene investigando en un Juzgado de primera instancia en
materia penal que tiene excesiva carga procesal y que debe expedirse sobre
todas las causas que conoce dentro de su jurisdicción. Los tiempos que
se toma el Estado para resolver no son los pertinentes. La gran mayoría
de estas mujeres denunciantes quedaron con secuelas psicológicas y físicas
después del encierro. Tres de ellas ya fallecieron esperando justicia. El
Estado no está cumpliendo con su deber de actuar con la debida diligencia
para con estas mujeres víctimas de violencia cometidas por agentes del
Estado, desconociendo sus obligaciones señaladas en la CEDAW y la
Recomendación General 19 de este Comité.
En consecuencia solicitaron al Comité que emitiera la siguiente
recomendación:
Recomendación: Que el Estado adopte con urgencia medidas
para investigar, y sancionar a los responsables, así como reparar a las
mujeres víctimas de violencia sexual y tortura durante el terrorismo de
estado. Asimismo, debe implementar instancias de resolución ad-hoc
para atender estos casos de grave vulneración a derechos humanos de las
mujeres evitando la perpetuación de la impunidad.
el exAmen Del comité PArA eliminAr lA DiscriminAción contrA
lA mujer Al estADo uruGuAyo
El 14 de julio de 2016 el Comité para eliminar la discriminación
contra la mujer (Comité CEDAW), órgano monitor de la Convención sobre
la eliminación de la discriminación contra la mujer (CEDAW, por sus siglas
en inglés) de las Naciones Unidas examinó, observó y recomendó al Estado
uruguayo respecto a la situación de las mujeres que sufrieron violencia basada
en su género durante el terrorismo de Estado (1973-1985).
En esta instancia la experta, Dra. Silvia Pimentel (Brasil) preguntó
al Estado por la situación de las mujeres denunciantes y dijo que sería
útil conocer las medidas que Uruguay está tomando para garantizar sus
derechos a estas mujeres que fueron víctimas de actos de violencia cometida
12
A la fecha de redacción de este informe, 26 de abril de 2015.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
304 |
por agentes del Estado durante el régimen dictatorial del periodo 1973-
1985. Asimismo, preguntó si se están tomando medidas para detener a
los autores y garantizar y compensar a las mujeres que fueron afectadas sus
derechos (CEDAW, 2016b).
Representando al Estado (por el Poder Judicial), contestó el
Ministro de Tribunal de Apelaciones en materia de Familia, Dr. Eduardo
Cavalli, quien armó que aunque numerosas denuncias sobre crímenes
cometidos durante la dictadura habían sido presentadas por mujeres, sólo
uno de los miembros de las fuerzas armadas fue llevado a juicio. Asimismo,
manifestó que se esperaba que los cambios en el modelo de procedimiento
penal en curso facilitaran la resolución de casos relacionados con estos
crímenes. También relató que a la fecha el gobierno había recibido 1.300
solicitudes de reparación y había concedido una reparación económica en
más de 200 casos y reparación simbólica en torno a 860 casos y que más
de 20 placas conmemorativas habían sido colocadas en los lugares donde
se habían producido violaciones de derechos humanos (CEDAW, 2016b).
La reparación a la que se refería la experta Pimentel no es la
implementada en el país que es para:
[…] las personas amparadas en la Ley 18.596. Ley de Reparación
Integral a las Víctimas de la actuación ilegítima del Estado en el
período comprendido entre el 13 de junio de 1968 y el 26 de
junio de 1973; y de la Ley 18.033 de recuperación de sus derechos
jubilatorios y pensionarios. Los beneciarios son: las personas que
estuvieron detenidas, las que fueron obligados a emigrar del país,
los hijos de los muertos, asesinados y desaparecidos, los niños
que permanecieron detenidos con sus padres, o que estuvieron
desaparecidos o que nacieron en cautiverio. (URUGUAY, 2010).
El esfuerzo del Estado uruguayo por colocar placas
conmemorativas es valorable, sin embargo, esta política de la memoria
transita por caminos distintos al reclamo de justicia, que continúa siendo
insuciente. Respecto de la mención que la entrada en vigencia del nuevo
Código de Procedimiento Penal facilitaría la resolución de los casos de lesa
humanidad pendientes, es importante señalar que este nuevo código sólo
rige para casos iniciados después de su entrada en vigor el pasado 1º de
noviembre de 2017.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 305
lA resPuestA Del comité ceDAw. lA ViolenciA Por rAzón De
Género contrA lA mujer DurAnte el réGimen De fActo.
En el párrafo 21 el Comité observó con preocupación la
ausencia de mecanismos especícos en el sistema de justicia uruguayo
para proporcionar reparaciones y compensaciones a las mujeres víctimas
de violencia sexual y otras violaciones de sus derechos humanos durante
el régimen de facto (1973-1985). También observó la falta de procesos
destinados a establecer la verdad acerca de las violaciones de los derechos
humanos de la mujer durante ese período.
Correspondientemente, el Comité recuerda su recomendación
general número 30 de 2013 sobre las mujeres en la prevención de conictos
y en situaciones de conicto y posteriores a conictos y recomienda al
Estado uruguayo: (i) que adopte una estrategia para enjuiciar y castigar
debidamente a los autores de violaciones de los derechos humanos de
la mujeres durante el régimen de facto; y (ii) que adopte medidas para
facilitar una pronta reparación, en particular las compensaciones y las
reparaciones simbólicas, para las mujeres que han sido víctimas de esas
violaciones (párrafo 22).
lAs DeuDAs PenDientes Del estADo uruGuAyo
El reconocimiento, investigación y sanción de estos delitos así
como la reparación a las víctimas no sólo son justos sino necesarios para
todas las mujeres que sufrieron violencia durante su encierro durante la
dictadura, para quienes denunciaron y para quienes no lo hicieron. Para
aquellas que están y para las que fallecieron esperando justicia pero cuyas
familias continúan en esa espera. Reparación que debe ajustarse a los
estándares del Derecho Internacional de los Derechos Humanos para que
sea integral y efectiva, en el marco del cumplimiento del deber de debida
diligencia del Estado uruguayo.
Reconocemos que en los últimos tiempos la escucha de los
operadores de justicia ha cambiado de un tiempo a esta parte, hay quienes
se capacitan por cuenta propia. Hay más interés en aggionarse al Derecho
Internacional de los Derechos Humanos y en sus obligaciones que
tienen como funcionarios encargados de hacer cumplir la ley. Pero, no es
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
306 |
suciente. La justicia camina pero camina muy lenta y los tiempos que se
toma el Estado para resolver no son los deseables.
El Estado uruguayo deberá organizarse internamente para
cumplir con las recomendaciones que le hizo el Comité CEDAW al
respecto. Tenemos conanza en que las autoridades sabrán cumplir con
sus obligaciones; que el Estado sancionará a los responsables; que reparará
a las mujeres en tiempo y forma, rearmando su respeto por los derechos
humanos y por el estado de derecho.
La respuesta a las víctimas también debe darse desde la clase política
mediante políticas públicas que garanticen la no repetición de estos hechos de
lo contrario el riesgo será de que la violencia contra las mujeres se perpetúe.
Creemos pues que, como lo señaló en 2006 el Secretario General
de las Naciones Unidas:
[…] la impunidad por los actos de violencia contra la mujer agrava
los efectos de dicha violencia como mecanismo de control. Cuando
el Estado no responsabiliza a los infractores, la impunidad no sólo
intensica la subordinación y la impotencia de quienes sufren
la violencia, sino que además envía a la sociedad el mensaje de
que la violencia masculina contra la mujer es a la vez aceptable e
inevitable. Como resultado de ello, las pautas de comportamiento
violento resultan normalizadas. (MANJOO, 2006).
3. lA Persecución y juzGAmiento De los crímenes De ViolenciA
sexuAl en ArGentinA: reVisAnDo buenAs PrácticAs
lA inVisibilizAción De los Delitos sexuAles en lA PrimerA etAPA De
juzGAmiento De justiciA trAnsicionAl
En la Argentina, la persecución y juzgamiento de los delitos
sexuales en carácter de crímenes de lesa humanidad es relativamente
reciente, pues en la primera etapa del proceso de justicia transicional, en
los primeros años de democracia, no existieron procesos penales donde
estos delitos fueran contemplados en su especicidad, a pesar de que desde
las primeras denuncias
13
y en el informe nal de la Comisión Nacional
13
Ver la denuncia realizada por varios exiliados que conformaron la Comisión Argentina por los DDHH
(CADHU), en marzo 1977, en Madrid, a un año de comenzada la dictadura. (CADHU, 2014).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 307
de Desaparición de Personas (CONADEP)
14
, surge que ellos fueron
cometidos de manera sistemática, en varios centros clandestinos del país,
con aval de la cadena de mando militar.
La dictadura cívico militar en la Argentina estuvo delineada por
un sistema represivo que no escapó del sistema de patriarcado dominante,
todo lo contrario, su imaginario refrendó y exacerbó esos roles sociales
de género y poder de la cultura y la estructura dominante
15
. Por ello,
las prácticas del sistema represivo están atravesadas por esa mirada y las
violaciones en los centros clandestinos no pueden sino reproducir ese
sistema de prácticas y ser un el reejo de ellas, como se explicó en la
introducción.
A pesar de la comprobación de la comisión de estos delitos con
estas características en todo el país de manera generalizada, ya desde el
mencionado Informe Nunca Más, su persecución penal presentó escollos
adicionales, derivados de una sociedad tradicionalmente patriarcal, un Poder
Judicial formado en esas bases tradicionalmente sexistas, con resistencia a
dar una escucha adecuada a las víctimas y con falta de sensibilización de
sus operadores.
Todas estas razones, derivaron en la invisibilización de los crímenes
sexuales en esta primer etapa que va desde el comienzo de la democracia,
el conocido Juicio a las Juntas, donde se juzgó la responsabilidad de varios
de los altos Comandantes en Jefe de las Fuerzas Armadas (FFAA)
16
, hasta
14
El primer presidente democrático, Raúl Alfonsín, creó en los primeros días de gobierno por decreto 187/83 la
CONADEP, Comisión integrada por personalidades destacadas que se ocupó de recibir denuncias, sistematizar
información y documentar los crímenes de la dictadura. Su informe nal de 1984 conocido como Nunca Más,
fue sin duda un hito en la lucha contra la impunidad, tuvo gran repercusión nacional e internacional y sirvió
de base para la realización de los primeros juicios criminales. En ese informe, los casos de violación se presentan
sólo con las iniciales de los denunciantes, para limitar la exposición de estas cuestiones (JELIN, 2017, p. 225).
15
El dictador Jorge Rafael Videla, en el juicio sobre el plan sistemático de robo de bebés, en julio de 2012,
expresó en sus palabras nales que las “mujeres embarazadas eran combatientes que usaron a sus hijos como
escudos embrionarios”, como si con ello se justicara la apropiación de sus hijos, pues en esa lógica, ellas serían
las culpables por haberlos sometido a esa situación de haber nacido en cautiverio (causa nro. 1351, Tribunal Oral
en lo Criminal Federal nro. 6 de la ciudad de Buenos Aires). Es claro que este modelo de mujer “combatiente
militante” “subversiva” atentaba contra el modelo de sociedad tradicional que proponía la dictadura, con el
lema “Dios, patria y hogar”, que pretendía mujeres sumisas que no opinaran, que permanecieran en el ámbito
de lo privado del hogar, cuidando a sus hijos y siendo buenas esposas.
16
El Juicio contra nueve miembros de las tres primeras juntas Militares, comenzó en abril de 1985, apenas un
año y medio después de nalizada la dictadura, y concluyó en diciembre de 1985 con la condena de cinco de
ellos. Declararon más de 800 testigos y se procesaron 700 casos sobre la base de los expedientes de la CONADEP.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
308 |
la clausura de los procesos por las leyes de impunidad y luego los indultos
presidenciales.
17
Miriam Lewin, periodista y sobreviviente del centro clandestino
que funcionó en la Escuela de Mecánica de la Armada (ESMA), resalta
que en 1985, en la audiencia oral del Juicio a las Juntas, cuando una mujer
sobreviviente de un centro clandestino relató haber sido violada en estado de
embarazo por el jefe militar de ese centro y también remarcó las violaciones a
otras mujeres, el juez que la interrogaba cambió de tema y no profundizó en
los delitos que ella denunció (LEWIN; WORNAT, 2014). Es claro que si los
jueces no estaban dispuestos a escuchar siquiera a las víctimas de estos delitos
y a considerar la comisión de esos crímenes, ellas no se sintieron habilitadas
a denunciarlos. Tuvieron que pasar varias décadas para que la escucha del
Poder Judicial se modicara, al menos parcialmente
18
.
En ese célebre Juicio a las Juntas, las violaciones fueron
consideradas como parte del delito de tormento, sin que se considerara ese
plus especíco que representa la agresión sexual, a pesar de que la Fiscalía
en su alegato nal consideró las violaciones como uno de los delitos
cuyas órdenes eran dadas desde la cabeza del aparato estatal
19
. Es decir, la
posición de la Fiscalía fue incluir estos delitos dentro del “plan sistemático
de represión”, como uno de los crímenes que los represores podían cometer
masivamente en razón de las particularidades de funcionamiento de los
centros clandestinos y de la libertad de acción que se dio a los ejecutores
del sistema. No obstante, la sentencia no calicó las conductas teniendo
en cuenta el delito de violación autónomamente, sino que consideró los
17
Luego de la sentencia del Juicio a las Juntas, la corporación militar prestó resistencia a la continuación de otros
procesos, se produjeron levantamientos militares y negativas a cumplir la orden de presentarse a la justicia. Ante
ello, el gobierno cedió a las presiones y se sancionaron dos leyes: ley nro. 23492, del 23/12/86, conocida como
“ley de punto nal” que jó un plazo perentorio luego del cual no era posible avanzar con las investigaciones
penales y ley nro. 23.521, conocida como “obediencia debida”, del 4/6/87, que establecía una presunción legal
sin prueba en contrario según la cual el personal de menor rango no era punible por los crímenes de la dictadura
por haber cumplido órdenes superiores. Posteriormente, el ex Presidente Carlos Menem dictaría indultos en
1989 y 1990 a pocos imputados que continuaban siendo investigados y a los Comandantes que habían sido
condenados en el Juicio a las Juntas, con el argumento de una alegada necesidad de “pacicación nacional” y
reconciliación”.
18
Incluso luego de la reapertura en 2003, en los primeros juicios orales, también existieron casos de víctimas
que relataron abusos sexuales y no fueron escuchadas debidamente o hasta se les pidió que no hablaran de ello,
por no formar parte del objeto del juicio.
19
Un análisis detallado de ello, puede verse en Duy, María Virginia, “El inerno de las Anónimas: un
compromiso pendiente para la Justicia argentina”, en Sonderéguer, María y Correa, Violeta (comp), Género y
poder, Universidad Nacional de Quilmes, Bernal, 2012, p. 222/228.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 309
vejámenes sexuales como una forma más de tormento (SONDERÉGUER;
CORREA, 2012).
Así podemos armar que durante ese juicio, primaba la concepción
de un sujeto “neutro” como víctima sin consideración de las condiciones
particulares de la víctima, por ejemplo, el género. En consecuencia, la
justicia no consideró tradicionalmente este delito en su justa dimensión,
con una mirada respetuosa de las particularidades de género.
Es más, debe tenerse presente que las violaciones y otros delitos
sexuales fueron excluidos de la ley conocida como “obediencia debida
20
una de las leyes de impunidad que paralizó los primeros procesos, junto
con otros delitos como la apropiación de bienes y la sustracción de
niños. Ello equivalía a considerar que estos delitos eran ocasionales y no
cometidos sistemáticamente, es decir, se los entendía producto de “excesos
individuales y no parte de la misma lógica represiva.
Sin embargo, si bien la persecución penal estaba habilitada,
no existieron en los años de impunidad denuncias especícas por estos
crímenes, como sí ocurrió con el caso de las sustracciones de niños que
fueron denunciadas tenazmente por “Abuelas de Plaza de Mayo”.
En esos años 90 podría haberse intentado una nueva denuncia
para forzar al Poder Judicial a revisar su posición sobre estos delitos no
amparados por las normas de impunidad, tal como se hizo con los casos de
apropiación de niños
21
. Se ha señalado incluso que ello es incomprensible si
pensamos que en la década del 90 se incorporaron nuevos y contundentes
instrumentos internacionales sobre los derechos de las mujeres que fueron
incorporados con jerarquía constitucional en la reforma del año 1994
(DUFFY, 2012).
20
“La presunción establecida en el artículo anterior no será aplicable respecto de los delitos de violación,
sustracción y ocultación de menores o sustitución de su estado civil y apropiación extensiva de inmuebles”. Art.
2 de la ley 23.521 de Obediencia Debida, del 9/6/1987.
21
Se planteó por parte de las Abuelas de Plaza de Mayo, en el año 1996 –en plena etapa de impunidad-, una
denuncia especíca por el plan sistemático de apropiación de niños que luego de un largo trámite, culminó en
el año 2012 con una sentencia donde se declaró que ese plan efectivamente existió y que el delito fue cometido
en forma sistemática. Con ello, se revirtió la posición que se había tomado en el Juicio a las Juntas, donde sólo
se probaron unos pocos casos de apropiaciones. Por el contrario, para el momento de la denuncia en 1996, las
Abuelas habían logrado demostrar la sistematicidad y un gran número de casos de apropiaciones de niños por
parte de las FFAA ya restituidos a sus familias, y numerosos testimonios sobre estas prácticas en los centros
clandestinos de detención.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
310 |
Tal vez la falta de visibilización puede explicarse porque el enfoque de
los testimonios en los años ochenta estaba dado en probar la existencia del plan
de represión y a conceptualizar la desaparición. Este objetivo general opacó las
vivencias individuales que, aunque mencionadas, quedaron en un segundo
plano frente a la necesidad de probar la desaparición y extermino. Recién en los
juicios por la Verdad desde nes de los 90 algunas víctimas se explayaron por
primera vez en relatar sus propios padecimientos y denunciaron abusos sexuales
y, más adelante, con la reapertura de las causas los dichos de los sobrevivientes
revalorizaron sus vivencias y pusieron el acento en su experiencia personal
(BALARDINI; OBERLIN; SOBREDO, 2011).
Especícamente, muchas mujeres narran sus recuerdos desde la
posición tradicional del rol de la mujer, como testigo de los sufrimientos de
otros. Esta identidad ligada al cuidar y atender a otros, implica desdibujar
sus vivencias y obtura su propia visión de lo ocurrido (JELIN, 2017).
seGunDA etAPA De lA justiciA trAnsicionAl: lA reAPerturA De lAs
cAusAs y lAs lucHAs PArA VisibilizAr lA ViolenciA sexuAl
Sin duda, el desarrollo del derecho penal internacional, la cuantiosa
jurisprudencia sobre delitos sexuales de los tribunales internacionales ad hoc
para Ruanda y Yugoslavia, y la tipicación de la violencia sexual como crimen
de lesa humanidad en el Estatuto de la Corte Penal Internacional aprobado
en 1998, contribuyeron a formar un corpus jurídico que permitía incidir en
los tribunales nacionales y las experiencias de justicia transicional.
22
A partir del año 2003, luego de la reapertura de las causas de lesa
humanidad, por la declaración de nulidad de las leyes de impunidad
23
, la
22
Ver Casos “Akayesu” del Tribunal Penal Internacional para Ruanda, 1998 y casos “Delalic”, 1998, “Furundzija”,
1998, “Kunarac” 1998 y “Foca”, 2002, Tribunal Penal Internacional para la ex Yugoslavia, donde se destaca que
es inválido el consentimiento si se da en un contexto de violencia generalizada y se realiza una diferenciación
entre tortura y violación como delito autónomo.
23
En marzo de 2001 un juez federal declaró por primera vez la nulidad de las leyes de Punto Final y Obediencia
Debida, en el caso “Simón”, por ser incompatibles con las obligaciones internacionales del Estado, decisión
conrmada luego por el tribunal de apelaciones. En agosto de 2003, el presidente Néstor Kirchner envió
al Parlamento un proyecto de ley para declarar nulas esas leyes, dejándolas sin efecto, el cual fue aprobado
mediante ley nro. 25.779. También se otorgó rango constitucional a la Convención sobre Imprescriptibilidad
de los Crímenes de Guerra y de Lesa Humanidad, por mayoría especial parlamentaria, mecanismo previsto
en la Constitución Nacional. Ante ello, los tribunales debieron reabrir las causas clausuradas en los años 80
y reanudar las investigaciones, a la vez que de a poco se iniciaron nuevas causas. En julio de 2005, la Corte
Suprema conrmó la decisión del caso “Simón” y convalidó la ley 25779. Posteriormente, también se declararon
inválidos los indultos.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 311
cuestión de la violencia sexual tardó en salir a la luz y recién en 2010, ya
con un proceso de justicia consolidado, y múltiples sentencias en varios
puntos de país, se condenó por primera vez por violencia sexual como
delito de lesa humanidad.
Se trataba de la causa conocida como “Molina
24
, en la que el
Tribunal Oral Federal de Mar del Plata dictó la primera condena a un ex
subocial de la Fuerza Aérea como autor directo, del delito de violación
sexual por dos hechos cometidos contra dos mujeres que se encontraban
cautivas en el Centro Clandestino de Detención (CCD) “La Cueva”,
ubicado en las afueras de la Base Aérea de la ciudad de Mar del Plata,
Provincia de Buenos Aires. Durante la investigación de la causa, el juez no
había considerado suciente el solo testimonio de la víctima, y la Fiscalía
debió pelear fuertemente el avance de la imputación para llegar a juicio
oral, sumando nuevas pruebas.
En la sentencia se remarcó que estos hechos “no constituían
hechos aislados sino que formaban parte de las prácticas ejecutadas dentro
de un plan sistemático y generalizado de represión llevado a cabo por las
Fuerzas Armadas” y se resaltó que ocurrieron como parte de un ataque
sistemático y generalizado
25
llevado adelante por agentes del Estado, contra
la población civil, en el marco de un plan clandestino e ilegal de represión
instaurado en la última dictadura cívico militar Argentina.
De las estadísticas de los organismos especializados que recopilan
estos datos, surge que hasta mayo de 2017, se dictaron 19 sentencias en
Argentina donde se condenó por crímenes de violencia sexual, con un total
de 79 condenados (77 hombres y 2 mujeres) por delitos de abuso sexual,
violación sexual y aborto forzado por los casos de 64 víctimas (58 mujeres y
6 hombres). Se trata de 18 sentencias denitivas de tribunales orales federales
con condenas por crímenes de violencia sexual perpetrados en distintas
24
Causa Nº 2086 y su acumulada Nº 2277, del registro del Tribunal Oral Criminal Federal de Mar del Plata, 16
de junio de 2010. Sentencia conrmada por la Cámara Federal de Casación Penal, Sala IV, el 17 de febrero de
2012, causa n° 12.821. Unos meses antes, el 12 de abril de 2010 en la causa “Barcos”, el Tribunal Oral Federal
de Santa Fe había establecido en una sentencia de condena que los abusos y violación sexuales cometidos en
el marco de la represión ilegal en los centros clandestinos en dictadura constituían una forma particular de
tormento y por ello un delito de lesa humanidad. Si bien ésta fue la primera sentencia que considera los delitos
sexuales como delitos de lesa humanidad, no calicó autónomamente los hechos sino que los subsumió en el
delito de tormentos.
