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Educação Democrática, Trabalho e
Organização Produtiva no
Movimento dos Trabalhadores Rurais
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Malia/Ocina Universitária
Malia/Lutas Anticapital
São Paulo/Cultura Acadêmica
2019
N M D R
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS - FFC
UNESP - campus de Marília
Diretor
Prof. Dr. Marcelo Tavella Navega
Vice-Diretor
Dr. Pedro Geraldo Aparecido Novelli
Conselho Editorial
Mariângela Spotti Lopes Fujita (Presidente)
Adrián Oscar Dongo Montoya
Andrey Ivanov
Célia Maria Giacheti
Cláudia Regina Mosca Giroto
Marcelo Fernandes de Oliveira
Neusa Maria Dal Ri
Renato Geraldi (Assessor Técnico)
Rosane Michelli de Castro
Imagem de capa
Julio Cesar Torres
Pareceristas
Bernardo Mançano Fernandes: Professor Associado do
Departamento de Geograa da Faculdade de Ciências e
Tecnologia – UNESP/campus de Presidente Prudente.
Coordenador da Cátedra UNESCO de Educação do
Campo e Desenvolvimento Territorial.
Maria Orlanda Pinassi: Professora aposentada do
Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências e
Letras – UNESP/campus de Araraquara.
Ficha catalográca
Serviço de Biblioteca e Documentação - FFC
Editora aliada:
Cultura Acadêmica é selo editorial da Editora UNESP
Ocina Universitária é selo editorial da UNESP - campus de Marília
Copyright © 2019, Faculdade de Filosoa e Ciências
Dal Ri, Neusa Maria
D136e Educação democrática, trabalho e organização produtiva no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) / Neusa Maria Dal Ri & outros. – Marília : Ocina
Universitária ; São Paulo : Cultura Acadêmica, 2019.
318 p. : il.
Coeditora: Lutas Anticapital
Inclui bibliograa
ISBN 978-85-7249-060-3 (Impresso)
ISBN 978-85-7249-061-0 (Digital)
1. Democracia e educação. 2. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. 3.
Educação do campo. 4. Escolas do campo. I. Título.
CDD 379.173
Editora LUTAS ANTICAPITAL
Editor: Julio Okumura
Conselho Editorial: Andrés Ruggeri (Universidad de Buenos Aires
- Argentina), Bruna Vasconcellos (UFABC), Candido Giraldez
Vieitez (UNESP), Dario Azzellini (Cornell University – Estados
Unidos), Édi Benini (UFT), Fabiana de Cássia Rodrigues
(UNICAMP), Henrique Tahan Novaes (UNESP), Julio Cesar
Torres (UNESP), Lais Fraga (UNICAMP), Mariana da Rocha
Corrêa Silva, Maurício Sardá de Faria (UFRPE), Neusa Maria
Dal Ri (UNESP), Paulo Alves de Lima Filho (FATEC), Renato
Dagnino (UNICAMP), Rogério Fernandes Macedo (UFVJM),
Tania Brabo (UNESP).
Editora Lutas anticapital
Marília –SP
edlutasanticapital@gmail.com
www.lutasanticapital.com.br
DOI https://doi.org/10.36311/2020.978-85-7249-061-0
sumário
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Bernardo Mançano Fernandes -------------------------------------------------- 9
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7
agradEcimEntos
Agradecemos, em primeiro lugar, ao Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) por ter permitido a realização desta pesquisa em
suas escolas e assentamentos. Em todos os assentamentos e escolas fomos
muito bem recebidos e acolhidos, o que não é tão comum quando se rea-
liza pesquisas nas escolas públicas tradicionais.
Da mesma forma, agradecemos aos professores e à professora das
Universidades, aos membros dirigentes do MST e das cooperativas, dire-
tores e diretoras, professores e professoras, alunos e alunas, bem como pais
e mães que nos concederam as entrevistas e nos acompanharam nas visitas
e observações. Todos e todas os/as informantes nos dedicaram um tempo
grande para a coleta de dados e prestaram as informações com gentileza,
seriedade e honestidade. Sem a participação dessas pessoas, a pesquisa não
poderia ter sido realizada.
Por último, agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Cientíco e Tecnológico (CNPq) que nanciou a pesquisa.
9
PrEfácio
Bernardo Mançano Fernandes
1
Este livro trata de educação democrática, trabalho e organização
produtiva no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em
minhas pesquisas sobre estes temas em vários países e continentes, não
encontrei experiências mais avançadas destas construídas por um dos mo-
vimentos camponeses mais importantes do mundo: o MST. Neste con-
texto, armo que este livro apresenta um dos temas fundamentais para o
desenvolvimento territorial do campo brasileiro. Mas, é preciso esclarecer
de qual campo estamos nos referindo. É comum ouvirmos falar de cidades,
mas não estamos acostumados a ouvir falar de campos. Mesmo quando
escutamos falar de campos, podem estar se referindo ao bioma Campos.
Estou me referindo a diferentes campos como diferentes territórios cons-
truídos por distintas relações socioespaciais. Estou me referindo ao cam-
po construído pelo agronegócio e ao campo construído pelo campesinato.
Esta classe social está se revitalizando com as lutas por terra/território, ou
inaugurando uma nova forma de representar essas duas palavras: terr(a)
itório. Terra compreendida como uma fração do território exige políticas
de desenvolvimento, como educação e produção.
1 Professor de Geograa da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Presidente Prudente.
Coordenador da Cátedra UNESCO de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
10
O campo produzido pelo agronegócio tem por base as relações ca-
pitalistas que controlam as políticas governamentais para a agricultura e a
pecuária. É um campo com territórios monocultores de grandes extensões
produzindo predominantemente para exportação. É um campo produtor
de commodities com o uso de tecnologias e agrotóxicos. E por estas e ou-
tras razões é um deserto verde com produtividade em um campo em que
não se pode viver por causa do uso intensivo de veneno na produção de
alimentos e energia. O agronegócio é o modelo hegemônico na produção
de alimentos ultraprocessados, completando a tragédia deste modelo, que
usa o pesticida para produzir e processa o alimento transformando-o em
fórmula química, tirando suas propriedades de ser uma comida. O campo
do deserto verde produz a cidade do deserto alimentar, que são os vazios
urbanos onde não encontra comida saudável.
Os campos e as orestas construídos pelo campesinato, pelos qui-
lombolas e pelos indígenas têm por base relações familiares e comunitárias
que lutam por políticas governamentais para a agricultura familiar, agroe-
cologia e soberania alimentaria. É um campo com territórios policultores,
de pequenas extensões produzindo predominantemente para o mercado
local e regional. É um campo produtor de comida saudável que vem da
agricultura orgânica e da agroecologia. É um campo onde as pessoas mo-
ram e trabalham, vivem em comunidades e em pequenas cidades, pro-
duzindo suas próprias ruralidades. Usam veneno somente quando estão
subordinadas aos pacotes tecnológicos do agronegócio. Produzindo ali-
mentos sem processamento ou com baixo processamento, estes produtores
abastecem nossas casas com comida de verdade. Este campo é espaço de
vida, que precisa de escola, de posto de saúde, de equipamentos e infraes-
trutura que garantam a qualidade de vida.
Fiz questão de diferenciar esses dois campos para que a leitora e
o leitor possam identicar o campo ao qual estamos nos referindo. Esta
informação é importante para que saibam da importância da Educação
do Campo, uma educação que compreenda todos os territórios. Armo
isso porque a educação convencional tende a ver o campo como uno e o
agronegócio como totalidade, distanciando-se muitas vezes da educação
democrática. Os campos são disputados permanentemente pelo campe-
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
11
sinato, pelas corporações nacionais e multinacionais e pelos povos indíge-
nas que lutam pela retomada de seus territórios originários. Somente uma
educação democrática pode compreender essas diferenças de modo crítico
e propor superações. É esta educação que foi analisada na pesquisa que re-
sultou neste livro. A educação do campo nasceu das lutas pela terra e pela
reforma agrária. É fruto de uma visão de reforma agrária popular muito
diferente da reforma agrária distributivista.
As políticas de reforma agrária produzem territórios e não somente
áreas de produção. Estes territórios são espaços de vida onde as famílias
existem e resistem, são terr(a)itórios disputados. A conquista da terra não é
um trunfo denitivo. É uma vitória que deve ser cuidada para não se tornar
uma derrota. As famílias que conquistaram a terra podem perdê-la. Uma
condição de garantir a permanência na terra é o trabalho na produção de
alimentos. Para a produção é necessário o acesso à educação. Essa razão fez
com que o MST se tornasse o principal protagonista na luta pela educação
do campo. Esta educação é, também, uma educação territorial, pois nasceu
da preocupação de desenvolvimento dos territórios camponeses.
Para os iniciantes sobre os temas deste livro, vale destacar que não
se trata apenas de uma pesquisa, mas também de um ensaio teórico–me-
todológico sobre a pesquisa. E este processo é realizado a partir de vários
exemplos concretos das escolas do MST. Estamos muito acostumados a ver
escolas geridas por governos e empresas, mas o que são as escolas geridas
por movimentos socioterritoriais? Aqui você tem oportunidade de saber
através de uma pesquisa qualicada. Vai compreender como uma classe
social cria um projeto completo de educação, teoria e política, escola e
professores, conhecimento e transformação.
Outro tema pertinente à educação democrática e à educação do
campo é o trabalho. O que signica compreender o trabalho a partir de
pessoas que, através do trabalho, produzem seus territórios, suas próprias
existências? Compreender essa razão é essencial para a construção da edu-
cação democrática, pois a diversidade cultural do campesinato, seus costu-
mes e relações com distintos biomas possibilitam distintos conhecimentos
que necessitam ser recriados nas escolas e no mundo do trabalho. O traba-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
12
lho é um desao permanente para quem enfrenta a questão agrária em seu
cotidiano e tem que superá-la a cada dia.
É por essa razão que os camponeses precisam se apossar da escola.
Imagine como é uma escola cujo professor ou professora não conhecem a
história da comunidade e quer impor conteúdos de cartilhas do agrone-
gócio, muitas vezes produzidas com apoio das secretarias de educação. O
agronegócio também pode destruir o campesinato por dentro da escola.
Para um movimento socioterritorial, a escola é fundamental para produzir
e qualicar seu território. Os estudos deste livro analisam este tema e dão
exemplos relevantes desde a história do MST em diversos estados. Mos-
tram como a população camponesa produz conhecimento e procura ter
controle sobre ele, especialmente sobre a produção pedagógica.
A relação entre educação do campo e trabalho contribui para o
desenvolvimento da experiência agroecológica no MST. Com intensidade
ainda maior está a participação da mulher que se destaca cada vez mais nas
territorialidades agroecológicas. Este é outro excelente exemplo de educa-
ção democrática, pois a agroecologia não existe sem a participação de todas
e todos, não pode produzir desigualdade e deve preservar a terra, a água e
a gente. A agroecologia é um desao para a questão agrária que faz exata-
mente o contrário. Aqui encontramos o desao do futuro da agricultura.
A educação do campo nasceu e se desenvolve com essa preocupa-
ção, mudar o futuro através da transformação disruptiva do modelo hege-
mônico da agricultura, principalmente porque o Brasil é um dos países que
mais utiliza agrotóxico na produção de alimentos que são exportados para
diversos países do mundo. A perspectiva da educação do campo que o vê
como espaço de vida é uma fortaleza da transformação disruptiva. A edu-
cação do campo está construindo um paradigma que não separa o lugar
da produção da comida do lugar de morar, que não separa o alimento de
sua natureza para o bem da saúde. As produções orgânica, agroecológica e
agroorestal podem alimentar o mundo e minimizar o processo de aque-
cimento global, transformando os campos e as cidades, ampliando os ter-
ritórios produtores de alimentos, redistribuindo igualmente a população.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
13
Educação do campo e comida saudável como políticas públicas em
que a sociedade participa e produz. A produção de alimentos está diretamente
relacionada com a nossa existência. Quanto mais ultraprocessados os alimentos,
mais destruímos a nossa natureza. Os conhecimentos e as culturas locais e
globais se encontram nas relações mais importantes: a comida saudável e a
educação democrática. Desde a escola, da universidade, da lavoura, do trabalho,
da natureza, podemos pensar melhor as possibilidades de reconguração
radical de nossos sistemas alimentares, tornando-os sustentáveis.
15
aPrEsEntação
Neusa Maria Dal Ri
Está obra apresenta os resultados de projeto de pesquisa intitulado
Concepções teórico-práticas de educação e trabalho no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, nanciado pelo CNPq, edital Ciências
Humanas, Sociais e Aplicadas.
O projeto foi desenvolvido durante os anos de 2013 a 2015 e gerou,
até o momento, várias produções, a saber: artigos cientícos; capítulos de
livros; apresentações de trabalhos em eventos; pós-doutorado; dissertações
de mestrado; teses de doutorado; trabalhos de iniciação cientíca; trabalhos
de conclusão de curso; dentre outras.
Apesar das inúmeras socializações de partes da pesquisa, a intenção
deste livro é trazer para o leitor uma visão mais completa e integrada da
pesquisa, com vários dados, reexões e elementos ainda não publicados.
O projeto foi desenvolvido por uma equipe de trabalho composta
por docentes pesquisadores de diferentes unidades universitárias, alunos
de pós-graduação e de graduação membros do Grupo de Pesquisa Orga-
nizações e Democracia, da Universidade Estadual Paulista, com sede na
Faculdade de Filosoa e Ciências, Campus de Marília.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
16
EquiPE dE trabalho
coordEnação
Neusa Maria Dal Ri (UNESP, Campus de Marília) – coordenadora e responsável
pelo projeto perante o CNPq.
docEntEs PEsquisadorEs/as
Candido Giraldez Vieitez (UNESP, Campus de Marília)
Cinthia Magda Fernandes Ariosi (UNESP, Campus de Presidente Prudente)
Cláudia Pereira de Pádua Sabia (UNESP, Campus de Marília)
Érika Porceli Alaniz (UNOESTE)
Fabiana de Cássia Rodrigues (UNICAMP)
Henrique Tahan Novaes (UNESP, Campus de Marília)
Julio Cesar Torres (UNESP, Campus de São José do Rio Preto)
Lalo Watanabe Minto (UNICAMP)
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes (UNESP, Campus de Marília)
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo (UNESP, Campus de Marília)
alunos dE Pós-graduação
Claudio Rodrigues da Silva
João Henrique Souza Pires
Karen Bettina Ikeda de Ortiz
Laís Santos
Liene Keite de Lira da Mata
Melina Casari Paludeto
alunos dE graduação
Carlos Alberto Vasconcelos Gomes
Eduardo de Mattos Ribeiro
Ellen Felício dos Santos
Karine Gonçalves
Luciana da Silva Rocha
17
os caminhos da PEsquisa: uma introdução à
análisE das Escolas do mst
Neusa Maria Dal Ri
Nos anos de 1980 e 1990 diversos acontecimentos marcaram a
conjuntura econômico-social de vários países. A ideologia neoliberal, que
emergiu da crise do capital dos anos de 1970, se consolidou no cenário
internacional, ao mesmo tempo em que ocorreram a queda do muro de
Berlim, o desmonte da União Soviética, o reuxo do movimento sindi-
cal, a redução das lutas operárias (SILVER, 2003) e o declínio dos parti-
dos revolucionários em geral. No Brasil, o movimento operário e popular
(MOP) em confronto com a ditadura militar contrariou a tendência geral
de reuxo dos movimentos entre 1978 e 1985. Porém, no nal da década
de 1980 voltou ao reuxo.
Nos anos de 1990, sobretudo na América Latina, os conitos so-
ciais retornaram, mas agora na forma de luta de movimentos sociais, e não
tanto nas formas clássicas que envolvem a atuação de partidos e sindicatos.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi fun-
dado em 1984, em Cascavel, Paraná, na decadência da ditadura militar,
ainda sob a inuência da retomada do MOP iniciada no nal dos anos
Neusa Maria Dal Ri & Outros
18
1970. Após alguns anos de desenvolvimento, o MST ganhou notoriedade
no Brasil e internacionalmente.
Alguns autores entendem que o MST é um grande movimento
social, que enfrenta os governos neoliberais, tendo como norte a bandeira
da reforma agrária e, ainda, que o MST organizou um movimento original
e de massas, com base social em todo o país, congregando especialmente a
população pobre do campo e da cidade.
Quando o MST adquiriu notoriedade como movimento social,
e passou a incomodar em especial a classe proprietária agrária, distintas
visões passaram a ser emitidas sobre ele por diferentes grupos sociais. A
opinião mais generalizada é aquela divulgada pelas grandes mídias, em
consonância com a posição da maioria da classe proprietária.
Num dos extremos da posição do segmento social da classe proprie-
tária, não se concede ao MST o estatuto de movimento social, e não há
pruridos em qualicá-lo publicamente como um grupo de delinqüentes e
bandidos (VEJA, 2009, p. 1).
Fora dessa posição extremada e propagandística dos interesses da
burguesia, os pronunciamentos críticos da mídia sobre o MST podem ser
até mais ponderados, porém, o Movimento sempre é apresentado como
um problema social.
No entanto, do ponto de vista do MST, e de várias outras organiza-
ções populares do campo, de fato existe um grave problema social, mas este se
encontra no projeto econômico-social da burguesia do país e da maioria dos
governos neoliberais, uma vez que o desdobramento prático desse projeto
[...] provoca o esmagamento e a desterritorialização dos trabalhadores
e trabalhadoras. [...] Suas consequências sociais e ambientais são a não
realização da reforma agrária, a não demarcação e reconhecimento
de territórios indígenas e quilombolas, o aumento da violência, a
violação dos territórios e povos da oresta, a fragilização da agricultura
familiar e camponesa, a sujeição dos trabalhadores e consumidores
a alimentos contaminados e ao convívio com a degradação
ambiental [...]. (ENCONTRO NACIONAL UNITÁRIO DOS
TRABALHADORES E TRABALHADORAS E POVOS DO
CAMPO, DAS ÁGUAS E DAS FLORESTAS, 2012, p. 1).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
19
A citação ilustra a dimensão da problemática social colocada: por
um lado, o projeto sócio-econômico implantado por sucessivos governos e,
por outro, a defesa da reforma agrária pelos movimentos sociais.
Além do MST, outras organizações do campo realizam ações pela
reforma agrária (MANSUR, 2012). A reforma agrária (RA) de fato nunca
foi realizada no Brasil. No entanto, as ações desencadeadas e reivindicações
apresentadas por esse conjunto de forças sociais ao Estado resultaram na
constituição dos assentamentos da reforma agrária
1
espalhados pelo país,
tendo como principal articulador o MST, a organização mais importante
e de maior visibilidade empenhada nessa luta. Os assentamentos conquis-
tados são um fenômeno importante, pois geram um grande impacto eco-
nômico, social e educativo nas populações assentadas e nas que vivem no
entorno e em cidades próximas. Em decorrência desse impacto, que atesta
a relevância social dos assentamentos, governos em nível federal, estadual
e municipais têm criado programas de apoio aos assentamentos, dentre os
quais destacamos, em nível federal, o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA) (INCRA, 2010; SECOM, 2011; BRASIL
DE FATO, 2012)
2
.
Além do Estado, outras instituições e organizações nacionais e in-
ternacionais reconhecem a importância estratégica do MST na geração dos
assentamentos e, portanto, na geração de emprego e renda, bem como sua
contribuição em outros campos, como, por exemplo, no educacional e na
agroecologia. Dessa forma, no âmbito acadêmico, várias universidades pú-
1
“No Brasil, nunca tivemos um programa de reforma agrária verdadeiro. [...] O que houve no Brasil depois
da redemocratização foram desapropriações pontuais, de alguns latifúndios, e um programa mais amplo de
colonização de terras públicas na Amazônia, que não afetaram a estrutura da propriedade da terra. Essas
desapropriações de latifúndios que oscilam de governo a governo, tem sido muito mais fruto da pressão social
dos movimentos, do que de um amplo programa de reforma agrária dos governos” (STÉDILE, 2012, p.1).
Em fevereiro de 2019, após a posse do governo Bolsonaro, vários jornais do país (VALENTE, 2019) publicaram
que o novo ouvidor agrário nacional do INCRA, coronel do Exército João Miguel Souza Aguiar Maia de Sousa,
enviou memorando-circular para todas as superintendências do órgão com a orientação de que seus chefes
subordinados não recebessem mais entidades ou representantes que não possuíssem personalidade jurídica, caso
do MST. No mesmo memorando, o ouvidor armou que não deveriam ser atendidos invasores de terras. Na
prática, a circular representou a tentativa de rompimento de diálogo do INCRA com o MST. Embora um dia
depois, o coronel tenha encaminhado novo memorando voltando atrás, após apelo do Ministério Público Federal
que publicou uma nova recomendação para que o INCRA voltasse a atender de forma simplicada e ágil os
representantes dos movimentos sociais e os ocupantes de terras improdutivas, sob pena de ingressar com um
processo contra o órgão, os diálogos entre o Instituto e o MST caram tensos. O fato é que não há nenhuma
garantia de que o PRONERA continue atendendo e nanciando programas educacionais dos movimentos sociais.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
20
blicas brasileiras e de alguns outros países oferecem cursos em parceria com
o MST, realizam pesquisas e prestam assistência a escolas e cooperativas do
Movimento (MST, 2010).
O interesse pelo MST como parceiro em atividades e como objeto
de estudo é um fato. A origem desse interesse encontra-se no acontecimen-
to de que o MST é altamente organizado, desenvolveu diferentes táticas
de luta e contribuiu para trazer de volta à história um tema que parecia
superado pelo progresso, qual seja, a luta pela terra (MEDEIROS, 2004).
O MST adquiriu notoriedade por várias razões: pela audácia com
que tem enfrentado as políticas neoliberais; por suas táticas e métodos de
luta; por sua presença em todo o território nacional; por suas características
de movimento altamente organizado e, certamente, pelos resultados que
vem obtendo na educação e na produção agrária. A condição de organi-
zador da educação e de uma economia política especíca, dentre outros
atributos, contribuiu para instigar o interesse sociológico em relação ao
MST. Além disso, há outro aspecto bastante importante.
Em geral, os movimentos sociais têm ideias próprias a respeito de
como a sociedade deve organizar a educação e o trabalho. Partidos políti-
cos e sindicatos ligados aos trabalhadores, por exemplo, usualmente têm
uma visão própria sobre a educação e o trabalho e, geralmente, organi-
zam cursos, palestras etc. sobre os assuntos. O mesmo acontece com vários
outros movimentos sociais. Contudo, é raro que organizações populares
coloquem em prática suas ideias a respeito desses temas. Por conseguinte,
neste quesito, o MST apresenta uma condição diferenciada. As ações ini-
ciadas e consolidadas no transcurso de trinta e cinco anos de lutas pela RA
permitiram ao MST construir uma espécie de economia política, que abar-
ca milhares de famílias assentadas e acampadas. E, concomitantemente à
constituição dessa economia, o Movimento também construiu uma rede
de escolas próprias ou sob sua inuência.
O MST (2010)
3
informa que foram conquistadas 2.250 escolas pú-
blicas nos acampamentos e assentamentos, das quais 1.800 até a 4ª série,
400 até o ensino fundamental completo e 50 até o ensino médio. Segundo
 Não há informações mais atualizadas com esse detalhamento.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
21
o MST (2010) há 300 mil trabalhadores/as rurais estudando, entre crianças
e adolescentes. Mais de 350 mil integrantes do MST já se formaram em
cursos de alfabetização, ensino fundamental, médio, superior e cursos técni-
cos. Mais de 4 mil professores foram formados pelo Movimento e em torno
de 10 mil professores atuam nas escolas em acampamentos e assentamen-
tos. Mais de 100 mil Sem Terra foram alfabetizados, entre crianças, jovens e
adultos. Por ano, há aproximadamente 28 mil educandos e 2 mil professores
envolvidos em processos de alfabetização. Informa, ainda (MST, 2018), que
há mais de 2 mil estudantes em cursos técnicos e superiores e mais de 100
cursos de graduação em parcerias com universidades públicas em todo o
país. Isso sem contar com as inúmeras escolas itinerantes
4
.
Para atender a esse contingente de pessoas, o MST criou cursos
técnicos de nível médio e médio integrado, como Administração de Coo-
perativas, Saúde Comunitária, Agroecologia, e cursos superiores, como Pe-
dagogia da Terra, Letras, Licenciatura em Educação do Campo, Ciências
Agrárias, Agronomia, Veterinária, Direito, Geograa e História.
A quantidade de cursos e pessoas atendidas pode parecer modesta
quando comparada ao sistema educacional brasileiro. Porém, essa quanti-
dade é altamente signicativa se considerarmos que decorre das ações de
um movimento popular que organiza trabalhadores. Além disso, o interes-
se que a educação escolar do MST suscita transcende sua magnitude, pois
uma atividade educativa que se assume diferenciada em relação à pedago-
gia ocial estatal vem sendo exercitada pelo Movimento em suas escolas no
transcorrer de mais de três décadas.
O MST desenvolveu um esforço reexivo teórico-prático e criou
uma pedagogia própria, denominada Pedagogia do Movimento, que é dife-
rente daquela que predomina na escola ocial (BEZERRA, 1999; DAL RI,
2004; DAL RI; VIEITEZ, 2004, 2008). Essa pedagogia, que tem inuên-
cias teóricas de autores críticos e marxistas, tais como Lênin e os educadores
soviéticos Krupscaya, Pistrak e Makarenko (DAL RI, 2004), é decorrente,
A Escola Itinerante foi criada pelo MST para garantir o direito à educação das crianças, adolescentes, jovens
e adultos em situação de itinerância, ou seja, enquanto estão acampados lutando pela desapropriação das terras
improdutivas e implantação do assentamento. O barraco da escola itinerante é construído antes mesmo do
barraco de moradia e tem, também, a função de se converter em um centro de encontros da comunidade
acampada (MST, 2018).
Neusa Maria Dal Ri & Outros
22
principalmente, do fato de o Movimento ser um lutador político e de sua
conexão com a economia política desenvolvida nos assentamentos.
O MST possui várias áreas de atividades organicamente conecta-
das. As principais são aquelas que dizem respeito à luta pela reforma agrária
e às atividades econômicas e educacionais.
Após 35 anos de existência, e tendo provocado o interesse de dis-
tintos pesquisadores, a literatura disponível sobre o MST, sob a forma de
documentos, artigos, livros e monograas, é considerável. Os materiais
publicados abrangem varias ações e atividades desenvolvidas pelo Movi-
mento, contribuindo para desvelar este fenômeno social.
Vericamos que o MST conta com quase 3000 mil escolas e, por
meio de estudos anteriores (DAL RI, 2004, DAL RI; VIEITEZ, 2004,
2008, 2010), apuramos que devido à concepção pedagógica adotada, o
Movimento institui em suas escolas o que ele denomina de gestão demo-
crática (GD). Por outro lado, também se encontra indicado na literatura e
nos documentos do MST (2001) que a gestão democrática não é uma rea-
lidade homogênea, havendo variações importantes segundo o tipo de esco-
la, empenho dos educadores, inuência do Movimento, etc. Essa constata-
ção suscita questões, tais como: O que é gestão escolar democrática para o
MST? Qual a situação das escolas que compõem a sua rede com relação à
gestão escolar? Há diferenças com a gestão das escolas ociais? O que essas
diferenças implicam para alunos, professores e para o próprio Movimento?
Uma fonte de interessantes questões a respeito da gestão demo-
crática nas escolas do MST resulta do seguinte. Por meio dos dispositivos
legais constantes na Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases de
1996, a GD encontra-se, teoricamente, instituída no sistema escolar públi-
co brasileiro. O que diferencia as duas concepções de gestão democrática,
a ocial e a do Movimento, nas unidades escolares?
Outro exemplo assinalado pela literatura, inclusive a gerada pelo
Movimento é que há um esforço para produzir uma pedagogia voltada aos
trabalhadores do campo e, acrescentamos que em consonância com a sua
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
23
economia política
5
. Esta proposição pode parecer simples à primeira vista,
mas de fato não é, uma vez que a economia política do MST é multifaceta-
da. Há pequenos agricultores familiares estabelecidos em lotes individuais,
talvez a maioria, há graus de cooperação muito distintos articulando pro-
dutores familiares, sistemas mistos e há empreendimentos e cooperativas
baseados em propriedade coletiva de trabalhadores associados. Essas dife-
renças já foram assinaladas e comentadas em trabalhos anteriores (DAL RI,
2004, DAL RI; VIEITEZ, 2004, 2008, VIEITEZ; DAL RI, 2009), mas
ainda merecem considerações, pois as diferenciações não dizem respeito
apenas às suas características.
Entre a pequena propriedade agrária individual e a propriedade co-
letiva do trabalho associado há uma contradição, ou seja, embora a lideran-
ça política do MST eleja a organização da produção por meio do trabalho
cooperativo associado como mais adequada e mais avançada, os pequenos
proprietários parecem preferir a propriedade individual e resistem à asso-
ciação. Por conseguinte, as perguntas são muitas, já que parece conveniente
ou imprescindível conectar a educação com a economia política do MST.
Mas, com qual parte dessa economia política? Como é que o Movimento
articula ou lida com essa diferenciação e contradição? A heterogeneidade
da economia se reete na pedagogia e na gestão das escolas?
O MST é uma organização importante por sua obra política, social
e educacional e, talvez, mais importante ainda pela temática da reforma
agrária que defende. A RA de tema superado converteu-se em tema redi-
vivo, não apenas no Brasil, mas em muitos outros países. Isso não ocorre
simplesmente por causa do MST ou de outras organizações congêneres
6
,
mas porque uma parte signicativa dos trabalhadores não se conformou
com a implantação do chamado modelo da revolução verde e com o agro-
negócio, elaborando outras ideias a respeito de como se deve organizar o
trabalho e a educação no campo.
Um dos princípios pedagógicos da educação do Movimento é a estreita ligação entre ensino e trabalho
produtivo. Há o esforço de aplicação do trabalho como princípio educativo.
A criação, em 1992, da Via Campesina em âmbito internacional é um dos indicadores de que a problemática
da reforma agrária continua presente em várias nações.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
24
Em uma entrevista concedida à Revista Caros Amigos, João Pedro
Stédile (2009, p.2), membro da Coordenação Nacional do MST, armou:
Hoy, la mayor parte de nuestras riquezas, producción y distribución de
mercancías agrícolas está bajo control de las empresas transnacionales.
Ellas se aliaron con los hacendados capitalistas y produjeron el
modelo de explotación del agro-negocio. Muchos de sus portavoces se
apresuraron a preanunciar en las columnas de los grandes periódicos de
la burguesía que el MST se acabaría. Equívoco engaño. La hegemonía
del capital nanciero y de las transnacionales sobre la agricultura, no
consiguió, felizmente, acabar con el MST. Por un solo motivo: el agro-
negocio no presenta solución alguna para los problemas de los millones
de pobres que viven en el medio rural. Y el MST es la expresión de la
voluntad de liberación de esos pobres.
Segundo Stédile (2009), a constatação dessa nova realidade teria
conduzido o MST ao reposicionamento de seus objetivos e métodos de
luta. Para Stédile (2009, p. 2), a luta pela RA que antes estava baseada na
ocupação de terras dos latifúndios, agora se torna mais complexa, pois é
uma luta também contra a dominação das empresas transnacionais. Para
combater a pobreza, a desigualdade e a concentração de terras há necessi-
dade de não apenas mudar a propriedade da terra, mas, também, de mudar
o modelo de produção. Desse modo, os trabalhadores do campo depende-
rão cada vez mais de alianças com os trabalhadores da cidade para avançar
em suas conquistas.
De acordo com Lao e Feldmann (2009, p. 1-2), que acompanha-
ram uma conferência proferida por Stédile na Pontifícia Universidade Ca-
tólica de São Paulo (PUC), denominada Desaos dos trabalhadores frente à
crise, o economista referiu-se ao projeto popular no qual o MST trabalha. A
base das considerações de Stédile (LAO; FELDMANN, 2009, p. 1-2) foi
a nova situação do campo brasileiro. Para ele, o capitalismo se transformou
e dicultou a luta pela terra. Os latifúndios não são mais os únicos proble-
mas no campo. Fruto das aplicações das políticas neoliberais, as grandes
empresas transnacionais deram um novo rumo às transformações agríco-
las brasileiras, aprofundando e agravando o modelo rural. Essas empresas,
sob o controle nanceiro, impõem o agronegócio e o monocultivo como
modelos, ocupando amplas extensões de terra e usando amplamente os
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
25
agrotóxicos que provocam um grave desequilíbrio e desgaste na biodiver-
sidade. Além disso, se transformaram em donas da produção, controlando
o comércio e as sementes.
Foi contra essa conjuntura desfavorável aos trabalhadores do cam-
po que o MST propôs a reforma agrária popular. Stédile (2009) esclarece
que nessa nova concepção da luta, a reforma agrária não pode mais ser feita
apenas pelos Sem Terra. Seria necessário incorporar à luta novos sujeitos
sociais, como os trabalhadores da cidade, os assalariados, as centrais sindi-
cais e os partidos de esquerda.
Segundo Lao e Feldmann (2009, p. 2), Stédile comentou uma série
de pontos referentes à reforma agrária popular, começando pela desapropria-
ção e distribuição das grandes propriedades de terra, estabelecendo como
limite uma extensão de 1.500 hectares. Nelas a pequena agroindústria seria
propriedade dos trabalhadores, e enfatizou a necessidade de se introduzir as
cooperativas, adotando um desenvolvimento tecnológico com uma forma
sustentável e coletiva, preservando as sementes como um patrimônio. Ar-
mou, ainda, que seria necessário mudar a atual matriz das técnicas de produ-
ção do agronegócio pela da agroecologia, ou seja, um conjunto de técnicas
com o qual se pode produzir sem afetar o meio ambiente.
A Reforma Agrária Popular (RAP) integrou o Programa Agrário
que foi aprovado no VI Congresso Nacional do MST realizado em feve-
reiro de 2014.
Segundo o MST (2013, p. 11-12), em publicação do Programa
Agrário preparatória para o Congresso, o agronegócio passou a ter uma ex-
pressiva função econômica no modelo do capital nanceiro, ou seja, gerar
saldos comerciais para ampliar as reservas cambiais, condição essencial para
atrair os capitais especulativos para o Brasil. O agronegócio, em seu processo
de avanço, passou a proteger as terras improdutivas para futura expansão dos
seus negócios, travando a obtenção de terras para a reforma agrária.
Ainda, segundo o MST (2013, p. 13), nos últimos 15 anos, houve,
no Brasil, um processo acelerado da concentração da propriedade da terra.
O índice que mede a concentração da propriedade da terra continua cres-
cendo. O índice de Gini em 2006 era de 0,854, um índice maior do que
Neusa Maria Dal Ri & Outros
26
o registrado em 1920, quando o país recém havia saído da escravidão. Nas
estatísticas do cadastro de imóveis rurais do INCRA observa-se que, entre
2003 e 2010, as grandes propriedades passaram de 95 mil unidades para
127 mil unidades, e a área controlada por elas passou de 182 milhões de
hectares para 265 milhões de hectares.
Destaca ainda que
No modelo do agronegócio está contemplada uma parceria ideológica
de classe entre os grandes proprietários da terra e os empresários dos
meios de comunicação da burguesia, em especial televisão, revistas e
jornais, que fazem a defesa e a propaganda permanente das empresas
capitalistas no campo como único projeto possível, moderno e
insubstituível. (MST, 2013, p. 15)
O agronegócio teve um rápido crescimento, com apoio nanceiro
dos governos e ideológico das mídias. Após análise dessa situação, o Mo-
vimento (2013) concluiu que o novo modelo de desenvolvimento, deno-
minado de agronegócio, mudou as correlações de força no campo, e que
não havia mais espaço para a implantação da reforma agrária clássica. Isso
signica que a luta pela terra e pela reforma agrária mudou de natureza
frente ao modelo de desenvolvimento econômico vigente no país.
Diante da mudança da natureza da luta e da conjuntura adversa
aos trabalhadores do campo, o MST (2013, p. 32) elencou quatro no-
vas posturas necessárias aos movimentos sociais: a) defesa de “um novo
projeto de reforma agrária, que seja popular”; b) construção de alianças
entre todos os movimentos camponeses, com a classe trabalhadora ur-
bana e com outros setores sociais interessados em mudanças estruturais,
de caráter popular”; c) inserção da luta contra o modelo do capital, como
um novo estágio da luta, com desaos mais elevados e complexos; d) en-
frentamentos com o capital e seu modelo de agricultura, com disputas das
terras e do território, incluindo as disputas sobre o controle das sementes,
da agroindústria, da tecnologia, dos bens da natureza, da biodiversidade,
das águas e das orestas.
A nova natureza da luta pela reforma agrária colocou novos desa-
os ao MST, dentre eles, a implantação da agroecologia. A agroecologia
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
27
é entendida pelo Movimento como um dos pontos bases que integram
uma nova matriz tecnológica necessária para mudar o modo de produzir
e distribuir a riqueza no campo. Também faz parte dessa nova matriz a
educação no e do campo.
Mas, em uma organização com o tamanho e complexidade do
MST, uma alteração importante como essa, que envolve uma nova abor-
dagem com objetivos e métodos, necessita de um tempo mais ou menos
longo de maturação. O importante a ser enfatizado é que o MST reali-
zou uma exão em suas concepções e práticas. Isto suscita uma série de
indagações. A organização do Movimento foi modicada diante da sua
identidade anterior? A sua política educacional e econômica permaneceu
a mesma ou houve mudanças importantes? A nova ênfase na cooperação
signica que o MST abandonou a velha ideia da reforma agrária clássica
como distribuição individual de lotes?
Em resumo, se a RAP tiver entrando em uma nova fase é de se
esperar que isso inuencie a política educacional, a economia política e
o próprio Movimento enquanto organização. Detectar as possíveis mu-
danças na educação, teóricas e práticas, é uma das contribuições que esta
pesquisa se propôs a oferecer, além de uma atualização dos conhecimentos
sobre o MST.
As pesquisas disponíveis sobre o MST são diversicadas relativa-
mente abundantes e de boa confecção, como já armamos. No entanto,
apresenta a característica de ser relativamente restritiva pelo fato de que,
em geral, o objeto de estudo MST encontra-se assaz recortado ou fracio-
nado nas análises. Desse modo, há carência de estudos que ofereçam uma
visão integrativa do Movimento.
Em contraposição a esse panorama literário, esta pesquisa propôs-se
a gerar uma contribuição aos estudos já realizados buscando produzir uma
visão mais integrada do objeto. Neste caso, tratamos de realizar um estudo
totalizador do que denominamos a pedagogia e o sistema escolar do MST.
Nessa perspectiva, isso signicou desvelar as leis sociais que estruturam e
presidem o desenvolvimento da educação escolar no MST. Por outro lado,
signicou, também, colocar a educação em conexão com duas de suas
Neusa Maria Dal Ri & Outros
28
determinantes orgânicas estratégicas, o Movimento enquanto educador
coletivo e sua economia. Mantendo-nos nessa linha de abordagem, esta
pesquisa ainda acresceu uma contribuição de atualização ao estudo da
educação e do trabalho do MST.
1. objEtivos, quEstõEs invEstigativas E hiPótEsEs dE trabalho
Como já enunciado, a pesquisa foi desenvolvida por uma equipe de
pesquisadores e pesquisadoras durante os anos de 2013 a 2015 e o projeto
era denominado de Concepções teórico-práticas de educação e trabalho no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O objetivo geral da pesquisa foi investigar o sistema escolar e a peda-
gogia do MST, segundo uma perspectiva de totalidade do Movimento, ou
seja, política, econômica e educacional, desvelando as leis tendenciais que
estruturam e presidem o desenvolvimento da sua educação. Além do ob-
jetivo geral, buscamos alcançar, com a realização desta pesquisa, objetivos
especícos, tais como: a) identicar e analisar as tendências de desenvol-
vimento político-econômico-educacional do MST e suas diferentes fases;
b) vericar nas tendências de desenvolvimento do MST se há articulação
entre o movimento político, a organização da economia e a educação; c)
vericar como o MST organiza o trabalho nos assentamentos; d) analisar
a reforma agrária popular e compreender o seu signicado na trajetória do
Movimento; e) mapear o sistema escolar do MST, diferenciando os tipos,
estruturas e funcionamento das escolas; f) vericar como o MST organiza
o trabalho pedagógico e a gestão democrática nas escolas do ensino infantil
aos cursos de nível superior; g) examinar o processo de auto-organização
dos alunos na escola e a organização dos Sem Terrinha, o movimento po-
lítico das crianças; h) vericar a ligação entre o ensino e o trabalho produ-
tivo nas escolas; i) vericar as estruturas e dinâmicas de poder, bem como
o nível de participação das comunidades escolar e externa nas escolas; j)
averiguar se e como ocorre a formação de professores no MST; l) exami-
nar como se concretiza a política de gênero do MST: relações de gênero
na escola, na família e na política; m) vericar a implantação da política
agroecológica nos assentamentos e escolas do Movimento; n) desvelar o
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
29
que o Movimento entende por socialismo, constatado em alguns de seus
documentos.
Dados os limites deste texto, não apresentaremos o rol de questões
investigativas que procuramos elucidar, que é longo e complexo. Apenas
indicamos que compuseram esse rol questões acerca da composição da rede
escolar do MST, do estatuto de cada estabelecimento; das diretrizes peda-
gógicas disseminadas em seus documentos; do vínculo entre o ensino e o
trabalho produtivo nas escolas; da articulação entre as proposições políti-
cas, econômicas e educacionais; do signicado da denominada nova refor-
ma agrária popular (RAP) e se a RAP modica as bases da pedagogia do
MST; da formação de seus educadores, da organização e funcionamento
das escolas e gestão democrática; da auto-organização dos alunos na escola;
do desenvolvimento da agroecologia e sustentabilidade; da aplicação das
políticas de gênero, dentre outras.
Para que o leitor possa mais bem compreender o desenvolvimento
da pesquisa, apresentamos a seguir algumas hipóteses investigativas que
orientaram nossa investigação.
Do nosso ponto de vista, e da equipe executora, a rede escolar do
MST é composta por escolas próprias e escolas púbicas nas quais ele tem a
hegemonia e aplica o seu Projeto Político Pedagógico (PPP) na íntegra, e
por escolas públicas nas quais tem inuência; nesse caso, luta para implan-
tar a sua pedagogia.
A educação é a dimensão mais avançada do projeto do MST, pois
busca: 1) implantar formas de gestão democrática e participação direta; 2)
formar para o trabalho autônomo e coletivo, proporcionando um vínculo
entre o ensino e o trabalho produtivo; 3) ser unitária; 4) defender a auto-
nomia dos povos; 5) formar uma cultura ecológica voltada para a sustenta-
bilidade e uma relação construtiva com a natureza; 6) disseminar valores e
práticas de igualdade de gênero.
O fato de a base social do Movimento ter se modicado com a
criação dos assentamentos pode estar afetando a política educacional
do MST. Diferentemente dos acampamentos, os assentamentos orga-
nizados ou não em forma de cooperativas demandam um tipo de pro-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
30
dução e de preparação técnico-político dos Sem Terra diferenciada. O
grande avanço do agronegócio no campo tem levado à supressão dos
pequenos proprietários. Dessa forma, se os assentamentos e as coope-
rativas não tiverem um aumento considerável da produção, tornam-se
inviáveis. Os produtores, em especial os associados em cooperativas,
precisam competir no mercado capitalista para a realização da troca,
ou seja, produzem valores de troca. A luta pela sobrevivência diante do
agronegócio, isto é, a viabilidade dos assentamentos e cooperativas, na
atualidade, pode estar exercendo uma pressão econômica que incide
diretamente no tipo de ensino técnico-prossionalizante mantido pelo
Movimento, com uma maior ênfase nos valores mercantis e nas ques-
tões relativas aos índices de produtividade.
Apesar da heterogeneidade das formas econômicas vericadas nos
assentamentos e cooperativas, o MST mantém e tenta aplicar uma propos-
ta unitária de ensino e de pedagogia.
A teoria e a prática educativas do MST têm quatro objetivos bási-
cos: 1) propiciar aos associados uma formação nas habilidades especícas
inerentes à sociedade moderna industrial, notadamente à tecnologia e às
ciências; 2) ministrar uma formação especíca na denominada questão so-
cial, colocando em evidência os trabalhadores e notadamente os campone-
ses visando sua emancipação social, política e cultural; 3) formar militantes
para o Movimento; 4) lançar um novo conceito de relacionamento com
a natureza com base na agroecologia e na produção sustentável; 5) disse-
minar valores, habilidades, conhecimentos e categorias sociais relativas à
cooperação e ao trabalho associado com o propósito de generalizar a coo-
peração no âmbito da compósita economia política do MST.
O novo conceito de RAP signica a atribuição de um papel às coo-
perativas e ao trabalho coletivo, à tecnologia, à agroecologia e à produtivi-
dade bem mais importante do que eles tinham no Programa anterior.
Há diculdades e resistência dos professores da rede ocial em apli-
carem as diretrizes pedagógicas do MST, bem como de se adaptarem aos
propósitos pedagógicos do Movimento. Desse modo, o MST desenvolveu
uma política própria de formação de professores que corrobora seu projeto
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
31
educativo, visto num contexto muito mais amplo. Por ser parte também
de seu projeto político, a dimensão da formação de professores sob a égide
dos ideais emancipatórios do Movimento está colocada como uma forma
de qualicar politicamente a escola.
A questão de gênero foi introduzida pela ação das mulheres e
reconhecida tardiamente pelo MST. Há indícios de que, não obstante
estar hoje reconhecida como questão crucial pelas instâncias diretivas
do Movimento avança, na prática, com diculdades dado o arraigado
patriarcalismo e machismo vigente no meio rural, bem como na so-
ciedade em geral. O Movimento incentiva as mulheres a participarem
ativamente de todos os assuntos que envolvam o coletivo, incentivan-
do inclusive que essas atuem como lideranças políticas. O avanço das
políticas de gênero no MST parece signicar o reconhecimento de que
a transformação do status tradicional da mulher é imprescindível para
o avanço das políticas democráticas e de igualdade. Portanto, embora
com diculdades, nossa hipótese é a de que as mulheres participam de
forma política e econômica para construção e sustentação do Movi-
mento, participando de toda e qualquer manifestação em prol das lutas
das quais fazem parte. Não são telespectadoras da história, mas sim
sujeitos que contribuem no dia-a-dia para a construção desta história,
para relações de gênero igualitárias. Há ações e conteúdos explícitos
trabalhados nas escolas acerca das questões de gênero.
A pedagogia do MST esta orientada segundo o seu projeto social.
O MST luta pela reforma agrária e amiúde se refere à necessidade de
trabalhar em prol de uma sociedade socialista. Tudo indica que, salvo
por referências genéricas, o ideário socialista no MST não se encontra
claramente denido. Defendemos a hipótese de que, no momento atual, o
MST se situa basicamente na tradição republicana democrática, fraternal e
radical - não liberal -, advinda da ala popular que emergiu historicamente
na primeira fase da Revolução Francesa, expressa no célebre sintagma
liberdade, igualdade e fraternidade, acrescida de elementos de natureza
micro-política que apontam para o socialismo.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
32
2. ProcEdimEntos dE colEta dE dados E dEscrição da amostra
sElEcionada
a. PrEssuPostos tEórico-mEtodológicos
De acordo com a perspectiva teórica adotada, a pesquisa centrou
seu foco no mapeamento, na organização e nas relações de trabalho peda-
gógicas nas escolas do MST, componentes primordiais da gestão. Contu-
do, como desse pressuposto teórico faz parte a ideia de que na denição
dos padrões de organização da escola incidem igualmente os fatores exter-
nos ao lócus das unidades escolares, como a economia e a política do Movi-
mento, além daqueles mais gerais da sociedade, tais como o conito social,
as políticas públicas, a produção cientíca e tecnológica, a inuência da
política externa, etc., a pesquisa ateve-se a: 1) políticas públicas do Estado
para a educação do campo; 2) políticas públicas para geração de emprego
e renda e para a reforma agrária; 3) legislação educacional; 4) desenvolvi-
mentos cientícos e tecnológicos; 5) leis para o cooperativismo e traba-
lhistas; 6) mercado de trabalho; 7) organização autônoma de professores
e estudantes; 8) formação docente; 9) políticas para igualdade de gênero.
A investigação foi operacionalizada a partir de seis eixos temáticos
considerados estratégicos para o entendimento das leis de funcionamento
e tendências de desenvolvimento do sistema escolar do MST e sua ligação
com a economia política.
1) Programa de Reforma Agrária Popular, diretrizes políticas e
educacionais, e escola de formação política (ENFF);
2) Relações de produção pedagógicas e gestão democrática na
escola;
3) Educação prossional agroecológica, agroecologia e
sustentabilidade;
4) Gênero e educação;
5) Formação de professores;
6) Sem Terrinha e educação infantil.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
33
b. ProcEdimEntos
b.1. dElinEamEnto da PEsquisa E sElEção da amostra
O projeto de pesquisa foi desenvolvido por uma equipe de pesqui-
sadores constituída por professores doutores, pós-graduandos e alunos de
graduação membros do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia,
com sede na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Fi-
losoa e Ciências, Campus de Marília. A maioria dos docentes e pós-gra-
duandos integrantes do projeto e membros do Grupo tem ligação com o
Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma Faculdade. A equipe
integrou, ainda, dois docentes de outras Unidades da UNESP, dois docen-
tes da Unicamp e uma docente da UNOESTE. Uma docente da UNESP,
Campus de Marília, responsável pelo projeto perante o CNPq, coordenou
a pesquisa. Cada um dos eixos discriminados foi coordenado por um do-
cente com titulação de doutor. Cada coordenador/a de eixo contou com
uma equipe de trabalho formada por docentes, pós-graduandos e graduan-
dos. Participaram da equipe pesquisadores especialistas nas questões de
gênero, formação docente, agroecologia, gestão educacional e educação,
trabalho e movimentos sociais.
A coleta de dados empíricos foi dividida em duas etapas: 1) en-
trevistas com dirigentes e estudiosos do MST; 2) levantamento de dados
empíricos nas escolas, assentamentos e cooperativas do MST.
b.2. técnicas dE colEta dE dados
A investigação apoiou-se em documentação e bibliograa, nacional
e internacional. Portanto, as tarefas de compilação, organização e exegese
desses materiais tiveram um papel fundamental.
A pesquisa bibliográca foi realizada com levantamento, seleção,
leitura e sistematização dos dados coletados em livros, periódicos cien-
tícos, boletins cientícos, dissertações e teses referentes ao tema inves-
tigado. Foram importantes, sobretudo, as publicações que socializaram
resultados de estudos empíricos, bem como os estudos realizados sobre o
MST e sua educação.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
34
A pesquisa documental foi realizada com levantamento, consultas,
coleta e leitura de documentos tais como: legislações; documentos ociais
do Ministério da Educação e do Ministério de Trabalho e Emprego e de
outros órgãos ociais geradores e implementadores de políticas públicas
para o campo; estatutos das escolas; regimentos escolares; projetos políti-
co-pedagógicos das escolas; jornais do MST e dos Sem Terrinha, revista do
Sem Terrinha etc., publicados pelas escolas e pelo MST.
Utilizamos a entrevista semi-estruturada que combina perguntas
abertas e fechadas, como principal instrumento para a coleta de dados
empíricos. No contato direto, ou por videoconferência no caso de alguns
dirigentes e intelectuais estudiosos do MST, explicamos e discutimos com
os informantes os objetivos da pesquisa e da entrevista e respondemos às
dúvidas dos entrevistados. Foram entrevistados dirigentes e acadêmicos
estudiosos do MST (etapa 1), membros dos órgãos de gestão escolar, diri-
gentes das escolas, professores, alunos, pais e membros das comunidades
dos assentamentos e associados às cooperativas (etapa 2).
Para alcançar a captação mais precisa do objeto estudado, utiliza-
mos a técnica da observação sistemática. Para tanto foi estabelecido um
conjunto de categorias denido de acordo com os objetivos e hipóteses da
pesquisa.
As observações foram realizadas nas escolas e nos assentamentos
constantes da amostra.
b.3. EntrEvistas com dirigEntEs E Estudiosos do mst
Foram realizadas sete entrevistas com membros e intelectuais estu-
diosos do MST, a saber: Fábio Accardo; Alexandro Santos Marinao; Maria
Orlanda Pinasi; Bernardo Mançano Fernandes; Farid Eid; Antonio Tomaz
Junior; e Kelly Monfort.
Fábio Accardo de Freitas é militante do MST e integra o Setor
de Educação Infantil e Ciranda
7
. A entrevista foi realizada em 19 de
março de 2013.
 Ciranda é a denominação da educação infantil organizada pelo MST.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
35
Fábio trabalha com a educação infantil no assentamento Elizabeth
Teixeira, localizado em Limeira, e contribui com as Cirandas Infantis do
MST nos encontros nacionais, estaduais e regionais. No momento da en-
trevista estava fazendo mestrado na Faculdade de Educação da Unicamp
para estudar a educação infantil do MST e sua possível relação com a
educação popular.
Alexandro Santos Mariano é militante do MST e a entrevista foi
realizada no dia 20 de outubro de 2013. O entrevistado iniciou a fala rea-
lizando uma breve apresentação sobre a temática. Armou ser do Setor de
Educação do MST do Paraná, coordenador de escolas de acampamentos e
escolas itinerantes desde 2003 e participante da organização da Ciranda do
MST, cursou Pedagogia na Unioeste e realizou Curso de Especialização so-
bre escolas do campo na Federal de Santa Catarina, buscando se qualicar
para o trabalho no MST.
A entrevista com Alexandro foi importante para a compreensão,
em especial, das diretrizes político-pedagógicas e da organização da educa-
ção infantil no MST.
A entrevista com Maria Orlanda Pinasi foi realizada em 20 de junho
de 2013. A professora Maria Orlanda é livre-docente da UNESP, Campus
de Araraquara, e estuda o MST há muito anos, em especial a questão de
gênero. A docente fez explanações sobre a reforma agrária, as diculdades
das cooperativas de produção agropecuária, a educação e questão de gênero.
A entrevista com Bernardo Mançano Fernandes foi realizada no
dia 17 de janeiro de 2014. Fernandes é professor livre-docente da UNESP,
Campus de Presidente Prudente, e trabalha há muitos anos com o MST.
O professor relatou que começou a trabalhar com o MST em 1978, antes
mesmo de o Movimento ser criado, pois participava da Pastoral da Juven-
tude, e acompanhava a Comissão Pastoral da Terra. Entre 1978 e 1987, o
professor Fernandes acompanhou o movimento que antecedeu a criação do
MST e passou a segui-lo por várias partes do Brasil, acompanhando suas
ações, como uma pessoa interessada na questão agrária. Cursou graduação
em Geograa, com início 1982, e passou a estudar o MST com trabalho
de iniciação cientíca. Em 1987 integrou o Setor de Educação do MST.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
36
Em 1998, o MST realizou o primeiro Encontro Nacional de Educadores
e Educadoras da Reforma Agrária (I ENERA) com participação de vários
organismos, inclusive internacionais. Nesse Encontro surgiu a proposta de
criação do PRONERA. Desde a criação do PRONERA, o docente é mem-
bro do seu Conselho Pedagógico Nacional. O professor ainda explanou
sobre vários cursos criados na UNESP e em outras universidades voltados
ao atendimento dos Sem Terra. A entrevista com o professor Bernardo foi
importante, pois ele possui amplo conhecimento sobre o processo de re-
forma agrária, da educação do MST, políticas públicas para os Sem Terra,
e desenvolveu o conceito de territorialização do Movimento.
Farid Eid é professor da Universidade Federal do Pará e a entrevista
foi realizada em 17 de outubro de 2013. O docente relatou que a sua
relação com o MST se iniciou no nal de 1995, enquanto professor do
Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar), e se deu por meio da realização de um Curso de
Especialização, com a disciplina de Organização do Trabalho e Novas
Tecnologias. Nesse curso estava presente, como aluno, o Secretário de
Formação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG), Adalberto Martins. Por meio dele, surgiu a demanda pela
elaboração de um diagnóstico sobre a organização das cooperativas do
MST, com temas como as relações com o mercado, conitos internos
etc. A pesquisa envolveu diversos estados e no primeiro semestre de 1996
foram realizadas visitas sistemáticas a cooperativas e assentamentos do
MST. O professor Farid relatou, ainda, que de 2000 até o momento da
entrevista tinha realizado vários projetos conjuntos com o MST, como, por
exemplo, com a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do
Brasil (CONCRAB), com metodologia participativa e pesquisa-ação, com
o objetivo de desenvolver estratégias de marketing para comercialização.
