A dominante modalidade de relações de produção, dos homens com
a natureza, e entre eles próprios, se não estão esgotadas, encontram-se
no limite intransponível do seu potencial. Forças de desenvolvimento
social outrora, essas relações converteram-se em sua antítese, em proble-
ma social imenso que reclama sua superação histórica. Como os donos
do poder se encontram inexoravelmente comprometidos com a ordem
social, a empreitada cabe às classes trabalhadoras, que contam com uma
teleologia secular de revolução social.
Um fragmento dessa teleologia, protosocialista, foi com o que se de-
parou Laís Lima em seu estudo histórico-empírico realizado na Escola
Milton Santos, em Maringá, PR. A pesquisadora constatou que nela se
pratica uma pedagogia contraposta às antinomias supra referidas, e que
suas principais ferramentas são o ensino da agroecologia e a gestão de-
mocrática. A agroecologia promove uma relação não agressiva da so-
ciedade com a natureza, assim como o entendimento de que sua prática
é incompatível com as relações de trabalho dominantes. Esse é um dos
motivos pelo qual o seu incremento é indissociável do estabelecimento
de novas relações de produção pedagógicas. Estas se expressam na ges-
tão democrática da escola, cujo parentesco, no entanto, não é a demo-
cracia liberal, mas a democracia proletária aorada na Comuna de Paris.
O ótimo trabalho de Lima nos conduz com segurança pelos meandros
dessa prática escolar, o que facilita a consulta dos leitores, dentre os
quais, o movimento popular (MOP) é virtualmente o mais interessado.
Isto porque, o fenômeno examinado é uma sugestiva exemplicação de
como pode ser encaminhado, mutatis mutandis, o tão necessário reen-
contro do MOP com o clássico objetivo de reapropriação do trabalho
pelos trabalhadores, o qual, no antropoceno, não pode prescindir da luta
pela agroecologia.
CANDIDO G. VIEITEZ
GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPAÇÃO
NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
AGROECOLÓGICA DO MST (PR)
limites e possibilidades de uma
educação emancipatória
Laís Ribeiro dos Santos Lima
A auto-organização dos estu-
dantes, um dos princípios pedagógicos
da educação do MST, é compreendida
e praticada na Escola como um processo
que visa instaurar coletivos e formas de
organização do processo democrático.
Ao mesmo tempo, esse processo viabili-
za a inserção dos educandos em práticas
de autoformação e em experiências rele-
vantes para a conformação da coletivida-
de e da cooperação.
O referencial teórico adotado e
o material empírico analisado fazem da
obra de Laís Ribeiro dos Santos Lima
uma leitura fundamental para aqueles
que queiram estudar e aprender sobre a
educação do MST.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
Este livro aborda a participação e
a gestão democrática na educação agro-
ecológica do MST, trabalhando os li-
mites e possibilidades de uma educação
emancipatória na atualidade. Para tanto,
a autora buscou vericar e analisar a or-
ganização da gestão democrática (GD)
e os mecanismos de participação desen-
volvidos na educação prossional agroe-
cológica, a partir de práticas realizadas na
Escola Milton Santos do MST.
A autora identicou que a educação do
MST tem especicidades relacionadas à
sua gênese e aos objetivos denidos por
um movimento social que fez a opção
de organizar a produção, a educação e
a luta pela democratização da terra e da
sociedade.
A criação de escolas e cursos de
educação prossional pelo MST, nas
áreas de reforma agrária, bem como as
diretrizes desta educação denotam uma
perspectiva de construção, no campo
brasileiro, de um novo espaço de vida,
marcado pela tentativa de instauração
de novas relações de trabalho e de uma
sociabilidade que leve em conta a iden-
tidade política e cultural dos Sem Terra.
Em especial, a agroecologia coloca, não
apenas o desenvolvimento de novas rela-
ções com tentativa de des(alienação) do
trabalho, mas, sobretudo, uma relação de
intercâmbio e preservação da natureza e
uma nova sociabilidade.
No que diz respeito à gestão de-
mocrática na Escola Milton Santos, a
autora vericou que o seu desenvolvi-
mento se baseia em princípios e práticas,
que têm como cerne a sociabilidade co-
letiva e a autogestão, entendidas como
projeto de sociedade. Ainda que a GD
se desenvolva em sentido restrito, os seus
princípios permeiam os documentos e as
práticas educativas da escola.
GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPAÇÃO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL AGROECOLÓGICA DO MST (PR)
Laís Lima
NEUSA MARIA DAL RI - UNESP/MARÍLIA
GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPAÇÃO
NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
AGROECOLÓGICA DO MST (PR):
limites e possibilidades de uma educação
emancipatória
LAIS RIBEIRO DOS SANTOS LIMA
LAIS RIBEIRO DOS SANTOS LIMA
GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPAÇÃO
NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
AGROECOLÓGICA DO MST (PR):
limites e possibilidades de uma educação
emancipatória
Marília/Oficina Universitária
São Paulo/Cultura Acadêmica
2020
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS FFC
UNESP - campus de Marília
Diretor
Prof. Dr. Marcelo Tavella Navega
Vice-Diretor
Dr. Pedro Geraldo Aparecido Novelli
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Marcos Antonio Alves
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Conselho do Programa de Pós-Graduação em Educação -
UNESP/Marília
Graziela Zambão Abdian
Patrícia Unger Raphael Bataglia
Pedro Angelo Pagni
Rodrigo Pelloso Gelamo
Maria do Rosário Longo Mortatti
Jáima Pinheiro Oliveira
Eduardo José Manzini
Cláudia Regina Mosca Giroto
Imagem de capa: Escola Milton Santos
Auxílio Nº 0798/2018, Processo Nº 23038.000985/2018-89, Programa PROEX/CAPES
Ficha catalográfica
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Lima, Lais Ribeiro dos Santos.
L732g Gestão democrática e participação na educação profissional agroecológica do MST (PR) : limites e
possibilidades de uma educação / Lais Ribeiro dos Santos Lima. Marília : Oficina Universitária ; São
Paulo : Cultura Acadêmica, 2019.
171 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-86546-70-5 (Impresso)
ISBN: 978-65-86546-94-1 (Digital)
DOI: https://doi.org/10.36311/2020.978-65-86546-94-1
1. Democracia e educação. 2. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. 3. Autodeterminação
(Educação). 4.Ensino profissional - Maringá (PR). 5. Ecologia agrícola. I. Título.
CDD 379.193
Copyright © 2020, Faculdade de Filosofia e Ciências
Editora afiliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Oficina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
AGRADECIMENTOS
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ _________________ ____________ _______
A conclusão desse trabalho não poderia resultar em outra coisa a
não ser num sentimento de imensa gratidão. Gratidão essa que não tem
como mensurar em objetos ou palavras, talvez a única maneira de expressar
este sentimento seja seguir o exemplo dos trabalhadores e trabalhadoras
Sem Terra e tentar através da mística imprimir este sentimento de
conclusão e de gratidão.
Não por falta de vontade, mas de coragem, me restringirei em
imprimir sinceras palavras àqueles que direta ou indiretamente
contribuíram para que esse momento chegasse.
Agradeço primeiramente a minha família por me permitir
vivenciar este processo educacional e profissional, mesmo que por
inúmeras vezes a ausência tenha lhes pesado. Por compreenderem meus
anseios e respeitarem minhas decisões, por sempre acreditarem no meu
potencial e por me incentivar nos estudos. Principalmente a meu pai,
homem íntegro e sincero, pelo apoio e conselhos nos momentos mais
difíceis.
Ao meu orientador, Henrique Tahan Novaes, pela confiança,
oportunidade e dedicação em todo o período do mestrado e
posteriormente, sempre me incentivando a retornar ao campo acadêmico.
Por todo seu esforço e paciência incalculável, sou imensamente grata.
Aos professores Candido Vieitez e Neusa Maria Dal Ri pelas
colocações pertinentes durante o Seminário de Pesquisa em 2013. E pelas
imensuráveis contribuições durante as reuniões do grupo de estudo e do
grupo de pesquisa, no período de desenvolvimento da pesquisa.
Às professoras da banca do exame geral de qualificação, novamente
professora Neusa Maria Dal Ri e professora Maria Aparecida Cecílio.
Aos professores da banca da defesa professor Candido Vieitez e
professor Luiz Carlos de Freitas, pelas colocações pertinentes e pelo
incentivo para o futuro.
Aos colegas do grupo de pesquisa Organizações e Democracia,
pelas discussões que aguçaram o desenvolvimento dessa pesquisa e o meu
crescimento intelectual. Principalmente a parceira e amiga Patrícia
Piovezan, deixo meus sinceros agradecimentos.
Aos amigos de longa data, Luana e Cauê pelas indicações e
questionamentos sempre instigantes e pela convivência construtiva.
Às amigas de coração Maria Carina, Renata Amorim e Luciana
Meire, pelos ouvidos sempre atentos e pelas palavras de motivação.
Aos amigos Luana e Jesse, por me receberem sempre de braços
abertos para um período de descanso. Vocês estão no meu coração!
À amiga incansável Fernanda Dalmatti, pelas leituras atentas e
ouvidos dispostos, sempre contribuindo com seu jeito carinhoso de ser.
Ao meu querido companheiro Alexsandro Soares de Lima, pela
paciência, amor e cuidado, deixo meu agradecimento e reconhecimento,
sem você não teria sido tão bom!
Aos companheiros e companheiras da escola Milton Santos, pela
confiança e abertura.
Ao CNPq pelos meses de financiamento.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP, processo2012/21934-9) pelo financiamento integral da
pesquisa.
Em especial aos funcionários da FFC, principalmente os da
Biblioteca e da Seção Técnica de Pós Graduação.
Agradeço também aos funcionários do escritório de pesquisa da
FAPESP, pelas inúmeras ajudas e socorros quando ninguém mais sabia o
que fazer!
E finalmente a todos os sujeitos Sem Terra que direta ou
indiretamente contribuíram para compreensão dessa pesquisa e
principalmente para o meu amadurecimento.
A luta continua!
[...] Fui assassinado
Morri cem vezes
e cem vezes renasci
sob os golpes do açoite.
Meus olhos em sangue
testemunharam
a dança dos algozes em torno do meu cadáver.
[...] Fui poeta
Do povo da noite
Como um grito de metal fundido
[...] como que acende fogueiras.
num país ainda em sombras:
meu ofício sobre a terra
É ressuscitar os mortos
e a apontar a cara dos assassinos.
(PEDRO TIERRA, 2010, p.29)
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ___________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______
ALCA
Área de Livre Comércio das Américas
ATEMIS
Associação de Trabalhadores na Educação e
Produção em Agroecologia Milton Santos
BIRD
Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento
CAPP
Coletivo de Acompanhamento Político
Pedagógico
CEAGRO
Centro de Desenvolvimento Sustentável
Agropecuário de Educação e Capacitação em
Agroecologia e Meio Ambiente
CN
Congresso Nacional
CNBT
Coordenação dos Núcleos de Base da Turma
COPAVI
Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória
COPERNATURINGA
Cooperativa Mista de Agroindustrialização
Comercialização da Agricultura Familiar e
Reforma Agrária
CPAs
Cooperativas de Produção Agropecuária
CPP
Coordenação Político Pedagógico
CPT
Comissão Pastoral da Terra
DN
Direção Nacional
EJA
Educação de Jovens e Adultos
EMS
Escola Milton Santos
ENERA
Encontro Nacional de Educadoras e Educadores
da Reforma Agrária
ENFF
Escola Nacional Florestan Fernandes
FAPESP
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo
FMI
Fundo Monetário Internacional
FUNDEP
Fundação de Desenvolvimento, Educação e
Pesquisa da Região Celeiro
GD
Gestão Democrática
IEJC
Instituto de Educação Josué de Castro
IFPR
Instituto Federal do Paraná
INCRA
Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária
ITEPA
Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da
Reforma Agrária
ITERRA
Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da
Reforma Agrária
LDBEN
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MS
Movimento Social
MST
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NB
Núcleo de Base
OMC
Organização Mundial do Comércio
PROEJA
Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos
PRONERA
Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária
PPP
Projeto Político Pedagógico
RA
Reforma Agrária
SPCMA
Setor de Produção, Cooperação e Meio
Ambiente
TAC
Técnico em Administração de Cooperativas
TE
Tempo Escola
TC
Tempo Comunidade
UEM
Universidade Estadual de Maringá - PR
UFPR
Universidade Federal do Paraná
UNIOESTE
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
SUMÁRIO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ________
PREFÁCIO .........................................................................................17
INTRODUÇÃO.................................................................................23
O Estado capitalista e a gestão escolar estatal
O surgimento do MST e de sua pedagogia
CAPÍTULO I
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
EDUCAÇÃO DO MST ......................................................................41
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: características e
princípios
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: a luta por educação
A educação profissional no Movimento
A agroecologia no contexto da Educação Profissional do MST
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: a luta pela terra
A participação dos sujeitos Sem Terra
CAPÍTULO II
A ORGANICIDADE DO MST NO ESTADO DO PARANÁ E O
PRINCÍPIO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA .............79
A organicidade do Movimento
A educação profissional agroecológica no MST
O princípio da Gestão Democrática do ensino
Gestão Democrática nas escolas do MST
Dimensão da autogestão
Dimensão da auto-organização
Dimensão da participação efetiva e inserção na coletividade
CAPÍTULO III
A GESTÃTO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA MILTON: RELAÇÕES
TEÓRICO-PRÁTICAS ....................................................................117
Escola Milton Santos de Agroecologia
A organicidade da Escola Milton Santos
Participação dos sujeitos na gestão da escola
Quanto à participação dos educandos
Quanto à participação dos educadores
Quanto à participação dos coordenadores
Quanto à participação dos moradores permanentes
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................157
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................163
17
PREFÁCIO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ______
As classes proprietárias definitivamente abandonaram suas
propostas de democracia burguesa. Parlamentos do mundo inteiro se
converteram em espaços onde há somente uma possibilidade
“democrática”: a ditadura do capital financeiro. Pior que isso, as decisões
fundamentais dos rumos da sociedade foram transferidas para as
corporações transnacionais ou para as bolsas de valores.
Gestores do capital, CEOs, tecnocratas, ou o que Mészáros chama
de “personificações do capital” decidem os rumos da humanidade: o que
produzir, como produzir, o que consumir, quem terá direito a emprego,
moradia, trabalho e educação. Eles decidem quem será condenado a
miséria, quais países ou regiões terão investimentos produtivos ou
improdutivos.
No caso brasileiro, o parlamento ganhou sua forma perfeita, se
tornou um espaço do capital, com representantes dos donos de porcos,
frangos, bois, soja, milho, cana, minério e etc. Todos os animais e demais
commodities do agronegócio estão bem representados, mas os seres
humanos não. Através de ampla manipulação, foram “eleitos” pelo povo,
mas representam os direitos do capital. Em tempos de eleições, basta um
candidato a vereador, prefeito, governador ou presidente acenar para uma
agenda de direitos sociais que será rapidamente expelido pela mídia
(verdadeiro braço do grande capital) por ser de “extrema esquerda”.
https://doi.org/10.36311/2020.978-65-86546-94-1.p17-21
18
O Brasil nunca teve uma democracia burguesa com letras
maiúsculas, que fosse respeitada. De tempos em tempos, um golpe aqui e
outro acolá faz-se necessário para botar ordem na casa.
No microcosmo de escolas do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), como fruto da resistência dos movimentos
sociais latino-americanos ao avanço do capital, se vivencia uma democracia
radical impossível de ser realizada em sociedades controladas pelo capital
financeiro. Como nos mostra a pesquisa de Lais Santos, nas escolas do
MST existe uma outra forma de exercitar a democracia. Os alunos
participam das decisões fundamentais da escola, se organizam para
deliberar e cumprir as deliberações. As decisões mais importantes são
resolvidas nos coletivos e conselhos que compõem a escola, e no qual todos
os sujeitos que ali estão (educandos, educadores, coordenadores e
moradores da escola) participam. Não existe a figura despótica da diretora
ou do diretor, e muito menos dos supervisores escolares. Lais Santos nos
mostra que a forma escolar é tão importante quanto os conteúdos
socializados. Evidencia que a escola produz relações sociais, e dependendo
do caminho adotado, pode formar politicamente seres alienados e
submissos, ou jovens lutadores que praticam um “currículo político”.
Em países com marcas autocráticas como o Brasil, com um sistema
educacional extremamente verticalizado, com decisões de cima para baixo,
as liberdades democráticas dos alunos, professores e lideranças do MST se
tornam um “luxo”, uma espécie de oásis num deserto autocrático.
A pesquisa de Lais Santos ora apresentada se detém principalmente
na Escola Milton Santos, situada na cidade de Maringá (PR). Tivemos a
oportunidade de visitar este espaço várias vezes. Curiosamente a escola
divide muro com um presídio. De um lado, a solução encontrada pelo
19
capital para as massas deserdadas, o presídio, com a punição clássica e
provavelmente a Educação de Jovens e Adultos (EJA) de péssima
qualidade. Do outro lado do muro, as liberdades para se exercitar o ensino
emancipado, a convivência fraterna entre professores e alunos, formas de
gestão democrática e ensino técnico agroecológico.
Dentro dos limites de uma dissertação de mestrado, Lais Santos
consegue demonstrar o exercício da gestão democrática na escola de
educação profissional agroecológica, bem como suas contradições. Para
isso foram realizadas inúmeras entrevistas, observação da escola,
levantamento e análise dos principais textos sobre gestão democrática em
escolas profissionalizantes de movimentos sociais.
Por ser uma escola do trabalho baseada na agroecologia, os alunos
têm a oportunidade de teorizar e praticar a agroecologia, plantar sem
venenos, usar adubos orgânicos, em sintonia com seus assentamentos. Em
muitos casos, esses jovens “levam” o novo paradigma de produção (a
agroecologia) para suas comunidades e trazem problemas teórico-práticos
para a escola, uma vez que a escola se baseia na pedagogia da alternância.
Muitos alunos que saíram dali, certamente hoje, estão semeando
em várias regiões do país formas de decisão democráticas, não baseadas na
esperança de que um líder carismático ou um coronel vai trazer a solução
para seus problemas. Estão semeando também formas de produzir na terra
baseadas no trabalho associado, na policultura e na produção de alimentos
saudáveis para o povo, bases da agroecologia. Saíram de lá técnicos que
estão difundindo os princípios da produção de valores de uso, e não os da
produção destrutiva do agronegócio. Eles se diferenciam dos técnicos e
agrônomos pró capital, com suas receitas de bolo e fórmulas “mágicas” que
20
“levam” conhecimentos prontos e acabados para os latifundiários,
camponeses e agricultores familiares.
É preciso destacar que a Escola Milton Santos foi instalada num
terreno de uma fábrica que faliu. O prefeito, personificação dos capitalistas
da região, realizou várias investidas para acabar com a escola.
Em países como o Brasil, verdadeiro “latifúndio do
conhecimento”, a educação é privilégio de alguns. O MST, ao lado de
outros movimentos sociais, tem lutado bravamente para construir
embriões de educação para am do capital e para construir uma
democracia popular, não só no microcosmo das suas escolas. Se esta
proposta for levada a cabo, num nível mais amplo, o desafio será enorme:
construir uma democracia socialista, onde a classe trabalhadora decida o
que produzir, como produzir, como viver e para quê viver.
Num contexto de Golpes (como o de 2016), de avanço da extrema
direita e “pelourização” dos lutadores sociais, os prejuízos para os que
vivem do trabalho têm sido enormes. No caso do MST, o prejuízo é que
os fundos públicos para a manutenção de escolas como a Milton Santos
foram conscientemente estrangulados, impedindo o bom funcionamento
da escola.
Porém, num novo ciclo de lutas a classe trabalhadora não precisará
partir do “zero”. A experiência acumulada pela Escola Milton Santos
como tantas outras escolas do MST que foram criadas permitirá a classe
trabalhadora, dar um salto na construção de sistemas educacionais para
além do capital.
Parabéns a Lais Santos pela pesquisa cuidadosa e precisa. Parabéns
por ter cumprido todas as fases da pesquisa num tempo bastante exíguo.
21
Parabéns também aos lutadores da Escola Milton Santos! Os fundos
públicos para a manutenção da escola foram “fechados”, mas essa
experiência continua viva e aberta, ao contrário do presídio ali ao lado e da
nossa democracia, que foi interrompida definitivamente.
Henrique Tahan Novaes
FFC-UNESP
Marília, 27 de agosto de 2020
22
23
INTRODUÇÃO
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ________
O presente livro é parte do resultado de um estudo amplo
1
, que
tinha como objetivo investigar o sistema escolar e a pedagogia do MST,
segundo uma perspectiva de totalidade do Movimento (política,
econômica e educacional), desvelando as leis tendenciais que estruturam e
presidem o desenvolvimento da sua educação.
Intitulado de Gestão Democrática e Participação na Educação
Profissional Agroecológica do MST (PR): limites e possibilidades de uma
educação emancipatória, o presente estudo pretende abordar a questão da
Gestão Democrática (GD) e da participação na educação profissional do
MST, investigando por meio das práticas educativas em agroecologia, as
principais características e tendências que apontem para uma perspectiva
emancipatória de educação
2
.
Para isso o nosso trabalho buscou identificar e analisar como se
organizam a GD e a participação no âmbito da educação profissional
agroecológica, a partir das práticas desenvolvidas em um centro/escola do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no município de
Maringá no Paraná e ainda verificou como se efetiva a participação dos
educandos, educadores e coordenadores na gestão desta escola.
1
Concepções teórico-práticas de educação e trabalho no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST)
1
- Pesquisa coordenada pela Profa. Dra. Neusa Maria Dal Ri juntamente com o Prof. Dr. Candido
Vieitez e desenvolvida por diversos pesquisadores vinculados ao grupo de pesquisa Organizações e Democracia
nos anos de 2013 a 2015.
2
O presente estudo contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP).
24
Baseado em estudos anteriores (DAL RI, 2004; DAL RI,
VIEITEZ, 2004; 2008), verificamos que o MST ao adotar uma concepção
pedagógica própria e específica de educação, institui em suas escolas o que
ele denomina de Gestão Democrática (GD). No entanto, depreendemos
dessas leituras que a GD não é homogênea nos acampamentos,
assentamentos e escolas do Movimento, pois inúmeros fatores contribuem
para variações na organização e gestão da vida nesses ambientes. Deste
modo, algumas questões foram levantadas e balizaram a pesquisa, tais
como: O que é gestão escolar democrática para o Movimento? Como se
organiza a gestão democrática em suas escolas? Como se efetiva a
participação coletiva na gestão dessas escolas? Qual o papel dos educandos
na gestão da escola? Como se configura a participação dos educadores na
gestão escolar?
Nosso objeto de estudo centrou-se em um dos cinco
centros/escolas de agroecologia do MST no estado do Paraná, a Escola
Milton Santos (EMS), que tem realizado um trabalho diferenciado no que
tange a organização escolar e o desenvolvimento da agroecologia. Partimos
da constatação de que o MST se configura enquanto um movimento social
(MS) que estabelece uma crítica ao atual sistema de produção e reprodução
da sociedade capitalista. Sabemos que o MST construiu ao longo dos anos
determinados princípios educativos que objetivam compreender a
totalidade das relações sociais e visam à formação integral do indivíduo
(DAL RI, 2004). Temos das leituras de Guhur (2010) e Lima (2011) que
desde o ano 2000 o MST insere em sua agenda a agroecologia em
contraposição à produção de alimentos envenenados, buscando uma
produção agrícola em consonância com seus objetivos enquanto MS o que
levou à criação de escolas de educação profissional em agroecologia para
formar técnicos neste paradigma.
25
Entendemos que a educação oferecida nos centros/escolas de
educação profissional do MST está baseada na formação omnilateral do
sujeito, buscando, através da ocupação da escola e apropriação dos
conhecimentos historicamente produzidos, construir e direcionar o ensino
sob uma intencionalidade política pedagógica contrária à conformação e
reprodução das relações sociais capitalistas.
A hipótese que permeou nossa pesquisa era a de que a GD e a
participação na escola pesquisada se organizavam por meio de princípios e
ações, como a autogestão, auto-organização, a participação efetiva e a
inserção na coletividade, buscando a compreensão do ambiente educativo
visando uma intencionalidade pedagógica específica.
Por GD entendemos o processo que possibilita a criação de um
espaço de participação democrática possibilitando através de ações e
procedimentos diversos, que os diferentes sujeitos envolvidos no processo
pedagógico, participem efetivamente da direção coletiva da escola e das
tomadas de decisões pertinentes ao processo de gestão escolar.
Segundo Dal Ri (2004, p.36), “Autogestão - em seu sentido
restringido, significa a incorporação direta dos trabalhadores ou estudantes
nos órgãos básicos ou instâncias decisórias e de poder das organizações
(escolas, empresas, cooperativas)”. No âmbito deste livro, ao falarmos em
Autogestão estamos nos referindo ao processo que o MST denomina de
Autogestão Pedagógica, que tem por objetivo acelerar a consciência
organizativa dos sujeitos Sem Terra. Neste sentido, a autogestão
pedagógica é um processo que expressa o controle da vida escolar pelos
sujeitos da ação educativa (DAL RI, 2004, p.297). E que tem como
procedimento a organização por meio de coletivos, conselhos e/ou
comissões que a partir da participação de todos os sujeitos em assembleias
26
coletivas com direito ao voto universal, orientam e direcionam o ambiente
educativo.
Por auto-organização compreendemos o processo de inserção dos
educandos na coletividade da escola por meio de coletivos próprios, no
qual eles possam discutir questões referentes a sua formação e ainda a
participação destes no coletivo mais amplo da gestão da escola.
Por participação efetiva e inserção na coletividade entendemos as
ações que possibilitam a real participação dos envolvidos no processo de
gestão da vida escolar, por meio da inserção na coletividade organizada
(coletivos, equipes e núcleos). Confabulamos que destes princípios e ações
nascem germes de relações não capitalistas (BRIE, 2004), como afirmam
Lima et al. (2012, p.9)
[...] a estrutura orgânica e o processo de gestão, por intermédio da auto-
organização dos sujeitos, é a base que possibilita o planejamento, a
organização e a realização do trabalho, que é desenvolvido por meio de
relações de cooperação.
Dessa forma, para que o trabalho na escola aconteça e não seja
somente uma distribuição de tarefas, mas seja trabalho concreto e
socialmente útil é necessária uma estrutura combinada entre as pessoas e
realizada através de uma ação coletiva. A Pedagogia do MST busca uma
educação para a formação humana emancipatória, que contribua para
superação das relações escolares tradicionais, baseadas em uma estrutura
hierárquica e autoritária, que forma sujeitos subordinados dentro de uma
estrutura própria do Estado capitalista.
27
Entendemos, portanto, que uma educação emancipatória
compreende a relação dos sujeitos com eles mesmos e com a natureza,
possibilitando que estes sujeitos compreendam as relações sociais a qual
estão inseridos e os permita problematizar o seu cotidiano.
A estrutura orgânica que o MST assume em suas escolas, integra
elementos básicos que visam à construção de uma coletividade ampla da
escola, possibilitando assim, a vivência de um processo de GD, no qual os
diversos sujeitos organizados são convocados a participarem. Neste
sentido, Lima (2011, p.216) destaca
[...] que a intencionalidade pedagógica atribuída pela Escola para a
dimensão educativa organicidade convoca os sujeitos a assumirem a sua
condição de protagonista e sujeito histórico, com participação plena na
condução do trabalho e comando político das práticas educativas, em
consonância com os princípios políticos e organizativos do MST.
Ressaltamos que as categorias tomadas por nós para fins desta
pesquisa, foram denominadas como princípios da Gestão Democrática, e
são elas: autogestão, auto-organização, participação efetiva e inserção na
coletividade. Porém, vale lembrar, que estas categorias não são,
necessariamente, tomadas assim pelo próprio MST em seus documentos e
textos analisados, podendo se expressar na práxis pedagógica do
Movimento de forma heterogênea.
Para o desenvolvimento deste trabalho utilizamos a pesquisa
bibliográfica, juntamente com a aplicação de entrevistas semiestruturadas
e a observação direta na escola selecionada.
28
As observações e entrevistas aconteceram em dois momentos, um
momento mais geral para conhecimento da escola, sua gestão e o cotidiano
das famílias residentes no local, e o segundo momento no qual,
concentramos nossas observações na V turma do técnico em agroecologia
da escola EMS. Nossas entrevistas envolveram todos os sujeitos que
participam do cotidiano da escola, quais sejam: educandos, educadores,
coordenadores do Coletivo de Acompanhamento Político Pedagógico
(CAPP), coordenadores da Coordenação Político Pedagógica (CPP) da
escola, ex-educandos do curso técnico em agroecologia que hoje integram
o coletivo da escola e um educador externo da escola que ministrou aula
em algumas turmas do técnico em agroecologia.
