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Avaliação de estratégias cooperativas de ensino:
afinal, competir é fundamental?
Cássio Gomes Rosse
Leandra Chaves Marques Melim
Carolina do Nascimento Spiegel
Maurício Roberto Motta Pinto da Luz
Como citar: ROSSE, Cássio Gomes; MELIM, Leandra Chaves Marques; SPIEGEL, Carolina
Nascimento; LUZ, Maurício Roberto Motta Pinto da. Avaliação de estratégias cooperativas de
ensino: afinal, competir é fundamental?. In : MORAIS, Alessandra de; BARBOSA, Laís Marques;
BATAGLIA, Patrícia Unger Raphael; MORAIS, Mariana Lopes de (org.). Aprendizagem
Cooperativa : fundamentos, pesquisas e experiências educacionais brasileiras. Marília: Oficina
Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2021. p.191-214. DOI:
https://doi.org/10.36311/2021.978-65-86546-92-7.p191-214
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C 7
AvAliAção de estrAtégiAs
cooperAtivAs de ensino: AfinAl,
competir é fundAmentAl?
Cássio Gomes ROSSE
Leandra Chaves Marques MELIM
Carolina Nascimento SPIEGEL
Maurício Roberto Motta Pinto da LUZ
resumo
A aprendizagem cooperativa é uma prática instrucional na qual
os estudantes realizam atividades em pequenos grupos, compartilham
recursos e ideias em condições de interdependência positiva. No entanto,
a maior parte dos jogos didáticos utilizados em Ciências e Biologia são
competitivos. O presente capítulo descreve o desenvolvimento e avaliação
de um jogo de tabuleiro didático cooperativo para o ensino fundamental. A
estratégia cooperativa foi incorporada na dinâmica do jogo Fome de Q?, que
discute as causas associadas à epidemia da obesidade. O jogo foi avaliado em
sete turmas do 8º ano do ensino fundamental de escolas públicas do Rio de
Janeiro. No total, 218 estudantes participaram da pesquisa. Investigamos o
aprendizado por meio da identicação de conceitos relevantes encontrados
https://doi.org/10.36311/2021.978-65-86546-92-7.p191-214
Alessandra de Morais; Laís Marques Barbosa;
Patrícia Unger Raphael Bataglia; Mariana Lopes de Morais (Org.)
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nas soluções elaboradas pelos grupos para o problema central proposto
pelo jogo, bem como a motivação dos estudantes. Os resultados indicaram
que a competição pode não ser um fator preponderante na dinâmica de
um jogo didático, uma vez que a proporção de soluções corretas para o
problema proposto no jogo foi alta. O jogo teve ampla aceitação entre os
alunos, uma vez que maioria deles indicou que a ausência da competição
não tornou o jogo menos divertido. Os resultados permitem concluir que a
competição, apesar de estar inserida em diversas dinâmicas escolares, pode
não ser um fator essencial, mesmo em dinâmicas com jogos didáticos.
Aspectos gerAis sobre A AprendizAgem cooperAtivA e A reAlidAde
escolAr brAsileirA
A aprendizagem cooperativa é uma prática instrucional que
começou a ganhar visibilidade no início dos anos 70. Em contraste com
os métodos tradicionais, nos quais os estudantes realizam prioritariamente
tarefas individualistas, na aprendizagem cooperativa os estudantes se ajudam
mutuamente e são beneciados por compartilharem ideias. Atualmente,
esse tipo de aprendizagem é empregado em vários países, desde a pré-escola
até as universidades (GILLIES, 2014; JOHNSON; JOHNSON, 2009).
A aprendizagem cooperativa se fundamenta nas teorias de
interdependência social (HOLUBEC, 1994; JOHNSON; JOHNSON,
2009). Segundo os autores, a interdependência social existe quando a
realização da meta de um indivíduo depende do desempenho dos outros.
A interdependência pode ser dividida em dois tipos: positiva e negativa. A
interdependência positiva (cooperação) existe quando há uma relação de
dependência positiva entre os indivíduos: eles podem atingir um objetivo/
meta apenas se os demais indivíduos com quem estão interagindo também
atinjam seus respectivos objetivos/metas. Essa interdependência promove
interações positivas, uma vez que os indivíduos ajudam e encorajam seus
pares a completarem suas tarefas em prol do alcance do objetivo do grupo.
A interdependência negativa (competição) existe quando há uma relação
negativa entre os indivíduos: os indivíduos só podem atingir um objetivo/
meta se os demais indivíduos com os quais interagem falhem na obtenção
dos seus respectivos objetivos/metas. Esse tipo de interdependência
também gera interações, porém elas acontecem por meio de resistências e
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fundamentos, pesquisas e experiências educacionais brasileiras
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desincentivos entre os pares. Além destas, a ausência de interdependência
é caracterizada por atividades individuais, na qual o desempenho de um
indivíduo não afeta (positiva ou negativamente) o desempenho dos demais
(JOHNSON; JOHNSON, 2009).
A maioria das atividades desenvolvidas em sala de aula é
caracterizada por não apresentar interações, sejam elas positivas ou negativas.
Em pesquisa realizada com professores de Ciências e Biologia, os docentes
indicaram que sempre ou quase sempre fazem uso de aulas expositivas.