25
Ver la inclusión de violencia sexual como crimen de lesa humanidad en el Estatuto de la Corte Penal
Internacional, aprobado en 1998, art. 7 y ss.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
312 |
regiones del país (ciudad de Buenos Aires, Provincia de Buenos Aires, Mar
del Plata, Santiago del Estero, Tucumán, Salta, San Juan, San Luis, Santa
Fe, Córdoba, La Rioja, Misiones) y otra condena emitida directamente por
la Cámara Federal de Casación Penal - tribunal de revisión de las sentencias
de los tribunales orales- haciendo lugar a un recurso de la scalía. De las
18 sentencias de tribunales orales, 6 fueron revisadas por ese tribunal de
revisión, máximo tribunal en lo penal del país.
26
Sin embargo, el proceso de visibilización y condena de los crímenes
sexuales en Argentina tampoco fue fácil ni surgió espontáneamente, sino que,
antes bien, fue producto de varios factores que conuyeron y se potenciaron.
Nos proponemos entonces revisar un conjunto de buenas
prácticas que allí se llevaron adelante para repensar las prácticas llevadas
adelante en el Uruguay, pues sin duda el camino recorrido por Argentina
marcó un camino para el resto de la región en materia de juzgamiento de
los crímenes de lesa humanidad.
Por un lado, incidió la lucha de las organizaciones de Derechos
Humanos, feministas y estudios académicos pioneros
27
, que no sólo militaron
activamente para visibilizar los crímenes sexuales sino que generaron insumos
de trabajo para los operadores judiciales y abogados en general.
Por otro lado, entre las medidas más importantes del proceso
de justicia argentino, fue signicativa la temprana creación dentro
26
Consulta realizada en mayo de 2017 con Daiana Fusca, abogada de la Procuraduría de Crímenes contra
la Humanidad (PCCH), PGN, Argentina, que trabaja con la sistematización y recopilación estadística por
crímenes de violencia sexual. La reseña y los datos de las sentencias también son extraídos de un nuevo
documento de trabajo de la PCCH denominado “Investigación de crímenes de violencia sexual perpetrados
durante el Terrorismo de Estado desde una perspectiva de género”, Capítulo IV, “La violencia sexual en la
jurisprudencia nacional”. De la consulta también surge que con relación a la forma de autoría y participación
atribuida en esas sentencias, de los/as 79 imputados/as condenados/as por crímenes de violencia sexual, 13
fueron condenados como autores directos, 34 como coautores, 14 como autores mediatos, 16 como partícipes
necesarios o cómplices primarios y 2 como partícipes secundarios. En conclusión, los modos de atribución de la
autoría son variados y no se ciñen sólo a la autoría directa.
27
Tanto la Universidad Nacional de Lanús como la Universidad Nacional de Quilmes venían trabajando para
visibilizar estos delitos, en el proyecto conjunto “Violencia sexual y violencia de género en el terrorismo de
Estado: Análisis de la relación entre violencia sexual, tortura y violación a los derechos humanos”, desde el
2006, con nanciamiento de la Comisión de Investigaciones Cientícas de la Provincia de Buenos Aires, según
surge del libro Género y Poder, ya citado y del video “Violencia sexual y Violencia de género en el Terrorismo
de Estado”, disponible en https://vimeo.com/39985657. Ver también, https://www.pagina12.com.ar/diario/
suplementos/las12/13-5022-2009-07-03.html. Acceso en: 06 jul. 2017.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 313
de la órbita de la Procuración General de la Nación (PGN)
28
, de una
Fiscalía especializada en el tema de crímenes contra la humanidad, que
diseñó una política pública especíca
29
. Así, tanto la Unidad Fiscal de
Coordinación y Seguimiento de las Causas por Violaciones a los Derechos
Humanos cometidas durante el Terrorismo de Estado, como su sucesora,
la Procuraduría de Crímenes contra la Humanidad (PCCH), fueron
organismos especícos dentro de la Fiscalía General para el relevamiento y
monitoreo de las causas por los crímenes cometidos en ese contexto, y para
coordinar con los scales estrategias de investigación y colaborar con otros
poderes del Estado en las acciones institucionales para la protección de los
testigos y el avance de los procesos.
Sin embargo, en la primera unidad especializada, el tema de la
violencia sexual no fue un tema prioritario ni emergente en los primeros
documentos de trabajo
30
, más allá de algunos planteos de scales aislados,
pero lo cierto es que no fue parte de la estrategia de la Fiscalía especializada
desde un comienzo. Es más, las primeras causas iniciadas especícamente
por violencia sexual, fueron impulsadas por las querellas de organizaciones
no gubernamentales, muchas veces luego de que en los primeros juicios
relativos a los más importantes centros clandestinos, el tema de la violencia
28
La PGN es el equivalente al Ministerio Público Fiscal o la Fiscalía General de la Nación en el Uruguay. Es
un órgano titular de la acción penal que representa los intereses generales de la sociedad; es autónomo, órgano
extrapoder, con independencia funcional desde 1994 en virtud de la última reforma constitucional. En 1998
se dictó la ley que regula su actuación, con posteriores modicaciones. Uno de los elementos centrales que
inuyeron en el proceso de justicia en causas por crímenes de lesa humanidad, es la posibilidad de dictar
instrucciones generales, es decir, pautas de actuación o interpretación legal como modo de garantizar principios
de unidad y coherencia que rigen el MPF y llevar adelante una política criminal eciente. Esta posibilidad fue
utilizada otorgando obligatoriedad a la línea de política criminal en materia de lesa humanidad.
29
Transcurrido un año desde la reapertura de las causas de lesa humanidad por ley 25.779, el entonces recién
designado Procurador General (equivalente al Fiscal de Corte en el Uruguay) Esteban Righi, y ante la necesidad
de recopilar información especíca y monitorear el seguimiento de las causas que se multiplicaban en todo el
país, y dada la especialidad de la temática que requería scales especializados y sensibles al tema, creó la Unidad
de Asistencia en Causas por Violaciones a los DDHH durante el Terrorismo de Estado en noviembre de 2004
(Resolución PGN 163/04). Posteriormente, en el año 2007, se creó la Unidad de Coordinación y Seguimiento
de las Causas por Violaciones a los DDHH cometidos durante el Terrorismo de Estado (Resolución PGN
14/07), con mayor personal y especicando más sus tareas. Esta misma Unidad fue rejerarquizada en el año
2013 por la actual Procuradora General Alejandra Gils Carbó, con el nombre de Procuraduría de Crímenes
contra la Humanidad (Resolución PGN 1442/13). Ver Resoluciones, informes, estadísticas, documentos de
trabajo, jurisprudencia y otros materiales disponibles en http://www.mpf.gob.ar/lesa/. Acceso en: 06 jul. 2017.
30
Por ejemplo, en la Resolución PGN 13/08, donde se señalaban algunos problemas vinculados al trámite de
las causas de lesa humanidad y se proponían estrategias de acción, no se hacía mención al tema violencia sexual.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
314 |
sexual apareciera en los testimonios pero no se le diera tratamiento y
consecuencias jurídicas adecuadas en las sentencias.
31
Estos organismos especializados de la Fiscalía General recogieron
la demanda de la sociedad civil y tomaron un rol activo y estratégico en
este punto a n de cumplir con las recomendaciones de los organismos
internacionales que habían señalado un décit en las investigaciones de
estos casos.
32
Efectivamente, ello quedó plasmado en los primeros informes de
esa Fiscalía especializada. Se apuntó allí que
Los nuevos juicios comienzan a ser el escenario en el que este
aspecto central de la práctica represiva instaurada poco a poco va
saliendo a la luz…Frente a la necesidad de analizar la incorporación
de una perspectiva de género a este proceso de juzgamiento, la
Unidad ha entablado relaciones con la asociación Womens Link
Worldwide y realizó reuniones de intercambio con representantes
de INSGENAR
33
y CLADEM
34
Argentina. (UNIDAD FISCAL,
2010, p. 10).
31
En julio de 2007 el CELS presentó la primera querella en la que se denunciaron las violaciones ocurridas
en el centro clandestino ESMA por parte de un marino como autor directo, dado que se había advertido que
éste era un aspecto concentracionario en la ESMA que estaba siendo dejado de lado. En junio 2009 se logra
un procesamiento por violación como delito autónomo aunque más tarde en 2009, la Cámara de Apelaciones
recalica la conducta como tormentos; la causa se encuentra actualmente en juicio oral junto con otros crímenes
cometidos en la ESMA (BALARDINI; OBERLIN; SOBREDO, 2011, p. 211-214).
32
Argentina recibió dos recomendaciones importantes sobre este tema para el avance de las causas por delitos
sexuales. Por un lado, el Comité de Derechos Humanos de Naciones Unidas en su informe sobre el estado
de cumplimiento del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos por parte del Estado Argentino,
consideró que si bien se advertían importantes avances en “la tramitación de las causas de los responsables de
graves violaciones a los derechos humanos durante la dictadura militar, recomendó al Estado Parte continuar
desplegando un esfuerzo riguroso en la tramitación de dichas causas, a n de garantizar que las violaciones graves
de derechos humanos, incluidas aquéllas con contenido sexual y las relativas a la apropiación de niños, no queden
impunes” (destacado se agrega), Comité de Derechos Humanos, 98° período de sesiones. Nueva York, 8 a 26
de marzo de 2010. Por otra parte, en las Observaciones Finales del Comité CEDAW, Recomendaciones n° 25 y
26 del Informe de 2010 para Argentina, se destaca que “25. El Comité encomia el empeño del Estado parte por
enjuiciar a los autores de los crímenes de lesa humanidad cometidos durante la pasada dictadura, pero lamenta
que no se hayan impuesto penas a los autores de delitos de violencia contra mujeres perpetrados por aquella época
en centros clandestinos de detención. 26. El Comité recomienda que se adopten medidas proactivas para hacer
públicos, enjuiciar y castigar los incidentes de violencia sexual perpetrados durante la pasada dictadura, en el marco
de los juicios por crímenes de lesa humanidad, de conformidad con lo dispuesto en la resolución 1820 (2008)
del Consejo de Seguridad, y que se concedan reparaciones a las víctimas” (el destacado se agrega).
33
Instituto de Género, Derecho y Desarrollo.
34
Comité de América Latina y el Caribe para la Defensa de los Derechos de la Mujer.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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Esto permitió acceder a material de doctrina y jurisprudencia
internacional sobre esta materia tan poco explorada por los tribunales
nacionales, según se reconoce em el informe citado.
Efectivamente, en febrero de 2010 CLADEM e INSGENAR
habían presentado un amicus curiae
35
en una causa en la que tanto el juez
como la Cámara de Apelaciones respectiva habían decidido no avanzar
con una investigación respecto de violaciones sexuales, por considerar
que habían sido eventuales y no sistemáticas y que por ello no constituían
crímenes de lesa humanidad; de esta manera, ya venían trabajando con
el tema y contaban con un estudio previo de la cuestión jurídica y los
antecedentes internacionales (SONDERÉGUER; CORREA, 2012).
En agosto, muy poco tiempo después de la condena en la
sentencia “Molina”, dos organizaciones de la sociedad civil, el Centro
de Estudios Legales y Sociales (CELS) y el Centro Internacional para la
Justicia Transicional (ICTJ), organizaron el encuentro “Derecho Penal
Internacional y Género
36
, al que concurrieron jueces, scales, funcionarios,
académicos, querellantes y miembros de organismos de derechos humanos,
donde se distribuyó material de Womens Link Worldwide
37
, del que luego
se nutrieron los operadores para su tarea diaria.
lAs meDiDAs De inciDenciA De lA uniDAD esPeciAlizADA en
el ámbito De lA fiscAlíA y De los tribunAles nAcionAles:
Documentos, Protocolos y otrAs HerrAmientAs
A partir de la creciente visibilización del tema desde la sociedad
civil y la academia, y luego de la primera sentencia judicial, la ya
mencionada Unidad Fiscal de Coordinación y Seguimiento comenzó a
realizar un registro de causas por violencia sexual y a relevar los obstáculos
para su avance. Luego de un estudio y un análisis detallado de la cuestión,
se elaboró en octubre de 2011 un valioso documento de trabajo titulado
“Consideraciones sobre el juzgamiento de los abusos sexuales cometidos en
35
Se traduce como “amigo del tribunal”; es una institución que permite a las organizaciones de la sociedad civil
especializadas, una opinión fundada sobre una materia controversial de derecho, en casos que se entienden relevantes.
36
Ver el resumen del Seminario en: http://eeas.europa.eu/archives/delegations/argentina/documents/press_corner/
seminario_sobre_derecho_penal_internacional_genero_programa_denitivo_es.pdf. Acceso en: 05 jul. 2017.
37
Ver el material disponible para su descarga en: http://www2.womenslinkworldwide.org/wlw/new.
php?modo=detalle_proyectos&tp=proyectos&dc=33 Acceso en: 05 jul. 2017.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
316 |
el marco del Terrorismo de Estado” (PROCURADURÍA, 2017)
38
que fue
distribuido a las scalías del país, con recomendaciones sobre el tema. El
Coordinador de esa Unidad reconoció que la necesidad de abordar el tema
se debió en parte por la demanda externa de organizaciones vinculadas al
tema que se habían acercado a plantear sus puntos de vista.
39
En ese documento, se daban argumentos para considerar
estos delitos como crímenes de lesa humanidad, con cita de doctrina y
jurisprudencia internacional, al margen de su frecuencia o sistematicidad,
siempre que sean parte de un ataque generalizado contra la población civil,
pues es la conexión con el ataque lo que torna al acto (delito sexual) más
grave, porque ocurre con dominio total de los captores y total indefensión
y vulnerabilidad para las víctimas
40
. Se recomendaba realizar su calicación
autónoma y no como delito de tormentos o tortura, pues ello desdibuja la
esencia particular de la agresión sexual y sus padecimientos. Su signicado
es distinto y se pone de relieve así una dimensión especíca del terror de
la dictadura. De lo contrario, equiparar dos delitos distintos oscurece el
contenido sexual especíco de la agresión que es la violación, distinta a la
tortura que puede adquirir otras formas.
También se analizaba y se recomendaba la posibilidad de imputar
con distintas formas de autoría y no sólo restringirla a formas de autoría
directa sino integrando la responsabilidad del responsable de una cadena
de mando por estos hechos, es decir, los superiores de los ejecutores.
Esto permite considerar a estos delitos no como “delitos de propia
mano”, como eran tradicionalmente considerados, poniendo en primer
plano el elemento del goce o lascivia del autor, sino, por el contrario,
haciendo foco en la víctima, entendiendo que es un delito de agresión y,
38
El Documento de trabajo fue posteriormente adoptado como instrucción general, por Resolución PGN
557/12, en noviembre de 2012, luego de la creación del Programa sobre Políticas de Género dentro de la
Procuración General, y se agregó la consideración sobre la gura de “aborto forzado”, recomendando
a los scales aplicar esa gura penal para no invisibilizar “una clara manifestación de violencia de género.
(PROCURADURÍA, 2017).
39
Ver la entrevista publicada en “Abusos sexuales y Terrorismo de Estado”, Victoria Ginzberg, Página/12, 12
de octubre de 2011, disponible en: https://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-178732-2011-10-12.html.
Acceso en: 06 jul. 2017.
40
En el citado documento de la PGN – nota 18- se explica que no se requiere que las violaciones sean sistemáticas
sino que el ataque a la población civil sea sistemático, como ocurrió en la dictadura argentina, y que el delito
(violación en este caso) se realice justamente con una vulnerabilidad mayor para la víctima porque ocurre en
el contexto de ese ataque, y por ello, se verica ese riesgo especíco y la imposibilidad de pedir auxilio, por el
contexto de impunidad.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 317
por ello, considerando la responsabilidad de todos los que contribuyeron a
esa agresión a su integridad y libertad sexual, aunque no lo hayan realizado
directamente con su cuerpo.
Las violaciones de personas secuestradas en las dictaduras en el
Río de la Plata fueron cometidas gracias al sistema de represión instalado
que anuló la capacidad de reacción de las víctimas en los contextos de
encierro clandestino, espacio por denición de coerción y donde reina un
estado de excepción permanente.
En efecto, fue todo el sistema que permitió los hechos de violencia
sexual, que necesariamente se cometían en grupo, pues independiente que
fuera uno o varios los violadores directos, eran muchos los que permitían
ese crimen, desde los otros guardas del centro clandestino, hasta el jefe
del campo de concentración, y todos los responsables de ese centro hasta
llegar a las máximas autoridades que diseñaron ese sistema de secuestro
donde las mujeres estaban en condición de máxima vulnerabilidad.
Así, en los últimos años fueron condenados como autores mediatos de
violación militares de alta jerarquía que pudieron no pisar los centros
clandestinos pero eran responsables por todo lo ocurrido allí, incluidas
las violaciones por considerarlas parte del “plan sistemático” y no hechos
aislados o individuales. Es evidente que sin la estructura especialmente
montada de los centros clandestinos, sin los recursos materiales y humanos
aportados por quienes tenían capacidad de mando y de decisión dentro de
las jerarquías militares, las violaciones no se hubieran cometido.
En otro apartado del documento mencionado “Consideraciones..”,
se analizaban otros obstáculos procesales y cuestiones probatorias. Los
obstáculos procesales referían a la necesidad o no de contar con el impulso
expreso de la víctima para iniciar la investigación, cuestión muy discutida y
que implica respetar su privacidad, teniendo en cuenta a su vez la obligación
de investigar estos graves crímenes
41
. Se armó que a partir de la dicultad
de contar con otra prueba directa distinta al testimonio de la víctima, se
41
Jelin reexiona justamente sobre los silencios en este punto como opciones personales, como modo de gestión
de la identidad, y sobre la presión que se ejerce sobre las mujeres para denunciar, cuya subjetividad se debate entre
transparentar su cuerpo y su intimidad y la urgencia de mantener la intimidad o recuperar una intimidad vejada,
guardada para sí o para compartir con quienes se elige hacerlo. Es claro que la represión violó la privacidad y la
intimidad y borró los límites entre público y privado. También es claro que para elaborar una memoria de esa
experiencia represiva que es pública, es necesario comunicarla y compartirla con quienes puedan comprender y, por
ello, la necesidad de habilitar un espacio de conanza y una capacidad real de escucha, pero respetando el derecho
al silencio cuando ello es una necesidad subjetiva para elaborar lo ocurrido (JELIN, 2017).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
318 |
debía realizar una valoración global de los hechos, incorporar prueba por
indicios, entre otras.
Efectivamente, por la propia clandestinidad de las conductas
es difícil obtener otros testimonios y se torna imposible por el tiempo
vericar lesiones. Sin embargo, a diferencia de otros delitos, se duda de
la palabra de la víctima, se la expone a explicar por qué no contó antes
lo sucedido, circunstancia que no puede restarle credibilidad dado que
se deben considerar las dicultades en relatar lo ocurrido y la falta de un
ambiente de escucha propicia según el caso. (BALARDINI; OBERLIN;
SOBREDO, 2011).
También se dejó establecido en el documento de la Unidad Fiscal
de Coordinación y Seguimiento que el hecho de que se trate de un acto
mientras se está privado de la libertad, sometido a torturas y amenazas, sin
posibilidad de auxilio legal, en un contexto de peligro permanente para la
vida, implica una situación de coacción que excluye la consideración del
consentimiento, por las propias características del cautiverio.
Esto implica que una mirada de género sobre estos delitos
exige que se incluya siempre y de modo relevante, incluso en los casos
de supuestas “relaciones” entre represores y cautivas, la consideración de
que estaba en juego la libertad y la vida de estas mujeres. En la literatura
sobre el tema se dice que “debieron haberse negado” o “resistirse”. Se las
tilda de “traidoras”, “quebradas
42
, se les adjudica culpa a estas mujeres,
lo que coloca a la víctima en lugar de responsable del crimen, y con esa
inversión se oculta el orden social que subyace a esa práctica y que la
sostiene (BALARDINI; OBERLIN; SOBREDO, 2011).
Por último, se realizaban recomendaciones especícas en aquel
documento sobre el trato a las víctimas de estos delitos, haciendo énfasis
en la necesidad de generar las condiciones apropiadas para que las personas
puedan relatar su experiencia, recomendando la aplicación de protocolos
42
Llama la atención incluso la falta de autocrítica sobre el tema en la literatura militante, ver por ejemplo,
Mujeres Guerrilleras, Ed. Planeta, Bs As, 2006, donde un ex militante hace referencia a las “quebradas” que
tuvieron relaciones con ejecutores de la represión, calicándolas de “relaciones voluntarias con un tinte
amoroso”.. “seducidas por hombres que tenían poder de vida y de muerte sobre ellas”, aunque reconoce que no
conoce casos duraderos. El ex militante de una organización política y militar asume sin más el consentimiento
de las mujeres en relaciones en un contexto de encierro represivo, por hombres que tenían poder de muerte
sobre ellas, cuando ni siquiera puede dar cuenta de esa continuidad fuera del contexto de encierro represivo,
lo cual podría ser otra cuestión diferente, sin problematizar la situación de las mujeres en esas condiciones. Al
respecto, ver el detallado análisis de esta cuestión, en Lewin y Wornat, Putas y guerrilleras, op. cit.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 319
especícos
43
, la aplicación de medidas para evitar la revictimización y la
consideración del stress post traumático.
Ese documento de la Unidad Fiscal de Coordinación y Seguimiento
fue central para que los scales impulsaran las causas por crímenes sexuales.
Los temas abordados ofrecieron una respuesta contemplativa desde una
mirada de género frente a obstáculos jurídicos y otorgaron herramientas
a los y las scales para aplicar en las causas penales por procesos de
lesa humanidad, repensando una interpretación del discurso jurídico
tradicional, y rompiendo así con patrones o estereotipos patriarcales en la
concepción de la violación y la violencia sexual en general que reejaban
esas interpretación de la ley con las que discute el documento.
La incorporación por parte de los y las scales de una mirada de
género en el juzgamiento de los crímenes sexuales es, sin duda, un avance
en la legitimación de estos procesos de justicia y, además, la utilización de
ciertos conceptos refuerza un poder simbólico del derecho y contribuye al
cambio de prejuicios sobre el tema.
Un año después, la Cámara Federal de Casación penal, máximo
tribunal penal del país, dictó una serie de reglas para el tratamiento de
causas complejas, en las que se incluían principalmente las de crímenes
contra la humanidad (REGLAS, 2012).
44
Allí se hacía especíca mención
a las víctimas de abuso sexual como un grupo especial respecto del cual
los jueces debían presentar especial atención a la hora de resolver su
comparecencia a la causa, cuando su integridad o salud mental pueda
ponerse en riesgo y se establecía que era necesario evitar la exposición
43
En la nota al pie nro. 56 del documento se mencionan dos protocolos armando que “contienen una muy
valiosa descripción de situaciones problemáticas referidas al trato de los testigos y propuestas concretas de
actuación por parte de la administración de justicia. Se trata, por un lado, del Protocolo de Intervención para
el Tratamiento de víctimas-testigos en el marco de los procesos judiciales, elaborado por el Centro de Asistencia a
Víctimas de Violaciones de Derechos Humanos “Dr. Fernando Ulloa”, de la Secretaría de Derechos Humanos
de la Nación, en septiembre de 2011, disponible para su descarga en https://encontroprogramadeprotecao.les.
wordpress.com/2011/11/protocolointervencionvictimas.pdf. Acceso en: 09 jul. 2017; y por otro lado, la Guía
de trabajo para la toma de testimonios a víctimas sobrevivientes de tortura, elaborado por el Centro de Estudios
Legales y Sociales (CELS) en marzo de 2012, disponible en http://www.cels.org.ar/common/documentos/
GuiaESP.pdf. Acceso en: 09 jul. 2017. Ver también el material audiovisual elaborado por el CELS, “Testimonios
de sobrevivientes de terrorismo de Estado que han declarado en causas penales por delitos de lesa humanidad”,
dando cuenta del trato recibido, en https://www.youtube.com/watch?v=EI-lxjSSbAg. Acceso en: 06 jul. 2017.