O Estado capitalista e a gestão escolar estatal
Segundo Harvey (2005), o Estado capitalista surge enquanto
instrumento de dominação de classe, pois se organiza para sustentar a
relação básica entre capital e trabalho. Minto (2006) relembrando os
escritos de Engels (1964) destaca uma afirmação deste autor, quando diz
O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à
sociedade de fora para dentro; tampouco é a realidade da ideia moral,
nem a imagem e a realidade da razão, como afirma Hegel. É antes um
produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de
desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa
irremediável contradição com ela própria e está dividida por
antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para
que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos
colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta
estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima
da sociedade, chamado a amortecer o choque e mantê-lo dentro dos
29
limites da ordem. Este poder nascido da sociedade, mas posto acima
dela se distanciando cada vez mais, é o Estado (ENGELS, 1964, p.135,
grifos do autor).
Entretanto Novaes (2011, p.183) nos adverte que é necessário
compreender, que “[...] o Estado é uma relação ou processo não cabendo
aqui uma visão estática, determinista, mas sim, olhar dialético, de
apreensão do movimento, das contradições”. Ianni (1989) expõe que a luta
de classes é capaz de imprimir suas marcas no Estado e que a dinâmica da
sociedade reflete na configuração do Estado. Para o autor
A análise do Estado é uma forma de conhecer a sociedade. Se é verdade
que a sociedade funda o Estado, também é inegável que o Estado é
constitutivo daquela. As forças sociais que predominam na sociedade,
em dada época, podem não só influenciar a organização do Estado
como incutir-lhe tendências que influenciam o jogo das forças sociais
e o conjunto da sociedade. É claro que o Estado não pode ser
organizado senão em conformidade com as tendências da sociedade,
mas pode ser levado a privilegiar uma ou outra direção, conforme os
desígnios dos que detém o poder (IANNI, 1989, prefácio).
Neste sentido, compreendemos que apesar do Estado estar erigido
sob uma forte contradição, são necessárias forças sociais pautadas na
perspectiva da classe trabalhadora, para imprimir no Estado as
reivindicações desta classe. Conforme observaram Behring e Boschetti
(2011) ao analisarem os fundamentos e a história da política social, a
mobilização e organização da classe trabalhadora foram determinantes
para o surgimento das primeiras expressões de política social dadas como
resposta a questão social pelo Estado liberal predominantemente no final
30
do século XIX e pelo Estado social no início do século XX. As autoras ainda
apontam, que apesar dessa relação de continuidade entre Estado liberal e
Estado social, não existe uma polarização irreconciliável entre eles, mas sim
uma mudança profunda na perspectiva do Estado que passa a incorporar
orientações social-democratas (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).
No contexto brasileiro, Félix (1989, p.18) afirma que “[...] as
modificações do Estado brasileiro, que acompanharam as mudanças do
país, podem elucidar, portanto, a estruturação do sistema escolar, como
parte integrante deste Estado”.
Nesta perspectiva observamos o contexto histórico do Brasil, em
meados dos anos 1970 e 1980 no qual ressurgem as lutas pela Reforma
Agrária (RA) e para a destinação da terra para quem nela trabalha, por
habitação popular e controle autogestionário do processo de construção
das habitações, por uma educação não capitalista, pela recuperação de
fábricas por parte dos trabalhadores e geração de trabalho não alienado
3
. E
ainda mais precisamente no final da década de 1970 e início dos anos
1980, com a deflagração da luta contra a Ditadura Militar e pela
democratização do Estado e das organizações públicas, dentre elas as
escolas.
Nessa conjuntura no campo educacional organizou-se a luta pela
implementação de processos democráticos na escola pelos movimentos
organizados e representativos dos segmentos (professores, alunos e
funcionários) que desembocaram na luta em defesa da participação,
fundamentando sérias críticas em relação à administração empresarial
transposta para a escola.
3
Sobre isso, ver as coletâneas Movimentos Sociais, Trabalho Associado e Educação para além do capital, volumes
I e II, organizadas por Rodrigues, Batista e Novaes (2012; 2013).
31
Segundo Brabo e Dal Ri (2007, p.2) “[...] os anos 80 foram
marcados pelo intenso movimento de luta pela garantia dos direitos
fundamentais, o que levou à denominada abertura política e a garantia do
princípio na Lei da gestão democrática no ensino público”, o que
desencadeou diversas ações em torno da democratização da educação. No
entanto, os anos 1990 foram marcados pela elaboração e implementação
de políticas educacionais sob a influência do neoliberalismo que
dificultaram o desenvolvimento desse projeto político democrático nas
escolas.
As políticas neoliberais suplantaram as propostas da GD,
participação, descentralização e autonomia, reformulando estas ideias de
modo que se disseminassem no meio educacional sem realizar as
modificações e transformações inicialmente pensadas e discutidas pelos
movimentos sociais (FÉLIX, 1989). Com uma análise mais geral,
Tragtenberg (2006) inferiu que as propostas de participação democrática
nas fábricas, nos órgãos do Estado e nas escolas públicas tendiam a se
transformar em pseudo-participação. Como podemos observar nas
análises de Camini (2009, p.79), sobre o Estado capitalista, quando aponta
que este
[...] tem financiado a educação pública, mas a mantém sob seu controle
à medida que determina os conteúdos, os métodos, a avaliação, a
certificação, a formação dos professores e as formas de contratação
destes profissionais, além de manter uma fórmula que combina com a
perspectiva de sua reprodução.
Ou seja, a educação, nessa ótica, tem sido manipulada pelo setor
empresarial, a partir do aparelho do Estado, a gestão escolar democrática
tem sido garantida superficialmente pela legislação, mas não referendada
32
através de políticas efetivas de descentralização de poder na escola.
Entendemos que o Estado capitalista se mantém, de acordo com a
configuração de poder descrita por Lucia Bruno (1997) e que as relações
de poder instauradas na atualidade, se desfaz do antigo Estado Central,
diluindo-o por meio de privatizações e concessões à iniciativa privada, as
grandes empresas e bancos mundiais, esterilizando aos poucos a
possibilidade do Estado fazer política econômica e social verdadeiras.
Dessa forma, apesar das inúmeras lutas dos diversos MS, em
contexto históricos diferentes no país, observamos um engessamento no
campo educacional no que tange à gestão da escola pública, pois as
políticas atuais propõem a participação da comunidade na escola somente
no que se refere à arrecadação de fundos e ajuda material, como uma forma
do Estado se isentar das responsabilidades educacionais e materiais,
atuando no sentido da privatização dos bens e serviços sociais, sem abrir
mão do poder de decidir as questões essenciais do sistema educacional. A
forma com que o Estado opera no sentido da privatização não se reduz
apenas à venda de algumas empresas, mas ao processo do Estado de
desfazer-se do patrimônio público, privatizando serviços que são direitos,
como a saúde, educação, aposentadoria, lazer, transporte.
É nessa perspectiva neoliberal que se encontra atualmente o Estado
democrático brasileiro, e no que se refere a educação, observamos que a
política educacional sempre esteve pautada “[...] por tendências
conservadoras, as quais embora privilegiassem ora a racionalidade formal,
ora a racionalidade técnica, sempre se fundaram na divisão entre
pensamento e ação” (KUENZER, 2013, p.48). Das leituras de Felix Rosar
(1989) e Paro (2002), identificamos que a política educacional brasileira
e, consequentemente, o sistema educacional, sempre esteve assentado sobre
33
uma contradição que perpetua na escola até hoje, especialmente na
educação profissional. De um lado a escola clássica formativa de base
científica e cultural, porém com pouca relação com a realidade social, para
as classes dirigentes e do outro lado, a pragmática, instrumental,
adestradora, que promove a pseudoparticipação e forma para um trabalho
profissional aligeirado e fragmentado, quase sempre restrito a classe
trabalhadora.
O surgimento do MST e de sua pedagogia
Na contramão do sistema educacional brasileiro, no final do século
XX são organizados movimentos das camadas populares que estão nas
escolas públicas ou que buscam construir uma pedagogia voltada aos
interesses da classe trabalhadora, como é o caso das escolas situadas em
assentamentos da reforma agrária, as itinerantes dos acampamentos do
MST, bem como os centros/escolas de educação profissional do próprio
MST.
O MST se apresenta na década de 1980, oriundo da luta de
trabalhadores rurais por Reforma Agrária (RA), demonstrando as
contradições na questão agrária em relação à mundialização do capital, que
impõe ao país um modelo de desenvolvimento capitalista. No site do
MST, podemos obter um pouco de sua história e entender que ele é um
MS oriundo da luta de trabalhadores rurais que,
[...] há 29 anos, em Cascavel (PR), decidiram fundar um movimento
social camponês, autônomo, que lutasse pela terra, pela Reforma
Agrária e pelas transformações sociais necessárias para o nosso país.
Eram posseiros, atingidos por barragens, migrantes, meeiros, parceiros,
34
pequenos agricultores, Trabalhadores rurais sem terras, que estavam
desprovidos do seu direito de produzir alimentos. Expulsos por um
projeto autoritário para o campo brasileiro, capitaneado pela ditadura
militar, que então cerceava direitos e liberdades de toda a sociedade
(sem autor: Nossa história. MST, 2012)
Atualmente o Movimento se organiza em 24 estados das 5 regiões
do país e conta com aproximadamente 350 mil famílias que conquistaram
a terra e encontram-se assentadas (Nossa história. MST, 2012). Desta luta,
que a princípio tinha o objetivo de expor a questão agrária e lutar por
condições mais justas de vida no campo, nascem outras demandas de luta
e que fazem com que o MST se torne amplamente conhecido e um
Movimento que está em constante movimento, como afirma Caldart
(2012).
O MST tem chamado a atenção dos diversos segmentos da
sociedade por apresentar determinadas características que o distinguem em
sua trajetória de Movimento Social de trabalhadores e trabalhadoras do
campo. Caldart (2012) aponta algumas dessas características como sendo:
a) a radicalidade do seu jeito de fazer a luta e os sujeitos que ela envolve;
b) a multiplicidade de dimensões em que atua; c) a combinação de
formatos organizativos diversos e d) a capacidade de universalizar a luta.
Por esses motivos, ao MST se apresentam demandas diferenciadas de luta,
pois sua base é composta por famílias inteiras, que migram para as áreas de
ocupação, acampamento ou assentamento buscando novas formas de
sociabilidade, pessoas que identificam no Movimento uma possibilidade
de mudança para suas vidas e, sobretudo, para o país.
É dessa realidade que advém a necessidade do MST em pensar a
educação dessas pessoas, primeiramente, por questões materiais imediatas,
35
mas também por questões políticas ideológicas, de somar esforços na
construção de um projeto de transformação da sociedade; diante da
configuração da política educacional brasileira, da contradição e do projeto
ideológico das escolas de educação básica tradicional, o Movimento busca
construir um projeto educacional que esteja em consonância com seus
objetivos de luta e necessariamente contrário aos expressos pelo capital.
Nesse sentido, Frigotto (2011, p.11) apresenta o MST no prefácio
do livro Escola e Movimento Social, como o sujeito coletivo que de forma
mais explícita tem avançado em relação às propostas educacionais formais
e informais. Segundo o autor, o Movimento atua no sentido de disputar a
escola e seus processos formativos, numa perspectiva de superação da escola
oficial e da sociedade capitalista e seus valores. Pois como afirma Caldart
(2010, p.64), atualmente tanto “[...] no campo como em toda sociedade,
predomina uma educação que conforma os trabalhadores a uma lógica que
é a sua própria destruição”. Por isso, ela acrescenta que é necessário agir
para instaurar um projeto de formação/educação que coloque os
trabalhadores em um movimento de construção de alternativas
abrangentes de trabalho, de vida, em um novo formato de relações de
campo e cidade, de relações sociais, de relações entre os seres humanos e a
natureza.
Caldart (2010, p.68), compreende que “[...] ocupar a escola é
colocá-la em movimento em estado de transformação”, é dar-se conta de
que é preciso fazer mudanças e seus sujeitos assumirem o comando da sua
transformação. É importante ressaltar, entretanto, que a escola não se
transformará mais radicalmente senão, como parte de transformações. “A
escola não tem como ser uma ilha de educação emancipatória e, se tentar
36
-lo, estará descumprindo seu papel de inserção orgânica na comunidade
e no Movimento” (CALDART, 2010, p.68, grifo da autora).
Depreendemos de Caldart (2010) e Frigotto (2011), que disputar
ou ocupar a escola são conceitos que estão imbricados em uma lógica que,
primeiramente, compreende o modelo atual de escola e sociedade, como
um modelo político-ideológico conservador, envergado a uma classe social
antagônica a classe trabalhadora e, em segundo lugar, que entende e busca
construir alternativas que caminhem numa intencionalidade pedagógica
contrária a esta socialmente hegemônica.
Ressaltamos conforme Caldart (2010) que é no seio da atual
sociedade que se conquistam e estabelecem bases para superação das velhas
relações sociais, ou seja, transformar a escola é parte das transformações
necessárias da sociedade. Observamos que o MST se coloca na proposição
citada por Frigotto (2011) e Caldart (2010) de construir as bases para a
transformação social, dentre elas a GD das escolas.
No passado o Movimento acreditava que ocupar a escola estava
relacionado à sua inserção nestas, no sentido, de trabalhar com os sujeitos
que ali estavam à formação política, a auto-organização escolar e a
participação. O Movimento atualmente compreende que ocupar a escola
está relacionado à disputa de um projeto político pedagógico, que visa à
transformação de suas matrizes formativas, assim, ocupar a escola é muito
mais do que a apropriação de um espaço físico é um movimento de pressão,
porque tem a ver com as relações de poder constituídas historicamente.
É neste sentido, que esta pesquisa se forjou buscando identificar e
analisar a concepção de GD presente no MST, especificamente na Escola
Milton Santos (EMS) para verificar a alteração das relações sociais nessa
escola. Observando de acordo com Freitas (2009), ao retomar os escritos
37
de Viktor Shulgin, quando escreve sobre a necessidade de alteração das
relações sociais, que
[...] é preciso saber trabalhar coletivamente, viver coletivamente,
construir coletivamente, é preciso saber lutar pelos ideais da classe
trabalhadora, lutar tenazmente, sem tréguas; é preciso saber organizar
a luta, organizar a vida coletiva, e para isso é preciso aprender, não de
imediato, mas desde a mais tenra idade o caminho do trabalho
independente, a construção do coletivo independente, pelo caminho
do desenvolvimento de hábitos e habilidades de organização. Nisto
constitui o fundamento da tarefa da autogestão (SHULGIN apud
FREITAS, 2009, p.30).
Compreendemos, portanto, que a educação no MST contém
hábitos de uma educação emancipatória, comprometida com a realidade
dos indivíduos e que busca caminhar na contramão do sociometabolismo
do capital, não seguindo sua cartilha neoliberal e sua principal expressão
no campo brasileiro o agronegócio. Pois tem em seu processo educativo,
princípios norteadores fundamentados, tal como observamos em algumas
referências de Marx e Engels (2002), pautados em uma formação do
indivíduo que visa o seu desenvolvimento completo, integral, assim como
da realização plena das necessidades humanas. E que busca através da
inserção dos indivíduos em uma organicidade coletiva as bases para
alteração das relações sociais, atuando na perspectiva de um vir a ser, mas
construindo, lutando, trabalhando coletivamente pelos ideais da classe
trabalhadora, vislumbrando projetos de vida que reafirmem esta classe.
No âmbito da GD entendemos que se trata de formar sujeitos
políticos emancipados, capazes de atuar autonomamente, buscando através
da coletividade, uma sociabilidade que supere e esteja em constante
38
contraposição à sociabilidade vivenciada por estes sujeitos anteriormente
quando ainda inseridos e subordinados à escola estatal.
Ressaltamos que são poucos os trabalhos que analisam
especificamente a GD na educação profissional do MST, embora muitos
trabalhos ao tratar de outras problemáticas, perpassem ou pontuem algo
em relação à estrutura e organização das escolas no MST, ainda não temos
estudos que se proponham a investigar como os MS organizam a GD, no
que tange a sua estrutura, as coordenações, comissões, os rodízios e
propostas vinculadas a esta dinâmica organizacional democrática.
O trabalho perpassa três temas que compõem a realidade e algumas
frentes de luta do MST e se configuram nesse sentido como três eixos,
sendo eles: o contexto de formação do MST, com destaque para a luta por
educação no Movimento, especialmente, a educação profissional
Agroecológica; a GD do ensino e a organicidade da GD no Movimento,
destacando suas diversas dimensões e por fim a materialização da GD nas
escolas MST através das experiências da escola Milton Santos de
Agroecologia.
Como a intenção de trazer respostas às questões que foram aqui
suscitadas, organizamos o trabalho da seguinte forma, no capítulo
fundamentos teóricos e metodológicos da educação do MST
apresentamos o MST e a construção teórica em torno deste Movimento,
buscando identificar quais seus princípios e características; analisando as
forças que levaram este Movimento à inserção da educação profissional em
seus centros/escolas de educação profissional em agroecologia.
O capítulo dois, a organicidade do MST no Estado do Paraná e o
princípio da Gestão Democrática na escola, visa compreender a
organicidade do MST no Estado do Paraná, identificar e a analisar o
39
princípio da GD constituído no MST, com a finalidade de compreender
como este se configura nas escolas do Movimento e verificar as dimensões
que a GD assume na prática escolar do MST. Para tanto, analisamos o
conceito de GD do ensino, instituído na forma da lei e abordamos a
configuração de poder constituída no âmbito da sociedade capitalista.
Em seguida, no capítulo três, a Gestão Democrática na escola
Milton Santos: relações teórico-práticas, apresentamos a Escola Milton
Santos desde a sua construção, forma de organização e experiências
educativas. Além disso, analisamos o processo de GD assumido na escola
visando identificar como se configuram estas relações que proporcionam a
instauração de uma GD própria do MST e por fim, verificamos como a
GD tem sido compreendida pelos sujeitos da escola e como se configura
na educação profissional agroecológica.
Por fim, nas Considerações Finais apresentamos os resultados que
foram possíveis chegar com o desenvolvimento da pesquisa.
40
41
CAPÍTULO I
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ______
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
DA EDUCAÇÃO DO MST
O acesso à terra por parte dos pobres e marginalizados é instrumento de libertação,
apenas na medida em que questiona e rompe o monopólio da propriedade por parte
da burguesia latifundista, que tem na renda-da-terra a sustentação da sua
dominação política iníqua, retrógrada e antidemocrática, fonte do inacreditável
atraso deste ‘país do futuro’, que acumula riqueza e, em escala maior, acumula
misérias de toda ordem
(MARTINS, 1989, p.13).
[...] Na verdade, o discurso libertador continua separado da prática libertadora,
mas nem por isso os trabalhadores rurais deixam de anunciar na sua luta, assim
como os poetas da terra não deixam de cantar em seus versos e rimas, que o tempo da
sujeição está vencido
(MARTINS, 1989, p.25).
No presente capítulo apresentamos o MST buscando destacar os
princípios e características que o fundamentam politicamente. Também
identificamos e analisamos as forças que levaram o Movimento à inserção
da educação profissional em seu contexto, apresentando a partir disto à
entrada da agenda agroecológica nos objetivos do MST e em sua proposta
pedagógica.
42
Apesar da agroecologia ser um conceito em disputa e estar
passando por um processo de complexificação, o MST inicia um processo
de contextualização sobre a agroecologia que desponta no Movimento
através de reflexões em torno da soberania alimentar e energética e das
manifestações do agronegócio no campo brasileiro, como também, das
mazelas da utilização dos agrotóxicos na agricultura. Não pretendemos de
forma alguma esgotar a problemática socioambiental que a agroecologia
apresenta à agricultura capitalista, bem como a agricultura familiar, mas
contextualizar a relação que se estabelece da entrada na agenda
agroecológica no MST e a organização de seus cursos e escolas, apontando
para um momento histórico de enfrentamento deste MS com o capital,
expresso no campo pelo agronegócio.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra:
características e princípios
Inúmeros autores (CALDART, 2012; DAL RI, VIEITEZ, 2008;
FERNANDES; STEDILE, 2012) estudaram e sistematizaram a gênese e
formação do MST, outros ao longo dos anos vêm desenvolvendo pesquisas
que contribuem sistematizando os dados e nos permitindo ter uma
dimensão mais ampla deste Movimento. Segundo Dal Ri e Vieitez (2008)
o marco inicial para o período de gestação do MST se dá com a ocupação
da Gleba Macali por 110 famílias de colonos, em 1979, no Rio Grande do
Sul, que perdura até Janeiro de 1984 quando em seu primeiro Encontro
Nacional realizado em Cascavel no Paraná, o Movimento é formalmente
fundado.
43
Dos estudos de Fernandes e Stedile (2012) destacamos que embora
se convencionou assumir a ocupação da Gleba Macali como ponto inicial
da gestação do MST, inúmeros fatores devem ser somados a esta gestação.
Stedile ao dialogar com Fernandes (2012) aponta que o principal fator foi
o socioeconômico, ao considerar as transformações na agricultura brasileira
na década de 1970 duas opções foram impostas aos camponeses expulsos
pela modernização; a primeira seria a de deixar o campo buscando
sobreviver nas cidades ou nas fronteiras agrícolas e a segunda que é a base
social que gerou o MST, é de resistir no campo e buscar outras formas de
luta pela terra. Dessa forma, os fatores que apontam para o surgimento do
MST no sul do país são preponderantemente históricos e
socioeconômicos. No entanto, Fernandes e Stedile (2012, p.24) ainda
identificam o aspecto ideológico como um segundo fator, baseados na
relação do trabalho, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Igreja
Luterana, no sentido de reorganização das lutas camponesas,
principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste do país. O terceiro fator
apontado pelos autores é o político, pois afirmam
[...] o MST não surgiu só da vontade do camponês. Ele só pôde
se constituir como um movimento social importante porque
coincidiu com um processo mais amplo de luta pela
democratização do país. A luta pela reforma agrária somou-se ao
ressurgimento das greves operárias, em 1978 e 1979, e à luta pela
democratização da sociedade (FERNANDES, STEDILE, 2012,
p.24).
Destes fatores socioeconômico, ideológico e político resulta o
período denominado por Fernandes e Stedile (2012) de gestação do MST
44
que vai de 1979 a 1984/85
4
. Outros dois períodos marcam a trajetória de
formação do MST, sendo o segundo período de 1984/85 a 1990,
considerado um período de expansão em nível nacional do Movimento,
denominado pelos autores de processo de territorialização
5
. No terceiro
período que compreende os anos de 1990 a 2000, há a consolidação do
processo de territorialização do Movimento e inaugura-se um momento
histórico apontado por Guhur (2010) como de institucionalização.
Um quarto período pode ser somado à trajetória histórica do MST,
que é o da atualidade, compreendendo os anos de 2000 até hoje. Sobre
este período existem algumas sistematizações recentes, principal-mente
divulgadas enquanto documentos do próprio MST e em articulações orais
expostas em seus encontros nacionais e no último Congresso Nacional
realizado em Brasília em fevereiro de 2014
6
.
Desse período recente, tecemos - ainda que preliminarmente -
algumas analises, observando a consigna Reforma Agrária: por um Brasil
sem latifúndio utilizado pelo MST para denominar seu IV Congresso
Nacional que aconteceu no ano 2000, compreendemos o início de uma
ofensiva do Movimento em relação à questão agrária no país, ainda neste
período, sistematizada através do combate aos latifúndios improdutivos,
no entanto sabemos que a articulação para os Congressos Nacionais são
realizadas num período anterior de aproximadamente dois anos, dessa
forma, esta consigna expressava questões pautadas no período de
4
“Em janeiro de 1984, é fundado oficialmente o MST, em seu primeiro Encontro Nacional, em Cascavel- PR,
com a participação de representantes de 16 estados. Em janeiro do ano seguinte (1985) acontece em Curitiba-
PR o I Congresso Nacional do MST, com a participação de cerca de 1.500 trabalhadores de 23 estados
(GUHUR, 2010).
5
Territorialização da luta pela terra, sobre isso ver Fernandes e Stedile, 2012.
6
Cabe ressaltar que participamos do VI Congresso Nacional do MST em Brasília em Fevereiro de 2014, no qual
por meio das exposições obtivemos informações em relação à este período que compreende a atualidade do
Movimento, quanto a seu projeto de Reforma Agrária, bem como sua autoavaliação, através da comemoração
dos 30 anos de existência do Movimento.
45
institucionalização do Movimento, a partir do V Congresso em 2007, com
a adoção do lema - Reforma Agrária, por Justiça Social e Soberania
Popular - o MST começa a expressar a conjuntura política que os
movimentos do campo passam a vivenciar no âmbito do Governo Lula
(2003-2010).
Ao realizar um balanço dos 30 anos do Movimento a Direção
Nacional (DN) do MST afirma, “[...] hoje, lutar pela terra é enfrentar
diretamente o capital, contra a aliança que compõe o agronegócio mais o
aparato do Estado [...]” (DIREÇÃO MST, 2014). Ou seja, o MST
compreende a transformação que o campo brasileiro sofreu nos últimos
anos, a partir da mundialização do capital no campo, da ofensiva do
agronegócio e das alianças do governo com as grandes corporações; e
vivencia em sua base as mazelas dessa transformação.
Nesse sentido, depreendemos de Guhur (2010, p.71) que este
quarto período da trajetória do Movimento, têm assumido um caráter de
ampliação da luta pela Reforma Agrária a uma luta contra as grandes
corporações transnacionais e a política das agências internacionais: Fundo
Monetário Internacional (FMI), Organização Mundial do Comércio
(OMC), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD); contra a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e o
pagamento da dívida externa; e de articulação com outros setores da
sociedade para a construção de um projeto popular para o Brasil.
Fernandes (2008) apud Guhur 2010, p.68), aponta que há
[...] um enfraquecimento do MST e dos movimentos integrantes da
Via Campesina no Brasil, porque não tiveram força suficiente para
conquistar uma política agrária que trouxesse mudanças estruturais no
governo Lula. O apoio ao agronegócio e a prioridade dada às políticas
46
compensatórias, como o Bolsa Família, diminuíram o poder de pressão
dos movimentos camponeses.
Então, entendemos que o quarto período da trajetória do MST,
que se inicia nos anos de 2000/2001 e que perdura até hoje, é um período
caracterizado pelas mudanças estruturais na sociedade brasileira, que
redirecionam as estratégias políticas do Movimento e aponta para a
necessidade de reorganização deste. É nesse quarto período que o MST
insere em sua agenda política a agroecologia, como matriz organizativa da
produção e passa a nortear a transição de seus assentamentos para a
produção agroecológica, baseado no prinpio da soberania alimentar e na
não exploração do ser humano e da natureza.
Por fim, observamos através da consigna Lutar, Construir
Reforma Agrária Popular do VI Congresso Nacional do MST realizado
em fevereiro de 2014, a afirmação destas mudanças e a necessidade de o
Movimento reinventar-se.
Diante desta trajetória histórica, o MST fundamentou ao longo
dos anos, determinados princípios e características que o definem
enquanto MS. Suas principais características são definidas por Fernandes
e Stedile (2012) como sendo: um movimento de massas de caráter popular,
sindical e político. De massas por sua forma de luta e mobilização, através
da luta social (ocupações de terra, assembleias massivas, caminhadas,
marchas, audiências e ocupações de prédios públicos.). Popular, porque
podem entrar na organização todos aqueles que queiram lutar pela
Reforma Agrária, o que o distingue desde sua criação de outros MS, pois
toda a família pode adentrar o Movimento e não apenas o homem, como
também pessoas de origem urbana, professores, técnicos, entre outros.
Sindical, no sentido corporativo, de lutar por algumas reivindicações
47
específicas dos camponeses (como crédito, assistência cnica, entre outros)
E político, por articular esses interesses corporativos com os interesses da
classe trabalhadora, buscando afirmar os direitos dessa classe.
Dessa forma, o MST orienta e direciona a luta por educação, a luta
na terra nas áreas e espaços conquistados pelo Movimento, na crescente
articulação em torno da questão de gênero, da violência doméstica e na
constante luta pela superação do trabalho explorado-alienado nos espaços
do MST, expressando seu caráter político, comprometido com as
demandas da classe trabalhadora.
E ainda Dal Ri e Vieitez (2008, p.155) apontam,
Um dos traços mais importantes e característicos do MST é que ele
não se conforma em trabalhar politicamente de maneira convencional,
organizando os trabalhadores, divulgando suas ideias e esperando
somar forças suficientes para que um dia a reforma agrária seja realizada
por via parlamentar, o MST diferencia-se dos sindicatos e outras
organizações de cunho popular pela presença em sua práxis de quatro
elementos articulados: ações diretas que questionam certos estágios da
propriedade capitalista; a ocupação de terras como instrumento crucial
de luta; a organização da produção visando articular o trabalho
associado; e o esforço para elaborar uma pedagogia própria.
Caldart (2012) afirma que algumas marcas foram deixadas pelo
processo de formação do MST, especificamente dos Sem Terra do MST,
a primeira marca seria a da escolha das pessoas, de reagir a sua condição de
sem terra o que desloca um problema tido anteriormente como individual
à perspectiva de coletivo e que se apresenta com alternativas e soluções
também coletivas. A segunda marca é um desdobramento desta
identificação coletiva, trata-se das decisões em torno da forma de lutar, o
48
que resulta na definição da ocupação da terra como a forma principal de
luta.