Além disso, os recursos didáticos mais utilizados foram o quadro/lousa e
livros didáticos, o que caracteriza a preponderância do ensino tradicional
em tais disciplinas (THEODORO; COSTA; ALMEIRA, 2015). Nesse
cenário, o aprendizado dos conteúdos, assim como sua avaliação tende a
gurar-se de maneira essencialmente individual. Práticas que estimulam
a interdependência negativa também são comuns. Muitas escolas, por
exemplo, encorajam um ambiente competitivo por meio da criação de
rankings de desempenho escolar (AFONSO, 2009). Tais propostas podem
provocar desmotivação, desestímulos e conitos entre os estudantes,
especialmente entre aqueles com baixo desempenho.
As estratégias cooperativas de ensino são baseadas no pressuposto
de que o aprendizado é mais ecaz quando os estudantes possuem a
oportunidade de explicar suas ideias para os outros. É importante que
seja uma atividade estruturada a partir da interdependência positiva entre
os participantes, além da supervisão e acompanhamento dos professores
(HERREID, 1998; HWONG et al., 1993). A interdependência positiva
gera maior responsabilidade individual, já que o desempenho de cada
membro afeta direta e decisivamente o desempenho do grupo, criando
forças de responsabilidade que estimulam o esforço e persistência na
atividade. Isso pode contribuir para uma melhora no desempenho
individual, mesmo se tratando de uma atividade realizada coletivamente
(JOHNSON; JOHNSON, 2009).
Em linhas gerais, a aprendizagem cooperativa existe quando os
estudantes trabalham em grupo para dividir conhecimentos e atingir um
objetivo comum, a partir de relações de interdependência positiva. Para
se efetivar a aprendizagem cooperativa, são formados grupos pequenos
(em média 4 a 5 estudantes), nos quais os participantes devem organizar
seus recursos e tempo (JOHNSON; JOHNSON; STANNE, 2000). O
Alessandra de Morais; Laís Marques Barbosa;
Patrícia Unger Raphael Bataglia; Mariana Lopes de Morais (Org.)
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presente estudo buscou construir e avaliar uma estratégia de aprendizagem
cooperativa, associada a um jogo didático denominado Fome de Q?.
Toda dinâmica do jogo foi estruturada de maneira exclusivamente
cooperativa, ou seja, com ausência completa de competição e respeitando
os pressupostos metodológicos da aprendizagem cooperativa. Para tal, é
importante apresentar a concepção de cooperação adotada nesse trabalho.
distinções entre AprendizAgem cooperAtivA e colAborAtivA
Diversas evidências apontam que atividades em grupo, por
si só, não garantem um bom desempenho nas tarefas, uma vez que os
procedimentos adotados nessas atividades podem ser amplamente diferentes.
Estudos variados sobre trabalhos em grupo adotam frequentemente os
termos colaboração e cooperação, sem deni-los claramente ou estabelecer
distinções entre eles. Os termos estão presentes em diversas áreas do
conhecimento e podem ser tratados como sinônimos (JOHNSON;
JOHNSON; STANNE, 2000), complementares (TORRES; IRALA,
2007) ou distintos (DILLENBOURG, 1999; PANITZ, 1999). Apesar de
os conceitos remeterem a metodologias ativas para se trabalhar em grupos,
eles apresentam diferenças marcantes na natureza das atividades propostas
e na maneira de conduzi-las.
A aprendizagem cooperativa pode envolver, entre outras coisas, a
atribuição de funções e tarefas complementares para os indivíduos dentro
de cada grupo, enquanto a aprendizagem colaborativa é caracterizada
por processos relativamente não estruturados, por meio dos quais os
participantes negociam metas, denem os problemas, desenvolvem
procedimentos e produzem conhecimento socialmente construído em
pequenos grupos (DILLENBOURG, 1999; PANITZ, 1999). Segundo
esses autores, a divisão de tarefas é elemento importante na aprendizagem
cooperativa. A partir dela, cada membro torna-se responsável por realizar
parte de uma atividade para seu grupo, que será efetivamente completa a
partir da união das tarefas realizadas por cada membro.
Na aprendizagem colaborativa, os membros de um grupo fazem
todo o trabalho em conjunto. DILLENBOURG, (1999) ainda sugere que
na colaboração pode ocorrer alguma divisão espontânea de tarefas, mas que
difere em aspectos importantes da cooperação, uma vez que é instável, não
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fundamentos, pesquisas e experiências educacionais brasileiras
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xa e não é clara e previamente estabelecida, como na cooperação. PANITZ
(1999) também defende que a aprendizagem cooperativa é mais estruturada
do que a aprendizagem colaborativa e envolve uma participação mais ativa dos
professores. É comum admitir que na aprendizagem cooperativa os professores
assumam um papel mais diretivo ao organizar o trabalho em grupo e que exista
uma responsabilidade maior dos indivíduos dentro do grupo.
Nosso grupo de pesquisa já realizou comparações entre estratégias
cooperativas e colaborativas por meio de uma atividade investigativa sobre
Fisiologia Humana, que aborda a integração entre os sistemas vitais do
corpo humano. A atividade foi realizada em grupos, que poderiam ser
cooperativos ou colaborativos. Nos grupos cooperativos, foi utilizada uma
estratégia reconhecida internacionalmente, denominada Jigsaw, na qual
existe uma divisão clara de tarefas já denida na sua própria estrutura.