44
Ver en especial Regla Quinta.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
320 |
innecesaria y revictimizante, remitiéndose a reglas y conocidos principios
internacionales sobre el tratamiento de testigos vulnerables.
45
Siguiendo estos parámetros, varios tribunales debieron aplicar esos
lineamientos y crearon algunos propios, dada la dinámica propia de cada
proceso. Así, un tribunal federal en Tucumán, dictó su protocolo particular
para tomar declaraciones a personas víctimas de delitos sexuales, en un ejemplo
claro de activismo judicial. El protocolo recogía la aplicación de distintas
normas internacionales y, como novedad, incluía la posibilidad de desalojar la
sala de audiencias para resguardar a la víctima de estos delitos en su declaración
si ella así lo aprobare. También especicó que debía generarse un clima propicio
para que la víctima declare sin interrupciones.
46
La posterior sentencia de ese
proceso incluyó condenas a 19 imputados, incluida por primera vez una mujer,
por abusos y violaciones contra nueve víctimas mujeres.
47
Más tarde, en 2013, cuando se creó la Procuraduría de Crímenes
contra la Humanidad (PCCH) como continuadora de la Unidad Fiscal de
Coordinación y Seguimiento, se incorporó puntualmente como uno de
sus ejes de trabajo, la investigación de la violencia sexual y, como uno de
sus objetivos, la intensicación de los registros e investigación de casos de
abuso sexual cometidos.
48
Actualmente, ese organismo desarrolla distintas
acciones de incidencia a tal n.
45
Se citan la Declaración de Naciones Unidas sobre los “Principios fundamentales de justicia para las víctimas
de delitos y del abuso de poder” de 1985, el “Protocolo de Estambul” para la investigación de casos de tortura
y las “100 Reglas de Brasilia”.
46
Acordada 4/14 del Tribunal Oral Federal de Tucumán, en causa “Arsenal Miguel de Azcuénaga”.
47
Causa “Arsenal Miguel de Azcuénaga y Jefatura de Policía de Tucumán s/ secuestros y desapariciones
(Acumulación Exptes. A – 36/12, J – 18/12 y 145/09)”, Tribunal Oral Federal de Tucumán, 13-12-2013.
48
La Resolución PGN 1442/13, de creación de la PCCH realiza las siguientes consideraciones sobre la Violencia
Sexual: “La Unidad Fiscal de Coordinación identicó un signicativo número de casos de agresión sexual
que no habían sido objeto de imputación especíca como delitos sexuales o, incluso, que no estaban siendo
investigados en los procesos que se encuentran en marcha, pese a la existencia de testimonios y/o denuncias al
respecto. A partir de ello, se elaboró un informe en el que se realizaron consideraciones sobre la situación general
de estos procesos, y algunas propuestas jurídicas y prácticas orientadas a mejorar el tratamiento de estos casos.
No obstante ello, el seguimiento realizado indica que la actividad judicial en la materia resulta aún decitaria.
Así lo demuestra el hecho de que, a la fecha, se registren sólo dos condenas por delitos sexuales, calicados como
tales, cometidos en el marco del terrorismo de Estado que los calique como tales. A partir de este diagnóstico,
se diseñarán estrategias de actuación adecuadas para superar las dicultades registradas en cada jurisdicción.
Para la fecha de la Resolución, además de la sentencia “Molina” ya mencionada, se había logrado otra condena
en la Provincia de Santiago del Estero, donde se consideraba la responsabilidad del superior jerárquico que no
era el autor directo. Se trataba de la denominada causa “Aliendro” (Causa Nº 960/11, del registro del Tribunal
Oral en lo Criminal Federal de Santiago del Estero, del 5 de marzo de 2013), en la que se armó que los delitos
sexuales cometidos en el marco del Terrorismo de Estado, constituyen delitos autónomos, que son delitos de lesa
humanidad, y por lo tanto imprescriptibles. Se juzgaron numerosos hechos de personas que fueron secuestradas
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 321
La Fiscalía especializada entonces sistematiza y compila
información sobre este tema y difunde documentos generales con
consideraciones sobre los delitos sexuales, pautas a aplicar en la investigación
y toma de testimonios, y fundamentos jurídicos para entenderlos como
crímenes de lesa humanidad.
Estos documentos son de gran utilidad para los y las scales pues
facilitan la labor de compilación de jurisprudencia y plantean posibles
soluciones a diversos obstáculos.
Como parte de su plan de trabajo, la Procuraduría de Crímenes
contra la Humanidad en Argentina, entendió que era necesario sensibilizar
a los operadores, y para cumplir ese objetivo, se realizaron jornadas de
capacitación sobre estos temas con scales y funcionarios para compartir
experiencias
49
y se colaboró con la Ocina de la Mujer de la Corte Suprema
de Justicia a tal n.
Por otro lado, se advirtió la importancia de contar con información
precisa para poder comprender el estado de la cuestión y el nivel de avance
en las investigaciones. De esta manera, se emprendió un relevamiento de
todos los casos de violencia sexual expuestos en las causas penales y la
confección de un registro especíco sobre ello para monitorear, realizar un
diagnóstico, identicar obstáculos y determinar estrategias para incidir en
el avance de las investigaciones. Las acciones realizadas para centralizar la
información sobre los casos y las resoluciones judiciales, a n de evaluar
la situación en todo el país y poder difundir las buenas prácticas, fue de
gran relevancia y el análisis de todo ello permitió profundizar las líneas de
investigación en casos en los que se detectó que no estaban judicializados.
Debe señalarse también que estas causas judiciales son llevadas
adelante por personal especializado en la temática de crímenes de lesa
humanidad en unidades scales especícas, quienes cuentan además con
asesoramiento de la PCCH.
y mantenidas en cautiverio en centros clandestinos. Se condenaron 4 imputados (2 autores directos y 2 autores
mediatos) por los delitos de violación sexual agravada y abuso deshonesto a dos mujeres y un hecho de abuso
sexual a un hombre. La sentencia fue conrmada por la Sala IV de la CFCP, el 22 de junio de 2015 (Causa Nº
FTU 830960/2011/12/CFC1, caratulada “AZAR, Musa y otros s/recurso de casación”, Registro nro. 1175/15).
49
Ver noticia del 22-9-2014, en el portal de noticias ocial de ese organismo donde se da cuenta de esa Jornada
(JORNADA, 2014).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
322 |
Más recientemente, en abril de 2016, se difundió otro documento
de trabajo, “Pautas para la actuación de los y las scales en la investigación
de crímenes de lesa humanidad”
50
que compila y amplía anteriores
lineamientos y que menciona especialmente a los delitos sexuales,
recomendando medidas puntuales para la recepción de estos testimonios,
en un ambiente propicio y adecuado, resguardando la intimidad de la
víctima, en la misma línea en que lo venían sosteniendo otros tribunales
ya mencionados.
Por último, es importante mencionar la “Guía de actuación para los
Ministerios Públicos en la investigación penal de casos de violencia sexual,
perpetrados en el marco de crímenes internacionales en particular crímenes de
lesa humanidad”, que fue aprobada por unanimidad por los Fiscales generales
de la región en 2015, en la XVIII Reunión Especializada de Ministerios Públicos
del Mercosur (REMPM), propuesta por la PCCH en su rol de coordinadora
del “Sub Grupo de trabajo de delitos de lesa humanidad”.
Esta Guía contiene pautas para la consideración de los delitos
de violencia sexual, con una clara perspectiva de género con el objeto de
analizar y dar cuenta del impacto diferencial de las prácticas sobre hombres
y mujeres (art.2).
Mediante este documento, los Ministerios Públicos se obligan
a impulsar de ocio investigaciones serias y diligentes y a seguir ciertas
pautas sobre la investigación y judicialización de casos, incorporando el
enfoque interseccional (arts. 2 y 4). A la vez, se brindan herramientas para
guiar la actividad probatoria, por ejemplo, sobre la importancia de probar
el contexto en que se cometieron los delitos, incluso con peritajes de la
especialidad (art. 5).
En la mencionada Guía se deja establecido la necesidad de
visibilizar todos los delitos sexuales y calicarlos especícamente (art. 4);
la importancia de impulsar investigaciones contra todos los responsables,
cualquiera sea su forma de participación y el nivel de su autoría; la
obligación de respetar los derechos de las víctimas, garantizar su seguridad
y promover medidas de reparación integral (art.7). Se resalta también la
cooperación y asistencia entre los Ministerios Públicos rmantes para la
investigación de estos delitos (art.8).
50
El documento fue aprobado por la actual Procuradora General de la Nación, Alejandra Gils Carbó,
aconsejando su aplicación a los scales, por Resolución PGN 1154/16 (PROCURADURÍA, 2016).
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 323
Por último, merecen destacarse especialmente las pautas que
incorpora el documento para la toma de testimonios (art. 6), dirigidas
a evitar la revictimización y a fortalecer el efecto reparador del proceso
de justicia, entre ellas: brindar una escucha activa, atenta y respetuosa en
un ambiente cómodo y reservado, para ofrecerles conanza; evitar que
las víctimas tengan que repetir su declaración; limitar su exposición al
público para prevenir su stress; permitir la presencia de un acompañante
como apoyo; adoptar medidas para un abordaje psicosocial; no confundir
las manifestaciones del trauma con la falta de credibilidad al valorar su
testimonio; no preguntar detalles de los hechos sino sólo aquellos elementos
indispensables para probar la conguración del delito.
Este documento rmado por los Ministerios Públicos de todos
los países del Mercosur es por lo tanto plenamente aplicable al Uruguay, y
corresponde a la Fiscalía General su difusión y consideración a la hora de
realizar su actuación funcional en estos delitos sexuales, máxime teniendo
en cuenta la reciente creación de la Unidad Especializada en Género
(RESOLUCIÓN, 2016).
lA jurisPruDenciA en lA ActuAliDAD y el estADo De lA cuestión
A mayo de 2017, como se mencionó, existen 19 sentencias
sobre violencia sexual, muchas de ellas por casos ocurridos en centros
clandestinos de detención. Pero también se juzgaron casos de embarazo
forzoso, supuestos de esclavitud sexual, de aborto forzoso, y situaciones
donde las violaciones ocurrieron fuera de un centro clandestino aunque en
una situación de cautiverio en la propia vivienda de la víctima.
51
A modo de ejemplo, mencionaremos algunas de estas sentencias.
En “Sambuelli” (CAUSA, 2013) se juzgaron los crímenes ocurridos en un
centro clandestino que funcionó en la “Base Aérea” de la Brigada Aérea
de Reconquista, Provincia de Santa Fe. Allí se condenaron a 5 imputados
como autores directos de violaciones sexuales reiteradas a dos mujeres. Una
de ellas fue secuestrada y mantenida en cautiverio en la Base Aérea, donde
fue violada en forma reiterada, también fue violada en forma reiterada
en otro lugar en el que permaneció privada de su libertad, que no pudo
51
Los datos y las reseñas son tomados de un documento de trabajo que elabora la PCCH y que actualiza
periódicamente, el cual incluye datos estadísticos y la reseña de las sentencias dictadas en el país por violencia sexual.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
324 |
identicar, y posteriormente la mantuvieron secuestrada con su hermana
en su propia casa. La otra mujer, hermana de la anterior, fue mantenida
cautiva en su vivienda donde fue violada en forma reiterada, mientras se
encontraba embarazada y frente a sus hijos pequeños. Cuando nació su
hijo, fue separado de ella e inscripto ilegalmente como hijo biológico de
otras personas y recién muchos años después recuperó su identidad. El
cautiverio y las violaciones continuaron en la casa por un tiempo. Estos
hechos conguran esclavitud sexual, pero dada la carencia de un delito
especíco en el derecho interno, fueron calicados como violaciones
sexuales reiteradas.
Por otra parte, en la causa “Metán” (CAUSAS, 2014), se juzgaron
delitos de lesa humanidad en la Provincia de Salta. Se condenó a un
imputado como autor mediato y a dos como autores materiales del delito
de violación sexual reiterada contra una víctima mujer menor de edad. Los
hechos ocurrieron en una comisaría y en otros lugares no identicados; la
víctima fue sometida a esclavitud sexual durante un tiempo y luego fue
vendida” a un hombre de la zona. Durante su cautiverio a disposición de
los agentes policiales, tuvo un embarazo forzado y un hijo al que dieron en
adopción. Luego, tuvo dos hijos con el hombre al cual la vendieron. Más
allá de que los hechos podían calicar como embarazo forzado y esclavitud
sexual en el derecho internacional, ante la falta de esos delitos en el orden
jurídico interno, se calicó como violación agravada y otros. También se
resolvió hacer lugar a la demanda civil interpuesta por la víctima jándose
una indemnización que incluía terapia y medicamentos hasta el total
restablecimiento de su salud psíquica, daño moral, pérdida de chance
laboral, daño psíquico y daño al proyecto de vida.
Más recientemente, en un proceso en la Provincia de La Rioja
(CAUSA, 2016) se condenó entre otros delitos, por un caso de aborto
forzado contra una mujer. En la resolución se declaró que
[...] las mujeres que estuvieron detenidas en el marco de esta causa
y que conforme a los testimonios vertidos en la audiencia de debate
sufrieron algún tipo de vejamen o abuso sexual, fueron víctimas
de actos que, según la Convención Interamericana para Prevenir,
Sancionar y Erradicar la Violencia contra la Mujer -Convención de
Belém do Pará-, constituyen formas de violencia contra la mujer.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 325
La sentencia ordenó que se comunicara a “la Secretaría de
Derechos Humanos de la Nación y de la Provincia de La Rioja, y al Consejo
Nacional de la Mujer y a la Comisión Nacional Coordinadora de Acciones
para la Elaboración de Sanciones de Violencia de Género, (artículos 1, 2,
7 y 8 de la Convención de Belém do Pará)”.
Como se ha desarrollado, estas sentencias y otras son producto
de una serie de acciones que fueron impulsadas primero por la sociedad
civil y luego continuadas con otras medidas especícas por parte de los
organismos encargados de la persecución penal, en conjunto con una
creciente visibilización y sensibilización sobre el tema.
En el proceso de justicia actual por crímenes de lesa humanidad
en Argentina, se cuenta con variadas herramientas que permiten a los
operadores jurídicos avanzar en el juzgamiento de crímenes sexuales, con
una jurisprudencia consolidada y con actores formados para ello. A pesar
de ello, continúa siendo necesario realizar acciones de incidencia para
impulsar estos procesos aún más, pues la cantidad de casos de violencia
sexual ya juzgados es todavía un porcentaje muy inferior al total de
casos que están en proceso y al número de casos que efectivamente que
ocurrieron.
4. conclusiones
En el presente trabajo hemos expuesto una mirada general del
Derecho Internacional de los Derechos Humanos de las Mujeres y, en
particular, con relación a violencia sexual y tortura durante el Terrorismo
de Estado. Además, se revisó la situación de Uruguay en materia de justicia
para estos crímenes que todavía permanecen impunes.
Por otra parte, se repasaron un conjunto de buenas prácticas
para investigar los crímenes de violencia sexual durante el terrorismo
de Estado llevadas adelante en Argentina, cuyos órganos de persecución
penal diseñaron una estrategia para incidir en este tema que había sido
invisibilizado largos años, luego de que la sociedad civil advirtiera sobre
ello y realizara acciones propias.
Sabemos que los modelos y prácticas de enjuiciamiento no son
trasladables sin más de un país a otro, más allá de la similitud en la cultura,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
326 |
los hechos de juzgamiento y el contexto represivo general. En efecto, cada
país posee instituciones diferenciadas, una historia especíca, actores
particulares y una dinámica propia.
Sin embargo consideramos que revisar otras experiencias
enriquece la mirada sobre el proceso actual y puede aportar en el proceso
que creemos debe encarar Uruguay como sociedad y el Estado en el marco
de sus obligaciones con los derechos humanos, pues la investigación y
juzgamiento de estos delitos requiere de una mirada especializada, con
perspectiva de género, que piense críticamente las prácticas judiciales y
haga foco en particular en estos casos.
Con esta perspectiva, se revisaron los motivos del atraso de la
justicia en juzgar los crímenes sexuales cometidos en dictadura en Uruguay
y se reexionó sobre el silenciamiento e invisibilización de estos crímenes.
Si a pesar de los señalamientos de los comités monitores
internacionales a Uruguay, no fue posible hasta el momento instalar un
conjunto de buenas prácticas para el abordaje de estos delitos, la pregunta
por los motivos de esta inacción estatal aparece en primer plano. La
sociedad civil se ha movilizado y se ha planteado el tema, se han presentado
denuncias especícas y se visibilizó el tema antes silenciado, incluso en
lmografía reciente, en el largometraje “Migas de Pan” (MIGAS DE PAN,
2016), que se realizó con la colaboración de mujeres ex presas políticas.
Más allá de que la falta de voluntad política y de acciones
claras encaminadas al juzgamiento por parte de los órganos encargados
de persecución son evidentes, también la falta de diseño de estrategias
y políticas públicas adecuadas, tales como capacitaciones, protocolos,
difusión de materiales especícos, dirigidas a ese n no generan un clima
propicio para que los operadores se familiaricen y tengan presentes ciertas
buenas prácticas en el marco de las obligaciones del Estado que puedan
conducir a una más eciente administración de justicia y a una justicia
sensible al género.
Pero además, el recorrido realizado nos permite resaltar la relación
entre los casos de violencia sexual contra las mujeres ocurridos durante el
terrorismo de Estado y pensar sus continuidades hasta hoy. La impunidad
sobre los hechos del pasado nos interroga sobre la actualidad, pues todo
presente es el resultado histórico de un pasado. La pregunta sobre si las
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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expresiones de la violencia sexual en la actualidad pueden ser pensadas
como una continuidad o no con las violencias del pasado, se torna necesaria
para la reexión.
En esta relación presente- pasado se hace evidente la persistencia
de las violencias contra las mujeres basada en su género, la cultura de
impunidad, la insuciente democratización en las Fuerzas Armadas, fuerzas
de seguridad y Poder Judicial, su falta de sensibilización y capacitación
género-sensitiva, y el mensaje que la sociedad recibe de que “no pasa nada”.
Así, el silencio y la impunidad genera el mensaje de que la violencia a la
mujer es tolerada, de que no se hace nada para impedirla, lo que favorece
su perpetuación y la aceptación social del fenómeno, el sentimiento y
la sensación de inseguridad en las mujeres, así como una persistente
desconanza de éstas en el sistema de administración de justicia.
Una mirada de género en los procesos de justicia exige desarmar
cada uno de los conceptos con los que han sido considerados estos delitos
sexuales y pasarlos por el tamiz de la crítica para advertir qué construcciones
hicieron posibles esas concepciones y de qué forma pueden repensarse de
modo más respetuoso de los derechos de las mujeres. De esta manera,
[…] analizar el abuso y la violencia sexual en los centros clandestinos
permite identicar un núcleo duro de las relaciones de poder en el
cual el cuerpo de las mujeres es territorio de quien tiene ese poder.
Estas relaciones de poder están naturalizadas en la cultura por lo
tanto el tema de las violaciones no adquiere entonces jerarquía de
daño. (SODERÉGUER; CORREA, 2012, p. 299).
Deconstruir los silencios tiene así un efecto simbólico. Permitir
que salga a la luz ese horror hace posible que pensemos cómo, por qué, y
qué condiciones hicieron posible que ocurriera y poder elaborar propuestas
para que no vuelva a ocurrir. Permite comprender esas relaciones de poder
enraizadas en la cultura, cuestionarlas y pensar estrategias para desarmarlas.
Hacer visibles los crímenes de violencia sexual que han sido
invisibilizados, investigarlos y juzgarlos en los tribunales es una manera
de promover la palabra sobre este asunto silenciado, para seguir pensando
y desentrañando su signicado y sus continuidades en el presente. Esto
permitirá pensar formas especícas de reparación para las mujeres víctimas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
328 |
de violencia sexual durante el Terrorismo de Estado acorde con el deber de
la debida diligencia del Estado.
El discurso feminista tiene mucho que aportar en esta tarea pues
en ese silenciamiento pueden leerse las marcas del patriarcado: el cuerpo
de las mujeres como propiedad de los hombres; el pensar los crímenes
sexuales como crímenes contra el “honor”, “las buenas costumbres
y “el orden familiar” en lugar de pensarlos como agresión a la libertad
sexual e integridad física de la mujer; la culpabilización a la mujer pues
los sentimientos de humillación y vergüenza generan que las víctimas
silencien las graves violaciones a los derechos humanos como si tuvieran
responsabilidad en lo sucedido.
En la indagación sobre el pasado, surgen las articulaciones con el
presente, pues repensar los crímenes de la dictadura desde una perspectiva de
género nos permite pensar porqué ocurrieron, qué prejuicios y estereotipos
están en juego, cómo inuye la sociedad patriarcal en el mantenimiento de
la impunidad de esos crímenes, y qué de todo ello persiste en la actualidad.
Nos permite cuestionar el proceso por el cual las diferencias biológicas
conguraron determinadas relaciones jerarquizadas y de dominación entre
hombres y mujeres y analizar de qué manera esas relaciones y posiciones
perviven en la sociedad de hoy.
Los crímenes sexuales de ayer tienen las mismas marcas que los
de hoy.
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C  
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Tereza Cristina Albieri Baraldi
1. introDução
Este contém considerações sobre as diferenças conceituais
jurídicas existentes entre os delitos de Importunação Ofensiva ao Pudor,
Ato Obsceno e Estupro, previstos na legislação penal brasileira, delitos
esses que descrevem condutas de natureza sexual que, geralmente, a
mulher é a vítima, independentemente de quem seja o agressor (que, via
de regra, é homem). Dependendo da pena a ser aplicada (em tese) para o
agressor, paira uma sensação de impunidade quando os agentes públicos
encarregados da aplicação da Lei tipicam a conduta do agressor neste ou
naquele delito.
Ultimamente tem-se vericado uma crescente divulgação de
condutas realizadas publicamente (geralmente por homens), que possuem
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
334 |
conotação sexual e que acabam sendo categorizadas pela mídia como casos
de abuso sexual em público. Percebe-se também que, quando a grande
mídia divulga um desses casos, logo a seguir surgem tantos outros pelo
país afora.
Geralmente os repórteres das empresas que compõem a grande
mídia não são especializados na área criminal e, da maneira como noticiam
os casos, deixam a impressão de que a lei penal não é aplicada corretamente
aos agressores por causa do machismo que ainda paira na mentalidade
coletiva dos agentes públicos encarregados de aplicação da lei, motivos
pelos quais é comum ouvirmos, nesses casos de condutas de natureza
sexual em público denunciados, as expressões impunidade, contravenção
penal, crime, vácuo jurídico, machismo, entre outras.
Para se viver em sociedade de maneira mais ou menos pacíca,
consideramos ser imprescindível a existência de normas jurídicas que
disciplinem regras indispensáveis à convivência entre as pessoas que
a compõem. Dentre as diversas formas de controle social que visam
esse m, há aquela que impõe aos indivíduos a proibição da prática
de determinadas condutas, em relação às quais se prevê a aplicação de
sanções de natureza penal – o conjunto desse tipo de normas jurídicas
denomina-se Direito Penal.