Participou da elaboração do curso de agronomia na UFSCar com ênfase
na agroecologia, nanciado pelo PRONERA, com participação do MST
e outras entidades, no período de 2008-2010. Também participou como
docente, da quarta turma do Curso Técnico em Gestão de Cooperativas
(2009-2010) realizado pelo MST de Laranjeiras do Sul, Paraná, e a
Cooperativa de Mondragón da Espanha; do projeto com o MST de
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
37
Pernambuco, cadeia produtiva do semi-árido; do projeto com o MST
de São Paulo, cadeia produtiva frutífera/hortaliças. No estado do Pará
estabeleceu parceria com o MST de Irituia, com nanciamento proveniente
da Espanha; com o Instituto Federal do Paraná, no curso de graduação
regular em educação do campo e do Projovem Saberes da Terra. No estado
do Maranhão, participou do trabalho realizado pelo MST em parceria
com Universidade Federal do Maranhão nos projetos para construção de
pequenas cadeiras produtivas solidárias e autogestionárias, dentre outros.
A entrevista com o professor acresceu várias informações, sobretudo, para
a obtenção de dados acerca das cadeias produtivas e das políticas públicas
voltadas para a educação no campo, e os cursos de nível prossionalizante
e superior.
Antonio Tomaz Junior, estudioso do MST, concedeu entrevista
em 21 de novembro de 2013. O professor Tomáz é livre-docente da
UNESP, Campus de Presidente Prudente, e trabalha no Departamento
de Geograa. No período de 2006 a 2011 o docente coordenou o
Curso Especial de Graduação em Geograa (CEGeo), com convênio do
INCRA-PRONERA, Escola Nacional Florestan Fernandes do MST e
UNESP. No momento da entrevista coordenava o Curso de Especialização
Desenvolvimento Territorial, Trabalho, Educação do Campo e Saberes
Agroecológicos, com convênio CNPq /PRONERA, e coordenava o
projeto temático, nanciado pela FAPESP, Mapeamento e análise do
território do agrohidronegócio canavieiro no Pontal do Paranapanema,
São Paulo, Brasil: relações de trabalho, conitos e formas de uso da terra
e da água, e a saúde ambiental, com vigência de 2013-2018. O professor
narrou que seus estudos se iniciaram nos anos 2000, com a temática
dos bóias-frias e depois evoluiu para o tema de estudo dos Sem Terra.
Em sua entrevista, o pesquisador abordou as políticas públicas para os
assentamentos, sobretudo, as linhas de crédito do Banco Nacional de
Desenvolvimento (BNDES) para as cooperativas. Abordou, também,
as diculdades do MST e das cooperativas, no sentido de conseguirem
sobreviver diante do agronegócio. Explanou sobre a educação, em especial
acerca dos cursos desenvolvidos por meio de convênios com o PRONERA
e INCRA. Armou que os desaos colocados para o Movimento são cada
Neusa Maria Dal Ri & Outros
38
vez maiores, até porque alguns militantes também fazem parte do governo,
trabalhando no INCRA.
Kelly Monfort é membro da Direção Nacional do MST e a entre-
vista foi realizada em 20 de novembro 2014. Kelly graduou-se em Peda-
gogia na Faculdade de Filosoa e Ciências, UNESP, Campus de Marília.
Após o término do curso ingressou como militante no MST. No momento
da entrevista cursava mestrado em Ciências Sociais na UNESP, Campus de
Araraquara. Na entrevista a dirigente ressaltou questões e desaos coloca-
dos ao MST na atualidade, sobretudo, o enfrentamento com o agronegó-
cio. Enfatizou as discussões realizadas no VI Congresso do MST, ocorrido
em fevereiro de 2014, o Programa do Congresso que apresenta um texto
importante para a Reforma Agrária Popular, e a meta do Movimento na
atualidade. Ainda acrescentou relevantes informações acerca da educação e
do Setor de Gênero do MST.
As entrevistas realizadas com dirigentes e estudiosos do MST foram
produtivas e informativas. As falas dos diferentes militantes foram sintoni-
zadas e ressaltaram três questões: os desaos da atualidade com a expansão
do agronegócio e dos conitos no campo; a reforma agrária popular; e a
importância da educação, em todos os níveis de escolaridade, para o de-
senvolvimento do MST. O mesmo não ocorreu com as falas dos estudiosos
do MST. Os pontos de vista e análises emitidas pelos entrevistados foram
bastante diferentes e, em alguns pontos, divergentes. De qualquer forma,
trouxeram um rol de reexões que foi útil para a pesquisa, com o levanta-
mento de novas questões e de informações relevantes para a pesquisa nas
escolas, assentamentos e cooperativas.
b.4. lEvantamEnto dE dados nas Escolas, assEntamEntos E
cooPErativas do mst.
Para a escolha das escolas que compuseram a amostra da pesquisa
utilizamos o critério de determinação de segmento-padrão, isto é, aquelas
escolas que de acordo com a literatura, experiência anterior dos pesquisa-
dores/as e avaliação do próprio MST, mais bem representam a implanta-
ção do projeto político pedagógico e da Pedagogia do Movimento. Privi-
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
39
legiamos as escolas que estavam ligadas a assentamentos e cooperativas do
MST, bem como as principais escolas de agroecologia situadas no Estado
no Paraná. Para garantirmos uma representação do total do sistema educa-
cional do MST, a amostra foi composta por escolas de educação infantil,
de ensino fundamental, de ensino médio e médio integrado, prossionali-
zante pós-médio e escola de formação que possui cursos de ensino superior.
Demos preferência, sempre que possível, às escolas localizadas no sudeste
e sul do país, primeiro, por uma questão de acesso e, segundo, porque as
escolas mais importantes do Movimento cam nessas regiões.
A Escola de Ensino Fundamental e Médio Florestan Fernandes,
localizada no assentamento Santana, no município de Monsenhor Tabosa,
Região dos Inhamuns, Ceará, constou na amostra inicial. No entanto, não
houve possibilidade de realização da coleta de dados empíricos nessa esco-
la, pois os custos para a ida dos pesquisadores eram muito altos, e os re-
cursos disponíveis não foram sucientes. A escola foi substituída por duas
outras. A primeira localizada na Agrovila V, do Assentamento Pirituba II,
município de Itaberá, São Paulo. Houve interesse nesse assentamento, pois
ele possui a Escola Estadual de Agroecologia Laudenor de Souza e uma
Cooperativa. A segunda selecionada como substituta foi a Escola Itineran-
te Maria Aparecida Rosignol Franciosi (Escola Cidinha) de ensino infantil,
fundamental e médio, localizada no Assentamento Eli Vive, no Distrito
Lerrovile, Londrina, Paraná.
Além disso, juntamente com a coleta de dados realizada na Escola
Latino Americana de Agroecologia (ELLA), localizada no Assentamento
Contestado, Lapa, Paraná, foram também coletados dados sobre a Escola
Municipal do Campo Contestado e o Colégio Estadual do Campo Con-
testado, localizados no mesmo Assentamento. Desse modo, tivemos um
acréscimo ao total de escolas da amostra inicial.
A seguir descrevemos as escolas e a coleta de dados empíricos com
aplicação de entrevistas e realização de observações.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
40
1. Escola nacional florEstan fErnandEs
A Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) foi inaugurada
em janeiro de 2005 pelo MST, no município de Guararema, São Paulo.
Suas instalações ocupam uma área de 30 mil metros quadrados e incluem
três salas de aula, com capacidade total para 200 pessoas, um auditório,
dois anteatros e uma biblioteca com mais de 40 mil obras. A Escola
conta ainda com quatro blocos de alojamento, ciranda infantil, quadra
multiuso, lavanderia, espaço de vivência, refeitório central, estação de
tratamento de esgoto, além de área reservada para o cultivo de gêneros
alimentícios consumido pela Escola. Quarenta e dois trabalhadores/as
residem no local e se dedicam integralmente à manutenção e funcio-
namento da ENFF, contando com casas para suas famílias. Além disso,
os alunos e professores que cam na Escola por determinados períodos
auxiliam na sua gestão e manutenção.
A ENFF é um Centro de Educação e Formação que oferece dife-
rentes tipos de cursos de nível superior, de especialização, de formação etc.,
em geral em convênios com mais de quarenta universidades e, também,
mestrado sobre Questão Agrária, por meio de convênio com a UNESP e
a UNESCO.
Foram realizadas duas visitas à ENFF no ano de 2014. No entanto,
em nenhuma delas foi possível realizar as entrevistas que estavam mar-
cadas. Na primeira vez estavam marcadas entrevistas com o coordenador
pedagógico e alunos. Mas houve uma mudança no cronograma do curso e
os alunos não estavam na escola. A segunda foi marcada com dirigentes do
MST. Da mesma forma, quando os pesquisadores lá chegaram, os dirigen-
tes não estavam. Nessas oportunidades os pesquisadores puderam realizar
algumas observações na escola.
A terceira visita foi realizada nos dias 04 e 05 de fevereiro de
2015. Foram entrevistadas uma ex-aluna e assessora de cursos da ENFF,
e Djacira Maria de Oliveira Araújo membro do Coletivo Político
Pedagógico da ENFF.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
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2. instituto dE Educação josué dE castro
O Instituto de Educação Josué de Castro (IEJC) está localizado no
município de Veranópolis, Rio Grande do Sul. A visita e coleta de dados
empíricos ocorreram no período de 09 a 12 de dezembro de 2014. Foram
entrevistados Daniel Pereira, responsável nacional pelos cursos ligados ao
setor de produção do MST, acompanhante do Curso Técnico em Coope-
rativismo e professor, e Diana Daros, diretora do IEJC.
Ocorreram diculdades para marcar a visita ao IEJC por causa
do cronograma de atividades da escola e dos pesquisadores. Infelizmente,
quando a visita foi possível, os alunos não se encontravam no tempo esco-
la. Mas, dada a larga experiência dos entrevistados na direção da escola e
na coordenação dos cursos do MST, os dados coletados foram importantes
para a pesquisa.
O IEJC é uma escola de formação do MST, a mais antiga, com-
prometida com o projeto educacional do Movimento. O IEJC começou
a funcionar em janeiro de 1995, juntamente com o Instituto Técnico de
Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA), mantenedor do
IEJC até 2008, no prédio do seminário cedido pela Ordem dos Frades
Menores Franciscanos (Capuchinhos). O IEJC é uma escola com cursos de
nível médio prossionalizante, de educação prossional e de formação de
professores em nível superior. Inicialmente, mantinha o Curso de Forma-
ção de Professores de 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental, porém, outros
cursos foram criados a partir de demandas do MST, tais como o Técnico
em Administração de Cooperativas, Técnico em Saúde, etc.
O IEJC foi investigado neste trabalho principalmente por ter curso
especíco para formação de professores do MST, um dos eixos do projeto.
No ano de 2002, os pesquisadores Neusa M. Dal Ri e Candido G. Vieitez
realizaram pesquisa nessa escola. Desse modo, os dados foram também
cotejados para obter uma visão do desenvolvimento da escola.
As dependências do IEJC estão divididas em três amplas salas de
aula, cinco salas de estudo, dez salas para coordenação, nove salas para os
núcleos de base dos educandos, uma biblioteca, uma sala de computação,
uma sala de datilograa, uma sala para leitura, um salão para atos, uma
Neusa Maria Dal Ri & Outros
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sala para jogos, uma sala para sistema de som, rádio experimental e xerox,
uma secretaria, um refeitório, vinte e sete dormitórios, trinta banheiros,
uma cozinha, uma copa, uma portaria, uma lavanderia, um mercadinho,
uma panicadora, um laticínio e uma agroindústria, pequena fábrica de
compotas e geléias. No espaço externo, há outro prédio que está sendo re-
cuperado, no qual se realizam atividades de artes e, ainda, uma horta, uma
horta de plantas medicinais e amplos jardins e áreas verdes.
3. Escola dE Ensino fundamEntal construindo o caminho
A Escola de Ensino Fundamental Construindo o Caminho (ECC)
está localizada no Assentamento Conquista na Fronteira, município de
Dionísio Cerqueira, Santa Catarina.
O Assentamento Conquista na Fronteira possui terras coletivas, ou
seja, não dividida em lotes, e os assentados estão organizados na Coo-
perativa de Produção Agropecuária Cooperunião. O assentamento possui
duas escolas, uma de Educação Infantil chamada Ciranda Infantil e outra
Municipal de Ensino Fundamental intitulada Construindo o Caminho.
O Assentamento tem cerca de 1200 hectares. Na parte agrícola cul-
tiva-se soja, milho e alguns outros produtos direcionados essencialmente
para o mercado, como a produção de leite. Cultivam também os tradi-
cionais produtos que compõem a cesta básica, que são comercializados e
também atendem às necessidades do Assentamento. Na parte industrial há
duas atividades: a produção de ração animal e um abatedouro de aves (fri-
goríco), no entanto, no momento das entrevistas essas atividades estavam
momentaneamente paralisadas, com a construção de novas instalações. A
nova agroindústria, com capacidade triplicada para processar 4000 aves
por hora, estava em fase avançada de construção, com prazo para entrar
em funcionamento.
As duas escolas existentes são municipais, sendo a Ciranda Infantil
mais recente, enquanto que a ECC data dos primeiros tempos do Assen-
tamento. A ECC tem tradição na qualidade de ensino, tendo recebido
alguns prêmios, dois da Unicef.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
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O objetivo precípuo da pesquisa de campo foi coletar dados sobre
a ECC. Essa escola foi estudada em 2002 pelos pesquisadores Neusa Maria
Dal Ri e Candido Giraldez Vieitez. Portanto, houve um interesse especial
em vericar se houve evolução no período em questão.
A ECC está em um prédio com 300 ms² de área construída, e suas
dependências estão divididas em: duas amplas salas de aula; uma sala de
reunião; três banheiros; uma cozinha e refeitório conjugados; uma biblio-
teca. Possui, ainda, equipamentos utilizados como recursos pedagógicos,
tais como, televisão, vídeo e um mimeógrafo a álcool. Na área externa há
um parquinho infantil com vários brinquedos, jardins e um amplo grama-
do. A escola mantém basicamente as mesmas instalações que tinha há 16
anos e encontra-se bem conservada e cuidada.
Além das observações, foram realizadas entrevistas, cujo áudio foi
gravado. Foram entrevistadas as seguintes pessoas: a) dirigente político do
Assentamento; b) professora da ECC; c) professora da Ciranda Infantil,
que estava informada acerca da ECC; d) merendeira e mãe de alunos da
ECC; e) quatro alunos da ECC; f) três ex-alunos da ECC.
A visita e coleta de dados empíricos ocorreram no período de 15 a
18 de julho de 2015.
4. Escola sEmEntE da conquista
A Escola Semente da Conquista, de Ensino Médio, está localizada
no Assentamento 25 de Maio, em Abelardo Luz, Santa Catarina.
A visita e coleta de dados na Escola foram realizadas no período
de 27 a 31 de maio de 2015. Foram entrevistados: o diretor da escola;
professor de matemática; professor de física; professora de português; mãe
de aluna e professora da APAE; aluna de 15 anos, do 2º ano; aluna de 17
anos, 3º ano; aluno de 15 anos, 3º ano.
A Semente da Conquista é uma escola pública estadual de ensino
médio, do Estado de Santa Catarina, situada no interior do Assentamento
25 de maio que é um dos primeiros assentamentos da reforma agrária
que surgiu em decorrência das lutas pela terra encetadas pelo MST, desde
Neusa Maria Dal Ri & Outros
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os anos de 1980. O assentamento foi formado por famílias oriundas de
acampamento organizado pelo MST. Nos dias atuais, a composição sócio-
política do assentado é heterogênea, com pelo menos 20% de famílias que
não são ligadas ao MST.
O Assentamento ca a pouco mais de 30 quilômetros da cidade,
com acesso por estrada que em dias chuvosos ca intransitável, e possui
uma agrovila. Casas e outras edicações estão dispostas a cada lado do eixo
formado por uma via larga e aí se encontra a Escola Semente da Conquista
(ESC). Na agrovila também há uma Escola Municipal de Ensino Funda-
mental e uma Escola da APAE. Além das residências, há uma igreja, um
salão de reuniões, um armazém (vendinha), um ginásio esportivo e o pa-
vilhão de uma das liais da Cooperativa Terra Viva ligada ao MST, dentre
outras edicações. A instalação relativamente nova da ESC contempla tão
somente o que podemos denominar de o mínimo vital para as necessidades
funcionais de uma escola. Porém, chama a atenção o fato da escola ser to-
talmente aberta, sem portões e grades, com acesso imediato e direto para
os estudantes e membros da comunidade.
O Assentamento 25 de maio é um dentre outros vinte e três assen-
tamentos que cam na área, e vários são do MST. A ESC atende todos os
assentamentos e, segundo o diretor, as vagas ofertadas não são sucientes
para atender a todas as comunidades dos assentamentos.
A escola dispõe de uns 300 ms2 construídos e um pequeno terreno
livre. Não há espaço desportivo e para o lazer. Há três salas de aula, uma
biblioteca acoplada à sala do diretor que funciona também como secreta-
ria, laboratório de informática, sala de atendimento para crianças excep-
cionais, uma cozinha que o Estado terceirizou, lavanderia e dois banheiros
utilizados conjuntamente por professores e alunos.
Frequentam a escola aproximadamente 110 estudantes distribuí-
dos em três turmas, uma no período da manhã e duas à tarde. A média de
alunos por turma é de 25, exceto no primeiro ano. Nesta série é comum
a presença de 40 alunos ou mais, chegando a 60, enquanto que pela lei
estadual deveriam ser no máximo 30 alunos por sala.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
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5. Escola camPonEsa municiPal chico mEndEs
A Escola Camponesa Municipal Chico Mendes, de educação in-
fantil e ensino fundamental, está localizada no Assentamento Pontal do
Tigre, em Querência do Norte, Paraná. A coleta de dados foi realizada no
período de 27 a 29 de abril de 2014 e foram entrevistados: diretor; coor-
denadora pedagógica; oito professoras; e duas mães. Também foi realizada
uma coleta de dados com os alunos de uma série do ensino fundamental,
por meio de desenhos que depois foram analisados. Além disso, foram
coletados vários documentos da escola, tais como, regimento geral, plano
político-pedagógico, revista dos Sem Terrinha, jornal dos Sem Terrinha,
dentre outros.
O assentamento tem área de oito mil hectares, com 338 famílias
assentadas, a partir de ocupação realizada em 1988. A imissão de posse da
área para as primeiras famílias ocorreu em 1995. Cada família tem uma
área de 24 hectares de terra e, em 1998, foi criada no Assentamento a Coo-
perativa de Comercialização da Reforma Agrária Avante Ltda (Coana).
O Assentamento Pontal do Tigre é organizado em nove núcleos.
Cada núcleo tem um espaço comunitário, nos quais ocorrem as reuniões
do MST e os eventos sociais, culturais e religiosos.
A Escola Chico Mendes ca na área de uso comunitário do PA
Pontal do Tigre e tem tradição na qualidade de ensino, obteve o primeiro
lugar na média municipal do IDEB com a nota 6,2, em 2011.
A criação da Escola Chico Mendes deu-se por volta de 1988, quan-
do surgiram os primeiros acampamentos que deram origem ao PA Pontal
do Tigre. No início, os alunos tinham aulas em salas de madeira, mas com
a grande quantidade de alunos foi necessário construir uma escola de alve-
naria. A escola tem uma Associação de Pais e Mestres formada pelos assen-
tados, que tem dentre os seus objetivos administrar os recursos obtidos dos
governos federal e estadual e dar assistência ao aluno e à sua família
A infraestrutura da Escola apresenta água ltrada, água de poço
artesiano, energia da rede pública, fossa, lixo destinado à coleta periódica,
acesso à internet, etc. Ainda, possui sete salas de aulas, uma sala de dire-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
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toria, uma sala de professores, um banheiro interno e outro externo com
chuveiros, uma sala de secretaria, pátio descoberto e área verde mantida
como agrooresta. Possui, ainda, recursos disponíveis, tais como: TV; vi-
deocassete; DVD; antena parabólica; retroprojetor; impressora; aparelho
de som; projetor multimídia (datashow); câmera fotográca e lmadora.
No momento da visita a escola tinha 256 alunos com idade entre
03 e 11 anos, distribuídos em 12 turmas.
6. núclEo dE agroEcologia
O Núcleo de Agroecologia está localizado em Curitiba, Paraná. A
visita foi realizada no período de 30 de setembro a 02 de outubro de 2014.
O Núcleo de Agroecologia foi desativado em virtude do des-
membrado da Escola Técnica Federal da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) que foi transformada em Instituto Federal do Paraná.
Embora o Núcleo tenha sido desativado, a sua existência foi funda-
mental para o desenvolvimento de cursos de formação em agroecologia do
MST em parceria com o INCRA, realizados em várias escolas do estado do
Paraná, inclusive na ELAA, conforme consta no projeto de extensão que
foi coletado na visita.
Entrevistou-se o professor que foi coordenador do Núcleo, que
narrou a história da criação do Núcleo, os cursos de formação e o episódio
de desativação.
7. Escola iraci salEtE strozak
A Escola Estadual Iraci Salete Strozak (CEAGRO) está localizada
no Assentamento Marcos Freire, no Município de Rio Bonito de Iguaçu,
Estado do Paraná. Há três assentamentos no local: Marcos Freire; Ireno
Alves; e 10 de Maio. A visita foi realizada no período de 15 a 17 de setem-
bro de 2014.
Em 1996, no município de Rio Bonito do Iguaçu ocorreu a maior
ocupação de terras, que cou conhecida mundialmente como o maior
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
47
acampamento da América Latina com mais de 3 mil famílias. Após meses
de luta foram desapropriados um total de 26.800 hectares de terra, do
latifúndio Giacomet Marodim, hoje Aruapel, e assentadas 1.500 famílias,
formando inicialmente o Assentamento Ireno Alves dos Santos, e depois o
Assentamento Marcos Freire.
Durante esse período, as crianças eram levadas de ônibus à escola
mais próxima e eram organizadas também aulas informais, a partir do tra-
balho de voluntários. As escolas foram improvisadas em barracos de lona
e chão batido, no interior de ônibus e embaixo de árvores. Em abril de
1997, surgiu a primeira escola com registro legal depois da ocupação, que
foi adaptada em um galpão de máquinas da fazenda, abrigando 200 alu-
nos da 1ª a 4ª séries e de Educação para Jovens e Adultos (EJA). A Escola
Estadual Iraci Salete Strozak foi criado em 1999 e recebeu esse nome em
homenagem a uma militante do setor de educação do MST que faleceu
nesse ano em um acidente.
Os lotes dos assentados são de 14 hectares e a produção é, sobre-
tudo, de arroz, feijão e leite. Não há cooperativas nos assentamentos, a
produção e a comercialização são feitas a partir dos lotes individuais. O
leite e os grãos são vendidos para cooperativas convencionais que não têm
relação com os assentamentos.
A Escola encontra-se em um edifício adequado ao ensino, mas a
instalação é modesta. Nos fundos há uma quadra coberta. A escola possui
o ensino fundamental, ensino médio e formação de professores Curso Téc-
nico de Magistério. Há mais turmas do que salas de aula, assim, há turmas
que têm aulas fora do espaço físico da escola. Cada turma tem de 10 a 50
educandos, e ao todo são 22 turmas. Há 450 alunos na escola base, com
total de 10 turmas, no ensino fundamental há de 20 a 30 alunos em cada
turma, e no ensino médio de 40 a 50. Há ainda 1.000 alunos nas escolas
itinerantes. O colégio tem 09 salas de aula, 40 professores e 14 funcioná-
rios na escola base, contratados pelo Estado e a maioria em tempo parcial.
Os professores ou são concursados pelo Estado ou participam do
processo de seleção simplicado, com contrato por um ano. Esse processo
é realizado em todo o Estado do Paraná.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
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A Escola possui um laboratório de ciências e informática razoa-
velmente equipado e alguns equipamentos disponibilizados pelo Estado,
porém, faltam materiais e alguns aparelhos estão danicados. Há um re-
feitório com uma pequena cozinha agregada e uma biblioteca compatível
com o tamanho da escola, organizada e funcional.
Existem doze escolas Itinerantes no Paraná e cada uma delas tem
uma coordenação. No entanto, a burocracia legal, como a administração e
a documentação, está concentrada na Strozak.
A Strozak funciona com a estrutura de gestão ocial, ou seja, di-
retor, vice-diretor, conselho de escola, conselhos de classe e Associação de
Pais e Mestres (APM). Sobre essa estrutura, sobrepõe-se outra que é o-
ciosa, mas que na escola é real para a tomada de decisões: a) Assembleia
Geral, que é o órgão máximo de decisão, se reúne de dois em dois meses e
da qual participam todos os segmentos internos e externo; b) Conselho de
Escola, que é a instância máxima ocial e suas deliberações são registradas
e enviadas para a Secretaria de Educação; c) APM que é um organismo
importante, pois dele participam os pais, e seus membros têm assento no
Conselho de Escola; d) Representantes de Turmas; e) Conselhos de Classe
que realizam avaliações com a presença de pais, professores, estudantes e
direção, e todos são avaliados; f) Núcleos Setoriais.
A Escola possui, ainda, outros coletivos, a saber: de educadores que
elabora o planejamento pedagógico, conteúdos e metodologias; os coletivos
de estudantes (auto-organização dos estudantes), que é o maior núcleo se-
torial, pois envolve todos os estudantes; coletivo pedagógico, que além das
questões escolares, discute também a luta pela terra e a organização social.
A coleta de dados empíricos na escola envolveu observação sistemá-
tica e entrevistas semi-estruturadas com a diretora, vice-diretor, membro
da direção regional e do setor de educação do MST, três professores, uma
funcionária e seis alunos. Além disso, foram coletados materiais na escola,
como publicação própria da escola, livro e capítulo de livro, jornais sobre
a escola, material informativo a respeito da proposta pedagógica, proje-
to político-pedagógico, material de referência sobre o modelo pedagógico
adotado e regimento escolar.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
49
Ainda, os pesquisadores puderem realizar observações e acompa-
nharem uma assembleia que foi realizada com os pais, dirigentes da escola
e alunos representantes do segmento, na qual havia mais de 40 pessoas.
Os alunos encaminharam algumas reivindicações para a direção da esco-
la, tais como: faltas excessivas de professores; problemas com o transporte
propiciado pela prefeitura. Os alunos reclamaram de arbitrariedades dos
motoristas, o que prejudicava seu acesso à escola. O transporte é um pro-
blema grave na escola, porque quando chove os ônibus não circulam, pois
as pequenas estradas que dão acesso aos assentamentos viram um lamaçal
e os ônibus atolam.
8. Escola milton santos
A Escola Milton Santos (EMS) está localizada no município de
Maringá, Paraná. A visita foi realizada no período de 26 a 29 de novembro
de 2013.
A EMS é um centro de educação do campo criado pelo MST em
10 de junho de 2002, como parte do esforço do MST para criar condições
materiais de implantação da agroecologia nos assentamentos e acampa-
mentos, e também de conquistar espaços para a luta pela reforma agrária.
O terreno em que se localiza a Escola pertence ocialmente à pre-
feitura de Maringá e foi conquistado pelos trabalhadores Sem Terra duran-
te um período de luta. A área contava com construções inacabadas de uma
indústria de cerâmica que estava abandonada desde 1982 e havia sido em-
bargada pela justiça por irregularidades, passando a pertencer à prefeitura
de Maringá a partir de 1988. A prefeitura deu continuidade ao abandono
da área, que era utilizada como deposito de lixo e para retirada de cascalho
e basalto, o que comprometeu signicativamente a situação do solo.
Em 2002, por meio de um termo de concessão de uso do bem
público a titulo gratuito, foi concedido o direito de utilização do terreno
para construção do Centro de Educação do Campo e Desenvolvimento
Econômico Sustentável em Agroecologia. Os concessionários legais do
termo são o Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrá-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
50
ria (ITEPA) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Posteriormente,
com a desativação do ITEPA, a representação foi delegada ao Centro de
Formação ATEMIS.
Inúmeros problemas surgiram após esta concessão. Um deles apre-
sentou-se no nal de 2004 como um erro administrativo da prefeitura de
Maringá, que realizou uma dupla concessão de dois hectares da área cedida
para construção da Escola Milton Santos e, paralelamente, para a Secretaria
de Estado da Justiça. Desse modo, foram perdidos 2 hectares dos 6,5 con-
cedidos. A Escola continuou seu processo de construção e reconstrução das
áreas, enfrentando diversos pedidos de reintegração de posse. Somente em
2013, durante a 12a Jornada de Agroecologia, na qual 3 mil pessoas assina-
ram uma moção de apoio à EMS, com a presença de diversas autoridades
locais, como o prefeito da cidade, o projeto de lei que solicitava a revogação
da concessão do terreno à Escola foi retirado da Câmara dos Vereadores.
A EMS é uma escola do MST, não estando ocialmente integrada à
rede pública de ensino. Seus cursos formais são ocialmente reconhecidos
por meio das parcerias com instituições públicas de ensino. Os cursos for-
mais recebem apoio do PRONERA e a manutenção nanceira da escola se
dá por meio de projetos, doações, comercialização da produção própria da
escola e trabalho voluntário.
Em relação à infraestrutura, a escola dispõe de salas de aula, audi-
tório, biblioteca, laboratório físico-biológico, telecentro, alojamento, refei-
tório, lavanderia e casas destinadas aos educadores e às famílias de traba-
lhadores que residem na EMS. Para o lazer, oferece um campo de futebol
gramado, uma quadra de vôlei de areia e um parque infantil. Além disso,
desenvolve a produção agroecológica em diversas frentes.
Quanto à organização da escola, desde sua inauguração, militantes do
MST oriundos de acampamentos e assentamentos, indicados por suas comu-
nidades de origem, vieram residir na área para auxiliar o processo de construção
da EMS; alguns permaneceram e outros foram deslocados para outras funções
ou retornaram para suas comunidades. No momento da visita, a Escola con-
tava com 30 pessoas residentes no local, que trabalhavam em diversos setores,
tais como, administrativo, pedagógico, infraestrutura e produção.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
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Tendo em vista a organização desses moradores, denominados na
EMS de moradores permanentes, constituiu-se um Núcleo de Base (NB)
Milton Santos, com o objetivo de distribuir as tarefas e as funções perti-
nentes ao desenvolvimento e manutenção da escola e dos cursos.
O NB Milton Santos conta com quatro setores de atuação respon-
sáveis pela distribuição das tarefas da escola: administrativo; pedagógico;
de infraestrutura; e de produção.
Os sujeitos que participam e contribuem com a Escola em forma
de rodízio desenvolvendo atividades voluntárias integram o NB dos Vo-
luntários, que é formado de acordo com a necessidade.
Outra demanda que demarca uma organização diferenciada na
EMS está relacionada ao cuidado com as crianças Sem Terrinha, lhos e
lhas das famílias moradoras da escola, de estudantes que passam pelos
cursos e de voluntários. A Ciranda Infantil foi organizada como um espaço
para o cuidado dessas crianças, com um ambiente educativo que possibilita
a intervenção pedagógica necessária à formação das crianças. As crianças
participantes da Ciranda compõem o NB Sementes da Esperança.
Foram realizadas observações na escola e entrevista com dois mem-
bros da coordenação pedagógica, um membro da coordenação pedagógica
e dirigente do MST, e um funcionário. No momento da visita a turma do
Curso de Agroecologia ainda não estava constituída.
Essa escola já havia sido estudada pelos pesquisadores Henrique T.
Novaes, Neusa M. Dal Ri e Candido G. Vieitez nos anos de 2011 e 2012
respectivamente, assim os dados comparativos puderam mostrar o desen-
volvimento da EMS.
9. Escola josé gomEs da silva
A Escola José Gomes da Silva de Agroecologia está localizada no
município São Miguel do Iguaçu, Estado do Paraná. O Instituto Técnico
de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA) foi constituído no
início do ano de 2003, no Assentamento Antonio Companheiro Tavares.
O ITEPA realizou convênio com a UFPR e, em 2004, iniciou o Curso
Neusa Maria Dal Ri & Outros
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Técnico em Agroecologia Integrado ao Ensino Médio, na área de formação
do MST, na Escola José Gomes da Silva. Em 2005 iniciou o Curso Técnico
em Saúde Comunitária.
Em 2012, treze famílias cuidavam do ITEPA, algumas de assenta-
dos, e a maior parte de acampados, cadastrados em municípios do Estado
do Paraná. Enquanto aguardavam o lote, trabalhavam pela organização da
educação do MST, residindo em moradias localizadas próximas ao ITEPA,
existentes desde o período da Fazenda Mitacoré, antes da formação do
Assentamento.
Quando a Escola Técnica Federal da UFPR foi transformada em
Instituto Federal do Paraná, o convênio para a realização dos cursos passou
a ser realizado com o Instituto. Mas, a parceria cessou em 2013, e até o
momento da entrevista a Escola não tinha conseguido um novo parceiro
para a reativação dos cursos.
Foi realizada uma entrevista com um membro da coordenação pe-
dagógica da Escola. Mas, dada a importância estratégica do ITEPA para
o MST, pois a proposta educacional implantada em todos os anos de fun-
cionamento da Escola foi considerada a mais avançada pelo Movimento,
a entrevista foi bastante importante, sobretudo em relação ao projeto po-
lítico pedagógico.
10. Escola latino amEricana dE agroEcologia
A Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA) está localizada
no município da Lapa, no Estado do Paraná. A coleta de dados na escola
foi realizada no período de 01 a 03 de outubro de 2014.
A ELAA ca localizada no Assentamento Contestado e, desse
modo, além dessa Escola, foram pesquisadas também a Escola Municipal
do Campo Contestado e o Colégio Estadual do Campo Contestado, o
que acrescentou uma escola de ensino fundamental e uma de ensino
médio à amostra.
O Assentamento Contestado possui em torno de 150 famílias, com
mais ou menos 600 pessoas. No início foram construídas 150 casas, mas
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
53
com o decorrer do tempo, outras foram sendo construídas para os lhos
que se casaram e para outras pessoas que lá trabalham, mas não são assen-
tadas, como, por exemplo, para o diretor da escola de ensino fundamental.
O Assentamento é dividido em onze núcleos, denominados de
Mandalas, cuja área total é de 3200 hectares. Os lotes são individuais e há
uma agrovila.
O Assentamento tem uma Cooperativa de Produção Agropecuária
que produz hortaliças, legumes e frutas agroecológico-orgânicas, e que es-
tabelece relações com as escolas. As crianças auxiliam no trabalho realizado
no lote da família e também na escola.
No momento das entrevistas, a Cooperativa possuía 280 associa-
dos. Na Cooperativa há sete Núcleos de Agroecologia que realizam reu-
niões mensais, e desenvolvia 191 projetos de entrega de produtos para o
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), atendendo mais de
50 escolas com alimento orgânico, e também projetos com o Programa de
Aquisição de Alimento (PAA).
O Assentamento possui uma agroindústria cujo prédio foi cons-
truído com recursos dos cooperados. No momento da visita, a entrega dos
produtos era praticamente in natura, mas com a agroindústria os assen-
tados pretendiam lavar, cortar e embalar os alimentos, e com os tipos de
frutas que já produziam, havia a pretensão de elaborar doces e compotas.
Os assentados consideravam que com este procedimento haveria maior
interesse, pois as escolas que participam dos Programas preferem os ali-
mentos limpos e cortados, além de gerar maior valor.
Como forma de lazer, Contestado possui campo de futebol, quadra
de vôlei e realiza festas pontuais, como aniversário do Assentamento, festas
juninas, noites culturais dos cursos da ELAA com grupos de teatro e co-
ral. A cada conquista fazem uma grande festa, como quando conseguiram
comprar o caminhão da Cooperativa. Há algumas iniciativas como curso
de dança e de teatro e, ainda, a intenção de construir uma quadra coberta,
terminar a reforma do campo de futebol e terminar a reforma do Casarão
para a constituição de um espaço cultural, com exibição de lmes, teatro e
um Museu da Luta dos Camponeses pela Terra.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
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O Assentamento possui a Escola Municipal do Campo Contesta-
do, o Colégio Estadual do Campo Contestado e a Ciranda Infantil Curu-
mim. Não existe escola de Educação Infantil no Assentamento e a Ciranda
funciona para que as mães possam trabalhar.
a) Escola municiPal do camPo contEstado
A Escola possui o primeiro ciclo do ensino fundamental e tem 52
alunos de idades entre 06 e 10 anos, cinco professores e dois funcionários.
A Escola possui seis salas de aula, um refeitório e utiliza a biblioteca
da ELAA, tem uma diretora, que acumula também os cargos de pedagoga
e secretária, e a maioria das professoras é do Assentamento.
Na estrutura pedagógico-administrativa, a Escola tem o Conselho
de Classe Participativo, do qual participam a diretora, funcionárias, alu-
nos, professores e pais. As decisões são tomadas pelo coletivo. A organiza-
ção e participação das crianças da Escola ocorrem por meio de sete núcleos
setoriais: agrícola; embelezamento; comunicação e cultura; apoio ao ensi-
no e à leitura; saúde e bem estar; nanças e estrutura; registro e memória.
Cada núcleo possui um relator e um coordenador e é composto por alunos
dos anos do primeiro ciclo, desenvolvendo a auto-organização dos alunos.
b) colégio Estadual do camPo contEstado
No Colégio funciona o segundo ciclo do ensino fundamental, no
período da tarde, e o ensino médio, no período noturno, e a EJA, segundo
ciclo à tarde e o ensino médio à noite.
Os dois níveis de ensino possuem 80 alunos no total e a EJA 27
alunos; há um diretor, quatro funcionários e vinte e três professoras.
A escola não tem prédio próprio e utiliza o prédio da Escola Muni-
cipal do Campo Contestado, nos períodos da tarde e noturno. A estrutura
e organização do Colégio são as mesmas da escola municipal, ou seja, exis-
tem os núcleos setoriais que se reúnem periodicamente com os núcleos do
ensino fundamental. A partir do oitavo ano, os alunos desenvolvem ativi-
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
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dades de plantio nos lotes e de trabalho na Cooperativa. Os professores são
contratados pela Rede Estadual de Ensino, por um processo seletivo cujo
edital é direcionado para escolas do campo e assentamentos.
c) Escola latino amEricana dE agroEcologia
Os cursos mantidos pela ELAA no momento da visita eram Tec-
nólogo em Agroecologia; Licenciatura em Educação no Campo; Curso
de Extensão para Militantes Líderes de Movimentos Sociais na América
Latina (80h), dentre outros. Havia três turmas em funcionamento e, em
média, 160 alunos são formados por ano, como tecnólogos em agroecolo-
gia. O alunado é diversicado e são de várias partes do Brasil.
Há doze funcionários na Escola que são militantes do MST e a
grande maioria é assentada desenvolvendo trabalho voluntário. A Escola
tem onze quartos de alojamento divididos em dois blocos, um banheiro
coletivo, biblioteca, um auditório, uma sala de reunião pedagógica, uma
sala de trabalho demonstrativo, um refeitório e uma cozinha.
O Curso de Tecnólogo em Agroecologia é nanciado pelo PRO-
NERA em parceria com a UFPR, e a licenciatura em Educação no Cam-
po, com foco em Ciências Naturais, é uma parceria com a UFPR- Setor
Litoral. A Escola tem cursos do PRONATEC, cursos agroorestais e man-
têm vários cursos de extensão, ocinas, estudos informais para melhoria da
Cooperativa e da produção dos alimentos. Há também o curso de forma-
ção continuada para lideranças e docentes.
Foram realizadas entrevistas com a diretora, uma pedagoga e qua-
tro professoras. Alem disso, foram coletados vários materiais e documentos
na escola, tais como: projeto político-pedagógico; regimento; livro publi-
cado pela escola, etc.
11. Escola dE agroEcologia laudEnor dE souza
A Escola Estadual de Agroecologia Laudenor de Souza está loca-
lizada no município de Itaberá, Estado de São Paulo. A visita ocorreu no
período de 19 a 21 de fevereiro de 2015.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
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A Escola foi inaugurada em abril de 2006 e implantada em área
cedida pela Cooperativa dos Assentados e Pequenos Agricultores da Região
de Itapeva (COAPRI), na Agrovila V, Assentamento Pirituba, em Itaberá,
região sudoeste de São Paulo.
A Escola funciona por meio de registro formal e com assessoria
do Instituto Técnico de Capacitação, Extensão e Pesquisa em Agroeco-
logia. No momento da visita não havia uma turma em funcionamento,
pois a Escola aguardava uma parceria com uma universidade pública para
formalizar nova turma para o curso. Assim, foram entrevistados os parti-
cipantes da última turma: professor de história e coordenador de curso;
coordenadora do Instituto Técnico de Capacitação, Extensão e Pesquisa
em Agroecologia; coordenadora regional do MST e estagiária no Curso;
dois ex-alunos.
A realização das entrevistas foi bastante dicultosa, já que no mes-
mo período estava ocorrendo na Escola Municipal Terezinha de Moura,
município de Itapeva, o Seminário de Educação do Campo, evento pre-
paratório para o II Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária
(II ENERA). Fomos convidados para participar do evento, o que foi bas-
tante proveitoso, pois ocorreram palestras de dirigente nacional do MST,
membro do setor nacional de educação e outras pessoas envolvidas com a
educação. Estiveram presentes ao evento a maior parte dos/as educadoras
do município e também a Secretária da Educação do município.
A partir da conferência de abertura, pudemos mais bem com-
preender o signicado da Reforma Agrária Popular aprovada no último
Congresso do MST, realizado em fevereiro de 2014, pois esse foi o tema
da palestra proferida pelo seu dirigente nacional, Cesar Del Vecchio.
Também pudemos conversar com várias professoras da Escola Munici-
pal, e discutir sobre as propostas educacionais do MST. Nesse dia realiza-
mos três entrevistas. No dia seguinte, no sábado, procedemos a uma vi-
sita à Escola de Agroecologia Laudenor de Souza, conhecemos a sede da
Cooperativa Capavri e a sede regional do MST e realizamos as entrevistas
com os ex-alunos que estavam participando de uma reunião regional do
setor de produção do MST.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
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A Escola começou a funcionar a partir de 08 de maio de 2006, com
o Curso Integrado Médio Técnico em Agroecologia, de duração de três
anos. A primeira turma teve 60 educandos é foi formada por jovens lhos
e lhas de assentados do MST das regionais Sudoeste, Iaras, Promissão e
Andradina, além de representantes da Pastoral da Juventude Rural, Federa-
ção de Agricultura Familiar, quilombolas e do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Itapeva.
Entre os objetivos da Escola encontra-se a capacitação técnica dos
educandos em agroecologia, visando a transição agroecológica dos assenta-
mentos e acampamentos da Reforma Agrária, além de criar um centro de re-
ferência técnica e política em agroecologia e possibilitar o intercâmbio de co-
nhecimentos com outras organizações e entidades brasileiras e estrangeiras.
A construção da Escola contou com a parceria da Via Campesina
Internacional na formação técnica em Agroecologia de jovens e adultos
camponeses.
A Escola tem aproximadamente mil metros quadrados de edica-
ção rústica, possui duas salas de aula grandes, quatro banheiros ecológicos,
biblioteca, cozinha, secretaria, placas de energia solar e três alojamentos
coletivos para os alunos.
12. a Escola itinErantE maria aParEcida rosignol franciosi
A Escola Itinerante Maria Aparecida Rosignol Franciosi (Escola
Cidinha) está localizada no distrito Lerrovile, Londrina, Estado do Paraná,
no Assentamento Eli Vive. A visita foi realizada nos dias 09 e 10 de abril
de 2015 e foram entrevistados o coordenador pedagógico, o professor de
biologia e um dos formuladores dos Cadernos sobre a metodologia dos
complexos temáticos do MST.
O Assentamento Eli Vive surgiu a partir de ocupação, que durou
quatro anos, efetuada no distrito de Guairacá, região rural de Londrina.
No momento da visita, o Assentamento Eli Vive tinha 540 famílias, e era
um dos maiores assentamentos do MST e do país.
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A Escola Cidinha atende desde a educação infantil até o ensino médio
com cerca de 200 estudantes, com funcionamento matutino e vespertino.
O nome da Escola e do Assentamento é uma homenagem aos mi-
litantes do MST que dedicaram suas vidas ao campo e à defesa dos direi-
tos dos trabalhadores. Os educadores populares, lideranças e técnicos do
assentamento são compostos, na maioria, por jovens entre 18 e 28 anos.
A juventude no assentamento e acampamento é protagonista das ações na
escola, da rádio comunitária, das atividades culturais e formativas de modo
geral. Os jovens apresentam periodicamente a intervenção da juventude
do MST, com atividades organizadas na Escola Cidinha e participação das
comunidades do Assentamento e de outras localidades.
O Assentamento obteve recursos para investimentos na produção,
educação e infraestrutura e desenvolve um modelo de produção orgânica
e pesquisas de sementes, trabalho este integrado à educação das crianças.
Destacamos que as escolas itinerantes são escolas públicas que fun-
cionam com a permissão do Conselho Estadual de Educação, no caso desta
escola, do Conselho do Paraná, com a aprovação do parecer nº 1012, de
2003. O Paraná possui doze escolas itinerantes e o apoio técnico e peda-
gógico é realizado por duas escolas base, o Colégio Estadual Iraci Salete
Strozak, como já descrito anteriormente, e o Colégio Centrão, localizado
no município de Querência do Norte. A Secretária de Educação e o MST
têm se responsabilizado, desde 2004, pela oferta e manutenção da estrutu-
ra física, econômica e humana das escolas itinerantes.
Como enunciado anteriormente, a equipe de pesquisadores organi-
zada por eixos, efetuou um extenso levantamento bibliográco, seleção das
obras e textos, leitura, documentação, reexão e confronto com os dados
empíricos. A partir da análise dos dados foi elaborada uma síntese para
cada um dos eixos, que integraram o relatório nal da pesquisa.
Para a elaboração deste livro, os pesquisadores e pesquisadoras for-
maram parcerias, em acordo com o eixo do qual participaram e com a
coleta de dados empíricos, e escreveram os textos apresentados a seguir.
Ressaltamos que, embora o livro seja organizado em forma de capítulos,
não se trata de uma obra organizada com temas relativos ao assunto geral,
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
59
mas sim de textos integrados à pesquisa, ou seja, este livro se congura
como uma obra única, tendo vários autores e várias autoras.
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63
organização E concEPçõEs tEórico-Práticas
na Escola nacional florEstan fErnandEs
(Enff)
Lalo Watanabe Minto
introdução
A Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) está localizada em
Guararema, São Paulo, município com aproximadamente 27 mil habitan-
tes, situado a 60 km da capital paulista. (IBGE, 2014). A sede da ENFF foi
construída pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
1
durante um período relativamente extenso, tendo sido inaugurada em ja-
neiro de 2005. Três razões básicas explicam a escolha do estado de São Pau-
lo: localização estratégica; clima mais ameno, adequado aos militantes de
todas as regiões do país e à realização de cursos o ano todo; proximidade de
centros importantes, onde estão disponíveis conhecimentos e indivíduos
qualicados, aptos a contribuir com o desenvolvimento da escola. (MST,
1998, p. 18-19).
O MST e a própria escola entendem que ela não é do movimento e sim fruto da solidariedade nacional e
internacional, razão pela qual está aberta a vários movimentos sociais, nacionais e internacionais.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
64
Os recursos nanceiros
2
para a construção provieram de contri-
buições do próprio Movimento (MST, 1998, p. 22) e de outras estraté-
gias que este mobilizou para angariar os insumos necessários. Uma das
principais foi a de buscar apoio de entidades da sociedade civil, dentro e
fora do Brasil. Outra parte adveio da venda de produtos como pôsteres e
calendários. Segundo o Movimento, o produto que mais rendeu recursos
para a ENFF foi aquele que também viabilizou a compra de seu terreno
em 1997, oriundo de parte dos direitos
3
da Exposição Terra, composta por
um livro e um CD.
A força de trabalho empregada nas diversas etapas de construção
proveio da ação voluntária dos próprios integrantes do MST, de diversas
partes do país. Entre março de 2000 e julho de 2004, 25 brigadas temporárias
foram organizadas com esse m, somando-se a outras brigadas permanentes
constituídas a partir de setembro de 2003 (SANTOS, 2005, p. 35). Até a
inauguração, o movimento registrou a participação de 1.115 voluntários
nesse processo. (JORNAL DOS TRABALHADORES RURAIS SEM
TERRA, 2005, p. 08). O projeto arquitetônico foi elaborado pela arquiteta
Lílian Lubochinski e a construção contou com a assessoria de engenharia
da empresa Integra. (AUGUSTO; MANSUR, 2008, p. 19).
Na inauguração da ENFF estiveram presentes o Ministro do De-
senvolvimento Agrário da época, Miguel Rossetto
4
, representantes dos
ministérios da Educação e da Cultura, do governo venezuelano, além de
escritores, atores e intelectuais ligados a universidades brasileiras (MARIN-
GONI, 2005), o que denota o prestígio que a escola conseguiu mobilizar
nesses primeiros momentos de funcionamento.
Ocupando uma área de 30.000 m
2
, as instalações da ENFF in-
cluem: três salas de aula (para até 200 pessoas), um auditório, dois antea-
tros e biblioteca com mais de 40 mil livros (ASSOCIAÇÃO..., 2012a, p.
1), quatro blocos de alojamento, ciranda infantil, quadra multiuso, lavan-
Matérias em jornais de grande circulação trataram da fundação da escola chamando a atenção dos leitores para
seu custo nanceiro, de cerca de 1,3 milhão de dólares. (ARRUDA, 2005; MST, 2005).
Cedidos pelo fotógrafo Sebastião Salgado, pelo compositor Chico Buarque e pelo escritor José Saramago.
(SANTOS, 2004, p. 51; 2005, p. 33).
Rossetto foi ministro entre janeiro de 2003 e março de 2006 do governo Lula. Retornou ao cargo em
17/03/2014, no governo Dilma Roussef.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
65
deria, espaço de vivência, refeitório central, estação de tratamento de esgo-
to e área para cultivo de gêneros alimentícios. Ao todo, 42 trabalhadores/
as residem no local e se dedicam à manutenção e funcionamento da escola,
contando com casas para suas famílias (ASSOCIAÇÃO..., 2010).
A ciranda infantil instalada na ENFF destina-se às atividades de
educação dos lhos de seus moradores, bem como das crianças que fre-
quentam o espaço em caráter temporário. Segundo Araújo (2015), um
dos papéis da ciranda é garantir condições de participação mais igualitárias
entre homens e mulheres, evitando que qualquer estudante venha a ser
impedido de participar de um curso por conta de estar na companhia de
lhos pequenos. Por isso, ela é “[...] diferente da ciranda infantil [...] nas
áreas que são permanentes”, onde também se faz escolarização.
5
Em dezembro de 2009 foi criada a Associação dos Amigos da Es-
cola Nacional Florestan Fernandes (AAENFF), com o propósito de contri-
buir com a sua manutenção, sobretudo no aspecto nanceiro
6
. A Associa-
ção rearma que o nanciamento da escola é proveniente apenas da “[...]
contribuição dos próprios movimentos sociais e o apoio solidário de enti-
dades e indivíduos, no Brasil e no exterior” (ASSOCIAÇÃO..., 2012a, p.
01-02)
7
. Em boletim de julho de 2012, a AAENFF anunciou que a ENFF
estudava a possibilidade de construção de uma nova sede nas proximida-
des de Brasília/DF, no assentamento Pequeno William (ASSOCIAÇÃO...,
2012, p. 11).
8
o Político E o PEdagógico na Enff: uma construção PErmanEntE
Conforme já observado em Minto (2015), são duas as principais
dimensões político-pedagógicas da ENFF: uma primeira, referente à sua
Ainda, segundo a entrevistada, a orientação da coordenação é para que se evite levar crianças em idade escolar,
devido a esse caráter especial da ciranda. Considera-se prioridade que essas crianças estejam se escolarizando
em seus próprios locais de moradia (acampamentos e assentamentos). Entrevista realizada pelo autor em
05/02/2015.
Sobre os objetivos da associação e as formas previstas de consecução destes objetivos, ver seu estatuto social
(ASSOCIAÇÃO..., 2009, Art. 2º e 3º).
A AAENFF chegou a contar com mais de mil associados (ASSOCIAÇÃO..., 2013), que contribuíram com
uma parcela do nanciamento das atividades da escola.
 Araújo (2015) conrma a existência dessas regionais da ENFF em Brasília, no Nordeste e no Sul.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
66
própria construção física, forma de organização, motivações do movimen-
to, formação das brigadas e caráter estratégico; a segunda, no sentido de
que a própria análise de quais são os traços de identicação da escola uma
vez em funcionamento, também depende de um processo que está em
construção, isto é, em constante mudança.
Ana Pizetta (2007a, p. 30) arma que a construção da ENFF criou
possibilidades objetivas para um amadurecimento político dos voluntários
nela envolvidos e para formar uma “nova consciência” baseada no princípio
de união entre estudo e trabalho. Enm, “[...] o trabalho voluntário, a soli-
dariedade e a formação, praticados no âmbito da ENFF, são, em um espaço
micro, ensaios daquilo que os homens livres são capazes de edicar para eles
próprios e para a sociedade como um todo” (PIZETTA, 2007a, p. 46).
9
Dentre as qualidades pedagógicas apontadas por estudiosos e por
lideranças do movimento, é lícito lembrar que também há aspectos con-
traditórios, como os apontados por Maria
10
(nome ctício), ex-aluna de
cursos e colaboradora de alguns projetos na ENFF. Perguntada sobre como
esse caráter educativo era vivenciado pelos voluntários das brigadas duran-
te o processo de construção, ela arma:
Algumas iam com muito prazer e algumas pessoas dizendo que elas
foram obrigadas, que não era voluntário coisa nenhuma, que elas
foram destacadas de seus lugares de trabalho, né, na roça e tal. E que
eles apostavam que eles nunca iam ser chamados pra fazer um curso
ali, porque eles nunca iam ser dirigentes, assim. Então eu acho que [...]
essa [...]divisão social do trabalho no interior do movimento [...] cava
meio claro na conversa com alguns deles, assim. (MARIA, 2015).
A própria Maria reconhece, porém, os riscos de se fazer qualquer
generalização:
Mas é uma visão pontual e que eu sei como é ser, né, fazer parte do
movimento quer dizer, também, esperar gente de fora pra poder
dizer do seu descontentamento em relação à direção, que às vezes é
canalizado por outro ponto. (MARIA, 2015).
João Pedro Stédile, liderança nacional do MST, arma que o fato de a ENFF ter sido construída com base no
voluntarismo, na solidariedade e no trabalho sistemático dos militantes e apoiadores do movimento, caracteriza
o que ele chama de “afetividade socialista”. (STÉDILE, 2011, p. 71).
10
Entrevista realizada pelo pesquisador em 04/02/2015.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
67
Assim como outras ações educativas que o MST vem protagoni-
zando ao longo de sua história, a ENFF é um produto da própria trajetória
do movimento, de suas formas de luta e opções teórico-práticas a cada
período.
11
Em Minto (2015) armamos que mais importante do que esta-
belecer o momento de criação da ENFF, é especicar o contexto no qual a
proposta e a concretização de uma escola nacional – incluindo a constru-
ção de sua sede física – se tornaram estratégicas para o movimento.
Dos esforços em construir alternativas para fortalecer as lutas pela
reforma agrária, inicialmente concretizados na experiência de parcerias
do Setor de Educação, resultariam, doravante, as parcerias entre o
Setor de Formação do MST e diversas universidades, tendo como pano
de fundo a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (Pronera)
12
, em abril de 1998. (MINTO, 2015, p. 315).
As atividades desenvolvidas pela escola nos últimos 10 anos têm
no Pronera um de seus pilares, momento a partir do qual a ENFF vai as-
sumindo um perl mais próximo ao de uma escola de ensino superior. De
acordo com a documentação consultada e as conclusões a que chegaram
outros estudos sobre a ENFF, pode-se dizer que o surgimento de cursos
superiores no MST decorreu do processo de expansão de sua abrangência
enquanto movimento. Com essa maior amplitude, a demanda por for-
mação também ganhou escala nacional e o PRONERA contribuiu para
consolidar as parcerias com as instituições de ensino superior (IES):
O trabalho com cursos formais teve um impulso a partir da criação do
Pronera, em abril de 1998. Até então, eram poucas turmas e em poucos
lugares. Com o novo programa, envolvendo universidades e institutos
federais, foi possível alcançar uma escala maior, potencializando a
experiência acumulada de formação por alternância e vinculada aos
movimentos. (KOLLING; VARGAS; CALDART, 2012, p. 506).
13
11
Para uma visão mais completa do processo de formação da escola, ver Minto (2015).
12
Sobre o contexto no qual se instituiu o Pronera, ver: Taffarel e Molina (2012); Kolling, Vargas e
Caldart (2012).