Nos grupos colaborativos, cabia aos próprios membros decidirem a melhor
maneira de organizar o grupo e tarefas. Os resultados encontrados indicaram
que os grupos cooperativos tiveram um desempenho signicativamente
superior aos grupos colaborativos, no que tange à produção de soluções
corretas para o problema proposto (MELIM; SPIEGEL; LUZ, 2015).
O presente trabalho também distingue aprendizagem cooperativa
e colaborativa, na perspectiva de que as estratégias cooperativas devem
envolver um plano bem estruturado de trabalho em pequenos grupos,
incluindo a divisão de tarefas para gerar interdependência positiva entre os
membros. Nesse contexto, o papel do professor é fundamental no processo
de construção de estratégias cooperativas e de condução de tais atividades.
Na literatura referente à aprendizagem cooperativa, o professor tem
disponível uma série de estratégias que apresentam abordagens diferenciadas
e podem ser aplicadas em diferentes contextos de aprendizagem. Algumas
delas ainda apresentam a competição entre grupos como elemento chave
da atividade, como será discutido em seguida.
estrAtégiAs cooperAtivAs de ensino
No contexto brasileiro, a aprendizagem cooperativa ainda é
incipiente no ensino de Ciências (TEODORO; QUEIROZ, 2011). O
trabalho de Bello et al., (2018) faz um panorama mais recente da produção
brasileira relativa à aprendizagem cooperativa e chegam a conclusão de que
Alessandra de Morais; Laís Marques Barbosa;
Patrícia Unger Raphael Bataglia; Mariana Lopes de Morais (Org.)
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há uma produção crescente desde 2002, quando os primeiros trabalhos
foram publicados no Brasil. No entanto, foram encontrados apenas 47
trabalhos até 2016. Dessa forma, pode-se notar que é ainda uma temática
pouco explorada e provavelmente conhecido no cenário educacional
brasileiro. A maior produção se concentra na área de Ciências Exatas e da
Terra, seguida pelas Ciências Biológicas.
Nosso grupo de pesquisa tem se dedicado a desenvolver e avaliar
atividades deste tipo nos últimos dez anos, com resultados que indicam
o sucesso de atividades cooperativas bem estruturadas (MELIM, 2009;
MELIM, 2014; MELIM; SPIEGEL; LUZ, 2015; MELIM et al., 2018;
ROSSE, 2016; ROSSE; SPIEGEL; LUZ, 2015). Existe na literatura
internacional uma ampla gama de estratégias cooperativas de ensino. Apesar
de todas assumirem pressupostos apresentados anteriormente, elas diferem
na maneira de estruturar as atividades, na formação e organização dos
grupos e na utilização de diferentes dinâmicas. Os métodos cooperativos
mais utilizados principalmente na área de ensino no exterior são chamados
de Student Team Learning, que consistem em métodos como: Students Team-
Achievement Division (STAD), Teams Games-Tournament (TGT) e Jigsaw.
A seguir, serão apresentadas resumidamente algumas dessas estratégias
cooperativas, a m de ilustrar como os aspectos teóricos apresentados
podem se efetivar em práticas escolares.
Student Teams-Achievement Division (STAD). Essa estratégia é
utilizada em uma ampla gama de áreas do conhecimento. Sua metodologia
pode ser dividida em quatro fases/etapas importantes e complementares.
1ª (apresentação) – o professor apresenta os materiais e os recursos que
serão utilizados durante a aula para toda turma. Ele também apresenta os
objetivos das atividades propostas. 2ª (discussão em grupo) – são formados
grupos, que podem ser organizados de acordo com o desempenho,
habilidades, ou demais critérios. Nos grupos, os estudantes trabalham
cooperativamente e asseguram que todos os membros realizaram suas
atividades e foram capazes de aprender o conteúdo. Eles podem questionar
uns aos outros, fazer perguntas e compartilhar informações, uma vez
que estão em uma condição de interdependência. 3ª (teste) – todos os
estudantes realizam um teste sobre o material estudado, em uma dinâmica
essencialmente individual. 4ª (reconhecimento) - o professor analisa o
resultado obtido pelos estudantes e pode somar a pontuação dos membros
Aprendizagem Cooperativa:
fundamentos, pesquisas e experiências educacionais brasileiras
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e avaliar, comparativamente, o desempenho dos grupos. O reconhecimento
pode ser atribuído ao grupo com maior pontuação, ou para aqueles que
conseguiram atingir uma meta de pontuação previamente denida.
Teams-Games-Tournament (TGT). Essa estratégia de ensino
cooperativo apresenta as mesmas características da anterior, porém os testes
são substituídos por torneios. No torneio (que substitui o teste individual
da estratégia STAD) são formados novos grupos de três a quatro estudantes.
Cada membro de um novo grupo é oriundo dos grupos anteriores, com
a intenção de competirem entre si. Durante o torneio, é disponibilizado
um conjunto de cartas contendo perguntas sobre o assunto estudado. O
jogador sorteia uma das cartas e responde à pergunta feita. Caso acerte, ele
cará com a carta. Caso erre, o desaante deve perder uma de suas cartas
conquistadas durante a dinâmica. O jogo termina quando todas as cartas
com perguntas terminam. Ao nal, os jogadores serão pontuados de acordo
com o número de cartas coletadas. A pontuação recebida por cada jogador
será contabilizada para seu grupo de origem. O grupo que obtiver maior
pontuação é considerado vencedor. A cooperação é estimulada na medida
em que o bom desempenho de cada jogador irá contribuir decisivamente
na nota obtida pelo grupo de origem. Assim como a estratégia anterior, o
TGT envolve interdependência positiva (cooperação) nos grupos iniciais,
mas promove interdependência negativa (competição) entre os jogadores
nos grupos formados posteriormente.