Diante da configuração político-econômica apresentada aos Sem
Terra nesse processo de formação do MST, a ocupação surge enquanto
estratégia política - direcionada, historicamente construída e definida
como forma de luta por diversos grupos e movimentos de trabalhadores
do campo. No entanto no MST ela assume uma característica original, por
permanecer em sua gênese e trajetória histórica, não obedecendo a uma
lógica de impulso ou estratégia inicial, perdurando durante toda a
dinâmica organizativa do Movimento, ora assumindo uma radicalidade
maior ora menor, mas sem perder sua característica inicial de forma
principal de luta.
Em seu processo de formação, outras características se somam à
ocupação, uma delas é demonstrada através da organização da produção,
necessidade oriunda da conquista dos assentamentos e que coloca ao MST
uma necessidade imediata e inédita, que resulta em outras demandas que
deram uma nova configuração à luta e organização do Movimento. Dal Ri
e Vieitez (2008) destacam que demandas como a formação ideológica e
política passam a ser necessárias, uma vez que a luta passa a ocorrer
concomitantemente no campo político e econômico e o cuidado com as
atividades produtivas requeriam conhecimentos técnico-específicos, bem
como a organização da vida nas áreas dos assentamentos.
Diante desta configuração mais complexa, Guhur (2010, p.35)
aponta que o Movimento passa a se direcionar por princípios organizativos
necessários a sua continuidade, definidos como: direção coletiva, divisão
de tarefas, profissionalismo, disciplina, planejamento, estudo, vinculação
(dos dirigentes) com as massas e crítica e autocrítica. O Movimento ainda
49
possui uma estrutura político-organizacional que compreende quatro
posições básicas: direção, militância, base e massa. Ressaltamos que a
definição destes princípios e desta estrutura político-organizacional não
aconteceu no Movimento através de deliberações ou por meio de um
conjunto de regras, mas sim, como resultado de um processo em
movimento, no qual, as características de formação do MST
necessariamente contribuíram para continuidade ou descontinuidade
desses processos. Como afirma Fernandes e Stedile (2012) no Movimento
é difícil precisar quando uma coisa começa ou acaba, tudo é um processo
permanente e atrás de um fato tem outro fato.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra:
a luta por educação
Abordamos nesse item a luta por educação no contexto da luta pela
terra, vivenciada pelo MST ao longo de sua trajetória. Esta temática tem
sido amplamente desenvolvida por outros pesquisadores, não sendo aqui o
nosso objetivo principal, no entanto buscaremos compreender o princípio
do estudo apontado anteriormente, que se vincula à luta por educação nas
áreas de reforma agrária. Para tanto, apresentamos um quadro geral sobre
a educação no MST e posteriormente os desdobramentos e proposições do
Movimento em relação à educação profissional.
O envolvimento do Movimento com a educação está intimamente
relacionado às condições objetivas que lhe deram origem, pois diante da
expropriação da terra pela modernização conservadora, estes sujeitos
camponeses sem terra são historicamente expropriados de todos os seus
direitos: do trabalho, da produção da cultura, da educação e demais
50
direitos sociais. Na medida em que resistem, também se mobilizam
buscando condições materiais para reprodução de suas vidas.
A necessidade de luta por escola se apresenta desde as primeiras
ocupações do Movimento, onde eram realizadas práticas educativas com
as crianças do acampamento da Encruzilhada Natalino, no município de
Ronda Alta/RS. Nesse momento inicial, de gestação do Movimento, a
escola emerge devido às demandas concretas, oriundas daquela forma de
luta pela terra. Caldart (2012) aponta que o caráter massivo e popular do
Movimento foi determinante para que a demanda por educação se
apresentasse. A autora discorre nessa mesma obra sobre os períodos da
trajetória da educação escolar no MST, sintetizando alguns elementos que
expressam as circunstâncias que pressionaram o nascimento da educação
escolar no Movimento, sendo eles: a) o contexto social e objetivo do
nascimento do MST e a realidade educacional do país; b) a preocupação
das famílias sem-terra com a escolarização de seus filhos; c) a iniciativa das
mães e professoras nas áreas de acampamentos, com a formação das
primeiras equipes de educação; d) a própria característica do MST de
organização coletiva, que acaba transformando a necessidade das famílias
em tarefa da organização; e) o perfil das pessoas que ajudaram a organizar
o MST que tinham uma sensibilidade em relação a questão educacional.
Caldart (2012, p.242, grifo da autora) afirma que “[...] a
consciência do direito à terra pôs os sem-terra em movimento. A consciência
do direito à escola representou, naquele momento da história do MST, a
projeção dos contornos que sua organização viria a ter. Terra é mais do que
terra...” Neste sentido, assumindo a forma de fazer a luta do Movimento a
palavra de ordem da luta pela terra - ocupar é a única solução! - passa a
valer também para a questão educacional.
51
A forma é que até podia ser um pouco diferente: ocupar a escola
significava primeiro organizá-la por conta própria, começar o trabalho
e os registros formais já sabidos como obrigatórios, mesmo que em
condições materiais precárias, e então iniciar as negociações com os
órgãos públicos para sua legalização (CALDART, 2012, p.244).
Assim, a luta por educação no MST tem início nas ocupações e
acampamentos se estendendo aos assentamentos, primeiramente centrada
nos anos iniciais do ensino fundamental depois sendo reivindicadas no
âmbito das políticas públicas para toda educação básica nas áreas de
reforma agrária. Segundo Mohr (2006, p.96, grifo do autor) “[...] a
experiência de escolas nos acampamentos iniciou-se na década de 1980,
mas foi no Estado do Rio Grande do Sul, em 1996, que a partir de um
amplo processo de reivindicação, se conseguiu a aprovação do projeto de
Escola Itinerante, reconhecido pela Secretaria Estadual de Educação”.
A Escola Itinerante por sua característica de mobilidade cumpre
uma função estratégica no Movimento, a de acompanhar o deslocamento
das famílias durante o processo de luta pela terra e têm se constituído
enquanto uma proposta contra-hegemônica à escola capitalista (CAMINI,
2009).
Dal Ri (2004, p.27) nos apresenta um panorama do contexto
educacional no qual são forjadas as escolas do MST, afirmando:
A política educacional posta em prática pelo Movimento visa atacar
alguns problemas que foram detectados com o desenrolar do seu
trabalho. Nos assentamentos não havia escolas viáveis e suficientes para
os filhos dos assentados. Ademais, as escolas oficiais não atendiam aos
interesses dos Sem Terra. Por outro lado, jovens das famílias
assentadas, continuavam a aspirar à vida urbana. Finalmente, a
52
formação acadêmica e a escolaridade dessa população eram muito
baixas e não havia nenhuma preparação para a vida cooperativa.
De acordo com este panorama, Dal Ri (2004, p.28) sintetiza os
objetivos da proposta educacional do MST, apontando que
[...] foi neste ambiente que se formulou um projeto educacional cujos
objetivos mais relevantes são: educar as pessoas para o trabalho
coletivo; estimular a permanência dos jovens no campo e possibilitar
uma formação política e ideológica aos assentados.
Das experiências nos acampamentos surgiu uma forma
diferenciada de se relacionar com a educação e a necessidade de formação
das professoras, uma vez que as experiências se estendiam aos demais
acampamentos e levantava-se uma discussão em torno de quem seriam
estas professoras. Desta discussão articulou-se no Rio Grande do Sul no
município de Braga a primeira turma de Magistério do MST, iniciando
em 1990, com uma parceria com a Fundação de Desenvolvimento,
Educação e Pesquisa da Região Celeiro (FUNDEP). Caldart (2012) afirma
que a partir desta iniciativa a discussão sobre a escola diferente passaria a
ter um espaço sistemático e articulado com o processo de formação de
educadoras e educadores do MST.
Neste momento em que se articulava também a criação do Setor
de Educação do MST em diversos estados, outro fato histórico assume
relevância significativa nessa trajetória de luta, que é a realização do I
Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (I
ENERA), que aconteceu em Brasília, de 29 a 31 de julho de 1997. Desse
encontro nascem desdobramentos para um período que Caldart (2012
53
p.253, grifo da autora) denomina de processo da chamada proposta de
educação ou proposta pedagógica do MST, a autora adianta que a ênfase
deste período estava na própria noção de direito, “[...] não apenas ter acesso
à escola, mas também ter o direito de construí-la como parte da identidade:
fazer de cada escola conquistada uma escola do MST”.
Assim, Caldart (2010, p.67 grifo nosso) afirma,
A escola precisa ser transformada em suas finalidades educativas e nos
interesses sociais que a movem, na sua matriz formativa, no formato de
relações sociais que a constitui (especialmente as relações de trabalho
e de gestão) e desde as quais educa quem dela participa, na visão de
mundo que costuma ser hegemônica dentro dela e na forma que
trabalha com o conhecimento.
O Setor de Educação do MST se constitui desde seus primórdios
com a função de articular e potencializar a luta por educação e escola nos
acampamentos e assentamentos, o que posteriormente desencadeia na
constituição do Coletivo Nacional de Educação do MST, que é a instância
máxima de decisão do Setor de Educação até hoje.
Segundo Lima (2011, p.53)
A partir dos anos 2000, com o acúmulo dos processos formativos e das
práticas educativas no interior da práxis política organizativa do MST,
construiu-se a compreensão da necessidade da superação de uma
educação que seja ativa na reprodução das relações sociais de produção
capitalista. Percebeu-se a demanda em qualificar os processos
formativos articulados à luta na construção de uma educação ‘para
além do capital’.
54
Nessa perspectiva, o MST define
Educação é mais do que escola e Pedagogia do Movimento, trata de
questões que vão além das práticas específicas de educação. A
Pedagogia do Movimento, pensada desde o MST, diz respeito ao
processo de formação do sujeito Sem Terra na materialidade da luta e
da organização do MST, mas inserido nos processos sociais mais
amplos e que visam à transformação da sociedade capitalista (MST
(2008) apud LIMA, 2011, p.54).
Pensando em articular o que seria essa escola do MST, quais suas
características e direção; buscando organizar uma proposta pedagógica que
norteasse as práticas educativas no interior de cada escola do Movimento,
o Coletivo Nacional de Educação, por meio dos Setores de Educação em
cada Estado fundamenta os primeiros princípios da Educação no MST,
que são difundidos para toda a base do Movimento através do Caderno de
Educação
7
.
No Caderno de Educação do MST, o Movimento lança mão de
alguns princípios, visando a construção deste modelo diferenciado de
educação e de gestão, por princípio o MST define: “algumas
ideias/convicções/formulações que são as balizas (estancas, marcos,
referências) para nosso trabalho de educação no MST, neste sentido, eles
são o começo, o ponto de partida das ações” (MST, 1996, p.4).
Dessa forma, temos que a proposta educacional do MST se orienta
a partir de cinco princípios filosóficos e em treze princípios pedagógicos,
7
Observamos a versão número 8 deste documento, que foi elaborado e reelaborado diversas vezes, chegando até
a versão número 10, segundo anotações de Caldart (2004).
55
sendo a Gestão Democrática que é nosso objeto de estudo, um dos treze
princípios pedagógicos do Movimento.
Os princípios filosóficos se fundamentam comprometidos com
uma educação:
1- Para a transformação social;
2- Para o trabalho e cooperação;
3- Voltada para as várias dimensões da pessoa humana;
4- Com e para valores humanistas e socialistas;
5- Como um processo permanente de formação/transformação
humana.
E os princípios pedagógicos orientam para:
1- Relação entre prática e teoria;
2- Combinação metodológica entre processos de ensino e
capacitação;
3- A realidade como base da produção do conhecimento;
4- Conteúdos formativos socialmente úteis;
5- Educação para o trabalho e pelo trabalho;
6- Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos;
7- Vínculo orgânico entre processos econômicos;
8- Vínculo orgânico entre educação e cultura;
9- Gestão Democrática;
56
10- Auto-organização dos/das estudantes;
11- Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos
educadores/das educadoras;
12- Atitude e habilidades de pesquisa;
13- Combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais.
(MST, 1996, p.4)
Em relação ao item 9 - princípio da Gestão Democrática - o MST
considera a democracia um princípio pedagógico e compreende que não
basta os estudantes estudarem ou discutirem sobre democracia, mas é
necessário que vivenciem um espaço de participação democrática,
educando-se pela e para democracia social (MST, 1996). Em outras
palavras, não basta teorizar a democracia socialista, é preciso experimentá-
la.
Estes princípios emergem primeiramente da prática social se
fundamentando enquanto tal, posteriormente; contribuindo para uma
direção intencional da prática pedagógica nas áreas de acampamentos e
assentamentos do MST. Além destes princípios pedagógicos, na prática
social deste ambiente educativo, outros princípios organizativos haviam
sido criados ou incorporados nas escolas, o que possibilitou um trabalho
de compreensão e identificação destas características fundantes da proposta
pedagógica do Movimento, que passa a ser considerada enquanto
Pedagogia própria, ou Pedagogia dos Sem-Terra como define Caldart
(2012).
57
A educação profissional no Movimento
Vimos que das lutas dos acampados e assentados por direito à
educação de suas crianças, nasce em 1987 o Setor de Educação do MST e
de sua origem despontam as primeiras experiências do Movimento em
torno da educação profissional, como apresentado anteriormente, a
motivação inicial para esta formação profissional esteve pautada na
formação de educadores e educadoras para as áreas de reforma agrária, o
que se consolida a partir dos anos 1990 com o curso de Magistério
realizado em Braga/RS através da FUNDEP.
Posterior a esta experiência, outras também são desenvolvidas e
marcam a história da educação profissional no MST, a exemplo a criação
do Curso Técnico em Administração de Cooperativas (TAC), realizado na
escola Uma Terra de Educar da FUNDEP, em 1993, que segundo Guhur
(2010, p.123) nasce
[...] em função da demanda por trabalhadores com formação específica
na gestão das organizações associativas que vinham sendo constituídas
nos assentamentos, e que se multiplicam a partir da constituição do
Sistema Cooperativista dos Assentados, entre 1990 e 1992.
O marco fundamental no campo da profissionalização dos sujeitos
Sem Terra acontece em 1995 com a criação do Instituto Técnico de
Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA), e dentro dele o
Instituto de Educação Josué de Castro (IEJC), em Veranópolis/RS. Essas
experiências são fundamentais para delinear o método pedagógico próprio
das escolas do MST e conformar o modelo de escolas que o Movimento
propunha.
58
Do final de 1990 ao início dos anos 2000, o MST ampliou
significativamente seu leque de cursos, adentrando a área da saúde com os
cursos Técnicos em Enfermagem e Técnico em Saúde Comunitária,
inaugurando nesse período alguns cursos na perspectiva da agroecologia.
Com a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA), em 1998, há uma maior abertura para a escolarização dos
sujeitos do campo, segundo o site do Programa
O Pronera é uma parceria do Incra com movimentos sociais e sindicais
de trabalhadores e trabalhadoras rurais, instituições públicas de ensino,
instituições comunitárias de ensino sem fins lucrativos e governos
estaduais e municipais (MANUAL PRONERA, 2014).
Nessa parceria o MST tem encontrado espaço para articular a
formação escolar dos sujeitos Sem Terra e tem avançado na
profissionalização destes sujeitos, no âmbito da formação técnica voltada
para a agroecologia, que se inicia em meados dos anos 2000. Guhur (2010)
aponta que nesse período também foram organizados os cursos Técnicos
em Agropecuária e em Agroecologia, justamente no momento em que o
debate acerca desta matriz tecnológica estava iniciando nos assentamentos.
E mais recentemente foram criados o Tecnólogo em Gestão de
Cooperativa e o Técnico em Contabilidade ambos em função das
demandas específicas das cooperativas e associações.
Segundo Grein (2013, p.69)
Em maio de 2007, o MST realiza um seminário da Região Sul,
promovido pelo Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da
Reforma Agrária (ITERRA), com o objetivo de avaliar, estudar e
59
debater sobre as experiências em educação profissional e reforma
agrária. Este seminário revela que o MST tem outra concepção de
educação e formação profissional daquela concebida pelo Estado. Para
o Estado formação profissional é capacitar o trabalhador para se inserir
no mercado, para simplesmente responder às necessidades do mercado.
O MST quando fala e quando faz a formação profissional o faz sob
outros princípios, ou seja, responder a necessidades específicas do
assentamento ou da organização.
Entendemos que essas experiências e conquistas no âmbito da
educação profissional no Movimento são embasadas na compreensão
acerca do princípio da Capacitação, que envolve a necessidade de
qualificação profissional para o desenvolvimento do campo e perpassa a
ideia central da educação do MST que visa o desenvolvimento integral dos
sujeitos Sem Terra. E decorre principalmente das necessidades de
construção de outra forma de produzir no campo, baseado em princípios
que estimulam a cooperação e a agroecologia, ou seja, estão no âmbito de
uma formação humana que busca a emancipação dos sujeitos.
As práticas do MST e sua entrada no debate sobre educação profissional
acontecem e devem ser interpretadas desde a materialidade específica do
trabalho nas áreas de Reforma Agrária, neste momento histórico de
desenvolvimento do capitalismo no Brasil e dos seus desafios concretos que
a opção política por determinado projeto de campo coloca para a formação
dos trabalhadores (ITERRA apud GREIN, 2013, p.62).
A partir desta dinâmica de resistência e criação de cursos e escolas
nas áreas de reforma agrária conquistadas pelo MST, Fernandes (2006,
p.29, grifo do autor) apresenta o conceito de território, demonstrando que
é necessário pensar o campo como território, o que significa compreendê-
60
lo como espaço de vida, “[..] o conceito de campo como espaço de vida é
multidimensional e nos possibilita leituras e políticas mais amplas do que
o conceito de campo ou de rural somente como espaço de produção de
mercadorias”. Dessa forma, pensar o campo como espaço de vida faz com
que as diversas dimensões da vida sejam pensadas para e neste espaço, pois
o campo se apresenta nessa concepção como um campo de perspectivas,
sendo assim a luta por profissionalização nas áreas de reforma agrária está
circunscrita nesta compreensão de território.
Ressaltamos ainda, que a luta por profissionalização, capacitação,
formação nas áreas e espaços de RA, se constituem desde sua origem como
formas de enfrentamento ideológico, político e econômico ao modelo
hegemônico de produção e reprodução da vida. Primeiramente, porque a
forma em que se desenvolve a educação profissional no Brasil demonstra o
lugar que a educação do campo assume na política educacional do país.
Até 1989 o campo e a área rural permaneciam invisíveis em termos
de políticas públicas, sendo despertados neste sentido, somente a partir do
processo de democratização do Estado, a partir da Constituição de 1988,
conforme afirmam Behring e Boschetti (2011, p. 156) “passa a ter em
perspectiva a construção de um padrão público universal de proteção
social”.
Caldart (2010, p.236) ainda aponta que
Do ponto de vista das políticas públicas é importante considerar que o
chamado ‘sistema federal de ensino agrícola’ surgiu para atender as
demandas de implementação da chamada ‘revolução verde’ e muitas
escolas agrotécnicas foram criadas para atender diretamente as
necessidades da expansão do capital no campo.
61
Sendo assim, as políticas educacionais convergiram seus olhares
para a industrialização do país, as práticas educativas foram direcionadas
na medida em que a empresa capitalista se modernizava e se desenvolvia.
Sob a égide da Revolução Verde o campo começa a aparecer como espaço
de desenvolvimento industrial, mecanização, modernização e nessa
reconfiguração do campo são necessárias novas formações profissionais.
Kuenzer (2013, p.46), ao analisar esta mudança paradigmática e
suas influências no âmbito educacional, destaca que este novo mercado
globalizado exige cada vez mais qualidade com menor custo,
demonstrando que, a base técnica de produção fordista, predominante no
crescimento das economias capitalistas no pós Segunda Guerra até o final
dos anos 1960, vai sendo aos poucos substituída e superada, por um
processo de trabalho resultante de um novo paradigma tecnológico,
apoiado essencialmente na microeletrônica e com a característica principal
de flexibilidade.
Diante desta nova configuração, a educação profissional do campo
está embutida de novos desafios,
[...] o desafio é pensar a educação profissional como formação
específica para o trabalho que visa superar a dicotomia entre trabalho
manual e trabalho intelectual e atender as exigências de inserção de
todas as pessoas no trabalho socialmente produtivo próprio de seu
tempo histórico. Trata-se de preparar para um trabalho cada vez mais
complexo, sem ignorar as inovações tecnológicas, mas fazendo sua
crítica (e superação) desde o princípio de que as tecnologias que nos
interessam são as que efetivamente se constituem como forças
produtivas e não destrutivas da vida (CALDART, 2010, p.238).
62
Ressaltamos, portanto, que ao debater a formação profissional, o
MST está discutindo a apropriação e a construção pelos trabalhadores de
conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho de funções
que o integrem em processos produtivos próprios. Necessariamente essa
formação deve estar circunscrita na materialidade do trabalho no campo,
na compreensão do como e do porquê e quais as consequências para a
sociedade. Está baseada numa educação que possibilite a leitura da
realidade, mas que a faça sob a óptica da classe trabalhadora. Dessa forma,
a formação profissional que o Movimento assume como parte de sua luta
por educação nos espaços da reforma agrária se relaciona à produção e
reprodução do próprio Movimento, como processo de resistência, por isso,
ela é necessariamente contrária à formação profissional tradicional que visa
a integração no mercado de trabalho.
Guhur (2010) destaca algumas características e concepções
pedagógicas que a Educação Profissional do Campo assume, dentre elas a
do MST, sendo: a) a coletividade como principal foco de intencionalidade;
b) a GD, que envolve a participação de educandos e educadores, de forma
organizada, em todo o processo pedagógico; c) a concepção de formação
humana, que não se restringe ao processo de ensino, mas integra o trabalho
produtivo e o Movimento Social como elementos também formadores.
É importante ressaltar que o projeto de educação profissional que
o MST começa a articular a partir do debate da Educação do Campo em
meados dos anos de 1997 e 1998, denominado Por uma Educação do
Campo está circunscrito na luta por afirmação do campo enquanto espaço
de vida e na compreeno e negação do modelo educacional hegemônico,
mas principalmente está vinculado a um Projeto Popular de Desenvol-
63
vimento do Campo, que pretende ser uma contribuição à construção de
um Projeto Popular para o Brasil (GUHUR, 2010, p.124).
Segundo Caldart (2008, p.71), a Educação do Campo nasce
precisando tomar posição no confronto de projetos para o campo e/ou do
campo, se constituindo como contraponto de práticas,
construindo/buscando alternativas que envolvam quilombolas, indígenas,
faxinalenses, etc. Netto conclui,
[...] não basta que haja expressões da questão social para que haja
política social; é preciso que aqueles afetados pelas suas expressões
sejam capazes de mobilização e organização para demandar a resposta
que o Estado oferece através da política social (NETTO (2003, p.15-
16) apud Lima, 2011, p.69, grifo da autora).
Nesse sentido, Molina (2008, p.27) afirma,
Se quisermos disputar frações do Estado, ainda que no regime
capitalista, a serviço da classe trabalhadora, é preciso avançar na
compreensão do papel que a luta por políticas públicas específicas pode
significar em termos de perspectiva do avanço do direito à educação.
E continua
Lutar por políticas públicas significa lutar pelo alargamento da esfera
pública, lutar para que a educação não se transforme, como querem
muitos hoje, em mercadoria, em um serviço, que só tem acesso quem
pode comprar, quem pode pagar. Lutar por políticas públicas para
Educação do Campo significa lutar para ampliar a esfera do Estado,
para não colocar a educação na esfera do mercado.
64
Desse movimento denominado Por uma Educação do Campo
nasce, em 1998, conforme mencionado anteriormente, o PRONERA, em
parceria com universidades públicas e os movimentos camponeses. O
MST,
compreende que a criação do PRONERA insere-se no contexto do
Massacre dos sujeitos Sem Terra de Corumbiara, em 1995 em
Rondônia, e do Massacre em Eldorados dos Carajás, em 1996, da
realização da Marcha Nacional pela Reforma Agrária, em 1997, e do I
Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária em 1997
(MST, 2009). O PRONERA nasceu dos trabalhos de educação
desenvolvidos pelos Movimentos Sociais Populares do Campo junto às
universidades. O marco oficial da sua criação é a Portaria 10/98 do
Ministério Extraordinário de Política Fundiária, datada de 16 abril de
1998 (ANDRADE apud LIMA, 2011, p.74).
Fernandes (2008, p.39) afirma que o PRONERA se torna “um
espaço de excelência para a reflexão teórica e da prática da Educação do
Campo”.
Dessa forma, a Educação do Campo vem juntando esforços na
busca pela concretização de políticas públicas, que compreenda a base
sócio-histórica dos sujeitos do campo, assim como, a matriz cultural que
se inserem. Entendemos que o PRONERA atua numa perspectiva de
política afirmativa, pois o atual padrão de políticas públicas constituído
com a característica central de tratamento generalizado é insuficiente para
enfrentar a gravidade do panorama educacional no campo, sabemos que
somente um Programa Nacional como este, não dará conta dos milhares
de anos em que os trabalhadores do campo foram expropriados de todos
os seus direitos, dentre eles o da educação, que apesar da política afirmativa
ser necessária para minimizar esse imenso desajuste social, não é suficiente
65
no sentido de solucionar as contradições instauradas nesta sociedade, por
isso, a luta por educação, bem como, a luta por profissionalização
enquanto afirmação e resistência dos MS e principalmente do MST, são
necessárias, pois atuam disputando espaços anteriormente negados a classe
trabalhadora do campo.
A agroecologia no contexto da Educação
Profissional do MST
Nesta seção abordamos a origem e discussões em torno da
agroecologia no seio do MST, bem como, sua entrada na agenda política
do Movimento, e ainda, a construção dos centros/escolas de agroecologia
do MST no Paraná como marco de um redimensionamento político-
econômico na estratégia de luta e dos objetivos desse movimento.
Depreendemos das leituras (GUHUR, 2010; LIMA, 2011; LIMA
et al., 2012; GUHUR; TONÁ, 2012) que a partir dos anos 2000 o MST
e a Via Campesina ampliaram a compreensão acerca da agroecologia, como
parte de sua estratégia política e do modo de organização da produção da
vida no campo.
A agroecologia entra formalmente na agenda do MST desde o ano
2000 em função de inúmeras lutas contra o uso de agrotóxicos, contra o
plantio de transgênicos e por meio da realização de pesquisas científicas
por grandes corporações, danosas ao ser humano e ao meio ambiente. Em
contraposição a este paradigma técnico-científico e a esta forma de
produção baseada no agronegócio, o MST passa a incentivar a transição
para a produção de alimentos saudáveis.
66
Desde o ano de 2000, o MST tem desencadeado ações para
consolidar práticas educativas em agroecologia visando à formação política
e técnica dos sujeitos Sem Terra. Essa proposta levou ao surgimento de
mais ou menos 26 escolas de agroecologia do Movimento em todo o Brasil,
com a intenção de formar técnicos voltados para a criação das condições
gerais de produção e reprodução da agroecologia.
Verificamos que a agroecologia tem sido entendida pelo
Movimento como um campo de conhecimento de caráter multidisci-
plinar, que subsidia trabalhadores organizados no campo com princípios e
conceitos ecológicos para o manejo e desenho de agroecossistemas
sustentáveis. Sobre isso, Caporal e Costabeber (2002) observam que
nenhum produto será verdadeiramente ecológico se a sua produção estiver
sendo realizada à custa da exploração da mão de obra. Ou, ainda, quando
o não uso de certos insumos - para atender convenções de mercado
estiver sendo compensado por novas formas de esgotamento do solo ou de
degradação dos recursos naturais. Nesta concepção, Guhur e Toná (2012,
p.66) afirmam
a agroecologia inclui: o cuidado e defesa da vida, produção de alimentos,
consciência política e organizacional (Via Campesina e Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, 2009). Compreende-se que ela seja
inseparável da luta pela soberania alimentar e energética, pela defesa e
recuperação de territórios, pelas reformas agrária e urbana, e pela
cooperação e aliança entre os povos do campo e da cidade.
E continuam:
67
A agroecologia se insere, dessa maneira, na busca por construir uma
sociedade de produtores livremente associados para a sustentação de
toda a vida (Via Campesina e Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra, 2006), sociedade na qual o objetivo final deixa de ser o
lucro, passando a ser a emancipação humana (GUHUR; TONÁ,
2012, p.67).
Destas ações foram criados cinco centros/escolas de formação do
MST no Paraná que se apresentam na dianteira do debate da agroecologia,
sendo eles : Escola Iraci Salete Strozak (em Cantagalo), Escola Ireno Alves
dos Santos (em Rio Bonito do Iguaçu) ambas interligadas ao Centro de
Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia (CEAGRO)
Escola José Gomes da Silva (em São Miguel do Iguaçu), Escola Milton
Santos (em Maringá) - conforme veremos mais a frente - e Escola Latino
Americana de Agroecologia (no município da Lapa, ao lado de Curitiba).