13
Apesar dessas indicações, Araújo (2015) arma que as atividades predominantes na ENFF não são aquelas
realizadas em convênios com outras instituições (cursos formais) e nanciados por recursos externos, como os
do Pronera. “O principal [são] os cursos não formais”, diz Araújo, pois são cursos que partem de demandas dos
próprios movimentos e só se concretizam quando realizados no espaço da Escola.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
68
Santos (2012, p. 633-634) arma que o PRONERA “[...] insti-
tuiu possibilidades de ressignicação do conteúdo e da metodologia dos
processos de educação formal, por meio dos princípios básicos de parti-
cipação e da multiplicação”, o que viabiliza, no caso do ensino superior,
uma presença ativa e coletiva do movimento no processo de organização
do ensino (conteúdos e metodologias), ainda que conitos não sejam, de
modo algum, eliminados.
O Setor de Formação do MST é um coletivo central na formu-
lação e gestão dos convênios com as IES, que ganharam escala a partir
de 1999. E foi com o curso Realidade Brasileira que se estabeleceu uma
espécie de padrão dos convênios entre aquele setor e as IES (BEZERRA;
RODRIGUES; PIZETTA, 2007, p. 09-10), tendo ocorrido na Unicamp,
em 1999, sua primeira edição
14
.
Vários convênios se seguiram a esses, sobretudo a partir de 2003.
O primeiro curso de pós-graduação lato sensu também foi elaborado nesse
período, na Universidade Federal de Juiz de Fora, intitulado Especialização
em Estudos Latino-Americanos. Sua origem está relacionada a demandas
de estudantes que haviam cursado o Realidade Brasileira. (BEZERRA;
RODRIGUES; PIZETTA, 2007, p. 08-10).
A construção da sede em Guararema estabeleceu uma etapa na qual
as atividades educativas do MST ganharam novo patamar, consolidando
aquilo que chamamos aqui de estudos superiores.
dEfEsa da Escola Pública E Estudos suPEriorEs no mst
O MST tem se alinhado aos setores da sociedade brasileira que ado-
tam a defesa da educação pública (estatal), gratuita e de qualidade como
bandeira de luta.
15
Nos termos do Manifesto das educadoras e dos educadores
da reforma agrária ao povo brasileiro, produzido no I Encontro Nacional
14
Realizado na modalidade extensão universitária, reuniu cerca de 1200 jovens de 15 a 25 anos de 22 estados
brasileiros, entre 02 e 12 de julho de 1999. (FILGUEIRAS, 1999, p. 24-25).
15
Deve-se lembrar que, no caso do MST, essa luta se combina com a perspectiva da chamada educação do campo,
aquela que se concretiza, dentre outras coisas, por meio da “[...] construção de escolas nas comunidades rurais e
agrovilas dos assentamentos, a todos jovens e adultos do meio rural, como forma de manter os camponeses e as
camponesas no meio aonde vivem” (MST, 2010, p. 45).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
69
de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária realizado em Brasília, em
julho de 1997, essa mensagem cou explícita: “Lutamos por justiça social!
Na educação isto signica garantir escola pública, gratuita e de qualidade
para todos, desde a Educação Infantil até a Universidade” (MST apud
CALDART, 2004, p.428). Para o MST, portanto, a importância da escola
regular não é uma questão secundária. Assim também entendem Dal Ri
e Vieitez (2008, p. 184): “A primazia educativa atribuída ao Movimento
como educador não signica a desvalorização da escola. [...] o MST não
apenas reconhece como tem clareza da necessidade e da função da escola”.
O princípio acima é um dos mais caros e repetidos por lideranças
do MST, bem como por estudiosos de temas ligados ao que vem sendo
chamada de pedagogia do MST ou pedagogia do movimento. Trata-se da
concepção de que a educação e a escola são essenciais, mas devem ser con-
sideradas para além de sua condição na sociedade capitalista. Reconhece-se
a importância da escola formal e propugna-se sua ocupação (CALDART,
2004)
16
, o que não se resume a apropriar-se dos conteúdos e dos benefí-
cios que a escolarização pode trazer aos indivíduos. Enfatiza-se, acima de
tudo, o caráter educativo/formador da luta pela escola, elemento crucial
na preparação dos quadros do movimento para enfrentar os desaos de
transformar a realidade atual. Na síntese feita pelo próprio MST – “Com-
preendemos que a educação sozinha não resolve os problemas do povo,
mas é um elemento fundamental nos processos de transformação social”
(MST apud CALDART, 2004, p. 427) – e na enfática armação de Araújo
(2015), de que não são “os movimentos sociais que têm que oferecer esco-
larização, escola pública. Quem tem que garantir escola pública é o Estado,
né!?” – não parece restar qualquer dúvida sobre esse reconhecimento para
com a educação estatal.
No que se refere à pedagogia do movimento, Kolling, Vargas e Cal-
dart (2012), entendem que o acúmulo de experiências e o diálogo perma-
nente com as diferentes teorias sociais e pedagógicas é que permitiram sua
elaboração. E se um dos pilares daquela é a forma distinta de conceber as
nalidades da escola e seus métodos pedagógicos, também se inclui aí a
16
Caldart (2004, p. 409) é explícita: “[...] o que costuma ser identicado como sendo a experiência ou a proposta
de educação do MST (centrada nos processos de escolarização dos sem-terra) não é mais do que uma das pontas
do processo de formação humana que acontece no e através do Movimento.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
70
formação superior. E é nesse sentido que se entende que, a partir da criação
do PRONERA em 1998, o MST vem ocupando também as IES:
A dimensão especíca da ocupação da universidade, que iniciou com
os cursos de educação e aos poucos foi se estendendo para outras áreas,
tem um signicado histórico importante na formação de um intelectual
coletivo de classe, nesse caso orgânico ao trabalho nas áreas de Reforma
Agrária: camponeses trabalhando com camponeses. E a combinação
entre escolarização, formação político-ideológica e formação técnica,
inaugurada pelos cursos formais das áreas da educação e da produção,
foi, aos poucos, se armando como uma marca do trabalho de educação
do MST. (KOLLING; VARGAS; CALDART, 2012, p. 506).
A dimensão dessa ocupação do ensino superior pode ser observada
pelos dados fornecidos por Araújo (2015): mais de 110 convênios entre
o MST e outros movimentos sociais e universidades estão em vigor
atualmente, com destaque para o Programa Residência Agrária
17
e o
PRONERA. São convênios que viabilizam cursos de âmbito nacional,
regional e local, muitos deles com sede na ENFF, outros com sede nas
próprias instituições conveniadas e alguns organizados de forma mista. Isso
revela que na oferta regular desse nível de ensino, o MST também não tem
a pretensão de substituir o Estado.
Para além do que já se conhece como sendo os princípios orien-
tadores da pedagogia do movimento, interessa-nos suscitar uma reexão
sobre o papel formativo que vem sendo cumprido pela ENFF. Princeswal
(2007, p. 135-136) cita Geraldo Gasparin e destaca que foi num seminá-
rio realizado antes da inauguração ocial da escola, que as linhas gerais do
papel a ser desempenhado pela ENFF foram clareadas:
Evidentemente que no início se tinha essa dimensão: vamos fazer uma
escola para os Sem Terra, vamos fazer uma universidade para os Sem Terra!
Mas o seminário deu um outro caráter para a Escola e as intervenções que
foram feitas naquele seminário apontavam neste sentido: olha, temos que
ter um espaço onde efetivamente a gente consiga avançar do ponto de
vista teórico, político, organizativo no conjunto da classe trabalhadora!
Não é uma estrutura física que se projeta ser uma universidade, poderá
sê-lo! Mas, ela tem a preocupação fundamental de preparar os nossos
17
Das 36 turmas do Residência Agrária em andamento no país, a primeira formatura (turma Paulo Freire)
ocorreu em fevereiro de 2015, em São Paulo/SP. (MST, 2015).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
71
militantes, os nossos dirigentes da classe trabalhadora que pense um
projeto de transformação de país e de sociedade. (GASPARIN, 2007
apud PRINCESWAL, 2007, p. 136, grifo nosso).
Noutro momento, o mesmo Gasparin (2009, p. 3) apresentou a
questão de forma distinta:
Havia o debate: a Escola Nacional seria a universidade dos trabalhadores
Sem Terra, da classe trabalhadora? Mas entendemos que a educação
é dever do Estado, uma educação pública gratuita e de qualidade,
como sempre disse Florestan Fernandes. Portanto, a ENFF se reserva
em complementar temas e aprofundar debates que, geralmente,
nas universidades não ocorrem e que para nós são fundamentais.
Principalmente na área da losoa, sociologia, economia política,
agrária. E não buscamos a diplomação por diplomação. Consideramos
que a universidade tem acúmulo na metodologia, na pesquisa, mas não
deixamos de aprofundar e adequar o conteúdo à nossa realidade.
Concordando, de modo geral, que o papel da escola é o de ar-
ticular os processos, atividades e tarefas ligadas à formação política dos
quadros do movimento, sem perder de vista a importância de quali-
car tecnicamente os trabalhadores para as tarefas produtivas, Princeswal
(2007, p. 136) conclui que há um entendimento amplo sobre o ensino
superior no âmbito da ENFF.
Quando o Movimento se refere aos cursos superiores, não considera
apenas aqueles de graduação, mas os cursos em nível mais elevado de
formação política, para dirigentes e formadores do MST e dos demais
movimentos sociais que já passaram por outros processos de formação.
Na visão de Pizetta (2007, p. 244-246), os objetivos formativos
perseguidos pela ENFF são muito avançados. Trata-se de uma formação com
base teórica sólida e crítica, com vistas a preparar militantes revolucionários,
aptos a compreender a dinâmica dos processos históricos (global, regional
e brasileiro) que caracterizam o modo de produção capitalista atual, bem
como construir instrumentos de intervenção consciente sobre a realidade.
Ou seja, potencializar sua capacidade teórica e prática de fazer com que os
conitos de classes avancem no sentido da superação do capitalismo.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
72
O mesmo Pizetta (2007, p. 246) elenca como fundamentais
para essa formação, dentre outros, um “elevado nível de conhecimentos
especializados e de cultura humanística” e “domínio teórico (marxismo)”.
E completa:
A ENFF [...] surge com o propósito de pensar, programar, planejar,
organizar e desenvolver a formação política e ideológica dos militantes
e dirigentes do conjunto do MST. Ela passa a ser um (não o) espaço
de articulação das inúmeras iniciativas e experiências que estão em
curso nos estados e articuladas pelos diferentes setores de atividades
no MST, no sentido de buscar uma maior unidade e qualicar essa
práxis. Para tanto, deve primar pelo estudo cientíco, e reexão
da prática política e organizativa dos membros e da organização, e
contribuir na elaboração de táticas e estratégias de ação nas diferentes
áreas. (PIZETTA, 2007, p. 246).
Esse papel de articulação, pensado para a ENFF, também envolve
articulações no plano internacional e que, ademais, não se restringe aos
objetivos do MST:
A ENFF é um conjunto de ações políticas e formativas-pedagógicas,
organizadas e realizadas pelo Movimento, independentemente do local
e momento de sua realização. Essas atividades também podem ser
em parceria, convênios com outros centros de educação e formação,
institutos de ensino, tanto do Brasil, como localizados em outros
países. (PIZETTA, 2007, p. 247).
o mst ocupa o Ensino suPErior
As informações, estudos e documentos disponíveis sobre a ENFF
permitem armar que a intenção do MST de criar a sua universidade
18
, em
muitos sentidos, deu lugar à construção de um instrumento para ocupar
o ensino regular, mediado principalmente pelo nanciamento estatal do
PRONERA. Quando se iniciou a construção da sede da ENFF, o forma-
to dos convênios entre MST e universidades já estava delineado segundo
determinado padrão que não se alterou posteriormente. Constatamos que
Araújo (2015) relativiza essa interpretação, pois, em sua visão, a ENFF
18
Mesmo que explicitada diversas vezes por lideranças do Movimento, não há elementos para armar que essa
intenção tenha sido, um dia, hegemônica no MST.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
73
ainda não tem nos cursos formais o seu principal eixo de atividade (e de
sobrevida nanceira), para quem, como já apontado, a principal atividade
da Escola continua a ser a dos cursos não formais.
Ainda que se esteja referindo aqui apenas ao ensino superior regu-
lar realizado sob a tutela da ENFF (cursos superiores formais, portanto),
é certo que outros estudos deverão ser feitos para elucidar melhor esse
aspecto. É bastante plausível que essa relação não só tenha se viabilizado
inicialmente, como também se expandido, no interior das IES, por conta
dos recursos disponibilizados pelo PRONERA. A consolidação da ENFF e
a expansão do programa são processos convergentes, sobretudo a partir dos
governos Lula (2004-2007 e 2008-2011), quando o PRONERA primeiro
passou a integrar o orçamento da União (SANTOS, 2012, p. 633) e depois
se “institucionalizou como política de Estado” (LERRER, 2012, p. 453-
454), com a edição do Decreto 7.352/2010.
O caráter formal da ENFF, portanto, possui pelo menos dois veto-
res fundamentais: sua relação direta com o surgimento e institucionaliza-
ção do PRONERA, base objetiva dos convênios e parcerias que o MST faz
com IES, reconhecidas pelo MEC; e o acesso à formação de nível superior
com certicação garantida (diplomas e prerrogativas das diferentes catego-
rias prossionais).
Araújo (2015) reconhece a possibilidade de que a ENFF venha,
um dia, a ter mais autonomia para ofertar cursos regulares, como cursos
de graduação e pós-graduação, para atender as demandas de seu público
especíco. Contudo, as diculdades nanceiras, as muitas demandas do
movimento e as deciências de formação e escolarização acumuladas ao
longo da história brasileira, não permitem que a ENFF, até o presente,
possa usufruir (em termos de abrangência) de uma condição muito dis-
tinta daquela para a qual vem sendo preparada: uma escola de formação
de dirigentes. Em razão disso, pensar no caráter público da escola, mesmo
quando restrito aos ns do movimento, ainda é um desao.
Em nosso ponto de vista, entendemos que seja possível armar que
o termo superior, no que se refere à ENFF, também permite outra leitura
menos convencional: a de que, no momento atual, a escola não tem condi-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
74
ções de almejar um atendimento massivo para os militantes do MST e de
outros movimentos. E isso se reete no processo de escolha dos estudantes
que frequentam os cursos, pois a escola não pode se abrir a todos que
demandam acesso a ela. Donde o explícito reconhecimento, por parte de
Araújo (2015), de que a ENFF “[...] termina sendo, de um certo modo,
uma escola de um segmento; um segmento popular”.
Trata-se de uma escola de certos segmentos do movimento social
brasileiro como jamais existira antes, em dimensão e reconhecimento.
Além de estar cada vez mais internacionalizada. Apesar disso, é restrita,
pois não pode abranger e nem dar conta de atender à grande maioria dos
problemas e diculdades formativas de sua própria base. Araújo (2015)
entende que isto não torna a ENFF uma entidade privada, pois não se
trabalha com a lógica do mercado, isto é, não se organiza para gerar ren-
da, explorar trabalho e resultar em lucros. Porém, está claro que ela não é
rigorosamente popular:
As experiências são embriões, são importantes. Mas, falar em
universidade popular, o que nós estamos chamando de popular?
Né? Pensar essa perspectiva tem algumas iniciativas de experiências
alternativas, assim como a ENFF, tem... outras organizações com
processos na educação, talvez não com a referência que hoje tem a
ENFF, mas que são referências muito importantes. [...] Então, a nossa
perspectiva de universidade popular, ela tem que ser universal! Ela não
pode ser uma experiência, entende? Então, é assim, esse debate entra
pra dentro, mais porque as pessoas vão nomeando as organizações, os
parceiros, né, os estudantes - a universidade popular - mas não é esse
o cunho, o fundamento, né, do que nós pensamos como universidade
popular. A universidade popular tem que ser o sistema todo. Ele tem
que ser universal para ele ser popular. Se ele não for universal, se o povo
não tiver acesso, ele não pode ser popular. Ele vai ser uma célula, né,
uma experiência, um foco... (ARAÚJO, 2015).
organização, funcionamEnto E cursos da Enff
O rol de atividades formais e informais realizados pela Escola nos
dias atuais é diversicado, amplo e de difícil caracterização, assim como o é
comparar a ENFF e outras escolas do movimento. Podemos apenas propor
uma aproximação ao que seria um sentido comum de organização. Sobre
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
75
esse aspecto, Maria (2015) relata que há uma separação muito nítida entre
as perspectivas de formação das bases e dos dirigentes do Movimento, que
também se reproduz na ENFF:
[...] eu acho que há uma reprodução da estrutura de organização do
MST no interior da escola, o que eu acho que traz pra dentro da escola
a própria estrutura do assentamento e essa divisão, inclusive, uma
divisão clara na estrutura de formação, né? Uma formação que é pra
base, pra militância, e pros dirigentes.
Entretanto, reconhece que há outro sentido em que a lógica de
organização dos assentamentos e acampamentos do MST, também se re-
produz na ENFF:
[...] todo mundo ali tem a experiência da roça, da ocupação, da frente
de massa, né, tem essa experiência da militância que é muito bonito,
porque é completamente diferente em cada estado, por mais que um
estado como o nosso possa ser mais conservador, você vai ver que na
militância em outros lugares está super radical, e produzindo muitas
coisas interessantes e tal. Então, acho que esse encontro do povo,
né, porreta, assim, que tá na luta há muito tempo, acaba trazendo as
conversas que se faz nos assentamentos lá pra dentro. (MARIA, 2015).
A visão da escola como um espaço rico e educativo que extrapola
o aspecto formal do ensino, também é armado por Araújo (2015), numa
perspectiva um pouco diferenciada:
[...] a ENFF é [...], de um certo modo, espaço privilegiado de
vivências, porque nós temos que pensar - e nós pensamos na educação
não apenas como conteúdo, nós pensamos a educação como processo
e pensamos a educação como relações sociais, né, então, a vivência,
o intercâmbio, os aprendizados que se extrai dessas relações alunos-
professores-organizações sociais, ele é riquíssimo, né? Para além de
uma exposição de um professor - e tem muitos professores muito
bons, brilhantes, que vêm aqui fazer... dar aulas voluntariamente, né?
Colocam seus conhecimentos, contribuem voluntariamente com a
ENFF. Portanto, destaca isso: essa escola, ela é essas relações sociais! Ela
é uma escola construída pelos trabalhadores, pelos militantes sociais do
MST, pelos educadores que constroem essa escola, pelas organizações
que constroem essa escola.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
76
Quanto à coordenação e gestão da escola, ela é exercida por sua
Comissão Político-Pedagógica (CPP), que é formada por um grupo de
dirigentes do MST, indicados pela Direção Nacional do movimento, que
têm rotatividade no cargo. (ARAÚJO, 2015). Acima da CPP há, ainda,
uma espécie de órgão máximo da Escola, que é:
A brigada Apolônio de Carvalho, né, cerca de um coletivo de 35
[pessoas], permanece aqui, contribuindo nas tarefas em diversos
setores; aqui temos Setor Administrativo, Setor pedagógico, Setor
da produção e o Setor de serviços. Então, esse grupo de militantes do
MST se distribui nessas tarefas, né, e temos as unidades de trabalho
e a coordenação político-pedagógica da escola. (ARAÚJO, 2015,
grifo nosso).
19
Segundo Princeswal (2007, p. 142), no funcionamento efetivo da
ENFF, também estão presentes aqueles elementos valorizados pelo MST e
característicos da sua pedagogia: os princípios de auto-organização; direção
coletiva; gestão democrática; e disciplina. Assim são planejados, organiza-
dos e executados os cursos, eventos e outras atividades da escola, inclusive
aquelas realizadas em parcerias com outras instituições. Uma síntese sobre
esse modo de organização e funcionamento pode ser observada na resposta
de um de seus coordenadores, Adelar Pizetta, quando questionado sobre a
diferença da ENFF em relação às instituições convencionais:
Procuramos na Escola, trabalhar com sujeitos, não com indivíduos.
[...] Esses sujeitos assumem tarefas de manutenção da escola, limpeza,
lavação de louças, trabalho na produção, enm, uma série de ações com
as quais os estudantes das universidades não precisam se preocupar. Aqui,
o funcionamento da Escola exige a contribuição dos educandos, pois não
existem funcionários
20
para deixar tudo limpo e organizado. Logo, a
coletividade é responsável pela sua existência, manutenção e continuidade.
Portanto, o trabalho é uma dimensão pedagógica, educativa fundamental
na ENFF. Outro diferencial está relacionado à forma organizativa dos
educandos. Todos participam dos Núcleos de Base, com divisão de tarefas
e responsabilidades internamente, como forma de garantir o cumprimento
19
Segundo Gasparin (2009), a brigada tem a função de administrar do ponto de vista político, pedagógico e
funcional o cotidiano da escola.
20
Segundo Araújo (2015), a grande maioria dos/as trabalhadores/as permanentes da escola são lhos de
assentados, mas também há funcionários contratados: “Tem algumas funções, por exemplo, na cozinha,
que temos que ter contratados; motoristas têm que ser contratados. Você não pode mudar, né? Mas a parte
pedagógica, todos são do movimento social.”.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
77
das atividades práticas, de estudo, cultura. Enm, essa organicidade é
fundamental e também passa a ser uma dimensão pedagógica da
ENFF. Na sua grande maioria, os estudantes que comparecem aos
cursos na Escola (camponeses e lhos de trabalhadores pobres) vêm
com intencionalidades e integram a parcela da classe que entende a real
necessidade de qualicação na efetivação de uma práxis emancipadora.
Portanto, as questões disciplinares, de dedicação ao estudo, à pesquisa
e a própria elaboração se desenvolvem de forma consciente, sem
necessidade de mecanismos como provas, lista de presença, professores
autoritários etc. (PIZETTA, 2010, grifos nossos).
Com essa organização, busca-se não separar a condição de educan-
do daquela de responsável pelo funcionamento e manutenção da escola;
não dissociar os compromissos com o estudo e com as tarefas cotidianas,
ainda que haja um coletivo de membros permanentes
21
. Porém, a amplia-
ção das atividades e a diversicação do público nem sempre permitem que
isso seja rigorosamente cumprido.
Então, a parte da manutenção dos serviços, dos trabalhos, da
produção... tudo isso é construído pelo conjunto aqui: estudantes,
professores, né, brigada, então, eles se inserem na organização, que
são as unidades / setores de trabalho. Então, eles têm o tempo-
trabalho e o tempo-estudo. Porém, tem diferenças entre alguns
cursos: esse tipo de currículo é para os cursos de mais tempo, de larga
duração. Porque há cursos, aqui, que são semanas... intensivo, eles
vêm, estudam, né, e voltam para as suas comunidades e vão fazer o
trabalho-comunidade lá! [...]. E há outros cursos que permanecem
mais tempo, que se estabelece todo um sistema de participação, de
gestão de processos, né, de organização de processos, de estudo, de
produção, que faz parte da formação desses estudantes, né? Então,
depende do público, depende do curso. Mas, em geral, a escola tem
um tempo-estudo, um tempo-trabalho, um tempo-pesquisa, né, e
ação nas comunidades. (ARAÚJO, 2015).
Da mesma forma, essa lógica não se estende à criação de cursos e
seu acompanhamento. Segundo Princeswal (2007, p. 142), estas são tare-
fas especícas do Departamento de Cursos Formais
22
, um dos três que es-
tão ligados à Direção Política de Formação, acima da qual se situa apenas
21
Trata-se da mencionada Brigada Apolônio de Carvalho.
22
Araújo (2015) refere-se a este como Núcleo de Cursos Formais.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
78
a Coordenação Geral. Embora aquele departamento centralize as decisões,
não é prerrogativa exclusiva dele a proposição de novos cursos, que também
podem partir dos setores regionais do movimento. Do entendimento desses
setores sobre a existência de demanda suciente para cursos de formação em
áreas especícas pode se originar uma proposta e, inclusive, participação di-
reta nos trabalhos de diálogo e negociação com as IES que se encarregam de
oferecer formalmente os cursos. (PRINCESWAL, 2007, p. 142).
O estudo de Princeswal (2007, p. 144-145) acrescenta que, além
da iniciativa do próprio MST, o inverso também ocorre quando a própria
universidade e/ou professores “procuram o MST, interessados em rmar
algum convênio”, o que não signica que o MST sempre aceite fazer as
parcerias, haja vista que as propostas curriculares das IES podem não inte-
ressar ao movimento. Em síntese, a relação entre as IES e a ENFF é sempre
marcada por conitos, avanços e recuos.
23
Na formatação atual da escola, segundo Araújo (2015), há três nú-
cleos que cuidam especicamente dos cursos na ENFF: o de cursos inter-
nacionais, que tinha a denominação Núcleo de Estudos Latino-Americanos
24
,
o Núcleo de Estudo da Teoria Política Nacional e o Núcleo de Cursos Formais,
responsável pelas parcerias.
Quanto à formação de graduação, as parcerias da ENFF com insti-
tuições públicas e privadas têm envolvido cursos em áreas como pedagogia
(incluindo a licenciatura em educação do campo), geograa, serviço social,
direito, veterinária, ciências agrárias e história.
25
Além disso, há projetos de
extensão, cursos de curta duração e, mais recentemente, têm crescido os
cursos de especialização (pós-graduação lato sensu), muitos dos quais no
âmbito do Programa Residência Agrária, atualmente com 36 cursos em
andamento em todo o país. (MST, 2015)
26
.
23
Apesar da existência de um Departamento especíco para cuidar dos cursos da ENFF, a cada novo curso
constitui-se um coletivo pedagógico especial, com participação dos próprios estudantes e professores, para
autogestionarem as atividades formativas (STÉDILE; HILARIO; FUSER, 2013).
24
Em função da abertura da ENFF a estudantes estrangeiros que falam a língua inglesa, essa denominação não
deverá mais ser utilizada, segundo Araújo (2015).
25
Em dezembro de 2014, o MST noticiou o início da primeira turma de graduação em Ciências Sociais, em
parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. (MST, 2014a).
26
“Os cursos de Residência Agrária são resultado da parceria rmada entre o Incra, por meio do Pronera, o MDA
e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíco e Tecnológico (CNPq) que resultou na contratação de
36 projetos, voltados à formação de 1,6 mil alunos em 28 universidades em todo o País.” (INCRA, 2014).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
79
Na pós-graduação stricto sensu há dois cursos em funcionamento:
o Mestrado em Desenvolvimento Territorial na América Latina e
Caribe, em parceria com a Universidade Estadual Paulista (UNESP) e a
Cátedra UNESCO de Educação do Campo. (ASSOCIAÇÃO..., 2010);
e o Mestrado Prossional em Trabalho Saúde, Ambiente e Movimentos
Sociais, com a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP- Fiocruz).
(MST, 2014).
Os cursos organizados e mantidos pela própria ENFF atualmente
são 13 (ARAÚJO, 2015). Abrangem áreas como questão agrária, as obras
Karl Marx e Florestan Fernandes, e cursos voltados para a formação de
dirigentes dos movimentos sociais, nacionais e internacionais. A ENFF
também mantém um projeto em parceria com a Petrobrás, intitulado Ju-
ventude em ação: a arte de construir cidadania, cuja descrição indica o ob-
jetivo de “Promover a inserção e a valorização da juventude na sociedade,
preparando-a para ingressar no mercado de trabalho e para exercer sua
cidadania através da qualicação prossional e das manifestações artísticas
da cultura popular brasileira”. (PETROBRÁS, 2013).
Dados aproximados da AAENFF indicam que mais de 24 mil pes-
soas já passaram pela escola nas suas diversas atividades. No que se refere
aos cursos de formação para militantes, trata-se de um público predomi-
nantemente vinculado ao MST, mas cada vez mais internacional
27
, como
mostram os dados do ano de 2012, quando a escola recebeu 147 estran-
geiros frente a um total de 188 militantes do movimento. (ESCOLA...,
2013, p. 03). Cerca de 500 professores voluntários, do Brasil e de outros
países, colaboram com a ENFF, que mantém convênios com pelo menos
35 universidades brasileiras e outras 15 escolas de formação estrangeiras.
(ASSOCIAÇÃO..., 2010).
27
Essa tendência foi conrmada por Araújo (2015), para quem a escola tinha um perl mais latino-americano,
mas foi se aproximando de países do continente africano e, atualmente, já mantém cursos não formais em língua
inglesa, podendo atender militantes e estudantes de diversos outros países, em especial da América do Norte e
Europa Ocidental.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
80
conclusão
O que caracteriza a ENFF não é seu reconhecimento enquanto
escola de nível superior.
28
Ela é um centro que articula
29
projetos de for-
mação de outras instituições educativas – estas, sim, reconhecidas – bem
como projetos dos próprios movimentos sociais. Algumas das fontes con-
sultadas para esta pesquisa indicam que é, sobretudo, por meio da Escola
que o Movimento tenta introduzir novas identidades nesses cursos de for-
mação superior em parcerias com IES. Araújo (2015), porém, relativiza
esse papel, armando que há um “coletivo nacional de educação que é
constituído nos estados”, cujo papel é o de pensar, elaborar e propor tais
formas de intervenção (cursos, currículos, metodologias). A ENFF é parte
dele, mas não seu dirigente. Além disso, a própria CPP da ENFF teria
como suporte uma série de outros coletivos, de caráter interssetorial, que
subsidiariam as decisões e políticas implementadas na escola.
A preocupação estratégica do MST com o ensino superior vem sen-
do demonstrada há anos e antecede a existência da ENFF. E ela não está
desvinculada das demais etapas do ensino, como o demonstra a recorrente
menção ao problema da formação de professores, entendida pelo movi-
mento como chave para a escolarização elementar de suas bases.
30
Pelo fato de ser ela própria parte de um processo de construção
permanente, característico das ações do MST no campo educacional, a
apreensão do real sentido da ENFF é algo que também está sendo cons-
truído pelo movimento. O mesmo vale para sua proposta político-peda-
gógica, pois se, em 2007, Princeswal (2007, p. 171) constatara que ainda
era cedo para se falar numa proposta consolidada, também observou a
diculdade de tornar isso efetivo, em função da necessidade de ter que
dialogar – e negociar – cada curso com diferentes instituições e em con-
textos que se modicavam rapidamente, como mudanças na administra-
ção daquelas instituições.
28
Juridicamente, a escola é uma associação privada, destinada a atividades de ensino não especicadas para
outros tipos de instituições. Não possui, por isso, reconhecimento do MEC, mas, dada essa condição, pode
estabelecer contratos e convênios com outras entidades e com o poder público.
29
A ideia de uma escola de articulação já estava presente no já referido Caderno de formação n. 29, da Campanha
de construção da ENFF (MST, 1998).
30
Sobre isso, ver o documento Lutas e conquistas (MST, 2010).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
81
Por certo, sobressai certa controvérsia sobre o caráter formal da
ENFF: se é escola superior, universidade popular, ou, ainda, escola de forma-
ção política que tende a se afastar de uma institucionalidade própria, como
sugerira Adelar Pizzeta (2007, p. 246), em trecho previamente citado:
A ENFF surge [...] com o propósito de pensar, programar, planejar,
organizar e desenvolver a formação política e ideológica dos militantes
e dirigentes do conjunto do MST. Ela passa a ser um (não o) espaço de
articulação das inúmeras iniciativas e experiências que estão em curso
nos estados e articuladas pelos diferentes setores de atividades do MST,
no sentido de buscar uma maior unidade e qualicar essa práxis.
O mesmo Pizetta, em matéria assinada por Santos (2005) na
Revista Sem Terra, quando da inauguração em Guararema, apresentava
outro horizonte para a escola:
O maior desao dessa nova empreitada do MST é transformar o
complexo de ensino na primeira Universidade Popular do Brasil. ‘A
médio prazo, pretende-se constituir o Instituto de Ensino Superior Florestan
Fernandes, reconhecido pelo MEC, como possibilidade de abrir cursos e
graduar militantes e dirigentes dos movimentos sociais. Normalmente,
esses dirigentes não possuem condições de frequentar uma universidade
convencional. Por isso, a ENFF terá uma pedagogia e metodologia
adaptada à realidade dos trabalhadores do campo. Poderá continuar
utilizando a Pedagogia da Alternância, como funcionam hoje os cursos
de graduação (Pedagogia, História, Ciências Agrárias, Agronomia,
etc) em parceria com diversas Universidades públicas de vários estados
brasileiros’, nalizou Pizetta. (SANTOS, 2005, p. 33, grifo nosso).
O fato é que a Escola, como os dirigentes do MST costumam de-
nominá-la, vem exercendo um papel de articulação entre as IES e as neces-
sidades e demandas do Movimento em termos de formação técnica e polí-
tica. Vem promovendo a ocupação do ensino superior regular e, ao mesmo
tempo, realiza cursos de formação política para militantes, dirigentes e
membros de movimentos sociais, como fazia desde os tempos da Escola
Sindical Margarida Alves. Tenta-se evitar, assim, a dicotomia formação téc-
nica-formação política.
31
31
Sobre a questão da formação buscada pelo MST, ver Dal Ri e Vieitez (2004, p. 1382).
Neusa Maria Dal Ri & Outros
82
Uma leitura mais orgânica ao Movimento tem indicado que a ocu-
pação também poderá produzir outro resultado, a saber, de que a educa-
ção do campo venha a se converter em nova área de estudos e pesquisas
nessas instituições. Uma espécie de combinação entre escolarização, for-
mação político-ideológica e formação técnica, que, aos poucos, pudesse
formar um “intelectual coletivo de classe”, orgânico ao trabalho nas áreas
da reforma agrária. (KOLLING; VARGAS; CALDART, 2012, p. 506).
Nesse mesmo sentido, Santos (2012, p. 634) arma que a presença dos
camponeses, como sujeitos coletivos de direitos, no ambiente acadêmico,
têm fortalecido a perspectiva de novas práticas nos campos do ensino e da
pesquisa”, não só por conta dos conteúdos, mas também da nova relação
tempo e espaço que se institui. Diz a jornalista:
O Pronera produziu, no âmbito do debate acadêmico, o diálogo com
uma nova perspectiva de produção do conhecimento e de pesquisa;
legitimou o conito no ambiente da universidade, ao reconhecer os
camponeses como sujeitos de direitos [...]; e estabeleceu um rompimento
conceitual, ao reconhecê-los como portadores de conhecimento, e não
apenas como objeto de pesquisa. (SANTOS, 2012, p. 636).
Já Adelar Pizetta (apud SORIANO; CARRANO, 2013) entende
que, por meio dos cursos, acontece uma fusão importante entre o conhe-
cimento produzido pelas organizações sociais e a produção no interior
da Universidade.
Como se poderia esperar, construiu-se no Movimento um discurso
positivo e favorável à continuidade dos convênios e parcerias
32
. Estudos so-
bre as especicidades destas parcerias, bem como sobre as diferentes formas
de recepção e abrigo desses cursos nas IES, poderão mostrar se essa relação
tem sido bem-sucedida na perspectiva do MST, isto é, se é possível garantir
32
Exemplo desse discurso encontra-se em Bezerra, Rodrigues e Pizetta (2007, p. 20): “Os educadores do
movimento, ao participarem dos cursos em parceria com as universidades, constroem a verdadeira identidade
destes cursos. A presença na Universidade não é como indivíduo, mas como parte de uma identidade
coletiva cujo processo de construção não começa nem termina no espaço universitário. [...]. Ao contrário do
tratamento individualista que a Universidade ainda sustenta, percebemos a armação das turmas como sujeitos
coletivos. [...] para os militantes do MST, estar na Universidade é mais do que estar envolvido em processo de
prossionalização técnica. É a possibilidade de armar a identidade de resistência e luta social. Isto representa
um novo jeito de estar na Universidade, pois divulga a causa da Reforma Agrária e aumenta o compromisso da
sociedade com ela”.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
83
avanços no sentido da superação da dicotomia antes apontada (formação
técnica x formação política) em instituições já consolidadas, com conteú-
dos e professores formados e, de certo modo, já aculturados nesses ambien-
tes acadêmicos.
Quanto ao alcance já obtido pelos convênios da ENFF/MST com
universidades e outras IES, promovendo cursos de graduação e especiali-
zação que permitem aos integrantes do Movimento (normalmente excluí-
dos desse acesso, sobretudo no setor público/estatal) acessar este nível de
ensino, trata-se de uma luta relativamente bem-sucedida.
33
Anal, como
arma Araújo (2015), ocupar o latifúndio do saber é tão difícil quanto
o latifúndio da terra. Contudo, são pertinentes e devem ser investigadas
questões sobre as condições nas quais isso ocorre e se os cursos garantem o
mesmo padrão de qualidade e de formação aos estudantes. Na condição de
membro da CPP da Escola, Araújo arma se tratar de uma relação tensa
entre a ENFF e as instituições parceiras.
[...] o que ocorre é que [...] a universidade aprende com os movimentos,
os movimentos aprendem com a universidade, é uma troca [...]. Claro
que nisso há conitos, há mediações, muitas vezes [...] você tem, às
vezes, um projeto de uma forma, mas para você conseguir a aprovação
dele você cai na estrutura, né, ocial da academia e que só reconhece
dentro dessas condições. (ARAÚJO, 2015).
Tais discursos positivos não parecem indicar uma conformação
com a situação alcançada. Apontam para uma luta que está sendo trava-
da. A pesquisa da qual resultou esse texto não objetivava avaliar todo esse
conjunto de elementos. Não há dúvida, porém, que a presença do MST no
interior das IES representa um início de reconhecimento dos sujeitos do
campo como sujeitos de direito à educação superior. Este parece ser o en-
tendimento de Kolling, Vargas e Caldart (2012, p. 507), quando armam
que as formas de participação e a própria presença dos sujeitos do MST
no interior das universidades são mecanismos de garantia de uma “escola
diferente” nesse nível de ensino.
33
Estudo de Lerrer (2012) apurou que, das turmas iniciadas entre 1998 e 2010 (via Pronera), 2.951 alunos
integrantes de movimentos sociais do campo obtiveram diplomas de nível superior (graduação ou especialização),
a maior parte em universidades federais.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
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mst: trabalho E Educação nos dEsafios da
quEstão agrária no brasil contEmPorânEo.
Fabiana de Cássia Rodrigues
Melina Casari Paludeto
introdução: quEstão agrária no brasil E os dEsafios da Educação
E do trabalho na luta do mst.
Segundo Maria Orlanda Pinassi (2010), o MST realiza uma práxis
com poder de confronto potencialmente capaz de transformar a realida-
de existente. Neste texto, relacionamos esta potencialidade com o fato de
que sua pauta de luta questiona uma das bases que conformam a particu-
laridade do capitalismo no Brasil (RODRIGUES, 2013). Ao se colocar
na luta pela terra, o MST confronta a concentração fundiária, elemento
fundamental da estrutura produtiva em torno da qual historicamente se
organiza a economia e as relações sociais no país, este atributo lhe confere
radicalidade, pois, inevitavelmente, o coloca em contato com uma das raí-
zes das desigualdades sociais.
O MST originou-se de ocupações de terra no sul do país. A reivin-
dicação imediata era por terra necessária à produção agrícola que garantiria
a sobrevivência material de famílias de origem rural que não tinham mais
alternativa de trabalho no campo. Com o apoio de instituições importan-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
90
tes, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Partido dos Trabalhado-
res (PT), o MST se organizou nacionalmente ao longo dos anos de 1980,
estabelecendo a luta pela terra em diferentes estados. Portanto, na prática
imediata o que se pretendia era a conquista da propriedade da terra por
famílias para as quais ela estava totalmente inacessível.
No entanto, cabe indagar qual o signicado desta reivindicação em
nossa realidade. Trata-se de um país com altíssima concentração fundiária,
estabelecida desde a forma de apropriação das terras na época colonial,
estrutura que foi legitimada por meio da Lei de Terras de 1850 (SILVA,
1996). A estrutura agrária concentrada teve, ao longo dos séculos, estreita
relação com o tipo de exploração econômica que se desenvolveu, pauta-
da no latifúndio, na monocultura e na extrema exploração do trabalho
(PRADO JÚNIOR, 2000). Estudos de intelectuais de diferentes perspec-
tivas teóricas apontam a correlação entre esta estrutura fundiária e as bases
da exploração do trabalho no Brasil (PRADO JÚNIOR, 1968, IANNI,
1984, MARTINS, 1981). A concentração da propriedade da terra em
poucas mãos tem origens no passado colonial e foi reiterada em momentos
decisivos do desenvolvimento capitalista, como na Revolução de 1930 e,
também, em meio a intensicação da industrialização, nos anos de 1950,
circunstâncias em que não se empreendeu uma reforma agrária. Nem mes-
mo no contexto da luta pelas reformas de base no Governo Goulart houve
avanços na alteração da estrutura agrária, e quando o presidente deu sinais
de mudanças neste sentido estava em curso uma articulação política que
promoveu um golpe militar em 1964, em grande medida alimentada pelas
resistências à reforma agrária. Durante a ditadura militar, instaurada em
1964, os conitos agrários foram duramente reprimidos, a política agrá-
ria aprofundou as condições para que a força de trabalho no campo fosse
violentamente explorada, bem como houve um esforço sistemático para
extrair a reforma agrária do conjunto de transformações necessárias ao de-
senvolvimento capitalista.
Nesta ocasião, a política agrária da ditadura sedimentou com força
legal o controle das terras pelo latifúndio, tal como estabelecido no Estatu-
to da Terra de 1964 (SILVA, 1997). O Estatuto expressava os interesses da
grande propriedade, já que a hipotética redistribuição de terras cou restrita,
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
91
a partir daí, às terras residuais, como as do latifúndio improdutivo e terras
devolutas. A importância histórica desta lei está na denição dos limites da
luta pela terra e na maneira pela qual a reforma agrária passou a ser encarada
a partir daí: “[...] a visão da reforma agrária como parte das reformas de base
foi abandonada em favor da elaboração de uma ‘política de terras’ que desse
um uso social às terras improdutivas.” (SILVA, 1997, p. 21)
Durante a ditadura militar, a questão agrária deixou de ser tratada
como um problema caro ao desenvolvimento do capitalismo em bases mais
democráticas, tal como se congurava no debate acerca das reformas de
base no governo João Goulart. Questões como equacionar a situação mise-
rável da população do campo, equilibrar a relação entre capital e trabalho
nas áreas rurais e, consequentemente, urbanas, bem como a concentração
fundiária foram crescentemente apagadas do debate intelectual e político,
por força dos interesses dos latifundiários com forte penetração no poder
do Estado. O único problema a ser solucionado no campo se restringiu à
questão agrícola, que seria resolvida com mais maquinário, mais insumos,
maior produtividade, subordinando crescentemente a agricultura aos inte-
resses da indústria nacional e estrangeira.
Desse modo, a pauta colocada pelo MST, reivindicando terras para
as famílias daí tirarem seu sustento, toca num desao histórico no com-
bate das desigualdades sociais e adquire componentes subversivos à forma
como se organiza econômica e socialmente o país. Em outras palavras, ao
se contrapor aos latifúndios e reivindicar mudanças na estrutura agrária no
Brasil, o MST ameaça a correlação de forças entre as classes sociais e, por
esta razão, se expressa de maneira altamente ameaçadora à ordem existente.
Na primeira década de existência do Movimento, nos anos de 1980,
a resposta do latifúndio foi incisiva contra alterações na estrutura agrária.
Durante o governo de José Sarney, em meio à pressão pela reforma agrária
advinda de setores organizados da sociedade e do MST, foi elaborado o
Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (I PNRA) em conformidade
com o que previa o Estatuto da Terra. Segundo informa o Jornal dos Sem
Terra n. 45 (1985, p. 12) a reação foi violenta:
Neusa Maria Dal Ri & Outros
92
A intenção do governo federal em fazer a Reforma Agrária com base
no Estatuto da Terra provocou uma reação em massa (e violenta)
por parte dos latifundiários. De Norte a Sul do país, surgem a cada
dia novas informações de que os latifundiários estão formando (e
armando) milícias privadas para combater o Plano do governo. A
violência contra os trabalhadores rurais, que já era grande, aumentou
ainda mais. Os latifundiários concluíram que a única forma de acabar
com as áreas de conitos e impedir a Reforma Agrária é eliminar
sicamente os trabalhadores rurais sem terra; posseiros e lideranças
sindicais. As mortes ocorridas só no mês de junho conrmam essa
tática dos latifundiários.
Nos anos subsequentes, os Sem Terra sofreram toda sorte de vio-
lência, seja por meio da difamação nos órgãos da mídia, seja por meio de
massacres dos trabalhadores em luta, como foi o caso ocorrido em Eldora-
do dos Carajás em 1996
1
.
Nos anos mais recentes, houve um fortalecimento da denominada
vocação agrícola do país atrelada aos interesses do grande capital internacional
na agricultura, e o que se viu foi um acirramento da concentração fundiária
e uma reiteração das bases que sempre fundamentaram as atividades
econômicas no país. A legalização da grilagem de terras pelo agronegócio
na Amazônia é emblemática, conforme explica o geógrafo Ariovaldo
Umbelino de Oliveira (2010, p. 316)
[...] o agronegócio está vencendo a luta pelo controle da terra destinada
à reforma agrária e o governo atual implanta a contrarreforma agrária
para regularizar a grilagem das terras públicas na Amazônia Legal.
E, como é comum nas ações políticas onde se procura esconder da
sociedade a verdadeira intenção de seus atos, o MDA se adiantou
em armar que a regularização fundiária na Amazônia beneciará os
pequenos posseiros. Mas a legislação existente já permitia a legitimação
das suas terras. E mais, quando se toma as áreas a serem objeto destas
ações, verica-se que há nessa região, potencialmente, mais de 115
milhões de hectares de terras públicas devolutas, e mais de 67,8
milhões de hectares que são de propriedade do Incra e estão grilados.
Em linhas gerais, o massacre ocorrido há 23 anos no município de Eldorado dos Carajás/Pará, deveu-se ao
confronto promovido pela polícia local que, violentamente, assassinou 19 dos 1500 integrantes do MST que
marchavam em protesto contra a demora da desapropriação das terras que ocupavam na região. Tamanha foi
a repercussão do ocorrido que, uma semana depois desse massacre, o Governo Federal criou o Ministério da
Reforma Agrária.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
93
Desse total, a área ocupada pelos pequenos posseiros (284 mil) é de
apenas 17 milhões de hectares. Portanto, o objetivo da política de
contrarreforma agrária do governo Luis Inácio da Silva no segundo
mandato é, na verdade legalizar a grilagem de mais de 182 milhões de
hectares de terras públicas e devolutas, constitucionalmente da reforma
agrária, dos povos indígenas, dos remanescentes de quilombolas e da
proteção ambiental.
Diante dos interesses relativos ao avanço da fronteira agrícola e pela
incorporação de novas terras a serem utilizadas pelo monocultivo de gêne-
ros como soja e cana de açúcar, a reforma agrária saiu completamente da
pauta política. Não houve a realização do II PNRA, bem como é exíguo
o número de assentamentos efetivados durante a última década
2
, eviden-
ciando também uma completa hegemonia dos interesses do agronegócio
nas políticas do Estado.
3
A educadora Roseli Caldart (2013) qualica este quadro como
uma situação de bloqueio à reforma agrária no Brasil e explica que essas
circunstâncias levaram o MST ao estudo para apurar a análise e ajustar os
rumos da continuidade da luta pela terra. Desse modo, a proposta mais
recente do MST, denominada de Reforma Agrária Popular, aponta para
outro modelo de agricultura, contraposto ao do agronegócio:
E talvez essa seja a grande novidade histórica do projeto de Reforma
Agrária Popular, nos termos em que estamos começando sua
formulação: colocar em pauta o embate de modelos de agricultura e
vincular a histórica luta dos trabalhadores pela desconcentração da
propriedade da terra com esse embate. A denominação atual dos polos
em confronto, agronegócio versus agricultura camponesa, acompanha
a historicidade e reconstrução de signicados desses conceitos.
(CALDART, 2013, p. 2).
Para o Movimento, as diculdades que se impõem são de signicati-
va grandeza, porque houve uma reiteração das bases latifundiárias que supor-
“O II PNRA elaborado em 2003 acabou em 2007, e o atual governo do PT não colocou na agenda da reforma
agrária a elaboração do III PNRA, logo, se desobrigou de fazer a reforma agrária.” (OLIVEIRA, 2010, p, 308).
“[...] a política de reforma agrária do governo do PT está marcada por dois princípios: não fazê-las nas áreas
de domínio do agronegócio e fazê-la a penas nas áreas onde ela possa ’ajudar’ o agronegócio. Ou seja, a reforma
agrária está denitivamente acoplada à expansão do agronegócio no Brasil.” (OLIVEIRA, 2010, p. 308).
Neusa Maria Dal Ri & Outros
94
tam as atividades econômicas no país, estreitando o campo de ação possível
para as ocupações de terra atrelada à luta por uma reforma agrária clássica.
O bloqueio à reforma agrária se expressa tanto pela violência siste-
mática que sofrem aqueles que lutam por terra quanto pelo desao de pen-
sar alternativas à ordem, que contrariem a atual organização do trabalho
na agricultura, de maneira a se opor à lógica do agronegócio. Se, desde as
origens, a luta do Movimento o provocou a pensar e a se posicionar sobre
vários aspectos da realidade, as circunstâncias atuais exigem formulações
que articulem as questões educacionais e seus vínculos com o trabalho.
Com o passar das décadas, foi amadurecendo a percepção de que se
trata de confrontar a organização do trabalho, vivenciado como mercado-
ria e com práticas individualistas, apontando numa outra direção em que
se possa exercer o trabalho como valor de uso e segundo uma prática cole-
tiva. Ao mesmo tempo, percebe-se que a educação, tema presente desde os
primeiros momentos do Movimento, deve estabelecer vínculos orgânicos
com o trabalho. Trata-se da perspectiva da educação omnilateral, que se
dirige ao desenvolvimento do ser humano em todas as suas dimensões e
que possui o trabalho como princípio educativo.
Devido ao fato de o MST incorporar parte da população brasileira
mais brutalizada pelas desigualdades sociais, a questão do atendimento es-
colar se fez presente, já que a mesma dinâmica histórica que priva os Sem
Terra da propriedade fundiária, os impede de ter acesso à educação. Diante
dos desaos impostos pela luta, o MST não se restringiu apenas a uma
pauta reivindicativa por atendimento escolar para suas crianças, mas hou-
ve a criação de um setor educacional, congregando lideranças e militantes
voltados a estudar autores que em outros contextos históricos também se
debruçaram sobre esta questão numa sociedade em transformação. Como
arma Roseli Caldart (2004), houve inuência signicativa da obra de
Paulo Freire, bem como dos pedagogos russos, que possuem uma contri-
buição signicativa, uma vez que elaboraram teorias a respeito dos desaos
educacionais para a construção de uma sociedade em que a divisão social
do trabalho se faria em bases socialmente igualitárias.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
95
Assim, o Movimento foi desaado a pensar o trabalho em bases in-
teiramente novas, uma vez que a “[…] forma concentrada de apropriação
das terras coloca a população do campo numa situação de subserviência e
deprime as condições em que é ofertada a força de trabalho também nos
centros urbanos” (RODRIGUES, 2015, p. 21).
Este esforço de pensamento do MST é coerente com a tradição de
pensamento ligada às experiências revolucionárias na União Soviética, que le-
garam uma obra teórica considerável abordando as preocupações com a edu-
cação vinculada aos desaos do trabalho numa sociedade em transformação.
1. Educação no mst: a luta quE Educa Para o trabalho ou o
trabalho quE Educa Para a luta?
O processo educativo do MST é produto do próprio se fazer do
Movimento em luta, portanto, não é possível, a partir dessa concepção
educacional, separar luta de educação. Tampouco é possível estudar as
propostas educacionais do MST sem levar em consideração os desaos
ensejados pela organização do trabalho. A implementação dos princípios
educacionais, sob essa ótica, diferencia-se de acordo com cada realidade
vivida, respeitando o momento histórico, as correlações de forças políticas
dos próprios integrantes, das parcerias e das alianças entre Movimento e
sociedade sem, contudo, perder a base de sustentação dos princípios que
norteiam sua pedagogia.
A pedagogia do MST é o jeito através do qual o Movimento
historicamente vem formando o sujeito social de nome Sem Terra e
que no dia a dia educa as pessoas que dele fazem parte. [...] A pedagogia
do MST hoje é mais do que uma proposta. É uma prática viva, em
movimento (MST, 2001, p. 19).
Mesmo o Movimento armando anos depois esse caráter proposi-
tivo de seu projeto educacional, a sua compreensão do que é pedagogia,
ou seja, “[...] o jeito de conduzir a formação de um ser humano” (MST,
1999, p. 6), nos permite armar que sempre houve em seu interior uma
pedagogia própria, ou um jeito próprio de conduzir a educação que pos-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
96
sibilita que sua pedagogia assuma certas particularidades. Pois, “[...] ao
produzir e implementar uma nova proposta de educação em suas escolas,
o Movimento acabou criando também uma nova forma de lidar com as
matrizes pedagógicas ou com as pedagogias construídas historicamente”.
(DAL RI, 2004, p.186)
A necessidade do Movimento de pensar no processo pedagógico
surgiu da necessidade prática que envolvia os métodos de luta. O contex-
to reivindicativo de formação do MST, bem como o fato de tocar numa
questão fundante do capitalismo no Brasil, como a concentração fundiá-
ria, possibilitou que o Movimento questionasse inúmeros outros aspec-
tos ensejados pelas contradições sociais vividas pelos homens do campo
e diferentes âmbitos de sua vida, em especial o educacional. Isso signica
poder armar que para o Movimento a luta pelo acesso e democratização
da terra está pari passu à luta e acesso aos conhecimentos sistematizados e
elaborados historicamente pelo conjunto dos homens. Assim, o MST luta
desde 1984 “[...] pelo acesso à educação pública, gratuita e de qualidade
em todos os níveis para as crianças, jovens e adultos de acampamentos e
assentamentos.” (MST, 2010, p. 23).
A concepção de educação do Movimento pode ser vericada ou
inferida em diversos de seus documentos (MST, 1996; 1999; 2001), bem
como documentos de entidades organicamente a ele vinculadas como, por
exemplo, a CONCRAB (1995; 1996a; 1996b) e o ITERRA (1996; 1997).
Porém, o documento que melhor expressa suas diretrizes pedagógica é o
Princípios da educação no MST (1996).
Neste documento estão dispostos os princípios educacionais em
sua acepção teórico-metodológica e conceitual. “Temos que entender estes
princípios como nosso horizonte, o lugar onde queremos chegar enquanto
transformação da educação” (MST, 1996, p. 27).
1.1. PrincíPios Educacionais do mst
Os princípios educacionais são compreendidos como resultado de
suas práticas realizadas e correspondem a “[...] algumas ideias/convicções/
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
97
formulações que são as balizas (estacas, marcos, referências) para nosso
trabalho de educação no MST. Neste sentido, eles são o começo, o ponto
de partida das ações.” (MST, 1996, p. 4), e estão ancorados em duas deri-
vações: nos princípios losócos e nos princípios pedagógicos.
Os princípios losócos dizem respeito a nossa visão de mundo, nossas
concepções mais gerais em relação à pessoa humana, à sociedade,
e ao que entendemos que seja educação. Remetem aos objetivos
mais estratégicos do trabalho educativo no MST. [...] os princípios
pedagógicos se referem ao jeito de fazer e de pensar a educação, para
concretizar os próprios princípios losócos (MST, 1996, p.4).
1.1.1. PrincíPios filosóficos
São quatro os princípios losócos identicados no Movimento
(MST, 1996). O primeiro princípio é o da transformação social, que
busca elementos na compreensão do que deve vir a ser a educação que
transformará a realidade social e os sujeitos nela inseridos, e está subdi-
vidida em 6 itens que denem esta concepção, isto é: educação de clas-
se; educação massiva, educação organicamente vinculada ao Movimento
Social; educação aberta para o mundo; educação para a ação; e educação
aberta para o novo.
Em todas essas concepções dispostas, nota-se o intuito em formar
para transformar. Nesse sentido, o princípio que rege como sendo funda-
mental é o direito inalienável à educação. Mas não se trata de uma edu-
cação em sua forma abstrata, e sim organicamente vinculada às lutas e ao
próprio Movimento, com métodos próprios que buscam a construção de
uma hegemonia e projeto político particulares alçando a projeção de um
mundo novo, não se prendendo à realidade imediata.
Para isso, a relação entre teoria e prática faz-se fundamental. A edu-
cação deve alimentar o desenvolvimento da chamada consciência organi-
zativa, que é aquela em que as pessoas conseguem passar da crítica à ação
organizada de intervenção concreta na realidade. E, acima de tudo, essa
educação deve ser capaz de entender e ajudar a construir as novas relações
sociais e interpessoais que vão surgindo dos processos políticos e econômi-
cos mais amplos em que o MST está inserido.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
98
O segundo princípio é o que associa educação para o trabalho e a
cooperação, ou o mesmo que a relação necessária que a educação e a escola
devem ter com os desaos impostos pelo tempo histórico. Está no cerne do
Movimento a luta pela reforma agrária, portanto, as práticas educacionais
que se realizam no meio rural devem incorporar os desaos impostos por
essa luta na implementação de novas relações sociais de produção no cam-
po e na cidade. (MST, 1996, p. 7)
O terceiro, por sua vez, fundamenta-se em uma educação volta-
da para as várias dimensões da pessoa humana valorizando-se a educação
omnilateral, ou seja, uma educação que intenta alcançar a amplitude da
capacidade de desenvolvimento da pessoa. Portanto, uma educação que
busca desenvolver o intelecto, as habilidades manuais, políticos, morais,
etc. MST, 1996, p. 8). Algumas das dimensões principais que o Movimen-
to destaca acerca desse princípio são: “[...] a formação político-ideológica;
a formação organizativa; a formação técnico-prossional; a formação do
caráter ou moral (valores, comportamentos com as outras pessoas); a for-
mação cultural e estética; a formação afetiva; a formação religiosa [...]”