Jigsaw. É uma das estratégias cooperativas mais conhecidas e
utilizadas nas mais diversas áreas e disciplinas. A estratégia envolve a divisão
dos materiais de ensino em partes. Assim como nas demais estratégias, são
formados grupos de quatro a cinco estudantes. O jigsaw pode ser dividido
em momentos diferentes e complementares: 1º (leitura) – após formar
seus grupos heterogêneos de origem, cada estudante deve ler seu material
sozinho. Ele receberá uma parte da atividade proposta para o grupo. Dessa
maneira, cada membro terá um importante e insubstituível papel a ser
desempenhado, pois nenhum membro do seu grupo recebe a mesma
atividade. 2º (grupo de experts) – são estruturados novos grupos, formados
por membros de grupos de origem que receberam uma mesma parte
de atividade. Esses grupos são formados para que os estudantes possam
discutir detalhadamente o material de aprendizagem apresentado. 3º
(relatório dos grupos de origem) – após terem discutido detalhadamente
Alessandra de Morais; Laís Marques Barbosa;
Patrícia Unger Raphael Bataglia; Mariana Lopes de Morais (Org.)
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cada parte da atividade nos grupos de experts, os estudantes voltam aos
seus grupos de origem para realizar todas as atividades coletivas propostas.
Eles são estimulados a explicar uns aos outros os fragmentos das atividades
estudados nos grupos de experts. O professor pode promover uma breve
discussão com toda classe com o intuito de esclarecer possíveis dúvidas ou
aprofundar algumas questões. Diferentemente das estratégias anteriores, a
estratégia de ensino Jigsaw pode ser considerada estritamente cooperativa,
pois envolve interdependência positiva gerada a partir da divisão de tarefas
e não envolve interdependência negativa entre grupos.
Existe um certo consenso na literatura dos efeitos positivos da
aprendizagem cooperativa sobre o desempenho dos estudantes, mas ainda
há controvérsias sobre o porquê e como os métodos de aprendizagem
cooperativos produzem tais efeitos (SLAVIN, 2015). Um dos principais
motivos atribuídos ao sucesso das estratégias cooperativas é a motivação
proporcionada, sendo esse o elemento central de qualquer processo de
aprendizagem. O engajamento nas atividades, a persistência, a articulação
com demais membros do grupo são gerados, a priori, a partir da motivação
com a proposta de ensino (SLAVIN, 2015).
A combinação de competição e cooperação é uma característica de
muitas atividades humanas, em especial dos jogos. De fato, embora a denição
de “jogo” em dicionários e textos especícos sobre o tema inclua implícita
ou explicitamente a ideia de competição, a cooperação também ocorre em
muitos deles. Isso é especialmente evidente em esportes e jogos coletivos,
nos quais ocorre a cooperação entre os membros de uma mesma equipe,
associada à competição entre equipes (em cada partida e/ou em torneios
compostos por várias partidas). Essa combinação certamente contribuiu para
concepção de algumas das estratégias cooperativas aqui descritas. A partir de
tais considerações nosso grupo propôs a seguinte pergunta: a cooperação,
por si só, pode ser suciente na dinâmica de um jogo didático?
O objetivo do presente trabalho, portanto, foi avaliar o
desempenho dos estudantes em uma estratégia de ensino cooperativo, sem
a presença de competição, incorporadas à didática do jogo de tabuleiro
Fome de Q?, que trata sobre um tema relevante para a saúde pública, em
especial para a faixa etária de estudantes da educação básica: a obesidade.
A opção pela utilização de um jogo se deu por ser uma atividade na qual
é possível incorporar a dinâmica cooperativa, mesmo que a competição
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fundamentos, pesquisas e experiências educacionais brasileiras
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seja a característica mais marcante da maioria dos jogos, inclusive daqueles
considerados didáticos. Foi avaliado o desempenho dos grupos em tarefas
coletivas, associadas aos conteúdos abordados no Fome de Q?, assim como
a percepção de aprendizagem e a motivação dos jovens durante a atividade.
o Jogo investigAtivo Fome de Q?
O Fome de Q? é um jogo de tabuleiro (Imagem 1) de caráter
investigativo cujo objetivo é contribuir para que os alunos possam perceber
de que maneiras o hábito de ver televisão, associado ao sedentarismo e à
inuência das propagandas podem contribuir para a obesidade. No jogo, os
alunos têm como objetivo a resolução de um problema, ou como denimos
Caso (Imagem 2). Para solucionar o Caso, os alunos jogam o dado e movem
os peões para coletarem as Pistas (Imagem 3) distribuídas ao longo das
diferentes casas, representadas por alimentos ou bebidas no tabuleiro.
O tabuleiro do jogo se assemelha a uma mesa de piquenique,
que também contêm casas de sorte ou azar, representadas pelas cartas
escuras com logo do jogo. Ao parar sobre uma dessas casas, os jogadores
retiram cartões com informações que podem fazê-los avançar ou retroceder
pelo tabuleiro. Elas foram criadas para contribuir com o caráter lúdico,
estimular o dinamismo e propor situações que intervenham no andamento
da partida, tornando-a menos previsível e mais atraente.