Nesses espaços, os cursos técnicos em agroecologia são oferecidos
nas modalidades: Técnico em Agroecologia ensino médio integrado,
Técnico em Agroecologia/Educação de jovens e adultos, Técnico em
Agropecuária com ênfase em Agroecologia, Tecnólogo em Agroecologia,
Técnico em Agroecologia com ênfase em Sistemas Agroflorestais e Técnico
em Agroecologia com Habilitação para a produção de leite. Os cursos são
realizados em parceria com instituições públicas de ensino, com recursos
do PRONERA, certificados pelo Instituto Federal do Paraná e pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
8
.
Lima (2011) ao analisar os documentos do MST- PR apresenta os
principais objetivos dos centros/escolas de formação do MST neste Estado:
8
Essas informações se referem a coleta de dados realizada no período do levantamento de dados da pesquisa
(2014 -2015), portanto podem sofrer alterações.
68
-Ser um espaço de formação para as organizações da classe trabalhadora;
-Ser um espaço para os encontros do Movimento Sem Terra e outras
organizações, que buscam os mesmos objetivos de transformação social;
-Ser uma referência no desenvolvimento de experiências na área de
produção agroecológica, apresentando resultados concretos para os
agricultores/as;
-Ser um espaço de desenvolvimento de valores humanistas socialistas,
desenvolvidos através da vida coletiva;
-Aperfeiçoar o método de formação técnica e política e escolarização desde
o ensino fundamental, como também no ensino médio e superior;
-Ser espaços de desenvolvimento de experiências científicas e tecnológicas,
voltados à realidade camponesa;
-Ser um espaço de incentivo e vivência da cultura popular, resgatando
especialmente cultura camponesa.
-Ser um espaço onde as pessoas possam conviver, educando-se,
trabalhando, divertindo-se e construindo perspectivas de futuro (MST/PR
apud LIMA, 2011, p.87).
Assim, Lima et al (2012) atestam que os fundamentos teóricos e
metodológicos dos centros/escolas de formação do MST/PR estão
vinculados aos princípios filosóficos e pedagógicos da Educação e da
Pedagogia do Movimento Sem Terra
9
, cuja sistematização é fruto da
reflexão sobre a sua práxis política educativa, a partir de três fontes
fundamentais: a Pedagogia Socialista, a Educação Popular e o
9
Sobre os princípios filosóficos e pedagógicos da Educação no MST, consultar MST (1996). Sobre a Pedagogia
do Movimento Sem Terra, ver Caldart (2012).
69
Materialismo histórico dialético. Lima et al. (2012) nos apresenta também
a Proposta Pedagógica dos centros/escolas de formação do MST/PR,
dentre eles a Escola Milton Santos/ PR e pontua que esta proposta
[..] é alicerçada no acúmulo do trabalho e da experiência na formação
de militantes e quadros no MST, que toma por base elementos do
Projeto Político Pedagógico da Escola Nacional Florestan Fernandes
(ENFF) e as experiências educativas realizadas no Instituto de
Educação Josué de Castro (IEJC)
10
.Para a formação do Militante-
Técnico-Educador em agroecologia é preciso a apropriação das linhas
políticas e princípios organizativos do MST em articulação com
conhecimentos técnico-científicos, políticos e organizativos. A opção
pelo regime de alternância, que combina dois momentos que são, ao
mesmo tempo, distintos e articulados entre si denominados de
Tempo Escola (TE) e de Tempo Comunidade (TC), se funda na
concepção de que as práticas educativas em agroecologia na formação
profissional devem priorizar a construção do vínculo com as
comunidades de origem dos educandos e educandas com os processos
produtivos e formativos ali desenvolvidos (LIMA et al., 2012, p.4).
Observamos também, que para a Pedagogia do MST, a educação
tem compromisso político com a transformação social, em consonância
com a organização e o fazer educativo. Sendo assim, a formação dos Sem
Terra e as práticas educativas em agroecologia não se resumem às
atividades desenvolvidas na escola, mas está forjada, também, nas matrizes
da formação humana, conforme identificamos na Pedagogia do
Movimento: “[...] o princípio educativo do trabalho, a práxis social e a
história” (CALDART, 2012, p.42).
10
A ENFF localizada em Guararema, São Paulo, organiza a formação no MST em nível nacional.
70
Um dos coordenadores da EMS, afirma que a educação
profissional do MST tem como objetivo a emancipação humana e
conceitua
[...]nós entendemos a emancipação humana na educação como a
maneira com que a gente se relaciona com a natureza, que a gente se
relaciona com o outro e com a gente mesmo...consigo mesmo, então a
emancipação humana é neste ponto de vista, de um ser humano que
seja capaz de resolver os problemas do seu cotidiano compreendendo
estas relações que existem no meio ambiente, entendendo meio
ambiente como todas estas relações que eu falei, então este é um dos
principais objetivos
11
.
Lima (2011, p.76) acrescenta
As práticas educativas em agroecologia têm como intencionalidade
política e pedagógica um projeto educativo emancipatório que, para a
realidade do campo, está associado ao direito à educação escolar e
técnica. O entendimento é que, nos assentamentos conquistados pelas
famílias Sem Terra, podem se construir alternativas coletivas no
interior da práxis política organizativa do MST que inibam a
reprodução das relações sociais capitalistas.
Nesse sentido, a constituição de centros/escolas de agroecologia
tem a ver com a transição que o MST assume, no âmbito da produção para
uma produção agroecológica que respeite os seres humanos e o meio
ambiente, mas principalmente com a intencionalidade política pedagógica
do Movimento, que busca um projeto emancipatório para a classe
trabalhadora, sendo assim, a agroecologia é componente crucial para a
11
Entrevista 1 - coordenador e morador da Escola Milton Santos há 4 anos, em entrevista realizada em 2013.
71
problematização do MST entorno do que fazer, enquanto um MS
circunscrito numa lógica de sociedade, mas que se coloca contrário a ela, a
agroecologia apresenta ao próprio MST a discussão da organização da vida,
visando a continuidade da vida no campo, pois demonstra a barbárie do
capital no campo e incita os sujeitos Sem Terra a se posicionarem, como
desafiou Pinassi no VI Congresso do MST - afinal de que lado você está?.
Na fala de uma das educandas da turma IV do técnico em
agroecologia da EMS, podemos perceber como a formação em
agroecologia contribuiu para a compreensão da vida e da sociedade de
forma mais ampla.
[...]a agroecologia em si não é um conceito definido, são vários
conceitos e várias correntes, mas no meu entendimento, a parti do
momento que eu estudei que a gente percebeu nas famílias também,
que a agroecologia não somos nós técnicos que vamos fazer, nós
técnicos eu digo no sentido e ir até a família e dar um receituário. É a
família que tem que compreender a agroecologia, pra mim além de ser
uma nova forma de organizar a produção é uma nova forma de
organizar a vida também, porque a partir daquilo ali não entra só no
princípio da produção, mas também da organização geral da vida, de
qual que será a qualidade de vida da família, tanto na alimentação...mas
não só dela, mas também para onde será destinado aquele produto, pra
organização econômica, por que a gente não pode deixar de lado a
organização econômica e social das famílias, e essa nova relação
também com a natureza, porque a gente sabe do desgaste, de como é
que está, por que hoje o modelo que está posto ai não se sustenta, pela
destruição do solo, da biodiversidade. Então, resumindo é uma nova
forma de organizar a produção e a própria vida, porque você começa a
72
ter outro olhar para as coisas porque ela envolve um conjunto de
questões.
12
A coordenadora da EMS
13
afirma que o MST ao discutir a
agroecologia na verdade está discutindo um projeto de sociedade e não
simplesmente uma matriz tecnológica, por isso, a preocupação com a
organização do cotidiano, das atividades e o cuidado com a alimentação
são assuntos que estão embutidos nas discussões acerca da agroecologia.
Questionado acerca da modificação das relações sociais na escola a
partir da formação em agroecologia, um educador voluntário na EMS
pontua
[...] Na verdade isso ganha sentido com a agroecologia, porque é uma
ciência transversal que prima pela construção do conhecimento, troca
de saberes, problematização (essa herança freireana e toda essa
dialética) isso termina... nesse escopo e a parte importante nesse escopo
é a agroecologia, você vê as coisas tudo indissociada, você tem ai a
formação técnica com questões sociais, antropológicas, econômica,
passando pelo tema da economia mais solidária, segurança alimentar e
institucional, sistemas autogestionários, então a agroecologia perpassa
e termina no meu entendimento sendo um agente que dá sentido a
tudo, acaba sendo o ponto de convergência e um norteador, acaba que
as questões não se dão de forma solta, indissociada, então, ela esta
presente na discussão, se tem na área do conhecimento algo que pense
essa transversalidade é a agroecologia
14
.
12
Entrevista 5 - educanda do técnico em agroecologia turma IV na Escola Milton Santos, em entrevista realizada
em 2013.
13
Entrevista 2 - coordenadora e educadora na Escola Milton Santos, reside na escola há 7 anos e está no MST
desde 1999, em entrevista realizada em 2013.
14
Entrevista 9 - Engenheiro agrônomo e professor do departamento de Agronomia da UEM há 30 anos. Atuou
como parceiro voluntário na escola Milton Santos, ministrando aulas nas diversas turmas, em entrevista realizada
em 2014.
73
Assim como afirma uma ex-educanda da EMS (2014) “[...]
quando você discute o orgânico é uma coisa que é só direcionado a
produção, mas a agroecologia não, ela trabalha as três dimensões, ou
pra se dizer quatro que é a dimensão política, a dimensão ecomica,
cultural e a própria questão social
15
”.
Neste sentido, a agroecologia tem sido entendida no âmbito da
formação técnica profissional do MST como uma ciência que modifica as
relações sociais, na medida em que convida os sujeitos a pensarem suas
práticas em relação ao meio ambiente e toda a sociedade e que apresenta
uma alternativa e possibilita um projeto de sociedade que vislumbre
relações sociais mais igualitárias e conscientes, dessa forma, pensar a
organização das escolas, a GD e a agroecologia é fundamental para
compreender como se configura a educação no MST.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra:
a luta pela terra
Neste item buscamos apresentar de forma introdutória como a
materialidade da luta pela terra instaura no MST um momento desafiador
de articulação da frente de luta com a organização das áreas conquistadas
para fins de reforma agrária, desdobrando em uma dinâmica
organizacional diferenciada em relação aos demais MS e constituindo o
que denominam de organicidade do Movimento. Neste sentido,
pretendemos compreender como este MS se organiza nesta luta que está
15
Entrevista 7 - moradora da escola Milton Santos há 7 anos e ex-educanda do curso técnico em agroecologia,
em entrevista realizada em 2014.
74
em constante movimento e como os sujeitos Sem Terra que os constitui
participam e cooperam nesta organização.
A materialidade da luta do MST pela terra faz com que os
trabalhadores Sem Terra busquem meios alternativos de sobrevivência, se
deparando com uma coletividade que necessariamente precisa ser
organizada para solução dos problemas elementares da sua sobrevivência
nas áreas dos acampamentos e assentamentos. Caldart (2012, p.347)
indica que “[...] ali estão os embriões da constituição das instâncias
coletivas, dos Setores do Movimento, da cooperação no trabalho e
principalmente, dos valores que sustentam uma proposta de vida centrada
no coletivo e não no indivíduo”. Nesse sentido, é da ocupação e dos
acampamentos que nascem os primeiros germes de uma matriz
organizativa do Movimento, pois nestes espaços essa matriz se configura
de forma mais explícita, conforme apontam Dal Ri e Vieitez (2008, p.188)
[...] o acampamento é a forma primária de organização e luta do MST,
pois ele ou prepara a ocupação de terra ou é organizado imediatamente
após a mesma. O acampamento organiza as famílias, tendo em vista a
realização de atos em especial a ocupação, que conduzam à conquista
da terra, dessa forma o acampamento é uma instância de luta.
Nesta instância de luta, movidos por condições objetivas os Sem
Terra se debruçam em descobrir novas formas de ser e viver, o que instaura
nesses espaços uma nova sociabilidade, antagônica a sociabilidade
vivenciada na sociedade capitalista em geral. Esse processo de construção e
reconstrução das relações sociais apresenta novos desafios a esses sujeitos,
agora constituídos enquanto coletividade.
75
Segundo Dal Ri e Vieitez (2008) em meados dos anos de 1990 o
MST assume o desafio de enfrentar o tema da produção, diante da
conquista das áreas de reforma agrária, o Movimento busca reiterar sua
unidade assumindo a organização dos assentamentos como parte do
processo de luta por uma RA ampla e popular e não somente pela
conquista da terra, através da consigna ocupar, resistir e produzir,
entendemos que nesse momento, tem início uma fase em que o MST
decide dar continuidade a sua luta política através da organização da
produção. Lima (2011, p.81) também afirma que
[...] um dos motivos principais que levou o MST à construção do
processo de sua organicidade deve-se ao desafio em organizar o
processo produtivo e as relações sociais no interior dos espaços da
Reforma Agrária, articulados com a luta pela democratização da terra
e a função social da terra para as famílias Sem Terra e para a sociedade.
Os assentamentos de Reforma Agrária são espaços disputados pelo
projeto do capital para a agricultura convencional e para a agricultura
camponesa. Considera-se que uma das funções atribuídas pelo MST-
PR na criação dos processos formativos e das práticas educativas em
agroecologia objetiva uma significativa contribuição na organização e
produção dos territórios da Reforma Agrária orientadas por princípios
agroecológicos.
Conforme alguns autores apontam (DAL RI; VIEITEZ, 2008;
LIMA et al., 2012) a organização da produção apresenta ao MST uma
nova demanda, que requer uma nova configuração orgânica,
primeiramente, porque as portas de entrada na luta também foram se
modificando ao longo dos anos e, em segundo lugar, porque o Movimento
se depara nos anos 2000 com um crescimento geográfico significativo, o
que aponta para a problemática da reconstrução de sua organicidade.
76
Depreendemos das leituras de Chirstoffoli (2009) e de entrevistas
com as coordenadoras pedagógicas da Escola Milton Santos/PR em 2012,
que o MST tem uma razoável variedade de formas de organização da
produção e das decisões, mas podemos identificar ao menos três
tendências: a) a propriedade dividida em unidades individuais/familiares;
com momentos de decisão coletiva; b) a formação mista, que combina
propriedade coletiva e propriedade individual, mas com alguns momentos
de decisão coletiva/cooperação/troca de serviços, etc; c) a formação de
cooperativas onde a propriedade, o trabalho e as decisões são totalmente
coletivas.
Gostaríamos de sublinhar que o MST tem encontrado dificuldade
em induzir o surgimento de cooperativas totalmente coletivizadas e
também destacar que apesar da agroecologia entrar na agenda formal do
MST em meados de 2000, boa parte de seus assentamentos ainda utiliza
as técnicas oriundas da Revolução Verde, outros estão em fase de transição
para a produção agroecológica e estão sobrevivendo às duras penas, na luta
diária contra o uso de agrotóxicos e no convencimento das famílias
assentadas para conscientização dos males desse modelo de produção
agrícola vigente.
Assim, ao observar o MST compreendemos que sua dinâmica
organizativa, não nasce em reuniões ou em deliberações da Direção
Nacional ou dos Setores, o dia a dia e a busca constante por seus objetivos,
impuseram aos Sem Terra do MST uma forma diferenciada de vida, nos
primeiros espaços do Movimento, o que era antes individual é rapidamente
transformado em coletivo, nesse sentido, a luta pela terra desencadeia no
Movimento, demandas diferenciadas que necessitam uma forma de
organização diferenciada. Como observamos na trajetória histórica do
77
MST, alguns momentos foram cruciais para uma articulação do
Movimento entorno de sua gestão, apontamos que o momento em que o
MST se coloca na organização dos espaços produtivos dos assentamentos
e assume também a organização dos espaços educativos, ele traça dentro
do próprio movimento um processo de reconstrução organizativa, que se
desdobra na organização de suas escolas.
A participação dos sujeitos Sem Terra
Fernandes afirma que uma das dificuldades que o Movimento
enfrenta no início do século está relacionada à participação dos sujeitos
Sem Terra nas escolas, nos assentamentos e na sociedade em geral, devido
ao crescimento das famílias e abrangência geográfica do Movimento, sua
antiga organicidade encontra dificuldades para implementar o princípio
da direção coletiva, que é um dos princípios norteadores do Movimento
(FERNANDES apud GUHUR, 2010, p.77). Tendo em vista este
princípio o MST reformula sua estrutura orgânica de composição das
instâncias e coletivos, passando a articular uma Direção Nacional
composta por uma coletividade representada pelos diversos coletivos
estaduais e regionais, buscando uma maior abrangência e participação
articulada com a sua base social. Em relação a essa organicidade,
observamos na formulação do ITERRA que,
Organicidade quer dizer coletividade em movimento, relação entre as
diversas partes do todo, entre as tarefas e seus objetivos, entre as pessoas
que participam do processo de construção da coletividade. Implica fluxo
permanente de informações e ações. É a dinâmica cotidiana que garante a
continuidade de uma organização coletiva (ITERRA apud GUHUR,
2010, p.77).
78
Segundo Guhur (2010) é a partir dos anos 2000, num período que
antecedeu as discussões para o IV Congresso Nacional do MST, na cartilha
de pré-preparação para o Congresso, que a organicidade passa a ser um
tema encarado como Desafio Permanente do MST. Desta constatação
começa a ser discutida uma nova organicidade para o Movimento, visto
que a atual passa a ser considerada como vertical, então, propõem-se uma
estrutura horizontal que possibilite ao maior número de pessoas/famílias o
envolvimento nos processos de decisão e que essas pessoas estejam em
frequente mudança dentro das instâncias que compõem a estrutura
organizativa, buscando garantir maior participação dos sujeitos nas
brigadas, núcleos de base e coordenações, garantindo assim um processo
importante de Gestão Democrática nas escolas e nos assentamentos do
MST.
79
CAPÍTULO II
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ______
A ORGANICIDADE DO MST NO ESTADO DO
PARANÁ E O PRINCÍPIO DA GESTÃO
DEMOCRÁTICA NA ESCOLA
A terra mãe não admite cercas; seus filhos
verdadeiros têm a tarefa de derrubar cada
uma delas, seja qual for o tipo de arame em
que se apresentem.
(CALDART, 2012, p.407)
Nesse capítulo compreendemos o conceito de organicidade
instituído no MST e analisamos como se configura esta organicidade no
estado do Paraná.
Buscamos também, compreender o princípio da Gestão
Democrática do ensino na forma da lei, discutir os mecanismos de
participação presentes em nossa sociedade, principalmente no que se refere
à gestão dos sistemas e unidades de ensino.
Posteriormente analisamos o conceito de GD que se constrói no
MST, buscando compreender como este MS na busca por alternativas
contra-hegemônicas instaura e vivencia outra relação de democratização
do ensino em suas escolas. Dessa forma, analisamos as diversas dimensões
que a GD atinge no interior do MST.
80
A organicidade do Movimento
Neste item identificamos como se configura a organicidade que
permite ao MST, especialmente, em suas escolas instaurar um processo de
GD e vislumbrar uma prática pedagógica com uma intencionalidade
emancipatória.
Compreendemos segundo o caderno do ITERRA (2004, p.40)
que “[...] olhar para a organicidade é pensar nas relações entre
espaços/instâncias, em vista do bom funcionamento do conjunto”. Ao falar
em organicidade o MST está se referindo ao processo que permite a relação
de cada parte com o todo. O MST é um MS que está organizado em 24
estados das 5 regiões do país e tem aproximadamente 350 mil famílias que
conquistaram a terra e encontram-se assentadas, estima-se que os Sem
Terra do MST chegam a mais ou menos um milhão de pessoas (sem autor:
Nossa história. MST, 2012).
O MST possui uma estrutura política que está organizada em
quatro posições, sendo elas: direção, militância, base e massa. O MST
também possui uma coordenação nacional e diversas coordenações
estaduais.
O Congresso Nacional (CN) é a principal estrutura de poder e de
decisão do Movimento (DAL RI, 2004) e segundo documento do MST,
citado por Lima (2011), os congressos do MST são marcos constituintes
por três motivos:
a) de ser um momento de estudo e de formação política, abordando temas
relacionados com a luta pela reforma agrária, contra a política imperialista
dos países ricos e pela construção de um projeto popular para o Brasil; b)
é também um instrumento político para pressionar o governo para avançar
na política de reforma agrária, denunciar as ações do latifúndio e do
agronegócio e protestar contra o imperialismo; c) por ser um momento de
81
festa, de confraternização, comemoração das conquistas do Movimento e
de intercâmbio cultural entre a militância e a sociedade em geral (MST
apud LIMA, 2011, p.48).
Relembramos que o MST conta com nove setores, sendo eles:
Formação, Comunicação, Finanças, Educação, Frente de Massas, Direitos
Humanos, Gênero, Saúde e o último, Setor de Produção, Cooperação e
Meio Ambiente (SPCMA). E quatro coletivos: Cultura, Juventude,
Relações Internacionais e Projetos (MST apud GUHUR, 2010, p.34-35).
Sendo assim, compreender a forma organizacional que o MST
assume como parte de um processo que visa instaurar práticas democráticas
no interior de suas instâncias, é necessário e emergencial no que tange à
compreensão do nosso objeto de estudo.
Caldart (2012, p. 256-257, grifo da autora) aponta que
[...] a expressão organicidade indica no Movimento o processo através
do qual uma determinada ideia ou tomada de decisão consegue
percorrer, de forma ágil e sincronizada, o conjunto das instâncias que
constituem a organização, desde o núcleo de base de cada
acampamento e assentamento até a direção nacional do MST, em uma
combinação permanente de movimentos ascendentes e descendentes
capazes de garantir a participação efetiva de todos na condução da luta
em suas diversas dimensões.
A autora ainda ressalta que essa é, aliás, “[...] a própria noção de
democracia do MST” (CALDART, 2012, p.257). Dessa forma, as diversas
demandas das famílias Sem Terra podem percorrer o caminho até as
instâncias nacionais, estaduais e o inverso também pode acontecer,
garantindo uma articulação dos projetos, definições e objetivos do
Movimento com toda a base.
82
O processo denominado organicidade, não se resume às áreas e
instâncias do Movimento circunscritas nas escolas, mas a todo o conjunto
que compõem o MST. No entanto, em suas escolas, o MST instaura um
processo de GD que permite o cuidado com esta organicidade e visa
manter sua estrutura em movimento.
Tendo em vista uma maior participação e vinculação com as
massas, que é, aliás, um dos princípios do MST, este se reorganiza no que
tange a composição de suas instâncias de decisões, como apresentamos
anteriormente, desencadeando um processo de construção de uma nova
organicidade a partir dos anos 2000
16
.
Nesta nova organização os núcleos de base (ou de família) passam
a configurar um papel fundamental, de representação e participação
efetiva, pois a partir desta configuração cada família passa a representar um
núcleo. A estrutura que se instaura a partir de então, é formada
principalmente por núcleos de base e/ou familiares.
Os núcleos familiares são agrupados primeiramente em cinco,
formando as brigadas de 50 famílias; em seguida a cada 10 brigadas de 50
famílias, constituem-se as grandes brigadas de 500 famílias, que substituem
a antiga organização por regionais (GUHUR, 2010). Podemos observar
melhor esta configuração a partir do fluxograma abaixo:
16
O processo de organicidade descrito neste item refere-se, principalmente, como apresentado no título deste
capítulo, ao estado do Paraná.
83
Figura 1- Fluxograma - Estrutura orgânica do MST/PR
Fonte: (MST apud LIMA, 2011).
Segundo o coordenador e morador da Escola Milton Santos, o
MST no estado do Paraná buscou ampliar a participação das famílias na
organização do Movimento, por isso, eles passam a se organizar a partir
das brigadas de 500 famílias, não sendo este um número fechado, podendo
sempre variar. Em cada brigada de 500 famílias tem uma coordenação e
uma direção, que tem uma representação na direção estadual e por sua vez
na direção nacional. Na organização interna das brigadas de 500 famílias,
também existem coordenações por brigadas de 50 famílias chegando até os
núcleos de base de 10 famílias. Ele ainda acrescenta que “[...] a ideia é
respeitar a forma organizativa de cada local, a referência é essa, núcleos de
base de 10 famílias porque entendemos que é um número que permite o
84
debate, permite a participação, mas tem as diferenças de local para local, a
estrutura básica é esta”.
17
Compreendemos que o MST ao reestruturar-se teve em vista um
maior relacionamento da base com os militantes e as direções, visando à
exequibilidade de seus princípios organizativos, considerando cada local,
região e realidade de luta sem deixar de lado o princípio do planejamento
que garante que a intencionalidade do Movimento se efetive.
Dentro desta lógica, as escolas e/ou centros de educação do MST
organizam seu funcionamento tendo por base a estrutura orgânica do
MST.
Ao analisarmos a GD nas escolas do MST, principalmente as
escolas de educação profissional do MST Paraná depreendemos que a
organicidade e a gestão de suas escolas têm certa homogeneidade,
respeitando obviamente a autonomia de cada escola e as diferenças
regionais e locais. Esta homogeneidade está centrada nas determinações
gerais para o funcionamento das escolas, que buscam seguir as orientações
gerais do MST em relação à estrutura e forma organizacional das escolas.
Em relação à Escola Milton Santos, objeto de nossa pesquisa,
Guhur (2012) afirma que a escola segue as determinações e instruções
gerais do MST, mas principalmente, nasce respaldada pelas experiências
acumuladas no MST, no âmbito da educação profissional, principalmente
as do IEJC, sistematizadas pelos cadernos do ITERRA (2004).
Na entrevista 7 - uma ex-educanda e coordenadora na EMS,
naquele ano, confirma esta informação e acrescenta
17
Entrevista 6 - morador e coordenador na EMS, em entrevista concedida em novembro de 2013.
85
[...] nós enquanto escola nos baseamos nos escritos do começo quando
o primeiro grupo veio pra cá pra consolidar um espaço físico, na
produção e nos cadernos de construção que tiveram das primeiras
experiências do Movimento que é o ITERRA, talvez nessa questão da
construção dos núcleos de base, como é composto como se dá a
organização do espaço tem muito isso como base, só que ao mesmo
tempo cada espaço, cada estrutura tem a sua especificidade.
.
Além da escola seguir as determinações e orientações gerais do
MST para a organicidade e ter no seu início como norte as experiências do
ITERRA, ao longo de doze anos, tem aprendido com suas próprias
experiências e buscado a partir de então construir suas bases, consolidadas
também em suas vivências enquanto escola e Movimento.
A educação profissional agroecológica no MST
Temos que a educação profissional do MST, assim como, os
demais cursos formais promovidos pelo Movimento, assumem certa
uniformidade de organização e funcionamento, ainda que com uma
relativa autonomia pedagógica, respaldada pela LDB. Guhur ao analisar a
educação profissional agroecológica do MST no estado do Paraná, aponta
que o objetivo é construir a escola diferente, tendo como referência as
práticas educativas construídas pelo Movimento e destaca:
[...] a experiência de referência é sem dúvida aquela acumulada pela
Escola Josué de Castro, do Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa
da Reforma Agrária- ITERRA, em Veranópolis-RS, primeira escola
formal do MST. Assim, a elaboração de qualquer Projeto Político e
Pedagógico das escolas do MST se baseia nos documentos do
ITERRA, em especial o caderno n. 2, intitulado ‘Projeto Pedagógico’,
e o caderno n. 6, intitulado ‘Método Pedagógico’ (ITERRA, 2001,
86
2004), que procuram traduzir os princípios filosóficos e pedagógicos
da educação no MST (GUHUR, 2010, p.154).
Entendemos que certa uniformidade apresentada nos cursos se
baseia no princípio da intencionalidade pedagógica apontado como um
dos objetivos da educação do MST. Alguns elementos básicos formadores
do Método Pedagógico, apresentado nos cadernos do ITERRA (2004),
podem ser destacados, pois também orientam as práticas pedagógicas na
educação profissional em agroecologia e são eles: a alternância; os tempos
educativos; o trabalho; a gestão democrática e a pesquisa.
No caderno do ITERRA (2004) intitulado todo Pedagógico
temos a definição desses elementos que constituem, formam e determinam
as práticas educativas na educação profissional agroecológica.
A Alternância é o nome dado à forma como o processo educativo
acontece nessas escolas. Sendo que este processo educativo é constituído
por dois momentos/períodos que influenciam mais no desenvolvimento
dos educandos e educandas. A alternância é organizada pela divisão em
dois tempos: Tempo Escola (TE) e Tempo Comunidade (TC) sendo o TE
desenvolvido no interior da escola, com as diversas atividades que
compõem o currículo dos cursos e o TC, considerado como continuidade
do processo de formação, no qual, a maior influência será da participação
e enraizamento do educando e educanda na coletividade do Movimento,
desenvolvendo atividades de experimentação, socialização e pesquisa.