(MST, 1996, p. 8).
Por m, o quarto princípio dene-se por uma educação com base
em valores humanistas e socialistas, pois a educação no Movimento tem
como valor fundamental a construção do novo homem e da nova mulher.
Assim, a preocupação do Movimento é priorizar uma formação que rompa
com os valores dominantes na sociedade atual, que são centrados no lucro
e no individualismo desenfreados. (MST, 1996, p. 9).
1.1.2. PrincíPios PEdagógicos
Com o intuito de tornar concretos os princípios losócos, os prin-
cípios pedagógicos denem-se pelo fazer e pensar a educação. A relação
entre prática e teoria dene-se pela busca de uma educação de sujeitos
para um novo projeto de desenvolvimento social para o campo de forma
que sejam capazes de articular ecazmente a teoria e a prática. Aqueles que
não conseguem agir dessa forma no contexto social atual, não conseguem
compreender os desaos postos pela realidade.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
99
[...] consideramos superada historicamente aquela visão de que a escola
é apenas um lugar de conhecimentos teóricos que depois, fora dela, é
que serão aplicados na prática. Queremos que a prática social dos/das
estudantes seja a base do seu processo formativo, seja a matéria prima e
o destino da educação que fazemos. (MST, 1996, p. 10-11)
A combinação metodológica entre processos de ensino e de capa-
citação, outro princípio pedagógico, por sua vez, possibilita uma relação
baseada no respeito ao desenvolvimento do educando, em que “[...] nem
tudo se aprende da mesma maneira, e nem todas as dimensões da educação
podem ser trabalhadas do mesmo jeito, ou com a mesma metodologia.
(MST, 1996, p. 11). Nas palavras de Dal Ri (2004, p. 191):
Para o Movimento, a educação deve combinar os dois processos, o de
ensino e o de capacitação, ora priorizando um, ora outro, de acordo
com a situação. Acrescenta, ainda, que a escola é tradicionalmente um
espaço de ensino e, portanto, constitui-se em uma verdadeira revolução
introduzir-se nela a lógica da capacitação.
Isso porque, para o Movimento, acima de tudo é preciso que os
educandos tenham a capacidade de produzir conhecimento do ponto de
vista técnico e, sobretudo, político que possibilite a produção e que esteja
intimamente ligado e direcionado à prática de luta do MST. Sob esta pers-
pectiva, os conteúdos assumem caráter formativo socialmente útil, isto é,
o MST não acredita numa pedagogia centrada nos conteúdos como sendo
a parte mais importante do processo educativo em que apenas o domínio
teórico demonstra que a pessoa está sendo bem educada. Acima de tudo, o
Movimento parte da “[...] convicção pedagógica de que os conteúdos são
instrumentos para atingir os objetivos, tanto os ligados ao ensino quanto à
capacitação”. (MST, 1996, p. 14)
Outro aspecto dos princípios pedagógicos refere-se à educação para
e pelo trabalho. O MST parte da compreensão de que o trabalho gera
riqueza, que os identica como classe e que possibilita a construção de
novas relações sociais, além de novas consciências, tanto coletivas quanto
individuais. Percebe-se, dessa forma, que o trabalho estrutura a prática e a
teoria do Movimento como um todo.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
100
Essa vinculação pode ser entendida em duas dimensões básicas
e complementares: a educação ligada ao mundo do trabalho; e o
trabalho como método pedagógico. A combinação entre educação e
trabalho é um instrumento fundamental para o desenvolvimento de
várias dimensões da proposta de educação do MST e, talvez, seja uma
das faces mais originais da mesma. (DAL RI, 2004, p. 191)
Outro princípio pedagógico é o vínculo orgânico entre processos
educativos e processos econômicos. O MST compreende que os processos
econômicos são aqueles que dizem respeito à produção, à distribuição e
ao consumo de bens e de serviços necessários ao desenvolvimento da vida
humana em sociedade, já que são “[...] as relações econômicas [...] que
movem as sociedades, transformam as pessoas. (MST, 1996, p. 17)
Outra preocupação do Movimento é a criação de coletivos peda-
gógicos e de formação permanente, tanto de educandos quanto de educa-
dores, pois nesses espaços coletivos é viabilizado o princípio do trabalho
de educação: “[...] quem educa também precisa se educar continuamente.
(MST, 1996, p.21).
Atitudes e habilidades de pesquisa também se denominam en-
quanto princípio pedagógico. O ato de pesquisar assemelha-se à inves-
tigação sobre uma realidade, isto é, um esforço sistemático e com rigor
cientíco que possibilita compreender em suas especicidades aquilo que
se apresenta como um problema. Dessa forma, nas escolas do MST, a
prática da pesquisa está conectada com o princípio de relacionar teoria
e prática e precisa ser constituído como uma “[…] metodologia de edu-
cação, adequando-se às diferentes idades, aos diferentes interesses e às
exigências especícas do contexto no qual ocorre cada processo pedagó-
gico”. (DAL RI, 2004, p. 193-194)
A gestão democrática e a auto-organização dos/das estudantes são
outros elementos que compõem a preocupação da pedagogia do MST.
Segundo o Movimento, os estudantes “[…] precisam também, e princi-
palmente, vivenciar um espaço de participação democrática, educando-se
pela e para a democracia social. (MST, 1996, p. 19). Baseados em alguns
princípios defendidos pelo pedagogo russo Pistrak:
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
101
Auto-organizar-se signica ter um tempo e um espaço autônomos para
que se encontrem, discutam suas questões próprias, tomem decisões,
incluindo aquelas necessárias para sua participação verdadeira no
coletivo maior de gestão da escola. (MST, 1996, p. 19-20)
Em síntese, a partir dos princípios losócos e pedagógicos que
compõem a pedagogia do MST, brevemente expostos, compreende-se que
o processo educativo pelo e para o trabalho caminham juntos e permeiam
as formulações teóricas defendidas pelo Movimento para a área educacional.
2. rEflExõEs sobrE trabalho E Educação E o mst
Historicamente, o homem em sua inesgotável luta pela sobrevivên-
cia tem o trabalho como atividade vital. É por meio do trabalho que os
indivíduos, mulheres e homens, distinguiram-se do restante dos animais.
A famosa armação de Marx (1982) sobre o que diferencia o pior arqui-
teto da melhor abelha possibilita compreender tal relação. O trabalho é
categoria fundante do ser social: o homem concebe previamente o trabalho
que vai realizar fazendo jus à teleologia (projeção ideal e prévia à nalidade
de uma ação) associada à causalidade (nexos causais do mundo material)
posta pela realidade; as abelhas, por sua vez, trabalham instintivamente.
Tal distinção hominizou a história e historicizou o homem em uma cadeia
complexa e cheia de relações riquíssimas. Sem o trabalho, a vida cotidiana
não se reproduziria, portanto, para que o homem produza sua existência, a
atividade do trabalho é fundamental.
À diferença das atividades naturais, o trabalho se especica por uma
relação mediada entre seu sujeito (aqueles que o executam, homens
em sociedade) e o seu objeto (as várias formas da natureza, orgânica e
inorgânica). Seja um machado de pedra lascada ou uma perfuradora
de poços petróleo com comando eletrônico, entre o sujeito e a matéria
natural há sempre um meio de trabalho, um instrumento (ou um
conjunto de instrumentos) que torna mediada a relação entre ambos.
[…] A criação de instrumentos de trabalho, mesmo nos níveis mais
elementares da história, coloca para o sujeito do trabalho o problema
dos meios e dos ns (nalidades) e, com ele, o problema das escolhas.
[…] O trabalho implica, pois, um movimento indissociável em dois
planos: num plano subjetivo (pois a preguração se processa no âmbito
Neusa Maria Dal Ri & Outros
102
do sujeito) e num plano objetivo (que resulta na transformação da
natureza); assim, a realização do trabalho constitui uma objetivação
do sujeito que o efetua. (NETTO; BRAZ, 2008, p.32).
Tais mediações proporcionadas pela atividade do trabalho, só po-
dem ser realizadas por intermédio do conhecimento, por parte do su-
jeito, das propriedades da natureza. Não basta que o sujeito congure
idealmente as atividades que deseja operar; é preciso que ele reproduza
e possa transmitir a outros essas representações. Tal relação exige um
sistema complexo de comunicação que está muito distante dos processos
naturais de reprodução da existência biológica/natural do sujeito, mas
que se consolida a partir de fenômenos surgidos no âmbito do ser que
trabalha. Essa relação nada mais é que a produção e transmissão direta de
conhecimento desenvolvido pelo conjunto dos homens em relação direta
e recíproca com a natureza.
O trabalho, encarado sob esta perspectiva, “[…] requer e propicia a
constituição de um tipo de linguagem (a linguagem articulada) que, além
de aprendida, é condição para o aprendizado. (NETTO; BRAZ, 2008,
p.33). É por meio da linguagem articulada que o trabalho expressa as suas
representações sobre o mundo que o cerca, denindo o modo de ser dos
homens e da sociedade. Assim, o ser em si e para si de cada sujeito, a rela-
ção com a realidade que o cerca, a forma como se apropria e se relaciona
com a natureza e transmite aos seus descendentes é, acima de tudo, histó-
rica, isto é, relaciona-se diretamente com o nível de desenvolvimento da
sociedade em que está inserido.
Dessa forma, o trabalho e suas objetivações, inseridos em determina-
das condições histórico-sociais, a saber, sob as bases do sistema capitalista de
produção e reprodução da vida, ao invés de constituírem-se como nalida-
de básica do ser social, revelam-se penosos, alienantes, contraditórios. Nes-
sa perspectiva, o trabalho perverte-se e torna-se mercadoria cuja nalidade
também vem a ser a produção de mercadorias. Segundo Marx (2008, p. 80),
o trabalhador torna-se mercadoria quanto mais mercadoria produz; com a
valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção direta a desvalori-
zação do mundo dos homens. “O trabalho não produz somente mercado-
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
103
rias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na
medida em que produz, de fato, mercadorias em geral”.
Assim, compreende-se que o trabalho, em linhas gerais, constitui-se
como elemento fundamental na formação do homem em seu desenvolvi-
mento intelectivo e motor, na elaboração de conhecimento e em sua trans-
missão, na produção e reprodução da vida.
Sendo assim, nesta parte do texto são expostas algumas caracte-
rísticas fundamentais que orientam uma compreensão sobre a categoria
trabalho que, neste caso, também se constitui como a compreensão que
mais se aproxima do debate levantado pelo MST a partir de sua teoria de
referência formativa.
Como já mencionado, o trabalho é entendido no interior do Mo-
vimento como aquele capaz de gerar riqueza e, fundamentalmente, aquele
que permite a identicação dos sujeitos como classe, sendo capaz de cons-
truir novas consciências e relações sociais, coletivas ou não e que, acima de
tudo, possibilita um processo educativo (conhecimento e linguagem) que
proporcione humanização.
O Movimento defende o trabalho atrelado à educação como con-
dição para se vincular os objetivos políticos e pedagógicos. Este vínculo,
arma o MST (1996, p.16), assume duas dimensões básicas: a) educação
ligada ao mundo do trabalho e; b) o trabalho como método pedagógico.
A compreensão sobre a educação vinculada ao mundo do traba-
lho signica partir da ação pedagógica junto ao entendimento do trabalho
como esfera que amplia as capacidades de desenvolvimento do ser social.
Isto é, os processos pedagógicos não devem estar alheios às exigências cada
vez mais complexas dos processos produtivos, seja numa dimensão geral,
seja local nos assentamentos. São objetivos pedagógicos do MST:
[…] entender o valor do trabalho como produtor de riquezas e saber
sobre a diferença entre relações de exploração e relações igualitárias de
construção social pelo trabalho; superar a discriminação entre valor
do trabalho manual e do trabalho intelectual, educando para ambos;
tornar mais educativo o trabalho que nossos estudantes já exercem
nos acampamentos, nos assentamentos ou em outras instâncias da
organização, do ponto de vista técnico mas também do ponto de vista da
Neusa Maria Dal Ri & Outros
104
superação das relações de exploração e de dominação; […] desenvolver
habilidades, comportamentos, hábitos e posturas necessários aos postos
de trabalho que estão sendo criados através dos processos de luta e de
conquista das áreas de Reforma Agrária (MST, 1996, p.16)
O trabalho como método pedagógico compreende, por sua vez, a
combinação entre estudo e trabalho como instrumento fundamental para
o desenvolvimento da proposta educacional do Movimento. A atividade
laboral é tomada como aquela capaz de “[…] provocar necessidades de
aprendizagem, o que tem a ver com o princípio da relação entre prática e
teoria, com a construção de objetos de capacitação, e com a ideia de pro-
duzir conhecimento sobre a realidade” (MST, 1996, p.16).
Dessa forma, o conceito e a prática do trabalho no MST assumem
o caráter de construtores das relações sociais, por meio do desenvolvi-
mento de novas interações entre pessoas, do “[…] cultivo de valores, de
construção de novos comportamentos pessoais e coletivos em comum, de
cultivo também da mística da participação das lutas dos trabalhadores e da
formação da consciência de classe” (MST, 1996, p.16).
Assim, o MST intenta construir novas relações sociais em que o
trabalho seja socializador de um novo conhecimento. Uma forma de so-
ciedade transformada em que haja tempo disponível para a produção de
bens socialmente úteis e valores de uso socialmente necessários, contrários,
portanto, à produção de excedentes e de tempo reprodutor do capital.
Interessa notar que ao colocar a reivindicação por terra como foco
de seu enfrentamento, seguindo as exigências do processo histórico de suas
lutas, o Movimento foi levado a envolver-se em outros âmbitos, entre eles
o educacional, como destacamos. E, assim como a luta pela terra na reali-
dade brasileira adquire componentes de radicalidade, as reexões do MST
acerca dos vínculos entre trabalho e educação, bem como a construção
de sua pedagogia exigem fundamentação teórica crítica. Dentre os auto-
res que trabalham essa temática encontram-se: Marx, Manacorda, Maka-
renko, Leontiev, Pistrak. Justamente autores que partiram de uma análise
crítica e radical da realidade, pois vislumbraram um novo projeto societal
voltado para o atendimento das necessidades humanas e sociais funda-
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
105
mentais e compreenderam o trabalho como esfera da vida que possibilita
o pleno desenvolvimento das capacidades mais superiores do ser social, e
defenderam que este seja sinônimo de autoatividade e permita um tempo
genuinamente disponível ao desenvolvimento humano.
Moisey M. Pistrak (2009), em especial, contribuiu signicativa-
mente para a elaboração teórica da pedagogia do MST. O contexto após
a Revolução de 1917 na Rússia exigiu de seus intelectuais o esforço teó-
rico-prático para o desenvolvimento de um novo homem para uma nova
sociedade em construção. A escola pré-revolucionária defendida e pensada
pelo educador russo deveria ser, sobretudo, uma escola do trabalho com
elementos provenientes da escola antiga, bem como o novo regime é gesta-
do nas contradições da sociedade anterior. Mas na nova escola, a continui-
dade deve ser dialética e revolucionária.
As ideias e métodos copiados da pedagogia burguesa pela nova escola
(digamos: trabalho, autodireção) devem receber novo colorido, nova
interpretação. Estas ideias e métodos devem partir de novos objetivos
de formação, e estes, em essência, partem inteiramente de tarefas e
objetivos de construção revolucionária. (PISTRAK, 2009, 112)
O MST, em consonância com Pistrak (2009), não propõe uma
pedagogia nova de conteúdo, algo como inventar uma nova matemática.
Percebe-se em seus documentos educacionais, a intenção de ensinar os co-
nhecimentos de formação da história da humanidade a partir da luta de
classes, o que se vincula ao questionamento à história ocial ou, em outras
palavras, à história contada segundo a ótica dos vencedores. O que está
posto é o movimento concreto da história e suas contradições reais.
Se se partir desse pressuposto, de que os conhecimentos serão,
em alguma medida, transmitidos a partir da luta de classes, tem-se, em
mesma medida, que a educação seja elaborada coletivamente. Portanto,
a concepção coletiva do trabalho é retomada pelo Movimento a partir da
compreensão do seu caráter socialmente útil, em íntima consonância entre
teoria e prática.
Para Pistrak (2009, p.121), são três os elementos que possibilitam
o desenvolvimento da coletividade relacionada à construção de uma nova
Neusa Maria Dal Ri & Outros
106
realidade: “1) habilidade de trabalhar coletivamente, habilidade de encon-
trar seu lugar no trabalho coletivo; 2) habilidade de abraçar organizada-
mente cada tarefa; 3) capacidade para criatividade organizativa”. No MST
esta reexão se expressa por meio das alterações propostas para a escola
segundo as exigências advindas das mudanças na organização do trabalho
na produção dos assentamentos.
Os objetivos e conteúdos da formação de lutadores e construtores
são ao mesmo tempo permanentes e especícos às exigências de cada
período. No início da elaboração do MST sobre educação, a partir
da escola, discutimos especialmente sobre que objetivos formativos
deveriam ser incluídos no nosso projeto educativo, visando contribuir
com a implementação da ‘produção associada’, identicada pela
estratégia da cooperação agrícola, vista naquele momento como o
principal diferencial do projeto de Reforma Agrária do Movimento.
Foi a partir dessa reexão que avançamos em experiências de auto-
organização dos estudantes, por exemplo. E começamos a perceber a
necessidade de fazer alterações na forma escolar para que se pudesse
exercitar nela, com os estudantes, a organização coletiva do trabalho
(CALDART, 2013, p. 17-18)
A questão organizativa do e pelo trabalho exige e proporciona o
desenvolvimento de vários hábitos organizacionais. Se a escola não se isolar
em si e identicar-se com as questões postas pela realidade atual, conti-
nuamente vai encontrar-se com uma extraordinária variedade de tarefas.
(PISTRAK, 2009, p. 121).
Makarenko (2002, p. 271), outro grande inuente na pedagogia
do MST, anuncia que uma formação não deve ser meramente prossional,
mas, também, voltada a “[…] um novo tipo de comportamento, de carac-
teres e de conjuntos de traços de personalidade que são necessários. […]
Os objetivos do trabalho educativo só podem ser deduzidos das experiên-
cias que a sociedade coloca”.
Como Makarenko (2002), o MST compreende que o indivíduo
não se forma espontaneamente, mas que constitui resultado de um ensi-
no direto e intencional. O critério dessa pedagogia é o trabalho vivo em
que o resultado é produto de um planejamento consciente, racional, das
necessidades sociais sempre em transformação. A grande contribuição de
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
107
Makarenko (2002) para a teoria pedagógica que pressupõe a humaniza-
ção, o desenvolvimento das capacidades superiores dos indivíduos e da
personalidade, é a compreensão de que o próprio indivíduo assume suas
particularidades, isto é, o autor não compreende o indivíduo como ser ge-
nérico, abstrato ou meramente como objeto da educação. O novo objeto
da educação é, portanto, o ser coletivo. As salas de aula deixam de compor
o centro da educação e o sujeito coletivo, assim como a autogestão da co-
letividade, passam para a centralidade do processo educativo.
3. contExto social atual E a ProPosta dE rEforma agrária PoPular
do mst
A partir da segunda metade do século XX ocorreram signicativos
rearranjos sociais e econômicos no Brasil, isso se deveu ao ritmo acelerado
de crescimento e diversicação econômica, principalmente no campo. Se-
gundo Carvalho (2014, p. 21), o crescimento da economia agropecuária e
orestal consolidou o culto apologético do agronegócio, o que facilitou a
“[…] intencionalidade e indiferença social e ambiental na exploração dos
trabalhadores rurais e no uso e degradação dos recursos naturais do país”.
Ainda alicerçada no monocultivo, a produção agrícola assumiu ca-
ráter altamente agressivo pautado pela utilização sem precedentes de vene-
nos, transgênicos e maquinaria pesada. É neste momento, portanto, que o
MST, inserido diretamente nesse contexto, elabora um novo projeto de re-
forma agrária, denominado de Reforma Agrária Popular. Este projeto não
abandona a luta pela distribuição da terra, nem a crítica à concentração
fundiária, contudo, levanta o debate sobre um novo modelo de agricultura
com um dos seus principais eixos baseados na agroecologia, que intenciona
transformar o modo de produzir e distribuir a riqueza no campo.
A palavra ‘popular’ busca identicar a ruptura com a ideia de uma
reforma agrária feita nos limites do desenvolvimento capitalista e
indica o desao de um novo patamar de forças produtivas e de relações
sociais de produção, necessárias para outro padrão de uso e de posse
da terra. Trata-se de uma luta e de uma construção que estão sendo
feitas desde já, como resistência ao avanço do modelo de agricultura
capitalista e como forma de reinserir a Reforma Agrária na agenda de
luta dos trabalhadores do campo e da cidade. (CALDART, 2013, p. 3)
Neusa Maria Dal Ri & Outros
108
Esse modelo exige, por sua vez, novos parâmetros formativos para o
conjunto dos princípios da pedagogia do MST, inclusive no que se refere à
ampliação da escolarização de seus militantes. A matriz cientíca e tecno-
lógica da agroecologia torna a exigência de conhecimentos cientícos sobre
a natureza e a produção ainda mais rigorosa. Nesse caso, não se trata de téc-
nicos que detenham conhecimento e indiquem técnicas aos agricultores,
mas, sim, que os próprios trabalhadores integrantes do MST assumam-se
como pesquisadores permanentes do agroecossistema no qual se inserem.
Tal como está disposto nos princípios educacionais do Movimen-
to, é fundamental ter projetos próprios que se desvinculem da prática
hegemônica de se fazer e pensar a educação. Da mesma forma, valoriza-se
o ensino e a capacitação angariados na produção de conhecimento so-
cialmente útil, não apenas para o Movimento, como para a humanidade.
Para isso, o MST incentiva e desenvolve a pesquisa teórico-prática, como
forma de agir na realidade concreta e, principalmente, na realidade que
deseja transformar.
Nesse sentido, é possível concatenar a produção cientíca ao pro-
jeto histórico, inserido num projeto de classe, isto é, relativo a um tipo de
sociedade que se deseja construir, que no caso do MST está vinculado ao
projeto histórico da classe trabalhadora. A Reforma Agrária Popular vem,
portanto, materializar, na atualidade, a possibilidade, ou mesmo, uma ob-
jetivação do desao de transformação da sociedade, pois “[…] não temos
como avançar, enquanto trabalhadores camponeses, na superação da agri-
cultura capitalista, sem avançar nas formulações teóricas de um projeto
de campo e de seu lugar no projeto histórico que assumimos construir”
(CALDART, 2014, p. 140).
Da mesma maneira que é preciso entender as formas burguesas de
produção como formas históricas, a agricultura industrial entre
elas, também as formas de produzir ciência, de fazer pesquisa,
as relações sociais instituídas para essa produção na sociedade
atual não podem ser tomadas como dadas, como inalteráveis.
(CALDART, 2014, p. 141-142)
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
109
A atualização do Programa Agrário do MST rmado no VI Con-
gresso Nacional em 2014 (2014, p. 201-202), aponta para um novo pa-
radigma da luta pela terra armando que não há mais espaço para uma
reforma agrária nos moldes burgueses apoiada pela burguesia industrial. A
luta pela reforma agrária é uma luta de classes contra o modelo do capital
para o campo, contra os grandes proprietários rurais, o capital nanceiro e
as empresas transnacionais.
Caldart (2013) arma que diante dos novos desaos impostos
ao MST e da sensível atualização de seu programa agrário, isto é, da
Reforma Agrária Popular, são dois os os condutores que possibilitam a
compreensão das transformações que vêem ocorrendo interna e externa-
mente ao Movimento.
Um dos os é o que tece discussões e práticas de formação para o
trabalho vinculada aos desaos de desenvolvimento das áreas de
Reforma Agrária como território de trabalhadores organizados e em
luta que buscam fundar uma vida baseada em novas relações sociais.
[...] começamos as formulações pelo trabalho associado, (cooperação,
organização coletiva do trabalho), incluímos depois questões de matriz
produtiva e tecnológica, agroindustrialização e, mais recentemente
entramos no debate sobre sistemas produtivos. Em cada movimento
ou em cada ciclo novas exigências formativas e a construção de formas
de conteúdos para atendê-las. (CALDART, 2013, p.1)
O segundo o condutor é o do processo de construção da Pedagogia
do Movimento, que tem no princípio educativo do trabalho seu alicerce
de constituição desde o nal da década de 1980 (CALDART, 2013, p.1).
Isto signica dizer que a concepção de escola tem como um de seus pilares
a relação “educação e trabalho e trabalho produção(CALDART, 2013, p.1)
Assim, destaca-se a formação político-ideológica vinculada à formação
organizativa e técnica prossional.
O embate proporcionado pelo novo modelo gestado pelo MST, isto
é, a Reforma Agrária Popular, modicou sensivelmente suas diretrizes e seu
programa político, provocando, igualmente, mudanças em sua proposta
Neusa Maria Dal Ri & Outros
110
educacional
4
, uma vez que exige novos desaos para a formação, seja nos
assentamentos, seja nos quadros da organização. “O novo modelo ou a
nova lógica de agricultura que estamos construindo tem mais exigências
formativas, inclusive no que se refere à ampliação da escolarização
(CALDART, 2013, p. 20). Sendo assim, o setor de educação do MST
tem aprofundado seus estudos teóricos sobre o modelo educacional
denominado educação politécnica
Na pedagogia do Movimento, começamos a reetir sobre a importância
da educação politécnica (especialmente como politecnismo) como
chave fundamental para o salto de qualidade que precisamos dar nas
relações entre trabalho, educação e escola. E não apenas para pensar na
matriz especíca do trabalho (embora com uma incidência especial ali),
mas para compreensão do trabalho (no sentido genérico de atividade
humana criativa) como método geral de educação que permite instituir
a práxis necessária à apropriação e à produção do conhecimento
cientíco, desde a concepção marxista. (CALDART, 2013, p. 22)
A ampliação dos estudos e da aplicação da educação politécnica
advém da crítica feita pelo MST aos novos padrões produtivos na
agricultura, uma vez que esta prioriza o trabalho alienado. No modelo
vigente, mesmo o agricultor possuindo a terra, ainda assim, “[...] passa a
ser desapropriado do controle (que inclui conhecimento) dos processos de
trabalho”. (CALDART, 2013, p.22)
A chamada ‘revolução verde’ (expressão da segunda revolução
agrícola antes mencionada, mas exacerbada pela terceira) expropriou
dos agricultores a capacidade de interpretar a relação agricultura e
natureza, o domínio do processo de produção, gerando dependência
quase total de agentes externos que determinam operações a cumprir.
(CALDART, 2013, p.22-23)
A Reforma Agrária Popular exige, portanto, diferentes demandas
formativas. A matriz cientíca e tecnológica da agroecologia impõe novas
A exemplo do VI Congresso Nacional do MST, em setembro de 2015 ocorreu o II Encontro Nacional
de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (II ENERA), assumindo caráter “[…] político, formativo,
organizativo, mobilizador e celebrativo(MST, 2014a, p.8) no intuito de, a partir do novo programa agrário do
Movimento, analisar o cenário educacional brasileiro e seus impactos nas áreas de reforma agrária, bem como
avançar no projeto educativo interno para a realização da Reforma Agrária Popular fortalecendo a organização e
a participação dos estudantes dos assentamentos e acampamentos nessa proposta, etc.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
111
exigências de conhecimentos cientícos sobre a natureza e sobre a produ-
ção, de forma que o próprio agricultor se assuma como pesquisador da
realidade na qual está inserido.
Além do preparo da pesquisa cientíca, da produção do conheci-
mento, do vínculo que o trabalho deve ter com a formação humana, outro
aspecto primordial da formação dos trabalhadores na perspectiva da cons-
trução da agricultura camponesa, pautada na agroecologia, consiste em
prepará-los politicamente para compreender: “[...] o embate de modelos
de agricultura e as relações em que seu trabalho se insere: do ponto de vista
político, compreender o confronto entre capital e trabalho, o embate de
classes.” (CALDART, 2013, p. 23)
Passados 18 anos do I Encontro Nacional de Educadoras e
Educadores da Reforma Agrária (IENERA), em setembro de 2015
ocorreu o II Encontro. Seguindo as diretrizes e a nova plataforma
organizativa do Movimento, o II ENERA atualizou seu programa
educacional, a saber: a) lutar pela universalização do acesso à escola
pública de qualidade; b) produção de formulações político-pedagógicas
que materializem a concepção de educação e que sirvam de referência
ao conjunto das práticas educativas; c) contribuição pelas práticas de
educação das diferentes gerações (MST, 2014a).
Parte da atualização do programa educacional faz referência à atua-
ção do setor de educação do Movimento que perpassam análises nas “[…]
áreas de atuação; construção da organicidade; relações com o Estado; e
relações com a sociedade (população) em geral. (MST, 2014a, p. 14).
Tais medidas apontam para a revisão não somente das questões pedagó-
gicas, mas, acima de tudo, visam transformar o método de construção do
Movimento a partir de análises sobre o que foi aprendido no percurso das
lutas engendradas, das conquistas e derrotas e dos objetivos anteriormente
traçados (os que foram atingidos e que não foram).
A análise deste último documento, proveniente do ENERA de
2015, mostra que o MST vem passando por um processo de necessária
autocrítica e adequação, principalmente em seu projeto político e, conse-
quentemente, no educacional. Sem tergiversar, a Reforma Agrária Popular
Neusa Maria Dal Ri & Outros
112
está tendo repercussão em muitas áreas do Movimento, em especial na
educação ampliando suas demandas.
conclusão
Lutar e construir contra o capital exige no contexto atual uma ca-
pacidade cada vez mais complexa de análise e de intervenção. Mais do
que nunca, a apropriação do conhecimento é de fundamental importância
como elemento capaz de permitir a apreensão das contradições, tendên-
cias, isto é, uma análise de conjuntura que possibilite uma intervenção na
realidade rumo a sua transformação.
Quanto à questão agrária no Brasil, vericou-se nas últimas déca-
das um maior acirramento dos embates que a constituem, o que se expres-
sou no bloqueio à reforma agrária. Neste contexto, o MST foi desaado a
construir uma nova proposta, chamada de Reforma Agrária Popular, que
procura pensar a agricultura em bases diferentes das que hoje hegemoni-
zam a produção, com uma matriz agroecológica, que impõe novos desaos
à organização do trabalho e à educação no Movimento.
As bases teóricas que inspiram as reexões internas ao Movimento
são variadas, mas, procuramos neste texto colocar em destaque os teóricos
que vivenciaram e produziram propostas em meio à Revolução Russa, como
Pistrak e Makarenko, cujas contribuições são utilizadas pelo MST para suas
elaborações acerca dos desaos do trabalho e da educação numa sociedade
em transformação. Estas teorias e os desaos contemporâneos colocados
para o enfrentamento da questão agrária levaram o MST a propor uma nova
dinâmica produtiva, que considere como prioridade o trabalho vivenciado
não como mercadoria, mas como valor de uso e segundo uma prática coleti-
va, além de empreender uma relação mais responsável com relação ao meio
ambiente e à qualidade do alimento que se produz, tendo como referência as
reais necessidades do conjunto da população brasileira.
O grande desao presente é estender a luta pela reforma agrária e
contra o agronegócio para toda a sociedade, tornando essa pauta a centra-
lidade das ações do Movimento. As escolas podem ser espaço privilegiado
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
113
para o embate ideológico de forma cada vez mais acirrada. O esforço, nesse
sentido, busca o diálogo entre campo e cidade discutindo e se posicionan-
do sobre algumas questões fundamentais que tocam a sociedade como um
todo, como, por exemplo: “[…] que tipo de alimento queremos consu-
mir?”; ou mesmo, “[…] qual a principal nalidade da agricultura (produ-
zir alimentos ou commodities)?”; “[…] quem deve controlar a produção
agrícola de um país?” (MST, 2014a, p. 14-15).
A formação educativa, sob este último aspecto, exige maiores esfor-
ços de produção e apropriação de conhecimento, ou seja, exige o aumento
dos níveis de escolaridade e da qualidade do ensino que perpassa a revisão de
conteúdos e da formação de prossionais de ensino. Muda-se a diretividade
da luta, muda-se, por conseguinte, a diretividade da educação: “[…] o avan-
ço do nosso trabalho especíco na educação depende do vínculo orgânico
com a estratégia do MST e de avançarmos (massivamente) na compreensão
da concepção de educação que construirmos nesse vínculo” (MST, 2014a, p.
16), sem perder a identidade política e pedagógica do Movimento.
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117
a PossE da Escola dE Ensino fundamEntal
construindo o caminho PElo mst:
contradiçõEs, PotEncialidadEs E limitEs
Claudio Rodrigues da Silva
Neusa Maria Dal Ri
introdução
O principal objetivo deste texto é problematizar o tema da aplica-
ção do projeto político-pedagógico em escolas estatais pelo Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). As reexões aqui apresentadas
foram feitas a partir do caso empírico envolvendo a Escola Municipal de
Ensino Fundamental Construindo o Caminho (ECC), do MST, localizada
no Assentamento Conquista na Fronteira (ACF) em Dionísio Cerqueira,
Santa Catarina.
Trata-se de pesquisa bibliográca e documental, integrada ao pro-
jeto principal descrito na introdução deste livro, apoiada em bibliograas
e documentos relacionados à temática abordada, e de pesquisa empíri-
ca efetuada na referida escola. Os dados empíricos foram coletados por
meio de observações e de entrevistas semiestruturadas realizadas com um
dirigente do Movimento, quatro educandos, duas educadoras, uma mãe
Neusa Maria Dal Ri & Outros
118
de aluno e funcionária da ECC e três ex-alunos que no momento da
pesquisa estavam cursando o ensino médio em escola estadual na cidade
de Dionísio Cerqueira.
Destacamos o caráter processual desta análise, haja vista que a ECC
e o ACF foram pesquisados em por Dal Ri (2004), Dal Ri e Vieitez (2008,
2010) e Vieitez e Dal Ri (2003). Desse modo, alguns dados das pesquisas
anteriores foram incorporados a este texto, resultando, assim, numa análise
longitudinal da Escola, em especial no que se refere à gestão democrática e
à vinculação orgânica entre ensino e trabalho produtivo.
Partimos da hipótese de que não é possível ou é muito diculto-
sa a aplicação, plena e por tempo indenido, da Pedagogia do MST em
escolas estatais organizadas em conformidade com o currículo ocial, ex-
ceto quando o Movimento consegue conquistar e manter a hegemonia na
gestão da escola, o que permite avanços nas condições de aplicabilidade
do seu projeto político-pedagógico (PPP). Mesmo assim, a hegemonia do
Movimento nas escolas estatais não é estável e nem denitiva, já que as
correlações de força mudam conforme a conjuntura política.
Neste texto utilizamos o termo posse para referirmo-nos à situação
de hegemonia do MST na escola e, portanto, de condições favoráveis à
implantação do seu PPP.
O ACF e a ECC são referências, em termos de adequação ao mode-
lo produtivo
1
e ao PPP do MST (DAL RI; VIEITEZ, 2010, MST, 2000,
2015), tendo repercussão e reconhecimento em âmbitos nacional e in-
ternacional, sendo móbeis de várias pesquisas cientícas. Desta forma,
é também um caso relevante para se estudar as contradições e limites da
implantação da pedagogia do MST, quando a correlação de forças não é
favorável ao Movimento.
A análise dessas implicações pode contribuir para avanços teórico-
práticos nas investigações de iniciativas de autoeducação levadas a termo por
movimentos sociais de trabalhadores, em especial no que se refere a suas relações
com o Estado, mais especicamente com as políticas educacionais ociais.
Observamos que essa armação é válida quando considerado o modelo cooperativista do MST. No entanto,
nos últimos anos, em especial a partir do VI Congresso Nacional do MST realizado em fevereiro de 2014, o
modelo produtivo aprovado em seu Programa é a agroecologia.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
119
1. aPontamEntos sobrE a Educação do mst
Dal Ri (2004, 2013) destaca que o MST tem uma concepção
própria de educação, em consonância com o respectivo projeto econômico-
político. Trata-se de uma educação destoante da estatal e da ideologia
hegemônica veiculada pelo currículo ocial.
O Movimento argumenta, de maneira recorrente, a necessidade
de transformações na sociedade, visando a construção de novas relações
sociais e mudanças no modo de produção capitalista, pautadas em “[...]
valores (humanistas e socialistas) que se contrapõem aos valores (ou anti-
valores) que sustentam a sociedade atual.” (MST, 2001b, p. 19).
A educação do MST apresenta princípios losócos e pedagógicos,
que são inter-relacionados organicamente entre si e com o seu programa
pedagógico e político (MST, 1996, 1999, 2001a, 2001b).
Conforme o MST (1996, p. 4), os princípios losócos dizem res-
peito à sua visão de mundo, às concepções mais gerais em relação à pessoa
humana, à sociedade e ao que entende por educação, ou seja, os princípios
remetem aos objetivos estratégicos do seu trabalho educativo. Os princí-
pios losócos citados nesse documento são a educação para a transforma-
ção social; a educação para o trabalho e a cooperação; a educação voltada
para as várias dimensões da pessoa humana; e a educação com base em
valores humanistas e socialistas.
Os princípios pedagógicos do Movimento referem-se “[...] ao jeito
de fazer e de pensar a educação, para concretizar os próprios princípios
losócos.” (MST, 1996, p. 4). Esses princípios são: relação entre prática
e teoria; combinação metodológica entre processos de ensino e de capa-
citação; realidade como base da produção do conhecimento; conteúdos
formativos socialmente úteis; educação para o trabalho e pelo trabalho;
vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; vínculo
orgânico entre processos educativos e processos econômicos; vínculo orgâ-
nico entre educação e cultura; gestão democrática; auto-organização dos/
das educandos; criação de coletivos pedagógicos e formação permanente
dos educadores/das educadoras; atitude e habilidades de pesquisa; e com-
binação entre os processos pedagógicos coletivos e individuais.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
120
O MST (2001b) forjou uma nova pedagogia denominada por ele
de Pedagogia do Movimento, que apresenta, além dos princípios losó-
cos e pedagógicos, metodologias de ensino e de avaliação, programas de
estudo, política curricular, didáticas etc.
Uma escola organizada em conformidade com a perspectiva do
Movimento educa também por meio da vivência de “[...] novas relações
sociais que produz e reproduz, problematizando e propondo valores, alte-
rando comportamentos, desconstruindo e construindo concepções, costu-
mes, idéias.” (MST, 1999, p. 7-8).
A Pedagogia do Movimento pode ser amplamente aplicada em es-
colas estatais, quando o MST conquista a hegemonia político-pedagógica.
A literatura registra casos exitosos de posse de escolas estatais por parte do
MST (CASA, 2005, DAL RI, 2004, DAL RI; VIEITEZ, 2008, 2010,
MARTINS, 2004) e de aplicação da sua pedagogia. Entre esses casos está
a ECC, que é o objeto de análise deste trabalho.
2. a Escola construindo o caminho
A Escola Construindo o Caminho está localizada no Assentamento
Conquista na Fronteira criado em 1988 no Município de Dionísio
Cerqueira, localizado no extremo oeste de Santa Catarina. É um dos
assentamentos mais antigos e avançados, em termos de aplicação e de
consonância com o projeto político-econômico do MST, em especial
no que se refere à organização da produção, do trabalho e da educação
(DAL RI, 2004, DAL RI; VIEITEZ, 2008, 2010, MST, 2000, 2015).
O Assentamento possui terras coletivas e o trabalho e a produção são
organizados por meio da Cooperativa de Produção Agropecuária União do
Oeste Ltda (Cooperunião) da qual os assentados são associados.
Trata-se de um Assentamento conhecido, nacional e internacio-
nalmente, e que é móbil de diferentes produções e pesquisas cientícas.
Segundo informações da sua Coordenação (2015), o Assentamento já foi
visitado por pessoas de aproximadamente 40 países.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
121
A ECC está situada na parte central do Assentamento, próxima à
sede da Cooperunião, Setor de Saúde, Setor Administrativo, área de lazer,
Ciranda Infantil, entre outras instalações.
Dal Ri (2004) considerou a ECC como uma escola de referên-
cia pelo nível de adequação à Pedagogia do Movimento e pela qualidade
do ensino e desempenho dos alunos. Para o MST (2000, p. 4) “A escola
‘Construindo o Caminho’ é uma experiência de Escola de Assentamento
que merece ser conhecida [...]”.
A criação da ECC foi uma demanda e uma conquista dos assenta-
dos do ACF.
De imediato, todos nós queríamos que nossos lhos tivessem uma
escola. Isso era um consenso. A idéia era uma escola diferente, um
novo jeito de educação, um novo tipo de escola, que além de ensinar
a ler e escrever, incentivasse os valores do trabalho, do Movimento, da
responsabilidade, da participação na luta, resgatando o amor à terra.
(MST, 2000, p. 28)
Conforme Dal Ri e Vieitez (2010, p. 115) “Em 1989 [...] a co-
munidade de assentados, com assessoria do Setor de Educação do MST,
passou a discutir uma proposta pedagógica para a escola.” No ano de 1990
a Escola foi ocializada pelo Município, atendendo educandos do Ensino
Fundamental I.
Inicialmente, a escola foi denominada de Tracutinga pela Secretaria
de Educação do Município. Os assentados não aceitaram esse nome e a
nomearam de Escola Construindo o Caminho (MST, 2000; 2015). Porém,
o novo nome apenas foi ocializado pelos gestores municipais após lutas
levadas a termo pelos assentados.
Em 2015 a Escola oferecia Ensino Fundamental I, comportando
duas salas de aula multisseriadas em funcionamento nos períodos matu-
tino e vespertino. À época da coleta de dados havia aproximadamente 18
educandos matriculados.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
122
A ECC, conforme Dal Ri e Vieitez (2010), foi criada por solicitação
dos assentados ao poder público Porém, não atende apenas aos lhos dos
assentados, como escola pública está aberta a qualquer criança da região.
Em 2002, quando foi realizada a primeira coleta de dados na ECC
por Dal Ri e Vieitez, a escola atendia majoritariamente educandos do ACF.
Na ocasião da pesquisa, havia apenas duas crianças oriundas de famílias
que viviam nas vizinhanças do assentamento (DAL RI, 2004). Porém, já
destacava a autora em 2004 que a ECC era uma escola pública e o fato das
crianças praticamente serem todas do assentamento era uma característica
circunstancial.
No que tange ao quadro de trabalhadores, a ECC conta com duas
educadoras, uma para cada sala, e uma auxiliar de serviços gerais contrata-
da pela Prefeitura. Esses números permanecem idênticos aos encontrados
por Dal Ri e Vieitez em 2002.
A Escola é gerida coletivamente pela Comissão de Educação.
A comissão de educação é composta por seis pessoas que fazem parte
de outros setores no assentamento, mais as duas educadoras. Uma delas
é a coordenadora do grupo, que faz parte também do Conselho Social
e Político da cooperativa. Diante de sua responsabilidade de pensar
e acompanhar a educação no assentamento, esta comissão se reúne
a cada 15 dias para estudar, avaliar e planejar as ações da comissão.
(MST, 2000, p. 36)
Segundo Dal Ri e Vieitez (2010, p. 119),
A existência e a atuação da Comissão de Educação integram um
fenômeno mais amplo que é a intensa participação de toda a
comunidade do assentamento nos assuntos escolares. Por exemplo,
os setores de produção e de serviços, que são as instâncias de base
da Cooperunião, discutem desde o tema gerador que irá organizar o
trabalho escolar durante o ano até o planejamento anual das atividades
da escola. Esses assuntos, depois de discutidos nessas instâncias, são
objetos de deliberação na assembleia geral da Cooperativa.
Dal Ri e Vieitez (2010, p. 113) destacam que a ECC é “[...] uma
escola de ensino fundamental pública e, dessa forma, segue a pauta geral
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
123
de uma escola ocial de mesmo nível.” No entanto, “[...] a posse da escola
possibilitou aos assentados implantar medidas pedagógicas preconizadas
pelo MST.
Esses autores (2010, p. 123) ressaltam que
[...] a posse da escola não se confunde com a sua propriedade ou
com a sua monopolização pelo Movimento. Apesar das modicações
signicativas introduzidas pela ascendência do MST na escola, a ECC
continua sendo uma escola pública, nanciada pelo município e regida
em última análise pela legislação vigente.
Em suma, a ECC é uma escola estatal municipal, na qual o MST
pode implantar seu PPP. Mas, quais as contradições, as potencialidades e
os limites implicados nesse processo de ocupação ou posse?
3. Escola construindo o caminho: PotEncialidadEs, limitEs E
contradiçõEs
Dal Ri e Vieitez (2008, 2010) destacam que a educação da ECC,
em consonância com o PPP do Movimento, diferencia-se signicativa-
mente do ensino ocial estatal.
Com base nas pesquisas efetuadas por Dal Ri e Vieitez (2008,
2010), apresentamos, de maneira sucinta, a aplicação de alguns desses
princípios educativos na ECC, mais especicamente a crítica ao ensino
ocial, a gestão democrática e a articulação entre ensino e trabalho produ-
tivo, que na época da realização das pesquisas era uma escola-referência,
em termos de adequação à Pedagogia do Movimento.
O MST apresenta críticas e signicativas divergências em relação
à ordem social capitalista. Por isso, para o Movimento, o ensino ocial
estatal não atende às necessidades de formação técnica e política dos Sem
Terra, o que o levou a ocupar escolas estatais e criar escolas próprias, com
vistas a executar uma educação em conformidade com seu projeto político
(SILVA; DAL RI, 2015).
Neusa Maria Dal Ri & Outros
124
Nesse sentido, as escolas do MST e aquelas públicas sobre as quais o
Movimento detém a posse são organizadas de forma a atender as suas
características e necessidades especícas, dentre as quais se destaca a
formação dos militantes e dos prossionais necessários para desenvolver
o seu programa econômico nos assentamentos e acampamentos. (DAL
RI; VIEITEZ, 2010, p. 112)
Esses autores (2010, p. 112) sustentam que “[...] os elementos bási-
cos presentes na concepção educacional da ECC estão em correspondência
com a práxis econômica e com a organização política de base do MST e
[...] há, também, inuências teóricas educacionais.
Dal Ri e Vieitez (2010) apontam que a posse da escola permite ao
MST o desenvolvimento de sua educação, que é signicativamente dife-
renciada do ensino ocial estatal, pois assim o Movimento tem condições
de fazer as adequações para aplicar sua Pedagogia, em especial no que se
refere à gestão democrática, à auto-organização dos educandos e ao vínculo
orgânico entre ensino e trabalho produtivo.
A aplicação do princípio da gestão democrática é um dos pontos
de maior destaque e importância na ECC, na qual “[...] a ideia e prática
prevalecentes é a do autogoverno efetuado pela própria comunidade
escolar, com democracia direta, mediante o funcionamento da assembleia
geral de escola e grupos permanentes de trabalho.” (DAL RI; VIEITEZ,
2010, p. 123).
A ECC e o ACF são geridos coletivamente, visando garantir a par-
ticipação de todos. “As crianças também são responsáveis pela gestão da
escola: assim como na cooperativa
2
, elas tomam decisões em conjunto,
denem regras para o funcionamento da escola e atividades que serão de-
senvolvidas.” (MST, 2015, p. 12).
A principal instância decisória, no que se refere à Escola, é a Comis-
são de Educação. A gestão democrática é potencializada pela auto-organi-
zação dos educandos e pelo princípio do vínculo orgânico entre ensino e
trabalho produtivo.
Na época da coleta de dados efetuada por Dal Ri e Vieitez, em 2002, e dessa publicação do MST, a ECC
funcionava em forma de cooperativa adaptada às crianças.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
125
Na ECC, conforme Dal Ri e Vieitez (2010, p. 116), os alunos tra-
balham na cooperativa-escola e têm suas responsabilidades.
Entretanto, essa cooperativa caracteriza-se mais como uma organização
para ns pedagógicos do que econômico. A maior parte da produção e
serviços realizada é de valores de uso, embora a cooperativa estabeleça
algumas relações mercantis e gere uma pequena renda também, como,
por exemplo, a venda de mudas de plantas e ores.
Ainda, os autores (2010) indicam que os alunos atuavam em qua-
tro equipes de trabalho: serviços gerais; subsistência, que cuida da horta,
plantios e viveiros; limpeza; e pedagógica e comunicação.
Embora tenha caráter eminentemente educativo, o trabalho exe-
cutado pelos estudantes tinha, necessariamente, caráter real, ou seja, era
trabalho produtivo, portanto, em alguma medida vinculado à economia.
Um dos trabalhos mais importantes que os alunos realizam é a gestão
da escola, a qual é compartilhada com professores e funcionários.
Convém ressaltar que o trabalho realizado nas escolas pelos alunos não
é uma simulação laboratorial, mas trabalho real que, de algum modo,
se articula com a economia. Entretanto, o seu signicado é ao mesmo
tempo educativo, cumprindo, assim, uma das premissas da abordagem
pedagógica do MST que é a de ligar organicamente o ensino e o
trabalho. (DAL RI; VIEITEZ, 2010, p. 116)
O trabalho, para o MST, tem caráter educativo não só para ns de
produção e reprodução das condições materiais e simbólicas de vida, mas
também como fator de identidade de classe social (SILVA, 2014).
Entendemos que o trabalho tem um valor fundamental na nossa escola.
A criança só desperta o gosto pelo trabalho, vivenciando essa experiência
concreta também na escola. Como trabalhamos com temas geradores
3
,
o trabalho está vinculado aos conteúdos, porque o trabalho separado
dos conteúdos não gera conhecimentos sucientes para compreender a
prática do dia-a-dia. O trabalho na escola faz com que a criança sinta-
se mais valorizada, tornando-se mais motivada e responsável perante as
atividades em geral, sejam elas práticas ou teóricas. (MST, 2000, p. 31)
Segundo informações da Educadora A (2015) da ECC, o Movimento há algum tempo vem buscando
aproximar-se da Pedagogia dos Complexos de Pistrak.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
126
Para Dal Ri e Vieitez (2010, p. 114) é a aplicação, de maneira ar-
ticulada, da gestão democrática e do vínculo orgânico entre ensino e tra-
balho produtivo que torna a organização das escolas do MST bastante
diferenciada e original.
Conforme destacam Dal Ri e Vieitez (2008, 2009, 2010), esses
princípios incidem diretamente sobre a forma de organização e de gestão
da Escola, propiciando aos educandos, aos educadores e à comunidade a
vivência de relações democráticas e coletivas e também uma educação pelo
trabalho. Noutras palavras, por intermédio do currículo oculto a escola
contribui, ainda que germinalmente, para outra concepção de relações so-
ciais, nas esferas política, econômica e cultural.
Entretanto, na pesquisa realizada em 2015 constatamos que ocor-
reram mudanças na organização da escola que resultaram em retrocessos
signicativos em termos de adequação da ECC à Pedagogia do MST.
Segundo dados levantados em 2015, a Secretaria Municipal de
Educação (SME) de Dionísio Cerqueira realizou o fechamento de escolas,
inclusive no entorno do ACF. O fechamento das escolas foi justicado pelo
baixo número de educandos nelas matriculados, o que, na perspectiva dos
gestores municipais, inviabilizava, na lógica da relação custo-benefício, a
continuidade do funcionamento dessas escolas.
A ECC também estava com um número baixo de alunos, pois, por
diversos fatores, a população do ACF em idade escolar correspondente
ao Ensino Fundamental I tornou-se reduzida e, por esse motivo, corria o
risco de ser fechada. Diante disso, as alternativas apresentadas pela SME
ao Assentamento foram ou fechar a ECC e encaminhar os seus educan-
dos para outra escola, localizada fora do ACF, ou manter a ECC em fun-
cionamento, porém, sob a condição de que fossem recebidos educandos
provenientes de outras localidades nas quais as escolas foram fechadas. O
Assentamento decidiu pela segunda alternativa.
Quando Dal Ri e Vieitez realizaram o levantamento de dados na
ECC, em 2002, havia apenas dois educandos externos ao Assentamento.
Em 2015, com a alteração ocorrida, a proporção entre educandos do ACF
e educandos externos aumentou signicativamente. Mesmo com a recep-
ção desses educandos, o contingente de matriculados continuava baixo, se
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
127
considerado o número médio ou mínimo de matrículas comumente tido
como ideal ou necessário por gestores estatais.
Conforme os dados levantados em 2015, com a recepção de edu-
candos externos ao Assentamento, algumas das atividades intrinsecamen-
te relacionadas à operacionalização da Pedagogia do Movimento foram
afetadas e tiveram que ser interrompidas ou signicativamente alteradas.
Entre essas atividades estão o funcionamento das equipes de trabalho e a
realização da assembleia, relacionadas, respectivamente, ao princípio da
vinculação entre ensino e trabalho produtivo e à gestão democrática.
Para a Educadora B (2015) da ECC,
A nossa escola mudou bastante. Antes atendia crianças só do
Assentamento. Hoje atendemos outras comunidades. Houve uma
mudança radical. [...] A gente cortou um pouco disso porque os pais
[de alunos externos ao ACF] não aceitam que os alunos façam as
pequenas tarefas.
Era prática comum na ECC que os estudantes, como sujeitos ativos
nas atividades educativas, realizassem trabalhos de caráter eminentemente
educativos, porém, reais, e que decidissem, em assembleia, questões atinen-
tes ao cotidiano da Escola. Conforme a Educadora B (2015), os educandos
“Tinham o Conselho deles, as tarefas deles. Eles mesmos se organizavam e
se defendiam. As tarefas eram simples, fazer um livrinho, trazer copinhos
para plantação de mudas [...]”.
Segundo o PPP do MST, o trabalho desenvolvido pelos educandos,
além de educativo, é adequado às especicidades de cada pessoa, em especial
no que se refere às faixas etárias e às condições de desenvolvimento cognitivo
e físico. Esse trabalho está associado também ao processo de ensino e aprendi-
zagem, como parte da metodologia de ensino de componentes do currículo.
As crianças de pré-escolar também fazem parte da cooperativa
contribuindo com pequenas atividades práticas, conforme a capacidade
de cada uma. Elas distribuem os lápis, tesoura, cadernos, ajudam na
limpeza da sala, regar as ores, secar a louça, guardar seus trabalhinhos,
organizar seus brinquedos. Com elas são trabalhadas as noções de
tamanho, espessura, comprimento, quantidade. (MST, 2000, p. 40-41)
Neusa Maria Dal Ri & Outros
128
Os educandos eram divididos em equipes de trabalho. Essas equi-
pes tinham diferentes incumbências, em termos de gestão e de produção.
[...] os alunos da ECC dividem-se em quatro equipes de trabalho.
As crianças escolhem qual a equipe que querem integrar. As equipes
elegem um coordenador, um vice-coordenador e um secretário. Os
coordenadores das equipes formam o Conselho Deliberativo. Após
as escolhas, os coordenadores e os vice-coordenadores reúnem-se
para eleger o coordenador geral e o vice-coordenador geral. Acima
do Conselho Deliberativo está a assembléia geral da escola, da qual
participam todos os educandos e as professoras, ocorrendo todas as
sextas-feiras. (DAL RI; VIEITEZ, 2010, p. 121)
Segundo o MST (2000, p. 34, grifos do autor), as equipes de
trabalho e as respectivas incumbências eram:
a) Equipe de limpeza
Limpa os banheiros, as salas, as carteiras, busca os panos e apaga o
quadro.
b) Equipe de Serviços gerais
Molha o minhocário, é responsável pelo patrimônio da escola, cata
o lixo, conta os talheres, separa o lixo, arruma os calçados, ergue as
cortinas, arruma as bandeiras e ajuda na limpeza das salas.
c) Equipe de subsistência
Busca salada, ovos, sabão, molha a horta, ajuda na limpeza das salas,
duas pessoas lavam a louça e duas os copos, capina o jardim, molha as
ores, aponta os lápis de uso coletivo. Cuida das plantas.
d) Equipe pedagógica e comunicação
Traz os produtos cultivados no assentamento para a merenda na escola,
traz notícias de jornais, arruma os armários, as estantes, a biblioteca.
Conforme a Educadora A (2015) da ECC, “As equipes discutiam
com bastante liberdade os temas da equipe, mas também podiam discutir
tudo. E aí levavam para a assembleia e aí decidia o que fazer.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
129
Os educandos da ECC eram organizados em uma cooperativa ge-
rida pelos próprios alunos e que cumpria papel-chave na articulação entre
ensino e trabalho produtivo.