Observe-se ainda, que o direito de punir do Estado não pode ser
exercido de maneira arbitrária. As sanções impostas pelo Estado por meio do
direito penal e direito processual penal são, muitas vezes, graves e atingem um
dos mais valiosos bens individuais existentes que é a liberdade das pessoas;
observe-se também que os efeitos drásticos que a aplicação das sanções penais
acarretam para a sociedade e para o indivíduo rotulado como “criminoso
causam implicações para o resto de sua vida, daí ser indispensável que a
incidência do Direito Penal se realize em consonância com os princípios
constitucionais que o norteiam e, em igual relevância, com a função por
ele exercida em um Estado Democrático de Direito: a proteção de bens
jurídicos relevantes à convivência social pacíca. E, ainda, que os agentes
públicos encarregados da aplicação da lei tenham pleno conhecimento e
responsabilidade no trato com esses casos (assim como com todos os casos
que a eles chegam), conforme estabelecido no Código de Conduta para os
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (1979), elaborado pela
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 335
Organização das Nações Unidas (ONU) e adotado e inserido na legislação
nacional pelo Estado Brasileiro (ONU, 1979).
O propósito deste texto é conhecer a maneira pela qual o direito
penal brasileiro trata, atualmente, esses delitos com conotação sexual, qual
a tipicação penal adequada, quais foram os critérios que o legislador
utilizou para tipicá-los dessa maneira e como os agentes do sistema de
justiça criminal brasileiro podem tratar essas questões.
2. os Delitos De nAturezA sexuAl no orDenAmento juriDico
brAsileiro
O termo delito, considerando-se a sua natureza de direito
penal, pode ser conceituado como a ação ou omissão voluntária (ou não)
penalizada pela lei de um Estado; de acordo com Silva (2004, p. 426),
delito é “[...] em sentido geral, aplicado para signicar ou indicar todo fato
ilícito, ou seja, todo fato voluntário, que possa resultar numa reparação,
sujeitando aquele que lhe deu causa às sanções previstas na lei penal.”;
desta forma, o delito corresponde a uma violação de normas penais que
acarreta uma sanção, uma punição para a pessoa que o pratica.
Vericando-se o direito penal brasileiro, podemos armar que
delito é gênero que contém duas espécies de condutas puníveis: o crime e a
contravenção. O critério para se categorizar uma conduta delituosa como
crime é a maior gravidade dessa conduta e a consequente punição e para se
categorizar como contravenção penal é a menor gravidade dessa conduta e
sua consequente menor punição, em relação àquelas condutas tidas como
criminosas. É a partir destes conceitos que iremos tratar a respeito de três
dos delitos de natureza sexual previstos na lei penal brasileira que são mais
comuns de acontecer (ou que são mais denunciados pelas pessoas).
No Brasil temos, atualmente os seguintes delitos de natureza
sexual no Código Penal que são mais noticados pelas vítimas (não
trataremos aqui da legislação especial, tais como Estatuto da Criança e do
Adolescente) adiante demonstrados:
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
336 |
Quadro 1 – Delitos de natureza sexual
Natureza do delito Contravenção Penal Crime Crime
Tipo penal Importunação
ofensiva ao pudor
Estupro Ato obsceno
Pena Multa. Reclusão, de 6 (seis) a
10 (dez) anos.
Detenção de 3 meses
a 1 ano ou multa
Proteção da lei
(objetividade
jurídica ou bem
jurídico protegido)
O pudor individual,
pessoal
A dignidade sexual
das pessoas
Ultraje e/ou violação
do pudor público
Fonte: Elaborado pela autora.
2.1 Análise DA imPortunAção ofensiVA Ao PuDor como
contrAVenção PenAl De nAturezA sexuAl
A Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de
3 de outubro de 1941) tipica o delito de Importunação Ofensiva
ao Pudor da seguinte forma: “Art. 61 - Importunar alguém, em lugar
público ou de acesso ao público, de modo ofensivo ao pudor. Pena –
multa.” (BRASIL, 1941).
Iniciamos a análise da descrição da conduta delituosa com o
conceito comum e jurídico dos termos utilizados pelo legislador.
De acordo com Houaiss (2009), importunar signica ocasionar
um desconforto, causar incomodo, incomodar persistentemente alguém
com palavras, gestos, pedidos inoportunos, desagradáveis.
Praças, ruas, praias, avenidas etc são considerações lugares
públicos porque são locais abertos, sem restrição de acesso. Não importa
o horário ou se há movimento de carros ou pessoas (podendo ser até de
madrugada, período em que há menos pessoas transitando), que o lugar
continuará sendo público porque é acessível a um número indeterminado
ou indeterminável de pessoas.
Já lugar aberto ao público tem um conceito um pouco diferente
do acima. Lugar aberto ao público é aquele que também é acessível a um
número indeterminado de pessoas, mas que exige uma condição para
entrada destas, como, por exemplo, ingresso, convite ou passagem (teatro,
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 337
cinema, arena, praia frequentada (que não é erma), estádio de futebol,
ônibus, trem, metrô, avião, navio etc). Diante desse conceito, o ambiente
virtual também pode ser considerado um ambiente acessível ao público.
Pudor, segundo Houaiss (2009), é o sentimento de vergonha,
de timidez, que a pessoa normal tem diante de certos atos que ofendem a
moral sexual. Neste caso, o pudor aqui é individual conforme ensina Silva
(2004, p. 1134) “[...] o recato ou o sentimento de vergonha, que se forma
intimamente na pessoa, em virtude dos modos honestos e bons costumes,
em que se fundou sua educação”.
A objetividade jurídica do legislador ao prever essa contravenção
penal foi a proteção do pudor individual, pessoal. Observe-se que o conceito
de pudor pode variar de pessoa para pessoa, motivo pelo qual uma pessoa
pode se ofender e outra não com o mesmo tipo de comportamento do
agente ativo.
Os elementos objetivos desse delito, de natureza penal, é exatamente
importunar uma (ou mais) pessoas de modo a ofender a moral sexual com
palavras ou gestos. Esse tipo de importunação visa a satisfação pessoal do
agente de importunar outra pessoa com palavras ou gestos com conotação
sexual - ex.: falar palavras obscenas para alguém, dar uma “cantada”, perseguir
alguém falando ou gritando palavras com conotação sexual, fazer gestos de
natureza de natureza sexual, como por exemplo, exibindo órgão sexual,
masturbando-se em público e outros atos dessa natureza.
Como elemento subjetivo desse delito temos a espontaneidade
do agente: as palavras, gestos de natureza sexual devem ser ditas/praticados
pela vontade livre e espontânea do agente, cujo objetivo é importunar a
outra, constrange-la com postura ofensiva ao pudor da outra pessoa – veja-
se aqui que o constrangimento acontece no momento em que o agente
profere as palavras ou os atos e não que o agente primeiro constrange
primeiro a(s) pessoa(s) para depois dizer as palavras ou realizar os atos.
2.2 Análise Dos crimes De estuPro e De Ato obsceno como
Delitos De nAturezA sexuAl
O Código Penal brasileiro (Decreto Lei nº 2848, de 7 de dezembro
de 1940) é estruturado em Títulos e Capítulos, conforme a proteção do
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
338 |
bem jurídico que ali está estabelecida (BRASIL, 1940). Em 2009 houve
uma alteração no Título VI do Código Penal brasileiro que trata dos
Crimes contra a Dignidade Sexual (antes dessa alteração, o Título protegia
os Crimes contra os costumes), conferindo-lhe mais atualidade, de acordo
com as demais normas e práticas sociais que surgiram ao longo desses
75 anos de existência do Código Penal brasileiro (Lei nº 12.015/2009)
(BRASIL, 2009).
Os Títulos do Código Penal cuidam do objeto (ou bem jurídico)
protegido tendo a função de gênero e os Capítulos tratam de temas
menores, relativos ao objeto do Título, na função de espécies do gênero.
Os crimes contra a Liberdade Sexual estão previstos no Capitulo I,
do Título VI do Código Penal e são eles: Estupro (art.213), Violação Sexual
Mediante Fraude (art. 214) e Assédio Sexual (art. 216-A). No Capítulo
II - Dos Crimes Sexuais contra Vulneráveis, estão previstos os crimes de
Estupro de Vulnerável (art. 217-A), Corrupção de Menores (art.218),
Satisfação de Lascívia mediante presença de Criança ou Adolescente (art.
218-A) e Favorecimento da Prostituição ou de outra forma de Exploração
Sexual de Criança ou Adolescente ou de Vulnerável (art. 218-B).
O crime de Ato Obsceno está previsto no art. 233, no Capítulo
VI que tem como objeto de proteção jurídica o ultraje público ao pudor.
Escolhemos analisar o crime de Estupro, na modalidade simples,
porque ele possui os elementos necessários para se estudar as demais espécies
do mesmo gênero; da mesma forma justicamos a análise do crime de Ato
Obsceno.
2.2.1 o estuPro como crime contrA A liberDADe sexuAl
O conceito de estupro é jurídico, ou seja, está estabelecido na lei
penal (Código Penal- Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940)
no art. 213 “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça,
a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique
outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.” (BRASIL,
1940). É espécie do gênero que tutela a Dignidade Sexual e, como tal, está
inserido no Capítulo que protege a Liberdade Sexual.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 339
A lei nº 12.015/2009, alterou a nomenclatura do Título VI, que
trazia a tutela dos Crimes contra os Costumes, atualizando-a para Crimes
contra a Dignidade Sexual, que tem uma abrangência maior sobre o tema
e se coaduna com o estabelecido no art. 1º, III, da Constituição Federal de
1988, como princípio fundamental do Estado brasileiro, com a proteção
da dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).
Para tratar analisar o conceito do crime de Estupro, usamos os
mesmos critérios utilizados para a contravenção penal de Importunação
Ofensiva ao Pudor. Constranger alguém signica forçar a pessoa a realizar
alguma coisa que ela não quer; signica obrigar, coagir, impor.
Por violência entende-se o emprego de força física ou intimidação
oral contra a pessoa. A grave ameaça signica usar de intimidação,
constrangimento, promessa de causar mal injusto para outra pessoa –
note-se, aqui, que a ameaça deve ser de realização de algo que seja crível,
possível de ser realizado.
Conjunção carnal é uma expressão antiga, sinônimo de relação
sexual. Ato libidinoso é qualquer outro ato de natureza sexual que não seja
o ato sexual em si (relação sexual).
A objetividade jurídica do legislador ao prever esse crime foi a
proteção da liberdade sexual da pessoa, independentemente de sexo ou
gênero, tanto para o sujeito ativo quanto para o sujeito passivo do crime.
Os elementos objetivos do crime de estupro são a violação
da liberdade pessoal com violência ou mediante uma ameaça, um
constrangimento que cause temor à vítima a ponto de ela não resistir e
permitir que o ato sexual ou libidinoso aconteça.
O constrangimento ou a ameaça utilizada para a realização do
ato sexual ou de outros atos libidinosos não consentidos pela vítima devem
ser realizados com dolo, com intenção livre e espontânea do agente, é o
elemento subjetivo do crime de estupro. O objetivo do agente é satisfazer
seus desejos sexuais por meio de violência ou grave ameaça. Note-se
que o crime de estupro é um crime grave, com penas severas, mesmo o
denominado “estupro simples” (não há agravantes).
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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2.2.2 o Ato obsceno como crime contrA o ultrAje Ao PuDor
Público
O conceito de Ato Obsceno é jurídico, ou seja, está estabelecido
na lei penal (Código Penal), no Art. 233 “Praticar ato obsceno em lugar
público, ou aberto ao público. Pena – detenção de três meses a um ano,
ou multa.” (BRASIL, 1940). É espécie do gênero que tutela a Dignidade
Sexual e está inserido no Capítulo VI que protege o Ultraje público.
Analisamos este crime com os mesmos critérios utilizados para o
de Estupro. Ato obsceno é a manifestação corpórea de caráter sexual que
ofende o pudor público.
Lugar público é aquele em que um número indeterminado e
indeterminável de pessoas tem acesso, como por exemplo praça, rua, praia,
e não importa o horário que o ato acontece, ou mesmo se há movimento
de carros ou pessoas naquele lugar; pode ser assim considerado até de
madrugada, período da noite com improvável trânsito de pessoas - o lugar
continuará sendo público.
O lugar aberto ao público é aquele que também é acessível a um
número indeterminado ou indeterminável de pessoas, mas que exige uma
condição para entrada, o acesso destas; esta condição pode ser, por exemplo,
passagem, ingresso ou convite (ônibus, metrô, avião, trem, teatro, cinema,
arena, praia frequentada (que não é erma), estádio de futebol etc).
Pudor é entendido como o sentimento de vergonha, de timidez,
que a pessoa normal tem diante de certos atos que ofendem a moral sexual
– este conceito é do pudor individual.
Pudor público, segundo Silva (2004, p. 1135), “[...] é o decoro
público, ou sentimento coletivo a respeito da honestidade e decência dos
atos, que se fundam na moral e nos costumes”. É o padrão médio de pudor
da sociedade, portanto varia no tempo e no espaço (no local onde ele
acontece, por exemplo um determinado ato que acontece em uma cidade
do interior onde se mantém costumes tradicionais, comparado com o
mesmo ato que acontece na cidade grande onde se possuem valores morais
diferentes), período em que se acontecem as coisas que se podem tolerar
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 341
como “normal” ou não: ex: carnaval, baile funk, grandes festas como festa
do peão etc.
1
A objetividade jurídica do legislador ao prever esse crime foi a
proteção do pudor público (não se protege uma pessoa certa e determinada,
nem um grupo de pessoas e sim a lei tenta proteger o pudor de um número
indeterminado e indeterminável de pessoas).
Os elementos objetivos deste crime é a prática do ato obsceno.
Ato obsceno não é sinônimo de ato libidinoso (que visa à satisfação sexual),
o objetivo do ato obsceno não é satisfazer prazer sexual, contudo para se
praticar um ato obsceno basta que o ato tenha cunho sexual. Ex.: mostrar
os seios, exibir o pênis são atos de natureza sexual.
Como elemento subjetivo do crime de Ato Obsceno temos que
o ato de natureza sexual deve ser praticado pela vontade livre e espontânea
do agente. Não é exigida nenhuma nalidade especial do agente, ou seja,
não se exige que ele queira escandalizar alguém com seu ato; não precisa
haver intenção de ofender, mas apenas a de praticar o ato obsceno. Ex. A
pessoa pode querer protestar contra alguma coisa e, para isso, tira a roupa,
ca nua: mesmo que o protesto seja lícito, a pessoa praticará o crime de
Ato Obsceno.
3. consiDerAções finAis
Descrevemos acima alguns dos atos com conotação sexual que
são praticados contra indivíduos, ou contra a coletividade (um número
indeterminado ou indeterminável de indivíduos) e que são tratados pela lei
penal brasileira de maneira diferente, com punições diferentes, ensejando
dúvidas nas pessoas e prolongadas discussões fomentada pela grande mídia.
Os atos que atentam contra as pessoas e que possuem conotação
sexual são os mais variados possíveis. Seria praticamente impossível
descrever todos eles e estabelecer uma tipicação penal para puni-los
individualmente, caso sejam realizados.
Tramita no Senado Federal, mais uma proposta de Lei que,
se aprovada, criminalizará atos com conotação sexual diferentes dos
tentamos demonstrar que nesses grandes eventos se toleram atos que em outros, como por exemplo um evento
religioso, não se toleraria.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
342 |
já existentes no Código Penal: é o Projeto de Lei n° 740, de 2015, que
acrescenta o art. 216-B ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940 (Código Penal), para tipicar o crime de constrangimento ofensivo
ao pudor em veículos transporte coletivo e que pune o ato com reclusão do
sujeito ativo, que varia de 2 a 4 anos, além de multa.
Uma questão que se apresenta sempre que acontece um ato de
natureza sexual contra as pessoas, e que é noticiado pela grande mídia, é se
o autor do fato será preso ou não?
A primeira consideração a se fazer é que o Direito Penal não é
um instrumento de vingança privada e sim um instrumento legal para
a reconstituição da paz social quando esta é violada. Assim, acontecido
um fato determinado, existem os prossionais da área jurídica que são
especialistas em Direito Penal (Policiais de diversas carreiras, Delegados de
Polícia, Defensores Públicos, Advogados, Promotores de Justiça e Juízes de
Direito) com atribuições voltadas para a adequação dos fatos aos delitos
estabelecidos nas leis de natureza penal, bem como para a aplicação da
lei penal por meio de procedimentos legais (Termo Circunstanciado,
Inquérito Policial e Processo Penal).
Se o fato acontecido violar uma lei que permite que a autoridade
policial ou a judiciária estabeleçam ança como meio garantidor de que o
autor poderá responder seus atos delituosos em liberdade, ela será arbitrada
porque a lei assim o estabelece e não porque o agente Estatal não quer a
punição do sujeito ativo do delito. Se o fato acontecido for grave porque
a conduta do agressor se subsumi a um tipo penal mais grave, não poderá
ser arbitrada a ança, então ele responderá aos procedimentos penais com
restrição da liberdade, independentemente de quem foi o autor ou a vítima
do delito.
Ao se saber notícia do acontecimento de um fato delituoso com
conotação sexual, antes de se julgar se a conduta dos agentes da justiça
criminal envolvidos na investigação e no processo penal foi justa ou injusta,
há que se observar quais são os bens jurídicos (ou a objetividade jurídica)
que foram violados pelo agressor para, então, se vericar qual será o delito
que ele será responsabilizado.
Para as pessoas que defendem que há um vácuo jurídico para
tipicar condutas que poderiam ser criminalizadas e que estariam no meio
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 343
do caminho entre as descritas na lei penal como Ato Obsceno e como
Estupro, é preciso observar a questão com cuidado porque os bens jurídicos
protegidos pela lei são diferentes para cada um desses crimes.
A proteção da lei no caso do Ato Obsceno, é a violação do pudor
público, em local público ou acessível ao público e a proteção da lei no
caso do Estupro é da liberdade e dignidade sexual das pessoas (em local
público ou privado), como já foi dito anteriormente.
Particularmente, acredito ser difícil que a lei preveja todos os
atos que possam ferir o pudor público, ou individual, e a liberdade sexual
visando constituir tipos penais para sua penalização. Ainda, de acordo com
nossa experiência prossional, podemos armar que a grande maioria das
pessoas que cometem delitos sexuais não pensam (ou, se pensam, não se
preocupam) na possível pena que poderão sofrer caso sejam denunciados
por suas vítimas.
A existência da lei mais branda ou mais severa, mais ou menos
abrangente nos casos de crimes sexuais, ou nos casos de outros crimes
mais comuns, não nos parece suciente para inibir as condutas dolosas,
intencionais. Exemplo disso é a necessidade da judicialização de conitos,
que presenciamos na atualidade, em quase todas as áreas da nossa vida:
na política, na família, nas relações escolares, nas relações públicas, de
consumo entre outras.
Ainda, é importante consignar que em muitos casos de crimes
que envolvam questões sexuais, podemos estar diante de alguma patologia
do sujeito ativo, que deve ser cuidada de maneira multidisciplinar (jurídica
e terapêutica= saúde ) e isso é possível por meio de Medidas de Segurança,
previstas no art. 96 do Código Penal brasileiro (CP).
De acordo com o art. 96 do CP, as Medidas de Segurança são a
internação em hospital psiquiátrico e o tratamento ambulatorial. Deste
modo, além da nalidade curativa (se for uma doença mental e não uma
condição), a internação e o tratamento têm natureza preventiva especial,
objetivando que o agressor não volte a praticar os atos ilícitos que deram
causa ao procedimento penal.
A penalização mais efetiva para esses tipos de condutas delituosas
só pode acontecer por meio da aplicação correta da lei. Em todos os Estados
de Direito (naqueles em que a lei rege as relações entre Poder Público e a
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
344 |
Sociedade Civil e em que as leis são elaboradas por representantes escolhidos
pelo povo), só se concebe a penalização de condutas com previsão na lei.
O desejo popular deve ser externalizado e aceito se houver uma previsão
em lei e é por isso que a elaboração da legislação é uma das principais
atribuições dos parlamentares. Mas, não podemos ser iludidos pelo “canto
da sereia” porque a lei, por si só, não resolve os problemas do mundo
e nem mesmo os de natureza sexual – são necessárias políticas públicas
multidisciplinares para seu tratamento in totum.
referenciAs
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro.
Brasília, DF: Presidência da República, Casa Civil, 1940. Disponível em: www.planalto.
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| 345
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Circe Milena Zamorano Chávez
introDucción
La violencia de género se ha convertido en un tema de carácter
internacional pero, ¿qué ha pasado con las relaciones violentas entre
personas del mismo sexo? Los estudios intragénero y de masculinidades
han estudiado este tipo de relaciones sin embargo, las relaciones mujer
– mujer han sido poco estudiadas por el campo del feminismo. Esta tesis
tuvo como propósito analizar las relaciones de violencia entre mujeres
proponiendo el concepto de violencia de género entre mujeres con el
cual se estudio cómo se dan las relaciones de confrontación femenina en
la vida cotidiana establecidas dentro de la cultura patriarcal imperante. Lo
anterior desde una visión feminista y tomando en cuenta la mediatización
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
346 |
de la identidad de género tradicional en medios masivos de comunicación
grácos y audiovisuales.
La relevancia de esta investigación recae en estudiar las relaciones
violentas entre mujeres como un tema innovador; y si lo observamos desde
la teoría feminista, el trabajo social y los medios masivos de comunicación
se convierte en un tema de análisis multidisciplinario. La teoría feminista
proporcionó los argumentos teórico-metodológicos del estudio; los medios
masivos de comunicación otorgaron las herramientas para observar la
reproducción y normalización de las relaciones violentas entre mujeres y el
trabajo social nos permitió detectar y explicar la problemática social para
generar una estrategia de intervención.
1. ViolenciA De Género
Primero habrá que entender violencia como la situación cuando
se emplea fuerza física o amenazas que importen peligro de perder la vida,
la honra, la libertad, la salud, o una parte considerable de los bienes del
contratante, de su cónyuge, de sus ascendientes, de sus descendientes
o de sus parientes colaterales dentro del segundo grado (Artículo 1819
del Código Civil Federal). Al agregarle la categoría de género habrá que
entenderla como violencia de género, la cual hace referencia a cualquier
manifestación de agresión física, emocional, económica y psicológica que
afecte la integridad de la mujer; no se limita a la violencia física o sexual sino
que se ha extendido al campo laboral y según datos de la Encuesta Nacional
de 2011 retomada por la Dra. Julia Chávez en el artículo “Mujeres, Género
y Violencia una Visión Nacional”, la violencia nacional “está enfocada a las
situaciones de discriminación y el 20.6% de las mujeres armaron tener
menos oportunidades de crecimiento, de salario o de prestaciones, así como
también de discriminación por su situación conyugal o de planeación
familiar.” (Corporación Participación Ciudadana.S.F.PDF).
El tipo de violencia contra las mujeres no solo se limita al
ámbito privado, socialmente la violencia hacia las mujeres es mayor y
más frecuente a la aplicada a los hombres; este tipo de violencia se llama
violencia estructural, la cual “[...] implica un acceso diferenciado a los
benecios del desarrollo, una distribución desigual a la asignación de
recursos para sus miembros, diferentes oportunidades para obtener calidad
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 347
de vida.” (CHÁVEZ, 2005, p. 11). Para la doctora en Sociología este tipo
de violencia es el resultado del sistema social en que se encuentran los
individuos y es de tipo global en relación a las desigualdades, inequidades
y diferencias de oportunidades, no distingue entre esferas, fronteras,
soberanías nacionales ni culturales.
La violencia de género es un problema generalizado que se
encuentra en casi todas las sociedades, no es exclusivo de personas
con cierto nivel social o de algunos países; adopta muchas formas
y aparece en todos los ambientes: en el trabajo, en el hogar, en la
calle y en la comunidad en su conjunto. Durante mucho tiempo,
la violencia comunitaria se manifestaba al discriminar a mujeres y
hombres de ciertas ocupaciones, carreras u ocios. (ENDIREH,
2011, p. 53).