Lima et al. (2012, p.6) infere que este regime de alternância
adotado pela escola em período integral, durante o tempo/espaço/escola
está orientado a partir dos princípios políticos e da estrutura orgânica do
87
MST, tendo como objetivo organizar as pessoas que participam de seu
projeto educativo em coletivos. Os autores ainda afirmam
Trata-se de um processo articulado com a gestão/auto-organização, em
que a organicidade interna dos cursos núcleos de base, equipes,
coordenação da turma, coordenação do dia etc. compreende
simultaneamente a auto-organização dos educandos e educandas e a
organicidade do MST (LIMA et al., 2012, p.6).
Dessa forma os elementos que constituem a estrutura organizativa
da escola fazem parte do processo de gestão, sendo que, o TE é um dos
tempos e espaços em que acontecem as relações sociais dos sujeitos de
acordo com funções e responsabilidades assumidas por eles. Nesse
tempo/espaço se desenvolvem atividades que visam garantir o
funcionamento da escola e a realização de trabalhos e atividades de
sobrevivência. Para que estas atividades aconteçam são estabelecidas
Equipes de Trabalho que compõem os Setores de Trabalho, que são parte
integrante da totalidade do ambiente educativo e da intencionalidade
pedagógica da escola.
Lima et al. (2012, p.6) destaca que no
[...]Tempo Comunidade, o processo de inserção dos educandos
continua em outras estruturas organizativas do MST Setores,
Coordenações, entre outros e, sobretudo, nos processos produtivos,
econômicos, políticos, culturais e educacionais.
Os Tempos Educativos nascem com dois objetivos, o primeiro é o
de mudar a existência dos educandos, possibilitando o questionamento, a
partir da divisão cronológica do tempo, criar um impacto cultural e o
exercício da interação social. O segundo, confrontar a ideia de que a escola
88
é lugar somente de estudar, ampliando esta compreensão para a da
formação humana. Os tempos educativos visam ainda contribuir com o
processo de organização e auto-organização dos estudantes. Podendo ser
diários ou semanais, os principais tempos educativos organizados na
educação profissional do MST podem ser sintetizados a partir do quadro
abaixo:
Quadro 1 - Tempos educativos mais
comuns na Educação Profissional
a) Tempo Formatura: tempo diário do conjunto da Escola destinado à motivação
das atividades do dia, conferência das presenças por Núcleo de Base, informes gerais,
cultivo da mística da coletividade da Turma, da Escola e de toda classe trabalhadora;
cultivando a identidade latino-americana e o internacionalismo.
b) Tempo Aula: tempo diário, sob a orientação de um/a educador/a, destinado ao
estudo dos componentes curriculares previstos no projeto do curso, conforme
cronograma das aulas e incluindo momento de intervalo.
c) Tempo Trabalho: espaço de tempo diário para realizar as tarefas necessárias ao
bom funcionamento da Escola e garantia de continuidade da existência, visando alcançar
as metas estabelecidas e executar o Plano de Atividades da escola.
d) Tempo Oficina: tem por finalidade o aprendizado e o desenvolvimento de
habilidades (aprender a saber fazer), visando alcançar as metas de aprendizagem previstas,
sob orientação de um monitor.
e) Tempo Cultura: destinado ao cultivo e, a socialização, à reflexão sobre
expressões culturais diversas e à complementação da formação política e ideológica do
conjunto da coletividade da turma.
89
f) Tempo Reflexão Escrita: tempo pessoal, destinado ao registro das reflexões, em
caderno pessoal e específico, das vivências, da percepção dos aprendizados sobre o dia a
dia.
g) Tempo Esporte e Lazer: tempo destinado a educação corporal através de
exercícios físicos diversificados. Sempre que possível, exercícios que visam ação
conjunta/coordenada.
h) Tempo Núcleo de Base: tempo destinado ao processo organizativo da
coletividade, envolvendo tarefas de gestão do curso, mística, estudos, trabalho e outras
tarefas delegadas pelo Centro e o Curso.
i) Tempo Estudo: tempo destinado a estudos de recuperação, reforço de
aprendizado ou leituras indicadas pelos educadores/as.
j) Tempo Leitura: tempo destinado à leitura dirigida individual.
k) Tempo Seminário: tempo destinado ao aprofundamento de um determinado
assunto; análise de conjuntura; momento de socialização e avaliação de experiências.
Fonte: Adaptado de Guhur (2010, p.157-158).
O trabalho é considerado um dos elementos básicos da educação
profissional no MST, podendo ser destacado pela afirmação: “É o trabalho
que gera a riqueza; que nos identifica como classe; e que é capaz de
construir novas relações sociais e também novas consciências, tanto
coletivas como pessoais” (MST apud LIMA et al., 2012, p.7). O trabalho
é a atividade específica do ser humano concreto, orientada para a
transformação da natureza. Pelo trabalho produzimo-nos como sujeitos
sociais e culturais, as formas como produzimos a vida material nos
produzem, o como trabalhamos, nos forma ou deforma (LIMA et al.,
2012).
Segundo Netto e Braz (2012, p.46, grifo dos autores), “[...] o
trabalho é, sempre, atividade coletiva” e “[...] esse caráter coletivo da
90
atividade do trabalho é, substantivamente, aquilo que se denominará de
social”.
Podemos observar, portanto, que
O trabalho não transforma apenas a matéria natural, pela ação dos seus
sujeitos, numa interação que pode ser caracterizada como o
metabolismo entre sociedade e natureza. O trabalho implica mais que a
relação sociedade/natureza: implica uma interação no marco da própria
sociedade, afetando os seus sujeitos e a sua organização. O trabalho,
através do qual o sujeito transforma a natureza (e, na medida em que é
uma transformação que se realiza materialmente, trata-se de uma
transformação prática), transforma também o sujeito: foi através do
trabalho que, de grupos primatas, surgiram os primeiros grupos
humanos numa espécie de salto que fez emergir um novo tipo de ser,
distinto do ser natural (orgânico e inorgânico) : o ser social (NETTO;
BRAZ, 2012, p.46, grifo do autor).
O trabalho na escola é, portanto, uma ação coletiva, orientado por
princípios e inserido numa estrutura organizativa, que combina as pessoas
educandos, educadores, coordenadores, moradores numa lógica de
divisão de tarefas, funções e atividade de trabalho concreto. Que podem
ser realizados nos diversos espaços da escola: coletivos, equipes, comissões
e núcleos de base, orientado com a finalidade de garantir a realização do
trabalho socialmente útil e necessário a produção da existência desta
coletividade.
A pesquisa como elemento básico da formação profissional, diz
respeito, ao processo de reflexão que visa continuamente intervir na
realidade, tem a ver com um processo que busca formar nos educandos e
educandas uma postura de crítica e autocrítica, de desconstrução de uma
postura de autossuficiência e de estranhamento em relação à realidade.
91
Segundo as descrições do ITERRA (2004, p.32) este elemento se
configuraria na prática por meio de “[...] um exercício de pesquisa que seja
socialmente útil para o Movimento, através da realização de um trabalho
de conclusão de curso”.
A GD é um dos princípios pedagógicos do MST e se constituí
enquanto regra no IEJC, que é o local com a experiência mais desenvolvida
em relação a GD
18
, tem delineado a forma como os centros/escolas de
educação profissional do MST devem orientar suas práticas.
Buscando uma radicalização da gestão por meio da participação
efetiva dos educandos (por escolha de representantes e através da
autogestão) em todas as fases do processo (da análise, decisão,
planejamento, execução, avaliação) e em todas as instâncias de gestão
(ITERRA, 2004). A GD se baseia em acordos entre os participantes,
configurando normas/ regras coletivas que são seguidas e organizadas por
meio dos processos de auto-organização e autogestão.
A partir da realização do Seminário Nacional: Educação Básica nas
Áreas de Reforma Agrária, no ano de 2005, o MST passa a contribuir na
elaboração e na implementação da Proposta de Educação Básica de Nível
Médio e da Educação Profissional no Campo combinada com a Educação
Integrada. Segundo Lima (2011) neste Seminário o MST constatou que
estava mais envolvido com os Centros de Formação e as turmas/cursos
formais do que com as escolas públicas e que faltava ao MST um maior
domínio da legislação da educação média e profissional (MST apud LIMA,
2011, p.183)
18
Sobre isso ver Dal Ri (2004) e Dal Ri e Vieitez (2008).
92
Outra constatação neste Seminário de acordo com o MST foi que
[...] do total de duas mil escolas públicas existentes nas áreas de
Reforma Agrária, na média, havia apenas 50 escolas que ofertavam a
Educação Básica de Nível Médio e mais da metade destas
caracterizavam-se como extensão das escolas da cidade, fato que era um
problema para a participação da juventude na educação escolar (MST
apud Lima, 2011, p.174).
As medidas que foram adotadas, a partir das constatações e das
reflexões levantadas no Seminário, reafirmam os pressupostos para uma
Proposta Político-Pedagógica para o ensino médio no MST e que podem
ser tomados também para a educação profissional agroecológica. Lima
sintetiza as definições e orientações comuns afirmando:
Temos como referência o projeto socialista de sociedade, a educação
do campo e a pedagogia do MST. Nossa concepção de educação es
ligada a uma concepção de mundo e leva em conta a articulação
necessária entre diferentes matrizes da formação humana,
especialmente: Luta Trabalho, Ciência e Cultura (MST apud LIMA,
2011, p.183).
Quanto à organização do trabalho na escola, Lima indica
Gestão democrática (participação dos educandos), ser organizada de
diversas formas; b) As formas organizativas devem expressar os princípios
do MST; c) Constituir Coletivos Pedagógicos entre os Setores do MST;
d) Constituir Coletivos das Educadoras e dos Educadores em cada Escola
ou entre as Escolas próximas; e) Garantir a organização de diferentes
Tempos Educativos (a escola não deve ficar restrita ao tempo aula); f)
Participação de todos em alguma forma de trabalho (preferencialmente
articulado com a matriz tecnológica); g) Organização curricular que rompa
93
com a lógica das disciplinas; h) Ajuste do calendário escolar à realidade do
campo; i) Onde possível adotar a chamada Educação Média Integrada
(matrícula e currículo integrado de educação média e curso técnico), hoje
facultada pela legislação (decreto 5.154/2004); j) nos cursos do MST,
reafirmação da organização curricular por etapas com intencionalidade
pedagógica para o Tempo/Espaço Escola e para o Tempo/Espaço
Comunidade; e l) Organização dos Centros de Formação a partir de um
projeto de desenvolvimento do assentamento/da região (MST apud
LIMA, 2011, p.183).
O princípio da Gestão Democrática do ensino
Buscamos expor neste item, uma breve análise sobre o princípio da
GD na forma da lei, analisando o contexto em que este se forjou e quais as
relações que decorrem deste princípio no interior das escolas. Faremos isto
de forma abstrata, por meio da discussão das relações de poder na
sociedade capitalista.
Diversos autores analisaram o contexto de redemocratização do
país, construindo sérias críticas e até mesmo combatendo essa ideia de
redemocratização considerada por alguns como uma falácia, pois no Brasil
nunca houve um processo de democratização real.
Segundo Minto (2014, p.243)
Trata-se de um equívoco comum supor que a democracia é composta
por um conjunto de valores universais (liberdade, igualdade e
participação, por exemplo); e que, desse modo, uma sociedade torna-
se democrática à medida que “aceita” esses valores e os põe em prática
por meio de certas garantias como o direito ao voto, as chamadas
94
liberdades individuais e os direitos sociais e políticos, entre outros.
Nesta visão idealizada, os fatores que criam obstáculos para o exercício
da democracia são considerados externos, como, por exemplo, a
desigualdade social brasileira.
Segundo Behring e Boschetti (2011) os anos 1980 são conhecidos
como a década perdida do ponto de vista econômico, no entanto, também
lembrado como um período de conquistas democráticas, em função das
lutas sociais e da Constituição de 1988. As autoras ainda pontuam que os
anos 1980 tiveram como destaque a redefinição das regras do jogo político,
no sentido da retomada do Estado democrático de direito. Behring e
Boschetti apontam que o movimento dos trabalhadores e os movimentos
sociais da época tiveram grande influência nessa configuração política,
afirmando:
[...] esse movimento operário e popular novo era um ingrediente
político decisivo da história recente do país, que ultrapassou o controle
das elites. Sua presença e sua ação interferiram na agenda política ao
longo dos anos 1980 e pautaram alguns eixos na Constituinte, a
exemplo de: reafirmação das liberdades democráticas; impugnação da
desigualdade descomunal e afirmação dos direitos sociais; reafirmação
de uma vontade nacional e da soberania; com rejeição das ingerências
do FMI; direitos trabalhistas; e reforma agrária (BEHRING;
BOSCHETTI, 2011, p.141).
Resumidamente, Behring e Boschetti (2011, p.141) sintetizam que
“[...] a Constituinte foi um processo duro de mobilizações e
contramobilizações de projetos e interesses específicos, configurando
campos definidos de forças”.
95
Minto (2014, p.246) afirma que nesse período dos anos finais da
ditatura e da década de 1980, instala-se no país um processo contraditório
de mobilizações e disputas de projetos, afirmando que
[...] de um lado, estavam às forças populares, para as quais
democratização implicava conquista de direitos, participação popular
nas decisões sobre os rumos da nação, possibilidade de acesso às
decisões vitais, às grandes questões nacionais. De outro lado, estavam
as forças que desejavam preservar a ordem vigente, ainda que tivessem
que aceitar a mudança de sua configuração geral; de uma Ditadura
formal e aberta, para um regime “de direito”, institucionalizado, mas
que não permitisse uma democratização efetiva das decisões sobre os
rumos do país.
No campo educacional, há um crescente processo de
democratização, no qual as diferentes expressões da classe trabalhadora,
sobretudo, professores e os movimentos sociais organizados em defesa da
educação se mobilizam na luta por espaços de participação e efetivo
controle dos rumos e decisões das políticas educacionais do país, mas
também, pelo estabelecimento de instrumentos que garantam o controle
do trabalho pedagógico.
Brabo e Dal Ri (2007, p.i) apontam que “[...] a política de gestão
democrática do ensino ganhou destaque nas discussões que antecederam a
promulgação da Constituição Federal de 1988”. Pois nesse período o país
saía de um regime ditatorial e aumentavam-se as expectativas de se viver
relações mais democráticas. As autoras indicam que diversos movimentos
sociais, configuraram um clima favorável à democratização de várias esferas
da sociedade brasileira, destacando “[...] o movimento pelas Diretas já, pelo
retorno das eleições para governantes, os movimentos grevistas, o
96
movimento pela democratização interna das organizações, a conquista da
liberdade de organização partidária, entre outros. (BRABO e DAL RI,
2007, p.i, grifos das autoras)
Diante desse cenário de redemocratização da sociedade, no qual os
movimentos sociais estavam buscando a efetivação da democracia, a gestão
democrática do ensino é incorporada no texto constitucional como
princípio, pela primeira vez na Constituição de 1988, no seu artigo 206,
estabelecendo que a forma da gestão da educação brasileira deve ser a
democrática e participativa, como atesta o inciso VI do referido artigo
“gestão democrática do ensino público, na forma da lei”. No entanto,
questões polêmicas e cruciais durante o processo da constituinte, em torno
da participação popular nas esferas de decisões do Estado, acabam não
sendo priorizadas no texto final (Art. 206) da Constituição, quando
restringe o princípio da GD às escolas públicas, excluindo dos setores
privados a necessidade de se adequarem ao referido princípio (MINTO,
2014).
Sendo postergada a operacionalização da GD para a legislação
complementar, a GD é reafirmada somente na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, nº 9394/96 em seu artigo 3º, quando diz que a gestão
do ensino público deve ser democrática respeitando a forma da lei e
legislação dos sistemas de ensino. O artigo 14 dessa mesma lei ressalta a
participação dos segmentos nas deliberações do Conselho de Escola e dá
autonomia à prática pedagógica e à participação dos professores na
elaboração do projeto político pedagógico, conforme os seguintes
princípios:
97
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática
do ensino público na educação básica, de acordo com as suas
peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes (BRASIL, 1996).
A GD em termos de lei é um avanço no sentido geral da gestão,
mas sua simples presença nos textos da Constituição e da LDBEN não nos
dá indícios da forma de sua organização, o que não viabiliza a criação de
mecanismos reais de participação da comunidade nas decisões do sistema
de ensino, pois aparece apenas como princípio, mas não garante a prática
da GD no interior das escolas (ADRIÃO; CAMARGO, 2001; BRABO;
DAL RI, 2007; MINTO, 2014). De qualquer forma, a partir da CF/88
todas as leis estaduais e municipais tiveram que se submeter a ela, ou seja,
incorporar a gestão democrática do ensino público brasileiro.
As orientações que se seguem em relação ao princípio da GD do
ensino tendo em vista a democratização da educação, são no sentido da
descentralização do poder. Nesse sentido, diversos mecanismos visando à
participação na escola, em face de instauração de um projeto político-
pedagógico nas instituições de ensino, são disseminados no ambiente
escolar, centrados numa lógica de democracia representativa.
Assistimos, no entanto, nos anos de 1990 um arcabouço político-
ideológico neoliberal ser disseminado nas configurações da política
brasileira, influenciando e condicionando os determinantes da política
educacional no país, o que dificultou o desenvolvimento desse projeto
98
democrático pensado e disputado pelos MS e incorporado no texto
Constitucional.
Como aponta Saramago, no Brasil não se discute mais o que é a
democracia, se instaura nas pesquisas e nos discursos ideológicos
dominantes, um viés tendencioso em relação à democracia, como se
tivéssemos alcançado um patamar democrático considerável.
Tudo se discute nesse país, só não se discute a democracia, a
democracia está aí como se fosse uma espécie de santa no altar de quem já
não se esperam milagres, mas que está aí como uma referência a
democracia; e não se repara que a democracia que vivemos é uma
democracia sequestrada, condicionada, amputada porque o poder do
cidadão, o poder de cada um de nós limita-se na esfera política, a tirar um
governo que não gosta e colocar outro que talvez venha a gostar, e nada
mais.
Mas as grandes decisões são tomadas numa outra esfera e todos
sabem qual é. As grandes organizações financeiras internacionais, os FMIs,
as organizações mundiais do comércio, os bancos mundiais, tudo isso,
nenhum desses organismos são democráticos e, portanto como é que
podemos continuar a falar de democracia se aqueles que efetivamente
governam o mundo não são eleitos diretamente pelo povo, quem é que
escolhem os representantes dos países nessas organizações, os partidos dos
povos? Não. Portanto onde está a democracia? (SARAMAGO apud
SANTOS, 2000)
Observamos conforme indica Saramago que em diversas instâncias
este patamar democrático não é uma realidade e no que tange a política,
seja econômica, social e até mesmo educacional são os organismos
99
internacionais e as grandes organizações mundiais que delineiam e ditam
as regras do jogo político.
Bruno ao analisar as formas contemporâneas de organização e
exercício do poder, no interior das organizações, tendo como referência as
teorias administrativas, destaca alguns elementos essenciais para discutir a
questão da administração/gestão e participação da sociedade no exercício
da administração dos bens públicos. A autora aborda as modificações na
economia mundial, buscando demonstrar como “[...] estas transformações
na esfera econômica vêm sendo acompanhadas de alterações substantivas
nas estruturas de poder” (BRUNO, 1997, p.22)
Nesse sentido, Bruno indica que aos Estados Nacionais, diante
desta configuração econômica, de internacionalização do capital,
permeadas pelas configurações de transnacionalização, só resta disputarem
entre si o investimento das empresas, buscando através de uma relação de
subordinação angariar o maior número de benefícios possíveis. Pois,
[...] no âmbito da coordenação política desta economia integrada
mundialmente desenvolve-se uma estrutura de poder de abrangência
supranacional, embora não juridicamente reconhecida, que se constitui
a partir da articulação de vários polos:
· os centros de decisão dos maiores grupos econômicos;
· os organismos internacionais, que, embora tenham surgido de
iniciativas dos Estados, já não encontram mais correspondência direta
nos governos, tendo há muito tempo estabelecido como seus
interlocutores as grandes empresas;
· os organismos políticos e administrativos oriundos da esfera
governamental, que, apesar de se apresentarem formalmente como tais,
já foram inteiramente cooptados pela esfera de interesses das grandes
empresas;
100
. as grandes centrais sindicais burocratizadas, que atuam como gestores
da compra e venda da força de trabalho e procuram garantir a disciplina
dos trabalhadores, integrando suas lutas e reivindicações no quadro
estrito da legalidade capitalista, Estas centrais já há muito tempo
reduziram suas atividades à participação em órgãos tripartites e às
negociações com o patronato (BRUNO, 1997, p. 22-23).
Essa nova estrutura de poder esvazia o Estado Central de seus
poderes e atribuições, recolocando suas funções sob a óptica do capital,
limitando a capacidade de ação do Estado e provocando sua desagregação,
por meio de privatizações e cooptação dos órgãos públicos (BRUNO,
1997).
Diante desta problemática, compreendemos que o período da
redemocratização reabriu, de maneira restrita, os espaços para uma
democracia substantiva, que permitisse a organização de projetos distintos
de classe, mas logo, estes espaços se fecharam no contexto da reversão
neoliberal (MINTO, 2014).
Conforme Martins (2003, p.224) concluímos que
[...] ao longo do século XX, no campo da teoria política, a discussão
sobre as transformações inevitáveis e inerentes às sociedades
democráticas e aos seus mecanismos de funcionamento oscila entre a
defesa dos procedimentos formais de participação social e política de
indivíduos e a constatação da complexidade de que se reveste a questão
da distribuição do poder nessas sociedades, isto é, a necessidade de
ampliação dos canais de representação. Nas últimas décadas, a
preocupação central se acha dividida entre a ideia de manter a
democracia nos moldes liberais, com base, sobretudo na representação
via eleições, e a de ampliar seu próprio conceito, buscando nas ideias
socialistas inspiração para a defesa de ampliação da participação e da
representação daqueles segmentos que se acham sub-representados.
101
Nessa conjuntura de aparente falta de alternativas, tangenciamos
nosso olhar, para posições antagônicas como a do MST, no que se refere à
gestão educacional e organização do trabalho pedagógico e espaços
educativos. Pois, como, afirmou Minto (2014, p.243) “[...] as condições
objetivas da sociedade capitalista contemporânea, aquela em que vivemos,
é que delimitam, portanto, as reais possibilidades democráticas nos dias
atuais”.
Gestão Democrática nas escolas do MST
Abordamos neste item alguns conceitos apresentados ao longo da
pesquisa e que são tomados pelo MST constituindo a estratégia de
inserção, de organização e funcionamento do Movimento. E, portanto,
imprescindíveis para compreensão do conceito de GD no Movimento.
Vimos na seção anterior que a organicidade compreende a relação
das diversas partes com o todo, tendo em vista suas tarefas e objetivos. No
entanto, Lima et al. (2012, p.5) ao analisarem as dimensões educativas que
estão presentes na educação profissional do MST/PR definem
A dimensão organicidade é entendida como o processo de gestão
democrática da vida escolar, que busca inserir as pessoas de modo
organizado na participação e na construção da coletividade, por ser um dos
meios para alterar as relações no meio social e para garantir a sobrevivência.
A dimensão organicidade/gestão se refere à forma “[...] como a escola
organiza a participação das pessoas e dos sujeitos coletivos na condução do
processo pedagógico; [...] e como os processos de gestão participam da
formação humana e se articulam à educação escolar” (ITERRA apud
LIMA et al., 2012, p.5).
102
A estrutura orgânica, por sua vez, corresponde à forma
organizativa do Movimento e de seus espaços, no caso da escola, diz
respeito à forma de organizar os educandos e educadores, garantindo o
funcionamento da escola, podemos dizer que é o que traz luz à
organicidade da escola.
E a GD é um dos princípios pedagógicos do MST e se insere na
regra “[...] todos gerindo, no comando do processo (ITERRA, 2004,
p.30)”. Tem a ver com o processo pelo qual os sujeitos constituem a
coletividade e atuam sob uma intencionalidade pedagógica que tem por
objetivo descaracterizar práticas hierárquicas e autoritárias, constituindo
uma nova sociabilidade que se quer democrática.
A GD demanda uma estrutura organizativa nas escolas que
combine educadores e educandos na participação da gestão de todo o
processo educativo. Segundo o caderno do ITERRA (2004, p.30) “[...]
não basta refletir e debater sobre a gestão: é necessário vivenciar espaços de
participação democrática, educando-se para a democracia social”.
Observamos a partir da experiência da Escola Milton Santos a
importância do processo de GD para a participação efetiva de todos os
sujeitos na construção e desenvolvimento da escola,
[...] aqui os processos quaisquer que sejam eles no Movimento, eles vão
sendo construídos pelos sujeitos que fazem parte destes processos, que
conduzem que vivenciam os processos, então, dentro da escola da
mesma maneira, tanto a estrutura física da escola o que existe nela hoje
em termos físicos, tanto o jeito como a escola está hoje organizada, o
próprio curso de agroecologia que já vai iniciar a 5ª turma, a forma
como se organiza o projeto político pedagógico do curso hoje, tudo
isso é fruto de um trabalho coletivo de todas as pessoas que foram
passando pela escola, sejam os trabalhadores permanentes, os
103
educadores, os educandos, os parceiros que também tiveram a sua
contribuição. E pra isso tem uma organicidade, ou seja, tem estruturas
de base, tem instâncias, tem equipes, coletivos, com funções
responsáveis e é esta organicidade que vai tornar possível à gestão
democrática
19
.
E ainda, em relação aos objetivos gerais do MST, ela ressalta,
[...] que os objetivos não seriam atingidos sem a GD, o que o
Movimento é hoje, foi sendo construído dessa maneira, com esta
participação das organizações de base, os próprios princípios da
educação do Movimento, como se organiza a educação, como se
organização a afirmação...então isso foi sendo construído pelos sujeitos,
claro que não é uma organização perfeita, um sistema perfeito que em
algum momento não existam falhas, mas existe uma Gestão
Democrática com participação em diversos níveis muito interessante e
importante
20
.
Assim, organicidade e Gestão Democrática assumem uma linha
muito tênue no Movimento, podendo ser confundidas e até tomadas como
sinônimos, no entanto, apesar de se constituírem por meio do mesmo
princípio, se configuram na prática de forma diferenciada.
Compreendemos que os dois conceitos se complementam, tanto em
relação a sua conceituação como configuração prática. Para um efetivo
processo de GD, entendemos que é necessária uma organicidade, uma vez
que esta possibilita a interação de todos os integrantes do MST em sua
dinâmica e no âmbito da escola possibilita o movimento necessário ao
19
Entrevista 2 - coordenadora e educadora na Escola Milton Santos, reside na escola há 7 anos e está no MST
desde 1999, em entrevista realizada em 2013.
20
IDEM.
104
cotidiano escolar, numa perspectiva de participação efetiva de seus
membros, o que, ao nosso ver, tem por princípio alterar as relações sociais
na escola.
Com isso o MST pretende em suas escolas, por meio da GD,
superar práticas de caciquismo
,
presidencialismo e mandonismo, tão
instauradas e arraigadas na sociedade capitalista e, por outro lado, também,
superar a ideia do assembleísmo como única alternativa de participação.
O desafio é garantir a ‘radicalização da gestão’ através da participação real
dos educandos (por escolha de representantes e através da autogestão) em
todas as fases do processo (da análise, decisão, planejamento, execução,
avaliação) e em todas as instâncias de gestão (ITERRA, 2004, p.31).
Duas dimensões são consideradas fundamentais no processo de
GD na educação, sendo elas: a) direção coletiva, que compreende a
participação efetiva da comunidade na gestão da escola e de seus
participantes diretos; b) participação de todos envolvidos no processo de
gestão, na tomada de decisões, no planejamento e avaliação dos resultados.
Por meio da organização em instâncias de participação.
O MST ao formular o princípio da GD, apresenta no Caderno de
Educação do MST (1996) o princípio da auto-organização dos estudantes
separadamente do de Gestão Democrática, no entanto, ressalta que
compreende este princípio como uma das dimensões da GD e entende o
princípio da autogestão pedagógica, como forma de acelerar o
desenvolvimento da consciência organizativa dos estudantes.
Compreendemos que a GD no MST, não está especialmente
relacionada à gestão da escola, mas diz respeito a um processo mais amplo
que engloba toda a dinâmica do Movimento, considerando todas as
105
relações sociais que são desenvolvidas nesse movimento de luta. Ainda que
a GD no âmbito da escola nos aponte tendências e nos apresente
características essenciais do Movimento, não esgota a compreensão e
relação que o MST tem com o processo democrático que adotou para si.
Dimensão da autogestão
A autogestão tem sido objeto de estudo de diversos estudiosos,
principalmente aos que se propõem investigar as formas de organização da
produção, processos associativos e cooperativos por parte dos trabalhadores
e/ou experiências de fábricas recuperadas. Segundo Novaes (2011, p.68)
trata-se de uma palavra em disputa.
A autogestão é tomada por alguns autores como projeto de
sociedade e na definição de Mészáros “[...] autogestão significa a retomada
do controle do processo de trabalho, do produto, de si e da civilização
humana” (MÉSZÁROS apud NOVAES, 2011, p.41). Nesse sentido, a
autogestão nos remete ao debate da participação dos trabalhadores, da
desalienação do trabalho e da mercantilização da força de trabalho.