A organização da cooperativa dos educandos caracteriza-se como um
processo contínuo, em que sempre estão acontecendo mudanças, que
visam atender as necessidades e diculdades que surgem no transcorrer
do processo, como alteração de equipes, trocas dos membros,
negociações, denição de tarefas. É um processo desaante que exige
dos envolvidos a superação constante de limites, para assim continuar
com esta experiência de escola e de educação no assentamento.
(FIORENTIN, 2006, p. 111)
Segundo Dal Ri e Vieitez (2010, p. 121) “A cooperativa formada
pelas crianças funciona com autonomia, tem normas e divisão de tarefas.
A assembleia era o elemento-chave no processo educativo.
A mãe A (2015) de educando e auxiliar de serviços gerais da ECC
armou que:
Assembleia geral discutia sobre as tarefas, o comportamento, e eles
[os educandos] analisavam. Era visto tudo. Se tivesse uma tarefa para
os adultos eles que decidiam também. [tudo] era encaminhado [em
assembleia]. Na assembleia também tinha discussão. Avaliavam os
professores na reunião, a merendeira. Avaliavam tudo.
A ECC funciona em conformidade com o Regimento Interno da
Educação. “Quando os educandos não cumprem com esse regimento, eles
serão avaliados pelo conjunto da escola e se for necessário, também pela
comissão de educação do assentamento.” (MST, 2000, p. 32).
A Escola, em consonância com o ACF, empenha-se para estabelecer
relações sociais no âmbito pedagógico, inclusive no que tange ao Regimen-
to Interno, desde sua elaboração até o seu cumprimento.
Para romper com algumas práticas tradicionais como o ‘castigo’, foi
necessário outras formas de avaliar o comportamento dos educandos.
Hoje, percebemos que o educando está mais motivado, tendo amor
pela escola, tornando o ambiente prazeroso e agradável, pois ele passa
por um processo de reexão de sua falha, nesta reexão o educando
Neusa Maria Dal Ri & Outros
130
tem oportunidade de se auto-avaliar através de um trabalho prático
que venha contribuir no processo de sua formação. Ex: o educando
que não cumpriu com a tarefa que foi encaminhada, ele é penalizado
com outra tarefa que será denida pela assembléia. (MST, 2000, p. 32)
Uma vez decididas em assembleia as tarefas e a sua distribuição aos
educandos, esses cavam incumbidos de realizá-las, caso contrário, havia
sanções decididas coletivamente, em conformidade com o Regimento. En-
tre essas sanções poderiam estar a realização de alguma atividade, também
decidida em assembleia, com caráter educativo e produtivo, diferentemen-
te de práticas tradicionais que têm objetivos exclusivamente disciplinado-
res e são comumente sem utilidade social, exceto a exposição negativa ou
vexatória da pessoa sancionada.
Dal Ri e Vieitez (2010, p. 121), analisando essa questão, apon-
taram que
As crianças têm direitos e deveres e há previsão de punições para
aquelas que não cumprem as suas tarefas ou deveres. O coordenador
de equipe ou o coordenador geral pode ser destituído pela equipe ou
pela assembléia, caso não corresponda as suas atribuições. Há outras
punições para aqueles que não cumprem as tarefas.
No que se refere às punições, o Regimento Interno prevê que
– Os educandos que não cumprirem com as normas deverão pagar
punições.
– Essas penas devem ser produtivas, ex: trabalhos na horta, jardim,
pomar, limpeza.
Trabalhos referentes aos conteúdos do planejamento: pesquisa, texto,
síntese, dramatização, etc.
– Conversar com os educandos politicamente sobre as penas.
– Esclarecimento sobre as penas para todos os pais. (MST, 2000, p. 48)
Como pontuado, essas atividades, que estão relacionadas aos prin-
cípios educativos da gestão democrática e da articulação entre ensino e tra-
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
131
balho produtivo, por um lado, não tinham caráter laboratorial; por outro,
tinham nalidade intrinsecamente educativa.
Os familiais de educandos do Assentamento aprovavam incon-
dicionalmente as atividades desenvolvidas pela Escola, que, além de ní-
vel avançado de adequação ao PPP do MST, também se destacava entre
as escolas municipais pela qualidade da educação propiciada, qualidade
essa reconhecida inclusive com premiações externas de renome (DAL RI;
VIEITEZ, 2010, MST, 2000).
Conforme a Educadora B (2015), “Houve um consenso [...] aqui
todos os pais sabiam da importância do trabalho das equipes. Havia um
entendimento dos pais.” Porém, para familiais de alguns educandos exter-
nos ao Assentamento aquelas atividades conguravam o uso das crianças
para realizar tarefas que deveriam ser executadas por trabalhadores da es-
cola, gerando, assim, reclamações de familiais junto à Secretaria Municipal
de Educação. Por isso a ECC teve que adequar ou interromper essas ativi-
dades. Segundo a Educadora B,
[...] quando entraram as crianças de outra comunidade, não aceitaram.
Não aceitaram a mística. A gente cantava o hino do Movimento, mas
não cantamos mais. [...] Perdemos essa cultura, essa mística. A mística
também deixamos.
A Educadora A (2015) armou em entrevista que “[...] as famílias
de fora tinham resistência. Isso se reetiu nas equipes. O pessoal de fora
tinha resistência às equipes de trabalho.
Isso teve impactos negativos mais pontuais, como, por exemplo,
no que se refere à falta de cuidado com o patrimônio da escola. Houve
também impactos negativos mais amplos, especialmente em relação aos
princípios educativos do MST, em especial os que se referem à gestão de-
mocrática e ao vínculo orgânico entre ensino e trabalho produtivo, inclu-
sive porque, como destacado, na ECC os educandos eram organizados em
uma cooperativa.
Considerando-se que esses princípios educativos e as atividades de-
senvolvidas pela Escola e pelos educandos estão imbricados entre si, alte-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
132
rações em algum desses quesitos implicam, em alguma medida, alterações
em outros, pois a gestão democrática, a auto-organização dos educandos,
a articulação entre ensino e trabalho produtivo são dimensões de um pro-
cesso orgânico. Dessa forma, na ECC, a extinção das equipes de trabalho
teria, no entendimento da Educadora A (2015), ofuscado o sentido da
continuidade de realização das assembleias dos educandos, pois “A assem-
bleia era fruto do processo porque sentava na equipe, discutia, fazia plane-
jamento. Aí não havendo as equipes a assembleia cava sem sentido.
Para o Movimento a articulação entre ensino e trabalho produtivo
é um dos pontos mais importantes de seu PPP.
As pessoas se humanizam ou se desumanizam, se educam ou se
deseducam, através do tra balho e das relações sociais que estabelecem
entre si no processo de produção material de sua existência. É talvez
a dimensão da vida que mais profundamente marca o jeito de ser de
cada pessoa. No MST, os Sem Terra se educam tentando construir um
novo sentido para o trabalho do campo, novas relações de produção
e de apropriação dos resultados do trabalho, o que já começa no
acampamento, e continua depois em cada assentamento que vai sendo
conquistado. (MST, 1999, p. 8)
É por meio da gestão democrática que todos os assentados podem
participar, em condições de igualdade real, dos processos decisórios atinen-
tes à vida cotidiana da Escola e do Assentamento
4
.
Todos devem aprender a tomar decisões, a respeitar as decisões
tomadas no conjunto, a executar o que foi decidido, a avaliar o que
está sendo feito, e a repartir os resultados (positivos ou negativos)
de cada ação coletiva. Isto é democracia! E só acontece se o coletivo
organizar instâncias de participação, desde a direção política ou o
planejamento mais geral da atividade de educação, até a esfera
especíca do aprender e ensinar ou da relação entre quem educa e
quem é educado. (MST, 1996, p. 19)
A auto-organização é um componente fundamental da gestão demo-
crática nas escolas do MST, em todos os níveis e modalidades de educação.
 Segundo a Coordenação (2015), há restrições, em termos de idade mínima, para a participação nos processos
decisórios do ACF, conforme as instâncias e as questões envolvidas. Uma das razões seria de que as crianças, por
exemplo, poderiam decidir em consonância com a vontade ou com a decisão dos pais.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
133
[...] o direito dos educandos se organizarem em coletivos, com tempo e
espaços próprios, para analisar e discutir as suas questões, elaborar
propostas e tomar as suas decisões em vista de participar como sujeitos da
gestão democrática do processo educativo, e da Escola como um todo. Este
é um espaço de aprendizado e como tal deve ser acompanhado por uma
educadora que respeite a autonomia dos educandos. (MST, 1999, p. 14,
grifos do autor)
Com a entrada de alunos externos ao ACF, a plena implantação, de
forma generalizada, dos princípios educativos do MST na escola estatal,
em especial no que se refere ao princípio do vínculo orgânico e indissociá-
vel entre ensino e trabalho produtivo e ao princípio da gestão democrática
cou bastante dicultosa. Além disso, a ECC deixou de realizar atividades
relacionadas, à denominada mística
5
. A rigor, a interferência da SME afe-
tou a aplicação da Pedagogia do Movimento em sua totalidade.
No entendimento de diversos entrevistados, essas alterações impac-
taram negativamente em vários aspectos a educação propiciada pela ECC.
A Mãe A (2015) armou em entrevista que,
Era interessante porque a gente via que eles [os educandos] cuidavam. E
eles também cuidavam do patrimônio. Hoje você vê as carteiras riscadas.
Antes não tinha. Era tarefa deles. E eles cuidavam. Se tinha algum
problema, na semana seguinte eles corrigiam. Hoje a professora fala que
é patrimônio público, etc., mas não tem muito efeito nesse sentido do
cuidado, do zelo pelas coisas nossas e públicas, até o comportamento
entre eles. Havia muito mais companheirismo entre eles. Um cava
responsável por uma coisa e iam muitos ajudar. Hoje não.
Esses impactos implicam algum nível de descaracterização em rela-
ção à educação que era propiciada anteriormente, quando da primeira pes-
quisa efetuada por Dal Ri e Vieitez, cujos dados foram coletados em 2002.
A mística tem a nalidade de manter a identidade dos Sem Terra, reviver os sentimentos das pessoas pelo
Movimento e desencadear o respeito aos seus símbolos. Por meio da mística, resgata-se a memória de eventos
importantes para o MST e para a classe trabalhadora, rememoram-se episódios de lutas e a atuação de guras
destacadas na história. É também uma forma de ensinar às gerações mais jovens a história de lutas do Movimento,
bem como armar os seus princípios, objetivos e ideologia. Trata-se de atividades lúdicas e culturais realizadas
em todos os acampamentos, assentamentos e escolas do MST.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
134
Além disso, as mudanças e seus desdobramentos resultam em des-
compassos entre o currículo formal, o currículo em ação e o currículo
oculto, implicando em prejuízos, em termos de adequação ao PPP e à
Pedagogia do MST, assim como aos princípios educativos (DAL RI, 2013)
na educação propiciada pela ECC aos Sem Terrinha.
4. ingErências Estatais: uma rEcorrência na história da Ecc
As ingerências da SME na ECC ocorreram praticamente em todo
o tempo de existência da escola. Os embates da comunidade assentada
com os gestores municipais são registrados desde os primórdios da ECC,
envolvendo diversas questões, tais como, o nome da Escola, a designação
de professores, componentes curriculares, metodologia de ensino, tipo de
avaliação, mística, símbolos e outros elementos da Pedagogia do Movi-
mento (DAL RI; VIEITEZ, 2010, MST, 2000, 2015).
Logo após a conquista da escola pela comunidade, o que implicou
em vários embates, ocorreu interferência da SME. Segundo o MST (2000,
p. 36) “No início de 1991, quando pensávamos ter superado as maiores
diculdades, surge outra barreira.” A SME “[...] começa a interferir no
desenvolvimento da proposta de educação, querendo denir as educadoras
para esta escola, os conteúdos a serem trabalhados e questionando o mé-
todo utilizado.” A comunidade do Assentamento mobilizou-se e protestou
contra a interferência; a SME reagiu com ameaças, como, por exemplo, a
“[...] não aceitação e contratação dos professores escolhidas pelo assenta-
mento, anulação do ano letivo, não aceitação do nome da escola, proibição
do uso de símbolos do MST, enm, o método como um todo.” (MST,
2000, p. 37).
Todavia, como destaca o MST (2000, p. 37), as recusas e ameaças
da SME instigaram os assentados à resistência e ao enfrentamento:
[...] essas ameaças serviram como fortalecimento para a nossa
organização que se responsabilizou pelo pagamento dos salários
dos professores e buscar formação para os mesmos. Uma das nossas
conquistas é que os professores se desaaram a buscar formação e
assim prestaram concurso público municipal, tendo direito a um cargo
efetivo na escola, provando à Secretaria sua capacidade.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
135
Conforme o MST (2000, p. 37), “Aos poucos foi crescendo a con-
vicção de que a proposta desenvolvida na escola levava os educandos a uma
conscientização maior e a um processo [de] ensino-aprendizagem sério.
Arma, ainda, o MST (2000, p. 37) que: “Vendo isto acontecer, a
Secretaria retornou e fez um teste/prova para comprovar na prática se os
nossos educandos aprendiam ou não. Comprovada a eciência da propos-
ta, aos poucos a Secretaria passou a não mais interferir na escola.
A situação de ameaças e interferências da parte da SME alterou-se
alguns anos depois, numa conjuntura favorável ao Movimento, que con-
quistou a hegemonia na escola.
Em 1997, com a nova administração municipal, a relação entre a
comunidade assentada e a Secretaria de Educação modicou-se,
promovendo certa aproximação entre ambas. A partir disso, podemos
dizer que a comunidade assentada encontrou-se de posse da escola,
ou seja, os pais, professores e alunos passaram a deter um controle
importante, ainda que relativo, sobre a gestão pedagógica, administrativa
e nanceira da ECC. (DAL RI; VIEITEZ, 2010, p. 123)
No entanto, diante da conjuntura e da correlação de forças atuais,
parece pertinente problematizar a continuidade ou a intensicação das
interferências da SME na ECC. Esse fato poderia reduzir, ainda mais, a
autonomia da Escola e ampliar as restrições a outros elementos inerentes à
Pedagogia do Movimento, como, por exemplo, o nome da escola, o uso da
bandeira do MST, cânticos, palavras de ordem, datas comemorativas, per-
sonagens e fatos históricos homenageados, conteúdos, metodologias de en-
sino, avaliações, entre outros aspectos do currículo da ECC. Até porque,
como ressaltado, já foram registrados, noutros momentos, interferências
da SME com vistas a extinguir essas e outras práticas da escola. É oportuno
destacar que as interferências ou perseguições à ECC e ao ACF ocorreram
também por iniciativa de outros aparelhos do Estado. “A polícia também
chegou a entrar na escola no dia de vacinação e arrancar os cartazes relacio-
nados ao MST.” (MST, 2000, p. 11).
Os fatos recentes relatados aqui e a ingerência da SME ocorre tam-
bém em relação aos conteúdos e metodologias de ensino desenvolvidos na
Neusa Maria Dal Ri & Outros
136
ECC. Como destaca a Mãe A (2015), “Antes [a escola] trabalhava mais os
acontecimentos internamente. Agora o tema gerador vem da Prefeitura.
Nas palavras da Educadora B (2015), o que prevaleceu foi o tema gerador
colocado pela Prefeitura, e não o nosso.
conclusão
A concepção de mundo, a ideologia e os objetivos do MST são, a
rigor, antagônicos aos do capital. A concretização desses quesitos deman-
daria, em última instância, mudanças estruturais nas esferas da economia,
da política e da cultura, principalmente no que se refere ao modo de pro-
dução (SILVA, 2014).
Como apontado, os desdobramentos do episódio em tela implicam
descompassos entre as diferentes dimensões do currículo; impactam nega-
tivamente na adequação da educação propiciada pela ECC à Pedagogia do
Movimento, bem como na aplicação dos princípios educativos.
Porém, se, por um lado, esse episódio implica retrocessos, por ou-
tro lado, há que se considerar que o MST é o grande educador dos Sem
Terra. Assim, ainda que para o Movimento a escola ou a educação escolar
sejam importantes ou imprescindíveis, elas são apenas uma dimensão da
educação, que, como destaca o MST, é mais que escola.
A rigor, a aplicação plena de um ou mais elementos da Pedagogia
do Movimento, bem como de um ou mais princípios educativos está, em
alguma medida, condicionada à consecução dos demais elementos dessa
Pedagogia ou desses princípios. Além disso, essa Pedagogia e seus princí-
pios educativos são inviáveis de serem aplicados nas escolas estatais organi-
zadas e estruturadas nos moldes ociais, exceto quando o MST conquista
e mantém a hegemonia político-pedagógica na escola.
Quando se trata das escolas públicas, o nível de hegemonia con-
quistado é o fator mais importante para o avanço na adequação da educa-
ção ao projeto político e à Pedagogia do MST e na aplicação dos princí-
pios educativos, que, embora sejam imbricados, guardam algum nível de
autonomia relativa entre si. Entretanto, a conquista e a manutenção da
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
137
hegemonia são partes de um processo, sempre sujeito a retrocessos ou a
avanços, dependendo da correlação de forças, em especial da capacidade de
mobilização e de resistência da comunidade atendida pela escola.
Se, por um lado, em se tratando de educação escolar, a relação,
direta ou indireta, com o Estado brasileiro é, em termos, inevitável para o
MST, há, em dadas circunstâncias, uma margem de decisão para o Movi-
mento quanto ao nível ou à forma de operacionalização dessa relação.
A polêmica sobre as formas de relação com o Estado, em especial
na área da educação, é uma temática que historicamente permeou pro-
gramas e debates de alguns dos principais Movimentos de trabalhadores
desde o século XIX, entre eles, os anarquistas, os cartistas, os marxistas, os
owenistas, até a atualidade, como ocorre, por exemplo, com o Movimento
Zapatista do México e o MST. (DAL RI, 2013, SILVA, 2014).
Os Movimentos do século XIX citados tinham posicionamentos
diferenciados entre si, num espectro que abrange da conciliação à luta de
classes, posicionamentos esses que se reetiram também nas respectivas
concepções de educação. Assim, os estudos sobre eles propiciam, numa
perspectiva histórica, importantes contribuições para movimentos sociais
do tempo presente.
Já os estudos sobre os movimentos atuais, como os Zapatistas
e o MST, propiciam dados decorrentes das suas atuações e de seus
posicionamentos em relação às políticas estatais, porém, em condições
relativamente similares e, ao mesmo tempo, diferentes em dados aspectos,
em especial no que se refere aos respectivos Estados-nação, que têm
especicidades jurídico-políticas, bem como no que tange às diferentes
perspectivas político-ideológicas desses Movimentos, que implicam formas
diferenciadas de se relacionar com o Estado e seus aparelhos, inclusive em
relação à educação escolar.
O último episódio de intervenção estatal envolvendo a ECC chama
a atenção para fatos que, em alguma medida, estão relacionados, direta
ou indiretamente, às esferas política, econômica e cultural, nos âmbitos
municipal, estadual, regional, nacional e internacional, que comumente
têm relações entre si. Além disso, é relevante para se analisar a questão
Neusa Maria Dal Ri & Outros
138
da relação entre movimentos sociais e Estado, com vistas a problematizar
potencialidades, limites e contradições da escola ocial estatal para ns de
execução de projetos educativos visando uma educação que se contraponha
ao capital.
O episódio em tela e seus desdobramentos corroboram os apon-
tamentos de Vieitez e Dal Ri (2011) no sentido de que a educação é
um campo em que os controles e os conitos, que vêm se acentuando,
tendem a se intensicar, haja vista a educação ser uma área tática para
disputas pela conquista ou pela manutenção da hegemonia nas dimen-
sões política, econômica e cultural, disputas essas que envolvem as classes
sociais e suas frações.
Este texto não tem a pretensão de discutir, de forma mais apro-
fundada, a relação entre o MST e o Estado como uma aporia. Porém, se
analisada numa perspectiva crítica, essa relação pode ser considerada um
dilema. Por isso a importância e a necessidade de se investigar diferentes
movimentos e os respectivos móbeis, táticas, estratégias, entre outros fato-
res, em diversas circunstâncias e diante de variadas conjunturas, inclusive
na área da educação.
Desaos ou dilemas envolvendo a relação com o Estado não são
enfrentados apenas pelo MST, mas, se não por todos, ao menos por par-
te signicativa de movimentos sociais de trabalhadores que se propõem a
fazer a crítica e a buscar a superação do sistema do capital, pois, em dados
momentos, enfrentam ou provavelmente enfrentarão contradições ou li-
mites, em tese, intransponíveis na lógica e na ordem do capital.
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______; ______. Formação da Cooperativa de Produção Agropecuária União. ORG&
DEMO. Marília, v. 4, n. 4, 2003, p. 117-124.
141
trabalho E gEstão dEmocrática: a ExPEriência
do colégio Estadual iraci salEtE strozak
Erika Porceli Alaniz
Neusa Maria Dal Ri
introdução
A gestão democrática e o trabalho como princípio educativo são
pilares centrais na proposta de educação do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) para os diferentes níveis e modalidades de ensino
(DAL RI, 2004). O plano de estudos (CALDART; FREITAS; SAPELLI,
2013) que orienta a organização pedagógica do Colégio Strozak, elege o
trabalho como uma dimensão basilar na formação dos educandos, assim
como a gestão democrática constitui-se em um meio necessário para o
desenvolvimento da proposta.
Desse modo, este texto objetiva discutir a organização e funcio-
namento do Colégio Iraci Salete Strozak (CISS) com base nos desaos e
avanços obtidos pelos educadores, educandos e comunidade escolar no
desenvolvimento da gestão democrática e do trabalho como princípio edu-
cativo, com a introdução da organização escolar por meio dos Complexos
de Estudo (CALDART; FREITAS; SAPELLI, 2013), no ensino funda-
mental, e em porções da realidade, no ensino médio.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
142
Embora o CISS não seja uma escola própria do MST, e sim uma
escola pública estadual, o Movimento tem incidência por meio, principal-
mente, dos educandos, alguns docentes, gestores educacionais e comuni-
dade assentada vinculados a ele que atuam na instituição e lutaram tanto
pela existência da escola no campo, como para a implantação do seu Proje-
to Político e Pedagógico (PPP). Um dos entrevistados
1
salienta que o CISS
não é uma escola do MST, mas é uma escola pública de assentamento,
portanto, há membros do Movimento que estudam na escola e participam
da construção da proposta pedagógica.
Para a realização da pesquisa, inicialmente, procedemos ao levan-
tamento sistemático e análise da literatura especializada na temática, bem
como dos documentos do Colégio, tais como: o Projeto Político e Pedagó-
gico (COLÉGIO IRACI SALETE STROZAK, 2013); Regimento Esco-
lar; e Plano de Estudos (CALDART; FREITAS; SAPELLI, 2013).
Após o levantamento e análise preliminar, realizamos a pesquisa
empírica por meio de observação dirigida do ambiente escolar: caracteriza-
ção da escola (infraestrutura e entorno); e observação em uma assembleia
geral do Colégio. Além disso, realizamos entrevistas semiestruturadas com
professores, dirigentes escolares, coordenadores pedagógicos e educandos.
Os dados foram analisados à luz da literatura selecionada e categorizados
conforme o objetivo de explicitar as contradições vivenciadas na organiza-
ção e funcionamento da escola.
Dividimos este trabalho em três partes: a) apresentação do CISS;
b) educação e trabalho no CISS; c) e o desenvolvimento da gestão demo-
crática.
1. colégio iraci salEtE strozak (ciss)
O CISS localiza-se no município de Rio Bonito do Iguaçu, esta-
do do Paraná, e situa-se no território dos assentamentos Ireno Alves dos
Santos, Marcos Freire e 10 de Maio. Tal como consta no PPP (COLÉGIO
 Diretor auxiliar do CISS em entrevista concedida aos pesquisadores em 14 de setembro de 2014.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
143
IRACI SALETE STROZAK, 2013), uma das entrevistadas
2
salienta que a
escola localiza-se na maior área de reforma agrária do país.
O processo de ocupação da fazenda Giacomet iniciou-se em
1996 e aglutinou em torno de 3.000 famílias nos acampamentos
(MONTEIRO, 2003). Houve reação violenta à ocupação por parte do
fazendeiro proprietário que culminou na morte de duas pessoas. Diante
da intensicação do conito, o Estado interveio e desapropriou 16.800 ha
para assentar 900 famílias, as quais deram início ao assentamento Ireno
Alves. Em seguida, houve a desapropriação de 10.093 ha onde foram
assentadas mais 600 famílias, em assentamento denominado Marcos
Freire. (MONTEIRO, 2003). Sendo assim, das 3.000 famílias acampadas
foram assentadas apenas metade, ou seja, 1.500 famílias.
No processo de ocupação, em 1996, sobressaiu a necessidade de es-
colarização das crianças, adolescentes e jovens acampados e, posteriormen-
te, assentados. Tendo em vista evitar que as crianças cassem sem escola,
a comunidade organizou instalações improvisadas para serem ministradas
aulas, tais como: os antigos barracões utilizados para guardar máquinas que
passaram a servir como sala de aula; interior de ônibus escolares; e embaixo
de árvores. Esses arranjos para garantir as escolas para as crianças contaram
com o trabalho voluntário dos assentados da localidade, ainda que estes
tivessem pouca escolaridade. (HAMMEL; SILVA; ANDRETTA, 2007).
As primeiras escolas situavam-se ainda na fazenda Giacomet, sendo
elas: Escola Vanderlei das Neves (1ª a 4ª ano) e José Alves dos Santos
(5º ao 8º ano), as quais levaram os nomes das duas pessoas mortas na
ocupação. Com a desapropriação da terra pelo Estado e a efetivação dos
assentamentos, houve a mudança de localidade, fator que fez com que
a escola José Alves dos Santos passasse a funcionar em duas localidades,
uma delas a Comunidade de Alta Floresta. A escola na comunidade de
Alta Floresta funcionou por dois meses de modo bastante precário e sofria
o descaso do poder público que, por não a reconhecer como escola da
rede pública, não a formalizava e, portanto, não a subsidiava. (HAMMEL;
SILVA; ANDRETTA, 2007, MONTEIRO, 2003).
 Professora J1 em entrevista concedida aos pesquisadores em 17 de setembro de 2014.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
144
Em 1998, já situada na localidade de Vila Velha, a comunidade do
assentamento, representada por professores, pais e educandos, mobilizou-se
para pressionar o poder público para construir uma escola no assentamen-
to. Nesse processo, a comunidade construiu, de modo improvisado, uma
estrutura física para ser reconhecida pelo poder público e, concomitante,
com o apoio dos educadores, elaborou a proposta pedagógica necessária
para o pedido de autorização de funcionamento da escola. Vale ressaltar
que, diferente da maior parte das escolas ociais estatais em que a proposta
pedagógica congura-se em instrumento burocrático, a proposta apresen-
tada para solicitar a autorização e funcionamento do Colégio foi elaborada
pelos educadores e comunidade do assentamento. A luta pela efetivação do
direito à educação no assentamento, paripassu à luta pela terra, projeta os
assentados na condição de sujeitos que se organizam coletivamente para
planejarem e organizarem o espaço educativo desejado.
O poder público não atendeu a reivindicação da comunidade ale-
gando que a precariedade das instalações era um impeditivo para a auto-
rização. Diante desse fato, a comunidade ocupou a frente do núcleo da
Secretaria Estadual de Educação de Laranjeiras do Sul e pressionou a pro-
motoria de justiça a posicionar-se sobre a matéria. (HAMMEL; SILVA;
ANDRETTA, 2007). A luta travada entre a comunidade e o poder públi-
co fez com que a promotoria obrigasse a Secretaria Estadual de Educação
a autorizar o funcionamento do CISS para o ano de 1999, localizado em
Vila Velha. Desse modo, o CISS começa como uma extensão da Escola
José Alves dos Santos, com localidade que foi alterada devido à proximi-
dade dos assentamentos, e sua criação remete às lutas pelo acesso a terra e
pela efetivação do direito à educação.
De acordo com o PPP da escola (COLÉGIO IRACI SALETE
STROZAK, 2013), no ano de 2004, o Setor de Educação do MST e a
Coordenação de Educação do Campo da Secretaria Estadual de Educação
solicitaram que o CISS se tornasse uma escola de referência e responsável
pela documentação das escolas itinerantes do Paraná, autorizadas pela
Resolução n. 614/2004 (PARANÁ, 2004). Em 2014, o CISS elaborava
a documentação de 12 escolas itinerantes do Paraná e oferecia assessoria
pedagógica a elas, uma vez que contava com a parceria de universidades
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
145
públicas da região para promover a formação continuada dos docentes e
subsidiar a implantação da metodologia de ensino adotada: o complexo
de estudo.
3
Atualmente, há na escola alunos do ensino fundamental do 6º ao
9º ano, ensino médio e curso técnico de formação de professores. No
CISS há 10 turmas que variam, em média, no ensino fundamental entre
20 a 30 alunos por sala e, no ensino médio, de 30 a 40 alunos. Frequentam
a escola 460 estudantes distribuídos em nove salas de aula. No computo
total há 1.400 estudantes vinculados à escola, incluindo os alunos das es-
colas itinerantes.
2. rElação EntrE Educação E trabalho no colégio iraci salEtE
strozak
A relação entre educação e trabalho no CISS acontece, principal-
mente, em dois momentos: na organização do trabalho pedagógico na es-
cola por meio dos complexos; e na organização da própria escola por meio
da gestão democrática e auto-organização dos alunos.
Inicialmente, o trabalho pedagógico da escola era organizado por
temas geradores, com base na teoria de Paulo Freire. Com o decorrer do
tempo, houve a percepção de que essa metodologia de ensino não atendia
aos interesses de ensino do Colégio. Foi identicado que, muitas vezes, os
conhecimentos cientícos não eram devidamente abordados ao se prio-
rizar os temas extraídos da comunidade. Uma das entrevistadas salienta
que foi um ganho passar do tema gerador para o complexo “[...] porque o
tema gerador, muitas vezes, não conseguia chegar no conteúdo. Quando
se complexicou o nível do conhecimento necessário funcionava pouco
4
.
Os professores e membros da equipe pedagógica foram unânimes
ao armarem que no Colégio há a adoção da pedagogia socialista. O Colé-
gio passou a buscar o referencial para seu trabalho pedagógico nos educa-
Membro da direção regional do Setor de Educação do MST em entrevista concedida aos pesquisadores em
16 de setembro de 2014.
Membro da direção regional do Setor de Educação do MST em entrevista concedida aos
pesquisadores em 16 de setembro de 2014
Neusa Maria Dal Ri & Outros
146
dores soviéticos, em especial Pistrak (2005), e implantou Plano de Estudos
organizado pelos pesquisadores Caldart, Freitas e Sapelli, em 2013, com
vista a orientar o trabalho pedagógico na escola. Esse plano traz os prin-
cípios e a organização do trabalho pedagógico a ser seguido na escola por
meio dos Complexos de Estudo, cuja experiência foi elaborada com base
em Pistrak (2002).
Segundo Dal Ri (2017), o Sistema dos Complexos formulado por
Pistrak (2005), nos anos iniciais da URSS socialista, era um método para
operacionalizar as ligações entre trabalho e ciência, teoria e prática, ensi-
no e educação de forma articulada e orgânica. Pistrak (2005) apontava
a necessidade da organização das disciplinas do programa de estudo em
complexos objetivando a compreensão da realidade de acordo com o mé-
todo dialético. O sistema dos complexos não se congurava como uma boa
técnica de ensino, mas sim em um sistema de organização do programa
justicado pelos objetivos da escola. Cada complexo proposto aos alunos,
com os seus temas de discussão, deveria ser um fenômeno de grande im-
portância e de alto valor cientíco, enquanto meio de desenvolvimento
da compreensão das crianças sobre a realidade. O critério de seleção dos
temas deveria ser procurado no plano social e não na pedagogia pura, pois
deveria ter um valor real. O sistema teria por objetivo treinar a criança na
análise da realidade por meio do método dialético, na teoria marxista, e
isso ocorreria na medida em que ela assimilasse o método na prática, com-
preendendo o sentido de seu trabalho (DAL RI, 2017).
Segundo um dos entrevistados, “De fato, a escola que se tem hoje
organizada também não nos ajuda. Então, o complexo ajuda com a aproxi-
mação da comunidade. Para nós os conteúdos estavam distantes, mas nós
não abrimos mão deles
5
.
Os entrevistados mencionaram que a introdução dos complexos de
estudo teve a preocupação em relacionar o conhecimento cientíco com o
modo vida dos educandos e com o trabalho no campo, bem como viabili-
zar a auto-organização dos alunos e atrelar os conteúdos à realidade social
vinculando-o ao trabalho.
Membro da direção regional do Setor de Educação do MST em entrevista concedida aos
pesquisadores em 16 de setembro de 2014.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
147
Os estudantes se organizam para dar conta dos complexos, que vem do
princípio da auto-organização e formação humana. [...] os complexos
dizem que isso [referindo-se ao grupo de teatro] tem que ser organizado
e gestionado pelos alunos. A gente tem teatro na escola, dança na
escola, tem música nessa perspectiva.
6
Uma das entrevistadas, membro da direção regional do Setor de
Educação do MST, salienta que o vínculo com a realidade seria um dife-
rencial, pois não ensina apenas coisas do campo, mas tende a preparar para
a vida. “Nós dizemos que tem que ir para realidade que é também para
romper com umas questões que não enxergam a realidade propriamente
dita. O diferencial é o vínculo com a realidade
7
.
O diretor auxiliar da escola expõe sobre a organização do trabalho
pedagógico por complexo de estudo.
O professor de matemática faz da seguinte maneira: primeiro é o
conteúdo, que tem nas diretrizes do estado, e tem um inventário da
realidade. O que tem na realidade aqui? Tem os indígenas, tem área
descampada, poluição. Aí nós pegamos essa realidade e detalhamos
ainda mais. Um grupo de professores e educandos zeram um
inventário da realidade, então o professor de matemática vai olhar
para o conteúdo dele e fazer o vínculo com algum desses aspectos da
realidade e daí, no planejamento, eles combinam com a realidade.
8
A implantação dos Complexos de Estudo deveu-se à necessidade de
aproximar a ciência aos contextos de vida e de trabalho dos camponeses.
De acordo com o Plano de Estudos (CALDART; FREITAS; SAPELLI,
2013) pretende-se, com essa organização do trabalho escolar, utilizar o co-
nhecimento cientíco para a explicação das relações de produção, de vida,
luta e embates que acontecem no campo, não excluindo a sua integração
com a área urbana. No Plano (CALDART; FREITAS; SAPELLI, 2013,
p.15) está previsto que no cotidiano deve-se contemplar o trabalho como
Membro da direção regional do Setor de Educação do MST em entrevista concedida aos
pesquisadores em 16 de setembro de 2014.
Membro da direção regional do Setor de Educação do MST em entrevista concedida aos
pesquisadores em 16 de setembro de 2014.
Diretor auxiliar em entrevista concedida aos pesquisadores em 17 de setembro de 2014.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
148
fundamento da organização escolar de modo que: a) todos trabalhem no
ambiente educativo; b) inserção dos estudantes no trabalho socialmente
útil; c) organização coletiva do trabalho; d) os alunos tenham experiência
agroecológica nos anos nais do ensino fundamental; e) inserção dos estu-
dantes em processos agroindustriais geridos pelos trabalhadores.
Assim, a opção pelo Complexo de Estudo, no ensino fundamental,
tem em vista não apenas uma relação mecânica entre trabalho e conteúdos
escolares, mas a articulação entre esses elementos, tendo a formação hu-
mana integral como objetivo fundamental do trabalho educativo. Sapelli
(2015) esclarece que o MST construiu, desde 2005, fundamentado em
Vigotsky, Paulo Freire e Pistrak, a proposta de ciclos de formação humana
que contempla: a organização das turmas em ciclos; área como princípio
metodológico; o conselho participativo; o parecer descritivo e a gestão com
a participação ampliada da comunidade.
Vislumbra-se contemplar no Plano de Estudos (CALDART;
FREITAS; SAPELLI, 2013) o rompimento com o academicismo que
caracteriza a educação básica e com as práticas de submissão existentes
na vida e no trabalho. O reconhecimento, por parte signicativa dos
educadores, da função político-ideológica que desempenha a escola
burguesa na sociedade dividida em classes sociais e a constituição de uma
proposta pedagógica com ações concretas que neguem o pressuposto
hierárquico e a exploração nas relações sociais permitem a construção
de uma escola comprometida com os anseios da classe trabalhadora, em
oposição ao modelo estatal.
Primeiro, eu penso que é a formação humana, totalmente diferente
nas escolas clássicas que se tem hoje. A escola Iraci tenta romper com
o processo de submissão que tem nas escolas tradicionais. Segundo,
a questão da concepção de educação, a gente pensa que precisa
estimular todas as dimensões do ser humano, não é só o conhecimento
cientíco. A gente pensa também no trabalho. O trabalho tem cado
nos complexos.
9
 Professora J em entrevista concedida aos pesquisadores em 16 de setembro de 2014.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
149
A implantação do Plano de Estudo tem requerido formação conti-
nuada dos docentes e assessoria de docentes de universidades, entretanto,
os dados indicam que há diculdades na sua operacionalização. Nesse sen-
tido, Sapelli (2015) aponta que as experiências de implantação da metodo-
logia dos Complexos nas escolas itinerantes e no CISS está perpassada de
contradição, continuidades e descontinuidades.
Uma das diculdades refere-se a não adesão por completo à propos-
ta da escola, pois se trata de uma escola pública, cujos professores são con-
tratados pelo Estado. Em torno de quarenta docentes ministram aulas no
Colégio, uma parte deles é concursada e a maior parte, em torno de 80%, é
contratada por meio de Processo de Seleção Simplicada (PSS). Sendo as-
sim, os docentes, a priori, não pertencem ao MST e a escola não tem como
garantir aos professores uma formação anterior em escolas próprias do Mo-
vimento ou, ainda, em Universidades conveniadas que ofereçam o curso
de graduação em Pedagogia da Terra, embora exista no Colégio professores
assentados que cursaram esse curso superior. O fato de os professores não
terem, a princípio, identidade e formação política no MST repercute na
não adesão à proposta, como indicado por uma das entrevistadas
10
. Sapelli
(2015) menciona que alguns fatores inviabilizam a introdução da proposta
de Complexo de Estudo, sendo eles: o forte individualismo dos docentes;
recusa ao trabalho coletivo; e a necessidade de posicionamento político
dos docentes, já que muitos deles não se identicam com a luta da classe
trabalhadora.
Embora a concepção de trabalho como princípio educativo esteja
contida no Plano de Estudos, constituindo-se na matriz formativa basilar
da escola (CALDART; FREITAS; SAPELLI, 2013), podemos extrair das
entrevistas que sua execução ca dicultosa em grande parte devido: a)
a formação política ideológica e acadêmica dos professores; b) a jornada
de trabalho e forma de contratação docente predominante na escola; c)
ausência de vínculo escola e modo de vida e produção nos assentamentos;
d) diculdades teórico-metodológica sentida pelos docentes na operacio-
nalização da metodologia.
10
Professora M em entrevista concedida aos pesquisadores em 17 de setembro de 2014.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
150
É difícil para o professor fazer essas conexões, porque dá mais trabalho
e depende da formação. O problema é que o professor é horista, então
falta permanência dos docentes na escola. Nos docentes novos falta
identidade com o projeto da escola. A proposta enquanto concepção é
boa, mas a viabilidade é complicada. A escola também não tem dado
conta de dialogar com a comunidade o que é essa proposta
11
.
Outro fator refere-se à diculdade dos professores para aplicar a
metodologia dos Complexos de Estudo na prática.
Eu realmente passo meus conteúdos conforme eu consigo. Aqui
eles querem que a gente passe o conteúdo conforme a realidade, eu
exemplico, mas é difícil mostrar na prática, eu não consegui ainda.
Já tentei, mas empacou ali e não consegui. Também ligar com outras
disciplinas [...] Fomos para Veranópolis e camos três dias tentando
com professores do Brasil inteiro e não conseguimos fazer o complexo.
Na verdade, não falaram nada, queriam que a gente tentasse. A única
coisa que saiu de lá foi horta, que ligou ciências e matemática, mas não
juntou um conteúdo com outro, para mim isso é insuciente.
12
No ensino médio, alguns docentes têm organizado o trabalho
pedagógico por meio da denominada porções da realidade, ainda que com
diculdade.
[...] fazer a relação dos complexos para ensino fundamental e, no
ensino médio, porções da realidade. O complexo é muito complexo.
Quando chegamos na escola, era uma escola nova. Ai a gente vai
trabalhando. Ai a Marlene Sapelli veio dar um curso. São porções da
realidade: a luta pela terra, alimentos, etc. A gente relaciona o conteúdo
cientíco com aquilo. É diferente dos temas geradores, a gente vê
os conteúdos e os temas que a gente pode relacionar, por exemplo:
a luta pela terra, como eu posso relacionar. Fiz uma com a porção
da realidade, que estou querendo pôr em prática, tem aqui a usina
hidrelétrica Salto de Santiago, aí o professor de história trabalha a parte
histórica e eu trabalho relacionada à física. Como foi construída? Em
que auxiliou aqui na região? Como a energia é gerada? A transmissão da
eletricidade. O trabalho com a interdisciplinaridade é para não precisar
voltar novamente, então o professor de história trabalha junto. [...] a
11
Membro da direção regional do Setor de Educação do MST em entrevista concedida aos pesquisadores em
16 de setembro de 2014.
12
Professora F1 em entrevista concedida aos pesquisadores em 16 de setembro de 2014.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
151
gente trabalha o conteúdo cientíco, conceitos, fórmulas. Eu tento o
máximo buscar exemplos para o aluno compreender isso. Aproveito
para discutir isso, mas às vezes você projeta e não consegue seguir o
conteúdo formal.
13
A organização do trabalho pedagógico em porções da realidade
tem em vista abordar a complexidade que envolve a vida e o trabalho no
campo, e o vínculo com o trabalho real acontece em alguns momentos do
ensino. Mas, a aplicação da metodologia ainda é um desao para escola,
o que pode ser observado pela diculdade que os educadores têm para
atrelar os conteúdos cientícos indicados para cada ano de escolaridade ao
inventário construído com base na realidade. Apesar disso, o trabalho com
a porção da realidade tem possibilitado articulações com o trabalho real
ainda que de forma pontual.
No caso especíco do CISS, não se pode armar que o trabalho
seja um princípio educativo ainda, pois “Isso não chega à união entre en-
sino e trabalho, mas chega na porção de realidade
14
. A diculdade para a
materialização do trabalho como princípio educativo caracterizou muitas
experiências educacionais na Rússia revolucionária. Shulgin (2013) aponta
que, especicamente em relação à escola média, o problema crucial estava
no fato de ser a escola separada da vida e fechada em suas paredes. O autor
salienta a necessidade de introduzir o trabalho social em todas as etapas de
formação, em oposição às atividades escolares que simulam o trabalho e
empobrece o seu sentido.
Outros fatores que dicultam a ligação do ensino e do trabalho na
escola é o fato do CISS ser uma escola da rede estadual de educação, de
educação básica e não técnica e não ser uma escola própria do MST. Nas
escolas de formação técnico-prossional do MST, o vínculo entre a orga-
nização da produção (formação técnica) e a luta pela reforma agrária po-
pular (formação do militante) tende a ocorrer de forma mais orgânica, tal
como demonstram as pesquisas realizados no Instituto de Educação Josué
de Castro (CALDART, 2013; DAL RI; VIEITEZ, 2004) e Escola Milton
Santos (SANTOS, 2014), entre outras.
13
Professora F em entrevista concedida aos pesquisadores em 17 de setembro de 2014.
14
Professora M em entrevista concedida aos pesquisadores em 16 de setembro de 2014.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
152
Para nós seria tranquilo usar uma propriedade para ser nosso campo
de trabalho, mas isso hoje o estado não permite nem no ensino
prossional. Por exemplo, temos um curso de aquicultura (organismos
marinhos) a Universidade faz um laboratório próprio. Primeiro, é
uma questão estadual, diferente do ITERRA que é uma escola que se
organiza pelos princípios do MST.
15
As escolas estatais tendem a congurar-se separadas do trabalho
e privilegiar as disciplinas acadêmicas sem relação com o modo de vida e
trabalho. Para Pistrak (2005) o trabalho agrícola deve estar contemplado
em todos os níveis de ensino, enquanto um espaço que coloca fenômenos a
serem compreendidos e explicados racionalmente, com vista a aperfeiçoar
os métodos de trabalho agrícola, a economia rural e a vida do camponês,
assim como ensinar as crianças e jovens camponeses a pensar e trabalhar
racionalmente. Nesse sentido, Pistrak (2005) propõe que haja, na escola de
1º grau no campo, uma área de meio a um hectare destinada ao trabalho
racional dos alunos, pois “[...] a escola deverá ser colocada na vanguarda
deste trabalho, porque ela é o centro cultural que inuencia diretamente a
criança desde uma tenra idade e indiretamente toda a população campo-
nesa”. (PISTRAK, 2005, p.69-70)
Implantar o trabalho real próprio da agricultura e torná-lo funda-
mento do currículo escolar de modo que contemple a complexidade dos
conhecimentos é um desao a ser enfrentado no CISS, pois os dados em-
píricos coletados indicam uma diculdade.
A diculdade em relacionar conhecimento cientíco e trabalho na
agricultura relaciona-se também com a forma como a produção agrícola
desenvolveu-se e congurou-se na sociedade capitalista. A divisão social do
trabalho capitalista caracteriza a atividade agrícola, em especial a de peque-
nos proprietários, como uma forma primitiva de produção e com pouco
desenvolvimento tecnológico. Além disso, a atividade agrícola é conside-
rada inferior à industrial. Assim, essa atividade é designada à periferia do
capitalismo e a agricultura é, em geral, caracterizada como um modo ru-
dimentar e simples de exercer o trabalho. Superar essa característica do
trabalho na agricultura implica superar a forma como a divisão social do
15
Diretor auxiliar em entrevista concedida em 16.09.2014.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
153
trabalho está estruturada no capitalismo e alterar as tecnologias e processos
de produção que vigoram no campo que, nesse modelo de produção social,
estão voltados para a exaustão da capacidade física humana e para a substi-
tuição do trabalho vivo por trabalho morto. Ou seja, a organização coletiva
no campo também implica em recriação das formas de cooperação entre os
homens e de novos processos de trabalho. É provável que a Agroecologia,
enquanto ciência e tecnologia produtiva para o campo, constitua-se em
alternativa à forma como a produção agrícola tem se congurado.
Pistrak (2005), ao propor a pedagogia do trabalho no contexto
agrário da URSS, teve que enfrentar essa questão, que é atual devido à
forma desigual com que o capitalismo opera no reordenamento mundial,
produzindo conglomerados econômicos hegemônicos e a periferia do sis-
tema. A divisão social mundial do trabalho combina setores de produ-
ção avançados com aqueles nos quais prevalecem o trabalho simples. Essa
combinação ocorre em toda a cadeia produtiva e em um mesmo setor de
produção. Esse é o caso da produção de transgênicos que requer alta tecno-
logia e é combinado com a produção agrícola rudimentar.
Os dados empíricos coletados no CISS corroboram a armação an-
terior. Uma das entrevistadas
16
expôs a diculdade que os assentados têm
de continuarem na terra e produzir nela, pois há insuciência de recursos
próprios para aprimorar a infraestrutura de produção e pouco ou nenhum
subsídio público. Quando acessam algum recurso pequeno via o Programa
de Crédito Rural para a Agricultura Familiar (PRONAF), os assentados
têm que comprar venenos, sementes e grãos modicados conforme vêm
indexados no programa. Essa indexação reete o poder das corporações
sobre os governos nacionais para viabilizarem o escoamento de seus pro-
dutos. Tais condições objetivas vivenciadas nos assentamentos dicultam
a produção agroecológica e, consequentemente, um tipo de produção no
campo que se organize por meio de processos e com materiais diferentes
da produção capitalista. Esse fato evidencia limites políticos e nanceiros
para se desenvolver o processo de trabalho no campo, ainda mais do ponto
de vista da agroecologia.
Esse conjunto de fatores articulados corrobora para que o trabalho
no campo permaneça caracterizado pelo trabalho simples sem o aporte de
16
Professora P em entrevista concedida aos pesquisadores em 17 de setembro de 2014.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
154
pesquisas e alta tecnologia, como tradicionalmente foi realizado na peri-
feria do sistema capitalista. Essa forma de conceber o trabalho agrícola
colabora com a diculdade encontrada pela escola em atrelar os conteúdos
acadêmicos à realidade do campo.
3. a gEstão dEmocrática no ciss
Uma característica singular da organização das escolas do MST, em
especial naquelas criadas pelo Movimento e nas escolas públicas nas quais
tem hegemonia, é a implantação da autogestão ou autogoverno, denomi-
nada de gestão democrática, como um pilar fundamental da estrutura or-
ganizativa e pedagógica da escola.
No MST, o autogoverno na escola não é alheio ou exterior à tenta-
tiva de auto-organização dos trabalhadores interna ao Movimento, ainda
que essa prática não seja homogênea na organização do próprio MST. Po-
rém, trata-se de uma diretriz geral do Movimento. No setor da educação,
na medida em que o MST alcança maior inuência na escola parece haver
a tendência de intensicar a prática democrática, sobrepondo-se à forma
de organização hierárquica das escolas estatais ociais que, em geral, limi-
tam-se à introdução de princípios democráticos liberais, limitados à ideia
de representação e que pouco avança na democratização real do poder.
Dal Ri e Vieitez (2013, p.256) indicam que as instâncias democrá-
ticas criadas nas escolas do MST estão imbricadas com as formas de cole-
tivização da luta e do trabalho e com a organização associada e cooperativa
introduzida pelo movimento fora escola.
A AG (assembleia geral) é um órgão de autogoverno. Participando dela
o sujeito escolar manifesta-se individualmente, segundo o princípio
de uma pessoa, um voto. Entretanto, o sujeito escolar não está na
assembleia como um simples indivíduo. Por detrás dele, encontra-se
a organização de base com a qual tem compromisso iniludível, que
discutiu e se posicionou a respeito dos temas presentes na assembleia.
Além da organização de base, o sujeito encontra-se inserto na frente de
trabalho, na equipe de trabalho ou outro organismo conexo, os quais
estão estruturalmente articulados. (DAL RI; VIEITEZ, 2013, p. 256)
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
155
Nas escolas do MST, a assembleia geral é um dos mecanismos
pelos quais é exercido o autogoverno dos alunos, pais, professores, equipe
pedagógica e funcionários. Essa instância criada para o exercício da
democratização do poder, historicamente, esteve presente nas estruturas
horizontalizadas de poder criadas pelos trabalhadores na prática da
autogestão. Nas escolas estatais contemporâneas, não está prevista a
existência dessa instância, as legislações em vigor, como a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional n. 9394 de 1996 e as legislações especícas
em cada federação em âmbito estadual e municipal, regulamentam a
obrigatoriedade dos conselhos escolares como mecanismo de efetivação
da gestão democrática do ensino, na forma da lei, conforme o art. 6
(BRASIL, 1988).
Os estudos destinados a analisar as experiências de educação no
MST, com base em várias pesquisas empíricas realizadas em escolas do
Movimento, dentre elas as efetivadas por Caldart (2000) e Caldart et
al (2013), Dal Ri (2004), Dal Ri e Vieitez (2004, 2008, 2013) e Souza
(1999), indicam que a prática da gestão democrática por meio do
autogoverno é uma característica fundamental da organização da escola e
do trabalho educativo no MST. Contrariam, assim, a tese de Bezerra Neto
(1998, p.106) que salienta que a democracia não encontrou efetivação
nas escolas do MST, principalmente porque, apesar do discurso do MST
insistir na participação das crianças na gestão da escola, elas não têm
como assumir muitas das atividades que são da competência do adulto.
Há um sentido próprio conferido à gestão democrática nas escolas
do MST ou escola pública na qual o Movimento tem hegemonia, uma
vez que articula a luta, a organização da produção e a autogestão na
escola com vista a subsidiar a atuação do próprio movimento social. Silva
(2014), ao tratar da gestão democrática no MST e em outros movimentos
sociais no decorrer da história, indica que a gestão democrática radical
ou substantiva não é apenas uma metodologia visando à gestão da escola
mais eciente em termos de aplicação de recursos, desempenho em
avaliações e qualidade de ensino. No seu exercício, todos aparecem como
sujeitos ativos e em condições de igualdade real nas instâncias decisórias
e constitui uma educação teórica e prática que rompe com a dicotomia
Neusa Maria Dal Ri & Outros
156
polarizada e hierárquico-verticalizada entre quem comanda/concebe e
quem executa/obedece.
3.1. organograma da Estrutura organizativa E distribuição do
PodEr formal no ciss
Fonte: Organograma elaborado pelas autoras (2017)
De acordo com a distribuição formal de poder na escola, a assem-
bleia geral é o órgão máximo de tomada de decisão. A assembleia é com-
posta por gestores, professores, funcionários, pais e alunos. Não houve pre-
cisão em relação à quantidade de ocorrência das assembléias no decorrer do
ano, a maior parte dos entrevistados apontou de duas a quatro.
Pelo que pudemos vericar nas entrevistas com docentes, gestores
e educandos, ocorrem, além das assembleias gerais, várias assembleias
temáticas no decorrer do ano para tratar de assuntos emergentes no co-
tidiano da escola. Enquanto realizávamos a coleta de dados, pudemos
presenciar uma assembleia convocada pelos alunos, cujos temas prioritá-
rios foram: saber por que razão a participação dos pais não estava sendo
tão frequente na escola; reivindicação dos alunos em relação ao cumpri-
mento dos horários e conteúdos pelos professores; consultar sobre o uso
dos uniformes, já decidido pelo coletivo anteriormente; e a liberação da
internet para os alunos.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
157
Vinculada à assembleia, há a comissão executiva da assembleia, que
é composta pelos representantes de turma, representantes dos núcleos se-
toriais, professores e equipe pedagógica. Abaixo da assembleia e direção
executiva da assembleia, há outras instâncias relacionadas ao processo de
tomada de decisão na escola, como indicam o Regimento Escolar, o Proje-
to Político Pedagógico (COLÉGIO IRACI SALETE STROZAK, 2013) e
as entrevistas com docentes e gestores:
- Direção e direção auxiliar: composta pelo diretor e seu auxiliar.
Em consonância com a legislação do Estado do Paraná (PARANÁ, 2015),
esses diretores são eleitos pela comunidade. A direção atual da escola foi
indicada, em assembleia, porque se tratou de substituição de outros dois
diretores que saíram da escola. A função da direção é cumprir as decisões
da assembleia. A direção é quem conduz o projeto pedagógico e organiza-
ção administrativa da escola.
- Conselho de escola: composto pelos representantes de pais e de
alunos, direção, equipe pedagógica e pode ter participação dos movimentos
sociais sem quantidade de representação estipulada pelo coletivo. De acordo
com o diretor auxiliar
17
, há reuniões do conselho que tem mais educandos
do que professores e não tem havido mais de uma chapa disputando o con-
selho escolar. A existência do conselho escolar é uma exigência legal dos sis-
temas de ensino, inclusive no estado do Paraná (PARANÁ, 2009).
No CISS, outros órgãos coletivos têm maior relevância no processo
de tomada de decisão do que o conselho de escola, como, por exemplo,
a Associação de Pais, Mestres e Funcionários (APMF), Direção, Núcleos
Setoriais e Representantes de turma. No Colégio, discutiu-se a possível
fusão da APMF com o conselho escolar, pois há praticamente as mesmas
pessoas nas duas instâncias e esse órgão também capta recursos. O conse-
lho é acionado quando os assuntos são polêmicos, no entanto, há assuntos
que só a assembleia pode decidir, porque requerem a participação de todos
da comunidade, tais como os citados anteriormente.
Antes das decisões serem tomadas em assembleia, há várias instân-
cias de discussão e encaminhamento dos posicionamentos tomados pelo
17
Diretor auxiliar em entrevista concedida aos pesquisadores em 16 de setembro de 2014.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
158
grupo. Esses grupos deliberativos e de discussão compõem a direção exe-
cutiva da assembleia, sendo eles:
a) Núcleos setoriais: há nove núcleos setoriais, criados há dois anos,
com seus respectivos representantes eleitos pelos alunos. Cada núcleo é
responsável por ajudar a organizar uma área na escola, há núcleo setorial
de: esporte; produção agrícola; cultura; comunicação; memória; leitura; e
saúde. Os núcleos têm autonomia para decidirem sobre o que podem fazer
para, por exemplo, embelezar a escola, mas tem que passar pela direção
quando envolve recursos. Cada núcleo setorial tem um coordenador e um
relator. Os coordenadores e relatores têm acento na comissão executiva
da assembleia geral. O coordenador de cada núcleo é eleito pelos pares,
membros do núcleo.
b) Representantes de turma: esse órgão é formado por dois profes-
sores e dois alunos, um menino e uma menina. Dois desses representantes
têm acento permanente na direção executiva da assembleia. Os professores
são selecionados com base na carga horária, em seguida cada turma indi-
ca três ou quatro professores. A função dos representantes de turma dos
professores é se aproximar da turma para vericar a existência de algum
problema ou conito e conferirem a elaboração dos pareceres de avaliação.