Pero la violencia de género no solo debe entenderse como un
ente individual, ya que socialmente la violencia ha permitido la evolución
y sobrevivencia a lo largo de la existencia humana, por esta razón la
violencia es toda una estructura biológica, económica, psicológica, social,
cultural, política y de enseñanza - aprendizaje; es una herencia cultural de
la humanidad (CHÁVEZ, 2005).
La violencia de género, como ente social, es fomentada y
reproducida por tres grupos de control social: la familia, la iglesia y la escuela
los cuales trabajan sobre las estructuras inconscientes de los individuos y
por tanto de la sociedad. La familia es el principal elemento de la enseñanza
y reproducción de los roles pues en ella se impone, desde instancias muy
tempranas, la división y representación sexual del trabajo. La iglesia cumple
con la función de inculcar la formación moral pro familiar, la cual al estar
basada en normas patriarcales, dogmatiza la inferioridad natural de las
mujeres con relación a los hombres acorde con los simbolismos de los textos
sagrados generando fuertes e irrefutables iconos sociales. En último lugar
tenemos a la escuela encargada de la reproducción de no solo fomentar
la estructura social patriarcal sino de la construcción del individuo, de la
imagen que se genera y de la relación dominante / dominado (hombre/
mujer, adulto/niño) (BOURDIEU, 2005).
La violencia de género se presenta como una consecuencia de la
estructura de poder patriarcal en la cual se identica a las mujeres como
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
348 |
objetos, como seres de segunda, como cuerpos de dominación y control.
La violencia de género se muestra de diferentes maneras en el desarrollo de
la sociedad, sin embargo es hasta la segunda mitad del siglo XX, y como
resultado del movimiento feminista, del desarrollo económico – político y
social, de las demandas por los derechos sociales y humanos, así como por
la incorporación de las mujeres al ámbito público, laboral y educativo
que este tipo de relaciones de poder del hombre hacia la mujer se han
identicado como situaciones de violencia de género.
1. 1. tiPos y moDAliDADes De lA ViolenciA De Género
En México existe desde el año 2007, la Ley General De Acceso De
Las Mujeres A Una Vida Libre De Violencia que dene tipos y modalidades
de la violencia contra las mujeres son:
ARTÍCULO 6. Los tipos de violencia contra las mujeres son:
(Párrafo reformado DOF 20-01-2009):
I. La violencia psicológica. Es cualquier acto u omisión que dañe
la estabilidad psicológica, que puede consistir en: negligencia,
abandono, descuido reiterado, celotipia, insultos, humillaciones,
devaluación, marginación, indiferencia, indelidad, comparaciones
destructivas, rechazo, restricción a la autodeterminación y
amenazas, las cuales conllevan a la víctima a la depresión, al
aislamiento, a la devaluación de su autoestima e incluso al suicidio;
(Fracción reformada DOF 20-01-2009)
II. La violencia física.- Es cualquier acto que inige daño no
accidental, usando la fuerza física o algún tipo de arma u objeto que
pueda provocar o no lesiones ya sean internas, externas, o ambas;
III. La violencia patrimonial.- Es cualquier acto u omisión que afecta
la supervivencia de la víctima. Se maniesta en: la transformación,
sustracción, destrucción, retención o distracción de objetos,
documentos personales, bienes y valores, derechos patrimoniales o
recursos económicos destinados a satisfacer sus necesidades y puede
abarcar los daños a los bienes comunes o propios de la víctima;
IV. Violencia económica.- Es toda acción u omisión del Agresor que
afecta la supervivencia económica de la víctima. Se maniesta a
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 349
través de limitaciones encaminadas a controlar el ingreso de sus
percepciones económicas, así como la
percepción de un salario menor por igual trabajo, dentro de un
mismo centro laboral;
V. La violencia sexual.- Es cualquier acto que degrada o daña el
cuerpo y/o la sexualidad de la víctima y que por tanto atenta contra
su libertad, dignidad e integridad física. Es una expresión de abuso
de poder que implica la supremacía masculina sobre la mujer, al
denigrarla y concebirla como objeto, y
Las modalidades son:
Artículo 7.- Violencia familiar: Es el acto abusivo de poder u omisión
intencional, dirigido a dominar, someter, controlar, o agredir de
manera física, verbal, psicológica, patrimonial, económica y sexual
a las mujeres, dentro o fuera del domicilio familiar, cuyo agresor
tenga o haya tenido relación de parentesco por consanguinidad
o anidad, de matrimonio, concubinato o mantengan o hayan
mantenido una relación de hecho.
Artículo 10.- Violencia Laboral y Docente: Se ejerce por las personas
que tienen un vínculo laboral, docente o análogo con la víctima,
independientemente de la relación jerárquica, consistente en un
acto o una omisión en abuso de poder que daña la autoestima,
salud, integridad, libertad y seguridad de la víctima, e impide su
desarrollo y atenta contra la igualdad. Puede consistir en un solo
evento dañino o en una serie de eventos cuya suma produce el
daño. También incluye el acoso o el hostigamiento sexual.
Artículo 11.- Constituye violencia laboral: la negativa ilegal a
contratar a la víctima o a respetar su permanencia o condiciones
generales de trabajo; la descalicación del trabajo realizado, las
amenazas, la intimidación, las humillaciones, la explotación y todo
tipo de discriminación por condición de género.
Artículo 12.- Constituyen violencia docente: aquellas conductas que
dañen la autoestima de las alumnas con actos de discriminación
por su sexo, edad, condición social, académica, limitaciones y/o
características físicas, que les inigen maestras o maestros.
Artículo 13.- El hostigamiento sexual es el ejercicio del poder, en
una relación de subordinación real de la víctima frente al agresor
en los ámbitos laboral y/o escolar. Se expresa en conductas verbales,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
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físicas o ambas, relacionadas con la sexualidad de connotación
lasciva. El acoso sexual es una forma de violencia en la que, si bien
no existe la subordinación, hay un ejercicio abusivo de poder que
conlleva a un estado de indefensión y de riesgo para la víctima,
independientemente de que se realice en uno o varios eventos.
Artículo 16.- Violencia en la Comunidad: Son los actos individuales
o colectivos que transgreden derechos fundamentales de las
mujeres y propician su denigración, discriminación, marginación
o exclusión en el ámbito público.
Artículo 18.- Violencia Institucional: Son los actos u omisiones de
las y los servidores públicos de cualquier orden de gobierno que
discriminen o tengan como n dilatar, obstaculizar o impedir el
goce y ejercicio de los derechos humanos de las mujeres así como su
acceso al disfrute de políticas públicas destinadas a prevenir, atender,
investigar, sancionar y erradicar los diferentes tipos de violencia.
Artículo 21.- Violencia Feminicida: Es la forma extrema de violencia
de género contra las mujeres, producto de la violación de sus
derechos humanos, en los ámbitos público y privado, conformada
por el conjunto de conductas misóginas que pueden conllevar
impunidad social y del Estado y puede culminar en homicidio y
otras formas de muerte violenta de mujeres. (MÉXICO, 2009).
2. ViolenciA intrAGénero
Como hemos visto la violencia de género es la categoría que nos
permite estudiar las desigualdades estructurales que existen entre los géneros
y sus relaciones. Estas relaciones históricamente se han caracterizado por
ser relaciones desiguales entre hombres y mujeres.
En la actualidad las desigualdades no solo se estudian desde
las relaciones de poder dominación entre hombres y mujeres, sino que
se ha comenzado a estudiar desde cualquier perspectiva de las relaciones
humanas, hombre – mujer, hombre – hombre, y en el caso que nos atañe
para esta investigación, de mujer – mujer.
Cuando se habla de violencia de género entre personas del mismo
sexo se denomina =violencia Intragénero=.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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La violencia intragénero es aquella que se produce en el
marco de parejas y ex parejas del mismo sexo, esto es, de
lesbianas, bisexuales y gays, sean transexuales o bisexuales.
(VIOLENCIAINTRAGENERO.COM, 2015).
Se denomina violencia intragénero a aquella que en sus diferentes
formas se da en el interior de las relaciones afectivas y sexuales entre
personas del mismo sexo. (ALDARTE, 2010, p. 22).
La violencia que algunas personas ejercen contra otras en
sus relaciones de pareja no sólo es una realidad en las parejas
heterosexuales (violencia de género) sino también en parejas del
mismo sexo (violencia intragénero o violencia entre personas del
mismo sexo). (ORELLANA, 2016).
Siguiendo la denición anterior, hablar de violencia intragénero es
hablar de las relaciones de poder – dominación, afectivas y/o sexuales, entre
personas del mismo sexo. Al igual que la violencia de género, la violencia
Intragénero puede ser física, psicológica, verbal, de aislamiento, económica;
donde el objetivo del dominante es causar daño y controlar al dominado.
Si bien la violencia, sea del tipo que sea y ejercida por parte de quien
sea, es un ejercicio de poder y control el cual tiene sus fundamentos en la
desigualdad entre el que posee el poder y el que recibe el poder; y en el caso
de la violencia intragénero, “[...] a diferencia de la violencia de género, esta
desigualdad de poder no proviene del sexismo, sino que atiende a variables
muy diversas de carácter cultural.” (VIOLENCIAINTRAGENERO.COM,
2015), lo cual marca una de las principales diferencias con la blinca de género;
pues aunque ambas se basan en la relación poder-dominio, la violencia
intragénero no se basa en la desigualdad sexo-genérica establecida socialmente.
A diferencia de la violencia de género, la violencia intragénero no
se encuentra regulada por la Ley Integral contra la Violencia de Género,
pues aún no es considerada como un problema social, ya que este tipo de
violencia se encuentra invisibilizada pues el tema del colectivo LGBT es un
grupo relativamente nuevo dentro de la agenda pública. Y entonces, ¿por
qué aún es invisibilizada?
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
352 |
a) Los sujetos no se observan como víctimas o victimarios.
b) Miedo a revelar la orientación sexual.
c) La homofobia social
Al igual que en las parejas heterosexuales, las relaciones intragénero
también reproducen los roles de poder – dominación que se establecen
en las relaciones heterosexuales; pues la violencia de género y la violencia
intragénero se encuentran basadas en los constructos hegemónicos
establecidos por el sistema androcéntrico – patriarcal que impera en las
relaciones humanas.
Una vez establecidos los conceptos de violencia de género y
violencia intragénero, los cuales nos permiten tener un panorama general
de cómo se estudian las relaciones humanas desde el género, contamos con
las bases necesarias para estudiar lo que denominaremos violencia de género
entre mujeres desde donde analizaremos las relaciones de poder-dominio
que se dan entre mujeres en la vida cotidiana.
2.1. ViolenciA De Género entre mujeres
Como ya se ha establecido al inicio del capitulo, partimos de
la idea de que ya no es suciente entender la realidad social desde la
concepción heteronormativas hombre-mujer; sino que se ha vuelto
necesario estudiar otras formas en que los seres humanos se relacionan:
hombre-mujer, hombre-hombre, mujer-mujer.
Como sabemos el tema principal de esta investigación busca
entender cómo son las relaciones cotidianas entre mujeres dentro de los
cánones establecidos por la cultura patriarcal y cómo contribuye esta ultima
para suscitar relaciones, acciones y actitudes de agresión, confrontación y
agresión entre ellas.
A partir de esta necesidad y preocupación de tratar de entender
las acciones y actitudes violentas entre mujeres en diferentes espacios y
contextos de la vida cotidiana es que surge la propuesta de este nuevo
concepto; en el cual partimos de la necesidad de diferencias la violencia de
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 353
género hombre-mujer de la violencia intragénero para así poder empezar a
conceptualizar este tipo relaciones violentas entre mujeres.
Como ya vimos, y a modo de resumen, la violencia de género esta
basada en las relaciones poder-dominio ejercida del hombre hacia la mujer
basada en el poder sexo-genérico patriarcal. Por otro lado, la violencia
intragénero es la reproducción de las relaciones de poder-dominio en
parejas del mismo sexo.
Debido a la necesidad de tener un concepto que nos permitiera
entender el cómo y por qué de las relaciones violentas basadas en el poder-
dominio entre mujeres sin ningún tipo de relación afecto-sexual en la vida
cotidiana; es que propongo el concepto violencia de género entre mujeres
el cual deniremos en una primera parte como: la reproduccióndel ejercicio
de poder-dominio del orden patriarcal que se presenta de una mujer hacia
otra en la vida cotidiana.
Cuando hablamos de violencia de género entre mujeres nos
referimos a todas las diferentes relaciones femenimas que se puedan suscitar
en el contexto cotidiano basadas en el poder-dominio independientemente
de la situación afectiva, emocional, sexual, laboral existente entre las
actrices; por ejemplo, el poder ejercido por una madre sobre su hija, o el
poder ejercido de una mujer mayor frente a una de menor edad; o bien el
poder laboral o económico que una pueda ejercer sobre otra.
Dentro de los estándares tradicionales de la cultura patriarcal se
establece que el hombre es ele suleto de poder, el cual lo ejerce sobre el
sujeto sumiso: la mujer. Si vemos esta relaciones y la vemos reproducida
desde la perspectiva del poder-dominio/mandoto-obediencia, la mujer que
se encuentra en superioridad va a reproducir las mismas actituts y acciones
frente a la mujer en el papel de sumisa. Por tanto la ciolencia de género
entre mujeres es la reproducción del poder-dominio entre mujeres. Al
respecto Marcela Lagarde (2014, p. 91) señala: “[...] la escisión del género
femenino (puede estudiarse) como producto de la enemistad histórica
entre las mujeres, basada en su competencia por los hombres y por ocupar
los espacios de vida que le son destinados a partir de su condición y de su
situación genérica.
A partir de este primer acercamiento al concepto propuesto, y
en concordancia con una de las hipótesis principales de este documento,
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
354 |
es necesarioseñalar que estas relaciones de enemistad y competencia que
generan relaciones violentas entre mujeres se encuentran invisibilizadas
y normalizadas o hasta justicadas por la cultura patriarcal en la que se
desarrollan ya que, los conictos entre mujeres no son vistos como actos de
violencia sino que se convierten en acciones de poder y triunfo masculino.
Lo anterior nos deja con otra de las carcterísticas del concepto:
la violencia de género entre mujeres es consecuencia de la aplicación e
interiorización de la cultura patriarcal que ha dibujado a las mujeres
como enemigas. Un ejemplo de ello lo tenemos en frases como las que
dieron pie a esta investigación: “mujeres juntas ni difuntas”, “podremos
destruirnos pero nunca matarnos”, “las mujeres son las peores enemigas de
otras mujeres”, “las mujeres pueden hacer lo que sea con tal de destruirse
entre si”.
Si a lo anterior le sumamos toda la presión social, mediática,
cultural que rige la vida cotidiana femenina tenemos que cualquier acto,
por insignicante que este parezca, se puede volver un detonante de este
tipo de violencia; la cual conceptualizaremos como:
Toda relación desigual entre mujeres que reproduzca el orden
patriarcal basado en el poder-dominio donde se transgreda
la integridad y la dignidad – física, psicológica, económica,
laboral o emocional- de la mujer en posición de sumisión.
Independientemente de la relación afectiva, sexual, laboral o de
parentesco que exista entre ellas
1
.
3. resultADos De lA inVestiGAción
3.1 metoDoloGíA De lA inVestiGAción
La pregunta central que dio pauta a esta investigación fue ¿Cómo
los roles y estereotipos femeninos mediatizados por la cultura patriarcal
inuyen en la normalización de la violencia de género entre mujeres?
El objetivo fue analizar si los roles y estereotipos femeninos
mediatizados por la cultura patriarcal inuyen en la normalización de la
violencia de género entre mujeres, y generar un proyecto de intervención
comunicacional que aporte al Trabajo Social la visualización de éste tipo de
1
Construcción propia a partir de conceptos de la teoría feminista, violencia de género y violencia intragénero.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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violencia y generar estrategias de intervención comunicacionales enfocadas
en la creación de mensajes grácos que visibilicen la violencia de género
entre mujeres.
El supuesto del que se partió fue: si la cultura patriarcal establece
roles y estereotipos femeninos confrontados y estos se representan
en los medios masivos de comunicación más recurrentes en la vida
cotidiana, entonces se presenta una retroalimentación que contribuye a la
normalización de la violencia de género entre mujeres.
Para comprobar dicho supuesto se realizaron tres estudios; 1)
un análisis de medios masivos de comunicación (imágenes, película y
telenovela-miniserie), 2) un análisis cuantitativo compuesto por tres escalas
Liker y 3) estudio cualitativo compuesto por seis preguntas abiertas. Para
identicar la percepción de las mujeres sobre la violencia en sus relaciones
cotidianas con otras mujeres y determinar el grado de normalización de
este tipo de violencia.
3.2 Análisis De resultADos
Los resultados mostraron que existe una normalización de la
violencia de género entre mujeres, sobre la base de contradicciones que
señalaron que si bien las relaciones violentas entre mujeres se perciben y
entienden como algo negativo, se observan como algo “normal” dentro
de la vida cotidiana. Esto se explica de manera amplia en el análisis de
las categorías: madre-hija, suegra-nuera, jefa-empleada y mujer-mujer; al
relacionarlas con los conceptos de la teoría feminista: género, violencia de
género, identidad de género y cultura - poder patriarcal. Esta interrelación
permite armar la normalización de la violencia de género entre mujeres
en la vida cotidiana debido a la inuencia de los medios de comunicación
que día a día contribuyen en la construcción de la identidad de género
tradicional basada en roles y estereotipos; con la nalidad de reproducir y
mantener el orden patriarcal.
El objetivo de esta investigación, armó que los roles y
estereotipos femeninos mediatizados por la cultura patriarcal inuyen
en la normalización de la violencia de género entre mujeres, debido a la
continua exposición al signicado de la reproducción del poder patriarcal
y el papel tradicional atribuido a las mujeres.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
356 |
Como resultado de la investigación cualitativa se elabora el siguiente
supuesto: si la cultura patriarcal establece roles y estereotipos femeninos y estos
son mediatizados por los medios masivos de comunicación, entonces se generan
y reproducen situaciones de confrontación femenina en la vida cotidiana que
contribuye a la normalización de la violencia de género entre mujeres.
Por lo anterior en Trabajo Social es necesario establecer procesos
de intervención que contribuyan a la identicación y visibilización de la
violencia de género entre mujeres a n de concientizar en ellas la importancia
de construir relaciones no violentas, así como identicar y comprender el
poder patriarcal que las ubica en una situación de obediencia, sumisión
y confrontación; lo que contribuye a la reproducción de la violencia y
violencia de género.
En este contexto, acciones de carácter micro-social permitirán un
proceso socio-educativo que proporcione la identicación y visibilización
de la violencia de género entre mujeres a través de acciones que lleven
al empoderamiento. Por lo cual se propone un proyecto de intervención
comunicacional que aporte al Trabajo Social la visualización e identicación
de éste tipo de violencia. Desde una visión feminista y multidisciplinaria;
con las cuales se generarán estrategias de intervención comunicacionales
que contribuyan a la visibilización de la violencia de género entre mujeres
por medios de talleres educativos con la nalidad de concientizar a las
mujeres sobre esta problemática y así contribuir de manera integral a que
las relaciones entre mujeres estén basadas en lazos sororos. Y sobre todo
que exista un concepto que nos permita seguir trabajando y estudiando
este tipo violencia en las relaciones entre mujeres.
conclusiones
Hablar de violencia de género entre mujeres es hacer visible
un problema que ha sido invisibilizado por la cultura patriarcal a través
de la reproducción de roles y estereotipos femeninos tradicionales en la
educación cotidiana de hombres y mujeres.
Tras haber realizado un análisis de medios y 276 encuestas,
podemos establecer que la violencia de género entre mujeres es un problema
viejo que comienza a salir.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 357
Hacer visible un problema que se ha mantenido en el mundo
femenino de lo privado, pues hay que recordar que el mundo público es
relativamente nuevo para el sector femenino de la sociedad. La violencia entre
mujeres durante años se atribuía a problemas “típicos de la mujer” como la
histeria, el ciclo menstrual o el no saber comportarse en sociedad. Sin embargo,
y como se plantea en esta investigación, el problema es más estructural.
Como se ha mencionado a lo largo de esta investigación, la cultura
patriarcal ha establecido roles y estereotipos que determinan la identidad
de género femenina: ser delicada, ser dulce, cuidar de los otros, ser madre,
ser bella, entre otros. Esta identidad femenina patriarcal es retomada por
los medios masivos de comunicación los cuales contribuyen no solo a
la reproducción de esta identidad, sino que promueven la perpetuidad
de estos roles y estereotipos e incluso pueden llegar a establecen nuevos
imaginarios.
La masicación de los roles y estereotipos femeninos ha
contribuido en la creación de imaginarios sociales en los cuales, si bien
se habla de igualdad de género y de libertades las personicaciones que
ahí se muestran están basados en la idea básica de los géneros; o sea, en el
concepto tradicional.
Entonces, si a la forma básica de roles y estereotipos de género le
sumamos su reproducción masicada y el hecho de que como consecuencia
de la cultura patriarcal los problemas femeninos han sido catalogados como
problemas del ámbito privado, tenemos como resultado que las relaciones
de violencia entre las mujeres se encuentran invisibilizadas, normalizadas e
incluso justicadas por la estructura.
Los resultados obtenidos en esta investigación conrman estos
argumentos desde el contenido de los medios audiovisuales analizados,
la película “Preciosa” y la telenovela “Los que callamos las mujeres”; en
donde el estereotipo tradicional de lo que signica ser mujer se reproduce.
En particular en estos dos audiovisuales se observa la reproducción del
poder patriarcal en las relaciones que establecen Preciosa y su madre
Mo’Nique y Dulce y Brenda. Tanto Mo’Nique como Brenda retoman
el papel autoritario, dominante y de poder tradicional que se le atribuye
al hombre. Por otro lado Dulce y Preciosa representan el rol tradicional
de la mujer fundamentado en actitudes de sumisión, aceptación, culpa
y obediencia. Este proceso contribuye a la reproducción de los roles y
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
358 |
estereotipos tradicionales de las mujeres y a su vez reproduce el poder del
orden patriarcal. Así mismo, estas acciones de violencia al ser mediatizados
se presentan al interior de las familias como conductas comunes, lo que
tiene como consecuencia la aceptación de este tipo de violencia entre
mujeres invisibilizándola.
Con respecto a la pregunta planteada ¿Cómo los roles y estereotipos
femeninos mediatizados en la cultura patriarcal, contribuyen en la
invisibilización y reproducción de la violencia de género entre mujeres en
la vida cotidiana?, se tiene que la vivencia, basada en los roles y estereotipos
femeninos tradicionales, al ser mediatizados en dos de los medios de mayor
auencia como la televisión y el cine contribuyen de manera directa en la
creación de imaginarios sociales en los cuales la violencia de género entre
mujeres se invisibiliza en la vida cotidiana, naturalizando las relaciones
de poder-obediencia. En cuanto a los signicados que se le da a los
estereotipos de “buena” y “mala”, se presenta una situación contundente y
antagonica entre lo que se espera y lo real. Sin embargo en ambos enfoques
se invisibiliza la violencia, sobre todo la relación con la madre. Por otro lado
la hija se acepta como buena o mala dependiendo el grado de obediencia
que muestre hacia sus padres y la aceptación de los deberes del hogar.
En relación con el objetivo de esta investigación, se arma que
los roles y estereotipos femeninos mediatizados por la cultura patriarcal
inuyen en la invisibilización de la violencia de género entre mujeres,
debido a la continua exposición al signicado de la reproducción del poder
patriarcal y el papel tradicional atribuido a las mujeres.