A autogestão é compreendida aqui como uma utopia militante,
projeto de organização societária que encontra no processo de produção da
vida material a chave para a superação desse modo de produção e
transformação do todo social.
A autogestão busca ampliar as formas de democracia direta no
interior da empresa, combinando-a, quando necessário, com instâncias de
representação e de rodízio nos postos estratégicos. Exige a superação da
condição parcelizada, fragmentada e inferiorizada dos trabalhadores no
interior do processo de produção das condições materiais e existência ou
aquilo que Gramsci chamava reunificação entre o homo faber e o homo
106
sapiens. Significa a transcendência, ainda que parcial, da alienação, o que é
igual dizer a superação da exploração econômica e da opressão política.
(NOVAES; FARIA, 2010 p.12-13, grifo dos autores).
Novaes (2011, p.42) aponta o rodízio de cargos e a revogabilidade
dos cargos como princípios vitais da autogestão. E ainda Novaes e Faria
(2010) apresentam outras características do processo de autogestão, tendo
como exemplo as fábricas recuperadas, tais como: a) as diferenças salarias
que são abolidas; b) a inferiorização dos trabalhadores que também devem
ser abolida pela participação de todos nas decisões; c) a disciplina e as
normas que passam a ser decididas coletivamente; e por fim d) a redução
de níveis hierquicos para favorecer a horizontalidade nas relações sociais.
Tomamos no âmbito dessa pesquisa o conceito de autogestão de
forma restrita, por analisarmos como esse conceito se configura no interior
das práticas educativas em agroecologia no MST. Como mencionamos na
apresentação desse livro, tivemos como hipótese durante nossa pesquisa,
que a autogestão e auto-organização dos estudantes, assim como a
participação efetiva e a inserção na coletividade são dimensões do processo
de Gestão Democrática, assumido e vivenciado no interior das escolas do
MST, especialmente na escola por nós pesquisada.
Então, ao falarmos em autogestão, no contexto deste livro estamos
nos referindo ao processo que o MST denomina de Autogestão
Pedagógica (MST, 1996, p.21) adotado no âmbito das escolas do MST,
como princípio que visa acelerar a consciência organizativa dos Sem
Terra. No documento Princípios da educação no MST (1996) temos que
o MST assume em suas escolas de 1º ao 9º ano o princípio da auto-
organização dos estudantes com maior ênfase e visa instituir nas escolas de
ensino médio o princípio da Autogestão Pedagógica, nestes cursos “[...] o
coletivo de estudantes assume autonomamente, a direção de parte
107
significativa do seu processo de formação, ao mesmo tempo em que
coopera na gestão coletiva do conjunto da proposta pedagógica do curso
(MST, 1996, p.21)”.
Ao pensarmos na autogestão nas escolas do MST, no processo de
organização dessas escolas com base autogestionária e a organização da
produção nesses espaços ser prioritariamente coletivizada, enquanto no
assentamentos do MST, em grande parte, ainda se pauta a produção
individual, questionamos um dos coordenadores da EMS, que resumiu
esse processo dizendo,
[...] se a gente partir do pressuposto que nós buscamos nas escolas do
Movimento, de certa maneira recriar a organicidade do próprio MST,
desse ponto de vista, a organicidade do Movimento, ela organiza as famílias
independentemente de viverem em espaços coletivos ou unidades
familiares, então nós podemos ter, desde educandos que estão em CPAs,
que vivem em outros espaços coletivos ou que vivem em assentamentos,
em lotes individuais e da mesma maneira fazem parte do Movimento,
embora sua vivência cotidiana tenha diferença nas suas relações de
existência, mas de alguma maneira todos participam da organicidade do
Movimento, e ela conseguiu até hoje contemplar esse tipo de diferença.
Então a preocupação maior ao pensar a organicidade e os aspectos de
autogestão nas escolas, não é tanto pensar a produção, no sentido de uma
área de produção coletiva, ou trazer para cá a dinâmica que seria de um
coletivo, inclusive de um coletivo formal como a CPA, mas é a dinâmica
do Movimento e a dinâmica do Movimento ela se pauta sim, como
qualquer organização que tem este caráter sindical, mas também este
caráter social e político que o Movimento tem, ele faz isso. Então eu não
vejo necessariamente uma contradição, tem uma tensão talvez aí, mas não
necessariamente uma contradição, porque as pessoas vão exercitar o
108
processo de autogestão na escola da mesma maneira que exercitam a
autogestão no assentamento, mesmo que o assentamento seja em
comunidades familiares
21
.
Dimensão da auto-organização
A auto-organização dos estudantes é um conceito que tem origem
nos princípios da educação Soviética, em um momento pós-
revolucionário, sendo Pistrak o autor de maior influência para definição
deste conceito
22
.
Caldart prefaciando a obra de Pistrak (2011) apontou que o
momento histórico que este autor vivenciou era um momento em que se
concentravam forças para consolidação da revolução, que tinha por
objetivo: a) a reconstrução das organizações sociais e do Estado;b) a luta
permanente contra a reação capitalista mundial.
Freitas (2009, p.13) ao traduzir a obra Escola-Comuna e prefaciar
a mesma, afirma em relação aos objetivos da escola que se configurava
naquele período, que a finalidade das escolas “[...] era criar coletivamente,
na prática e junto às próprias dificuldades que a realidade educacional da
época impunha, a nova escola, guiada pelos princípios básicos da escola
única do trabalho”. Ao discorrer sobre os fundamentos da escola do
trabalho, Pistrak (2011) aponta três princípios fundamentais desta escola,
como sendo: a) relações com a realidade atual; b) auto-organização dos
alunos; c) trabalho.
Quanto ao princípio da relação com a realidade atual,
depreendemos que, o autor vislumbrava uma escola que penetrasse na
21
Entrevista 6 - morador e coordenador na EMS, em entrevista concedida em novembro de 2013.
22
Ainda que existam estudos que apontem para uma auto-organização ainda nas escolas burguesas anteriores a
Revolução Russa, nos baseamos nesta pesquisa no conceito desenvolvido pelos autores Soviéticos pós-revolução,
nas tentativas de reconstrução da escola numa perspectiva socialista.
109
realidade, vivenciando-a
23
; e quanto ao princípio da auto-organização dos
alunos, este princípio tinha em vista que a criança e o adolescente vivem
uma vida verdadeira, não de brincadeira, desta forma, era necessária a
organização desta vida, objetivando desenvolver nas crianças e adolescentes
um espírito social forte, capaz de criar a nova geração.
O MST afirma que ao definir a dimensão da auto-organização dos
estudantes, toma as experiências da educação Soviética como norte,
munindo-se das definições do pedagogo russo Pistrak.
Auto-organizar-se no contexto das escolas do MST tem a ver,
então, com o processo de criação do coletivo de educandos e educandas
numa escola, no qual eles passam a ter um tempo e um espaço autônomo
para que se encontrem, discutam e tomem decisões, inclusive decisões
pertinentes a sua participação verdadeira no coletivo maior de gestão da
escola (MST, 1996).
A auto-organização dos estudantes é compreendida no contexto do
MST do ponto de vista da participação efetiva dos estudantes. O
Movimento destaca que a auto-organização tem um conteúdo pedagógico,
pois os estudantes assumem parte significativa do seu próprio processo de
formação.
Algumas aprendizagens/habilidades que estão em desenvolvimento
no processo da auto-organização dos estudantes, podem ser sintetizadas
como: a) capacidade de agir por iniciativa própria, ao mesmo tempo em
que respeitando as decisões tomadas pelo seu próprio coletivo ou por outro
a que este seja subordinado; b) a busca de soluções para os problemas; c) o
exercício da crítica e autocrítica; d) a capacidade de mandar e obedecer; d)
desenvolvimento do espírito da humildade e da autoconfiança; e)
compromisso com os resultados pessoais e com os coletivos; f) capacidade
23
Sobre isso ver Freitas (2009) e Pistrak (2011).
110
de trabalhar os conflitos, tendo em vista o bem estar da coletividade (MST,
1996).
Neste sentido a potencialidade pedagógica da auto-organização
está no âmbito do aprender a ser, tendo em vista a formação do caráter dos
educandos sob uma intencionalidade pedagógica que está intimamente
relacionada aos objetivos gerais do movimento em que estão inseridos.
Dimensão da participação efetiva e inserção na coletividade
A participação efetiva é compreendida no âmbito desta pesquisa
como um processo que visa possibilitar a participação real de todos na
gestão da escola, tendo como objetivo a formação na coletividade, dessa
forma, não se restringindo a inserção dos indivíduos nos coletivos e/ou
espaços de decisões da escola, mas a real participação destes nesses espaços.
Os coletivos
[...] podem ser o espaço privilegiado de autoformação permanente,
através da reflexão sobre a prática, do estudo, das discussões e da
própria preparação para outras atividades de formação promovidas
pelo MST, pelos órgãos públicos, por outras entidades (MST, 1996,
p.22).
Segundo Lima (2011, p.32) “O envolvimento com o Curso, a
inserção em uma coletividade forja a gestão democrática”.
O conceito de coletividade desenvolvido e tomado pelo MST, tem
por base as definições de Makarenko
24
, construídas no bojo das propostas
de educação dos trabalhadores na Revolução Russa.
Lima (2011) aponta que nos processos educativos do MST são
instituídas as Coordenações e os Coletivos objetivando a formação dos
24
Anton Makarenko é um dos autores clássicos na discussão da escola como coletividade.
111
sujeitos Sem Terra, organizando e direcionando o TE, mediante as
estratégias pedagógicas do Movimento e por meio do processo de GD,
entendido sob as bases da auto-organização e do trabalho socialmente útil.
Sendo assim,
Buscam a participação de todas as pessoas, educandos e educadores, na
organização e construção dos processos formativos que abrangem as
atividades da educação escolar cursos formais o trabalho na produção
e os trabalhos de serviços gerais necessários à organização na vida coletiva
(LIMA, 2011, p.123).
Alguns coletivos são instituídos na educação profissional do MST
a fim de cumprir essa tarefa pedagógica de possibilitar a participação efetiva
de todos na gestão da escola e garantir a inserção na coletividade do
Movimento. E podem ser observados a partir da sistematização abaixo:
112
Quadro 2 - Quadro de Coletivos
Coletivos
Coletivo de
Acompanha
mento
Político
Pedagógico
(CAPP)
implementação das linhas políticas e dos princíp
pedagógico do curso com as turmas”.
Coletivo da
Coordenação
Geral do
Curso
(CNBT)
coordenadores (as) dos núcleos
coletivamente”.
garantir o funcionamento
pedagógicos referentes ao curso, à turma e à Escola [...]”.
Coletivo dos
Núcleos de
Base (NBs)
estu
conforme a organização e cronograma de trabalho”.
Equipes de
trabalho
Relações Humanas, Comunicação e Cultura,
Relatoria e Memória”.
Fonte: Lima (2011).
113
A participação efetiva dos sujeitos na GD da escola, por sua vez,
não está garantida somente com a existência dos coletivos e instâncias que
configuram a organicidade da mesma, alguns entrevistados durante a
pesquisa apontaram a inserção na coletividade como uma condição para
que a GD aconteça, pois essa inserção na coletividade ampla do
Movimento interfere na participação do sujeito na escola.
[...] essa pessoa que tem isto que a gente chama de inserção, ou seja,
tem uma tarefa, tem responsabilidade, tem que desenvolver
determinadas atividades, essa pessoa acaba tendo um compromisso
maior, ela acaba conseguindo contribuir com a turma na tomada de
decisões, nos encaminhamentos, em função desta experiência
organizativa que ela tem
25
.
A partir da participação efetiva desses sujeitos nas instâncias e
coletivos do Movimento, instaura-se um processo denominado pelos
sujeitos Sem Terra de enraizamento, que corresponde ao processo de
identificação e pertencimento ao Movimento. Dado este processo, os
sujeitos Sem Terra, acabam por compreender e assumir determinadas
funções no âmbito organizativo do Movimento e da própria escola.
Uma educanda EMS ao descrever sua experiência de inserção no
coletivo da escola, aponta
[...] a partir do momento que a gente começa a estudar, quando você
não tem um vínculo maior com o acampamento, com o assentamento
que você faz parte, daí a partir do momento que você começa a estudar
você já tem uma inserção maior na base, você começa a assumir
25
Entrevista 2 - coordenadora e educadora na Escola Milton Santos, reside na escola há 7 anos e está no MST
desde 1999, em entrevista realizada em 2013.
114
responsabilidades, a participar dos setores que também tem lá no
assentamento, a discutir, a ajudar discutir, a planejar a fazer
26
.
A educanda ainda afirma a importância da GD para se atingir os
objetivos do Movimento,
[...] acho que contribui, porque é uma experiência muito rica, porque
geralmente a gente, na escola tradicional é acostumada com um tipo
de organização, na qual sempre um quer ser mais que o outro, nesse
sentido assim, do próprio processo de aprendizado. E aqui na escola
pela própria experiência, a gente viu a diferença de ser organizado pelos
Núcleos, pelos Coletivos, de saber que você tem que fazer as coisas e
não é porque você quer ou porque você gosta, mas em vista do objetivo
comum que é o coletivo, então você aprende isso e isso você leva de
experiência para o resto da vida, porque muitas vezes quando a gente
vem para o curso a gente não tem muita experiência, não sabe como
lidar, mas daí todo mundo tem tarefa não é só um ou outro, é todo
mundo , então, independente se é coordenador se faz parte da equipe
de disciplina ou da relatoria, nenhuma é inferior ou maior que a outra,
ambas tem a mesma importância só que em segmentos diferentes
27
.
Esta afirmação nos apresenta um elemento essencial para
compreensão do processo de sociabilidade instaurado na EMS, nos
permite perceber como o processo de GD vivenciado mediante as práticas
educativas na escola contribuem para inserção dos educandos na dinâmica
organizacional do próprio Movimento, “[...]a partir do momento que você
começa a estudar você tem uma inserção maior na base, você começa a
26
Entrevista 5 - educanda do técnico em agroecologia turma IV na Escola Milton Santos, em entrevista realizada
em 2013.
27
IDEM.
115
assumir responsabilidades, a participar dos setores que também tem lá no
assentamento, a discutir, a ajudar discutir, a planejar e a fazer
28
”.
Compreendemos, portanto, que a inserção na coletividade
organizada proporciona aos sujeitos uma experiência democrática. A GD
do MST em todas as suas dimensões tem contribuído para o
fortalecimento do Movimento e para alcançar seus objetivos, dentre eles o
da formação técnica profissional dos sujeitos Sem Terra.
28
IBIDEM.
116
117
CAPÍTULO III
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ____________ ______
A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA MILTON
SANTOS: RELAÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS
Neste capítulo descrevemos como se organiza a GD na Escola
Milton Santos. Apresentamos, alguns elementos da formação dessa escola,
seus objetivos em relação à proposta educacional do MST. Abordamos
também, as experiências educacionais realizadas na escola, no âmbito da
agroecologia. E ainda, por meio da análise das entrevistas realizadas na
escola, depreendemos as formas de participação na escola, os limites e as
possibilidades observados no processo de GD.
Escola Milton Santos de agroecologia
Apresentamos nesse item, a escola pesquisada, um panorama geral,
em relação a sua formação e organização, apontando alguns elementos
importantes na sua estrutura político-pedagógica.
No plano macro, vimos no capítulo anterior que a crítica à
Revolução Verde levou o MST a inúmeras ações, tais como a denúncia dos
alimentos envenenados e da soberania alimentar, criação de feiras de
agroecologia, jornadas de agroecologia e de escolas de agroecologia.
A Escola Milton Santos (EMS) surge como parte dessas ações. Ela
se constitui como um centro de Educação do Campo e uma escola popular
não integrada a rede pública oficial de ensino. Seus cursos o oficialmente
118
reconhecidos por meio das parcerias que a escola estabelece com
Universidades e Institutos Técnicos Federais. Os recursos provenientes
para estes cursos são captados por meio do Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária e através de doações, de outros projetos e da
comercialização da própria produção da escola.
A EMS nasce do esforço do Movimento por criar as condições
materiais de implementação da agroecologia nos assentamentos e
acampamentos e também no esforço de conquistar espaços para a luta da
reforma agrária e por uma transformação social mais ampla. Sendo
inaugurada em 10 de junho de 2002, no município de Maringá-PR pelo
MST.
Em entrevista realizada na escola, um de seus coordenadores, nos
aponta alguns dos objetivos da EMS, enquanto, escola de agroecologia
situada numa região estratégica no município de Maringá:
A escola Milton Santos é um espaço que não está localizado dentro de
um assentamento, ela é umas das únicas escolas/espaços do MST que
não está dentro de um assentamento ou de uma área de reforma
agrária. Ela tem um objetivo estratégico do MST, ela trás como
objetivo a relação com a sociedade, esta relação mais próxima com a
sociedade, com as Universidades e outras organizações da sociedade
civil e da própria população regional de Paiçandu, Maringá e outras
cidades mais próximas. Ela tem também o objetivo da agroecologia, de
ser um espaço que promove a agroecologia, que é uma estratégia
política do MST, então a escola é um centro de formação e divulgação
da agroecologia
29
.
29
Entrevista 6 - morador e coordenador na EMS, em entrevista concedida em novembro de 2013.
119
Antes do MST de fato conquistar este espaço foram necessários dez
anos de luta, por parte dos trabalhadores rurais Sem Terra junto à
administração pública do município de Maringá. Pois o terreno em que se
localiza a escola pertence oficialmente à prefeitura de Maringá e foi
conquistado pelos trabalhadores Sem Terra durante um período de luta,
de reconstrução do prédio e do terreno.
A área em que hoje se localiza a escola, contava anteriormente com
construções inacabadas de uma indústria de cerâmica que estava
abandonada desde 1982 e havia sido embargada pela justiça por
irregularidades passando a pertencer à prefeitura de Maringá a partir de
1988, a qual deu continuidade ao abandono e descaso com a área, sendo
utilizada somente para depósito de lixo, retirada de cascalho e basalto.
Em 2002 por meio de um termo de concessão de uso do bem a título
gratuito, foi concedido o direito a utilização do terreno para construção do
Centro de Educação do Campo e Desenvolvimento Econômico
Sustentável em Agroecologia. Os concessionários legais do termo são o
Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA) e
a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Sendo posteriormente delegada
a representação do ITEPA à Associação de Trabalhadores na Educação e
Produção em Agroecologia Milton Santos (ATEMIS).
Inúmeros problemas surgiram após esta concessão, sendo um deles
apresentado no final de 2004, como um erro administrativo da prefeitura
de Maringá que realizou uma dupla concessão de dois hectares da área
cedida para construção da escola Milton Santos e paralelamente para a
Secretaria de Estado da Justiça, sendo então perdidos dois hectares dos 6,5
120
concedidos
30
. A escola continuou seu processo de construção e
reconstrução das áreas, enfrentando diversos pedidos de reintegração de
posse, em 2013 enfrentou uma luta significativa com a Câmara dos
Vereadores de Maringá, que queriam aprovar uma lei solicitando a
reintegração de parte do terreno concedido a escola. Durante a 12ª Jornada
de Agroecologia, em 2013, na qual, quase 3 mil pessoas assinaram uma
moção de apoio a Escola Milton Santos, onde estavam presentes diversas
autoridades locais, como o prefeito da cidade, o projeto de lei que solicitava
essa revogação da concessão do terreno à escola foi retirado da Câmara dos
Vereadores
31
.
Atualmente a escola conta com ampla infraestrutura, que foi
construída aos poucos e durante o processo de formação dos sujeitos Sem
Terra. Eles dispõem de sala de aula, auditório, biblioteca, laboratório
físico-biológico (em fase de instalação), telecentro, alojamento, refeitório,
lavanderia e casas destinadas aos educadores e às famílias de trabalhadores
que residem na escola. E ainda contam com a permanência de
aproximadamente trinta trabalhadores residentes no local, que contribuem
em diversos setores da escola.
Para o lazer, oferece um campo de futebol gramado, uma quadra
de vôlei de areia e um parque infantil. Além disso, desenvolve a produção
agroecológica em diversas frentes.
A EMS tem origem com o principal objetivo de formação dos
sujeitos Sem Terra, mas também surge “[...] para ser um espaço de
30
Essa dupla concessão de área resultou na construção do presídio estadual ao lado da escola, o que acarreta em
diversos problemas todos os anos, de disputa por esse espaço.
31
Apesar dessa conquista importante em 2013, a escola continua sofrendo com diversas pressões por parte da
comunidade política de Maringá, pois a lei de concessão do terreno à escola acaba em 2024.
121
atividades da classe trabalhadora, então nessa relação com o conjunto da
sociedade divulgar a luta do Movimento”
32
.
Lima (2011, p.23) ainda aponta que
[...] a perspectiva do Movimento (MST/PR-2006) em relação aos
Centros/Escolas de Formação é que estes sejam um dos instrumentos -
ferramenta de luta que contribua no processo de formação do ser social,
o sujeito Sem Terra. Os centros de formação são assumidos como uma
possibilidade de realizar a formação, objetivando a apropriação do
conhecimento histórico, científico e técnico.
Assim é forjado, o nascimento da EMS em Maringá, com a
intenção de somar elementos na luta pela reforma agrária, contribuindo
para construção e difusão da agroecologia.
Conforme documentos da EMS a representação legal da EMS, se
constitui como:
[...] uma escola popular, não estando oficialmente integrada à rede
pública de ensino. Inicialmente vinculada ao Instituto Técnico de
Educação e Pesquisa da Reforma Agrária-ITEPA, a EMS é hoje
legalmente representada pela Associação de Trabalhadores na
Educação e Produção em agroecologia Milton Santos-ATEMIS,
fundada em janeiro de 2007. A ATEMIS é composta por pequenos
agricultores, camponeses, educadores e educandos do campo do Estado
do Paraná, e tem por objetivo geral estimular o desenvolvimento
comunitário e cultural, o desenvolvimento agrícola, a agroecologia e o
desenvolvimento sustentável, desenvolvendo atividades de educação,
capacitação e pesquisa, conforme explicitado em seu estatuto (EMS
apud GUHUR, 2012, n.p).
32
Entrevista 6 - morador permanente e coordenador na EMS, em entrevista concedida em novembro de 2013.
122
O objetivo geral da Escola Milton Santos é,
[...] se constituir como um Centro de Educação do Campo em vista de
elevar o nível de formação política e cultural, educação e capacitação
de jovens e adultos do campo. Participar na construção de um projeto
de humanização das pessoas que possibilite formação de sujeitos sociais
na construção de um projeto de desenvolvimento do campo e do país
comprometido com a soberania nacional, com a Reforma Agrária e
outras formas de desconcentração da renda e da propriedade, com a
solidariedade, com a democracia popular e com o respeito ao meio
ambiente (EMS apud GUHUR, 2012, np).
Segundo documentos da ESCOLA MILTON SANTOS (2003),
assim como os demais cursos e escolas do Movimento, o Projeto Político
Pedagógico (PPP) da escola foi construído tendo em vista a Teoria da
Organização, as Normas Gerais do MST e o Método Pedagógico
sistematizado pelo IEJC.
Sendo assim,
[...] na concepção que orienta esse projeto, a formação deve ser
constituída como um processo que visa ajudar a preparar militantes,
estudantes e dirigentes para a ação e transformação, para o trabalho, o
estudo, o cuidado com o ser humano e a natureza, para a pesquisa e a
cooperação. Nesse sentido devemos ver a formação como um processo
permanente de transformação humana para a prática de novos valores
e de caráter humanista e socialista (EMS apud GUHUR, 2012, np).
Lima (2011) afirma que são quatro os eixos fundamentais que
organizam o PPP da escola, sendo eles: o estudo, o trabalho produtivo, a
organicidade (estrutura organizativa) e a convivência. A autora afirma que
123
a partir deles, a proposta pedagógica da EMS se orienta pelos seguintes
elementos metodológicos:
Regime de alternância;
Trabalho como elemento pedagógico fundamental;
Formação integrada ao processo de produção;
Organização dos tempos educativos;
Organização de coletivos;
Relação escola e comunidade como elemento estratégico;
Qualificação aliada à escolarização e à formação política.
Esta proposta educacional tem em vista as práticas educativas em
agroecologia do MST/PR que são organizadas, visando contribuir na
formação dos estudantes, articuladas a formação do técnico-militante, o
que segundo Lima (2011, p.201)
Atende à necessidade de contribuir na organização dos assentamentos de
reforma agrária e de outros espaços formativos nas comunidades do
campo, de construir uma práxis política e organizativa que contribua para
o processo de formação da consciência de classe, na luta por novas relações
sociais, justas e emancipatórias.
Alguns elementos caracterizam a Escola Milton Santos e podem ser
observados através do quadro explicativo sistematizado por Lima (2011,
p.208).
124
Quadro 3
Organização curricular do Curso Técnico em Agroecologia, estruturado no Regime de
Alternância (TE-TC) por módulos etapas;
Organização da Escola em torno dos Cursos Técnicos (Agroecologia) e outras práticas
educativas ligadas à educação popular (não formal);
Escola de tempo integral;
Escola organizada através de diferentes tempos (espaços) educativos;
Escola de jovens e adultos, mas organiza e garante o trabalho com a educação infantil
e com adolescentes (filhos dos educandos/educadores/trabalhadores/militantes);
Trabalho e gestão da escola são assumidos coletivamente por diversas pessoas/ sujeitos
(educadores-educandos);
Base curricular (oficial) do Curso Técnico em Agroecologia por área de
conhecimento, organizada em unidades didáticas (disciplinas) desenvolvidas no TE, em
períodos intensivos no Tempo Aula em cada etapa e, se necessário, são orientadas
trabalho para o TC:
a) Educação Técnica Profissional;
b) Educação Básica de nível Médio e Técnico Profissional (Ensino Médio Integrado e
Proeja).
Educadores com níveis diferenciados de participação na Escola (Professores
Itinerantes, Professores no MST, IFPR e outras Instituições de Ensino Públicas
voluntário-simpatizantes do MST e da luta pela Reforma Agrária);
Níveis de Gestão: Escola e MST; Escola e Parcerias; Escolas e Turmas, e Escola
Educandos/Educadores. A inserção dos educandos e educadores numa estrutura
orgânica que garante o funcionamento da Escola.
Fonte: Lima (2011, p.208).
Ressaltamos que, a estrutura orgânica que orienta a organização e
a gestão da escola seguem as direções e normas gerais do MST, no entanto
se respaldam também, nas experiências acumuladas pelo MST, no âmbito
da educação profissional, do IEJC em Veranópolis que estão sistematizadas
nos cadernos do ITERRA (2004).
125
Lima (2011) aponta que nos processos-educativos do MST são
instituídos as Coordenações e os Coletivos objetivando a formação dos
sujeitos Sem Terra, organizando e direcionando o tempo escola, mediante
as estratégias pedagógicas do Movimento e por meio do processo de GD,
entendido sob as bases da auto-organização e do trabalho socialmente útil.
Quanto aos cursos oferecidos pela escola, visando atingir seus
objetivos enquanto um centro de difusão dos princípios da agroecologia é
oferecido desde 2003, em parceria com o IFPR, com recursos do
PRONERA, os seguintes cursos:
Pós-médio (subsequente ao ensino médio), com duração de 2 anos;
Integrado ao ensino médio, com duração de 3 anos e meio;
Integrado ao ensino médio/Educação de Jovens e Adultos (Programa
Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica
na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos(PROEJA)), com duração
de 2 anos.
Guhur (2010, p.152) salienta que os cursos técnicos em agroecologia
da EMS “[...] visam
atender, prioritariamente, às regiões Norte, Centro-Oeste e Noroeste do
Estado do Paraná (embora em suas turmas estivessem educandos de quase
todas as regiões do estado)”.
E em 2013 iniciou-se na escola uma turma de Pedagogia para
Educadores do Campo, por meio do PRONERA em parceria com a UEM
campus de Maringá. No quadro abaixo podemos observar os cursos
oficiais, oferecidos na escola desde sua construção.
126
Quadro 4 - Curso oficiais
Técnico em Agroecologia - IV
Carlos Marighella
2010-
2011
PROEJA
7
Concluído
Técnico em Agroecologia - V
2014-
2018
Médio Integrado
9
Concluído
Pronatec Campo (Atendente de
Nutrição)
2013
Formação
Continuada
4
Concluído
Pedagogia para Educadores do
Campo
2013-
2017
Graduação
8
Concluído
EJA fase II
2013-
2015
Ensino
Fundamental
14
Concluído
Fonte: Do autor.
Além dos cursos técnicos e do curso de Pedagogia, na escola
também já foram oferecidos cursos não-formais em diversas áreas, tais
como: saúde, formação política e cultura; como também, encontros,
seminários e eventos similares promovidos por Movimentos Sociais
Populares, partidos políticos de esquerda e outras organizações (SEM apud
GUHUR, 2012).