O Caso foi apresentado aos alunos por meio de um texto
discorrendo sobre o crescente uso das televisões por jovens e adolescentes,
apresentando ao nal o seguinte problema: “Você deverá descobrir qual a
relação entre assistir TV e nossa Saúde”. Para resolvê-lo, os estudantes devem
coletar, interpretar, discutir e relacionar diversos dados contidos nas pistas
e apresentados sob a forma de tabelas, grácos, imagens e textos (Imagem
3). Por meio das pistas, o jogo estimula associações entre diferentes e
importantes formas de comunicação, por vezes utilizada na própria
linguagem cientíca. Essas e outras instruções também estão presentes em
um manual de regras, entregue aos grupos antes das partidas.
Uma das nalidades do jogo é que os alunos consigam interpretar
e fazer associações entre diferentes tipos de informações presentes nas pistas
que lhes são apresentadas ao moverem-se pelo tabuleiro. Portanto, quanto
mais pistas os jogadores de um grupo conseguirem coletar e interpretar
Alessandra de Morais; Laís Marques Barbosa;
Patrícia Unger Raphael Bataglia; Mariana Lopes de Morais (Org.)
200 |
corretamente, mais capacitados possivelmente estarão para propor uma
solução completa do Caso, que deve ser redigida pelo grupo. As informações
coletadas nas pistas durante o jogo são trocadas entre os alunos, permitindo
aprimorar habilidades como a análise e síntese de ideias, o raciocínio lógico,
a capacidade de abstração e outras habilidades colaborativas, como a de
expressão verbal, escuta, debate e argumentação. O jogo está disponível para
download gratuito no site: http://www.colaborabio.com.br/?page_id=698.
Imagem 1 - Tabuleiro do jogo Fome de Q?
O tabuleiro possui quatro diferentes pontos de início e não apresenta uma sequência linear, a m de que os
jogadores percorram diferentes caminhos pelo tabuleiro. As casas com alimentos ou bebidas são os locais
contendo as pistas do jogo, que devem ser lidas e interpretadas pelos jogadores. O principal fator limitante aos
jogadores é o tempo disponível para coleta e interpretação das pistas.
Aprendizagem Cooperativa:
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Imagem 2 - Cartão contendo informações sobre o Caso a ser resolvido
pelos jogadores.
Para que os estudantes consigam solucioná-lo, eles devem coletar as pistas disponíveis, interpretá-las e associá-
las, produzindo uma resposta única, redigida pelo grupo de jogadores.
Imagem 3 - Exemplos de pistas disponíveis para coleta pelos jogadores ao
chegar as casas em destaque no tabuleiro contendo alimentos.
As pistas contêm informações cientícas a serem interpretadas e relacionadas, de forma a contribuir para que
os jogadores possam formular uma solução para o caso do jogo.
Alessandra de Morais; Laís Marques Barbosa;
Patrícia Unger Raphael Bataglia; Mariana Lopes de Morais (Org.)
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como JogAr? A estrAtégiA cooperAtivA
Diversas dinâmicas de jogo podem ser incorporadas ao Fome
de Q?. Os alunos podem jogar individualmente ou em grupo, de forma
colaborativa ou cooperativa, com ausência ou presença de uma componente
competitiva. No presente estudo foi avaliada uma estratégia com ausência
completa de competição, denominada estratégia cooperativa.
Inicialmente foram formados grupos de quatro a seis alunos,
divididos internamente em duplas. Cada dupla foi responsável por movimentar
um peão e coletar pistas de maneira independente. Posteriormente, as duplas
poderiam se comunicar e trocar informações para que pudessem propor
de maneira coletiva e única a solução para o Caso, produzido a partir da
cooperação de todos os jogadores. Para escrever a solução, os alunos têm
acesso apenas às anotações feitas durante a partida e à cha que apresentava
o Caso (Imagem 2). A divisão de tarefas dentro do grupo durante a coleta
de pistas foi realizada para garantir a interdependência positiva entre os
alunos, uma vez que as duplas poderiam coletar pistas diferentes. Adotar essa
dinâmica foi importante para evitar que uma única dupla realizasse todas as
atividades, o que poderia tornar a atividade apenas colaborativa. Além disso,
a divisão de tarefas estimula as trocas de informações entre as duplas e esse
é um elemento central para qualquer atividade envolvendo aprendizagem
cooperativa. Portanto, a dinâmica de formação de grupos e de divisão interna
de tarefas garantiu os pressupostos de aprendizagem cooperativa destacados
anteriormente neste trabalho.
Após coletarem as pistas, os alunos escreveram a solução para o Caso
em grupo e apresentaram a mesma ao professor da turma e ao pesquisador
em campo. Após todos os grupos nalizarem essa etapa, uma discussão
mediada pelos pesquisadores foi realizada. Ela teve como propósito rever o
conteúdo das pistas e do Caso, além de tirar possíveis dúvidas. Por último,
os alunos preencheram individualmente um questionário de avaliação
sobre o jogo. Toda a dinâmica das partidas, incluindo a redação da solução
e avaliação foram realizadas no período de dois tempos consecutivos de
aulas em todas as turmas, totalizando aproximadamente 100 minutos.