Os representantes dos alunos têm a tarefa de apresentar as demandas da
turma e levar as deliberações à direção executiva da assembleia.
Há, ainda, as instâncias que não têm acento na direção executiva
da assembleia, como:
a) Conselho de classe participativo: é composto por todos os alunos
de uma turma, professores, pais, equipe pedagógica e representante de tur-
ma. O objetivo desse conselho é que todos possam dialogar entre si e ava-
liarem-se mutuamente, ou seja, os alunos avaliam os professores e os pro-
fessores avaliam os alunos junto com os pais. Todos podem dialogar sobre
a avaliação do aluno. É uma síntese da avaliação, do que já foi avaliado em
cada área de conhecimento, porém inclui outros aspectos relacionados ao
comportamento, postura no grupo e não apenas desempenho acadêmico.
É realizada a avaliação individualizada de cada aluno. Dessa avaliação são
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
159
retirados encaminhamentos, tanto dos estudantes como dos professores e,
se houver alguma coisa grave, haverá alguma ação prática imediata.
Podemos observar que a forma de organização e a função exercida
pelo conselho de classe no Colégio são muito distintas daquelas das es-
colas estatais, nas quais apenas o professor com seus pares avaliam os alu-
nos. “A direção também é avaliada nos conselhos de classe participativo.
Ninguém quer ouvir uma crítica. Principalmente, quando o professor
e diretor se colocam num patamar elevado e tem que car ali ouvindo
crítica de pai e de mãe”.
18
b) Coletivo Pedagógico: Instância de organização do trabalho pe-
dagógico docente destinada a operacionalizar reuniões, discussões pedagó-
gicas, eventos, entre outros temas relacionados ao trabalho educativo da
escola. “A gente toma decisões do dia a dia, quando têm cursos e mostras
culturais. Quando a gente faz algum trabalho que tem como incluir os
setoriais, vendo o que cada grupo pode fazer
19
.
Podemos observar, com base nos relatos das entrevistas, a instau-
ração de signicativo processo de participação na tomada de decisões na
escola, culminando na criação de vários órgãos destinados a aperfeiçoar ou
contemplar amplo debate junto à comunidade educacional.
Aqui nessa escola é essa democracia. Mandar é muito forte, tanto a
direção e tem esses coletivos. Trabalhei tanto em escola do assentamento
e da comunidade. Na escola do estado é a direção. Nós aqui temos
essa democracia, não decidem sozinhos. Eu acho que a própria direção
junto com o coletivo. As decisões chegam ao grupo de professores, há
reuniões que são feitas com os alunos e têm estudantes que participam
do núcleo. Não é decisão sozinha, só da direção.
20
A organização da equipe pedagógica, educadores, educandos e as-
sentados em instâncias decisórias e a existência de canal de comunicação,
que liga a assembleia aos coletivos destinados à implantação das diretrizes
pedagógicas da escola, revelam o aprofundamento da democracia direta,
em oposição à democracia representativa.
18
Diretor auxiliar em entrevista concedida aos pesquisadores em 16 de setembro de 2014.
19
Professora V em entrevista concedida aos pesquisadores em 17 de setembro de 2014.
20
Professora F em entrevista concedida aos pesquisadores em 17 de setembro de 2014.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
160
Além das instâncias decisórias da política pedagógica da escola, a
CISS apresenta vários espaços destinados à atuação dos educadores, alunos
e comunidade de pais na denição dos conteúdos, valores, regras e dire-
trizes político-pedagógicas a serem seguidas pela escola, sendo um desses
espaços o conselho de classe participativo. A atuação nesse conselho per-
mite que os alunos questionem os instrumentos e critérios avaliativos e
as práticas docentes, além de participarem ativamente da organização do
trabalho pedagógico por meio dos núcleos setoriais.
A atuação dos educandos nas instâncias decisórias (assembleia,
conselho de escola), nos núcleos setoriais, como representantes de tur-
ma e no conselho de classe participativo os inserem como sujeitos do
trabalho pedagógico da escola e membros de um coletivo engajado no
processo de luta.
[...] eu gosto do colégio porque aqui a gente tem voz e vez. Eu acho
que é um colégio diferenciado, acho importante que a gente tenha
essa visão do que foi nossa luta. A professora de Português traz isso
dentro do português, dentro da matemática. Sobre crítica construtiva
o exemplo maior é o conselho de classe, que pode ver o que está errado.
Há conito, pois têm pessoas que não vê a crítica como algo bom.
21
O trabalho pedagógico realizado na escola também é um dos mo-
mentos no qual se vivencia a democratização do poder na escola e pres-
supõe a auto-organização dos educandos. Os educandos participam ati-
vamente das instâncias decisórias acerca dos rumos da escola, como da
assembleia geral, e das instâncias próprias dos alunos destinadas à discussão
dos discentes diante das decisões a serem tomadas e operacionalizadas no
trabalho pedagógico e gestão da escola, como núcleos setoriais e represen-
tantes de turma. Além disso, o organograma da distribuição de poder na
escola indica existência de organicidade, pois as várias instâncias organiza-
tivas se constituem em espaços de debates, tomada de decisão e execução,
e todos/as têm assento na instância de máximo poder, que é a assembleia
geral. Tal organicidade assemelha-se à organicidade que estrutura o MST,
uma vez que a base dos trabalhadores e militantes deve ligar-se à direção
central, assim como o inverso, não havendo uma hierarquia vertical, e sim
um processo horizontal de organização e tomada de decisão.
21
Educanda F em entrevista concedida aos pesquisadores em 16 de setembro de 2014.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
161
Sapelli (2015, p.137), ao referir-se à experiência dos CISS, também
partilha dessa compreensão.
Outro aspecto que tem centralidade diz respeito à mudança da
forma da escola, à alteração das relações lá estabelecidas, portanto, à
mudança da gestão que passa a exigir a horizontalização das relações, a
educação para a autogestão e a ampliação da participação nas decisões
sobre o processo pedagógico. Assim, o MST propõe estratégias de
auto-organização dos estudantes em várias direções: no que tange à
participação mais efetiva no próprio processo de ensino, o que exige a
consolidação de metodologias ativas e participativas, organizando-os
em Núcleos Setoriais que os insiram no trato de questões importantes
em cada local, desde o embelezamento dos espaços até questões
políticas, culturais e outras.
Outro aspecto refere-se à forma como a avaliação é realizada no
Colégio. Diferente do que ocorre nas escolas ociais, a avaliação e as es-
colhas curriculares não decorrem unilateralmente das decisões da equipe
pedagógica ou da imposição da Secretaria de Educação, órgão centralizado
do sistema de ensino.De acordo com os entrevistados e a documentação, o
CISS introduziu uma nova forma de avaliação dos alunos por meio de pa-
receres, pois compreende que a avaliação constituiu-se, historicamente, em
um mecanismo de seleção e exclusão dos alunos da escola e da aprendiza-
gem. A forma considerada punitiva de realizar a avaliação entra em choque
com a prioridade de promoção da aprendizagem de todos na escola.
A instituição dos pareceres individualizados por alunos permite
que professores e alunos tenham clareza das diculdades existentes no
processo de aprendizagem. A escola eliminou também a repetência e in-
troduziu a sala de apoio ao aluno, com um ano de duração na área de
conhecimento em que o aluno não obteve aprendizagem suciente. “A
avaliação focada nos pareceres é melhor que a nota. É mais trabalhoso.
Quando a gente vem pra cá que não conhecia, acha que não vai dar
conta. E aluno por aluno, anotamos no caderno o que aquele aluno con-
seguiu fazer, o que não conseguiu
22
.
22
Professora F em entrevista concedida aos pesquisadores em 17 de setembro de 2017.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
162
A metodologia de ensino utilizada no CISS prioriza a avaliação
como meio de organizar o trabalho pedagógico na escola de modo a
redimensionar e aprimorar a ação pedagógica, bem como corrigir equívocos
que podem não conduzir aos objetivos esperados na formação. Em
oposição à escola estatal ocial, em que a avaliação do processo de ensino-
aprendizagem é um procedimento circunscrito ao poder do professor e do
desempenho docente exclusivo do Estado com base nos indicadores de
desempenho estabelecidos por ele, no CISS a avaliação é um procedimento
compartilhado coletivamente entre alunos, professores, educadores e pais.
conclusão
A análise dos dados indica que a gestão democrática e o vínculo
entre ensino e trabalho encontram-se imbricados na organização do traba-
lho pedagógico e na administração do CISS, ainda que haja diculdades
em sua operacionalização. Essa imbricação materializa-se por meio das
práticas pedagógicas e organizativas implantadas na escola, quais sejam:
a metodologia dos complexos de estudo; as instâncias organizativas e de
auto-organização dos alunos; as instâncias colegiadas; e a Assembleia Geral
como instância de poder máximo deliberativo na escola.
A implantação dos complexos de estudo deveu-se à necessidade de
aproximar a ciência dos contextos de vida e de trabalho dos trabalhadores
do campo. A comunidade envolvida no trabalho pedagógico no Colégio
optou por essa forma de organização, tendo em vista a articulação entre
trabalho e conteúdos escolares. Entretanto, por um lado, o desenvolvimen-
to do Plano de Estudos baseado nos Complexos demonstra potencialida-
des de efetivação do trabalho ao viabilizar à auto-organização dos alunos
no planejamento pedagógico e na organização escolar. Por outro lado, o
vínculo com o trabalho real, com aporte do conhecimento cientíco, tem
encontrado diculdades em se efetivar plenamente. Extraímos dos dados
empíricos que sua execução ca dicultada, em grande parte, devido à:
a) formação político-ideológica e acadêmica dos professores; b) jornada
de trabalho e forma precária de contratação docente que predomina no
Colégio; c) ausência de vínculo real entre o Colégio e o modo de vida e
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
163
produção nos assentamentos; d) diculdades teórico-metodológicas dos
docentes para a operacionalização da metodologia
Do ponto de vista da implantação da gestão democrática, há inten-
so processo de participação na tomada de decisões por meio das instâncias
colegiadas que propiciam o debate, decisão e execução dos assuntos rela-
cionados à organização do trabalho pedagógico e administrativo na escola.
Observamos que a organização do trabalho na escola resulta da existência
de uma estrutura organizativa que contempla um canal de comunicação
que liga as instâncias colegiadas à Assembleia geral, o que revela o aprofun-
damento da democracia direta, em oposição à democracia representativa.
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167
EncEtando a luta PElo controlE da Produção
PEdagógica nas unidadEs EscolarEs
Candido Giraldez Vieitez
Neusa Maria Dal Ri
introdução
No Brasil, assim como em vários outros países, os estudantes uni-
versitários foram pioneiros em reivindicarem estruturas de gestão mais de-
mocráticas nas universidades públicas, o que zeram por volta de 1960,
sobretudo. Por sua parte, os professores estiveram concentrando seu foco
na defesa da escola pública e de um ensino entendido como transmissão de
conhecimentos compatíveis com os interesses populares. No entanto, no
movimento que lutou pela volta do país ao Estado de Direito, nos anos de
1970 e 1980, os professores, em paralelo com a defesa da escola pública e o
ensino crítico de qualidade, pleitearam a gestão democrática da educação,
supondo que esta pudesse ser uma oposição real ao poder burocrático que
dominava o sistema escolar.
Em decorrência dessa reivindicação encampada pelo movimento
da educação, a Constituição de 1988 apresentou a gestão democrática nas
escolas públicas, de maneira que, teoricamente, por força da lei, as uni-
dades escolares públicas contam, ou deveriam contar, com o instituto da
Neusa Maria Dal Ri & Outros
168
gestão democrática (GD), que tem no conselho escolar deliberativo sua ins-
tância central e representativa. Tudo indica que a GD na educação básica
é mais formal que real, porém, no ensino superior público se encontra em
funções com ecácia variada segundo as instituições (VIEITEZ, 2015).
A concepção consagrada na lei e o aparato institucional responsável
pela operacionalização da gestão nas escolas são denominados de demo-
crática. Porém, trata-se de uma concepção liberal, uma vez que suas dispo-
sições, tanto para a escolha de representantes, quanto para o exercício do
voto são de natureza censitária. De qualquer forma, a gestão democrática,
onde apresenta ecácia signicativa, constitui-se como um mecanismo de
participação do trabalhador coletivo na micropolítica escolar.
A técnica política que caracteriza a GD, de per se é restritiva à ação
política do trabalhador coletivo escolar. Contudo, independentemente
dessa característica, temos de ponderar dois outros acontecimentos: a) an-
tes de ser inscrito na Constituição, o pleito pela GD foi pouco orgânico ou
mobilizador dos sujeitos educacionais; b) posteriormente à sua conversão
em lei seguiu por diapasão análogo.
A GD na escola segue constando das reivindicações sindicais, por
exemplo, mas sua vitalidade mobilizadora é pouco expressiva no ensino
superior, e no ensino básico o assunto parece ser subestimado por boa parte
dos sindicatos de docentes.
O resultado dessa situação é que a GD, onde apresenta certa ecá-
cia, encontra-se amplamente dominada pela ideologia e maquinaria opera-
cional da educação do Estado burguês, ou seja, move-se basicamente nos
quadros da burocracia estatal. Consequentemente, a ideia de se produzir
uma educação compatível com os interesses populares, que em suas ori-
gens é antiburocrática, e para a qual a gestão democrática poderia contri-
buir, ou foi esquecida ou permanece mais como uma gura declamativa.
As organizações dos alunos e os sindicatos de professores e funcionários
coordenam e impulsionam importantes lutas, mas essas pouco ou nada se
articulam com a questão da GD.
Neste trabalho, entretanto, examinamos uma vertente de ação edu-
cacional que se formou há cerca de uma dezena de anos atrás e que deno-
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
169
minamos de pedagogia dos movimentos sociais (PMS), compreendidos
em sentido lato
1
. Escolas com inuência variável da PMS compõem um
universo restritíssimo, porém, encontram-se presentes em diversas regiões
do país. Para examinar a PMS vamos tomar como referência empírica
duas escolas públicas com hegemonia político-pedagógica do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A primeira é a Escola Esta-
dual de Ensino Médio Semente da Conquistam (SC), que está situada no
Assentamento 25 de maio, o mais antigo do MST, na cidade de Abelar-
do Luz, Santa Catarina. A segunda é o Colégio Estadual do Campo Iraci
Salete Strozak que se encontra no Assentamento Ireno Alves dos Santos
e Marcos Freire, um dos maiores do país congregando mil e quinhentas
famílias, localizado em Rio Bonito de Iguaçu, no Paraná.
O que há de diferente nestas duas escolas estatais? No que aqui
nos interessa, há a ação do trabalhador coletivo (TC) estabelecendo um
controle dos trabalhadores e tratando de implantar uma pedagogia alter-
nativa à pedagogia ocial. Portanto, o que buscamos mostrar nestas linhas
é que os trabalhadores coletivos dessas escolas, em vez de conformarem-se
à inação ou à participação na micropolítica burguesa da escola, introdu-
ziram um controle próprio, ou seja, um controle que é portador de uma
concepção pedagógica até certo ponto antitética à pedagogia dominante.
Para o desenvolvimento deste estudo, além dos procedimentos de
pesquisa bibliográca e documental, realizamos observação in situ nas re-
feridas escolas e entrevistas semiestruturadas com diretores, professores,
alunos, funcionários e pais de alunos dos referidos estabelecimentos. Na
Escola Semente da Conquista foram entrevistados o diretor, quatro pro-
fessores, três alunos e uma mãe de aluna. No Colégio Strozak foram en-
trevistados a diretora, o diretor auxiliar, quatro professores, cinco alunos,
uma funcionária e uma professora membro da direção regional do Setor de
Educação do MST da Brigada Ireno Alves.
Como assinalado, a práxis de controle por parte do trabalhador
coletivo nas referidas escolas é nosso objeto primário de investigação. Po-
rém, como esse tema é praticamente insólito na área da educação, antes de
Os movimentos sociais entendidos em sentido lato compreendem os movimentos sociais estrito senso e
organizações como sindicatos e partidos, dentre outros.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
170
examinarmos as escolas, apresentamos um preâmbulo com as ideias básicas
pertinentes ao fenômeno do controle.
1. o controlE
Em meados do século XVI, a burguesia empreendeu a aglutinação
de trabalhadores no mesmo local de trabalho, com o que deu início à pro-
dução capitalista, ou seja, à exploração do trabalho assalariado.
A produção capitalista tem, histórica e logicamente, seu ponto
de partida na reunião de um número relativamente grande de
trabalhadores que trabalham ao mesmo tempo, no mesmo lugar (ou,
se se preferir, no mesmo campo de trabalho) na fabricação da mesma
classe de mercadorias e sob o mando do mesmo capitalista (MARX,
1972, p. 259, grifos do autor).
Nesse ato seminal da acumulação capitalista constituiu-se conco-
mitantemente o moderno processo de cooperação no trabalho, pois, con-
forme Marx (1972, p. 262, grifos do autor), “A forma do trabalho de muitos
trabalhadores coordenados e reunidos com vistas a um plano no mesmo
processo de produção ou em processos de produção distintos, mas enlaça-
dos se chama cooperação”.
Esse imperativo processo de cooperação faz com que os trabalha-
dores reunidos pelo capital constituam um organismo produtivo, ou seja,
um trabalhador coletivo. O trabalhador coletivo que foi constituído, no
início, na manufatura no século XVI, com a revolução industrial, saltou
para o sistema de fábrica e deste para outros setores da sociedade, vindo a
constituir-se na forma geral de organização do trabalho assalariado sob o
regime social burguês.
A cooperação sistêmica entre trabalhadores assalariados constitui
uma potência social grandiosa e inusitada. No entanto, paradoxalmente,
essa potência social é também um sistema no qual a força de trabalho e sua
correspondente cooperação encontram-se alienadas para o capital.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
171
O papel de direção do capitalista não é apenas uma função especial
que se depreende da natureza do processo social do trabalho, como
algo inerente a ele; é também uma função de exploração no processo
social de trabalho, função determinada pelo inevitável antagonismo
entre o explorador e a matéria prima de sua exploração. Ao crescer o
volume dos meios de produção que se enfrentam com o trabalhador
assalariado como propriedade alheia, cresce também a necessidade
de scalizar sua utilização, evitando o mal uso ou o desperdício.
A cooperação entre trabalhadores assalariados é, além disso, um
simples resultado do capital que os emprega simultaneamente.
A coordenação de suas funções e sua unidade como organismo
produtivo encontram-se fora deles, no capital, que os reúne e
mantém em coesão. Desde um ponto de vista ideal, a coordenação
de seus trabalhos aparece aos olhos dos trabalhadores como plano:
praticamente, como a autoridade do capitalista, como o poder de
uma vontade alheia que submete sua atividade aos ns perseguidos
por aquela vontade (MARX, 1972, p. 267, grifos do autor).
As determinantes fundamentais da alienação do trabalho
(MÉSZARÓS, 2006) foram postas já no período manufatureiro. A
propriedade privada capitalista dos meios de produção, exploradora do
trabalho denominado livre, ou seja, assalariado, com o apoio do Estado
absolutista, iniciou sua trajetória como um novo tipo de domínio senhorial
ascendente. A propriedade, situando-se na categoria de sacrossanta,
constituiu um novo campo de trabalho. Neste novo campo de trabalho, o
burguês apresenta-se ao mesmo tempo como sumo pontíce e soberano,
enquanto que, no lado oposto, os trabalhadores aparecem como uma
massa operosa subalterna, cuja força de trabalho é vendida antes mesmo de
consumado o trabalho.
Naquele tempo primevo, em que praticamente não havia nenhuma
lei, salvo as do próprio mercado de trabalho para moderar a relação capital
trabalho, o arbítrio do capitalista quanto ao uso que fazia de seus trabalha-
dores revelava-se como uma tendência à exploração irrestrita.
Com a revolução industrial e a passagem da manufatura para fábri-
ca, a situação de massivos setores da classe trabalhadora assalariada piorou,
o que, paradoxalmente, ocorreu naqueles ramos com mais amplo uso de
máquinas, notadamente o setor têxtil (ENGELS, 2009).
Neusa Maria Dal Ri & Outros
172
Apesar das terríveis vicissitudes
2
que têm submetido a maioria da
classe trabalhadora através dos tempos, os trabalhadores nunca deixaram
de tentar inuir sobre as suas condições de trabalho e vida, estabelecendo
algum tipo próprio de controle em oposição ao, aparentemente, ilimitado
domínio do capital (GORDON; EDWARD; REICH, 1986 ). Um exem-
plo foi a luta em torno da jornada de trabalho. Durante séculos a jornada
de trabalho beirou o limite da capacidade física do trabalhador. Desse
modo, a luta pela jornada de trabalho de 8 horas tornou-se um clássico da
ação do movimento operário e popular (MOP). Na época do denominado
Welfare State (1950-1970) o problema parecia estar resolvido. No entanto,
na atual etapa neoliberal, que teve início por volta dos anos de 1970, a
burguesia esta novamente empenhada em alargar a jornada de trabalho a
patamares compatíveis com o tempo da revolução industrial.
No começo do século XIX, quando o capitalismo encontrava-se
em pleno ímpeto, nos setores mais dinâmicos e tecnicamente avançados,
como, por exemplo, em Manchester, na Inglaterra, as condições de
trabalho dos operários eram draconianas e a vida privada era miserável
(ENGELS, 2009). Contra esse quadro dantesco do novel capitalismo
industrial, as melhorias nas condições de vida e trabalho dos assalariados
foram arrancadas pelos trabalhadores dos capitalistas e do Estado por meio
da luta social. Essas lutas resultaram no estabelecimento de certo controle
ou limitação na rme propensão da burguesia em preservar in totum as
condições sociais mais propícias possíveis para a exploração irrestrita da
força de trabalho.
A limitação ao domínio burguês, ou seja, o controle imposto pelos
trabalhadores, materializou-se muito mais tarde nos denominados direitos
sociais (MARSHAL, 1967) que, como podemos vericar na atualidade, de
direitos não tinham nada, mas que tipicaram o Welfare State nos países
imperialistas, sobretudo entre o m da Segunda Guerra e os anos de 1970,
com reverberações muito variáveis nos países da periferia. No entanto,
nem a literatura, e tampouco o MOP, denominam de controle a atividade
Os tormentos da classe trabalhadora longe estão de restringir-se às condições econômicas e sociais. É preciso
contabilizar também os massacres repressivos, como, por exemplo, o ocorrido com a Comuna de Paris em 1971
e os ocorridos na América Latina. Também é necessário considerar as guerras coloniais e, posteriormente, as
guerras imperialistas, como a Segunda Guerra Mundial que ceifou milhões de vidas de trabalhadores.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
173
de resistência dos trabalhadores aos ditames do capital. Certamente que
o MOP, ou parte dele, conhece a expressão controle operário (CO). Mas,
esse termo, em geral, refere-se ao movimento pelo controle operário ocor-
rido em torno da Revolução Russa de 1917, que teve características muito
especícas num contexto de revolução social (BRINTON, 1975). Autores
ligados à história do trabalho, por outro lado, entendem que o controle
operário não apenas transcende a Revolução Russa, como também, no de-
curso do tempo, apresentou conteúdos e formas de manifestação distintas
daqueles que se vericaram naquele fenômeno social (MONTGOMERY,
1985, MANDEL, 1974, GOODRICH, 1920).
Na trajetória do controle operário, a instauração do taylorismo
na indústria, no começo do século XX, funcionou como uma espécie de
divisor de águas. O aspecto fundamental é que, com exceção de certos
setores precocemente mecanizados, como foi caracteristicamente o têxtil,
o controle operário, embora heterogêneo em suas características, estava
disseminado. No que consistia o controle operário? Abstrata e sintetica-
mente podemos indicar o que consistia o controle operário com a seguinte
observação. Na segunda metade do século XIX, praticamente tudo que
dizia respeito à atividade empresarial estava alienado para o capital, ou
seja, encontrava-se sob domínio direto do capital. No entanto, depois de
trezentos anos, o capital ainda não conseguia estender cabalmente esse do-
mínio ao processo de produção. Neste terreno o capital dependia da ação
relativamente independente dos trabalhadores qualicados ou semiquali-
cados para colocar o trabalho em marcha. Eis como Montgomery (1985,
p. 23) se refere a esses trabalhadores do controle.
Eram esses trabalhadores, os veteranos da vida industrial, os que
preocupavam a Taylor. Eles tinham internalizado o sentido industrial
do tempo, eram muito disciplinados em sua conduta, tanto individual
como coletiva, e consideravam a ampla divisão do trabalho e a
produção com máquinas como seu ambiente natural. No entanto,
amiúde esses atributos não os zeram adquirir nem a dócil obediência
dos autômatos nem o individualismo do ‘arrivista’. Em vez disso
adquiriram uma forma de controle dos processos produtivos que era
cada vez mais coletiva, deliberada e agressiva.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
174
Na questão do controle dos trabalhadores, ou relativa autonomia
que detinham, o conhecimento técnico era certamente fundamental. Mas,
o controle não se devia apenas a isso. Articulando-se à questão técnica esta-
va a luta que os trabalhadores travavam cronicamente com os patrões pela
preservação ou ampliação do controle.
Ainda, de acordo com Montgomery (1985, p. 23), na segunda
metade do século XIX, três dimensões do controle se destacavam: 1) a
autonomia funcional dos artesãos industriais; 2) as normas laborais dos
sindicatos que serviam de guia à ação dos trabalhadores nas fábricas; 3) o
apoio mútuo dos distintos ofícios na imposição de normas e na convoca-
ção de greves de solidariedade, que eram uma marca expressiva do controle
operário e do sindicalismo da época.
Com a grande reforma que a burguesia foi introduzindo, a partir
do nal do século XIX, à qual usualmente se atribui como ícone o taylo-
rismo
3
ou a denominada gerência cientíca, o quadro descrito foi mudando
aos poucos, mas de modo drástico.
A reforma teve como base objetiva o desenvolvimento de novas
máquinas- ferramentas dotadas de novas capacidades, e a possibilidade de
sua ampla disseminação (GORDON; EDWARD; REICH, 1986). Sobre
essa base emergiram novas medidas técnicas, como o estudo de tempos e
medidas administrativas, prossionais e sociais.
A reforma envolveu as seguintes medidas que foram sendo adota-
das em paralelo: 1) utilização ampliada de novas máquinas-ferramentas; 2)
redenição do trabalho na empresa, com a criação de um segmento para
o exercício de funções intelectuais e outro para o exercício de funções ma-
nuais; 3) intensicação da luta dos capitalistas contra o controle operário e
os sindicatos de ofícios; 4) ejeção da empresa da educação prossional que
se encontrava sob controle dos artesãos industriais; 5) desenvolvimento de
uma agência educacional especializada separada da atividade de trabalho,
a escola capitalista.
É corrente a armação de que a etapa do taylorismo se esgotou, e há debates em torno do aparecimento de
novas formas de dominação dos trabalhadores, como, por exemplo, o toyotismo. No nosso entendimento, sem
pretender negar as modicações ocorridas, essas novas formas não são outra coisa que um novo taylorismo e,
inclusive, um super taylorismo.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
175
Podemos ver esse conjunto de medidas como uma variante da anti-
ga política romana de divide et impera. Como era inevitável, a fábrica con-
tinuou a ser operada por uma maioria constituída por trabalhadores. Mas,
agora, em princípio, os que se encontravam do lado do trabalho intelectual
tinham uma qualicação prossional baseada em nível de escolarização
mais alto fazendo jus a status diferenciado, enquanto que os demais passa-
ram a constituir a camada dos operários ou trabalhadores. Em âmbito so-
cietário, essa clivagem, por uma parte, impulsionou as denominadas classes
medias, enquanto que, por outra, delimitou quem eram os trabalhadores
propriamente ditos.
Sob essas condições, o tradicional controle operário feneceu. Essa
inexão foi assinalada pela substituição dos sindicatos de ofícios pelos sin-
dicatos de ramo econômico, abertos a todos os trabalhadores indistinta-
mente. Concomitantemente, vericou-se outra inexão. Seguindo a linha
da menor resistência, a maior parte dos sindicatos passou a focar suas lutas
em questões pontuais, principalmente, nos assuntos referentes a salários e
à jornada de trabalho e, em seguida, nas demais questões que passaram a
integrar o denominado Welfare State já assinalado.
No entanto, a aspiração do movimento operário ao controle não
desapareceu. Na atual quadra histórica, em que o capitalismo está em crise
pelo menos desde o ano de 2008 e a qualidade de vida dos trabalhadores
submerge, quais são as organizações dos trabalhadores que podemos decli-
nar de memória, que têm como bandeira de luta ou, pelo menos, como
uma de suas bandeiras o controle operário ou seu sucedâneo nominativo?
O que parece ter ocorrido após a reforma taylorista é que os tem-
pos históricos e a forma da luta pelo controle mudaram. Até o advento
do taylorismo, a luta em torno do controle era usual. Mas, subsequente-
mente, sua viabilidade e ecácia passaram a estar mais vinculadas, embora
não exclusivamente, àquelas épocas em que a voltagem política dispara,
o que pode envolver a presença de um movimento social antagonista ou
relativamente antagonista ao capital, um ou vários partidos políticos, con-
ito trabalhista explosivo, grave instabilidade política, guerras, rebeliões ou
situações revolucionárias
4
. Essa última possibilidade foi a que se materiali-
 Ver MANDEL, E. Control obrero, consejos obreros, autogestión. México: Era, 1974.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
176
zou na Revolução Russa de 1917. Por essa época, oresceu na Rússia um
movimento pelo controle operário que é frequentemente tomado como a
referência, como já indicado.
No caso russo, o controle operário dos empreendimentos econô-
micos era variado em seu escopo, mas sempre implicava algum tipo de
intervenção direta e recorrente do trabalhador coletivo na gestão dos capi-
talistas. Esta interferência se tornou cada vez mais agressiva à medida que
transcorria o processo da revolução, até que chegou o momento em que
o controle se transmutou em ocupação ou apropriação da empresa pelo
trabalhador coletivo
5
, ou seja, uma espécie de expropriação dos capitalistas
concomitante a uma alteração radical das relações de produção.
Esse foi um caso excepcional. Mas, os estudos sobre o controle
operário enumeram a existência de muitas outras situações de controle
anteriores e posteriores à revolução russa, em diversos países, e até os dias
atuais (NESS; AZZELINI, 2011). A questão que se coloca, portanto, é o
que realmente distingue o controle operário das demais ações engendradas
pelo MOP em defesa própria?
Na revolução russa o controle chegou à expropriação capitalista.
Mas, como denir o controle em casos diferentes dessa situação extrema,
levando em conta que o tipo de concubinato conitivo entre os trabalha-
dores e o capital, que caracterizou o controle antes do taylorismo, não é
mais possível?
A administração cientíca está empenhada, desde sempre, em des-
viar a atenção do trabalhador coletivo de sua práxis transformadora onde
ela se apresenta de modo mais vital, nas unidades de trabalho. A mensagem
emitida pela organização taylorista do trabalho e pelo discurso ideológico
burguês manifesto é a de que não cabe ao trabalhador se preocupar com a
organização e o signicativo de sua atividade. Reivindicações sobre aspec-
tos isolados das condições de vida e trabalho são até certo ponto toleráveis.
Mas, o comando da práxis pela qual se cria a riqueza social deve ser deixado
aos illuminati, àquela restritíssima camada social que, supostamente, foi
Não nos deteremos nas peripécias da revolução soviética. Mas, ressaltamos que o movimento pelo controle
operário foi um dos impulsores que conduziram à revolução. Com a Revolução de Outubro, a apropriação de
fábricas intensicou-se ainda pelo transcorrer de um ano, o que contribuiu para que o Estado nacionalizasse a
indústria (AVRICH, 1974).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
177
contemplada com o dom, a vocação para o exercício da atividade de direção
do trabalhador coletivo.
Não obstante, a contradição existente entre a ação do trabalhador
coletivo e sua alienação para o capital continua operante. Em momentos
em que essa contradição se exaspera, o que pode ocorrer por razões varia-
das
6
, não é implausível que o trabalhador coletivo comece a se perceber
como o verdadeiro produtor
7
, naturalmente habilitado, portanto, a assu-
mir a direção da própria atividade
8
. Nesse momento, o controle operário
poder emergir, ou ao menos um embrião dele
9
. Convém acrescer que o
controle operário, mesmo que embrionário, não se confunde com os me-
canismos de participação que a burguesia eventualmente disponibiliza em
âmbito privado ou estatal. O trabalhador coletivo pode utilizar uma dessas
instâncias de participação como ponto de partida ou plataforma de apoio,
no entanto, para que emirja o controle é necessário que o vetor das ações
do TC seja antitético à alienação do trabalho.
A fronteira que separa as práticas de CO dos genéricos procedi-
mentos de resistência dos trabalhadores é uida, sobretudo quando se trata
de uma situação de controle embrionário. Até porque, um TC que está
empenhado em práticas de controle, usualmente está empenhado também
em outras ações em seu favor, como lutas salariais da respectiva categoria
etc. No entanto, no controle estrito senso deve ser possível detectar a pre-
sença das seguintes determinantes: 1) a ação do TC é uma ação da classe
trabalhadora, relativamente autônoma frente ao domínio burguês; 2) o
objeto do controle é a atividade do próprio TC, o que tende a implicar a
totalidade da unidade de trabalho em questão; 3) como o que está em jogo
A recente onda de ocupações de escolas que ocorreu no Brasil pode ser lida como uma manifestação tópica e
pontual dessa contradição. Um segmento do trabalhador coletivo escolar, os estudantes, subitamente teve uma
espécie de percepção instintiva, aparentemente isenta de orientação ideológica, de que, anal, os alunos são a
escola, o sujeito estratégico da educação, e que sem eles a escola não existe.
7
É ocioso rearmar a importância da presença de forças políticas organizadas no âmbito do trabalhador coletivo
ou, pelo menos, a presença de ativistas de alguma corrente ideológica opositora ao capitalismo. Na empresa
Zanon, que adveio Fábrica Sin Patrón, na Argentina, a presença de um ativista de prestígio inuiu decisivamente
nos rumos que levaram o trabalhador coletivo à ocupação e recuperação da fábrica (VIEITEZ; DAL RI, 2006).
A contradição da ação do trabalhador coletivo, embora esteja imediatamente posta nas unidades de trabalho,
longe está de se limitar a estas. Isto porque as relações de produção estão denidas tanto pelo que ocorre nas
unidades de trabalho, quanto pelo Direito, o Estado e a ideologia.
Este fenômeno social aparece muito claramente exposto nas denominadas Empresas Recuperadas ou Empresas
de Autogestão, da Argentina e do Brasil, nas quais os trabalhadores acabaram substituindo os capitalistas.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
178
é a práxis do trabalho diretamente nos empreendimentos, seja a atividade
material ou simbólica, o TC deagra a luta pelo resgate das funções de
direção, concepção e educação, iniludíveis quando se trata da organização
do trabalho, que foram originariamente açambarcadas pelo capital e, pos-
teriormente, consagradas na alienação pela gerência cientíca.
Até este ponto utilizamos a expressão controle operário. A razão é
que até o presente, os exemplos clássicos de controle foram de operários
e a expressão controle operário também é clássica. Porém, os tempos mu-
daram. O setor dos serviços expandiu-se sobremaneira. Segmentos sociais,
inclusive das classes médias, tiveram seu status prossional rebaixado e em-
pobreceram. E, embora o assalariamento não tenha exatamente o mesmo
signicado em todas as atividades, é certamente a forma geral sobre a qual
se assenta a exploração da força de trabalho, de modo que, se o operariado
diminuiu em termos absolutos e relativos, o número de trabalhadores se
ampliou. Desse modo, nas linhas seguintes passamos a referir ao controle
como controle dos trabalhadores
10
(CT), como uma categoria em oposição
ao domínio burguês nas unidades de trabalho.
2. o trabalhador colEtivo Escolar E suas PEculiaridadEs
A escola capitalista, depois dos experimentos iniciais realizados por
volta de meados do século XIX, desenvolveu-se como uma agência edu-
cacional especializada com base no trabalhador coletivo assalariado (EBY,
1973, BOWLES; GINTIS, 1976), embora com marcantes especicidades.
Alves (2001) corrobora em parte essa assertiva ao estabelecer um paralelis-
mo entre a manufatura e a escola capitalista
11
, ao menos a que predominou
até aproximadamente os anos 1970.
10
Entendemos genericamente por trabalhadores todos os assalariados que não sejam ostensivamente funcionários
do capital, como ocorre usualmente com os membros da denominada classe média alta. Além disso, consideramos
como trabalhadores as várias outras categorias que, mesmo não sendo assalariadas, não vivem da exploração do
trabalho alheio, como, por exemplo, os pequenos proprietários de terra pobres.
11
João Amos Comenius publicou a Didática Magna em 1657 (COMENIUS, 2011). O Capítulo XIX de sua
obra tem como título Bases para a rapidez do ensino, com economia de tempo e fadiga. O tempo para os antigos
não tinha valor; os romanos o consideravam res incorporalis, ou seja, sem preço. Mas, no nal do século XVII, a
burguesia manufatureira já tinha ciência de que tempo é dinheiro e apressava o passo no domínio da produção.
Comenius proclamou a necessidade de economizar tempo no terreno educativo, assim como os burgueses o
faziam na produção, dentre outras correlações que o autor apresenta entre o ensino e a manufatura. (PONCE,
1985, DAL RI, 1987).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
179
A formação da escola capitalista no Brasil é tardia, remontando à
Primeira República. Podemos considerar que a criação dos grupos esco-
lares pela política educacional republicana foi o momentum genético da
emersão da escola capitalista no Brasil
12
.
Estrito senso considerado, o trabalhador coletivo da escola está
constituído por professores e funcionários assalariados. O diretor e o vice-
diretor são, em princípio, segundo nossa tradição, professores ocupando
cargos administrativos.
No entanto, uma das notáveis peculiaridades da escola é que o tra-
balhador coletivo, quando tomado por suas funções técnicas, de coope-
ração, divisão do trabalho e interdependência, integra em sua atividade
produtiva uma camada de não trabalhadores, os estudantes.
A atividade m do trabalhador coletivo escolar é a produção pe-
dagógica. Essa atividade consiste em fazer com que, mediante a atividade
de ensino, os alunos sofram determinadas alterações intelectuais, psí-
quicas e físicas. Para que isso ocorra, os alunos têm de ser integrados ao
campo de trabalho na escola
13
. Os alunos situam-se nesse campo como
objetos, a matéria natural da atividade educativa. Contudo, são também,
ao mesmo tempo, sujeitos ativos nessa atividade, uma vez que sem gasto
de seus músculos e nervos não pode haver produto pedagógico algum.
Neste sentido, os alunos trabalham, ou seja, são parte constitutiva do
trabalhador coletivo, embora social e juridicamente não sejam trabalha-
dores, mas estudantes. A ligação iniludível, embora mediada, dos alunos
com o trabalho se expressa também no fato de que seu trabalho enquanto
estudantes é um pré-requisito da reprodução da força de trabalho assala-
riada e, portanto, do capital, pelo que se apresentam na escola na condi-
ção de trabalhadores assalariados virtuais
14
.
Esta composição heteróclita do trabalhador coletivo escolar en-
contra-se transxada pela contradição existente entre trabalhadores reais
e trabalhadores virtuais, o que se expressa em percepções e sentimentos ao
12
Souza (1998) disponibiliza um material empírico que dá suporte a esta interpretação.
13
A educação à distância, propiciada pelas novas tecnologias cibernéticas, esmaece o campo de trabalho, mas não
o elimina. Além disso, é dubitativo que a educação à distância possa vir a substituir a unidade escolar tradicional.
14
Os estudantes poderão advir outras categorias sociais, inclusive novos burgueses. Mas, é certo que sob o
regime do capital a massa estudantil está destinada ao assalariamento.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
180
mesmo tempo de repulsão e atração entre alunos e professores. A atração
decorre do fato de que o objetivo da atividade escolar é a produção pedagó-
gica e, de modo mediado, decorre do fato de que os dois segmentos com-
partilham a alienação do trabalho/atividade. A repulsão decorre do fato de
que os professores apresentam-se como o estrato hierárquico dominante e
os alunos como o segmento subordinado.
Essa dicotomia, tão robusta outrora, está sendo minada pela neo-
taylorização do trabalho escolar, mas, ainda assim, segue sendo um dos ei-
xos sobre o qual giram as relações sociais na escola. Ressaltamos, portanto,
que dado o lugar estratégico que os professores ocupam no TC escolar, é
muito difícil ou simplesmente inviável levar a cabo qualquer projeto peda-
gógico alternativo sem a adesão dos docentes.
Os pais dos alunos não integram o TC escolar, mas eles podem ter
maior ou menor inuência na vida escolar. Nos exemplos que aqui toma-
mos como referência, os pais são insolitamente inuentes na micropolítica
escolar. Ainda assim, isso só é possível na medida em que a sua participação
na escola é incentivada pela política docente.
3. a Política Educacional do trabalhador colEtivo Escolar
As escolas analisadas neste texto estão situadas no campo, em áreas
de assentamentos da reforma agrária, o que é um fator importante na de-
terminação da ação político-pedagógica do trabalhador coletivo.
Depois de mais de três décadas, os assentamentos são povoados por
famílias de agricultores que têm ou tiveram laços variáveis com o MST,
ou seja, a conquista dos assentamentos resultou da ação de pessoas que se
ligaram à proposta de reforma agrária do Movimento e que passaram pelo
calvário dos acampamentos. A própria criação dessas escolas pelo Estado,
tanto em Santa Catarina como no Paraná, ocorreu em decorrência da forte
reivindicação apresentada pelas comunidades assentadas. Em função dessa
trajetória, o Movimento continua a ter inuência marcante nessas áreas e
também nas escolas em questão.
Apenas o fato das escolas estarem em assentamentos não é deter-
minante para o surgimento de uma ação pedagógica alternativa. Pratica-
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
181
mente ao lado da Escola Semente da Conquista (ESC), há um estabele-
cimento municipal de ensino fundamental que conta com a presença de
pais, alunos e professores com vínculos com o MST. Mas, em contraste
com a ESC, nessa não há a implantação do projeto político-pedagógico do
Movimento (DAL RI; VIEITEZ, 2015). Claro que estamos nos referindo
a uma política de educação estruturada e não a ações individuais deste ou
aquele professor, que sempre podem estar presentes.
Não sabemos a razão pela qual o modelo da ESC não se reprodu-
ziu na Escola de Ensino Fundamental localizada no mesmo assentamento.
Mas, sabemos que para a introdução de uma política de produção pedagó-
gica divergente da que caracteriza a escola ocial é necessário que estejam
presentes certas condições propiciatórias e que, em última análise, o TC
escolar seja capaz de resgatar em algum grau signicativo o controle sobre
o seu trabalho em contraposição à alienação imposta pelo capital.
4. a concEPção PEdagógica dos movimEntos sociais
Um elemento que pode precipitar a emersão do controle pelo TC é
a presença de um programa pedagógico alternativo. Este pode encontrar-se
in eri, como fenômeno imanente, ou pode apresentar-se como proposta
política explícita. Na ESC e no Colégio Strozak os programas estão expli-
citados no Projeto Político e Pedagógicos (PPP).
Rudison (2014), diretor auxiliar do Colégio Strozak
15
, em entrevis-
ta declara o seguinte.
Não dá para dizer que é um projeto do MST, é um projeto da
educação do campo, mas o MST não é o único. Aqui a reforma
agrária é do MST, então tem a inuência. Mas seria muito forte dizer
que é do MST. Aqui na região tem [...] o MST, o MPA [Movimento
de Pequenos Agricultores] e o APP [Sindicato dos Trabalhadores em
Educação Pública do Paraná]. Ainda tem a Articulação Paranaense
por uma Educação do Campo. E dentro deste está a universidade
também pensando a educação do campo. Cada um fazia a discussão
de forma esparsa. Aí quando começou a fechar a educação do campo
começou a aglutinar.
15
Nas referências dos entrevistados constam nome, escola e função. As entrevistas no Colégio Strozak foram
realizadas em 2014, e na Semente da Conquista em 2015.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
182
O que o excerto indica é a vontade política do MST em se articular
com outros movimentos sociais. A cooperação com outros movimentos
não é algo novo na trajetória do Movimento. Mas, em 2014
16
, em seu VI
Congresso, o MST modicou ocialmente a concepção de reforma agrária
clássica para a reforma agrária popular. Com isso, a questão das alianças e
articulações com outras entidades e organizações populares do campo e da
cidade parece ter adquirido uma nova dimensão.
Aparentemente, a articulação entre os movimentos é ainda inci-
piente. Ainda assim, a questão educacional foi objeto de discussões, pro-
posições e deliberações entre as forças assinaladas. Essas foram retomadas
pelas assembleias nas escolas a partir das quais se deniram o PPP que vem
orientando as ações pedagógicas.
Os entrevistados do Colégio Strozak referem-se a essas orienta-
ções como educação do campo ou pedagogia dos movimentos sociais. No
entanto, a inuência da concepção pedagógica do MST na denominada
educação do campo ou na pedagogia dos movimentos sociais é bastante
evidente e o motivo também
Não é usual que os movimentos sociais se detenham demasiada-
mente na questão educacional, e menos ainda naquele tipo de questões
que se ligam à ideia de controle estrito senso considerado. Os sindicatos
de docentes herdaram a questão da gestão democrática do movimento da
educação dos anos de 1980, integrados por eles e outras diversas entidades.
Mas, como assinalamos, essa temática de fato não prosperou, sendo reite-
rada mais como uma espécie de carta de princípio do que uma bandeira
de luta, de sorte que no modus operandi dos sindicatos, o que tem vingado
mesmo são as questões sócio-econômicas. No m de maio de 2015, quan-
do realizamos as entrevistas na ESC, os professores estavam regressando ao
trabalho depois de uma greve da categoria docente. O professor Dilceu
17
(2015), referindo-se à greve armou que “Aqui no assentamento e escola
16
A proposição de reforma agrária popular foi longamente discutida nas instâncias do MST, de modo que
essa proposição provavelmente já inuía nas ações do Movimento mesmo antes de ter sido ocializada em
Congresso.
17
Professor de losoa e sociologia da ESC em entrevista realizada em 2015.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
183
o sindicato não tem inuência direta. O sindicato tem uma reivindicação
puramente salarial. Nós seguimos a greve porque nós decidimos”.
Portanto, a hegemonia do MST na pedagogia desta Escola é bas-
tante clara.
O MST, por meio da prática educacional em suas escolas, elabo-
rou um programa educacional capaz de introduzir no ensino um grau de
divergência importante em relação ao ensino ocial. Porém, uma coisa
é implantar esse programa em escolas próprias
18
, nas quais o ambiente é
propício; e outra é aplicá-lo em escolas públicas onde a presença do Estado
é forte e a margem de manobra é bem menor. Agregando a esse aspecto, o
trabalho conjunto com os movimentos sociais e as necessárias discussões
e deliberações nas próprias escolas, o resultado que obtemos em termos
de concepção pedagógica é uma espécie de amálgama no qual se destaca a
inuência do MST.
A percepção que Rudison (2014), diretor auxiliar do Colégio Stro-
zak, tem sobre o tema é de que
A educação não é neutra, não existe educação que seja neutra. Todos
temos decisões políticas. Em toda escola vai haver divergência de fazer
escola, na forma de avaliar, etc. Aqui na Iraci isso se acentua muito
mais. [...]. Há uma pedagogia socialista, mas não do MST. Há uma
pedagogia do campo. [...] Apesar que aqui é também capitalista. Não
estamos na pedagogia socialista totalmente. Mas a gente faz uma crítica
à escola tradicional, que reprova [...] A maioria abandona o ensino
médio. Uma minoria entra na faculdade.
Vanderley (2015), diretor da ESC, arma: “A educação do campo
é o norte. Foi construída a partir dos movimentos sociais do campo. É
18
O MST possui inúmeras escolas e cursos próprios da educação infantil ao ensino superior e pós-graduação,
em geral desenvolvidos por meio de parcerias com Universidades públicas e por meio do Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). O PRONERA foi criado em 16 de abril de 1998, por meio da
Portaria n. 10/98 do Ministério Extraordinário de Política Fundiária, após reivindicações do MST encampadas
por várias Universidades. Ressaltamos que o governo ilegítimo de Temer, em agosto de 2017, cortou verbas
do PRONERA, passando o valor de 30 para 9 milhões. Após a posse do governo de Bolsonaro, a expectativa
é a de que o Programa talvez seja cortado, já que em campanha o candidato armou que como solução para
os históricos problemas de acesso à educação”, irá criar “a educação à distância” e “fechar as escolas públicas
municipais e estaduais dos assentamentos”. (MST, 2018, p. 1).
Neusa Maria Dal Ri & Outros
184
voltada para os indígenas, quilombolas, etc.[...]. É o modelo educacional
que o MST defende”.
5. situação Profissional E Posição Político-PEdagógica dE
docEntEs, funcionários, alunos E Pais
O trabalhador coletivo strictu senso formado por professores e fun-
cionários é heterogêneo quanto à sua situação prossional e posição pe-
dagógica, e não é possível entendermos como o TC criou espaço para o
seu próprio controle sobre a produção pedagógica sem observarmos sua
composição.
5.1. os ProfEssorEs
Quando a coleta de dados foi realizada, o Colégio Strozak (2014)
contava com 40 professores e a ESC (2015) com 16. Anos atrás, quando
as escolas foram criadas, o MST indicava os professores e os diretores que
trabalhavam nas escolas, o que era um importante elemento de controle.
Mas, essa prerrogativa terminou. Hoje os professores são selecionados pe-
los Estados. A maior parte tem contrato temporário denominado ACT, ou
seja, admissão em caráter temporário, por um ano, de maneira que a cada
ano há uma nova seleção. No Colégio Strozak há alguns professores efeti-
vos, mas na ESC apenas contratados em ACT, com exceção do diretor que
foi indicado pelo MST. Além disso, uma parte dos professores trabalha em
regime de tempo parcial.
Conforme os diretores e professores entrevistados, essa condição
prejudica bastante o ensino e diculta a organização do controle na escola.
O tempo parcial prejudica a integração dos docentes à escola. E a isso se
soma que a renovação anual do quadro exige dos que permanecem um es-
forço redobrado para explicar aos novos a natureza do projeto pedagógico
e tentar obter a sua adesão.
De acordo com Elisiane (2014), diretora do Colégio Strozak,
Aqui a gente tem uma rotatividade muito grande de professores. O que
acontece é que quando os novos chegam levam um tempo até tomarem
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
185
conta da proposta. É uma proposta muito diferente das demais escolas.
De efetivo nessa escola temos quatro. E professores efetivos que não
têm 40 horas aqui. Os demais são contratados. Os funcionários
também rodam. [...]. Os professores também pedem remoção por
causa da distância.
Em que pese essa situação adversa, as escolas têm sido capazes de
reproduzir um núcleo básico de professores variavelmente alinhados com
a educação do campo, ou, dito de outro modo, com o controle, ainda que
parcial, da produção pedagógica.
As escolas estão situadas no campo, longe das cidades e com vias de
comunicação terrestres bastante ruins, impraticáveis ou quase com chuva.
Quando os professores fazem a escolha das escolas, esses fatos dão uma
maior chance para aqueles que têm interesse especíco em trabalhar nessas
escolas. A escolha em trabalhar nessas escolas se dá, em geral, porque os
professores residem nos assentamentos, têm compromisso com o MST e
têm interesse no trabalho pedagógico adotado.
A posição político-pedagógica dos coletivos docentes é semelhante
nas duas escolas, embora na ESC haja uma hegemonia do MST. Princi-
palmente no Colégio Strozak há professores que não concordam com o
projeto educacional e outros que são militantes do MST. Alguns com com-
promisso mais fortes, como o professor Dilceu
19
(2015) que declarou: “O
Movimento me deu a tarefa de me formar para atuar na área da reforma
agrária. E como aqui tem essa demanda, aqui estou”. Há também uma
porcentagem de docentes que são simpatizantes mais ou menos ativos da
pedagogia alternativa, e uma proporção menor de indiferentes, mas que
não expressam maior objeção ao curso dos acontecimentos.
5.2. os funcionários
Os funcionários representam algo em torno de 12% do total de
professores, e a sua situação prossional é semelhante à dos professores.
Quanto à questão do controle não parece haver tanta diferenciação, o que
19
Professor de matemática da ESC em entrevista realizada em 2015.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
186
em parte decorre do tipo de trabalho realizado, que não demanda um cote-
jamento imediato com o projeto pedagógico. Mas, há vários funcionários
que se envolvem em atividades de conotação política promovidas pelas es-
colas ou pelo MST e, no geral, parecem aceitar bem as políticas das escolas.
5.3. os alunos E Pais
Pais e alunos vivem nos assentamentos, que são vários no entorno
das escolas Nem todas as famílias assentadas atualmente estiveram origina-
riamente na luta pela reforma agrária. Uma estimativa realizada por alguns
dos entrevistados na Escola ESC apontou que hoje no assentamento 25 de
Maio, 20% dos agricultores não têm laços com o MST. Esses agricultores
foram, no início de sua chegada, desconados ou mesmo hostis para com
o MST. Para as escolas, no entanto, isso não se constitui em problema, pois
os pais indistintamente aprovam o trabalho escolar realizado. Talvez devi-
do ao fato de que as escolas ofereçam um serviço obsequioso aos assentados
indistintamente, além de ostentarem uma boa qualidade de ensino, apesar
das condições de trabalho dicultosas
20
.
Quanto aos pais, a questão que se depreende das entrevistas diz
respeito basicamente ao índice de participação na vida das escolas. Os pais
certamente estão presentes na escola de uma maneira que não é comum
nas escolas tradicionais, participando inclusive das assembleias gerais. E
sempre há um coletivo que se faz mais presente, em particular nas asso-
ciações de pais e professores. Porém, as direções escolares lamentam que o
índice de presença não seja ainda mais alto e regular.
Não observamos problemas do corpo discente com as escolas, ao
contrário. É sintomático, por exemplo, o fato de que a ESC, que ca
numa pequena agrovila, ser totalmente aberta e não murada, e a totalidade
dos alunos permaneça na escola sem vigilância. As entrevistas assinalam
que, de modo geral, os alunos apreciam as escolas. Aparentemente, a maio-
ria dos estudantes, provenientes de famílias que vieram ou ainda estão nas
lutas, seria constituída ou por militantes ou por simpatizantes do MST.
20
Como já apontado, um óbice para o trabalho escolar são as estradas de terra, que quando chove cam muitas
vezes intransitáveis, gerando perda de dias aula.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
187
Apuramos que a participação dos alunos nas várias instâncias extraclasse
das escolas é bastante heterogênea, mas signicativamente alta em compa-
ração com as escolas tradicionais do Estado, em boa parte devido ao tipo
de gestão praticada.
6. a dirEção Político-PEdagógica
As características até aqui apresentadas constituem-se em uma des-
crição aproximada e estática da comunidade escolar, que nos leva a deduzir
que há uma situação favorável ao exercício de um controle pelos trabalha-
dores, elemento estratégico de uma política pedagógica alternativa. Sem
dúvida que o panorama social aparece como amigável para com o controle.
Mas, precisamos ponderar que há diculdades, além do mais, o panorama,
antes de ser um ponto de partida, é o resultado de um processo político
que se estende no tempo.
A criação dessas escolas em suas origens foi indissociável da luta
dos trabalhadores. Os trabalhadores lutaram sob a bandeira do MST, uma
organização que tem na reforma agrária seu principal objetivo, mas que
apresenta também uma forte preocupação com a educação e que no decur-
so de suas experiências educativas desenvolveu prática e teoricamente um
programa pedagógico (DAL RI; VIEITEZ, 2008).
Esse acontecimento explica, em boa parte, o fato de que no início
de suas atividades, o MST pode indicar os professores para essas escolas.
Podemos supor que nesse momento, um tanto circunstancial, a conjuntu-
ra e a tessitura social da escola fossem mais favoráveis do que são hoje para
o exercício do controle. Mas, este controle não adveio automaticamente
dessa situação, mas do fato de que nas escolas esteve presente, como está
hoje, um contingente de pessoas com laços com o MST ou com o sindica-
to, portadores de uma vontade política ativa.