Turma Período Modalidade Etapas Situação
Técnico em Agroecologia -
I
Karl Marx
2003-
2005
Pós-dio 5 Concluído
Técnico em Agroecologia -
II
Vladimir Lênin
2005-
2008
Pós-dio 5 Concluído
Técnico em Agroecologia - III
Haydée Santamaría
2006-
2009
Médio
Integrado
9 Concluído
127
Desde 2018 nenhum curso oficial foi iniciado na escola, devido a
falta de recursos, cortes nos financiamentos dos programas do governo,
como o PRONERA, que era fundamental para formação nos espaços de
reforma agrária.
Apesar das dificuldades enfrentadas pela escola para manutenção
dos cursos oficiais, outras atividades seguem sendo desenvolvidas na EMS.
Em 2019, a escola teve dois cursos informais que atingiram
educandos de diversas regiões do país. Um deles foi o curso de formação
de agentes na campanha permanente contra agrotóxicos e pela vida, que
contou com a participação de acampados, assentados, população de
territórios indígenas e urbano, dos estados de SC, PR, SP e MS. Nesse
curso os educandos tiveram acesso a produção agroecológica da escola e
conheceram também a Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória
(COPAVI). Outro curso desenvolvido em 2019, foi o curso de sistemas
agroflorestais, que aconteceu em duas etapas menores, mas que contou
com a participação de parte da população assentada e acampada da região
noroeste do Paraná e ainda de outros estados.
Ainda que o objetivo primeiro da escola, que é a formação, não
esteja plenamente em desenvolvimento, outras ações têm sido
desenvolvidas por seus moradores. Especialmente em 2020, devido as
ações contra a pandemia do COVID-19, a escola vem desenvolvendo ações
beneficentes, juntamente com os acampamentos e assentamentos do MST
da região noroeste do Paraná. Uma importante ação desenvolvida pelo
MST (PR) nesse período de isolamento social, foi a doação de
aproximadamente 12 toneladas de alimentos agroecológico entre os dias
27 e 28 de junho de 2020. Nessa ação a escola EMS, contribuiu com
aproximadamente oitocentos quilos de alimentos variados, entre
128
mandioca, frutas e fubá, que atingiu cerca de 13 municípios da região
noroeste, ressaltando a importância da produção agroecológica e da
agricultura familiar.
Outra ação que vem sendo desenvolvida pela escola, neste ano, é a
rádio comunitária, que acontece na rádio Pioneira FM, no bairro Pioneiros
em Paiçandu, mas que nesse momento vem sendo realizada remotamente.
Nesse programa da rádio comunitária, alguns membros da escola,
devolvem um projeto de divulgação da agroecologia que tem alcançado o
entrono da escola, aproximadamente 14 mil residências no município de
Paiçandu, se mostrando um importante canal de comunicação e
fortalecimento de vínculo com a comunidade.
Em relação a comercialização dos produtos produzidos na escola,
atualmente, a escola assume a dinâmica de entrega porta a porta, e ainda
comercializa seus produtos por meio da Cooperativa Mista de
Agroindustrialização Comercialização da Agricultura Familiar e Reforma
Agrária (COPERNATURINGA), que comercializa produtos da reforma
agrária, produtos oriundos de assentamentos, como também da agricultura
familiar do Paraná e de outros estados.
A organicidade da Escola Milton Santos
A Escola Milton Santos é um centro/escola de educação
profissional em agroecologia do MST, sendo assim não está acima ou fora
de sua estrutura organizacional. Ao serem criadas as escolas do
Movimento, em áreas de reforma agrária, mas não necessariamente em
áreas de assentamentos ou acampamentos, como é o caso da EMS, estas
seguem a dinâmica organizacional do Movimento.
129
Em termos de organicidade, a escola segue a estrutura orgânica do
MST/PR, quanto a isso, Lima ressalta
Embasando-se nos princípios políticos e na estrutura orgânica do MST, a
Escola Milton Santos, em período integral e durante o Tempo/Espaço
Escola, tem organizado as pessoas/sujeitos que participam de seu projeto
educativo em coletivos. Constitui um processo articulado com a
gestão/auto-organização e compreende dois momentos: “[...] a
organicidade interna dos cursos (núcleos de base, equipes, coordenação da
turma, coordenação do dia, etc.), associada à auto-organização dos
educandos/as, e à organicidade do MST, intrinsicamente ligada à luta
política e ao trabalho necessário à sobrevivência da coletividade” (LIMA
apud LIMA, 2011, p.215).
Podemos dividir a organicidade da EMS em macro e micro,
considerando como macro a organicidade referente a toda a escola, desde
a produção, comercialização dos produtos da reforma agrária até as relações
com as questões pedagógicas. E como micro a organicidade diretamente
relacionada aos cursos e atividades pedagógicas desenvolvidas na escola.
Em sua macro organicidade temos os moradores permanentes, que
constituem um Núcleo de Base (NB), no qual deste NB se desmembram
quatro setores de atuação na escola, sendo eles: o setor administrativo,
pedagógico, de infraestrutura e de produção, cada setor tem suas frentes de
trabalho para o desenvolvimento das tarefas relacionadas a cada setor, por
exemplo: setor administrativo frente de secretaria, finanças e etc. O NB
Milton Santos tem a função de articular as demandas e organizar as tarefas
relacionadas ao funcionamento da escola, no que tange suas diversas
frentes.
Segue uma apresentação dos setores e frentes de trabalho:
130
Quadro 5
SETORES
OBJETIVOS E FUNÇÕES
Pedagógico
-Garantir o acompanhamento sistemático de todo o processo de
formação da EMS;
-
Organizar o uso dos materiais necessários à formação e
educação;
-Garantir a sistematização de documentações do conjunto das
atividades da escola;
-Orientar os diversos momentos culturais e de mística;
Frentes de trabalho:
Educação Infantil; Sistematização e Memória;
Acompanhamentos dos Cursos; Biblioteca e Videoteca;
Informática; Almoxarifado Didático; Cultura Mística;
Secretária do Curso; Formação.
Produção
Agropecuária
-Produzir para autossustentação da escola (Consumo Interno e
Comércio);
-Servir-se de espaço pedagógico de aprendizagem e pesquisa;
- Difusão de formas agroecológicas de produção;
-Produzir sementes, prioritariamente para autossustento;
Frentes de trabalho:
Horta Olerícola; Horta Medicinal; Animais (Suínos e Gado de
Leite, Galinha); Culturas Regionais; Grãos em Geral; Olerícola
e Tuberculosas; Frutas; Viveiro (Nativos e Ornamentais);
Almoxarifado da Produção Agropecuária; Comercialização;
Produção e Adubação Orgânica.
Infraestrutura
- Garantir a organização e funcionamento dos espaços estruturais
da EMS;
- Construir um ambiente agradável para a convivência;
- Ter como princípio: a alimentação saudável e ecológica;
- Provocar a discussão do zelo e cuidado como o patrimônio
Frentes de trabalho:
131
Cozinha e Refeitório; Construção; Reforma e Manutenção;
Limpeza Geral;
Embelezamento e Jardinagem; Saúde;
Hospedagem e Lavanderia.
Administrativo e
Secretaria Geral
-Responsabilidade pelo planejamento e a condução dos aspectos
estruturais, material e financeiro da E.M.S.
-Responsabilidade da articulação das atividades de relação
externa à EMS (Reuniões, Encontros e Visitas);
-Aglutinar, através da secretaria geral, o conjunto de informações
internas e externas da EMS.
Frentes de trabalho:
Recepção e Telefone; Projeto; Planejamento e Finanças;
Veículo/Automóvel; Relação
Externa.
Fonte: ESCOLA MILTON SANTOS (EMS apud LIMA, 2011).
Ainda nessa macro organização, temos os sujeitos que participam
e contribuem com a escola de forma itinerante desenvolvendo atividades
voluntárias, estes sujeitos integram o NB dos Voluntários, que é formado
de acordo com a necessidade da escola.
Outra demanda que precisa uma organização diferenciada na EMS
está relacionada ao cuidado com as crianças Sem Terrinhas, filhos e filhas
das famílias moradoras da escola, e de estudantes que passam pelos cursos
e de voluntários. Lima (2011) explica que dessa demanda nasce um espaço
organizado para o cuidado com as crianças, um ambiente educativo que
possibilita a intervenção pedagógica necessária à educação das crianças,
chamado de Ciranda Infantil. As crianças participantes da Ciranda
compõem o NB “Sementes da Esperança”.
132
É importante ressaltar que apesar do espaço da Ciranda ser
organizado tendo em vista tanto o cuidado como a intervenção pedagógica
na EMS, a Ciranda Infantil não se configura como uma escola de educação
infantil estatal e/ou municipal. Trata-se de um espaço de intervenção
prioritária do MST, portanto, as crianças moradoras da EMS que estão em
idade escolar obrigatória cursam a educação infantil e/ou fundamental em
alguma escola do município mais próximo, tendo o espaço da ciranda
como possibilidade de um contra turno.
Em relação ao setor pedagógico, que é nosso objeto direto de
estudo, está integrado o Coletivo Político Pedagógico, responvel por
toda a administração pedagógica da escola e pela organização das parcerias
com os Institutos, Universidades e Estado.
Quanto às turmas, no início de cada curso, seja técnico, ensino médio,
Educação de Jovens e Adultos (EJA) ou Pedagogia para Educadores do
Campo é organizado um coletivo específico, denominado Coletivo de
Acompanhamento Político Pedagógico (CAPP), que visa administrar a
relação entre os diferentes segmentos (professores, educandos, moradores
permanentes da escola e comunidade externa). Esse coletivo também tem
a função de acompanhar o desenvolvimento da turma, observando
questões pontuais de rotina escolar, mas também articulando esses
segmentos em torno do desenvolvimento do projeto político pedagógico
do curso.
Assim, na EMS, temos a organização por meio dos núcleos de base
(NBs) de turma que são formados no início de cada curso, os NBs têm
aproximadamente sete educandos, dessa forma, a quantidade de NBs em
uma turma depende da quantidade de educandos. Os NBs permitem o
diálogo e a divisão das tarefas entre os educandos, sendo que em cada NB
133
são formadas equipes de trabalho que se organizam entre representantes
para distribuir as atividades da semana.
As equipes de trabalho são formadas por dois tipos (comum e de
turma) sendo que as comuns a toda a escola, são as de disciplina, mística,
comunicação e cultura; esporte, lazer e saúde; e as específicas da turma são
as de: relatoria e memória e finanças. Cada equipe tem dois representantes,
quando possível formado por um educando e uma educanda.
Os representantes dos NBs da turma, juntamente com os
representantes das equipes, mais um representante do NB Milton Santos
e um coordenador (a) do CAPP, integram a Coordenação Geral de
Núcleos de Base da Turma (CNBT), que se encontram semanalmente para
discutir os assuntos relacionados ao curso.
Neste sentido, a estrutura orgânica da EMS integra elementos
básicos que visam à construção de uma coletividade ampla da escola,
possibilitando assim, a vivência de um processo de GD, no qual, os
diversos sujeitos organizados são convocados a participarem (LIMA, 2011,
p.216).
Compreendemos, portanto, que a estrutura organizacional da
EMS, por meio da GD, instaura mecanismos de descentralização e
cooperação, a fim de possibilitar a participação de todos os envolvidos no
processo de gestão da escola.
Lima (2011, p. 216) destaca
[...] que a intencionalidade pedagógica atribuída pela Escola para a
dimensão educativa organicidade convoca os sujeitos a assumirem a sua
condição de protagonista e sujeito histórico, com participação plena na
134
condução do trabalho e comando político das práticas educativas, em
consonância com os princípios políticos e organizativos do MST.
A organicidade da escola é um dos fatores que permite o
desenvolvimento de um processo amplo de GD escolar. Indagado acerca
desse processo de GD, um dos moradores permanentes da escola, afirma
Eu compreendo que a GD acontece de acordo com o que o
Movimento prega, é aonde todos os sujeitos sintam-se parte deste coletivo
e ajudem no projeto de educação e informação, ela vai para além da
educação formal, ela tem que ter essa educação que a gente tem como
projeto para nós mesmos. E dentro do Movimento essa relação entre
sujeitos que historicamente foram excluídos da sociedade, então a gente
afetivamente não consegue dialogar, não consegue conviver com as
pessoas, não consegue cumprimentar direito, essa relação entre homens e
mulheres, entre homens e homens e mulheres e mulheres. A GD pra gente
é na realidade que todos sintam parte desse processo de construção
coletiva, desde as pessoas que estão lá embaixo na produção da horta, saber
que influenciam na educação dos sujeitos que estão no coletivo e dos
sujeitos que estão com essa missão e com essa tarefa de estudar e se
formar
33
.
O MST assume um processo de organização de sua coletividade
que de forma direta ou indireta possibilita aos sujeitos participarem deste
processo de formação em agroecologia, observamos que a macro
organicidade assumida no Movimento é de certa forma impressa nas
33
Assentado e militante do MST, ex-educando do curso técnico em agroecologia, atualmente contribui na
escola no setor pedagógico junto à coordenação da turma V do curso técnico em agroecologia, em entrevista
realizada em novembro de 2014.
135
escolas e nas turmas dos cursos realizados na Escola Milton Santos, como
um processo de inserção dos sujeitos na dinâmica organizacional do
Movimento, mas mais do que isso, como forma de vinculá-los em um
processo educacional emancipario, vislumbrando um vir a ser.
Podemos compreender melhor esta dinâmica no organograma da
figura 2.
Figura 2 - Organograma EMS
Fonte: Do autor.
Direção
Estadual
MST/PR
Conselho
Político EMS
CPP/ EMS
CNBT
TURMA 1
NB NB NB NB
CAPP
TURMA 1
NB MILTON
SANTOS
EQUIPES
COMUNS
DISCIPLINA
MÍSTICA
COMUNICA
ÇÃO E
CULTURA
ESPORTE,
LAZER E
SAÚDE
TURMA
RELATORIA
E MEMÓRIA
FINANÇAS
TURMA 2
NB NB NB NB
CAPP
TURMA 2
SETORES
PRODUÇÃO
FRENTE A FRENTE B
INFRAESTRUTURA
FRENTE A FRENTE B
ADMINISTRATIVO
FRENTE A FRENTE B
PEDAGÓGICO
FRENTE A FRENTE B
136
Participação dos sujeitos na gestão da escola
Apresentamos neste item como se efetiva a participação das três
categorias presentes na escola pesquisada, quais sejam: educandos,
educadores, coordenadores e ainda como se configura a participação dos
moradores permanentes na gestão desta. Analisamos por meio dos dados
coletados nas entrevistas e nas observações quais são as possiblidades
encontradas por estes sujeitos para instauração de um processo real de GD
e quais os limites encontrados para a efetivação do processo de GD.
Analisamos que para um processo real de Gestão Democrática é
necessária participação efetiva de todos os envolvidos no ambiente escolar,
tendo em vista os objetivos políticos e pedagógicos do MST e
consequentemente da EMS. Dessa forma, para fins de elucidação desse
processo abordamos as questões pertinentes à participação dos sujeitos na
gestão da escola, em tópicos específicos, de acordo com a categoria a que
pertencem.
Quanto à participação dos educandos
Compreendemos que a EMS se constitui enquanto um centro de
construção, difusão e instituição da agroecologia, atuando nas diversas
áreas e níveis escolares, recebendo educandos de várias regiões do país, mas,
principalmente, os oriundos da região sul, conforme vimos nas seções
anteriores.
Os educandos, oriundos de diversas regiões, bem como de diversas
instâncias do Movimento (acampamento, assentamento, ocupação e
cooperativas), permanecem na escola para a realização do TE, podendo
variar a permanência de acordo com o curso. Quando chegam à escola,
137
passam por uma etapa preparatória para o curso que irão ingressar,
recebendo instruções acerca da escola, da organicidade e do projeto
político pedagógico. Quando efetivamente começam o curso são inseridos
na estrutura organizacional passando a atuar nas diversas áreas da escola,
tanto de cuidado e manutenção desta, como relacionado às questões mais
intrínsecas aos cursos.
As instâncias que compõem a estrutura orgânica da escola são
basicamente as relacionadas no organograma da EMS, as que se relacionam
diretamente aos cursos e aos educandos estão no âmbito dos NBs de turma
e das equipes e frentes de trabalho. É importante ressaltar que as equipes
de trabalho são formadas de acordo com a turma e com a necessidade da
escola, não sendo uma estrutura fechada e rígida, mas em constante
movimento. A “[...] forma como a escola está organizada é a forma que o
Movimento se organiza e é a mesma forma que a gente repassa para as
turmas”
34
.
Quanto às frentes de trabalho, elas foram construídas através das
experiências das turmas que concluíram o curso técnico em agroecologia.
Cada frente de trabalho é pensada tendo em vista a manutenção da escola,
mas principalmente, a relação entre teoria e prática que é um dos princípios
norteadores da Pedagogia do MST. Sendo assim, nos cursos técnicos em
agroecologia, teremos frentes de trabalho que se relacionam amplamente
com o setor de produção da escola, por meio do tempo trabalho e da
vivência permitida pelo curso. No entanto, em cursos como o Médio
Integrado e principalmente na Pedagogia, teremos outras frentes de
trabalho sendo pensadas pelo CPP da escola, pois, a carga horária desses
34
Entrevista 8 - assentado e militante do MST, ex-educando do curso técnico em agroecologia, em entrevista
realizada em novembro de 2014.
138
cursos é maior e suas rotinas mais aceleradas e em relação ao curso de
Pedagogia. A questão da relação entre teoria e prática é estabelecida por
meio de outros setores da escola, como o Pedagógico, o de Infraestrutura
e o Administrativo, não tendo tanta ênfase no Setor de Produção.
Quanto à participação dos educandos, ela acontece
Do mesmo jeito que é organizado o núcleo de moradores fixos no NB
que é um núcleo de base e esse núcleo é específico pra tocar estas
atividades que são diárias, as turmas compõem os NBs só que com um
grupo reduzido na média de 6 a 8 educandos. E como a turma de
Pedagogia atualmente é composta por 28 educandos desses 28 em
média 6 a 7 educandos em cada NB. Nesses núcleos de base então,
existem momentos de discussões desde questões da turma e também
algumas questões que diz respeito à escola. Vamos dizer se tem lá que
arrumar alguma coisa que estragou ou pra melhor funcionamento lá
na sala de aula colocar umas cortinas então nos sábados tem um horário
especificamente em que os representantes dessa turma de cada núcleo
de base assim como tem da escola as coordenações que se reúnem pra
fazer estas discussões. Junto com os coordenadores do NB Milton
Santos e a CAPP, a gente aqui na escola a CPP coordenação política
pedagógica, que é um grupo de 7 pessoas e essa coordenação tem
representação de todos os setores, da produção, infraestrutura,
administrativo, pedagógico e também do coletivo dos cursos desde o
de Pedagogia Integrada e os demais. E a CAPP coletivo de
acompanhamento político pedagógico, que quem compõem já é
alguma pessoa que compõem a equipe da CPP e participa então desses
momentos no sábado, e tem algumas questões que podem não ser
resolvidas ali no momento da reunião junto com a turma, mas então é
levada para o NB Milton Santos ou para a própria CPP , que a CPP
vamos dizer é a instância maior da escola e acima dessa instância tem o
139
Conselho Político que engloba algumas brigadas da região Norte e
Noroeste que é onde a escola Milton Santos estão mais localizada
35
.
Acerca da participação dos educandos na gestão da escola,
depreendemos que o espaço maior de participação destes é no NB de
turma, conforme aponta a coordenadora do CAPP da IV turma do técnico
em Agroecologia,
[...] o espaço maior de participação é nos núcleos de base e daí eles tem
a representação na coordenação de núcleos de base da turma – CNBT,
que então se junta a CAPP e os coordenadores dos núcleos e a gente
tem momentos de plenárias também, tem momentos na própria sala
de aula, quando são questões mais urgentes, que não é interessante que
seja discutido nos núcleos porque ou vai levar muito tempo, ou porque
precisa detalhar mais a argumentação, então se faz direto com a turma
toda reunida em plenária com o CAPP
36
.
Destacamos a afirmação acerca dos momentos de plenária e
pontuamos no que tange a prática de assembleia geral, que não observamos
e também não identificamos nas falas dos entrevistados tal prática,
principalmente, por assumirem no MST em especial na EMS, a prática
dos coletivos e núcleos de base como forma de descentralização do poder.
Uma das educandas dessa turma confirma esta afirmação
[...] dos alunos a primeira instância que a gente tem de discussão é o
NB, daí no NB cada um tem uma tarefa, cada NB sempre tem dois
coordenadores, um companheiro e uma companheira, e cada um do
NB também tem tarefas em cada uma destas frentes, então a primeira
instância de discussão são nos núcleos, ai os coordenadores são
35
Entrevista 6 - morador e coordenador na EMS, em entrevista concedida em novembro de 2013.
36
IDEM.
140
responsáveis em levar a discussão para o CNBT do que compete a
organização da turma, dos pontos que foram levantados, e as frentes
também levam se teve alguma discussão referente aquilo, se tem algum
problema a ser discutido, daí discute e depois devolve para as turmas e
se não for resolvido discute novamente para a CNBT e assim vai
subindo quando não é resolvido. Geralmente as questões mais gerais
no decorrer do curso são discutidas nestas instâncias
37
.
Quanto aos coordenadores que integram o CAPP, segundo eles
“[...] são responsáveis em levar a discussão para o CNBT do que compete
a organização da turma, dos pontos que foram levantados”
38
. Dessa forma,
há um movimento de ascensão e dissensão dos assuntos que são pertinentes
ao curso e as turmas em andamento, que permite com que estes assuntos
sejam discutidos pelos núcleos de base e passem a CNBT, observamos, no
entanto que devido esta relação de NBs com CAPP e posteriormente com
CNBT, alguns assuntos importantes em relação à gestão da escola e dos
cursos, são deixados de lado ou passam para outro patamar de
coordenação, qual seja, a coordenação geral da escola. Convênios, prazos,
currículos e outras questões são exemplos de assuntos que ainda não são
tão analisados e discutidos de perto pelos educandos.
No que diz respeito às decisões mais amplas dos cursos e da escola,
como a gestão financeira e a relação com os parceiros institucionais, a
participação dos educandos também acontece, mas de forma restrita, uma
vez que estes assuntos são discutidos no âmbito do Conselho Político da
EMS e da Coordenação Político Pedagógica que se constituem com a
37
Entrevista 5 - educanda do técnico em agroecologia turma IV na Escola Milton Santos, em entrevista realizada
em 2013.
38
Entrevista 2 - coordenadora e educadora na escola Milton Santos, reside na escola há 7 anos e está no MST
desde 1999, em entrevista realizada em 2013.
141
participação dos moradores permanentes tendo representação dos Setores
da escola e dos educandos.
Essa parte de gestão financeira, quadro docente e conteúdo
curricular dizem respeito à CAPP e a CPP, mais alguns outros parceiros
que a gente tem pra fora da escola, que no nosso caso aqui é o Instituto
Federal do Paraná. O que é do conjunto da escola e do Movimento é mais
focado para essas duas instâncias o CAPP e o CPP
39
.
No que tange a organização financeira da escola, destacamos a fala
de um dos coordenadores da EMS, que nos traz detalhes de como acontece
à gestão dos recursos oriundos do PRONERA.
[...]estes cursos tem alguns recursos básicos para os educandos
em geral, mediante o PRONERA [...] mas estes recursos que são
destinados para os cursos em geral eles são insuficientes,
sempre uma contribuição em alguma medida daquilo que é da
própria escola, do esforço daqui da produção que a própria
escola consegue alcançar e produção das áreas, então as brigadas,
os assentamentos e acampamentos em geral, eles contribuem
muitas vezes com despesa de transporte, para as atividades,
porque tem cursos que acontecem aqui, sobretudo os não
formais que não tem outra condição para que aconteça a não ser
assim, com as brigadas ajudando na alimentação, transporte,
também pela característica da área, pelo número de pessoas e a
quantidade de cursos que acontecem a gente não tem condições
de ser autossuficiente
40
.
39
Entrevista 8 - assentado e militante do MST, ex-educando do curso técnico em agroecologia, em entrevista
realizada em novembro de 2014.
40
Entrevista 6 - morador e coordenador na EMS, em entrevista concedida em novembro de 2013.
142
Compreendemos que a estrutura orgânica por meio da
organicidade do Movimento e principalmente sob o princípio da GD tem
possibilitado uma formação diferenciada para estes educandos, tendo em
vista que não estão se educando somente para uma profissão, mas para se
posicionarem politicamente, frente à democracia formal.
No entanto, observamos que o processo de GD assumido na escola
Milton Santos, se difere em alguns aspectos das descrições dos documentos
do MST e de algumas experiências significativas como a do IEJC
41
,
obviamente não em relação aos princípios, mas a forma como se efetiva a
participação dos educandos e demais sujeitos do processo educativo.
Entendemos que parte deste distanciamento tem relação direta com as
condições de existência da própria escola e suas particularidades.
Em relação à participação dos educandos destacamos a necessidade
de ampliar os espaços de discussão no que se refere às decisões do processo
pedagógico, conteúdo curricular, manutenção do espaço físico, parcerias
com as instituições e gestão financeira da escola.
E ainda observando estes limites, nos indagamos acerca das
parcerias, não seria essa vinculação ao Estado (em sentido restrito) por
meio do pertencimento aos projetos e programas de governo, o que tem
limitado um processo de GD amplo na Escola Milton Santos?
Quanto à participação dos educadores
Os cursos realizados na escola acontecem por meio de parcerias
com instituições de ensino, em nível do PRONERA, tais como:
41
Sobre isso ver Dal Ri (2004).
143
Universidade Estadual de Maringá/ PR (UEM), Universidade Federal do
Paraná (UFPR), Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)
e outras.
Os educadores que lecionam nestes cursos podem ser vinculados a
estas instituições, podendo ter ou não relação direta com o MST, em
alguns casos, os educadores são do próprio Movimento, militantes que
atuam junto ao Setor de Produção do MST são direcionados aos
centros/escolas para lecionarem nos cursos, o que possibilita uma maior
aproximação com os objetivos políticos pedagógicos do Movimento.
Conforme salienta um dos ex-educandos da EMS,
A participação dos educadores é via PRONERA e com a parceria com
o Instituto, então tem a responsabilidade de parte dos educadores
serem de responsabilidade deles na linha da Agroecologia, para o
Movimento já nós trabalhamos com nossa própria militância, como o
Movimento é amplo e grande, então tem pessoas formadas nas diversas
áreas que contribuem na formação dos educandos, desde a linha da
veterinária, desde a linha política, da linha da Pedagogia, então eles
somam nesse processo de ajudar na formação
42
.
A maior dificuldade relacionada à GD na escola, ao menos nesta
dimensão, tem a ver com a rotatividade de educadores e educadoras e com
a ausência destes no cotidiano integral da escola. A relação com os
educadores acontece de diversas maneiras, existem aqueles que são bolsistas
e integram os projetos dos cursos, os que são voluntários e ministram
algumas disciplinas específicas, os que são professores da Universidade no
42
Entrevista 8 - assentado e militante do MST, ex-educando do curso técnico em agroecologia, em entrevista
realizada em novembro de 2014.
144
caso do curso de Pedagogia e ainda aqueles que são contratados
temporariamente
43
para ministrar algumas disciplinas como é o caso dos
professores que integram o curso de EJA.
Uma das coordenadoras da EMS pontua como se dá a participação
dos educadores nos coletivos e instâncias da escola,
No coletivo de acompanhamento político pedagógico, são aqueles
educadores que são indicados pelo Movimento Social, para
acompanhar o curso, então eles podem ou não ser professores do curso,
de alguma disciplina ou de alguma atividade especifica, o CAPP em
vários momentos convoca a coordenação da turma, que são os dois
coordenadores para tomar algumas decisões e dar alguns encaminha-
mentos, então os estudantes o seu espaço maior de participação é nos
núcleos de base e daí eles tem a representação na coordenação de
núcleos de base da turma CNBT, que então se junta a CAPP e os
coordenadores dos núcleos, e a gente tem momentos de plenárias
também, tem momentos na própria sala de aula, quando são questões
mais urgentes, que não é interessante que seja discutido nos núcleos
porque ou vai levar muito tempo, ou porque precisa detalhar mais a
argumentação, então se faz direto com a turma toda reunida em
plenária com o CAPP, o mais difícil da gente integrar nesta
organicidade são os educadores, a gente fez isso nas três primeiras
turmas, a gente fez vários seminários, mas a participação nunca foi
muito grande e nessa última turma nós não fizemos. A maior
dificuldade é a integração dos educadores, até porque eles são
voluntários, muitos não são daqui, vem só pra aula do dia, tem outras
tarefas e tal
44
.
43
Enquadram-se nessa situação professores de Ensino Fundamental ciclo II e Ensino Médio, quando estão na
escola por meio de parceria com Escola Estadual geralmente nos cursos de EJA e Ensino Médio.
44
Entrevista 2 - coordenadora e educadora na escola Milton Santos, reside na escola há 7 anos e está no MST
desde 1999, em entrevista realizada em 2013.