Los resultados obtenidos en los tres procesos de investigación:
análisis de la mediatización a través del cine y la televisión y el trabajo
empírico de carácter cuantitativo y cualitativo llevan a la comprobación
del supuesto si la cultura patriarcal establece roles y estereotipos femeninos
y estos son mediatizados por los medios de comunicación masiva, entonces
se generan y reproducen situaciones de confrontación femenina en la vida
cotidiana que contribuye a la invisibilización de la violencia de género entre
mujeres. Esto se explica de manera amplia en el análisis de las categorías:
madre-hija, suegra-nuera, jefa-empleada y mujer-mujer; al relacionarlas
con los conceptos de la teoría feminista: género, violencia de género,
identidad de género y cultura-poder patriarcal. Esta interrelación permite
armar la invisibilización de la violencia de género entre mujeres en la vida
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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cotidiana debido a la inuencia de los medios de comunicación que día a
día contribuyen en la construcción de la identidad de género tradicional
basada en roles y estereotipos; con la nalidad de reproducir y mantener el
orden patriarcal.
En este contexto, acciones de carácter micro-social permitirán un
proceso socio-educativo que conlleve a la identicación y visibilización de
la violencia de género entre mujeres a través de acciones que conlleven
al empoderamiento. Por lo cual se propone un proyecto de intervención
comunicacional que aporte al Trabajo Social la visualización de éste tipo de
violencia. Desde una visión feminista y multidisciplinaria; la cual permitirá
generar estrategias de intervención comunicacionales que visibilicen la
violencia de género entre mujeres por medios de talleres educativos con la
nalidad de concientizar a las mujeres sobre esta problemática.
referenciAs
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2010. Disponible en: http://www.aldarte.org/comun/imagenes/documentos/
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Acesado en: 16 ago. 2016.
| 361
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Julia Del Carmen Chávez Carapia
Jose Alberto Baeza Villamil
introDución
La violencia estructural es una constante en las sociedades del
Siglo XX y del inicio del XXI, ya que el sistema social capitalista en sí
mismo es violento. Las diferencias de oportunidades de desarrollo, la lucha
diaria por la sobrevivencia, por la obtención de mejores condiciones de
vida, el desempleo,
el trabajo mal remunerado, los bajos salarios, la incertidumbre,
la falta de credibilidad, la desesperanza, la injusticia, el abuso del poder,
entre otros, ha determinado diversas expresiones de violencia. En el caso
de la Violencia de Género, ésta se dirige hacia las mujeres violando sus
derechos humanos, su libertad, su dignidad y esencia humana. La violencia
de género es cualquier acción o conducta que dañe o provoque sufrimiento
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
362 |
físico, sexual, psicológico a la mujer. La violencia de género se convierte
en una acción digna de sancionarse ya que limita a las mujeres a ejercer de
manera libre y plena sus derechos civiles, políticos, económicos, sociales
y culturales sobre todo cuando viven en una sociedad que se dene como
democrática, en la cual las ciudadanas que la conforman deben tener acceso
a los derechos sociales y humanos.
La violencia de género es un problema de carácter macro y micro
social, parte de la violencia estructural, pero también se presentan en la
práctica de lo cotidiano e inciden en la reproducción de las relaciones
violentas al interior de las familias, en los colectivos, en lo social, en la vida
cultural de las sociedades. En la dimensión individual / familiar / cotidiano
repercuten las condiciones de violencia que dominan en la estructura social
y es donde se reproducen.
En este marco, el objetivo de este artículo es reexionar sobre la
violencia de género y los derechos humanos, su incidencia en los espacios
público y privado, para sensibilizar a los y las lectoras sobre la importancia de
visibilizar este tipo de violencia desde el poder patriarcal y su reproducción
en la vida cotidiana, para demandar dentro de los derechos humanos el
derecho a una vida igualitaria, digna y sin violencia.
El artículo comprende dos partes: una teórica sobre la violencia
de género y otra analítica con base en datos estadísticos para visibilizar la
dimensión de la violencia de género en la vida de las mujeres del mundo
y de México.
1. ViolenciA estructurAl
Para analizar la violencia de género se parte de comprender
la violencia estructural. En el desarrollo histórico de las sociedades, las
formas agresivas de manifestación que se han denido como inherente a la
existencia del ser humano como “naturales”, son expresiones de la violencia
estructural como un mecanismo propio de la evolución humana, y que se
han desarrollado socialmente para constituir situaciones de sobrevivencia.
En el desarrollo histórico de la humanidad, al surgir los derechos
sociales y humanos, la violencia adquiere características diferentes a la
sobrevivencia, los pactos sociales van a denir las conductas colectivas e
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 363
individuales al tomar en cuenta las normas y derechos establecidos para
todos, de esta manera la violencia se convierte en una forma de atentar
contra los derechos de otras u otros, se legisla en el espacio público/privado
y adquiere características de delito al violar los derechos, la integridad física
y emocional.
La violencia estructural se comprende como un complejo sistema
multifactorial, de orden/poder patriarcal donde interactúan factores
biológicos, psicológicos, sociales, económicos, culturales, políticos,
educativos y de aprendizaje, transmitidos por las generaciones a través de
la herencia cultural y por los acuerdos sociales.
Las características sociológicas de la violencia se determinan en la
relaciones de poder, lo cual implica la interrelación de cuatro fases, poder
– mandato – subordinación – aceptación de mandato.
La expresión de la violencia se entiende como una forma extrema
de agresión realizada por un sujeto en contra de otro, esta se expresa a
través de:
Agresiones físicas, como una forma intencional y destructiva.
La imposición mediante el empleo de la fuerza, presiones
para realizar actos contrarios a la propia voluntad.
Agresiones verbales, minimizando o anulando las capacidades
y derechos de la persona agredida.
La imposición sutil y manipuladora que al no aceptarse se
convierte en diversas formas de agresiones.
Estas fases de la violencia se presentan como un proceso que
retroalimenta la relación entre los sujetos con poder-violentos y los
dominados-violentados. Para los sujetos con poder, la retroalimentación del
mandato se convierte en un estímulo positivo y para el sujeto subordinado,
la aceptación del mandato se muestra de manera desventajosa y por tanto
se convierte en un estímulo negativo.
En el contexto macro social, la violencia, se muestra en una
dualidad: una violencia legal ejercida y legitimada por las estructuras del
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
364 |
Estado, esto es la violencia institucionalizada y otra ilegal no legitimada
y sancionada.
La violencia institucionalizada o legítima
1
implica las desigualdades
e inequidades que existen entre los individuos de una sociedad, observa el
acceso diferenciado a los benecios del desarrollo, la distribución desigual
a la asignación de recursos y diferentes oportunidades para obtener calidad
de vida. Se encuentra en la esfera de lo público y de lo privado, se observa
encubierta, poco visible, envuelve las conductas y actitudes individuales,
colectivas y sociales. Este tipo de violencia se vive y se afronta como parte
de la vida cotidiana, es una violencia tolerada, aceptada. Por ejemplo la
pobreza, el desempleo, la violencia contra las mujeres, la violencia de
género, la desigualdad.
La violencia ilegal, la no legitimada, es aquella que atenta
directamente contra la norma jurídica establecida por el Estado, se muestra
contra los principios de la propiedad privada, no es aceptada por la gran
mayoría de la población, la norma la hace visible y se institucionalizan las
formas de sanción. Por ejemplo, los robos, el homicidio, la inseguridad en
vía pública, los feminicidios, la violencia familiar, entre otras.
2. Género y PersPectiVA De Género
El género como categoría social, identica las diferencias sexo /
genéricas, es decir, diferencia el conjunto de características genotípicas y
fenotípicas en los sistemas, funciones y procesos de los cuerpos humanos,
con el proceso de construcción social a través del cual se generan,
reproducen y denen las características que socialmente se les atribuyen a
lo masculino y lo femenino.
Scott (1996, p. 289) dene género como “[...] el elemento
constitutivo de las relaciones sociales basadas en las diferencias que distinguen
los sexos y la forma primaria de las relaciones signicantes de poder.”.
El Centro de Estudios de la Mujer, de la Escuela Nacional de
Trabajo Social de la UNAM, a trabajado el concepto de género para
referirse a la “construcción social que se basa en el conjunto de ideas,
creencias y representaciones que generan las culturas a partir de las
 Ver Tipos de poder en Weber (1944)..
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Volume I
| 365
diferencias sexuales, las cuales determinan los papeles de lo masculino y
lo feminino”. (CHÁVEZ, 2004, p. 11). Identica al género como una
categoría compleja y dinámica que se interrelaciona e interacciona con el
devenir histórico.
En este sentido el género permite la clasicación, diferenciación,
análisis de las conductas sociales y particulares que tienen los hombres y las
mujeres en su vida diaria, en sus relaciones cotidianas tanto en el trabajo
como en la familia y en aquellos grupos donde interaccionan y que a su vez
validan las conductas y actitudes sociales, para denir comportamientos,
estilos y formas de vida. Esas conductas y actitudes también responden
a un conjunto de signicados y símbolos introyectados, culturalmente y
socialmente, en las formas de ser y de actuar de las personas.
Es así como hombres y mujeres interrelacionan de acuerdo a
lo que históricamente la sociedad y la cultura les indican; a su vez estos
procesos inciden y determinan los rasgos signicativos de lo femenino y
lo masculino.
En este sentido el concepto de género se identica en dos
dimensiones: una dentro de la interpretación de la naturaleza y otra en el
ámbito de lo socio-cultural.
La primera se basa en las diferencias sexuales, de las cuales
se desprende la concepción del macho y hembra, en connotaciones
mutuamente excluyentes. Una íntimamente ligada a la naturaleza, a la
capacidad de procreación. La otra, al control y a la necesidad de jar el
área de dominio.
La segunda dene las conductas y actitudes de lo masculino y lo
femenino con base en las relaciones de poder, en donde la mujer asume
el papel de aceptación de mandato y el hombre el ejercicio del dominio.
Esta interrelación dene las conductas establecidas y cotidianas que
supeditan lo femenino hacia lo masculino, lo cual da lugar a una relación
de superioridad y control basada en la inequidad. Es así como el hombre
manda y la mujer obedece, el hombre piensa y la mujer siente, el hombre
es un ser racional y la mujer emocional, el hombre decide y la mujer acepta
la decisión.
El estudio del género como categoría, ha dado la pauta para
comprender la realidad social en la que se reproducen y validan las
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
366 |
diferencias de oportunidades a la obtención de recursos, lo que redunda en
el acceso desigual al poder, en los ámbitos personales, políticos, sociales,
culturales económicos, de calidad de vida. Situaciones sociales, culturales,
económicas, políticas e ideológicas que han dividido a los seres humanos
por su género en: entes desiguales, inequitativos, antagónicos, lo que a
su vez se ha traducido en una aceptación social de los roles tradicionales
de género. La actuación social de mujeres y de hombres responde a estos
estereotipos, quienes pretenden romperlos trasgreden lo establecido.
La perspectiva de género, es una categoría política-social, de
carácter complejo en la medida que permite el análisis de las oportunidades,
expectativas y el sentido mismo de la vida de hombres y mujeres, en los
conictos cotidianos e institucionales que enfrentan. Da cuenta de la
capacidad de acción y construcción de ambos sujetos para modicar,
deconstruir y reconstruir nuevas formas de vida basadas en la equidad
integral.
La interrelación entre perspectiva de género y condiciones de vida
conlleva a un conocimiento integral de la situación y calidad de vida de
hombres y mujeres desde el entendimiento de la igualdad como un factor
determinante en las relaciones sociales. Las construcciones culturales y
sociales de lo masculino y femenino, requieren una nueva mirada, una
reconstrucción para modicar las actuaciones de hombres y mujeres en
la búsqueda de una participación social, familiar e individual; igualitaria,
equitativa y libre, que contribuya a la creación de una sociedad que valore
ampliamente y de manera equitativa el desarrollo social y cultural de
mujeres y hombres.
El desarrollo social necesita una estructura social, en donde la
mujer no sea invisible, una sociedad que le ofrezca las oportunidades
para crear sus propios prototipos y estereotipos y no retome copias de
lo masculino. Así mismo es importante que las mujeres sean visibles en
su actuar público, cotidiano y coyuntural, para aportar dimensiones de
equidad, de igualdad, de responsabilidad y compromiso al desarrollo
integral de la sociedad, en lo social, cultural, ideológico, político, artístico,
jurídico.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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3. ViolenciA De Género
La violencia de género se basa en la construcción social y cultural
que dene el conjunto de ideas, creencias y representaciones que generan
las sociedades para determinan los papeles de lo masculino y lo femenino
en una relación de poder/ dominación.
La violencia de género son los actos de agresión física,
psicológica, económica, basada en la superioridad de un sexo
sobre otro.
La violencia de género, es producto de la relación de poder
dominación que existe en los patrones de conducta sociales y
culturales que determina lo masculino como dominio/mando
y lo femenino como aceptación de mandato/obediencia/
sumisión.
La violencia de género se encuentra en las relaciones sociales,
en los estereotipos de la sociedad, en las representaciones
sociales y en las conductas de hombres y mujeres.
Una expresión de la violencia de género, más denidas y al
mismo tiempo mas enmascarada, es la violencia doméstica o
familiar.
La violencia familiar se remite al mundo de lo privado.
Históricamente se le ha visto como una situación del derecho
a la intimidad, un derecho de la relación conyugal, un derecho
de la educación a los hijos, un derecho de la “buena familia
La violencia de género comprende dimensiones como:
Relaciones poder/dominación
Feminicidios
Acoso y hostigamiento sexual
Violación
Violencia sexual
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Desigualdad e inequidad en el ejercicio de lo político y
representativo
Rezago económico y social
Agresiones en los medios de comunicación con los anuncios
publicitarios, mujer objeto
Rasgos culturales como el machismo y la obediencia
Rasgos ideológicos y sociales, que comprenden las ideas sobre
las mujeres producto del control de la iglesia, los dogmas, las
tradiciones, las costumbres
Reproducción del poder y del sometimiento en el ámbito de
lo privado, la familia: la reproducción de los roles de madre,
esposa, ama de casa, trabajo doméstico como ejes de la vida
de las mujeres.
Las formas de violencia se maniestan por situaciones de
inseguridad que conllevan al miedo, al temor y por tanto al estrés, a
situaciones de ansiedad que reejan miedo, la angustia que se reeja en
depresiones, hasta llegar al terror, que se ubica como una respuesta a la
violencia y se expresa por diversas patologías. (Figura 1).
Figura 1 – Manifestaciones de la Violencia
Inseguridad Miedo al futuro
Diversas
manifestaciones de
depresión
Expresiones
psicosociales
patológicas
MIEDO ANSIEDAD ANGUSTIA TERROR
E S T R E S V I O L E N C I A
Fuente: Elaboracion propia
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4. tiPos y moDAliDAD De lA ViolenciA De Género
La violencia de género reproduce los patrones de mando y poder
que dene la sociedad patriarcal en su conjunto y que al interior de las
familias se reproducen de manera cotidiana.
Estos elementos inciden en el ámbito social y cultural por lo cual
se presentan como un problema difícil de reconocer y aceptar. No es un
fenómeno privativo de un solo género, tiene diferentes manifestaciones en
hombres y en mujeres, se identica como un problema grave y poco visible
en la vida cotidiana.
En la construcción de las características asumidas como
femeninas y masculinas, se encuentra una carga importante del mandato
social, en el cual los hombres deber ser fuertes, inteligentes, con autonomía
económica, creativos, poseedores del poder, de la racionalidad y de la
violencia ejercida contra los otros, incluyendo a las mujeres. Para el caso
de las mujeres se les relaciona con la expresión de los instintos, de las
emociones, y en el cumplimiento de éstos resulta natural y obligatorio el
amor, la entrega, la sumisión, la abnegación, la pasividad, la atención y
el cuidado a los otros, la servidumbre; lo que contribuye a la condición
subordinada de las mujeres.
De esto se desprende, un consenso social que ha permitido
que la violencia de género se reproduzca en la socialización genérica
de sus integrantes, se mantenga como una representación social que se
transmite intergeneracionalmente por medio de la cultura, la socialización
y las instituciones sociales como la familia, la escuela entre otras. Por lo
cual el ejercicio de la violencia de género forma parte de un proceso de
socialización aprendida, que reeja las pautas culturales del sistema social
en su conjunto. Este tipo de violencia se comprender también, como una
manifestación que se interrelaciona con los diferentes tipos de violencia
que existen en el sistema social, como son la violencia política, la cultural,
la económica entre otras.
México contempla desde el año 2007, la Ley General de Acceso
de las Mujeres a una Vida Libre de Violencia y en 2006, la Ley General
para la Igualdad entre Mujeres y Hombres. Estos marcos jurídicos buscan
dar respuesta al problema social de la violencia de género, a n de sancionar
estas acciones. Es importante no perder de vista que el problema de la
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
370 |
violencia es de tipo social y cultural, que requiere además de los aspectos
jurídicos, una construcción diferente de los comportamientos y formas de
relaciones sociales entre hombres y mujeres, con la nalidad de construir
una sociedad libre de violencia, con igualdad y equidad.
La Ley General de Acceso de las Mujeres a una Vida Libre de
Violencia comprende tipos y modalidades de la violencia de género. Los
tipos son la violencia física, psicológica, sexual, patrimonial y económica.
Las modalidades: violencia familiar, laboral, docente, hostigamiento
sexual, acoso sexual, violencia en la comunidad, institucional y violencia
feminicida.
4.1 tiPos De ViolenciA De Género
Violencia Física es todo acto de agresión intencional en el que se
utiliza alguna parte del cuerpo, algún objeto, arma o sustancia para sujetar,
inmovilizar o causar daño a la integridad física del otro, encaminado hacia
su sometimiento o control.
Cualquier conducta que implique un abuso físico por parte del
agresor. En muchos casos además de los actos agresivos, se utilizan armas
blancas y objetos como palos de escoba, o bien el lanzamientos de objetos.
Una característica de la violencia física es que se presenta de
forma frecuente y aumenta en intensidad conforme pasa el tiempo, se
puede llegar a producir la muerte. Se identica esta violencia a través de:
patadas, pellizcos, mordidas, empujones, cachetadas, rasguños, puñetazos,
sujeción, jalones de cabello, estrangulamiento, quemaduras, lanzamientos
de objetos y heridas con armas punzo cortantes o de fuego.
Es común que ante este tipo de violencia se produzca en quien
la recibe contusiones, luxaciones, fracturas, derrames, desgarres, lesiones
anatómicas, lesiones funcionales, lesiones estéticas, hasta llegar al extremo
de la muerte.
Este tipo de violencia es directa, por lo tanto más fácil de
identicar al dejar huella visible.
La violencia emocional incluye la violencia psicológica y verbal,
comprende: Patrones de conducta u omisiones repetitivos, que provocan
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
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en quien las recibe, deterioro, disminución o afectación a su estructura
personal. El uso de palabras de una persona contra otra para afectar,
dañar, humillar o controlar.
Este tipo de violencia se identica por la existencia de
acciones como: Insultos, ofensas, acusaciones falsas, negación de la
validez de opinión, negligencia, aislamiento, prohibiciones, coacciones,
condicionamientos, intimidaciones, amenazas, actitudes que devalúan,
abandono, manipulación, humillaciones, vigilancia, persecución, gritos,
críticas constantes, celos, posesividad, asignación de culpas, realizar
acciones destructivas, romper objetos delante de la persona, empuñar armas
y disparar alrededor, golpear objetos o maltratar animales, degradaciones,
descalicaciones y cuestionamientos de la realidad de la otra: llamarle loca,
tonta, entre otros.
La violencia sexual se reere a toda acción que implica el uso de
la fuerza, para que otra persona lleve a cabo un acto sexual u otras acciones
sexualizadas humillantes y no deseadas. Implica obligar a una persona a
cualquier tipo de relación sexual forzada o degradación sexual en contra
su voluntad.
Se caracteriza este tipo de violencia por realizar actos sexuales sin
el consentimiento de la otra persona, forzándola e imponiendo la decisión,
estas acciones suelen ser: penetraciones con el pene o diversos objetos en el
cuerpo, en vagina, ano y boca. Relaciones sexuales sin protección cuando
se solicita por la otra parte, la prohibición del uso de anticonceptivos,
impedir la decisión sobre el número de hijos a tener, forzar relaciones
sexuales cuando no se está dispuesta o dispuesto a consentir, ver películas o
revistas pornográcas contra su voluntad, la explotación sexual infantil, la
prostitución y la pornografía de mujeres, niñas y niños.
La violencia económica es atentar contra los bienes y pertenencias
de la persona violentada; es decir, la disposición efectiva y al manejo de los
recursos materiales como dinero, bienes, patrimonio, valores, de forma tal
que los derechos de la otra persona se vean agredidos.
Entre las manifestaciones más importantes se encuentran:
declarar incompetente a la persona y disponer del manejo de sus bienes;
el despojo de bienes, robo de dinero o utilización ilegal de la pensión, de
la cuenta bancaria por parte de algún integrante de la familia; obstaculizar
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
372 |
la utilización del dinero de la persona agredida para sufragar sus gastos,
destruir la ropa; esconder la correspondencia, vender, empeñar o
destruir los enseres domésticos; hacer uso de los bienes de la persona sin
consentimiento; obligar a la persona dependiente a pedir dinero; negarle el
dinero para sus necesidades o limitarla al máximo; no permitirle trabajar;
pedirle cuentas por los gastos realizados y en caso de trabajar, quitarle el
salario o el cheque.
4.2 moDAliDADes De lA ViolenciA
Violencia Laboral son las manifestaciones de acoso,
hostigamiento sexual y discriminación que se presentan hacia las mujeres
en el ámbito laboral a través de compañeros de trabajo y de jefes, así como
las manifestaciones de discriminación y desigualdad por el hecho de ser
mujeres.
Violencia escolar, son las diversas formas de agresiones físicas,
emocionales que se derivan de las relaciones entre compañeros de aula, de
escuela o bien de profesores y profesoras hacia el alumnado.
Violencia en la comunidad, se expresa a través de conductas
agresivas en vía pública como son calles, transporte público, y consisten en
palabras soeces relacionadas con el cuerpo, miradas lascivas, tocamientos,
piropos, hostigamientos.
Violencia institucional, es aquella que se presenta en las
instituciones a través de su personal como es la violencia obstétrica, la
discriminación.
La violencia familiar es un tipo de violencia poco visible ya
que se interrelaciona con las formas de vida y la cultura judeo-cristina
que identica al hombre como el que ejerce el poder y la protección a la
familia pero a su vez ejerce dominio y a la mujer como la que acepta la
dominación, la obediencia y la sumición ante el poder del patriarca. Este
tipo de violencia se encuentra en todas las sociedades del mundo occidental.
Esto signica que existe una relación entre los valores que se construyen en
la sociedad como el deber ser de hombres y mujeres, con la determinación
de pautas de comportamiento esperadas; así como el mandato social de
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 373
mantener la institución familiar, con la particular forma de ver, pensar,
actuar y comprender las situaciones de violencia por parte de quien la vive.
Este conjunto de ideas relacionadas con la reproducción de la
violencia familiar da cuenta de la complejidad de la interrelación entre
lo social y lo individual en la reproducción de la violencia. No puede
decirse que es meramente resultado de una inuencia estructural, o de
manera contrapuesta armar que es un problema que sólo compete a los
involucrados, puesto que ambas esferas sociales / individuales, se determinan
y reproducen. Así, en la medida en que se comprenda que es un problema,
que debe atenderse en todos los niveles donde se encuentren inmersas las
personas, será posible construir pautas de pensamiento, valoraciones y
comportamientos que contribuyan a contrarrestar las diferentes formas de
violencia.
La violencia familiar es toda forma de agresión física, psicológica,
sexual o económica que se produce por cualquiera de los individuos que
conforman la familia en contra de otro miembro de la misma. Es un tipo
de violencia de género, es endógena, se maniesta en el mundo privado, en
la familia y se dirige contra los integrantes del grupo familiar.