Com o decurso do tempo ocorreram muitas mudanças. Os assen-
tados se distanciaram de várias maneiras dos tempos de acampamento, em
que imperava a democracia baseada no coletivismo e igualitarismo. Nos
assentamentos surgiu uma camada de pequenos agricultores desvinculados
Neusa Maria Dal Ri & Outros
188
do MST ou das lutas pela reforma agrária. Nas escolas os funcionários
e professores passaram a ser selecionados pelo Estado, o que gerou uma
maior diversidade social, cultural e ideológica. No conjunto o resultado
é que a tessitura social das escolas se tornou mais complexa e heterogênea
e as contradições entre o controle dos trabalhadores e o domínio burguês
tornaram-se mais vivas. Isso aparece especialmente no Colégio Strozak.
Nosso projeto marca posição. Projeto de classe trabalhadora. Há uns
que compreendem isso, mas tem pessoas que têm concepção de elite.
‘Oba, não sou trabalhador, sou burguês, sou de elite’. Isso aparece no
dia a dia, nas reuniões. Isso gera tensão, gera conito. Isso gera um
falar mal da escola, da forma como a escola se organiza. Há professores
que falam mal da prática de pareceres, porque dá mais trabalho. Não
dá para quanticar o quanto tem de resistência. Mas, considero que há
uma quantidade signicativa que rejeitam (RUDISON, 2014).
21
Há pessoas que são contra. Há os que estão aí por amor ao salário.
Infelizmente temos prossionais de todos os naipes. Têm professores
que não querem opinar para não sobrar para eles. Acho que mais ou
menos uns 30% dos professores são contra (VIVIAN, 2014).
22
O que se apresenta, portanto, são trabalhadores que, como é
usual, encontram-se variavelmente divididos internamente entre posi-
ções favoráveis ao status quo e posições favoráveis ao posicionamento
próprio dos trabalhadores. No caso das escolas ESC e Strozak, os setores
identicados com a educação do campo conseguiram estabelecer entre
os docentes, alunos e pais que frequentam a escola, uma ascendência
23
pedagógica ou, expressando-o em outros termos, uma direção política
que é cotidianamente lida em clave pedagógica. Como já indicamos,
essa ascendência não decorre automaticamente de determinada situação
social, mas sim porque é recorrentemente reproduzida mediante a luta
social, o trabalho político e pedagógico.
Assinalamos resumidamente três fatores de impacto sobre o proces-
so de constituição e reprodução da direção política nas escolas.
21
Diretor auxiliar do Colégio Strozak em entrevista realizada em 2014.
22
Professora de Educação Física do Colégio Strozak em entrevista realizada em 2014.
23
Esse tipo de fenômeno foi teorizado por Gramsci (1968) sob a designação de hegemonia. Aqui, dado o caráter
restrito do assunto examinado, parece-nos mais apropriado utilizar o termo, menos impactante, de ascendência
ou inuência.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
189
O primeiro diz respeito ao lugar que os professores ocupam no
trabalhador coletivo escolar. Já nos referimos a isso, mas convém que o
enfatizemos. Pelas funções que os professores têm na escola, sem sua parti-
cipação seria praticamente impossível exercitar uma pedagogia alternativa,
e muito menos criar um espaço de controle. Por isso, no Colégio Strozak e
na ESC, a adesão majoritária dos professores é um fator decisivo.
A segunda determinante é a presença de um programa pedagógico
inclusivo, ou seja, um programa que seja capaz de modicar a produção
pedagógica. A pedagogia dos movimentos sociais do Strozak ou a do MST
da ESC de que concretamente tratamos é um programa dessa ordem. Sem
este programa, que se coloca como enfrentamento crítico ao programa edu-
cacional burguês, seria muito difícil elaborar uma ascendência pedagógica.
Por m, um elemento de grande importância que é a alteração pro-
ssional sofrida pela categoria docente em decorrência da atual etapa do
capitalismo, a grave crise econômica e o denominado neoliberalismo.
Desde a formação da escola capitalista até aproximadamente 1970,
os professores constituíam um setor variavelmente aquinhoado das classes
médias, que ia desde a situação minimamente remediada do mestre esco-
la ao professor universitário melhor contemplado. Os professores situa-
vam-se na escola como uma espécie de guardiães do templo da sabedoria,
ou seja, uma camada segmentada de intelectuais orgânicos da burguesia
(GRAMSCI, 1968), operando segundo uma variante de trabalhador co-
letivo. Certamente o seu trabalho estava alienado para o Estado ou para a
escola-empresa, mas os docentes tinham liberdade de cátedra, o que fazia
deles uma sorte de artesãos da educação. E, quando comparados com a po-
pulação em geral gozavam de prestígio social considerável, o que não raro
lhes possibilitava articular a atividade de magistério com formas supletivas
de captação de recursos.
Porém, com o neoliberalismo a burguesia passou a subtrair os direi-
tos dos trabalhadores, buscando ampliar a exploração, tanto em termos re-
lativos como absolutos. As novas tecnologias cibernéticas possibilitaram à
burguesia a elaboração de um supertaylorismo e sua disseminação por toda
parte. A produção de conhecimentos e materiais pedagógicos foi concen-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
190
trada e centralizada no Estado ou em empresas privadas. Tradicionalmente
trabalhadores intelectuais, a maior parte dos professores agora é executora
e replicadora de programas instrucionais gerados em centros logísticos. Em
decorrência desta renovada divisão do trabalho, a prossão banalizou-se e
a situação sócio-econômica da categoria foi muito rebaixada. Em caminho
inverso à descendência intelectual, sobressai a dimensão disciplinadora do
trabalho do professor, ou seja, a necessidade de agirem como funcionários
da disciplina e da ordem escolar.
É difícil de medir os efeitos dessa nova situação da categoria docente.
Mas, há um indicador empírico inquestionável. Com o neoliberalismo
formaram-se e disseminaram-se os sindicatos de professores, que antes
praticamente não existiam. Com a organização sindical explodem as greves
massivas de professores. Numa palavra, ainda que tardiamente, como
testemunho de seu empobrecimento social e prossional, os professores
vêm-se obrigados a recorrer às tradicionais técnicas e ferramentas de luta
de classes que os operários vêm usando desde a revolução industrial,
congurando uma tendência que é internacional (RADIO GRÁFICA
ARGENTINA, 2017)
Com essas observações, não deduzimos que a categoria docente é
agora uma classe em posição de enfrentamento com o capital. Mas, deduzi-
mos que os professores que chegam às escolas pela via da seleção estatal são,
provavelmente, menos renitentes em aceitar uma concepção relativamente
antagônica à pedagogia ocial, o que seguramente contribui para a repro-
dução do controle dos trabalhadores.
7. o controlE do controlE dos trabalhadorEs
Relembramos que as escolas em apreço são estatais e públicas, ou
seja, são escolas organizadas segundo critérios do Estado e regidas pelas
legislações educacionais.
O trabalho coletivo escolar estrito senso é formado por assalaria-
dos do Estado. Da mesma forma, os recursos nanceiros para custeio das
escolas e pagamento de salários também são do Estado. Os cursos, grades
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
191
curriculares, cargas horárias, formas de avaliação, pré-requisitos e certica-
ção são determinados pelo Estado. As escolas enquanto instituições estatais
do capital também cumprem a função social primordial para a qual foram
concebidas, qual seja, a de habilitadoras da força de trabalho assalariada.
Diante desse quadro, como é possível o controle dos trabalhadores?
O controle é exercido aproveitando-se da relativa liberdade de con-
cepção e organização propiciada pela lei às unidades escolares, pela obten-
ção de direitos arrancados ao poder dominante mediante a luta social e pela
utilização dos poros e espaços não preenchidos pela administração ocial.
A escola estatal não é propriamente pública como apregoa a ideo-
logia dominante. Porém, é inegável que nela estão presentes elementos
públicos, sociais e democráticos num grau muito superior ao que podemos
encontrar na escola-empresa, ou em qualquer outra organização dirigida
diretamente pelo capital. O resultado é que, na escola pública, mesmo
quando impera a burocracia, o grau de liberdade do TC pode ser aprecia-
velmente maior do que na escola-empresa. Isto não signica que a estrutu-
ra administrativa do Estado não seja ecaz, ao contrário. A administração
do Estado com sua pesada mão burocrática encontra-se sempre presente
de um modo ou outro.
É o que observamos em relação ao controle nas Escolas estudadas.
As autoridades educacionais são conscientes das atividades político-peda-
gógicas nada ortodoxas desenvolvidas. Decorre daí que certa tensão é per-
manente e, muitas vezes, há choques que podem comportar represálias.
Segundo o diretor auxiliar do Colégio Strozak,
Há conito com o Núcleo Regional de Educação. O Núcleo é como
uma extensão da Secretaria da Educação. Eles têm clareza de não
seguimos a cartilha e isso é uma fonte de tensão. A proximidade do
MST e outros movimentos sociais é bem forte. Nosso colégio participa
da luta. O objetivo nosso é a formação humana, a luta. Então nós
participamos da luta e fazemos a luta. O fato de irmos para uma
marcha não é muito tranquilo para a Prefeitura. A Prefeitura já tomou
repressão quanto a isso. Não vem obra, não vem recursos, ônibus não
vem para cá, não vem asfalto. Normalmente, para participar da luta
vão professores, educandos e pais. Vai normalmente quem já tem
uma caminhada. A assembleia tira a posição. O Conselho de escola
Neusa Maria Dal Ri & Outros
192
pode tirar. Por exemplo, há uma ação que é exclusiva do colégio, mas
quem chama a mobilização é o Conselho e a APMF. É uma atividade
que não envolve toda a escola, mas parte dela. Os professores que
não vão manifestam-se contra isso às vezes, de forma isolada, às
vezes de forma velada, mas não vão. Dizem que estão perdendo aula
(RUDISON, 2014).
24
A função social da escola é a de habilitar a futura força de traba-
lho para que possa ser consumida produtivamente nas unidades econô-
micas e para a cidadania burguesa. Podemos decompor essa habilitação
do seguinte modo: a) habilitação linguística, cientíca, técnica e artística;
b) habilitação político-ideológica; c) habilitação psicofísica. Esta é uma
subdivisão meramente didática, uma vez que na prática essas três dimen-
sões da atividade de ensino-aprendizagem encontram-se interrelacionadas,
atuando umas sobre as outras. O controle incide em graus variáveis sobre
elas. De modo sucinto, apresentamos o mais proeminente, uma vez que
nosso objetivo aqui é o de indicar os pontos de incidência do controle do
TC na vida escolar.
7.1. a habilitação Psicofísica.
O que denominamos de habilitação psicofísica compreende a pro-
dução de estados mentais ou intelectuais, psicológicos e neuromusculares.
A habilitação psicofísica é uma das mais importantes funções desempe-
nhadas pela escola no sentido de desenvolver nos alunos um habitus em
conformidade com as relações de trabalho capitalistas em particular e, em
geral, com a sociabilidade burguesa. Embora os think tanks da educação
burguesa tenham claras as propriedades educativas dessas atividades, as
mesmas são mantidas no geral fora de qualquer explicitação reexiva, na
condição de um currículo oculto, como se constituíssem uma atividade
natural da atividade educativa.
24
Diretor auxiliar do Colégio Strozak em entrevista realizada em 2014.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
193
7.1.1. o PodEr administrativo: a gEstão dEmocrática.
A gestão ou administração é considerada pela cultura escolar como
uma atividade meio. Portanto, é um currículo oculto ou uma atividade
educativa em grande parte não explicitada.
A tomada de decisões na escola tradicional é burocrática, ocorre
de cima para baixo e está enfeixada nas mãos do diretor, o equivalente do
manager da escola-empresa. Comparado com o poder do manager na es-
cola-empresa, o poder do diretor de uma escola pública é pío, porque o
sistema estatal é bastante centralizado e o que a escola pode gerenciar de
moto próprio é muito pouco. Ainda assim, a função de diretor é estratégi-
ca, porque ele ordena as relações de trabalho na escola. Em consequência
disso, seu papel é poderoso, pois exerce sua autoridade como agente de so-
cialização e ressocialização de estudantes, professores e funcionários. Desse
modo, o poder do diretor é inconteste, já que a gestão democrática prevista
na lei não existe ou é meramente formal. Em escolas nas quais a gestão
democrática funciona, o diretor, em sua qualidade de executivo, continua
a ponticar, embora virtualmente sujeito a mediações postas pelo conselho
de escola (CE). O fato de o executivo seguir sendo o cerne do poder na
escola, mesmo na presença funcional do CE, decorre da natureza e técnica
políticas inerentes ao próprio conselho, ou seja, é liberal e não democráti-
co, não obstante o termo.
Em contraposição a esse cenário liberal, o TC nas Escolas analisadas
introduziu o que eles mesmos também denominam de gestão democrática
(GD). A GD é implantada por meio de vários organismos ou instâncias de
trabalho político-pedagógico criadas pelo TC para essa nalidade. Apre-
sentamos sucintamente essas instâncias.
A instância com maior poder de decisão na ESC e no Colégio Stro-
zak é a assembleia geral, órgão que não existe na legislação ocial que
regulamenta a estrutura e o funcionamento da escola pública. A assembleia
geral (AG) tem a propriedade de elaborar a losoa política que orienta
a GD. De modo diverso ao que ocorre no conselho escolar, à AG podem
acudir, em condições de igualdade formal, todos os membros da comuni-
dade escolar: professores; alunos; funcionários; e pais.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
194
Segundo a professora de português da ESC, em entrevista,
O coletivo toma as decisões, os professores e a direção. Os alunos e
pais também participam. No começo do primeiro bimestre a gente
chama pais e alunos para discutir as normas da escola, levantam
pontos. É o conselho participativo, uma espécie de assembleia
(ALESSANDRA, 2015).
O professor de física da ESC posiciona-se da mesma forma
O conselho participativo, no qual a gente chama os pais, os alunos,
é uma assembleia, uma espécie de assembleia. Não é um conselho
deliberativo com votações, etc. As coisas são encaminhadas via
consensos. Tudo está no conselho participativo que é essa assembleia.
É uma espécie de assembleia geral (ROBINSON, 2015).
Ainda, segundo o diretor da ESC: “A assembleia é feita de vários
modos. A assembleia faz avaliações com os pais, professores, alunos. Há a
assembleia geral que discute e decide o projeto político pedagógico da es-
cola, as normas da escola, a disciplina. Os pais participam bastante” (VAN-
DERLEY, 2015).
De acordo com Jaqueline (2014), professora de português do Co-
légio Strozak, “A assembleia geral é a instância máxima de tomada de deci-
sões. A gente não toma decisões isoladas. A ideia é fazer sempre umas duas
por semestre”.
Ao serem questionados acerca de quem manda na escola, Elisiane
(2014), diretora do Strozak arma: “A assembleia geral. É a questão mais
estratégica”, e o diretor auxiliar Rudison (2014), da mesma escola, aponta
“Demos à assembleia geral o poder máximo de decisão”.
Em que pesem os excertos anteriores, nem todos os entrevistados
aparentavam ter clareza quanto à posição estratégica da AG, nem tampou-
co souberam nomeá-la corretamente. Essa percepção não muito clara pare-
ce decorrer das próprias características atuais da AG, que são as seguintes:
é uma instância política informal, pois não está contemplada na legislação;
a participação dos sujeitos escolares é livre; a frequência com que se reali-
za provavelmente é insuciente; os processos decisórios não se encontram
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
195
formalizados; o que é deliberado, embora tenha ecácia política, não tem
propriamente força de lei.
Nossa interpretação é que falta à AG uma maior organicidade.
Mesmo assim, é perceptível que quando há problemas mais graves a AG é
acionada e é também a instância de máxima decisão e de último recurso.
No Strozak o Conselho de Escola encontra-se instituído na con-
dição de organismo político ocial e reconhecido. Quando o TC toma
uma decisão que julga importante tornar ocial faz com que a mesma seja
referendada pelo Conselho de Escola. Na ESC o Conselho, embora criado,
não funciona. As deliberações são tomadas pela AG e outros organismos, e
legalmente a aplicação é de responsabilidade do diretor.
Os diretores dessas escolas são amplamente favoráveis à política pe-
dagógica em curso, o que é um fator crucial na montagem do controle.
Na ESC existe a Associação de Pais e Professores (APP) e no Stro-
zak a Associação de Pais, Mestres e Funcionários (APMF), organismos o-
ciais tradicionais do aparato escolar. Mas, observamos que nas duas escolas
as Associações atuam junto com o diretor e têm um peso extraordinário no
que diz respeito à alocação dos recursos. Aparentemente, isso ocorre por
duas razões. Primeiro, porque a AG, por suas características, e segundo os
entrevistados, não lida bem com a questão orçamentária. Segundo, porque
são as Associações que captam os recursos suplementares. O fato é que,
embora a AG seja informada quanto ao orçamento e, em ultima ratio,
possa inuir sobre sua conguração, o exercício fundamental da alocação
de recursos não lhe está destinado
25
.
Por outro lado, em acorde com a losoa implicada na GD, obser-
vamos um esforço do TC para dar ao processo político uma característica
mais molecular que o propiciado pela assembleia. Isso se revela na criação
de instâncias circunstanciais ou permanentes que vão além das associações
com pais, que são normalmente integrantes do aparelho escolar.
25
Esse procedimento não é um apanágio dessas Escolas. A cultura burguesa usualmente coloca o orçamento
como um mistério, apenas acessível aos poderosos. Pesquisando escolas próprias do MST e fábricas recuperadas
autogeridas pelos trabalhadores, constatamos que essa visão se mantém, em boa parte, mesmo sob a égide dos
trabalhadores, como se fosse uma espécie de tabu difícil de exorcizar.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
196
Os conselhos de classe estão presentes nas duas escolas com funções
semelhantes, e como veremos têm papel destacado no processo de avalia-
ção escolar.
Na ESC, com 110 alunos aproximadamente, além do mencionado,
os estudantes se organizam em núcleos de base, com feição semelhante
aos existentes no Strozak, modo de organização advinda do MST. Esses
núcleos representam a auto-organização dos alunos e estão distribuídos
por objetos temáticos como saúde, comunicação, cultura, esportes, leitura
e etc.. Nos núcleos de base os alunos examinam as várias questões da escola
e se preparam para a participação na AG ou em outras instâncias. Na Stro-
zak, com cerca de 450 alunos, foram criadas outras instâncias de trabalho,
como, por exemplo, o coletivo pedagógico e a equipe pedagógica, consti-
tuídos por professores.
No conjunto, são essas instâncias, basicamente, que materializam ou
concretizam a gestão democrática, que é a categoria, um tanto impressionis-
ta, que mais presente se encontra nas percepções dos sujeitos escolares.
É uma sequência. Tem responsáveis por cada andamento da escola. A
gerência (Secretaria da Educação). Temos que cumprir com as normas
dela. A outra parte é do Movimento que a gente tem que seguir. Não
que tem, mas procura-se caminhar junto. O coletivo toma as decisões,
os professores e a direção. Os alunos e pais também participam
(ALESSANDRA, 2015).
26
Todos mandam na escola. Os alunos mandam no sentido de que os
alunos podem apresentar demandas, etc. O diretor e os professores
estudam nossas questões e sempre que é possível acatam. Se algo não é
possível sempre há discussão coletiva, esclarecimento. A escola participa
muito na comunidade. Os alunos vêm na escola na APP e quando há
assembleia (TAILINE; ANDRIELI; DIEMAR, 2015).
27
A professora Loreni (2015), da ESC, arma que “A maioria pre-
valece. Ajudo também a tomar decisões. Tem a gura do diretor, mas tem
as instâncias”.
26
Professora de Português da ESC em entrevista realizada em 2015.
27
Entrevista coletiva realizada com os alunos Tailine, Andrieli e Diemar da Escola Semente da Conquista em
2015.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
197
Temos aqui a gestão democrática. O comando é partilhado entre as
pessoas que estão dentro da instituição. Talvez não esteja tão avançada
a gestão democrática, mas a gente procura fazer que aconteça. Certas
decisões são tomadas pelo diretor quando não precisa o coletivo.
Mas decisões maiores são fruto de discussão com todos os sujeitos
do processo educativo da escola. Uma grande quantidade de pais
também participa. Embora eles não estejam tão inteirados do processo
(DILCEU, 2015).
28
Viviam (2014), professora de Educação Física do Colégio Strozak,
arma que
Aqui na escola todos têm voz, porque os alunos se não concordam eles
dizem. Eu não posso dizer que a direção manda, porque ela não manda.
Na maioria dos momentos ela não manda. Mas, existem situações que
eu gostaria que a direção tomasse frente. Alguma coisa ca a dever,
porque querem que todos tomem uma decisão. Existem assembleias
que chamam a comunidade. Os pais ajudam a tomar decisões. A
tomada de decisões está distribuída entre os grupos. Existe uma parte,
de contas, burocracia, que é a direção que toma as decisões.
A assembleia geral manda na escola, onde vão fazer parte os pais,
direção, educandos, funcionários e professores
29
.
A gestão democrática desenvolvida nessas escolas deve nos levar a
imaginar uma espécie de comunidade fraterna. As diferenciações sociais e
funcionais postas pela divisão capitalista do trabalho estão presentes na es-
cola, e embora a GD as atenue, não as suprime. Uma dessas clivagens que
naturalmente se mantém é a existente entre professores e alunos, embora
estes reconheçam que nessas escolas os estudantes têm voz e voto.
A GD constitui o núcleo duro do controle dos trabalhadores nas Es-
colas. Este controle apresenta dois pontos fundamentais: a) é a premissa da
prática da educação dos movimentos sociais como política pedagógica, e não
simplesmente ações pontuais ou dispersas; b) institui um germe de contra
poder dos trabalhadores nas escolas, ainda que problemático e instável.
28
Professor de Matemática da ESC em entrevista realizada em 2015.
29
Alunas do Colégio Strozak em entrevista realizada em 2014.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
198
Em suma, o exercício do poder na escola usualmente não tem um
discurso ideológico manifesto. Mas, o seu discurso latente, decorrente da
prática das relações sociais escolares, é ideologicamente poderoso. A men-
sagem latente e vivida da gestão burocrática consagra a soberania da pro-
priedade privada, no caso em sua forma estatal, ao mesmo tempo em que
reverencia a autoridade hierárquica burocrática, que é própria das institui-
ções estatais e da empresa privada.
A GD, por outro verso, altera em parte essa prática justamente pela
introdução de um campo de ação no qual o domínio do capital é subs-
tituído pelo autocontrole democrático do trabalhador coletivo. A gestão
democrática efetiva é, portanto, o controle estabelecido pelo trabalhador
coletivo sobre seu campo de trabalho, o que signica, em última análise, o
estabelecimento, ainda que relativo, de relações de produção antitéticas às
relações de domínio do capital em âmbito endógeno. Naturalmente, isto
inclui modicações nas relações de autoridade e subordinação que nor-
teiam as relações entre professores e alunos.
7.1.2. ProgrEssão PElo mérito.
A ideia de evolução pelo mérito é um dos grandes fetiches da escola.
Essa é uma das razões do porque a categoria mérito é tão reverenciada pelo
segmento social escolarizado por excelência, a classe média. O mérito en-
contra-se implícito na organização da escola como agência social altamente
especializada, que vai da educação básica ao nível superior. Além disso, cada
um dos anos letivos é premissa, segundo o mérito, para o subsequente.
O mérito escolar é um sistema de inclusão e ao mesmo tempo de
exclusão da população estudantil real ou virtual. Destacamos duas deter-
minantes que são notórias em qualquer escola: a retenção e a avaliação por
notas. A combinação iniludível destas duas categorias viabiliza a escola
como um sistema quase universal de inclusão na base
30
e de exclusão à
medida que se vai da base para o topo da pirâmide.
30
Como princípio, a burguesia admite o ensino universal na base. Outra coisa, naturalmente, é a realização
prática desse princípio.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
199
A retenção ou exclusão é um resultado líquido em algum ponto da
trajetória escolar da classe trabalhadora. A educação ocial trata de atenuar
ou mascarar a retenção mediante a denominada progressão continuada.
Esta é usualmente uma fórmula falaciosa com duas possibilidades: ou o
aluno não pode dar continuidade aos estudos em algum momento; ou dá
prosseguimento aos estudos preservando a forma operativa, mas esvaziada
de conteúdo educativo válido.
Nas Escolas estudadas, o TC, opondo-se à abordagem ocial, pro-
cura lidar com esse problema reeditando a progressão continuada segundo
uma versão que denominamos responsável.
A nota não dá conta de entender o que o aluno entendeu em cada
disciplina. Tentamos romper com a nota como punição. Reprovação
não tem, mas o aluno pode ser retido no ciclo e pode fazer a classe
intermediária. O aluno vai para o ano seguinte, mas faz a classe
intermediária. Funciona. Tem aluno que não quer participar. Tem
bastante falta na classe intermediária. Uma turma de classe intermediária
não pode ter mais de 10 alunos. 5% dos alunos em média têm de fazer
a classe intermediária. (JAQUELINE, 2014).
31
Uma vez que os recursos destinados pelo Estado são insucientes
para a realização dessa versão responsável, ela é realizada por meio do tra-
balho voluntário não remunerado por parte dos professores, algo tão sim-
ples quanto difícil de realizar, se levarmos em conta que o trabalho docente
contratado encontra-se precarizado. Não obstante os evidentes óbices para
levar avante esse trabalho, as indicações empíricas sugerem que as escolas
são relativamente bem sucedidas nessa empreitada.
A avaliação mediante nota é outra ferramenta estratégica do modo
de operar da escola. A nota é usualmente justicada como um instru-
mento imprescindível tanto para vericar se o aluno alcançou o grau de
prociência previsto, quanto para orientar os seus estudos. De fato, a nota
é o modo que a burguesia encontrou para reicar e quanticar a produção
pedagógica, um processo quantitativo/qualitativo complexo. Os efeitos
que se depreendem de sua prática no próprio âmbito escolar vão muito
31
Professora de Português do Colégio Strozak em entrevista realizada em 2014.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
200
além do declarado. E como no caso da retenção, esses efeitos transcendem
amplamente o âmbito escolar.
Críticos da avaliação por notas, por considerá-la ferramenta pouco
útil para realmente colaborar com os alunos em seu progresso escolar, as
Escolas instituíram a avaliação por pareceres. Este tipo de avaliação implica
a manutenção detalhada de um histórico do processo de aprendizagem do
aluno. É evidente que, como no caso da progressão responsável, esta téc-
nica é muito mais trabalhosa, o que signica trabalho extra para os profes-
sores, e com a diculdade de que a sua utilização não é propriamente uma
unanimidade nas escolas. Ainda com uma agravante, ao nal do processo
é necessário transformar a avaliação qualitativa em notas, uma vez que
isto é uma exigência do Estado. Porém, abstraindo a questão do trabalho
extra, parece haver um consenso entre os professores quanto ao fato de que
a avaliação por pareceres é efetivamente um meio mais adequado para o
objetivo proposto que é o de propiciar aos alunos uma boa formação aca-
dêmica, além de ser considerado um método mais humano.
No quesito avaliação, as escolas adotam ainda outra metodologia,
que consiste na avaliação realizada nos conselhos de classe nos quais par-
ticipam alunos, pais e professores, e todos são avaliados. No caso da ESC,
a assembleia geral também realiza a avaliação. De fato ocorre uma auto-a-
valiação aberta, não ocial, que tem por nalidade obter subsídios válidos
para melhorar o trabalho de ensino-aprendizagem via a democratização
das relações de trabalho.
7.1.3. disciPlina moral E nEuromuscular
A introjeção de uma determinada disciplina, que inclui certo auto-
controle do próprio corpo, é uma importante habilitação propiciada pela
escola ocial, embora pouco ventilada pelos educadores.
Como estamos sustentando nestas linhas, a escola está erigida sobre
a cooperação do TC. E uma característica do TC, abstraindo aqui determi-
nações concretas mais especícas, é operar como uma espécie de organismo
no qual tudo está concatenado. Esta característica básica gera a necessidade
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
201
de que os sujeitos adquiram e cultivem uma disciplina que compreende
ações tais como: submeter-se à autoridade coordenadora do organismo tra-
balhador; observar horários pré-estabelecidos; adaptar-se a um regime de
trabalho que demanda a permanência em sala de aula por quatro ou mais
horas; adquirir uma capacidade de estudo pessoal, que pode demandar
muitas horas por semana; viajar para chegar ao local de estudo e várias
outras habilidades que, embora possam parecer naturais, são históricas ou
adquiridas. Essas habilidades são necessárias para o funcionamento do TC
escolar, e são preparatórias para aquilo que os estudantes irão encontrar no
mundo do trabalho.
Na escola regida pelo poder burocrático, a produção dessa disci-
plina está presidida pela autoridade hierárquica do Estado capitalista e
seus prepostos e visa conformar o aluno à autoridade burguesa, na escola,
nos futuros locais de trabalho e na sociedade em geral. Frequentemente,
esse disciplinamento assume uma forma exasperada de ordem pela ordem,
como, por exemplo, a prática pueril de formar las, o encerramento de ado-
lescentes na escola, punições disciplinares recorrentes, etc.
As Escolas estudadas estão de acordo que há necessidade de disci-
plina. Porém, tanto quanto o permite a organização escolar, busca fazer
com que essa disciplina se produza como uma autodisciplina resultante
da prática democrática do TC. Isto não tem o dom de fazer com que a
pressão inerente ao processo disciplinador desapareça, porém, gera apre-
ciável distensão nesse processo, que é uma das razões pela qual o ambiente
escolar nessas escolas se apresente mais tranquilo, o que permite à ESC,
como indicado anteriormente, não ter muros ou portões. Comparando a
ESC com a escola vizinha em que não está presente a pedagogia do MST,
o professor Dilceu (2015) arma: “Lá é muito preso. Portão fechado. Eles
vêm aqui e acham que vão ter uma libertinagem, mas não é nada disso. O
que os alunos fazem aqui sempre tem um objetivo”.
7.2. habilitação linguística, ciEntífica, técnica E artística
As disciplinas que compõem a grade curricular são portadoras de
pontos de vista ideológicos de classe, juntamente com um núcleo de co-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
202
nhecimentos que podemos denominar de operativos. É esse núcleo que
possibilita o domínio da língua, apreciar uma obra de arte ou realizar
cálculos matemáticos. Mas, mesmo essa parte operativa não é totalmen-
te isenta, podendo ser relativamente arranjada para atender desígnios de
classe. Isto pode ser feito tanto na composição da grade curricular quanto
nas ementas das disciplinas curriculares. Um bom exemplo disso é a re-
cente reforma do ensino médio, que foi elaborada segundo um vetor que
tende a limitar a oferta de conhecimentos ao mínimo imprescindível para
a queima da força de trabalho nas unidades econômicas (ZIBECHI, 2016,
INTERSINDICAL, 2016).
As Escolas estão empenhadas em organizar essa parte operativa das
disciplinas acadêmicas tendo em vista o que consideram os interesses edu-
cacionais dos alunos. Expomos sucintamente três tipos de ações que vão
nessa direção.
7.2.1. comPosição curricular
Contrapondo-se à tendência burguesa atual de procurar reduzir a
formação dos trabalhadores ao universo alfanumérico e mais alguma espe-
cialização quando necessário, as Escolas buscam oferecer aos alunos uma
formação ilustrada, pluridisciplinar e crítica.
O foco principal não é a quantidade do conteúdo, mas a formação
humana. [...] a questão dos cidadãos críticos, ativos, que vão agir
sobre as comunidades [...] no sentido de transformar a vida deles no
campo. A escola convencional privilegia o conteúdo das disciplinas,
que privilegia o número. Para nós é a formação omnilateral, a partir
dos russos, que tem a realidade como o condutor, que vai além do
mercado de trabalho. Uma formação completa. Não é tão fácil. Temos
tido retrocessos. E temos sempre que repensar. Mas sempre por aí
(ROBISON, 2015).
32
A educação ilustrada foi, no passado, uma prática nas escolas
públicas, embora mecanismos sibilinos, inclusive endógenos, fossem
capazes de promover um tipo de educação para os que estavam destinados
32
Professor da ESC em entrevista realizada em 2015.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
203
ao trabalho intelectual e outro para aqueles destinados ao trabalho manual
(BAUDELOT; ESTABLET, 1975). Esse tipo de educação segue presente
nas escolas burguesas ou para a alta classe média que a consideram seu
apanágio. Porém, na atual quadra histórica, a burguesia parece estar
convencida de que, em se tratando da educação dos trabalhadores, essa
modalidade de ensino, mesmo em sua versão rarefeita, é um desperdício e
um luxo impertinente.
Mas, como armou o professor Robison (2015) da ESC, levar esse
ensino à prática nas escolas do Estado não é tão fácil. Destacamos dois
óbices. Primeiro, a falta de recursos e, segundo, o fato de que nem todos os
professores estão empenhados nessa tarefa.
Por último, uma observação sobre a denominada educação crítica.
Há um abuso na literatura educacional envolvendo essa expressão. Com
demasiada frequência a ideia de crítica remete para a capacidade de o su-
jeito pensar por conta própria, o que não é muito mais que um truísmo.
Esse modo de conceber a critica também está presente nas Escolas. Porém,
pelo menos para os docentes mais engajados, crítica signica: em particular
crítica da estrutura agrária brasileira - a questão da reforma agrária – e, em
geral, crítica à sociedade burguesa, ao capitalismo.
7.2.2. disciPlinas curricularEs E rEalidadE Extra-Escolar
Embora o objetivo precípuo da escola capitalista seja a reprodução
da força de trabalho assalariada, o desenvolvimento dos estudos ocorre de
modo praticamente endógeno. A escola capitalista é uma agência social
ultra-especializada cuja interação com a sociedade, no que diz respeito ao
processo de produção pedagógica é remota.
Atuando no contrauxo dessa característica, as Escolas estudadas
buscam fazer com que a subministração das disciplinas acadêmicas ocorra,
tanto quanto possível, em interação imediata com a realidade. Em pri-
meiro lugar, com as realidades dos assentamentos, o que se encontra nas
prescrições da denominada educação do campo. E, de um modo mais geral,
com a própria sociedade. No que diz respeito à realidade dos assentamen-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
204
tos há, também, subsidiariamente, a intencionalidade de articular os co-
nhecimentos ministrados nas escolas com as necessidades econômicas dos
assentados, ou seja, estabelecer o vínculo entre o ensino e o trabalho real.
Dizemos intencionalidade, porque os depoentes reconhecem que essa é
uma dimensão extraordinariamente dicultosa. Por um lado, pela própria
estruturação acadêmica das disciplinas e, por outro, pelo fato de que a
produção com base na pequena propriedade familiar é pouco propícia para
esse tipo de interação.
O modo como se tenta levar essa proposição à prática na Escola
Strozak é por meio da seleção de porções de realidade e a aplicação dos com-
plexos de estudo. Seguem alguns fragmentos dos depoimentos.
Os temas geradores não atendiam o que nós precisávamos, faltavam
conteúdos, então se voltaram para o complexo de estudos. O
referencial teórico dos complexos de estudo é Pistrak, que tem como
pressuposto a construção de outra sociedade. De fato, a escola que
se tem hoje organizada também não ajuda. Então, o complexo ajuda
com a aproximação da comunidade. O complexo coloca os sujeitos
nas questões da atualidade, responsabiliza por ações, etc. A gente faz
planejamento semestral. As noções da História não são as mesmas da
Física, da produção de alimentos. Daí a gente teve que fazer ligações
do conteúdo com a realidade. Para discutir eletricidade trabalhou com
o solo, a conservação do solo. É difícil para o professor fazer essas
conexões, porque dá mais trabalho e depende da formação. O problema
é que o professor é horista, então falta permanência dos docentes na
escola. Nos docentes novos falta identidade com o projeto da escola.
A proposta enquanto concepção é boa, mas a viabilidade é complicada
(ANA CRISTINA, 2014).
33
Eu procuro formar pessoas críticas, sempre tentando conciliar o
conteúdo com o dia a dia. Eles querem alunos que tomem decisões,
que não quem reduzidos a ser mandados. Pelo menos é o que os
alunos passam para a gente. [...] Aqui eles querem que a gente passe o
conteúdo conforme a realidade. Eu exemplico, mas é difícil mostrar
na prática, eu não consegui. Já tentei, mas empacou e não consegui.
Também ligar com outras disciplinas. Nos juntamos no dia da
formação do primeiro e segundo ano para discutir e tentar juntar as
disciplinas, mas não conseguimos. Porque exemplicar é uma coisa [...]
mas eles querem que você comece lá do pasto que o boi come e ca
33
Ex-diretora do Colégio Strozak, assessora nos estudos para a implantação dos Complexos no Colégio, Membro
da Direção Regional do Setor de Educação do MST, Brigada Ireno Alves em entrevista em 2014.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
205
complicado, pelo tanto de tempo que eles têm, pelo tanto de aulas que
a gente tem. (FRANCIELE, 2014).
34
A gente pensa que precisa estimular todas as dimensões do ser humano,
não é só o conhecimento cientíco. A gente pensa também no
trabalho. O trabalho tem cado nos complexos. Nas disciplinas a gente
tem diculdade de vincular os conteúdos com o trabalho. É muito
difícil vincular o conhecimento com a realidade. Na totalidade estamos
engatinhando com isso. Fazemos alguns exercícios de trabalho, mas não
é o trabalho plenamente. Por exemplo, limpar a escola, alguns alunos
fazem isso. Principalmente chegar na família, na vida deles. Interferir,
por exemplo, na aplicação de venenos no assentamento. O professor
de química poderia fazer isso. Eu ainda não consegui vínculo com meu
assentamento. Esbarra em várias coisas, o professor que não quer ir,
o ônibus, o pai que acha que é matar aula. Na verdade a concepção
tradicional da escola interfere (JAQUELINE, 2014).
35
O professor de matemática da ESC arma o seguinte acerca do tema:
Tem um trabalho de auto-organização pessoal. Isso tem resolvido
muitos problemas. Mas trabalho produtivo e escola não dá. É muito
difícil fazer essa união entre trabalho e escola dentro dessa escola, e
dentro desta sociedade. Tem alguns trabalhos úteis que realizamos
como a festa dos 30 anos. A limpeza da comunidade. Um dia depois
da festa nem parecia que teve festa. Esse é um trabalho produtivo e
socialmente útil. Nem sempre a gente faz. Faríamos se tivéssemos
conseguido fazer avançar os complexos. Os núcleos de base cuidam
de algumas coisas, como jardim, campo de vôlei, etc. Os conteúdos da
disciplina são aqueles que acreditamos que sejam o que os alunos mais
vão utilizar. Por exemplo, números complexos. Dou uma ênfase bem
menor que percentagem e estatística porque estas estão no cotidiano
deles (DILCEU, 2015).
36
Em suma, as escolas em apreço buscam oferecer aos alunos um
ensino pluridisciplinar, ilustrado ou erudito. Ao mesmo tempo, procuram
estabelecer uma conexão entre as disciplinas acadêmicas e a realidade dos
assentamentos, com alguma incursão esporádica no universo do trabalho.
Seguindo essa mesma política pedagógica há complementarmente um es-
34
Professora de Matemática do Colégio Strozak em entrevista realizada em 2014.
35
Professora de Português do Colégio Strozak em entrevista realizada em 2014
36
Professor de Matemática da ESC em entrevista realizada em 2015.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
206
forço para que os alunos possam tomar contato com manifestações cultu-
rais nas próprias escolas ou para além dos limites escolares. De acordo com
as entrevistas, viagens são organizadas para acudir a atividades cientícas
e culturais nas cidades e estimula-se a formação de grupos de baile, teatro,
dentre outros. Essas atividades são comuns nas escolas das denominadas
elites. Porém, o Estado não oferece recursos para o seu desenvolvimento
nas escolas públicas. Portanto, qualquer atividade desse tipo demanda or-
ganização e sacrifícios por parte das escolas e dos assentados, uma vez que
estes não dispõem mais do que módicos recursos pecuniários.
7.3. habilitação idEológica.
Esta dimensão do ensino visa obter a adesão dos estudantes, futu-
ros trabalhadores, às relações sociais burguesas no trabalho e na sociedade.
Ela é produzida no plano simbólico, como ideologia em simbiose com
os conhecimentos instrumentais, e no plano prático das relações sociais
escolares. As relações sociais escolares não são menos ecientes do que as
simbólicas, pois atuam como um currículo oculto e têm o seu núcleo pri-
mordial na micropolítica escolar, no poder escolar.
Portanto, na escola convencional, todas as atividades escolares, das
mais importantes e salientes, às mais singelas e pouco visíveis, levam à
rearmação da concepção burguesa de mundo. Isso pode ocorrer tanto
na preleção do diretor no dia da pátria, quanto na aula do professor de
matemática, que julga ministrar uma disciplina rigorosamente cientíca e
livre das quizílias ideológicas ou políticas. Inuxos deste tipo disseminados
no sistema escolar, e nas mais diversas atividades por toda sociedade, pos-
sibilitam a concreção do fenômeno social que Gramsci (1968) denominou
hegemonia, ou seja, a hegemonia da classe burguesa.
Podemos resumir a ação do TC nas Escolas, como um movimento
de luta anti-hegemônica que tem por base o controle e por superestrutura
as ações educativas desenvolvidas nos diversos planos de ensino. O que se
congura em uma inexão ideológica ou uma concepção de mundo que
procura situar-se numa direção política e pedagógica, não apenas distinta,
mas também em conito com a concepção dominante.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
207
Nisso se inclui o que não mencionamos até agora, o direito dos
professores a expressarem na escola seus pontos de vista divergentes, o que
pode se manifestar tanto na expressão oral, quanto no uso de literatura nas
salas de aulas e em outros espaços. Podemos tomar como exemplo conspí-
cuo o tratamento do tema da reforma agrária e do MST em clave elogiosa,
temas que os professores podem ter diculdades para trabalhar em uma
escola tradicional. Não observamos o tratamento sistemático recorrente
desses assuntos nas Escolas estudadas. Mas, o importante a ser ressaltado
é que qualquer assunto que implique os movimentos sociais e suas orga-
nizações pode ser trabalhado sem qualquer restrição, o que não é uma
característica da escola ocial na qual os conhecimentos repassados devem
ser supostamente imparciais ou neutros.
Como assinalamos anteriormente, embora o discurso na escola pú-
blica ocial seja a de transmissão de conhecimentos neutros, na verdade a
habilitação ideológica ou a contra-ideologia trespassa todas as atividades
escolares, estando presente com maior ou menor grau em determinadas
unidades escolares.
As Escolas objetos deste estudo apóiam também ações que apre-
sentam uma conotação política mais precisa e ostensiva
37
. As ações não são
obrigatórias e, em geral, envolvem pessoas que têm uma tradição de ativis-
mo. Muitas vezes estão conectadas às ações de mobilização e luta do MST,
mas não apenas. Ainda, apuramos que os alunos das Escolas participaram
de congressos dos Sem Terrinha
38
, e professores e funcionários estiveram
presentes em conclaves do MST na região ou para além dela.
conclusão
Neste trabalho o foco esteve assentado sobre o fenômeno do con-
trole dos trabalhadores, proposição que permeou nossa hipótese original
de investigação. E, concomitantemente, levantamos a questão: o que (ou
37
Na pesquisa empírica observamos uma reunião de pais com a direção do Colégio Srtrozak. Os pais declararam
que se as reivindicações de transporte não fossem atendidas pela Prefeitura organizariam manifestações
reivindicativas públicas. Convém lembrar que as Escolas foram resultado de lutas reiteradas de acampados e
assentados.
38
Sem Terrinha é a organização política das crianças do MST.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
208
quem) controla o controle dos trabalhadores na Escola Semente da Conquista
e no Colégio Strozak?
Os trabalhadores coletivos das Escolas, contando com a energia
catalisadora de ativistas ligados a movimentos sociais, em especial ao MST,
compreendendo, sobretudo, professores, mas também pais e alunos, mu-
nidos de um projeto educacional próprio, conseguiram concretizar nessas
Unidades Escolares uma ascendência político-pedagógica sobre a qual se
assenta o controle.
O controle, assim estabelecido, apresenta duas dimensões já men-
cionadas, teoricamente reconhecíveis, mas na prática inseparáveis. Uma
dimensão cujo signicado é uma limitação à soberania decisória da pro-
priedade capitalista, no caso, sob a forma estatal, e que usualmente se apre-
senta como poder administrativo. Paralelamente, observamos a prática de
uma política educacional em divergência com o estabelecido ou indicado
pela política educacional ocial.
Observamos que, segundo nossas ilações, os atores dessa trama têm
uma percepção do controle muito mais como pedagogia alternativa do que
como controle no sentido de poder administrativo. Supomos que há duas
razões para que assim seja: a) a luta pelo controle estrito senso não tem se
colocado, ou tem estado em situação muito excêntrica nos movimentos
sociais lato senso; b) mesmo em se tratando do MST, que é a força política
inuente nas escolas, a concepção de controle estrito senso, como categoria
que pode medrar no interior das unidades organizadas segundo o princípio
do trabalhador coletivo, não aparece com esse sentido. Isto se deve ao fato
de que o controle dos trabalhadores no Programa do MST, ou seja, a ne-
gação do assalariamento e do trabalho alienado se dá pela reforma agrária,
pelo estabelecimento da pequena produção agrária sob controle da família
trabalhadora, embora sob a égide geral do capital. É certo que a passagem
do MST da reforma agrária clássica para a reforma agrária popular, ao pro-
por a dissolução do latifúndio e a instituição de empreendimentos agrários
de trabalho associado, indica um potencial de enfrentamento direto com o
agronegócio em oposição à exploração do trabalho assalariado. No entan-
to, dado seu noviciado e sua complexidade, a ecácia do novo programa
aprovado em 2014 ainda está sendo testada pela prática da luta social.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
209
Porque nos determos nessa diferenciação? Temos dois motivos.
Nas Escolas o hard core do controle está posto pela gestão democrá-
tica, o poder administrativo, que coincidentemente também é um podero-
so agente educador. Sem a existência desse poder administrativo seria pra-
ticamente inviável que as escolas pudessem implantar a política pedagógica
em curso. Esta é uma dedução que podemos generalizar. A prática de uma
pedagogia alternativa é, antes de tudo, uma luta pelo poder administrativo.
O segundo ponto é que a luta pelo poder administrativo, pelo con-
trole estrito senso, embora inevitavelmente combinado com a luta pelo
controle em geral, apresenta um potencial de contestação da soberania da
propriedade capitalista que não está presente nas lutas pontuais por salários
e melhores condições de trabalho, dentre outras.
É certo, como já o armamos, que a luta pelo controle, um tema
clássico do movimento operário, há muito tempo está fora de moda nos mo-
vimentos sociais estrito ou lato senso considerados. Porém, também é certo,
como se observa por toda parte, que os efeitos estupefacientes gerados pelo
Welfare State estão se dissipando. A grande crise econômica é real. E, apa-
rentemente, a sabedoria da classe dominante está concentrada em destruir
as conquistas trabalhistas e democráticas dos trabalhadores e fazer reviver as
condições de vida manchesterianas. Paradoxalmente, o caráter revolucionário
e progressista da burguesia há muito se perdeu nas brumas da história. Nos
dias atuais, sua atividade meramente espoliativa (HARVEY, 2004), cresce
em detrimento do que foi no passado sua glória, a atividade produtiva.
Por outro lado, os trabalhadores da educação, bem como os tra-
balhadores em geral, não precisam da classe burguesa. Isto já tinha sido
observado por Marx (1972) no século XIX, em O Capital. Mas, nos dias
de hoje, os trabalhadores seguem reiterando esse fato na prática, em todo
o mundo, por meio dos empreendimentos de trabalho associado e de fá-
bricas recuperadas ou autogovernadas das mais diversas ordens (VIEITEZ;
DAL RI, 2009, ZIBECHI, 2017).
Em suma, ainda que carente de impostação política mais claramen-
te denida, o controle dos trabalhadores está posto nas escolas Semente da
Conquista e Strozak. Em nossa pesquisa apuramos que outras escolas, em
Neusa Maria Dal Ri & Outros
210
especial as do MST, em diversos pontos do Brasil, implantam pedagogias
aparentemente análogas às que encontramos nestas Unidades, o que nos
permite supor que também nessas escolas discorre o fenômeno do controle.
Os movimentos sociais lato senso, especialmente os vinculados à
educação, deveriam tomar essas experiências como objeto de reexão. O
controle, sob a hegemonia do capital, não pode ser outra coisa que um
fenômeno instável, um fenômeno de luta social recorrente, porque a bur-
guesia não pode tolerar a partilha do poder com os trabalhadores justa-
mente onde se encontra o âmago do seu poder e riqueza, a exploração do
trabalho assalariado. No entanto, os gravames na vida dos trabalhadores,
que na era atual não cessam de se somar, estão indicando que as lutas pelo
controle lato senso não são mais sucientes, embora imprescindíveis, e que
é imperativo combiná-las com a retomada das lutas históricas pelo controle
estrito senso, pois estas apresentam um potencial mais imediato e direto
de questionamento da hegemonia e soberania da propriedade capitalista.
Em última análise, a pedagogia dos movimentos sociais parece
alimentar a esperança de poder contribuir para um movimento social de
transformação da sociedade capitalista em socialismo. Para que isso possa
ocorrer é necessário que, dentre outros muitos fatores, o questionamento
da propriedade burguesa tenha adquirido o caráter de um preconceito popu-
lar, ao menos no âmbito dos movimentos sociais, e para isto a preconiza-
ção do controle pode ser estratégica, uma vez que o impulso para o contro-
le em oposição ao domínio do capital é imanente ao trabalhador coletivo.
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213
as Escolas dE agroEcologia do movimEnto
dos trabalhadorEs rurais sEm tErra
Henrique Tahan Novaes
Laís Santos
introdução
A agroecologia começa a ganhar força no cenário latino-americano
a partir da década de 1980. Desde então, vários pesquisadores, extensio-
nistas, membros de ONGs e intelectuais de movimentos sociais vêm teori-
zando sobre suas práticas e princípios. A agroecologia vem sendo assumida
como alternativa para fazer o enfrentamento às condições destrutivas que
a nanceirização da agricultura gerou para diversos trabalhadores e traba-
lhadoras que se produzem e reproduzem no campo.
Para Stephen Gliessman (2002), Francisco Caporal e José
Costabeber (2004), Eduardo Sevilla Guzmán (2011) e Miguel Altieri
(2012) a agroecologia não se constitui num discurso unilinear, mas na
interação articulada entre o saber codicado por pesquisadores e cientistas
em diálogo com os saberes tácitos das comunidades rurais e tradicionais
(NOVAES; PIRES, 2016).
 Agradecemos as sugestões de João Henrique Pires.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
214
A agroecologia não é um conceito estático e mecânico, visto que ela
se constitui na diversidade dos chamados movimentos sociais do campo e
das orestas, nas ações práticas e formulações teóricas que estão em cons-
tante processo de transformação decorrentes da diversidade das caracterís-
ticas políticas, sociais e culturais de cada comunidade
2
. Do ponto de vista
do capital, signica uma espécie de ecocapitalismo, com algumas pitadas de
proteção à natureza e com mercados lucrativos em função do apelo à saúde.
A complexa diversidade que compõe as populações da América
Latina, bem como a história de resistência e de luta contra a espoliação
imposta por um capitalismo dependente e uma modernização consentida
no campo, tem possibilitado um rico debate sobre a agroecologia. Dezenas
de organizações, particularmente as constituídas por trabalhadores rurais,
comunidades originárias e das orestas, ampliaram o debate e reforçaram
alternativas de agricultura rumo à transição agroecológica
3
.
Entre essas organizações está o MST que, a partir do ano 2000,
assume a agroecologia como matriz produtiva estratégica para as áreas de
assentamento e acampamentos sob sua inuência. Esta posição é reforçada
em 2001, quando o Movimento lança a cartilha Construindo o caminho na
qual estabelece a necessidade de que “[...] os assentados e assentadas se qua-
liquem e dominem os princípios e as práticas agroecológicas, buscando
construir um novo modelo de produção, que nos ajude na edicação de
um novo ser social” (MST, 2001, p. 90).
Este texto pretende abordar a entrada da agroecologia na agenda
do MST e a importância das sua Escolas de Agroecologia, especialmente
as do Paraná. Para isso, na primeira seção abordamos os antecedentes his-
tóricos da Agroecologia. Em seguida abordamos a entrada da agroecologia
na agenda do MST, para então analisarmos as suas escolas de agroecologia.
 Ver, por exemplo, Tardin (2012).
Destaca-se a Via Campesina, um movimento internacional composto por cerca de 164 organizações de 73
países da África, Ásia, Europa e América. Essa organização representa cerca de 200 milhões de pessoas entre
camponeses/as, pequenos e médios produtores, povos sem-terra, indígenas, migrantes e trabalhadores agrícolas
de todo o mundo. É um movimento autônomo, pluralista e multicultural sem liação política ou econômica
de qualquer tipo.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
215
a agroEcologia na agEnda do mst
Apesar de o ano 2000 representar o marco referencial da inserção
da agroecologia no MST, desde a década de 1980
4
, já existia um debate
entre os seus militantes sobre a necessidade de uma matriz alternativa de
organização sócio-produtiva para os Sem Terra.
Segundo Ricardo Borsatto e Maristela Carmo (2014, p. 658), as
concepções teóricas que norteavam o MST
[…] baseavam-se nas interpretações ortodoxas dos escritos de Marx,
Kautsky e Lênin, bem como nas experiências soviéticas e cubanas de
coletivização da agricultura, que em sua maioria não se mostraram
satisfatórias na realidade dos assentamentos brasileiros. Isso, em
conjunto com outros fatores, abriu espaços políticos para a emergência
de um novo discurso, no qual o saber camponês e a questão ambiental
ganharam relevo, emergindo como consequência um discurso em bases
agroecológicas
5
.
Em meio a esse quadro, Dominique Guhur (2010), uma das coor-
denadoras pedagógicas da Escola Milton Santos e defensora da agroeco-
logia, aponta que o MST é um movimento de seu tempo, pois se depa-
rou com novas demandas e lutas que cresceram nos últimos anos, como a
questão ambiental, enfrentando abertamente os limites e contradições das
alternativas que propõem para superar os desaos.
É neste enfrentamento que o IV Congresso Nacional do MST de-
liberou a agroecologia como bandeira de luta, em torno do que cou co-
nhecido como Projeto Popular.
No texto Linhas políticas rearmadas no IV Congresso Nacional do
MST (MST, 2000, p. 5), o modelo de agricultura hegemônico baseado na
“[...] transferência tecnológica, na utilização de sementes transgênicas, no
uso de agrotóxicos, na exportação de commodities e no monopólio do uso da
A agroecologia foi assumida enquanto matriz produtiva no MST em seu IV Congresso Nacional realizado
no ano de 2000. Contudo, Pires (2016) destaca que no Caderno de Formação nº 10 de 1986 há um capítulo
intitulado O uso de tecnologias alternativas abordando o domínio das corporações multinacionais sobre o pacote
tecnológico da Revolução Verde e a necessidade de construir alternativas ao dependente e degradante modelo
hegemônico.
 Para a visão ecológica de Marx, ver Foster (2010).
Neusa Maria Dal Ri & Outros
216
terra por cooperações multinacionais” é apresentado como uma prática que
deve ser combatida. Mesmo que tardiamente, o MST percebeu que os frutos
da revolução verde não poderiam ser colhidos pelos movimentos sociais.
No IV Congresso também foi apresentado o documento Nossos
compromissos com a terra e com a vida, composto de dez pontos, dentre
os quais destacamos: “evitar a monocultura e o uso de agrotóxicos
(MORISAWA, 2001, p. 238).
Dominique Guhur (2010) ressalta que tal posicionamento exigiu
uma reformulação na proposta produtiva e, também, na própria organiza-
ção do Movimento. Após um período de crise, deagrado pelos próprios
limites internos do MST e pelas ações do governo federal que o afetaram,
o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA) acabou sendo extinto e em
seu lugar foi criado o Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente
(SPCMA).
A questão ambiental passou a ser fundamental nos debates do Mo-
vimento e a agroecologia começou a ser uma alternativa produtiva estraté-
gica na proposta de um projeto popular.
Borsatto e Carmo (2014) descrevem que em 1995, na Proposta de
Reforma Agrária do MST (2005), é possível identicar a elaboração de pro-
postas para a construção de um novo modelo produtivo para os assentados.
A obra de Chayanov contribuiu de forma fundamental para a
conformação do arcabouço teórico da Agroecologia (CAPORAL e
COSTABEBER, 2004). Da concepção chayanoviana são retirados
conceitos sobre os quais se assentam as propostas metodológicas da
Agroecologia, tais como o agricultor, visto não mais como um mero
objeto de análise, mas como um sujeito criando sua própria existência;
a noção de economia moral camponesa; a abordagem de baixo para
cima para a elaboração de propostas de desenvolvimento; o uso de
análises multidisciplinares da agronomia social; a lógica econômica
não capitalista dos camponeses; a compreensão do balanço trabalho-
consumo; o conceito de grau de autoexploração; o subjetivismo dos
camponeses nas tomadas de decisões e o conceito de ótimos diferenciais
(BORSATTO; CARMO, 2014, p. 658).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
217
A reorientação do MST se deu, dentre outros, pelos seguintes fa-
tores: a) a reforma neoliberal do Estado brasileiro que pôs m às políticas
setoriais, de preços mínimos e abriu os mercados; b) o m do Programa
Especial de Crédito para a Reforma Agrária (PROCERA); c) a formação
da Via Campesina.
