| Sueli Guadelupe de Lima Mendonça, José Carlos Miguel, Stela Miller e Érika Christina Köhle (Org.)
20 |
palavras sensações ameaçadoramente dispersas. Fragmentos de um discurso
amoroso
4
. Brevidade
5
que se completa ao se desfazer. Tocada pela língua,
umedecida de saliva, grudada nos dentes. Degustada em um único bocado.
Ínmo. Efêmero. Desaando a fome insaciável e a sede innita. Intenso
suspiro. Respiração suspensa. Sintaxe em suspeição. Entrecortada por
lâminas. Incisas encravadas. Que não se submete à sensatez. Controversa.
Incoerente. Desajuizada. Coordenativamente insubordinada. Elíptica.
Enigmática. “Decifra-me ou te devoro”
6
.
Procurando a clave
7
e a armadura para modular o caos. Tonalidades
relativas e modos transpostos. Tensamente instáveis. Dissonâncias em
busca de resolução. O cânone
8
perpétuo. Polifonicamente
9
solitário. Que
“Substituiu-se, então, à descrição do discurso amoroso sua simulação, e devolveu-se a esse discurso sua pessoa
fundamental, que é o eu, de modo a pôr em cena uma enunciação e não uma análise. É um retrato, se quisermos,
que é proposto; mas esse retrato não é psicológico; é estrutural; ele oferece como leitura um lugar de fala: o lugar
de alguém que fala de si mesmo, apaixonadamente, diante do outro (o objeto amado) que não fala.” BARTHES,
R. Fragmentos de um discurso amoroso. Trad. H. Santos. 5. ed. Rio de Janeiro, 1985. p.1.
A escolha do tema deste texto – brevidade – inspira-se em fecunda interlocução com poeta, cujo nome deixo
de mencionar, em respeito a seu pedido, e a quem agradeço pelo bem que me proporcionou.
"Refere-se ao enigma da Esnge de Tebas, na mitologia grega: que animal tem quatro patas pela manhã, duas
à tarde e três, à noite? Essa pergunta era feita pela esnge aos passantes. Os que erravam eram devorados por ela.
A resposta: é o homem, que engatinha, quando bebê; anda sobre duas pernas, quando adulto; e utiliza bengala
além das pernas, na velhice."
Referências cruzadas: ao poema “Trouxeste a chave”, de Carlos Drummond de Andrade; e ao termo musical
“clave”, do latim “clavis” (“chave” em português): sinal que se coloca no início da pauta/pentagrama (as cinco
linhas da partitura musical), para indicar ao músico como lê-la. “[...] Serve para dar nome e altura da nota. [...]
A clave indica qual a posição de uma das notas e todas as demais são lidas em referência a essa nota. Cada tipo
de clave dene uma nota diferente de referência. Dessa maneira, a “chave” usada para decifrar a pauta é a clave,
pois é ela que vai dizer como as notas devem ser lidas.” E executadas! Disponível em: https://pt.wikipedia.org/
wiki/Clave. Acesso em: 12 fev. 2020.
“Cânone’ é o termo utilizado na nomenclatura musical para designar “[...] a forma polifônica, em que as
vozes imitam a linha melódica cantada por uma primeira voz, entrando cada voz, uma após a outra, uma
retomando o que a outra acabou de dizer, enquanto a primeira continua o seu caminho: é uma espécie de corrida
onde a segunda jamais alcança a primeira.” Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2none_
(m%C3%BAsica). Acesso em: 12 fev. 2020 “Cânon (ou Kanon, em alemão) é uma peça musical de repetições
feitas para 3 violinos e um violoncelo contínuo, ou seja, o 1º violino (ou primeira voz) inicia com parte da
melodia, e depois de uma sequência de acordes de I IV e V graus, este inicia outra parte no mesmo momento
que o 2º violino inicia a mesma melodia já tocada pelo 1º, sendo que quando o 3º violino inicia a mesma
melodia já tocada pelo 1º e 2º violinos, o 2º passa a tocar o que o 1º tocou, em suma, são blocos de dois
compassos tocados pelo 1º violino, os quais são repetidos pelos demais, tornando melodias harmonicamente
sobrepostas. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Pachelbel. Acesso em: 12 fev. 2020. Entre os
cânones mais célebres está o Cânone em Ré Maior (originalmente Cânone e Giga para 3 violinos e baixo contínuo
(Kanon und Gigue für 3 Violinen mit Generalbaß), composto pelo músico barroco alemão Johann Pachelbel
(1653 - 1706).
A “[...] polifonia tem como principal propriedade a diversidade de vozes controversas no interior de um texto.
Conforme a tese do lósofo da linguagem russo Mikhail Bakhtin [1895-1975], este conceito se caracteriza
pela existência de outras obras na organização interna de um discurso, as quais certamente lhe concederam