La violencia familiar es un problema social que requiere de
múltiples miradas y formas de análisis para una comprensión integral,
que posibilite desde distintos ámbitos la aportación de elementos para
su explicación. Las dimensiones que inciden en la violencia familiar, su
trascendencia y repercusiones son aspectos que interrelacionan con el
contexto social, político, económico, cultural e ideológico, por lo cual la
complejidad de su estudio depende de esa interacción e interrelación.
La violencia familiar se conforma como una manifestación de las
relaciones de poder al interior de la familia, en el mundo de lo privado, en
la intimidad.
Violencia feminicida, se reere a los homicidios de las mujeres
por el hecho de ser mujer, como producto de la violencia de género y a su
vez comprende situaciones como las muertes por violación, por trata, por
dominación de la pareja entre otras.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
374 |
5. lA ViolenciA De Género en méxico
La medición de la violencia de género en México se mide de varias
formas una corresponde de manera importante a la Encuesta Nacional
sobre la Dinámica de las Relaciones en los Hogares (ENDIREH). La última
encuesta realizada fue en el año 2016, retomo como muestra 142,363
viviendas de todo el país, con población objetivo de mujeres de 15 años y
más que fueran residentes de las viviendas seleccionadas. Indica ámbitos de
ocurrencia: escolar, laboral, comunitario, familiar y de pareja y señala tipos
de violencia: emocional, física, económica, patrimonial, sexual.
En este sentido se presenta un análisis global de la violencia de
género en el país la cual comprende un comparativo que presenta una
secuencia importante en el reporte de estos datos.
Figura 2 – Prevalencia total de violencia total contra las mujeres, 2016
Fuente: Encuesta Nacional sobre la Dinámica de las Relaciones en los Hogares (ENDIREH) 2016,
Principales Resultados.
En México el 66.1% de las mujeres mexicanas ha sido víctima de
violencia de género. El 49.0% reere haber tenido violencia emocional,
el 41.3% violencia sexual, el 34% violencia física y el 29% violencia
económica, a lo largo de su vida.
El cuadro muestra la violencia emocional y la sexual como las de
mayor predominio, después se encuentra la violencia física y por último
la patrimonial y económica. Cabe destacar que las violencias emocional y
sexual siguen siendo las de mayor frecuencia en el ámbito social, lo cual se
relaciona con el número de feminicidios que en el país.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 375
El comparativo sobre la violencia señala pocos cambios al
respecto en un periodo de 10 años a pesar de que existe la ley y que se
sancionan jurídicamente las situaciones de violencia y en particular al
agresor. Predominan la violencia emocional y la sexual, la violencia física
está haciendo más visible así como la económica y patrimonial, según nos
muestra el cuadro “ La violencia contra la mujeres
Figura 3 - Prevalencias de violencia total contra las mujeres por tipo de
violencia y año de encuesta.
Fuente: Encuesta Nacional sobre la Dinámica de las Relaciones en los Hogares (ENDIREH) 2016,
Principales Resultados.
En el siguiente mapa, elaborado por el informe de la ENDIREH,
2016, se presenta la situación de la violencia hacia las mujeres en todo el
país, señalando las zonas de mayor y menor proporción de violencia.
Figura 4 – La violencia contra las mujeres por entidad federativa e índice
de prevalencia
Fuente: Encuesta Nacional sobre la Dinámica de las Relaciones en los Hogares (ENDIREH) 2016,
Principales Resultados.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
376 |
Con respecto a las modalidades de la violencia el informe de la
Encuesta Nacional sobre la Dinámica de las Relaciones en los Hogares
reere:
En el ámbito laboral, se presenta violencia hacia las mujeres,
según la ENDIREH-2016, entre 2011 y 2016, al 11.8% de mujeres
que trabajaron les fue solicitada prueba de embarazo. En 2016 reportan
violencia a lo largo de su vida laboral el 26.6% y el 22.5% en los últimos
12 meses. Cada mujer indico haber tenido al menos tres agresores en el
último año. Los agresores que predominan son los compañeros de trabajo
en el 35% y los patrones o jefes en el 20%. Es en las instalaciones de trabajo
es donde se presentan con mayor frecuencia las agresiones según reeren el
79.1%. Así mismo el 21.9% indican haber recibido discriminación laboral.
Violencia escolar, según ENDIREH, se presenta en tres tipos: el
físico, el sexual y el emocional, predominando el físico y el sexual.
La violencia ejercida contra las mujeres en el ámbito comunitario
en los últimos 12 meses, ocurrió de manera importante en zonas públicas
como la calle, los parques, seguidos en menor medida en los vehículos de
transporte público como los autobuses, microbuses, el metro. El tipo de
agresiones que tienen lugar en vías públicas son de tipo sexual (66.8%),
tales como: piropos groseros u ofensivos, intimidación, acecho, abuso
sexual, violación e intento de violación.
En el ámbito familiar se tiene que en los últimos 12 meses, el
10.3% de las mujeres de 15 años y más, fueron víctimas de algún acto
violento por parte de algún integrante de su familia, sin considerar al
esposo o pareja. El 8.1% de las mujeres experimentó violencia emocional
en su familia en el último año.
Los agresores más señalados son los hermanos 25.3% el padre
15.5% y la madre. Los principales agresores sexuales son los tíos y los
primos. En promedio, cada mujer declaró 1.6 agresores.
La violencia familiar ocurrida en los últimos 12 meses, se ha
presentado principalmente en la casa de las mujeres 67%, en la casa de
algún otro familiar 26%. El tipo de violencia ha sido emocional en el
59.6%, física el 16.9%, sexual el 6% y patrimonial el 17.5%
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 377
La situación de violencia de la pareja presenta las siguientes
características, el 43.9 la identica a lo largo de su relación y el 25.6%
a lo largo del último año. La principal causa de violencia con la pareja
es la emocional, le sigue la económica o patrimonial, la física y la sexual.
Es importante hacer notar que poco menos de la mitad de las mujeres
identica algún tipo de violencia de su pareja actual, sin embargo este
porcentaje va en aumento al visibilizar las mujeres este tipo de actitudes de
sus parejas masculinas.
Figura 5 – Prevalencia de violencia de la pareja actual o ultima a lo largo
de su relación entre las mujeres de 15 años y más que tienen o tuvieron
pareja por tipo de violencia y año de la encuesta
Fuente: Encuesta Nacional sobre la Dinámica de las Relaciones en los Hogares (ENDIREH) 2016, Principales
Resultados.
El estudio comparativo muestra que la violencia emocional es
la que más se presenta en los últimos diez años, después la económica y
patrimonial seguida de la física y en menos porcentaje la sexual. Si bien el
comparativo muestra una ligera disminución de la violencia en los últimos
10 años, se tendría que analizar si esta no se ha incrementado o bien las
mujeres no la reportan por temor o bien porque aún la tienen invisibilizada
y no identican las conductas agresivas de las parejas considerándolas
como conductas normales o bien como parte del carácter de la pareja. Las
mujeres que han tenido violencia de género, violencia física o sexual y no
acudieron a ninguna institución o autoridad en total son: 8.6 millones en
el ámbito escolar 3.6 millones en el laboral, 15.9 millones en el ámbito
comunitario, 1.5 millones en la familia.
De las mujeres que tuvieron alguna situación de violencia física
o sexual por parte de su pareja, el 78.6% no la denuncio ni solicitó apoyo.
Las razones por no denunciarlo son miedo, vergüenza por sus hijos, para
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
378 |
que la familia no se enterara, porque no les creerían, porque fue algo sin
importancia, por desconanza a las autoridades entre otras respuestas.
Según datos de la Encuesta EDIREH, 8.7 millones de mujeres de
15 a 49 años, (26.7%), tuvieron al menos un parto en los últimos 5 años,
octubre de 2011 a octubre de 2016. De estas el 33.4%, sufrió algún tipo
de maltrato por parte de quienes las atendieron. Los maltratos a los que se
reeren son: ritos y regaños, tiempo para atenderlas, ignorarla, presionarla,
ofensas, humillaciones, entre otras. En su gran mayoría fueron atendidas en
instituciones de salud nacionales como el IMSS, Hospitales de la secretaria
de salud, por el ISSSTE, hospitales de carácter público. Se menciona una
prevalencia nacional de maltrato en los últimos 5 años de 33.4%.
En cuanto a las mujeres adultas mayores de más de 60 años, el
17.3% reportan algún tipo de violencia entre las que sobresale la violencia
emocional, la económica y patrimonial, así como la física.
Otro aspecto que reeja de manera importante estos problemas
en México son los feminicidios y la trata de personas ambos aspectos
relacionados de manera directa con la violencia de género. En México
existen siete Alertas de Violencia de Género contra las Mujeres activadas
y en estados donde se tiene una alta incidencia de este delito, se han
presentado solicitudes para decretarlas. Los reportes del Instituto Nacional
de Estadística y Geografía (INEGI), del año 2000 al 2015 indican que
se cometieron 28 mil 710 asesinatos violentos contra mujeres, lo que
representa cinco asesinatos por día. Estas cifras reejan un aumento del
85% en estos delitos. En el año 2000 se tuvieron 1, 284 homicidios, y 2,
383 para el año 2015; situación que reeja el incremento de la violencia
hacia las mujeres.
La violencia hacia las mujeres, en México, empieza a objetivizarse
y a visibilizarse, sin embargo aún no se logra que se identique como
conductas que agreden y están en contra de la dignidad humana y de los
derechos humanos de las mujeres lo cual presenta una serie de conductas
y actitudes relacionadas con el trato a la persona. Un elemento importante
ha considerar es la necesidad de fomentar y desarrollar la cultura de la
denuncia para que todas las mujeres se sientan con la seguridad de visibilizar
de mayor manera la violencia para proceder a las sanciones y castigos que
estipulan las leyes y fomentar de esta manera el derecho a una vida libre
de violencia.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 379
Tabla 1 - Derechos femeninos que no se respetan
Derecho Porcentaje
Tener un trabajo con pago justo 64.4%
Trato igual ante la ley 62.9%
No ser víctimas de violencia 62.8%
A una vivienda digna 60.1%
Derecho a expresar sus propias ideas 54.4%
Tener una vejez digna 54.3%
Ser libre y no ser esclavo de nadie 54.0%
Elegir el trabajo que preeran 53.5%
Tener las ideas políticas que preeran 53.1%
Derecho a poseer una tierra 52.6%
Derecho a una seguridad social 47.3%
Decidir dónde vivir 46.7%
Derecho a la salud 39.9%
Educación secundaria adecuada 32.2%
Educación primaria adecuada 30.9%
Derecho a votar 24.3%
Fuente: Consejo Nacional para Prevenir la Discriminación y la Secretaría de Desarrollo Social. Encuesta
Nacional sobre Discriminación, México. 2005
Tabla 2 - Obstáculos que perciben las mujeres para salir adelante por discriminación
Obstaculo Porcentaje
Discriminación por embarazos o hijos 24.1%
Falta de empleos para mujeres 23.9%
Falta de estudios 16.4%
Que la mujer esté en la casa 9.7%
Ser mujer 6.3%
Limitación física de las mujeres 5.8%
Falta de capacitación apropiada para mujeres 5.4%
Edad 2.5%
Outro 2.2%
Cuidar a los hijos 1.7%
Ninguno 1.2%
Machismo 0.7%
Fuente: Consejo Nacional para Prevenir la Discriminación y la Secretaría de Desarrollo Social. Encuesta
Nacional sobre Discriminación en México, México. 2005.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
380 |
Los datos aquí presentados dan cuentas claras de que la violencia
estructural es una manifestación importante de las formas de discriminación,
desigualdad e inequidad de las mujeres en una sociedad de tipo patriarcal,
que identica a las mujeres como seres humanos de segunda, con capacidades
incipientes o bien sin ellas. Estas formas de expresiones de violencia son
invisibles y se justican como parte de lo social y cultural, como estilos y
formas de vida aceptados de manera tradicional por el status quo.
conclusiones
La violencia estructural se maniesta como una constante del
sistema económico mundial, se basa en las relaciones de poder y se expresa
en la exclusión de la gran mayoría de la población a los niveles de calidad
de vida, la falta de equidad y la pobreza, entre otros factores que la calican.
Las formas de organización social, los sistemas de creencias y los estilos
de vida que prevalecen en una cultura, son patrones generalizados que
impregnan las formas de actuar de una sociedad e inciden directamente en
la construcción del género, en la determinación de características femeninas
o masculinas, en la interrelación de hombres y mujeres, y con ello en las
circunstancias que naturalizan la violencia en la sociedad.
Existe una estrecha relación y diferencia entre la violencia de
género y la violencia familiar, ambas están determinadas y encaminadas
como formas de agresión hacia las mujeres independientemente del grupo,
edad, escolaridad, ocupación y papel que ocupen en la sociedad.
Las instituciones mediadoras entre el nivel de la cultura y el nivel
individual como son: la escuela, la iglesia, los medios de comunicación, los
ámbitos laborales, las instituciones recreativas, los organismos judiciales,
legislativos, etc., cumplen un papel importante en el reforzamiento
de las construcciones de género, lo que implica la reproducción de
comportamientos violentos en general de los hombres hacia las mujeres.
La violencia de género se desarrolla tanto en el ámbito de lo
público como de lo privado. En este sentido no se podrá superar este
problema mientras la violencia estructural sea parte de la cultura, porque
entonces, la violencia de género se convierte en un reejo de la violencia
estructural y del orden patriarcal.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 381
Se requiere reforzar la legislación vigente relacionada con la
violencia de género a n de disminuirla así como vigilar su cumplimiento,
sin embargo no es suciente, hay que buscar los mecanismos para que en
el ámbito de lo cotidiano, de lo privado no se continúen reproduciendo
los modelos de violencia que supeditan a las mujeres al poder y domino de
los hombres.
referênciAs
ASOCIACIÓN PRODERECHOS HUMANOS. La violencia familiar, actitudes y
representaciones sociales. España: Fundamentos, 1999. (Colectivo abierto de sociología).
CHAVEZ CARAPIA, Julia del Carmen (coord.). Perspectiva de Género. México: ENTS/
UNAM/Plaza y Valdés, 2004. (Serie Género y Trabajo Social, n. 1).
CONSEJO NACIONAL PARA PREVENIR LA DISCRIMINACIÓN;
SECRETARÍA DE DESARROLLO SOCIAL. Encuesta Nacional sobre Discriminación
en México. México, 2005.
ENCUESTA NACIONAL SOBRE LA DINÁMICA DE LAS RELACIONES EN
LOS HOGARES (ENDIREH-2016). México, 2016.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTADÍSTICA, GEOGRAFÍA E INFORMÁTICA.
Encuesta Nacional sobre la dinamica de las relaciones en los hogares (ENDIREH) 2016.
México, 2016.
SCOTT, Joan. El género: una categoría útil para el análisis histórico. In: LAMAS,
Martha (comp.). El género: la construcción social de la diferencia sexual. Ciudad de
Mexico: Ed. da UNAM, 1996. p. 265 - 302.
WEBER, Max. Economía y Sociedad. México: Fondo de Cultura Economica, 1944.
Sobre
as autoras e
os autores
| 385
ADenize APAreciDA frAnco (in memoriAn)
Doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa
pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Literatura Brasileira
pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e graduada em
Letras Português - Literatura pela Universidade Estadual do Centro Oeste
(UNICENTRO).
AnA cuDiA Dos sAntos rocHA
Professora Adjunta do Curso de Direito da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas. Coordenadora do Grupo de Pesquisa:
Políticas Públicas e Direitos Fundamentais. Membro da Rede Latino-
americana e Caribenha de Educação em Direitos Humanos – RedLaCEDH.
Doutora em Educação pela Universidade Federal da Grande Dourados/MS.
E-mail: ana.c.rocha@ufms.br
AnA lAurA bonini roDriGues De souzA
Mestranda pelo programa de Pós-Graduação em Educação na Faculdade de
Filosoa e Ciências, da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita
Filho" - UNESP/, Campus de Marília - SP, na linha de história e losoa da
Educação, sob orientação da Dra. Rosane Michelli de Castro, possui graduação
em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília - UNIVEM (2017).
Tem como interesse de pesquisa os seguintes temas: Educação, História da
Educação, Gênero, Direitos Humanos das mulheres, Mulheres professoras.
Faz parte do corpo editorial da Revista do Instituto de Políticas Públicas de
Marília - IPPMar. É integrante dos Grupos de Estudos e Pesquisas: HiDEA-
Brasil - História das disciplinas escolares e acadêmicas no Brasil (Saberes,
práticas e culturas escolares e acadêmicas), e, NUDISE - Núcleo de Gênero
e Diversidade Sexual na Educação, ambos na UNESP/ Campus de Marília.
É amante das artes, feminista, bailarina de dança oriental e cigana, com
experiência de cantora nos gêneros musicais de música popular brasileira e
pop rock e também poetisa, utiliza sua atuação militante e cientíca com o
objetivo de dar voz às mulheres que sofrem diariamente os mais diversos tipos
de violência. E-mail: ana.bonini@unesp.br
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
386 |
AnA mAriA Klein
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade de São Paulo, graduação
em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, mestrado e doutorado
em Educação (área temática Psicologia e Educação) pela Universidade de São
Paulo. Professora do Departamento de Educação, da Universidade Estadual
Paulista, UNESP campus São José do Rio Preto e do Programa Multidisciplinar
Interunidades de Pós Graduação Strictu Sensu: Ensino e Processos Formativos
(UNESP São José do Rio Preto/Ilha Solteira e Jaboticabal). E-mail: ana.
klein@unesp.br
Antônio roDriGues neto
Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (UFMS). Professor Nível IV - Grau A do curso de Direito da Universidade
do Estado de Minas Gerais (UEMG). Coordenador do Desconstrua - Grupo
de Pesquisa em Direitos Fundamentais, Políticas Públicas e Minorias. E-mail:
antoniorneto89@gmail.com
ArilDA ines mirAnDA ribeiro
Doutora em Filosoa e História da Educação pela Universidade Estadual de
Campinas (1987 e 1993), Livre-Docente em Estrutura e Funcionamento da
Educação Básica (2000) e Professora Titular em História da Educação pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2012). Criou em
2003 o NUDISE-Núcleo de Diversidade Sexual em Educação e em 2015 o
GPECUMA-Grupo de Pesquisa em Educação, Cultura, Memória e Arte (FCT/
UNESP). Fez parte da Pesquisa sobre Homosuicídio (Unesp Assis) do programa
Dst/Aids (Ministério da Saúde) e atuou no GDE (Gênero e Diversidade na
Educação-UaB/Unesp-Rio Claro). Tem experiência na área de Educação,
com ênfase em História da Educação e da Formação de Professores no Brasil,
principalmente nos seguintes temas: formação de professores presenciais e
EaD, diversidade sexual, gênero, história da educação, história das instituições
escolares e em gestão educacional. Possui diversos livros e artigos publicados
sobre Educação Feminina, Gestão Educacional e História das Instituições
Escolares. Aposentou-se do Curso de Graduação em Pedagogia (1992-2016),
da Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) no Programa de Educação da
FCT-Unesp (2001-2019), e hoje atua como membro do Instituto Histórico e
Genealógico de Campinas- SP. E-mail: arildainesribeiro@gmail.com
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 387
cArlos roDriGues brAnDão
Nasceu no Rio de Janeiro em 1940. É licenciado em Psicologia pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (1965), mestre em Antropologia
pela Universidade de Brasília (1974) e doutor em Ciências Sociais pela
Universidade de São Paulo (1980). É livre docente pela Universidade Estadual
de Campinas. Realizou pós-doutorado na Universidade de Perugia e na
Universidade de Santiago de Compostela. É ‘fellow’ do St Edmund’s College
da Universidade de Cambridge. Atualmente é professor emérito e colaborador
do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Estadual de
Campinas. Possui experiência em Antropologia, com ênfase em Antropologia
camponesa, Antropologia da religião, cultura, etnia e educação. Desde 1963
é um educador popular. É comendador do mérito cientíco pelo Ministério
de Ciência e Tecnologia, doutor honoris causa pela Universidade Federal de
Goiás, professor emérito da Universidade Federal de Uberlândia e professor
emérito pela Universidade Estadual de Campinas. Seus livros e outros escritos
podem ser livremente encontrados e acessados em www.apartilhadavida.
combr. E-mail:
circe milenA zAmorAno cVez
Licenciatura en Ciencias de la Comunicación en la Universidad La Salle.
Maestría en Trabajo Social, con mención honoríca, en la Escuela Nacional
de Trabajo Social de la Universidad Nacional Autónoma de México, UNAM.
Colaborada en el Centro de Investigación y Estudios de Género, ENTS,
UNAM. Docente en la UNAM. E-mail: circe.zamorano@yahoo.com.mx
cuDiA PereirA ViAnnA
Professora e pesquisadora sênior no Programa de Pós-Graduação da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), com ênfase em Política
Educacional, Relações de Gênero e Diversidade Sexual. Possui doutorado e
livre-docência em Educação, ambos pela USP, e pós-doutorado em Sociologia
e Gênero na Universidad Autónoma de Madrid. Além de diversos artigos,
publicou os livros: Os nós do nós: crise e perspectivas da ação coletiva docente
em São Paulo (Xamã, 1999) e Políticas de Educação, Gênero e Diversidade
Sexual (Autêntica, 2018), Gênero e Educação (Autêntica, 2020, com Marília
Carvalho). E-mail: cpvianna@usp.b
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
388 |
DiAnA PAtríciA ferreirA De sAntAnA
Bacharel e Licenciada em Filosoa pela USP, Licenciada em Matemática pela
USP, Mestre em Educação Matemática pela USP, Doutora em Educação pela
Unicamp. É Professora efetiva do Instituto Federal do Paraná, campus de
Jaguariaíva e Pesquisadora do Grupo de Estudos Interdisciplinares: Práticas
Compartilhadas na Sala Quatro. E-mail: diana.santana@ifpr.edu.br
eliAnA cristinA PeDroso De oliVeirA
Professora na Educação Básica e Educação Especial- Município de Ourinhos-
SP. Experiência na área de Educação - Ensino-Aprendizagem. Graduada em
Ciências Biológicas (UNIFIO), Pedagoga- Instituto de Ensino superior (COC),
Letras Libras- Faculdade Ecaz Maringá-PR e Letras Língua Portuguesa-
Faculdade Estácio de Sá. Mestra em Educação pela Pós graduação e Docência
para Educação Básica -UNESP -Bauru. Grupo de Pesquisa CNPq: Tradução,
Léxico e Interculturalidade-Unesp Assis-SP. E-mail: ecpedros@gmail.com
eunice mAceDo
Professora Auxiliar na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade do Porto (FPCEUP), principalmente, nas áreas de cidadanias e
diversidade, avaliação em educação e formação e métodos de intervenção em
educação. É investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Educativas
da mesma faculdade. Seus interesses de pesquisa cruzam cidadania, educação e
gênero, nomeadamente: cidadania educacional, educação como direito social,
aprendizagem com artes, desengajamento escolar, políticas educacionais;
gênero na educação e cidadania, feminilidades e masculinidades jovens,
participação das mulheres, violência sobre as mulheres, de um ponto de vista
interseccional. Tem ampla experiência em pesquisas e redes colaborativas
internacionais, destacando: pesquisadora principal em Portugal dos projetos
Erasmus + “Sustaining Teachers and Learners with the Arts, Relational
Health in European Schools” e “Learning in a New Key: Engaging Vulnerable
Young People in School Education”; pesquisadora nos projetos “Teaching for
Holistic, Relational and Inclusive Early Childhood Education”, “Reducing
Early School Leaving in the EU”e no projeto “Xeno-Tolerance Supporting
VET Teachers and Trainers to Prevent Radicalisations”. Co coordena o
projeto nacional “EduTransfer - Aprender através de diversos contextos
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
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educativos: Transferibilidade de práticas promissoras no quadro do Horizonte
2020”. É vice-presidente da direção do Instituto Paulo Freire de Portugal.