Na estratégia cooperativa adotada (imagem 4), as duplas tiveram
30 minutos para realizar a coleta de pistas. Posteriormente o grupo teve
mais 20 minutos para discutir as informações coletadas e propor uma
Aprendizagem Cooperativa:
fundamentos, pesquisas e experiências educacionais brasileiras
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solução escrita para o Caso. O único adversário a ser enfrentado era o
tempo disponível para realização de cada tarefa (total de 50 minutos).
Esta estratégia foi caracterizada por apresentar ausência completa de
competição, seja no interior ou entre grupos.
Imagem 4 - Estratégia cooperativa utilizada durante a partida do jogo
Fome de Q?
Os principais adversários na dinâmica do jogo estritamente
cooperativo foram o desao proposto (Caso) e o tempo disponível para
solucioná-lo. Inicialmente são formados grupos de 4 a 6 estudantes,
divididos internamente em duplas. Cada dupla dispõe de 30 minutos para
coletar e analisar as pistas do tabuleiro. Em seguida, as duplas se reúnem e
o grupo tem 20 minutos para produzir uma solução para o Caso.
O Fome de Q? foi avaliado em 7 turmas de 8º ano do Ensino
Fundamental de sete escolas públicas do Estado Rio de Janeiro (RJ). A
opção por alunos de 8º ano regular se deu justamente por ser nessa série
que os documentos ociais aconselham aos docentes trabalhar temáticas do
corpo humano e nutrição. O projeto de pesquisa também foi submetido,
Alessandra de Morais; Laís Marques Barbosa;
Patrícia Unger Raphael Bataglia; Mariana Lopes de Morais (Org.)
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avaliado e aprovado (número 986.090) pelo Comitê de Ética em Pesquisa
do Instituto Oswaldo Cruz (RJ).
Ao todo, participaram da pesquisa 218 estudantes, de turmas
semelhantes, sem diferenças contrastantes entre idades ou desempenho
escolar. Turmas denidas pelas escolas em função de desempenho acadêmico
diferenciado ou defasagem idade/série não foram incluídas na amostra. A
utilização do Fome de Q? nas turmas ocorreu conforme o planejamento de
cada professor regente, de modo integrado à programação da disciplina de
Ciências. Em todas as turmas, o jogo foi utilizado após os alunos estudarem
o módulo sobre alimentos e nutrição.
AvAliAção do AprendizAdo em gruposoluções do caso
Para identicar a produção dos grupos de jogadores, foram
coletadas as respostas dadas para solução do Caso (Imagem 2). Inicialmente
foram denidas as categorias analíticas e os padrões de respostas esperados
para as soluções corretas do Caso.
As soluções do Caso foram analisadas segundo o grau de
complexidade e recrutamento de informações de diferentes pistas.
Era esperado que os grupos descrevessem nas soluções propostas que a
televisão pode inuenciar na saúde das pessoas, principalmente por
contribuir com um dos principais problemas de saúde da atualidade: a
obesidade. Os alunos também deveriam apresentar alguma(s) causa(s)
desse fenômeno como: relacionar as propagandas televisivas ao aumento
do consumo de alimentos hipercalóricos, a contribuição do uso excessivo
da TV para o sedentarismo, uma vez que se trata de uma atividade de
baixo gasto energético. Nesse sentido, a solução para o Caso deveria
conter respostas nas quais pudessem ser identicadas a categoria analítica
obesidade”, que deveria vir acompanhada da(s) categoria(s) “propaganda
e/ou “sedentarismo”, causas explicativas do fenômeno. O quadro 1 traz
exemplos de trechos de soluções produzidas pelos estudantes, assim como
ilustra cada uma das categorias.
Todas as soluções foram analisadas por dois avaliadores de maneira
independente. Os avaliadores mantiveram um grau de concordância
superior a 80%, sendo as avaliações discordantes analisadas e discutidas
Aprendizagem Cooperativa:
fundamentos, pesquisas e experiências educacionais brasileiras
| 205
por consenso. Essa metodologia foi adotada para garantir que não houvesse
qualquer tipo de parcialidade no momento de análise dos dados.
Quadro 1 - Exemplo de soluções propostas pelos grupos. Para uma
solução ser considerada correta, o texto deveria abordar o fenômeno
da obesidade como consequência para saúde (categoria obesidade),
acompanhada por uma de suas causas (categorias propaganda e/ou
sedentarismo).
Soluções Exemplos Categorias
Correta
“Na década de 70, quando a TV não era popular, as crianças
se exercitavam com mais frequência, como exemplo, pulavam
corda, brincavam de amarelinha, pique-esconde etc. As crianças
da década de 2000, quando a TV começou a se popularizar, as
crianças pararam de se exercitar e começaram a ver mais TV e
por isso a obesidade, tanto infantil quanto adulta começou a
crescer
Sedentarismo e
obesidade
Correta
“Nós entendemos que atualmente a televisão está nos
inuenciando cada vez mais a comer alimentos ruins à nossa
saúde. Com o progresso da televisão, as propagandas vêm
alterando nossos hábitos alimentares. Por isso que antigamente
havia uma alimentação melhor, pois não viviam na inuência
da televisão. Com isso, as pessoas estão se tornando obesas
Propaganda e
obesidade
Correta
“Nós chegamos a conclusão de que devido a evolução
da tecnologia, as crianças perdem mais tempo assistindo
TV e têm se tornado cada vez mais sedentárias e obesas.