145
Portanto, os educadores que não são militantes do próprio MST
não permanecem na escola nos contra turnos, nem constituem ou
compõem integralmente os coletivos existentes na escola. Os educadores
têm executado as funções referentes a seus cargos, mas ainda não integram
o processo de GD vivenciado na escola de forma ampla e profunda.
Ressaltamos que existem educadores e educadoras que
permanecem na escola por mais dias, até mesmo pernoitando na escola,
mas que da mesma forma não encontram condições de integrar este
processo de GD, por atuarem no TE, com carga horária concentrada das
disciplinas, necessitando dessa forma de tempo para estudo e preparação
da aulas.
[...]o currículo ele tem a carga horária muito puxada, porque você tem
que trabalhar conteúdos que seriam de um mês em poucos dias, então
os educadores nesses intervalos que a gente tem de reunião, de
organização eles também estão em outras atividades
45
.
Compreendemos que os diversos profissionais da educação que se
propõem a lecionar nos cursos e turmas da EMS, contribuem com o
rompimento de uma barreira, qual seja, a da formação dos povos do
campo, ainda que seja, de forma voluntária por simpatia ao Movimento
ou por pertencimento a ele, os diversos educadores que se achegam a escola
vivenciam, mesmo que de forma mínima, este processo democrático. Ao
dialogarem com os educandos com os moradores e através da observação é
possível perceber uma nova sociabilidade sendo construída, por meio da
participação, da cooperação e da inserção na coletividade.
45
Entrevista 5 - educanda do técnico em agroecologia turma IV na escola Milton Santos, em entrevista realizada
em 2013.
146
Um professor da UEM que atua como voluntário na escola,
ressalta, a necessidade da participação efetiva dos educadores nestes espaços
de organização e gestão da escola,
[...] os espaços, digamos assim, para nós que não estamos ligados
diretamente ao Movimento, eles têm estado ainda muito... eles
precisam melhorar, nós teríamos que participar mais, discutir questões
como essas pedagógicas, didáticas, de formação de todo o processo. A
participação nossa precisa melhorar
46
.
E acrescenta,
[...] o Movimento tem uma peculiaridade, essa é minha impressão, está
tudo muito pronto nós procuramos interferir o mínimo possível nisso,
é lógico tem questões ideológicas definidas então nós tentamos nos
adequar na medida do possível e falar esta linguagem sem entrar em
alguns méritos, então tem questões que poderiam ser melhoradas serem
melhor revistas, discutidas... Como nós temos um bom
relacionamento com alguns ex-alunos em paralelo nós damos algumas
dicas, sugestões, tentamos entender a matriz mental do corpo, não é
fácil. Então tem questões que nós não... Às vezes soa como se nós
estivéssemos em um terreno um pouco pantanoso, ou seja, será que a
minha fala é uma fala que se harmoniza com o corpo, qual o meu papel
aqui. A gente que está na academia tem um senso crítico aguçado e tem
questões que são ideológicas, você vai a defesa de. Então a gente tenta
entender no geral e fazer uma fala de acordo com aquilo que nós
acreditamos e que se harmoniza com o restante. Como nós lidamos
com a agricultura em base ecológica, com a agroecologia não é tão
difícil, então, por exemplo, quando eu vou indicar alguém, obviamente
46
Entrevista 9 - Engenheiro agrônomo e professor do departamento de Agronomia da UEM há 30 anos. Atuou
como parceiro voluntário na escola Milton Santos, ministrando aulas nas diversas turmas, em entrevista realizada
em 2014.
147
eu faço todo um... traço um perfil antes daquele indivíduo que de
repente eu possa indicar ou sugerir que venha ministrar na escola, eu
faço uma seleção de perfis, justamente por conta deste cuidado para
não criar, digamos assim, para somar com o corpo
47
.
A participação dos educadores como observamos acontece de
forma ainda mais limitada do que a dos educandos, primeiramente pelas
diversas formas como estes se relacionam com a escola, especialmente as
formas de contratação e vínculo empregatício. A escola não constitui
quadro docente único, de acordo com os projetos e turmas que são abertos
vão se constituindo um coletivo de educadores amplo e diversificado.
Assim, alguns educadores são do próprio Movimento e outros enviados
pelas instituições parceiras, ou convidados pelos sujeitos da escola para
atuarem como voluntários. Nessa gama de situações o que prevalece é um
complexo de educadores heterógeno, muitos não compreendem os
objetivos da escola enquanto Movimento Social, ou nem mesmo
reconhecem a escola como pertencente ao MST, outros reivindicam seu
desmembramento do Movimento.
Diante dessas situações, o que observamos como positivo, ainda
que insuficiente, é o esforço da coordenação da escola em integrar estes
educadores, por meio de ações como etapas preparatórias para os cursos,
nas quais os educandos e educadores podem ter contato e compreender
melhor os objetivos dos cursos e da escola. E ainda os processos avaliativos
que se constituem como devolutivas aos educadores pelos educandos e
coordenadores da escola, em relação ao trabalho que estão exercendo, das
dificuldades encontradas e as sugestões para suas práticas educativas.
47
IDEM.
148
São ações mínimas, mas que demonstram interesse em sanar essa
dificuldade que é apontada pelos próprios sujeitos da escola, sejam
educandos, educadores ou coordenadores.
A coordenadora da turma IV do técnico em Agroecologia
apresenta alguns desafios e dificuldades enfrentadas pela escola neste
âmbito da relação com os educadores e as instituições de ensino,
[...] a gente enfrentou várias situações difíceis, porque são lógicas que são
bem diferentes, porque infelizmente a academia esta caminhando para
uma lógica mais produtivista burocratizante, que se fecha cada vez mais
para participação popular e para os movimentos, eno é bem difícil assim,
porque ao mesmo tempo que a gente observa que as universidades tem este
interesse de estudar o movimento, principalmente esta questão da gestão,
porque acha importante e interessante, no momento em que isto vai para
dentro da própria universidade daí mesmo com aqueles professores que são
parceiros cria-se um desconforto, porque os professores estão acostumados
a terem o controle realmente dos cursos e esta figura mesmo do CAPP
(Coletivo de Acompanhamento Político Pedagógico) é uma figura
totalmente estranha, ela não existe para os parceiros, então a gente tem esta
dificuldade
48
.
Ainda acrescenta
[...] as vezes os educadores também não conseguem compreender
muito a lógica dos cursos, a existência dos tempos educativos, o fato
do curso ser concentrado, acabaria exigindo que as aulas fossem
pensadas de uma outra forma, e o que acaba as vezes acontecendo é
que o professor quer trabalhar da mesma maneira que ele trabalha uma
disciplina durante um semestre ou um ano, num curso em alternância,
48
Entrevista 2 - coordenadora e educadora na Escola Milton Santos, reside na escola há 7 anos e está no MST
desde 1999, em entrevista realizada em 2013.
149
daí ele reclama do formato do curso, que nunca dá tempo e acaba
colocando atividades além da carga horária dos estudantes, sem
considerar que os estudantes não tem tempo livre
49
.
E pontua
[...] a própria questão da avaliação, a gente tem uma concepção de
avaliação que é rigorosa, não deixa de ser rigorosa porque as pessoas
têm condições difíceis, e por isso deva ter uma formação aligeirada, não
ao contrário. Uma vez que se identifica que a pessoa não conseguiu
aprender aquele conhecimento, a gente acredita que deve se pensar
numa oportunidade para que a pessoa apreenda este conhecimento,
para suprir esta deficiência e não uma avaliação punitiva que seja um
problema para o estudante
50
.
Depreendemos, portanto, que existem dificuldades para que este
processo educacional diferenciado aconteça na EMS, os limites estão
justamente nessa relação com os processos mais institucionais, sejam eles,
no âmbito de projetos e programas governamentais, ou numa relação mais
direta com os conveniados (Universidades e instituições de ensino).
Compreendemos, portanto, que apesar de existir um processo de
GD importante na escola pesquisada, este processo não alcança patamares
mais amplos, visto que estão circunscritos em uma das instâncias do
Movimento a educacional. Inferimos que, ainda que o MST no geral,
tenha uma organicidade interna e vislumbre uma sociabilidade alternativa,
que se paute em relações sociais mais democráticas, através da inserção na
luta e na coletividade e a partir da organização de base, ainda são muitos
49
IDEM.
50
IBIDEM.
150
os desafios enfrentados por este MS tendo em vista seus objetivos políticos
e educacionais.
Quanto à participação dos coordenadores
Na EMS, como também em outros centros/escolas de educação
profissional do MST, a organização por coletivos e núcleos de base
possibilita uma participação efetiva dos coordenadores no processo de GD
da escola e ainda possibilita a horizontalização dos cargos e funções na
escola, pois os coordenadores ao comporem os coletivos organizam e
administram a escola juntamente com os moradores permanentes e os
educandos.
A participação dos coordenadores tem destaque na mediação dos
educandos com os educadores, como forma de suprir a ausência dos
educadores no processo de gestão da escola, eles administram esta relação
mediando e acompanhando as turmas e os cursos.
Os coordenadores em sua maioria atuam em mais de um coletivo,
coordenação e equipe e ainda participam amplamente na parte teórica de
elaboração dos cursos e projetos.
A coordenação da escola perpassa por todos os núcleos também, porque
existem pessoas que estão no setor de produção e também na coordenação
e também dentro da coordenação tem pessoas que são responsáveis pelo
setor de comunicação e cultura por exemplo. De certa forma, a base da
escola, o grupo mais permanente está inserido em quase tudo e na própria
coordenação da escola em si
51
.
51
Entrevista 8 - assentado e militante do MST, ex-educando do curso técnico em agroecologia, em entrevista
realizada em novembro de 2014.
151
Segundo o educador voluntário entrevistado, essa participação dos
coordenadores em diversas funções e coletivos, constitui-se sobrecarga de
trabalho, caracterizada pelo entrevistado pela falta de planejamento de
questões que são de médio e longo prazo.
[...] termina sobrecarregando algumas pessoas e deixa a meu ver pra
trás o que é um ponto muito importante que são estruturas bem
fundamentadas, mais estruturadas. Na escola mesmo já tem um tempo
que nós estamos querendo construir unidades que de fato possam ser
visitadas estudadas ou possam ser úteis para aqueles que vêm na
sequência das turmas, nós não conseguimos fazer um trabalho com
começo meio e fim, um sistema de criação de frango coloniais bem
instalados, um sistema de Pastoreio Voisin tecnicamente bem
construído uma horta com orientação tecnicamente bem instalada,
então carece um pouco de visão de planejamento a médio e longo
prazo, então planejamento a médio e longo prazo e algo também da
organização que valorize isso, porque isso às vezes soa de menos
importância, porque existem outras demandas outras prioridades e são
diferentes das minhas prioridades, o olhar é diferente, mas o que eu
ando sinalizando é que que carece e que há uma sobrecarga de trabalho,
é uma área importante que de novo fica nas mãos de poucos e a questão
organizativa com esse foco de planejamento, que olha e diz começamos
hoje e daqui a cinco anos temos uma estrutura diferente daquela que
tínhamos no início e esse ambiente de ensino um pouco melhor,
principalmente para o exercício da problematização e a prática das
atividades
52
.
Os coordenadores quase sempre são moradores permanentes da
escola, podendo então, vivenciar com maior profundidade o processo de
52
Entrevista 9 - Engenheiro agrônomo e professor do departamento de Agronomia da UEM há 30 anos. Atuou
como parceiro voluntário na escola Milton Santos, ministrando aulas nas diversas turmas, em entrevista realizada
em 2014.
152
gestão da escola, participam do NB da escola, dos coletivos e da
coordenação e ainda atuam junto às equipes e frentes de trabalho.
Alguns coordenadores não moram na escola, mas necessariamente
são vinculados ao MST e ao setor de educação/formação do Movimento.
Na EMS o cuidado e a manutenção também compõem o processo
de GD, assim, tanto educandos quanto educadores e moradores, se
revezam no cuidado com a alimentação e limpeza dos ambientes, mesmo
que existam frentes de trabalho específicas para estas tarefas, todos
participam desses momentos e ainda atuam juntos numa espécie de
mutirão de limpeza aos finais de semana.
No que tange a participação dos coordenadores observamos que
eles atuam com uma coordenação coletiva, seja da escola ou das turmas,
desmembrando dentro desta coordenação as funções dentro dos setores da
escola. Os coordenadores quase sempre são moradores permanentes da
escola, podendo existir exceções de acordo com o perfil do curso ou do
projeto em desenvolvimento na escola. No entanto, todos os
coordenadores são vinculados ao Movimento.
O que de certa forma é uma peculiaridade, é que os coordenadores,
principalmente do CAPP, não são fixos, sendo que a cada novo curso são
levantados novos nomes para participarem da coordenação e que dentre
estes novos integrantes sempre entram ex-educandos das turmas
concluídas na escola. Dessa forma, os ex-educandos que possuem perfil ou
tem um bom desempenho nos cursos, em relação a participação no
processo de GD, são indicados para permanecerem na escola contribuindo
na função de coordenadores.
153
A CPP da escola que é a instância maior de decisão, também é
coletiva, no entanto, percebemos que nesta instância existe uma
rotatividade menor dos integrantes e ainda segundo uma ex-educanda da
escola existe o Conselho Político da escola “[...] que engloba algumas
brigadas da região Norte e Noroeste que é onde a escola Milton Santos
esta mais localizada”
53
. Esse Conselho Político se reúne uma ou duas vezes
por ano nos assentamentos com a finalidade de apresentar como a escola
tem se desenvolvido e quais seus projetos, trata-se de um retorno às famílias
assentadas nesta região.
Quanto à participação dos moradores permanentes
Na escola quase sempre moram pessoas que de forma direta se
relacionam com a educação no MST, os moradores que constituem o NB
Milton Santos, foram para lá durante o processo de construção da escola
ou após sua construção, convidados pelo setor de educação do MST para
contribuírem com a escola. Assim estes moradores integram os diferentes
setores da escola, mas os que se relacionam diretamente ao setor
pedagógico podem vivenciar e organizar este processo de GD de forma
mais efetiva, constituindo as frentes/equipes de trabalho e os coletivos.
Como mencionamos, na escola existem quatro setores: o
Administrativo, o Pedagógico, de Infraestrutura e de Produção. Em todos
os setores existem moradores permanentes que atuam, mas também
educandos dos diversos cursos e coordenadores.
53
Entrevista 7 - moradora da Escola Milton Santos há 7 anos e ex-educanda do curso técnico em agroecologia,
em entrevista realizada em 2014.
154
Os moradores, ainda, são os principais responsáveis pela produção
e comercialização dos produtos da reforma agrária, participando
semanalmente de uma feira de produtores no município de Paiçandu e
também mantendo uma loja da reforma agrária na escola, na qual
moradores das cidades vizinhas e visitantes da escola, podem apreciar os
produtos oriundos da produção da escola e de outras instâncias do MST.
A coordenação da escola é composta por moradores permanentes,
os assuntos relacionados à escola perpassam o NB Milton Santos chegando
aos moradores que estão inseridos em outros setores e que diariamente não
teriam condições de se inteirar dos assuntos relacionados às turmas e aos
cursos. Neste sentido, os moradores participam efetivamente do processo
de GD da escola, uma vez que estão inseridos em todas as suas instâncias,
as tomadas de decisões acontecem em um processo horizontal, quase
sempre nas reuniões dos NBs e principalmente no NB Milton Santos.
Por fim, entendemos que com esta dinâmica organizacional o
MST, especialmente na EMS, visa instaurar práticas educativas que
estejam em consonância com seu projeto político enquanto Movimento
Social, que objetiva construir as bases para uma transformação social. E
tem através da GD instaurado princípios que possibilitam uma
sociabilidade antagônica à do capital.
Em relação à participação dos sujeitos envolvidos no processo de
GD, os que visivelmente estão mais inseridos neste processo são aqueles
que têm uma inserção maior no Movimento, sendo eles principalmente os
coordenadores e os moradores permanentes. Num processo que
denominaríamos de inserção inicial estão os educandos; o que fica claro é
a dificuldade de inserção dos educadores na GD.
155
Compreendemos, portanto, que a participação efetiva, compre-
endida por nós como uma das dimensões da GD na EMS, ainda não existe
plenamente, podemos afirmar que são instaurados processos e construídas
condições reais de participação dos sujeito, no entanto, uma efetiva
participação requereria um processo de democratização mais amplo, tal
qual, uma real autogestão.
156
157
CONSIDERAÇÕES FINAIS
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ ____________ ____________ ____________ ____________ ___
Identificamos por meio da pesquisa que a educação no MST tem
uma especificidade que está relacionada à sua gênese e objetivos enquanto
MS e ainda, que o surgimento entendido aqui como luta e conquista de
espaços de formação profissional dos centros/escolas de educação
profissional no Paraná, refletem diretamente um contexto histórico de
crise estrutural do capital, em seu momento de reestruturação produtiva,
que afeta diretamente as relações na sociedade, dentre elas a relação com o
campo.
A construção de escolas de educação profissional pelo MST nas
áreas de RA aponta para uma perspectiva de campo enquanto espaço de
vida, colocando aos sujeitos que ali estão oportunidades de se
desenvolverem na medida em que desenvolvem os espaços sociais.
O surgimento de escolas de educação profissional agroecológicas
vinculadas a um Movimento que tem se forjado na luta por direito a terra,
compreendido aqui não somente como acesso à terra, mas como um
direito mais amplo que passa pelo direito ao trabalho não alienado,
construção de uma democracia substantiva, produção não mercantilizada,
cultura popular e educação emancipatória, recoloca os objetivos desse
Movimento, na medida em que o olhar em relação à estrutura social e suas
contradições são modificados, o que antes parecia ser a construção de uma
ofensiva mais direta ao Estado, atualmente, tende a direcionar esforços
para expor o próprio Capital e suas manifestações no campo, expressas por
158
meio do agronegócio e seu tripé (semente transgênica, herbicida e
máquinas).
Entendemos que a forma com que estes sujeitos se organizam em
torno do Movimento e em movimento deixa indícios de qual formação
esses sujeitos estão inseridos, assim, a GD compreendida pelo MST e
vivenciada através das relações sociais, em especial na escola estudada,
carrega princípios que norteiam uma prática educativa com
potencialidades emancipatórias, isto é, a forma escolar adotada
potencializa a formação de sujeitos participativos e autônomos, capazes de
problematizar o seu cotidiano, perceber as relações em que estão inseridos
e tomar decisões acerca do processo de formação que pretendem para si.
Por meio da inserção dos indivíduos numa organicidade coletiva,
o MST busca as bases para alteração das relações sociais, atuando na
perspectiva de um vir a ser, construindo, lutando e trabalhando
coletivamente pelos ideais da classe trabalhadora, vislumbrando projetos
de vida que reafirmem esta classe.
Depreendemos, que a agroecologia é compreendida no MST e
principalmente na Escola Milton Santos, como uma ciência que
potencializa os princípios que o Movimento defende e assume na formação
de seus sujeitos, princípios relacionados à cooperação consciente e livre, a
consciência organizacional e política, a defesa do meio ambiente e dos
sujeitos, a soberania alimentar e energética, a recuperação de territórios e a
reforma agrária. E ainda, a agroecologia é tida como potencializadora da
construção de outro projeto de campo, que inclusive defende a superação
do projeto atual.
Em relação à GD nas escolas do MST, principalmente nas escolas
de educação profissional no estado do Paraná, identificamos que a
159
organicidade e a gestão dessas escolas seguem as orientações gerais do MST
em relação à estrutura e forma organizacional.
Em relação à EMS, verificamos que a escola segue as determinações
e instruções gerais do MST, mas principalmente, nasce respaldada pelas
experiências acumuladas no Movimento, no âmbito da educação
profissional, principalmente as do IEJC.
No que tange a hipótese de nossa pesquisa, destacamos que a GD
apresentada na Escola Milton Santos do MST se baseia em princípios e
ações, que tem como cerne o desenvolvimento de uma sociabilidade
coletiva, baseada na autogestão, entendida como projeto de sociedade, que
ainda que se desenvolva em sentido restrito permeia os documentos e as
práticas educativas na escola.
A auto-organização dos estudantes é compreendida como um
processo que visa instaurar coletivos e formas de organização pertinentes
ao processo democrático e viabiliza a inserção dos educandos numa prática
de autoformação. Compreendemos que ela acontece e é parte fundamental
nesse processo de GD assumido pela escola, pois possibilita aos educandos
espaços de autoformação e uma experiência relevante quanto à coletividade
e cooperação.
Quanto à participação efetiva e a inserção na coletividade,
observamos que as condições são construídas no Movimento para a
participação real dos sujeitos no ambiente escolar, tendo como objetivo
principal, a formação crítica dos sujeitos Sem Terra, dessa forma, a
inserção na coletividade contribui para a vivência dos jovens e adultos que
adentram a escola, de práticas educativas que possibilitam e instigam a
cooperação, a socialização e a formação humana mais ampla. Verificamos
também, que a inserção na coletividade é um fator determinante para a
participação efetiva do sujeito nessa coletividade, na medida, em que os
160
processos são assimilados e que a consciência organizativa do sujeito vai
sendo construída a participação nesse processo democrático também
aumenta.
Em relação aos limites para instauração desse processo de GD
observamos uma tensão nas relações com os parceiros mais institucionais.
Essa tensão diz respeito à contradição instaurada com estas parcerias, uma
vez que a escola enquanto instituição necessita dos parceiros para viabilizar
os cursos, no entanto, enquanto Movimento Social defende a autonomia
em relação à organização e planejamento desses cursos. O que se configura
na prática uma relação de poder, obviamente ideológica, neste sentido, as
amarras que estas relações por ora apresentam, tendem a inviabilizar
procedimentos e ações diversos na escola, que poderiam ampliar a
participação dos sujeitos Sem Terra na gestão escolar.
A educação vivenciada na EMS, ainda que apresente características
e aponte para um processo emancipatório de educação, esbarra numa
questão de abrangência, assim como observou Caldart “A escola não tem
como ser uma ilha de educação emancipatória e, se tentar sê-lo, estará
descumprindo seu papel de inserção orgânica na comunidade e no
Movimento” (CALDART, 2010, p.68, grifo da autora). Apontamos,
então, que as práticas educativas em agroecologia na EMS, ainda se
encontram restritas ao Movimento, há a necessidade de alternativas que
possibilitem uma maior inserção da comunidade local (de Paiçandu e
Maringá) nessas práticas educativas.
Observamos que as possibilidades para que este processo de GD
aconteça na escola, estão relacionadas justamente ao que se apresenta
também como limite, a vinculação ou pertencimento a um Movimento
Social. Na medida em que esta vinculação se apresenta como um limite,
ao nortear a configuração da escola e suas especificidades, também se
161
apresenta enquanto uma possibilidade, pois viabiliza ações antagônicas ao
processo de educação tradicional vinculado a escola estatal. Ou seja, o
pertencimento a um Movimento Social, ou aos MS do Campo, possibilita
a construção de um processo de educação próprio e com ele as relações
democráticas instauradas nessas escolas.
Concluímos que ainda existem limites para a instauração de um
processo democrático nas escolas e principalmente em uma escola de
educação agroecológica do MST, mesmo assim, a EMS vem
desempenhando um papel fundamental de formação humana, baseada em
princípios que vislumbram um projeto popular de campo.
A experiência da EMS, sem dúvida respalda e possibilita aos
sujeitos do campo ampliar sua luta, por terra, formação profissional e
política e dignidade humana. E por que não dizer que essa experiência
acumulada - das escolas do MST - possibilita a classe trabalhadora a
construção de sistemas educacionais que vislumbrem uma sociabilidade
realmente democrática, ou até mesmo uma educação para além do Capital.
162
163
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SOBRE A AUTORA
_______ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ ____________ _______________ ____________ ___________ _________
É graduada em pedagogia pela Faculdade de Filosofia e Ciências
da Unesp, campus de Marília (2012).
Mestre em educação pelo programa de pós-graduação em educação
da Faculdade de Filosofia e Ciências - UNESP campus de Marília, na área
de políticas educacionais, gestão de sistemas e organizações, trabalho e
movimentos sociais (2015). Atuando diretamente com as temáticas da
gestão democrática, educação profissional do campo, agroecologia e
movimentos sociais.
Atualmente é professora na rede pública municipal de Marília/SP,
atuando nas séries iniciais do ensino fundamental.
SOBRE O LIVRO
Catalogação
André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211
Normalização
Lívia Mendes Pereira
Capa e diagramação
Mariana da Rocha Corrêa Silva
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Oficina Universitária Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
Formato
16X23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Papel
Polén soft 70g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
Acabamento
Grampeado e colado
Tiragem
100
A dominante modalidade de relações de produção, dos homens com
a natureza, e entre eles próprios, se não estão esgotadas, encontram-se
no limite intransponível do seu potencial. Forças de desenvolvimento
social outrora, essas relações converteram-se em sua antítese, em proble-
ma social imenso que reclama sua superação histórica. Como os donos
do poder se encontram inexoravelmente comprometidos com a ordem
social, a empreitada cabe às classes trabalhadoras, que contam com uma
teleologia secular de revolução social.
Um fragmento dessa teleologia, protosocialista, foi com o que se de-
parou Laís Lima em seu estudo histórico-empírico realizado na Escola
Milton Santos, em Maringá, PR. A pesquisadora constatou que nela se
pratica uma pedagogia contraposta às antinomias supra referidas, e que
suas principais ferramentas são o ensino da agroecologia e a gestão de-
mocrática. A agroecologia promove uma relação não agressiva da so-
ciedade com a natureza, assim como o entendimento de que sua prática
é incompatível com as relações de trabalho dominantes. Esse é um dos
motivos pelo qual o seu incremento é indissociável do estabelecimento
de novas relações de produção pedagógicas. Estas se expressam na ges-
tão democrática da escola, cujo parentesco, no entanto, não é a demo-
cracia liberal, mas a democracia proletária aorada na Comuna de Paris.
O ótimo trabalho de Lima nos conduz com segurança pelos meandros
dessa prática escolar, o que facilita a consulta dos leitores, dentre os
quais, o movimento popular (MOP) é virtualmente o mais interessado.
Isto porque, o fenômeno examinado é uma sugestiva exemplicação de
como pode ser encaminhado, mutatis mutandis, o tão necessário reen-
contro do MOP com o clássico objetivo de reapropriação do trabalho
pelos trabalhadores, o qual, no antropoceno, não pode prescindir da luta
pela agroecologia.
CANDIDO G. VIEITEZ
GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPAÇÃO
NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
AGROECOLÓGICA DO MST (PR)
limites e possibilidades de uma
educação emancipatória
Laís Ribeiro dos Santos Lima
A auto-organização dos estu-
dantes, um dos princípios pedagógicos
da educação do MST, é compreendida
e praticada na Escola como um processo
que visa instaurar coletivos e formas de
organização do processo democrático.
Ao mesmo tempo, esse processo viabili-
za a inserção dos educandos em práticas
de autoformação e em experiências rele-
vantes para a conformação da coletivida-
de e da cooperação.
O referencial teórico adotado e
o material empírico analisado fazem da
obra de Laís Ribeiro dos Santos Lima
uma leitura fundamental para aqueles
que queiram estudar e aprender sobre a
educação do MST.
Programa PROEX/CAPES:
Auxílio Nº 0798/2018
Processo Nº 23038.000985/2018-89
Este livro aborda a participação e
a gestão democrática na educação agro-
ecológica do MST, trabalhando os li-
mites e possibilidades de uma educação
emancipatória na atualidade. Para tanto,
a autora buscou vericar e analisar a or-
ganização da gestão democrática (GD)
e os mecanismos de participação desen-
volvidos na educação prossional agroe-
cológica, a partir de práticas realizadas na
Escola Milton Santos do MST.
A autora identicou que a educação do
MST tem especicidades relacionadas à
sua gênese e aos objetivos denidos por
um movimento social que fez a opção
de organizar a produção, a educação e
a luta pela democratização da terra e da
sociedade.
A criação de escolas e cursos de
educação prossional pelo MST, nas
áreas de reforma agrária, bem como as
diretrizes desta educação denotam uma
perspectiva de construção, no campo
brasileiro, de um novo espaço de vida,
marcado pela tentativa de instauração
de novas relações de trabalho e de uma
sociabilidade que leve em conta a iden-
tidade política e cultural dos Sem Terra.
Em especial, a agroecologia coloca, não
apenas o desenvolvimento de novas rela-
ções com tentativa de des(alienação) do
trabalho, mas, sobretudo, uma relação de
intercâmbio e preservação da natureza e
uma nova sociabilidade.
No que diz respeito à gestão de-
mocrática na Escola Milton Santos, a
autora vericou que o seu desenvolvi-
mento se baseia em princípios e práticas,
que têm como cerne a sociabilidade co-
letiva e a autogestão, entendidas como
projeto de sociedade. Ainda que a GD
se desenvolva em sentido restrito, os seus
princípios permeiam os documentos e as
práticas educativas da escola.
GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPAÇÃO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL AGROECOLÓGICA DO MST (PR)
Laís Lima
NEUSA MARIA DAL RI - UNESP/MARÍLIA