Membro da Rede Mulheres Vivas (transnacional) e da Rede Social Justice and
Intercultural Education da EERA. Autora de vários trabalhos, sua pesquisa
apoia a intervenção junto às comunidades, em busca de formas de educação
e vida ligadas à felicidade e à realização pessoal, mediatizadas pelo mundo.
E-mail: eunice@fpce.up.pt
flor De mAriA mezA tAnAntA
Es Doctoranda en Derechos Humanos, por la Universidad de Lanús,
Argentina. Cuenta con un Master en Derecho, con énfasis en Derechos
Humanos y Derecho Constitucional, por la Universidad Católica del
Uruguay. También es Diplomada en Derechos Humanos por la Asociación
de Universidades Jesuitas de América Latina y el Instituto Interamericano
de Derechos Humanos. Es Abogada, graduada en la Ponticia Universidad
Católica del Perú. Es Profesora Adjunta e integra el Grupo Derecho y Género
de la Facultad de Derecho de la Universidad de la República (Udelar). Es
Profesora invitada en la Maestría sobre Infancia y Políticas Públicas de la
Udelar. Actualmente se desempeña como Profesora Adjunta en el cargo de
Coordinadora del Área Derechos Humanos de la Unidad Académica del
Servicio Central de Extensión y Actividades en el Medio de la Udelar. E-mail:
or.meza@cseam.udelar.edu.uy
GisellA eVAnGelisti
Estudió literatura en Pisa, antropología en Lima y mediación de conictos
en Barcelona. Trabajó durante veinte años en la cooperación internacional en
Perú, como representante de ONG italianas y como consultora de UNICEF
en varios países de América Latina. Ha publicado libros y materiales didácticos
sobre pueblos indígenas de Centro América y de la Amazonía peruana, como
el cd rom "Tsamaren, Con Todo orgullo", desarrollado con metodología
participativa, sobre historia, cultura, vida de diez pueblos amazónicos. Además
ha escrito dos novelas sobre vida y trabajo de dos mujeres comprometidas con
la educación de las niñas andinas (“Una vita rmata”, Padova 2000) o de la
niñez amazónica (Mariposas Rojas, Lima 2010). Colabora como freelance
con diferentes medios de comunicación italianos y latinoamericanos. E-mail:
gisti101@yahoo.com
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
390 |
jAmilly nicácio nicolete
Bacharel e Licenciada em História pela Universidade Federal de Viçosa,
Licenciada em Pedagogia, pela UNIFRAN, Mestra em História e Sociedade
com ênfase em História Cultural, pela Faculdade de Ciências e Letras -
UNESP, Campus de Assis, com bolsa concedida pelo CNPq e Doutora
em Educação pela Faculdade de Ciências e Tecnologia - UNESP, campus
de Presidente Prudente, com bolsa de Doutorado FAPESP - Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e Bolsista de Estágio de Pesquisa
no Exterior - BEPE/ FAPESP na Universitat de València, Espanha. Durante
seu Estágio de Pesquisa no Exterior ministrou aulas na disciplina de Pedagogia
Social. Tem diversas publicações nacionais e internacionais relacionadas a essas
temáticas. Membro do NUDISE - Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual
na Educação. É palestrante e atuante em projetos nas áreas de Cidadania,
Gênero, Feminismos, Políticas Públicas em Educação e Violência contra a
Mulher. Presidenta da Casa Maria de Araçatuba. E-mail: jamillynicacio@
hotmail.com
jAne soAres De AlmeiDA (in memoriAn)
Graduada em Pedagogia e Artes Industriais. Mestra em Educação pela
Universidade Federal de São Carlos; Doutora em História e Filosoa da
Educação pela USP-SP; Pós-doutora por pela Harvard University, Estados
Unidos, e pela Universidad Autónoma de Barcelona, Espanha - FAPESP.
Professora aposentada do Departamento de Educação da Universidade
Estadual Paulista, UNESP/ Araraquara. Atuou como docente do Programa
de Pós-Graduação em Educação da UNISO. Liderava o GEHE - Grupo de
Estudos de História da Educação (Gehe) - Universidade de Sorocaba-SP.
Pesquisadora do CNPq. Desenvolveu estudos na área de História da Educação,
formação de professores, gênero e diversidade cultural. É autora de diversos
trabalhos nacionais e internacionais que abrangem essas temáticas. Faleceu em
2018 depois de anos contribuindo com a História da Educação Brasileira, nos
deixando com uma imensa saudade.
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 391
jeniffer ribeiro PessôA
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) (2020-), Mestra em
Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), campus de Marília
(2018) (Bolsa CAPES). Possui graduação de bacharelado em Direito pela
Faculdade de Presidente Prudente (FAPEPE) GRUPO UNIESP (2011).
Pós graduada em Direito Civil pelo Instituto Brasil de Ensino (IBRA)
(2020). Pesquisadora nas áreas de políticas públicas educacionais, educação
e diversidade, direitos humanos, educação especial e igualdade de gênero.
E-mail: jenierrpessoa@gmail.com
joicimAr cristinA cozzA
Graduada em Psicologia pela UNESP/ Assis; Especialista em Ensino e
Aprendizagem pela Universidade de São Paulo - USP; Mestra em Ciência com
ênfase em Saúde Coletiva pelo Programa de Medicina Preventiva da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo - USP. Docente do Centro
Universitário Católico Auxilium de Araçatuba/ Salesiano e da Fundação
Educacional de Penápolis/ FUNEPE. Desenvolve estudos na área de Violência,
Gênero, Diversidade, Bullying, com publicações concernentes a esses temas.
Compõe equipe editorial de três revistas cientícas do UniSalesiano, nas
áreas de saúde e de humanidades. Palestrante e atuante em projetos nas áreas
de Cidadania, Gênero, Feminismo, Políticas em Saúde Mental e Psicologia
Institucional e da Comunidade. E-mail: joice_cozza@hotmail.com
jorGe luís mAzzeo mAriAno
Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista - Unesp (Câmpus
de Presidente Prudente). Mestre em Educação pela Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar). Graduado em Pedagogia pela FCT/Unesp. Está
vinculado ao Núcleo de Diversidade Sexual na Educação - Nudise, ao Grupo
de Pesquisa em Educação, Cultura, Memória e Arte - Gpecuma e coordena o
Grupo de Estudos e Pesquisas Histórias e Memórias da Educação (Hismee).
É professor do curso de Pedagogia e docente permanente do Mestrado em
Educação na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS (Câmpus
do Pantanal). E-mail: jorge.mariano@ufms.br
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
392 |
josé Alberto bAezA VillAmil
Licenciatura en Sociología, Maestría y Doctorado en Administración Pública.
Profesor en la Escuela Nacional de Trabajo Social de la Universidad Nacional
Autónoma de México, (UNAM). Docente del Doctorado en el Instituto
de Estudios Superiores en Administración Pública, (IESAP). E-mail: prof.
villamil@hotmail.com
juliA Del cArmen cVez cArAPiA
Licenciada en Trabajo Social. Escuela Nacional de Trabajo Social-UNAM.
Doctora en Sociología y Maestra en Sociología, por la Facultad de Ciencias
Políticas y Sociales, UNAM. Con especialización en Estudios de Género;
Democracia y Participación Social. Posdoctorado en Gobierno y Política
Pública. Profesora de Carrera de Tiempo Completo de la ENTS-UNAM.
Coordinadora del Centro de Investigación y Estudios de Género de la ENTS,
UNAM. Coordinadora del Programa de Maestría en Trabajo Social, ENTS-
UNAM. E-mail: jcccarapia@yahoo.com.mx
KeitH DAiAni DA silVA brAGA
Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás
com atuação no curso de Pedagogia. Possui graduação em Pedagogia (2009),
mestrado em Educação (2014) com o nanciamento da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP e doutorado em Educação (2019),
pelo programa de pós-graduação em Educação da Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade Estadual Paulista-UNESP e estágio de doutorado
no exterior (2017- 2018) na UACM-Universidad Autónoma de la Ciudad
de México nanciado pelo Programa Doutorado-Sanduíche no Exterior da
CAPES. Desde o início de sua trajetória acadêmica é integrante do grupo de
pesquisa NUDISE-Núcleo de Diversidade Sexual na Educação, e se interessa
por temas relativos as vivências educativas de gênero e sexualidade nos tempos
da infância, juventude e vida adulta no contexto das instituições educacionais.
E-mail: keith.braga@ifg.edu.br
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 393
leonArDo lemos De souzA
Livre docente em Psicologia do Desenvolvimento (Unesp) e Doutor em
Educação (Unicamp). Professor dos Programas de Pós-Graduação em
Psicologia (Assis) e Programa de Pós-Graduação em Educação (Marília) da
Unesp Membro do GT Psicologia, Políticas e Sexualidades da Associação
Nacional de Pós-graduação em Psicologia – ANPEPP. E-mail: leonardo.
lemos@unesp.br
luiz Henrique moreirA soAres
Doutorando e mestre em Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/
Ibilce), Campus de São José do Rio Preto. Graduado em Letras/ Inglês pela
Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Campus de Jacarezinho.
Integrante do grupo de pesquisa Gênero e Raça da UNESP/Ibilce. Atua nas
seguintes áreas: literatura contemporânea, estudos de gênero, estudos queer,
narrativas de mulheres trans. E-mail: luizhsoares83@gmail.com
mArcio roDriGo VAle cAetAno
Pós-doutor em Currículo (2019), com apoio do PNPD-CAPES, pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ). Coordenador do Centro de Memória LGBTI
João Antônio Mascarenhas (UFPEL/UFES). Graduado em História pela
UERJ (2000), com mestrado (2005) e doutorado em educação (2011) pela
Universidade Federal Fluminense (UFF). Docente na Faculdade de Educação
e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de
Pelotas (UFPEL). Colaborador no Programa de Pós-graduação em Educação
em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Os seus temas
de interesse e pesquisa são: 1. currículos e culturas; 2. masculinidade(s) e 3.
população lésbica, gay, bissexual, travesti e transexual e 4. estudos decoloniais
e subalternos. E-mail: mrvcaetano@gmail.com
mAriânGelA sPotti loPes fujitA
Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Universidade Estadual Paulista (Unesp) concluiu o doutorado
em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo em 1992.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
394 |
Realizou concurso público de Análise Documentária e Linguagens alfabéticas
documentais pela Faculdade de Filosoa e Ciências Unesp - Marília em 2003
e como Titular em Indexação em 2010. Atualmente desenvolve atividades
de pesquisa com bolsa de Produtividade em Pesquisa nível 1B do CNPq. É
membro das sociedades cientícas de sua especialidade: Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação - ANCIB e Capítulo
Brasileiro da International Society for Knowledge Organization-ISKO, no
Brasil e no exterior, International Society for Knowledge Organization - ISKO.
Foi assessora do comitê da área de Comunicação, Artes e Ciência da Informação
do CNPq. É assessora ad hoc de agências e participa como revisor e membro de
Comitês Cientícos de revistas cientícas em Ciência da Informação no Brasil
e no exterior. Participou do grupo de pesquisadores que criou e implantou o
Instituto de Políticas Públicas de Marília (IPPMar) e Rede Mulheres Vivas da
Faculdade de Ciências - Campus de Marília. Atualmente é membro do Conselho
e também gestora do Portal de Periódicos Eletrônicos da Faculdade de Filosoa
e Ciências da Unesp - Marília. E-mail: mariangela.fujita@unesp.br
nuriA Piñol
Abogada graduada con honores, con orientación en Derecho Penal y Derecho
Internacional Público de los DDHH, Universidad de Bs.As., Argentina, 1999.
Maestranda en DDHH, Estado y Sociedad, UNTREF, Argentina. Asistente
de investigación en el Proyecto "Operación Cóndor: Rendición de cuentas
por crímenes transnacionales en Sudamérica", Univ. de Oxford, 2017-2018.
Consultora académica del Observatorio de DDHH Luz Ibarburu, Uruguay,
en 2017. Integrante del Grupo “Género y Derecho”, Facultad de Derecho,
UdelaR, Montevideo, entre 2016 y 2018 y docente invitada del Curso de
posgrado "DDHH, Género y Terrorismo de Estado" de esa Facultad, 2017-
2018. Diseñó y dictó seminarios de capacitación y talleres para scales y
funcionarios en Argentina y Uruguay sobre el juzgamiento de crímenes de
lesa humanidad, género y derechos humanos y expositora en seminarios y
talleres locales en esos países e internacionales sobre estos puntos. Autora
de distintos artículos sobre esos temas y derecho penal. Trabajó en el Poder
Judicial, Consejo de la Magistratura, Ministerio de Justicia y Ministerio
Público Fiscal de ese país. Se desempeñó en la Procuraduría de Crímenes
contra la Humanidad y, desde 2010, fue scal ad hoc en distintas causas de
esta naturaleza desde 2010 y auxiliar scal desde 2018 hasta la actualidad.
E-mail: nuripinol@yahoo.com
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 395
PAolA melcHiori
Paola Melchioris background is in philosophy, anthropology and
psychoanalysis. In the seventies she left the University to work as a teacher
and a director of the Union’ s Formation Center for Adult Education.
She is the co/founder and past president of e Womens Free University
in Milan (1986), of the Research and Intercultural Education Association
Crinali (1996-2001), of the International Feminist University Network,
(2001-2009), all “free universities”, international think-thank for womens
critical thinking and education. eir goal was to create free spaces of critical
thinking, teaching and learning in order to develop and make visible new
paradigms of knowledge based on womens ways of knowing and learning,
working in an interdisciplinary way across cultures, classes and specializations.
In the eighties/nineties she has worked in International Development, mainly
in Africa and Latin America, in womens education projects, forming an
international network of academics, artists, social activists, aiming at creating
a meaningful holistic knowledge, interdisciplinary and action oriented. She is
author of three books, and has written on feminist theory and on the topics
of knowledge creation. Feminist theorist and writer, author of books/videos/
articles on feminist issues,,, has created nationally and internationally, free
spaces of critical thinking, based on the model of the Free Universities. eir
main idea is to develop and make visible new paradigms of knowledge based
on womens ways of knowing, working in an interdisciplinary way across
cultures, classes and specializations. E-mail: pmelchiori@gmail.com
rAul ArAGão mArtins
Psicólogo pela Faculdade Salesiana de Filosoa Ciências e Letras de Lorena
(1977), Mestre (1986) e Doutor (1991) em Psicologia, pela Fundação
Getúlio Vargas - RJ. Pós-Doutorado em Drogadependência pela “e
University of Washington” (Seattle, USA). Atualmente é professor associado
do Departamento de Educação do Instituto de Biociências, Letras e Ciências
Exatas da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e credenciado como
professor e orientador no Programas de Pós-Graduação em Educação, da
mesma universidade, campus de Marília. Investiga questões ligadas ao
Desenvolvimento Social e da Personalidade, atuando principalmente nos
seguintes temas: desenvolvimento sociomoral, uso de álcool e outras drogas
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
396 |
por adolescentes, desenvolvimento infantil, educação infantil e crianças
adolescentes em situação de vulnerabilidade. E-mail: raul.martins@unesp.br
roDriGo DuArte fernAnDes Dos PAssos
Doutor em Ciência Política pela USP e Livre-Docente em Teoria das Relações
Internacionais pela Unesp. É Pesquisador do Instituto de Estudos Econômicos
e Internacionais da Unesp. É Docente do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais e Vice-Chefe do Departamento de Ciências Políticas e
Econômicas, ambos da Faculdade de Filosoa e Ciências da Unesp de Marília.
E-mail: rodrigo.passos@unesp.br
rosiney APAreciDA loPes Do VAle
Graduada em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho - Unesp/Assis (2000), mestre em Letras pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho -Unesp/Assis (2005), doutora em Educação
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp/Marília
(2015). Atualmente é professora adjunta dos cursos de Letras (Português/
Inglês e Português/Espanhol) do Centro de Letras, Comunicação e Artes da
Universidade Estadual do Norte do Paraná, campus de Jacarezinho. É integrante
do Grupo de Pesquisas Preservação dos Bens Culturais: História, Memória,
Identidades e Educação Patrimonial da UENP/CJ, do Núcleo de estudos afro-
brasileiros e indígenas (Neabi) - UENP e da Comissão de Acompanhamento
das Ações Armativas (Caaf) - UENP. Atua, principalmente, na área de Letras
e da Educação com ênfase na Formação inicial e continuada de Professores,
Estudos afro-brasileiros, Políticas Educacionais e curriculares, Linguística
Aplicada, Língua Portuguesa e Língua Latina. E-mail: rosineyvale@uenp.edu.br
sofiA AlmeiDA sAntos
Assessora do Ministro da Educação de Portugal. É membro integrado do
Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Faculdade de Psicologia
e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Foi investigadora pós-
doc no projeto internacional de grande escala “RESL.eu – Reducing Early
School Leaving in the EU” [2013-2018]). Tem um Doutoramento Europeu
(2015) e um mestrado (2009) em Ciências da Educação nas áreas de género,
juventude, cidadania e educação sexual. Enquanto investigadora do CIIE,
Mulheres, Gênero e Sexualidades na sociedade - diversos olhares sobre a cultura da desigualdade
Volume I
| 397
desde 2006, tem participado ativamente em diversos projetos cientícos e de
investigação, ao nível nacional e internacional, realizado várias mobilidades
internacionais (Warwick University, Cambridge University; Leeds University;
Mikolas Romeris University), assim como lecionado nas suas áreas de interesse.
Entre 2017 e 2019, integrou o grupo de trabalho responsável pela elaboração
da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, e promoveu diversos
serviços de consultoria como perita em “Digital Citizenship Education
para o Conselho da Europa, membro do Conselho Cientico-Pedagógico
de Formação Contínua de professores, e consultora cientíca da Direção
Regional dos Açores. E-mail: soasantos@fpce.up.pt
sôniA APAreciDA custóDio
Coordenadora do NUAC Núcleo de Apoio à Comunidade da Famema e HC,
presidente do Instituto UNCORA – Unidos contra o racismo, formada em
Ciências Sociais, pela Universidade São Marcos, especialização em Sociologia,
pela Faculdade Estácio de Sá, Mestre em Saúde e Envelhecimento pela
Famema – Faculdade de Medicina de Marília; atualmente cursa especialização
em Ciência Política pela Estácio de Sá. E-mail: sonia@famema.br
suelen cristinA lAnDi rAmos
Graduada em Psicologia pela Universidade de Marília (UNIMAR). Já atuou
como coordenadora do Grupo de Estudos em Psicologia Social da UNIMAR,
mediou palestras acerca das temáticas: Direitos Humanos, gênero, sexualidades
e educação na Universidade Estadual Paulista (UNESP/FFC). Atualmente,
trabalha como psicóloga clínica de orientação psicanalítica. Desenvolve
estudos com ênfase em Psicologia Social e Psicanálise. E-mail: suelen.landi@
hotmail.com
tâniA suely Antonelli mArcelino brAbo
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (1991), mestrado em Educação pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1997), doutorado em Sociologia
pela Universidade de São Paulo (2003) e pós-doutorado em Educação pela
Universidade do Minho-Braga-Portugal (2007). Investigadora visitante no
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (2007). Professora
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (Org.)
398 |
assistente doutora efetiva do Departamento de Administração e Supervisão
Escolar, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de
Marília. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Administração
de Unidades Educativas e Políticas Educacionais, atuando principalmente
nos seguintes temas: gestão democrática, direitos humanos, gênero, cidadania
e educação. Lider do Grupo de Pesquisa NUDISE- Núcleo de Gênero e
Diversidade Sexual na Educação, Membro do NUDHUC-Núcleo de Direitos
Humanos e Cidadania de Marília e do Observatório de Educação em Direitos
Humanos da UNESP. E-mail: tania.brabo@unesp.br
terezA cristinA Albieri bArAlDi
Atualmente advogada e professora na Academia de Polícia de São Paulo. Foi
delegada de polícia (1991-2013), atuou na Delegacia de Defesa da Mulher,
trabalhando diretamente com violência de gênero e violência sexual. Professora
universitária na área de Direito Constitucional e Direitos Humanos. Professora
na Academia de Polícia Dr Coriolano Nogueira Cobra (Policia Civil), leciona
as disciplinas: Direitos Humanos, Ética Prossional, Violência de Gênero,
Didática do Ensino Superior e Metodologia da Pesquisa Cientica (nos cursos
de Especialização da Academia). Graduada em Direito, com Especialização
em Psicologia – violência sexual contra crianças e em Gestão de Segurança
Pública e Justiça Criminal (ambos na USP); mestrado em Educação (Unesp)
e em Direito (Univem), doutora em Educação (Unesp). Pesquisa Violência
de Gênero, Direitos Humanos e Didática do Ensino para adultos. Membro
fundador do Núcleo de Direitos Humanos de Marília desde 1987. Foi
Secretária Municipal da Juventude e Cidadania de Marília (2014-2016).
E-mail: tecabar@terra.com.br
tHAis emíliA De cAmPos Dos sAntos
Doutora e mestre em Educação na Unesp. Psicopedagoga. Consultora em
Educação Inclusiva, Diversidade e Educação Sexual. Presidente e fundadora da
ABRAI- Associação Brasileira Intersexo. Membro da Rede de Apoio a Familia
e Pessoa Intersexo “Jacob (y) Cristopher”, parceria projeto Dê Coração/
ABRAI/Unifesp. Mãe de intersexo. E-mail: thais.emilia@hotmail.com
cAtAloGAção
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
normAlizAção
Maria Elisa Valentim Pickler Nicolino
CRB - 8/8292
Elizabete Cristina de S. A. Monteiro
CRB - 7963/0
Isabelle Ribeiro Ornelas Coelho Lima
cAPA e DiAGrAmAção
Gláucio Rogério de Morais
ProDução GráficA
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
AssessoriA técnicA
Renato Geraldi
oficinA uniVersitáriA
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
formAto
16 x 23cm
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Adobe Garamond Pro
Papel
Polén soft 70g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
tirAGem
100
imPressão e AcAbAmento
2020
sobre o liVro
CULTURA
ACADÊMICA
E d i t o r a
E s ta c o l e t â n e a é r e s u l t a d o d o i n cansável
comprometimento de Tânia Suely Antonelli Marcelino
Brabo com a sistematização e a divulgação do debate de
gênero nas Ciências Humanas em suas mais variadas
áreas.
Este volume articula as temáticas de gênero e de direitos
humanos contribuindo para a reflexão sobre temas ainda
hoje considerados polêmicos e, atualmente, sob a mira
do ataque antigênero.
Com diferentes perspectivas os textos aqui compilados
nos ajudam a resgatar um longo trajeto no qual as
distintas dimensões da ampliação dos direitos humanos
sob a ótica das relações de gênero enfrentam a produção
das desigualdades impostas às mulheres e às pessoas
LGBTQIA+ em suas múltiplas formas de opressão. Mas
vai além ao registrar também a resistência e a construção
de uma cidadania ampliada capaz de conquistas
coletivas criadas e fortalecidas na ação conjunta.
Em tempos de desaos extremos impostos pela
pandemia causada pelo novo coronavírus com a
intensificação da morte e da subalternização de mulheres
e de pessoas que fazem parte da comunidade
LGBTQIA+ fica o convite à leitura de uma obra de
importante contribuição ao considerar as relações sociais
de gênero como dimensão que estrutura as
desigualdades sociais e impulsiona a luta por direitos.
Cláudia Vianna
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP)
ISBN 978-65-86546-83-5