Com o investimento feito nas propagandas de alimentos
industrializados (que contêm altas taxas de lipídeos e açucares),
por conta disso as pessoas têm consumido mais desses produtos
do que legumes e verduras, assim se tornando mais comum
encontrarmos mais crianças passando pelo problema da
obesidade
Sedentarismo,
propaganda e
obesidade
Incorreta
assistir TV é divertido e podemos aprender e saber de muitas
coisas com o uso dela, mas o excesso de assistir o tempo todo
pode causar danos, por exemplo, à vista. A claridade da TV
pode levar à complicações piores
Visão
resultAdos e discussão
Os resultados mostram que a estratégia cooperativa adotada para
o jogo foi apropriada, uma vez que 67% dos grupos propuseram soluções
corretas para o Caso. Tal resultado indica que a proposta do jogo está
adequada para o público-alvo, uma vez que o Caso não foi nem tão trivial
que todos conseguiram resolvê-lo facilmente e nem tão complexo a ponto
Alessandra de Morais; Laís Marques Barbosa;
Patrícia Unger Raphael Bataglia; Mariana Lopes de Morais (Org.)
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de apenas poucos grupos conseguirem solucioná-lo. Esses dados indicam
também que competição não foi essencial para o bom desempenho dos
estudantes no momento de realização de uma atividade em grupo.
Gráco 1 - Percentual de soluções corretas do Caso: “Qual a relação entre
assistir TV e a nossa saúde?”, redigidas em grupo (n= 47). Cada grupo
tinha entre 4 e 6 jogadores.
As soluções do Caso também foram avaliadas qualitativamente,
a partir da quantidade de associações realizadas entre os conteúdos das
diferentes pistas. Para que uma solução fosse considerada correta ela deveria
conter a categoria analítica obesidade e uma de suas causas (sedentarismo
ou propaganda). No entanto, algumas respostas mais completas
descreviam as duas causas (ver exemplo em quadro 1). Os dados mostram
que os grupos não apenas conseguem solucionar o Caso como também
apresentam percentual elevado (45%) de respostas com maiores níveis
de complexidade. Esse resultado pode ter relação com a estruturação dos
grupos de maneira cooperativa, uma vez que os jogadores dividiram tarefas
e discutiram as pistas coletadas de maneira conjunta, produzindo soluções
corretas e complexas.
Aprendizagem Cooperativa:
fundamentos, pesquisas e experiências educacionais brasileiras
| 207
Gráco 2 - Quantidade de fatores associados a obesidade reconhecidos
nas respostas corretas dos grupos.
É importante ressaltar o papel do professor nesta atividade. Antes
do jogo, sua função foi explicar as regras e estruturar os grupos. Durante a
partida, as próprias regras denem a forma de trabalho. Não é aconselhável
ao professor fornecer informações prontas, responder diretamente as
perguntas dos grupos, pois dessa forma poderá inibir o trabalho cooperativo.
Como facilitador, o professor deve procurar estimular o diálogo e troca de
informações entre os membros, propor indagações, aprofundamentos e
desaos, incentivar e valorizar o esforço dos estudantes, identicar e ajudar na
resolução de conitos. Com isso, ele estará ensinando seus estudantes a como
interagir, justicar e resolver problemas em um contexto de aprendizagem
cooperativa (GILLIES, 2016). Após os grupos entregarem as soluções, o
professor faz com a turma a discussão nal dos resultados com o propósito
rever o conteúdo das pistas e do Caso, além de tirar possíveis dúvidas.
O questionário de avaliação, preenchido individualmente ao
nal da etapa de discussão continha perguntas relacionados à aceitação
e aprendizado proporcionado pelo Fome de Q?. Quando perguntados se
aprenderam algo novo com o jogo, 90% dos estudantes responderam
armativamente (Gráco 3). Esses dados indicam que a atividade
desenvolvida, proporcionou aprendizado, segundo a percepção dos
próprios jogadores.
Alessandra de Morais; Laís Marques Barbosa;
Patrícia Unger Raphael Bataglia; Mariana Lopes de Morais (Org.)
208 |
Os estudantes responderam ainda se gostariam de ter mais
aulas com jogos semelhantes ao Fome de Q?. A aceitação do jogo foi alta,
uma vez que 89% dos alunos declararam que gostariam de ter aulas com
jogos desse tipo (Gráco 4). O enunciado desta pergunta os estimulava a
justicarem suas respostas de maneira discursiva. As principais justicativas
foram agrupadas em categorias empíricas, de acordo com os relatos dos
próprios estudantes. A categoria mais frequente entre as justicativas
foi o “aprendizado”, seguida por “diversão” e “interesse” (Gráco 5). De
acordo com KINCHIN (2018), os jogos voltados para o ensino exigem
um planejamento cuidadoso que precisa abordar os temas a partir de um
equilíbrio entre aprendizagem e diversão. Os resultados da avaliação indicam
que os estudantes encararam o jogo não só como um entretenimento, mas
como um recurso que contribui para seu aprendizado, sendo apropriado
como um jogo educativo também de acordo com KISHIMOTO (2011).
Gráco 3 - Percentual de respostas armativas as perguntas: “Você
aprendeu algo novo com este jogo?” e “Você gostaria de ter mais aulas
com jogos deste tipo?”
Gráco 4 - Percentual das justicativas mais comuns a pergunta
“Gostariam de ter mais aulas deste tipo? Por quê? As categorias não são
mutuamente excludentes. Nessa condição, uma resposta poderia incluir
mais de uma categoria, por isso o somatório delas ultrapassa os 100%.
Aprendizagem Cooperativa:
fundamentos, pesquisas e experiências educacionais brasileiras
| 209
Os dados apresentados geram importantes considerações sobre
as estratégias de ensino. A partir deles, é possível considerar que o caráter
lúdico do Fome de Q? não está associado diretamente à competição (se
o fosse, seria esperado uma menor aceitação por parte dos jogadores). A
alta aceitação da estratégia cooperativa pelos jovens permite concluir que a
aprendizagem cooperativa pode ser tão motivadora quanto outras, mesmo
na total ausência de competição.
Quando analisados de uma forma conjunta, os resultados,
corroboram a viabilidade e validade da estruturação de atividades
estritamente cooperativas, com ausência completa de competição. Os
grupos que trabalharam de maneira cooperativa apresentaram respostas
corretas e completas, indicando que esse tipo de estratégia, em última
instância, favoreceu a maneira como os grupos compartilham, organizam,
exemplicam e sintetizam seus achados de maneira formal. Além disso, a
motivação e a pré-disposição para aprendizagem são elementos centrais
para um processo de ensino e aprendizagem mais efetivo. Finalmente,
nota-se que a aprendizagem cooperativa teve uma alta aceitação por partes
dos alunos.
É importante considerar que a proposta de ensino cooperativo
aqui descrita foi uma atividade pontual, de apenas dois tempos de aula.
De uma maneira geral, as atividades relatadas na literatura são feitas
por períodos de tempo mais extensos e, possivelmente, os efeitos da
aprendizagem cooperativa podem ser ainda mais evidentes caso fosse
estabelecido programas mais extensos.
Alessandra de Morais; Laís Marques Barbosa;
Patrícia Unger Raphael Bataglia; Mariana Lopes de Morais (Org.)
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Outras considerações de caráter qualitativo foram avaliadas,
a partir da observação e registros feitos pelos pesquisadores durante a
aplicação do Fome de Q?. Ao aplicá-lo em várias escolas dentro das mesmas
condições experimentais, observou-se algumas tendências nas salas de aulas.
Os achados da pesquisa com o Fome de Q? em sua dinâmica cooperativa
trazem algumas importantes considerações em relação a aprendizagem
cooperativa, especialmente no âmbito da educação escolar brasileira e
devem ser analisados criticamente pelos docentes:
No dia-a-dia escolar a competição está mais presente do
que a cooperação. Existem também muitas propostas de
caráter colaborativo, que, no entanto, não assumem todos os
pressupostos de uma aprendizagem efetivamente cooperativa;
Provas externas, rankings escolares, vestibulares (entre muitos
outros eventos) possuem caráter competitivo e fazem parte
da rotina da maioria das escolas. Além disso, a competição
também está intensamente presente em outros ambientes
fora da escola. Já que a competição faz parte de uma série
de práticas escolares, a cooperação pode ser estimulada em
outros momentos;
Cada vez mais é importante o trabalho envolvendo múltiplos
prossionais de forma cooperativa. Muitas habilidades
colaborativas (ainda que não avaliadas nesse trabalho) como
a capacidade de ouvir atentamente, produzir argumentos
sólidos, comunicar-se de maneira clara, resolver problemas
e conitos de maneira consciente ou desenvolver espírito de
liderança, por exemplo, podem ser desenvolvidas a partir da
promoção de atividades cooperativas de ensino.
Por mais que a competição esteja presente em várias
dinâmicas e jogos didáticos, ela não se mostrou decisiva para
o desempenho dos estudantes em uma tarefa em grupo, uma
vez que os grupos cooperativos tiveram bons desempenhos,
mesmo na ausência total de competição;
A cooperação favorece o trabalho em grupo. A maioria dos
grupos cooperativos conseguiram produzir soluções corretas
e, algumas delas, com elevado grau de complexidade.
Aprendizagem Cooperativa:
fundamentos, pesquisas e experiências educacionais brasileiras
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É possível que os grupos estritamente cooperativos se
preocupam menos com fatores externos do que aqueles
que adotam intuitivamente atitudes competitivas (ver se os
demais grupos estão obedecendo as regras, prestar atenção
na avaliação do pesquisador em relação a solução de um
outro grupo). Em síntese, é possível que grupos estritamente
cooperativos se mantenham mais focados aos objetivos
pedagógicos das atividades;
A motivação em atividades cooperativas de ensino nem
sempre está associada com a competição propriamente
dita. A maioria dos estudantes, ainda que na ausência de
competição, armaram ter aprendido algo novo com o
jogo e informaram que gostariam de ter mais aulas nessas
condições, especialmente pelo aprendizado e pela diversão
proporcionados.
conclusão
Analisados conjuntamente, os resultados permitem concluir
que a competição não é um fator essencial em dinâmicas envolvendo
aprendizagem cooperativa. Por mais que ela esteja presente em diversas
práticas escolares, ou, inclusive em outras estratégias de aprendizagem
cooperativa (STAD e TGT) ela pode ser substituída, sem perdas de
desempenho ou motivação, por dinâmicas puramente cooperativas. Além
disso, por ser uma prática instrucional ainda pouco discutida no contexto
educacional brasileiro, a aprendizagem cooperativa deve ser valorizada, em
especial no ensino de Ciências.
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