Para Picolotto e Piccin (2008 apud BORSATTO; CARMO, 2014,
p. 656), “Os dois primeiros fatores dicultaram a continuidade das estra-
tégias produtivas até então desenvolvidas pelo Movimento, enquanto o
terceiro ampliou o leque de relações institucionais do MST”.
Nessa reorientação, o trabalhador e a trabalhadora do campo
deixam de ser um mero objeto de mobilização em uma massa
revolucionária e passam a sujeitos históricos, com conhecimento e valores
morais considerados essenciais para a construção de uma sociedade mais
justa, sustentável e melhor. Por este motivo, as metodologias de Assistência
Técnica e Extensão Rural (ATER) passam a valorizar o saber camponês que
é agregado aos processos de formação do Movimento (GUHUR; TONÁ,
2012, BORSATTO; CARMO, 2014).
A agroecologia do MST, além de fazer referência a uma matriz
produtiva de menor degradação ambiental e de reconhecimento dos sa-
beres tradicionais, envolve um intenso questionamento e enfrentamento
das políticas e técnicas agrícolas adotadas pelo agronegócio, fortemente
mecanizada, com utilização de sementes transgênicas voltada para a expor-
tação, acumulação de capital e dependente de complexos agroindustriais
oligopolizados, não contribuindo com o avanço da luta pela reforma agrá-
ria (BORSATTO; CARMO, 2014).
Segundo Pires (2016), o MST considera que a agroecologia é um
dos caminhos para combater as novas congurações do capitalismo no
campo delineadas pelo agronegócio. Isso pode ser visto nos ataques fron-
tais às grandes corporações. No ato de encerramento da II Jornada Para-
naense de Agroecologia, em 2003, o MST promoveu um protesto contra o
centro de pesquisa e produção de sementes de soja e milho transgênicos da
transnacional Monsanto, localizada na área rural do município de Ponta
Grossa. Segundo Guhur (2010, p. 145),
Neusa Maria Dal Ri & Outros
218
A área foi então ocupada por famílias Sem Terra de acampamentos
da região, e convertida no Centro Chico Mendes de Agroecologia,
pelo período de 18 meses (prazo ao nal do qual as famílias foram
despejadas), com diversas atividades de experimentação, produção
de semente e formação em agroecologia. De acordo com Gonçalves
(2008), esse fato abalou as relações entre as entidades promotoras das
Jornadas, causando a retirada de algumas delas, por não apoiarem
o caráter de luta contra o capital que o evento havia assumido, e
também por se sentirem desprestigiadas na organização. Tratava-se de
um momento político importante, uma vez que, embora os cultivos
transgênicos estivessem se expandindo no país, de maneira clandestina,
não havia ainda uma decisão denitiva do Governo Federal a respeito.
A ocupação da multinacional Syngenta Seeds, também no Paraná, e
do viveiro de mudas da Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul, em
2006, seguiram nessa mesma linha.
As observações de Dominique Guhur (2010) nos ajudam a es-
clarecer que as ações do MST no campo da agroecologia não podem ser
consideradas como meramente ambientais, do tipo protejamos a natureza.
Há nessas ações um confronto direto com as corporações, visto que estas
são produtoras ou consumidoras de transgênicos, acumuladoras de capi-
tal, estrangeiras, espoliadoras de terra e exploradoras do povo (NOVAES;
PIRES, 2016).
Na nova conformação da exploração da terra no Brasil, o agrone-
gócio é hegemônico, preservando elementos fundamentais do latifúndio
(palavra cada vez mais em desuso no novo dicionário do capital) e con-
solidando uma aliança internacional entre fundos de pensão, bancos, e
empresas industriais transnacionais que controlam os insumos, os preços,
o comércio das mercadorias, a mídia burguesa e o aparato de Estado
6
.
Nos anos de 2013 e 2014, o MST cunha o termo Reforma Agrária
Popular
7
. Para ele:
Essa proposta de reforma agrária reete parte dos anseios da classe
trabalhadora brasileira para construir uma nova sociedade igualitária,
solidária, humanista e ecologicamente sustentável. Desta forma, as
 Ver Ziegler (2012), Campos (2016) e Harvey (2004).
Roseli Caldart (2013) faz uma instigante relação entre reforma agrária popular, agroecologia, cooperação e
educação.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
219
propostas de medidas necessárias devem fazer parte de um amplo
processo de mudança na sociedade e, fundamentalmente, da alteração
da atual estrutura de organização da produção e da relação do ser
humano com a natureza, de modo que todo o processo de organização
e desenvolvimento da produção no campo aponte para a superação
da exploração, da dominação política, da alienação ideológica e da
destruição da natureza. Isso signica valorizar e garantir trabalho as
pessoas como condição à emancipação humana e a construção da
dignidade e da igualdade entre todos e no estabelecimento de relações
harmônicas do ser humano com a natureza (MST, 2013, p. 149).
Para a proposta da Reforma Agrária Popular a agroecologia é a ma-
triz tecnológica assumida como alternativa para a organização sócio-pro-
dutiva das famílias assentadas e acampadas, porque representa um meio
de aumentar a produtividade do trabalho e das áreas em equilíbrio com
a natureza, com possibilidades de enfrentar e combater o agronegócio e
a propriedade privada e intelectual decorrente do registro das patentes de
sementes, animais, recursos naturais e biodiversidade (MST, 2013).
Para Gonçalves (2008), o que mobiliza o MST é a negação do pa-
drão de desenvolvimento agrícola existente no país, colocando em evidên-
cia a necessidade da preservação e reconstrução da agricultura camponesa
pela via da reforma agrária, além de propor formas de gestão e participação
do campesinato em sistemas cooperativados e agroecológicos de produção.
Dominique Guhur e Nilciney Toná (2012) observam que se en-
contra em gestação uma concepção mais recente e ampliada de agroeco-
logia, que tem como pilar político os movimentos sociais populares do
campo
8
. Essa vertente não vê a agroecologia como uma solução meramente
tecnológica e ambiental para as crises estruturais e conjunturais do modelo
econômico e agrícola. A agroecologia, como observado pela Via Campesi-
na e pelo MST, é entendida como parte da estratégia de luta e de enfren-
tamento ao agronegócio, à exploração dos trabalhadores e à degradação
da natureza. Nessa concepção, a agroecologia inclui o cuidado e a defesa
da vida, a produção de alimentos, a consciência política e organizacional
(GUHUR; TONÁ 2012, p. 66).
Nilciney Toná é formado em Agronomia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), um dos coordenadores
da Escola Milton Santos do MST/PR e um dos intelectuais do MST que defende a agroecologia.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
220
O MST considera que a mudança na racionalidade social, ecoló-
gica e, sobretudo, política e técnica das famílias ajuda a superar a nova
dinâmica do capitalismo no campo, baseado em relações de dominação ex-
tremamente severas, como a presença das sementes transgênicas e as articu-
lações entre os capitais transnacionais agrocomerciais (químico, alimentar
e nanceiro) (GONÇALVES, 2008).
Apesar da ênfase que o programa Reforma Agrária Popular dá à agroe-
cologia, Luzzi (2010) descreve que a incorporação desta matriz produtiva:
[...] pelos assentados não é uma questão simples, envolve vários fatores
e as mudanças nem sempre têm a rapidez desejada. A apropriação
do tema pelas lideranças do MST ocorre de forma muito mais
acelerada do que vem ocorrendo nos assentamentos, na prática dos
assentados. Embora o MST esteja investindo fortemente em formação
e capacitação em agroecologia, a mudança ainda é bastante lenta. A
ideologia modernizadora continua exercendo forte poder de inuência
entre os assentados e, por que não dizer, em várias lideranças (LUZZI,
2010, p. 130).
Entretanto, mesmo não tendo força suciente para fazer a transição
radical para a agroecologia, o MST demonstra força para fazer a luta contra
o agronegócio, em especial, realizando campanhas permanentes contra o
uso de agrotóxicos e defendendo que as sementes, ao invés de monopólio
de poucas corporações
9
, sejam patrimônio dos povos a serviço da humani-
dade (DREMINSKI, 2016).
A campanha permanente contra o uso de agrotóxicos, para além
de questionar as mazelas do uso dos defensivos químicos, seja para a saúde
humana (com inúmeros casos registrados de contaminação, tanto de tra-
balhadores como de consumidores), seja pela poluição e depravação dos
recursos naturais, exige a adequação do sistema produtivo sobre bases mais
limpas, ligadas aos princípios da agroecologia
10
.
Luiz Carlos Machado e Luiz Carlos Machado Filho (2014) descreveram que a biotecnologia e a transgenia,
tal qual vêm sendo utilizadas na produção agrícola, se desenvolvem sobre bases técnicas reducionistas que
promovem monoculturas e produzem severa erosão genética e laminar..
10
Os documentários O Veneno Está na Mesa 1 e 2 de Silvio Tendler nos apresentam uma crítica à revolução
verde. Tendler observa, dentre outras coisas, que a revolução verde coloca na mesa de cada brasileiro 5,4 litros
de agrotóxicos por ano. O segundo documentário apresenta as experiências de produção agroecológica como
alternativa ao modelo contaminante e, ainda, alguns avanços em relação às políticas públicas. Contudo, chamam
a atenção os desaos impostos pelas corporações que vêem monopolizando a cadeia produtiva dos alimentos.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
221
Nessa empreitada em busca da democratização e não mercantiliza-
ção das sementes, como também da luta contra o uso de agrotóxicos, des-
tacamos as ações exercidas pelas mulheres que compõem a Via Campesina.
O protagonismo que as mulheres vêm assumindo na reorientação
da organização sócio-produtiva para a agroecologia é tão importante quan-
to as ações de enfrentamento ao patriarcalismo nas estruturas internas das
organizações da classe trabalhadora. Segundo Maria Orlanda Pinassi e Kel-
li Mafort (2012, p. 155): “Essas mulheres impõem, enm que pensemos
urgentemente numa alternativa radical ao sistema, uma alternativa que se
constitua no reino da liberdade e da igualdade substantiva”.
Podemos levantar a hipótese de que a luta pela agroecologia relacio-
na-se ao que Mészáros (2002, p. 928) chama de “igualdade substantiva” e
produção destrutiva”. Se o capital promove a igualdade formal, os movi-
mentos sociais anticapital podem estar lutando pela construção da igualda-
de substantiva de gênero, etnia, geração e, principalmente, pela superação
da exploração de classe. Não é por mero acaso que as mulheres do MST
organizam lutas pela independência econômica, não subordinação ao ma-
rido, envolvendo-se, ao mesmo tempo, com questões de classe, de gênero e
ambientais, numa interessante imbricação (PINASSI; MAFORT, 2012)
11
.
Assim, observamos que a atuação da mulher no MST contribui
para o avanço do debate sobre a agroecologia, somando-se à ação dos de-
mais produtores, técnicos extensionistas e mesmo de consumidores, que
juntos compõem uma parcela signicativa de cidadãos que se articula em
defesa da produção agroecológica, a exemplo da Articulação Nacional para
Agroecologia (ANA) e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).
No campo de ação de luta no âmbito das ações simbólicas (e de ca-
ráter marginal) do Estado capitalista brasileiro devemos destacar a Política
Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Es-
colar (PNAE) - que nos limites do Estado é controlado pelo agronegócio -
vêm reconhecendo a necessidade do desenvolvimento de práticas orgânicas
11
Algumas vertentes do marxismo ainda separam o trabalho produtivo do trabalho improdutivo e doméstico.
Neste caso, todo o trabalho doméstico/reprodutivo, majoritariamente feminino, é ocultado. Para este debate,
ver Vasconcellos (2015).
Neusa Maria Dal Ri & Outros
222
e agroecológicas. Não custa reforçar que a criação destas ações se, por um
lado, impulsionou a vida de muitos assentamentos, por outro, signica
uma não política de reforma agrária, à medida que o lulismo bloqueou
qualquer possibilidade de reforma agrária e de criação das condições gerais
de produção e reprodução dos assentamentos rurais (NOVAES; PIRES;
SILVA, 2016)
12
.
Porém, em meio à complexidade e disputa pela matriz agroecoló-
gica, não podemos ignorar que existem várias organizações que seguem
a cartilha ecodesenvolvimentista de organizações internacionais, como o
FMI e o Banco Mundial, ligando-se à área de forma oportunista e/ou re-
formista, com a nalidade de desenvolver mercados verdes, com discurso
de sustentabilidade e valoração do produto. Tal fato é ilustrativo de que
existem, pelo menos, duas vertentes ligadas à agroecologia, uma relacio-
nada aos mercados verdes, orientados pela lógica capitalista e, outra, mais à
esquerda da vertente ecocapitalista, relacionada às bandeiras do MST que,
em alguma medida, não dissocia as bases estruturais da produção de uma
reexão sobre as questões sociais, tais como: juventude campesina; gênero;
luta de classes; dentre outras.
Para Guhur e Toná (2012, p. 63), adeptos da segunda vertente:
[...] a agroecologia não se restringe ao desenvolvimento de experiências
de agricultores de base ecológica, ressaltando processos de organização
social que se orientam pela luta política e transformação social, indo
além da luta econômica imediata e corporativa e das ações localizadas, e
por vezes assistencialistas, junto aos agricultores. De fato, a agroecologia
possui uma especicidade que referencia a construção de outro projeto
de campo. Entretanto, tal projeto de campo é incompatível com o
sistema capitalista e depende, em última instância, de sua superação.
Guterres (2006) explica que a agroecologia no Brasil desenvolve-se
de forma restrita, ou mesmo não se desenvolve, porque a maioria das ins-
tituições de ensino aborda a questão agroecológica sem levar em conside-
ração outras dimensões que não a ecológica. O autor também salienta que
não existe assistência técnica suciente para acompanhar todos os sujeitos
que iniciam o processo de transição agroecológica.
12
Ver especialmente Sampaio Júnior (2013).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
223
as Escolas dE agroEcologia do Paraná
13
No nal do século XX e início do século XXI, os cursos de agroe-
cologia começaram a surgir formalmente no cenário nacional. Até o nal
de 2013, identicávamos 136 cursos em funcionamento, sendo 108 de
nível técnico, 24 de nível superior e 04 de pós-graduação strictu sensu, e a
maioria (44) desses cursos estavam localizados na região nordeste do país.
(BALLA et al., 2014).
O Paraná se destaca por ser o Estado que mais possui Centros e
Escolas de formação do MST, com 05 no total, sendo eles: Escola Iraci
Salete Strozak e Escola Ireno Alves dos Santos localizadas em Rio Bonito
do Iguaçu, ambas interligadas ao Centro de Desenvolvimento Sustentável
e Capacitação em Agroecologia (Ceagro); Escola Milton Santos (EMS),
em Maringá; Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA) no assen-
tamento Contestado, localizado no Companheiro Tavares, em São Miguel
do Iguaçu (SANTOS, 2015; PIRES, 2016).
Os Centros/Escolas de Formação do MST não integram a rede o-
cial de ensino, atuam como Centros de Formação em Educação do Cam-
po, tendo cursos ocialmente reconhecidos por meio das parcerias com as
Universidades e Institutos Técnicos Federais, dentre outras.
Nos Centros/Escolas também são realizados cursos não formais
oferecidos aos membros e simpatizantes do Movimento que englobam
temas amplos relacionados à formação da sociedade, reforma agrária, po-
lítica, cooperativismo
14
, agroecologia, educação, trabalho, luta de classes,
encontros e seminários do MST.
Com base no documento do MST – PR (2004) citado por Apa-
recida Lima (2011, p. 87) os principais objetivos dos Centros/Escolas de
Formação do Movimento no Estado do Paraná são:
- Ser um espaço de formação para as organizações da classe trabalhadora;
- Ser um espaço para os encontros do Movimento Sem Terra e outras
organizações, que buscam os mesmos objetivos de transformação
social;
13
Os dados trabalhados neste item advêm de Santos (2015).
14
Para o debate da cooperação e cooperativismo, ver Dal Ri e Vieitez (2008) e Novaes, Pires e Silva (2016).
Neusa Maria Dal Ri & Outros
224
- Ser uma referência no desenvolvimento de experiências na área de
produção agroecológica, apresentando resultados concretos para os
agricultores/as;
- Ser um espaço de desenvolvimento de valores humanistas socialistas,
desenvolvidos através da vida coletiva;
- Aperfeiçoar o método de formação técnica e política e escolarização
desde o ensino fundamental, como também no ensino médio e
superior;
- Ser espaços de desenvolvimento de experiências cientícas e
tecnológicas, voltados à realidade camponesa;
- Ser um espaço de incentivo e vivência da cultura popular, resgatando
especialmente cultura camponesa;
- Ser um espaço onde as pessoas possam conviver, educando – se,
trabalhando, divertindo-se e construindo perspectivas de futuro.
Lima et. al. (2012, p. 194) argumentam que os Centros/Escolas do
Movimento
[...] representam: a) um espaço importante, em construção, na
formação de quadro militante; b) a socialização do conhecimento
histórico e cientíco produzido pela humanidade; c) a aproximação
dos trabalhadores do campo e da cidade, apoiando a construção de
ações coletivas de comum interesse.
Guhur (2010) arma que o MST ao discutir a agroecologia na
verdade está discutindo um projeto de sociedade e não simplesmente uma
matriz tecnológica, por isso, a preocupação com a organização do cotidia-
no, das atividades e o cuidado com a alimentação são assuntos que estão
embutidos nos cursos de agroecologia.
A agroecologia tem sido entendida no âmbito da formação técnica
prossional do MST como uma ciência que modica as relações sociais,
na medida em que convida os sujeitos a pensarem suas práticas em relação
ao meio ambiente e à sociedade, que apresenta uma alternativa e possibilita
um projeto de sociedade que vislumbre relações sociais mais igualitárias e
conscientes (SANTOS, 2015).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
225
Para Guhur (2010), o objetivo é construir a escola diferente, tendo
como referência as práticas educativas construídas pelo próprio Movimento.
Compreendemos que certa uniformidade apresentada nos cursos
se baseia no princípio da intencionalidade pedagógica apontado como um
dos objetivos da educação do MST, tendo alguns elementos básicos for-
madores característicos sendo eles: a alternância; os tempos educativos; o
trabalho; a gestão democrática; e a pesquisa.
Nas páginas a seguir apresentamos um breve histórico geral dos
Centros/Escolas do MST.
O Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em
Agroecologia (CEAGRO) foi o primeiro centro de formação constituído
pelos assentados de Reforma Agrária no estado do Paraná, entre os anos de
1988 e 1999, sendo composto por duas unidades. Uma está localizada no
Assentamento Jarau, no município de Cantagalo, e outra, denominada de
unidade Vila Velha, localizada no Assentamento Ireno Alves, no município
de Rio Bonito do Iguaçu (GUHUR, 2010).
A partir de 1993, quando o território foi formalmente destinado
à reforma agrária, o Movimento dedicou um espaço para a construção de
um Centro/Escola de Formação. No início, foram construídas infraestru-
turas de barracos com lona preta, com o objetivo de desenvolver atividades
de formação e cursos que contemplassem os princípios do MST na região
(LIMA, 2011).
No CEAGRO foram realizados diversos cursos de formação para
militantes do MST, mas também para militantes de outros movimentos
sociais e organizações populares, entre os quais destacamos: Movimento
das Mulheres Camponesas (MMC); Movimentos dos Atingidos por Bar-
ragem (MAB); Movimentos dos Pequenos Agricultores (MPA).
Com os encaminhamentos advindos do IV Congresso Nacional do
MST, em 2003, uma das principais atividades formativas do CEAGRO
foram os cursos de Técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia,
que inicialmente foram desenvolvidos em parceria com a Escola Técnica
Neusa Maria Dal Ri & Outros
226
da Universidade Federal do Paraná (ET/UFPR) e com o Instituto Federal
do Paraná (IFPR).
No CEAGRO até o momento foram realizadas seis turmas do cur-
so Técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia, com um total de
211 formandos. Estavam em andamento, no momento em que obtivemos
as informações, o início da 7ª turma do curso de Técnico em Agropecuária
com ênfase em Agroecologia, com 60 educandos; uma turma de 34 edu-
candos do curso de Técnico em Meio Ambiente; e uma turma de 54 edu-
candos do curso de Especialização de Produção em Leite Agroecológico.
A Escola Milton Santos (EMS) é o único Centro/Escola de Agroe-
cologia do MST no Paraná que não está localizada em uma área de assenta-
mento ou de reforma agrária. Ela funciona desde julho 2002 em uma antiga
área abandonada do município de Maringá cedida ao MST pela prefeitura.
Cabe destacar que a conquista da área se deu após quase 10 anos de luta dos
trabalhadores e trabalhadoras pelo espaço para a construção da escola.
A concessão do uso do bem público a título gratuito com o di-
reito de uso do terreno para a construção da escola foi dada ao Instituto
Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA), o qual se
manteve como representante legal da EMS até o ano de 2007. Desde
então, através de uma reorganização dos trabalhadores e trabalhadoras da
EMS e do MST, formalizou–se a Associação de Trabalhadores na Educa-
ção e Produção em Agroecologia Milton Santos (ATEMIS), fundada em
10 de janeiro de 2007.
Constatamos que a concessão de uso da área dada ao ITEPA recebe
constantes incursões por parte da administração pedindo a sua revogação.
A última informação que levantamos foi que “[...] diante da infundada
insistência da Prefeitura Municipal em pedir a reintegração de posse, o juiz
federal extinguiu o processo, dando ganho de causa à EMS e condenando
o ente municipal a ressarcir o ITEPA em R$ 5.000,00, devido às despesas
judiciais” (EMS, 2015, p. 1).
Contudo, a luta para manter a EMS é diária, já que “[...] estão em
jogo interesses comerciais e imobiliários, pois no entorno da Escola há um
conjunto de projetos para a construção de parques industriais e a previsão,
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
227
inclusive, de um contorno rodoviário, que valoriza ainda mais o terreno
(EMS, 2015, p.3).
Atualmente, a escola conta com ampla infraestrutura, dispõe de
sala de aula, auditório, biblioteca, laboratório físico-biológico, telecentro,
alojamento, refeitório, lavanderia e casas destinadas aos educadores e às
famílias de trabalhadores que residem na escola. E ainda conta com a per-
manência de aproximadamente 30 trabalhadores residentes no local, que
contribuem em diversos setores da escola.
Para o lazer a escola oferece um campo de futebol gramado, uma
quadra de vôlei de areia e um parque infantil.
Na EMS, desde sua inauguração, moram pessoas ligadas ao Mo-
vimento integrantes de suas diversas instâncias, tais como, acampamen-
to, assentamento, cooperativa e voluntários. Os moradores permanentes
constituem um Núcleo de Base da escola denominado de NB Milton San-
tos. Esse NB tem quatro setores de atuação, quais sejam: administrativo;
pedagógico; infraestrutura; e produção. Cada setor tem suas equipes de
trabalho para o desenvolvimento das tarefas, como, por exemplo, o setor
administrativo que desenvolve as tarefas relativas à secretaria, nanças etc.
O objetivo da EMS é estimular o desenvolvimento agrícola, a
agroecologia, o desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento comu-
nitário e cultural. Conforme salienta Toná em entrevista, a EMS surge
“[...] para ser um espaço de atividades da classe trabalhadora”. Atua com
atividades de educação, capacitação e pesquisa sobre a questão agrária e a
agroecologia. Constitui-se como um Centro de Educação do Campo com
vistas de elevar o nível de formação política e cultural, educação e capaci-
tação de jovens e adultos do campo (GUHUR, 2010).
Desde a sua fundação, a EMS vem realizando cursos de formação
na área técnica, visando atingir seus objetivos enquanto um centro de difu-
são dos princípios da agroecologia. Desse modo, desde 2003 a escola ofe-
rece em parceria com o Instituto Federal do Paraná (IFPR) e com recursos
do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), as
seguintes modalidades do Curso Técnico em Agroecologia: a) Pós-médio
(subsequente ao ensino médio), com duração de 02 anos; b) Integrado ao
Neusa Maria Dal Ri & Outros
228
ensino médio, com duração de 3 anos e meio; e c) Integrado ao ensino mé-
dio/Educação de Jovens e Adultos (Programa Nacional de Integração da
Educação Prossional com a Educação Básica na Modalidade de Educação
de Jovens e Adultos-PROEJA), com duração de 02 anos.
Dentre os cursos oferecidos na escola, destacamos a realização de
quatro turmas do Curso Técnico em Agroecologia, com a formação de
80 técnicos até o ano de 2011. Atualmente, a escola está realizando a 5ª
turma do Curso Técnico de Agroecologia com previsão de nalizar em
2018. Em parceria com a UEM está realizando o Curso de Pedagogia em
Educação do Campo, com previsão de conclusão em 2017, e também o
Curso de Educação de Jovens e Adultos (EJA) que será nalizado em 2016.
Guhur (2010, p.152) salienta que os cursos técnicos em agroecologia da
EMS “[...] visam atender, prioritariamente, às regiões Norte, Centro-Oeste
e Noroeste do Estado do Paraná (embora em suas turmas estivessem edu-
candos de quase todas as regiões do estado)”.
Além dos cursos técnicos e do Curso de Pedagogia, atualmente exis-
tente na escola, são regularmente oferecidos cursos não formais em diversas
áreas (agroecologia, saúde, formação política e cultural), como também
encontros, seminários e eventos similares promovidos por movimentos so-
ciais populares, partidos políticos de esquerda e outras organizações.
Segundo documentos da Escola Milton Santos (2003), assim como
os demais cursos e escolas do MST, o Projeto Político Pedagógico (PPP) da
EMS foi construído tendo em vista a Teoria da Organização, as Normas
Gerais do MST e o Método Pedagógico sistematizado pelo Instituto de
Educação Josué de Castro (IEJC).
[...] na concepção que orienta esse projeto, a formação deve ser
constituída como um processo que visa ajudar a preparar militantes,
estudantes e dirigentes para a ação e transformação, para o trabalho, o
estudo, o cuidado com o ser humano e a natureza, para a pesquisa e a
cooperação. Nesse sentido devemos ver a formação como um processo
permanente de transformação humana para a prática de novos valores e
de caráter humanista e socialista (ESCOLA MILTON SANTOS apud
GUHUR; TONÁ, 2012, p.5).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
229
Lima (2011) arma que são quatro os eixos fundamentais que
organizam o PPP da escola, sendo eles: o estudo; o trabalho produtivo;
a organicidade (estrutura organizativa); e a convivência. A autora arma
que, a partir deles, a proposta pedagógica da EMS se orienta pelos seguin-
tes elementos metodológicos: a) Regime de alternância; b) Trabalho como
elemento pedagógico fundamental; c) Formação integrada ao processo de
produção; d) Organização dos tempos educativos; e) Organização de cole-
tivos; f) Relação escola e comunidade como elemento estratégico; g) Qua-
licação aliada à escolarização e h) à formação política
15
.
Alguns elementos caracterizam a Escola Milton Santos, e podem
ser observados através do quadro explicativo sistematizado por Lima
(2011, p.208):
Q  – Q E
Organização curricular do Curso Técnico em Agroecologia, estruturado no Regime de
Alternância (TE-TC) por módulos – etapas;
- Organização da Escola em torno dos Cursos Técnicos (Agroecologia) e outras práticas
educativas ligadas à educação popular (não formal);
- Escola de tempo integral;
- Escola organizada através de diferentes tempos (espaços) educativos;
- Escola de jovens e adultos, mas organiza e garante o trabalho com a educação infantil e com
adolescentes (lhos dos educandos/educadores/trabalhadores/militantes);
- Trabalho e gestão da escola são assumidos coletivamente por diversas pessoas/ sujeitos
(educadores-educandos);
- Base curricular (ocial) do Curso Técnico em Agroecologia por área de conhecimento,
organizada em unidades didáticas (disciplinas) desenvolvidas no TE, em períodos intensivos no
Tempo Aula em cada etapa e, se necessário, são orientadas trabalho para o TC:
a) Educação Técnica Prossional;
b) Educação Básica de nível Médio e Técnico Prossional (Ensino Médio Integrado e Proeja);
- Educadores com níveis diferenciados de participação na Escola (Professores Itinerantes,
Professores no MST, IFPR e outras Instituições de Ensino Públicas – voluntário-simpatizantes
do MST e da luta pela Reforma Agrária);
- Níveis de Gestão: Escola e MST; Escola e Parcerias; Escolas e Turmas, e Escola – Educandos/
Educadores. A inserção dos educandos e educadores numa estrutura orgânica que garante o
funcionamento da Escola
Fonte: Lima (2011)
15
Também percebemos a existência desses eixos na pesquisa que zemos na Escola Itinerante Cidinha – escola
de educação infantil até ensino médio do MST- localizada no Assentamento Eli Vive, Distrito de Lerrovile,
Londrina, Paraná. Esta é uma das escolas que tem implementado os princípios da agroecologia e da metodologia
dos Complexos Temáticos desenvolvidos por Moisey Pistrak. Ver Sapelli, Freitas e Caldart (2013).
Neusa Maria Dal Ri & Outros
230
A Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA) não está res-
trita ao âmbito do MST, articulando-se com outros movimentos sociais
ligados à Via Campesina e constitui-se como um importante centro de
práticas e discussões a respeito da agroecologia e da questão agrária na
América Latina.
A ELAA surgiu como uma articulação dos movimentos sociais do
campo, em especial os da Via Campesina, com a necessidade de formar
técnicos de nível superior com vistas ao projeto estratégico de soberania
alimentar dos povos da América Latina. Nessa perspectiva, durante o V
Fórum Social Mundial realizado em 2005, na cidade de Porto Alegre, foi
estabelecido um protocolo de intenções entre a Via Campesina Internacio-
nal, Via Campesina Brasil, Governo da República Bolivariana da Venezue-
la, Governo do Paraná e a Universidade Federal do Paraná, que previa a
criação de cursos técnicos e prossionais voltados à realidade das popula-
ções camponesas integrantes dos movimentos sociais (VALADÃO, 2011).
Em março de 2005, no território do Assentamento Contestado no
município da Lapa, iniciaram-se as atividades da ELAA, com reexões para
construção das bases operacionais de um Centro/Escola de Agroecologia
internacional. Destacamos que, além da ELAA, foram criados na mesma
perspectiva, vinculados à Via Campesina, os Institutos de Agroecologia
Latino Americano (IALA) na Venezuela e no Paraguai. Nos últimos anos,
o Equador também está iniciando a proposta de criação de um instituto
com o mesmo objetivo (REZENDE, 2014).
Segundo entrevista realizada com um membro da CPP da ELAA,
em 2014, até aquele momento já tinham sido formadas duas turmas de
Tecnólogo em Agroecologia e estava em andamento a 3ª turma do curso,
além da 1ª turma do Curso de Licenciatura em Educação do Campo, com
foco em ciência da natureza.
Os cursos da ELAA, assim como nos demais Centros/Escolas do
Movimento no Estado, começam a ser desenvolvidos via PRONERA e
em parceria com a Escola Técnica da UFPR. Porém, com a criação dos
Institutos Federais, a parceria acadêmica dos cursos de tecnólogo passou
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
231
a ser realizado pelo IFPR
16
. Até o momento foram formados mais de 110
Tecnólogos em Agroecologia na ELAA.
A Escola José Gomes da Silva (EJGS) é o Centro/Escola de Agroe-
cologia onde se formou a turma de técnico em agroecologia integrado ao
ensino médio, Turma Revolucionários da Terra (PIRES, 2016). A EJGS
está localizada no Assentamento Antônio Companheiro Tavares (AACT)
17
às margens da BR 277 (Rodovia Federal que corta o estado do Paraná de
leste a oeste), mais especicamente na altura do KM 703 no município de
São Miguel do Iguaçu, a 25 Km de Foz do Iguaçu extremo oeste do estado
e fronteira com a Argentina e Paraguai (PIRES, 2016).
Antes do AACT ser uma conquista da reforma agrária, a área, de-
nominada de Fazenda Mitacoré, pertencia ao extinto Grupo Bamerindus,
presidido por José Eduardo Andrade Vieira, ministro da agricultura du-
rante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e senador pelo
estado do Paraná entre 1991 e 1999.
Segundos relatos de famílias assentadas, em 1997 surgiram denún-
cias de corrupção contra o ex-senador e informações do endividamento no
Banco Bamerindus. Essas denúncias abriram possibilidade para o MST
mobilizar as famílias que compõem a sua base e estabeleceram acampa-
mento nas proximidades do km 705, às margens da BR 277, e ali caram
acampadas como forma de pressionar o governo para desapropriar a área e
destiná-la à reforma agrária.
Isso foi em 6 de agosto de 1997, de madrugada. Eu não participei no
dia, eu vim à tarde. Sabia, mas aí tava chovendo muito e quei um
pouco pra trás, eu cheguei logo depois do meio-dia, mas o pessoal
de madrugada já tinha organizado, mas era na beira da BR, ninguém
falava em Mitacoré, ‘Deus o livre invadir Mitacoré’. Então o pessoal
foi se reunindo, mas tudo já mobilizado e tinha bastante apoio das
16
Através do PRONERA são desenvolvidos cursos formais que vão desde a educação infantil, passando pela
alfabetização de jovens e adultos chegando ao ensino superior. Guhur (2010, p. 104) salienta que a expansão
de atendimento do programa tem sido insuciente pela escassez e descontinuidade de recursos nanceiros
disponibilizados pelo governo federal e por ainda não ter conquistado um status de política prioritária.
17
O nome do assentamento faz homenagem a Antônio Tavares, trabalhador Sem Terra morto no dia 02 de maio
de 2000, por uma ação truculenta da polícia na BR 277 próxima de Curitiba. Os Sem Terra se dirigiam à capital
do estado para uma manifestação popular em referência ao dia do trabalhador e também pelo fornecimento
de crédito subsidiado para as famílias assentadas. Sob às ordens do então governador Jaime Lerner, a polícia
reprimiu os trabalhadores e trabalhadoras e Tavares foi morto.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
232
entidades que ajudava a trazer o povo. E o povo se reunindo de
caminhão e tudo o que é jeito, aí foram se acampando na beira da BR
lá embaixo, onde tem aquela pontezinha no Rio Bonito, onde tinha
uma área assim que era um colonião. Se dizia que era beira da estrada,
mas já tava dentro da área aqui, mas nunca se...:’ Não, Mitacoré não
vai sair de jeito nenhum!’ Mas depois foi se criando várias diculdades
no acampamento: imagina em dia de chuva e foi chegando gente. No
início foi em torno de 100 famílias no 1º dia e aí foi chegando gente
de Medianeira, São Miguel, Santa Helena, Capanema, Missal, Santa
Terezinha, até umas 350 famílias ali (MST, 2011, p. 12).
A gênese para a construção do Centro/Escola José Gomes da Silva
deu-se durante o encontro estadual do MST realizado entre os dias 20 e 22
de dezembro de 1999, na sede da antiga Fazenda Mitacoré, ainda quando
acampamento. Neste encontro, tomou-se a denição política de construir
ali um centro de formação educacional, política e técnica, já com início
no próximo ano. Para tanto, foi criado o Instituto Técnico de Educação e
Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA) com o objetivo de promover a for-
mação dos trabalhadores e trabalhadoras, jovens e adultos para o trabalho
e a vida no campo. Posterior à constituição do ITEPA, o Centro/Escola foi
nomeado de José Gomes da Silva pela coordenação do Movimento, como
uma homenagem ao fundador da Associação Brasileira da Reforma Agrária
(ABRA) (PIRES, 2016)
18
.
Enm, a Escola José Gomes da Silva é “[...] uma conquista do
MST e deve aplicar os princípios do Movimento, fazendo parte de sua
estrutura orgânica e colocando a sua disposição todas suas instalações e
espaço” (REGIMENTO INTERNO, 2007, p. 04 apud PIRES, 2016,
p. 89). Além do MST, a Escola também estabelece vínculo com outros
movimentos sociais, e entre os seus objetivos apresenta “[...] ser um espaço
de encontros, articulação e intercâmbio com os movimentos populares,
Via Campesina e Coordenadora Latino-americana de Organizações do
Campo (CLOC)” (REGIMENTO INTERNO, 2007, p. 04 apud PIRES,
2016, p. 89).
18
O nome da escola é uma homenagem ao agrônomo José Gomes da Silva fundador da Associação Brasileira de
Reforma Agrária (ABRA), Secretário de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo durante o governo
de Franco Montoro (1983-1987). Foi um dos principais membros da equipe que elaborou o 1º Plano Nacional
de Reforma Agrária. Falecido em 1996, deixou importantes contribuições sobre a temática da reforma agrária.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
233
Analisando os princípios pedagógicos da Escola é perceptível a in-
tencionalidade em desenvolver um trabalho especíco de educação e for-
mação de seus sujeitos, conforme apresentamos no quadro 1.
Q  - P P  EJGS.
Princípios Descrição
Direção coletiva Todas as instâncias serão formadas por comissões de trabalhadores/as
com igual direito e poder. As decisões serão tomadas, prioritariamente,
por consenso político.
Divisão de tarefas Estimular e aplicar a divisão de tarefas e funções entre os sujeitos
dos coletivos valorizando a participação de todos e evitando a
centralização e o personalismo.
Prossionalismo
Todos os membros dos setores e coletivos devem encarar com
prossionalismo suas funções. Considerando prossionalismo sob
dois aspectos: a) transformar a luta pela terra e a organização do
Movimento como sua prossão militante. Ter amor e dedicar-se de
corpo e alma por ela; b) Ser um especialista, procurando aperfeiçoar-
se cada vez mais, naquelas funções e tarefas que lhe forem designadas,
tendo em vista o conjunto da organicidade do Movimento.
Disciplina Aplicar o princípio de que a disciplina é o respeito às decisões do
coletivo, desde o cumprimento de horários, mas, sobretudo de
tarefas e missões.
Planejamento
Aplicar o princípio de que nada acontece por acaso, mas tudo
deve ser avaliado, denido e planejado a partir da realidade e das
condições objetivas da organização.
Estudo Estimular e dedicar-se aos estudos de todos os aspectos que dizem
respeito às atividades do Movimento. A organização que não formar
seus próprios quadros políticos não terá autonomia para conduzir
as lutas.
Vinculação com as
Massas
A vinculação permanente com as massas de trabalhadores/as é a
garantia do avanço das lutas e da aplicação de uma linha política
correta. Das massas devemos aprender as aspirações, anseios e a partir
de sua experiência, corrigir nossas propostas e encaminhamentos.
Crítica e autocrítica Aplicar sempre o princípio da avaliação crítica de nossos atos
e, sobretudo, ter a humildade e grandeza de fazer a autocrítica,
procurando corrigir os erros e encaminhar soluções.
Fonte: Pires (2016), com base no PPP/EJGS (2007).
Por meio destes princípios, segundo Pires (2016), a EJGS busca de-
senvolver um trabalho pedagógico no qual se exercita a tomada de decisões
Neusa Maria Dal Ri & Outros
234
democrática, o trabalho e o aprendizado em uma dimensão coletiva e par-
ticipativa, que tenham vínculos com a classe trabalhadora e sejam críticos,
buscando avançar com a organicidade
19
e demandas do MST.
Para aplicar esses princípios, todas/os trabalhadoras/es que
contribuem com a Escola se organizam em: a) Núcleos de Base (NB)
20
; b)
Setores: Pedagógico, Administrativo, Moradia, Infraestrutura e Produção.
A EJGS não possui um orçamento xo para executar suas atividades, seu
sustento se dá através da sua produção que os trabalhadores, incluindo
educadores e educadoras, desenvolvem na Escola. A escola também não
possui uma equipe contratada para desenvolver as atividades pedagógicas,
de autosserviços e de produção. Os trabalhadores são voluntários e
militantes do Movimento, que contribuem para construir e manter os
espaços da EJGS.
Essa lógica impõe limites para a qualicação funcional da Escola,
em nível de formação e de autossustento. Por não possuir uma equipe
exclusiva, os trabalhadores e trabalhadoras são deslocados para outros es-
paços do MST ou fora dele. Os motivos desses deslocamentos são diversos,
tais como serem assentados, não se adequarem aos princípios organizativos
da Escola, problemas familiares, saúde, entre outros.
Contudo, mesmo enfrentando seus limites e diculdades, constata-
mos que desde a sua fundação vários cursos de formação foram desenvol-
vidos na Escola. Entre os anos de 2000 a 2003 ocorreram quatro Cursos
Prolongados em Agroecologia em parceria com a ONG Desenvolvimento
e Paz do Canadá. Cada curso durou em média 75 dias, e mesmo não sendo
formais contaram com a participação de aproximadamente 100 pessoas
por curso.
19
O termo organicidade é bastante usado nos debates internos do MST. Seu signicado e conteúdo pretendem:
ampliar a participação; elevar o nível de consciência das famílias; formar militantes e quadros; ter o controle
político do espaço geográco; implantar os círculos orgânicos; manter-se permanentemente vigilante; afastar os
inimigos; e acumular forças. Tudo isso ajudará na elaboração da estratégia na luta política pela reforma agrária,
dando condições de fazer a disputa política na sociedade brasileira. Para maiores informações sobre a organicidade
do MST ler: MST: Método de Trabalho e Organização Popular. Setor Nacional de Formação (2005).
20
Os NBs são compostos por 10 famílias e representam a base da organização do MST. Cada NB escolhe dois
coordenadores, um do sexo masculino e outro do sexo feminino. Esses coordenadores exercem essa função
durante um tempo pré-estabelecido, após esse tempo, o NB escolhe outros dois coordenadores (PIRES, 2016).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
235
Em convênio com o Ministério de Desenvolvimento Agrário
(MDA), Ministério de Meio Ambiente (MMA) e Fundo Nacional de
Meio Ambiente (FNMA) foi desenvolvido pela Escola nos assentamentos,
pela Brigada José Martí, composta por famílias dos assentamentos Antônio
Companheiro Tavares, 16 de Maio, Santa Izabel, Ander Rodolfo Henrique
e Nova União, o projeto intitulado de Centro de Irradiação e Manejo da
Agrobiodiversidade (CIMA), com perspectiva de resgate, valorização e
disseminação de práticas agroecológicas nos assentamentos da reforma
agrária.
Também foram realizados pequenos cursos e ocinas, tais como:
reconhecimento e cultivo de plantas medicinais; preparo de produtos de
limpeza; compostos orgânicos para horticultura ecológica; transformação
do leite em derivados (queijos variados, manteiga, doce); derivado de
cana-de-açúcar (melado, açúcar mascavo, etc); ocinas e cursos de
geoprocessamento de Global Position System () e Teodolito Estação Total.
Via PRONERA realizaram-se dois cursos técnicos, o Técnico em
Agroecologia, no qual se formaram 46 educandos/as em parceria com ET/
UFPR, e o Curso de Saúde Comunitária, que formou 21 educandos/as
lhos e lhas de trabalhadores e trabalhadoras acampados e assentados da
reforma agrária, em parceria com o IFPR.
Os cursos formais foram trabalhados seguindo a Pedagogia do Movi-
mento e no regime de alternância, sendo divididos em tempo escola (70%)
e tempo comunidade (30%).
conclusão
O debate sobre a agroecologia, surgido no seio dos movimentos
sociais, se diferencia do ecocapitalismo e das soluções epiteliais criadas
pelas corporações verdes ou por camadas intermediárias da sociedade. As
soluções capitalistas para os problemas socioambientais tendem a piorar os
problemas sociais.
As escolas de agroecologia do MST trazem questões essenciais para
o debate da educação para além do capital. O exercício da gestão demo-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
236
crática no cotidiano das escolas, a alteração dos conteúdos, em geral de
denúncia dos princípios cientícos da revolução verde, bem como a difu-
são de teorias e práticas cientícas agroecológicas nas escolas do MST, nos
mostram que é possível e necessário modicar radicalmente a educação.
As escolas de agroecologia mostram também que os movimentos
sociais podem organizar suas escolas, sua produção e, em termos mais am-
plos, sua vida, sem o comando dos tecnocratas do Estado e empresários
capitalistas. Também por isso, o debate sobre as experiências de escolas dos
movimentos sociais e de agroecologia do MST é tão importante.
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mulhErEs E gênEro no movimEnto dos
trabalhadorEs rurais sEm tErra
Claudia Pereira de Pádua Sabia
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo
introdução
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) é entendido
como um dos movimentos sociais de maior expressão na História do Bra-
sil. Seja nos períodos de acampamento e assentamento, ou de ocupação e
desapropriação da área, inicia-se a formação da identidade Sem Terra, na
qual os sujeitos inauguram novas formas de sociabilidades em torno das
suas lutas. Estas se dão não somente com relação à terra, mas por educação,
saúde, igualdade de gênero e vida digna em todas as dimensões. Em todos
os assentamentos, assim como no Assentamento Contestado, objeto de
nosso estudo, a presença feminina foi de fundamental importância, não
apenas nos estágios iniciais do acampamento, mas também na área desa-
propriada. As demandas por escola, espaços de lazer, pela organização da
comunidade/agrovila teve a presença e a pressão constante das mulheres.
A presença de mulheres no MST é encontrada desde a criação do
Movimento, no início da década de 1980. Como em outros âmbitos da
sociedade, estas mulheres apresentam identidades subordinadas à ordem
Neusa Maria Dal Ri & Outros
242
patriarcal e a modelos impostos pela cultura universalizada que é conce-
bida como natural. Como há o predomínio da categoria classe social, as
práticas das mulheres, num primeiro momento, não eram reconhecidas
nas instâncias sociais, econômicas, políticas e organizativas do Movimento.
Conforme complementa Esmeraldo (2007), isto ocorria, pela homogenei-
zação dos sujeitos Sem Terra no interior do Movimento, fossem homens
ou mulheres. Ao longo da caminhada de luta pela terra, as mulheres foram
desenvolvendo estratégias de luta na perspectiva da igualdade de gênero.
Conforme Silva (2004, p. 266),
[...] a participação em Comissões, a criação de um Coletivo de Gênero,
a participação nos espaços de formação do Movimento, a reivindicação
de inscrição do debate de gênero em todos os processos formativos,
a inclusão de reivindicações de interesse da mulher nas pautas de
negociação, a criação de uma política de cotas para a ocupação com
equidade de homens e de mulheres nas instâncias de direção, para
armarem uma identidade outra para si.
Desse modo, na visão dos autores citados, ao adentrar ao MST, os
sujeitos não encontram espaços para sua identidade de gênero e sexo, mas
com o passar do tempo, foram desenvolvendo estratégias de luta que rei-
vindicavam os interesses das mulheres e o debate do gênero nos processos
de formação. Esmeraldo (2007, p.1) nos explica porque isso ocorre.
O MST é um movimento social que defende e trabalha para a
formação de sujeitos coletivos com uma identidade política e social de
Trabalhadores Sem Terra. Ė um Movimento que instiga uma vontade
e uma consciência voltada para uma ação política coletiva, pautada
na matriz teórica leninista/marxista. Esta se move para construir e
alicerçar a unidade entre os trabalhadores e para forjar a luta de classes.
Seguindo o pensamento da autora, historicamente os movimentos
sociais que adotam “[...] a hegemonia da divisão social de classe no
bojo central de suas lutas, não incorporam outras dimensões políticas
como de gênero, de raça, de etnia, de geração”, para não deslocarem
o foco principal de suas ações que estão focalizadas na classe social.
(ESMERALDO, 2007, p. 2).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
243
Entretanto, pelo que identicamos no MST, aos poucos o Movi-
mento foi percebendo a necessidade de engajar as mulheres na luta, con-
tando com sua maior participação em várias instâncias organizativas e de-
liberativas. Assim, tem início, em 1985, o Coletivo Nacional de Mulheres
até chegar aos anos 2000 com o Coletivo Nacional de Gênero.
Neste estudo, a metodologia utiliza as pesquisas bibliográca e do-
cumental, e a coleta de dados empíricos. A coleta de dados consistiu em
entrevistas semiestruturadas com três coordenadoras de escolas localizadas
no Assentamento Contestado, no município de Lapa, Paraná, e entrevista
com uma ex-dirigente do Setor Nacional de Gênero do MST.
Para evidenciar este percurso, iniciamos reetindo sobre a categoria
gênero e sobre a contribuição da teoria feminista para os estudos acerca das
mulheres. Na sequência, apresentamos o caminhar do MST nas questões
de gênero e nalizamos com a análise dos dados coletados no Assentamen-
to Contestado (PR).
Conforme se constata na literatura a respeito do tema, na década de
1980 os movimentos das mulheres rurais contribuíram signicativamente
para a construção de políticas públicas voltadas à redução das desigualda-
des de gênero na agricultura, principalmente no sul e no nordeste brasi-
leiro. Esta foi uma das constatações que motivaram nosso estudo. Ainda,
vericamos se ocorria esta mobilização das mulheres e suas ações estavam
contribuindo para a superação da estrutura patriarcal em todos os âmbitos
da organização social naquele Assentamento, para a igualdade de gênero.
Este foi o objetivo da pesquisa. Alguns dos resultados são apresentados e
discutidos neste texto.
catEgoria gênEro
Como observa Teresita de Barbieri (1992, p. 114),
[...] os sistemas de sexo/gênero são os conjuntos de práticas, símbolos,
representações, normas e valores sociais que as sociedades elaboram
a partir da diferença sexual anátomo-siológica e que dão sentido à
satisfação dos impulsos sexuais, à reprodução da espécie humana e em
geral ao relacionamento entre as pessoas.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
244
Outra autora de referência, María Jesús Izquierdo (2006), adota
também o conceito de gênero como categoria analítica para compreender
as desigualdades sociais. Esta autora considera que a desigualdade funda-
mental entre homens e mulheres reside nas formas como os seres humanos
se relacionam na produção de sua existência, ou seja:
[...] a sociedade se acha estruturada em dois gêneros, o que produz
e reproduz a vida humana, e o que produz e administra riquezas
mediante a utilização da força vital dos seres humanos. Vemos que
o setor produtivo da vida humana se organiza em condições de
dependência com relação ao setor dedicado à produção da riqueza e à
administração (IZQUIERDO, 2006, p. 48).
As experiências reprodutivas e o cuidado para com os lhos são
atividades relacionadas à produção e à reprodução da existência humana
e, portanto, do gênero feminino, sendo, além disso, desenvolvidas basica-
mente por mulheres. Conforme expõe Badinter (1985 apud MEDRADO;
LYRA, 2008, p.816), durante séculos, seja no espaço da intimidade, seja
no espaço da expressão pública, “[...] essa associação entre gênero femini-
no e vida reprodutiva foi naturalizada: a maternidade e o amor à criança
pequena seriam da natureza dos instintos nas mulheres”. Uma das explica-
ções plausíveis fornecidas por Costa (1995) para a atual oposição binária
entre os corpos masculino e feminino é que essa diferenciação, embora
aparentemente natural, teria um fundamento político, localizado nos inte-
resses da sociedade burguesa:
[...] os ideais igualitários da revolução democrático-burguesa
tinham que justicar a desigualdade entre homens e mulheres, com
fundamento numa desigualdade natural [...]. Para que as mulheres,
assim como os negros e os povos colonizados, não pudessem ter os
mesmos direitos de cidadãos homens, brancos e metropolitanos,
foi necessário começar a inventar algo que, na natureza, justicasse
racionalmente as desigualdades exigidas pela política e pela economia
da ordem burguesa dominante (COSTA, 1995, p.7).
Assim, o primeiro componente para nossa análise é gênero. Consi-
deramos também um segundo componente: a dimensão relacional. Con-
forme Medrado e Lyra (2008, p.817), “[...] o gênero não pode ser pensado
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
245
como entidade em si, mas como construção interdependente” com outras
categorias como classe, etnia, geração e outras. Ressaltamos, além disso, de
acordo com os autores, que relacional não implica complementaridade,
mas assimetria de poder.
Segundo Medrado e Lyra (2008, p.817), é preciso reconhecer que
as análises baseadas na dimensão “[...] relacional do conceito de ‘gênero
permitem compreender ou interpretar uma dinâmica social que hierarqui-
za as relações entre o masculino e o feminino e não apenas entre homens
e mulheres, mas nos homens e nas mulheres”. Para tanto, conforme os
autores, e como indica Saoti (1997), para fugir das lógicas binárias e
polarizadas das relações de gênero entre masculino e feminino, é preciso
fazer a intersecção da categoria gênero com outros marcadores sociais, as
categorias de raça/etnia, idade, sexualidade, classe e condição socioeconô-
mica, dentre outras.
Os autores argumentam, ainda, relembrando Rosemberg (1996),
que é preciso considerar que não há um olhar estático sobre gênero, raça e
idade, tanto do ponto de vista da história social, como do ponto de vista
do ciclo de vida, da trajetória pessoal, temos que complexicar esse olhar
(MEDRADO; LYRA, 2008). Isto mostra a complexidade exigida ao ado-
tarmos a dimensão relacional de gênero que, em uma perspectiva feminis-
ta, tem o poder como dimensão central de análise, terceiro componente do
nosso marco referencial.
Esta perspectiva que tem inspirado os estudos de gênero na con-
temporaneidade foi inaugurada por Joan Scott (1995, p.82) que propõe
uma denição de gênero a partir da conexão integral entre duas pro-
posições: “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma
forma primária de dar signicado às relações de poder”.
Ou, ainda, “[...]
o gênero é um campo primeiro no interior do qual, ou por meio do qual,
o poder é articulado”.
Após apresentarmos brevemente as contribuições de vários autores
para o entendimento da categoria gênero, que exacerbam a distribuição
desigual do poder entre homens e mulheres como construído cultural-
Neusa Maria Dal Ri & Outros
246
mente, reetiremos sobre as contribuições do feminismo marxista para o
desvelamento do gênero no campo social que é onde se dá de fato as re-
lações desiguais entre os sujeitos e que tem contribuído para as reexões
feministas empreendidas pelas mulheres do MST.
fEminismo marxista
O surgimento dos movimentos feministas brasileiros acontece no
âmago da ditadura militar de 1964, concomitantemente às lutas democrá-
ticas contra a ditadura. Na década de 1970, os primeiros movimentos de
mulheres reivindicavam a sua inclusão nas oportunidades surgidas no país
naquele período, ocorridas com a modernização do sistema educacional e
a expansão do mercado de trabalho (SARTI, 2001).
Conforme expõe Moraes (2000, p. 89), o marxismo é considerado
uma das maiores revoluções teóricas que provocou profundas e irreversí-
veis mudanças no campo das ideias e no campo das práticas sociais. Arma
ainda que:
[...] a grande obra teórica do marxismo persiste sendo O Capital.
A análise da dinâmica da luta de classes e a especicidade de
funcionamento do modo de produção capitalista – a contradição
entre o crescente desenvolvimento das forças produtivas e as relações
de produção – permanecem válidas em todos os seus pressupostos e
desdobramentos. A tendência avassaladora do capitalismo; o impulso
ao aperfeiçoamento técnico; o inexorável crescimento da magnitude
do capital e sua centralização nas mãos de um número menor de
bilionários estão entre as leis denitivamente estabelecidas por Marx.
(MORAES, 2000, p. 89).
Conforme a autora, no tocante à questão da mulher, a perspectiva
marxista assume uma dimensão de crítica radical ao pensamento conserva-
dor. Em A origem da família, da propriedade privada e do Estado (ENGELS,
1984), a condição social da mulher ganha um relevo especial, pois a instau-
ração da propriedade privada e a subordinação das mulheres aos homens
são dois fatos simultâneos, marco inicial das lutas de classes. Nesse sentido,
o marxismo abriu as portas para o tema da opressão especíca, que seria
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
247
retomado e retrabalhado pelas feministas marxistas nos anos de 1960 a
1970. Moraes (2000, p. 89) expõe também que na obra
[...] Ideologia alemã, de 1846, a instituição da família aparece como
um dos momentos de passagem para a sociedade de classes. Esta
hierarquização processa-se no interior do próprio processo de trabalho
pois, como assinalam, Marx e Engels: a divisão do trabalho repousa
sobre a divisão natural do trabalho na família e sobre a separação da
sociedade em famílias isoladas e opostas umas as outras, – e esta divisão
do trabalho implica ao mesmo tempo na repartição do trabalho e de
seus produtos; distribuição desigual, na verdade, tanto em quantidade
como em qualidade; ela implica pois na propriedade; assim, a primeira
forma, o germe reside na família, onde a mulher e as crianças são
escravas do homem. A escravidão, ainda latente e muito rudimentar na
família, é a primeira propriedade
A autora busca, em outra obra, apoio para sua análise, destacan-
do que:
[...] no Manifesto Comunista, de 1848, Marx e Engels rearmam a
mesma identidade entre a opressão da mulher, família e propriedade
privada, preconizando a abolição da família como meta dos comunistas.
Assim, a ênfase na historicidade das instituições humanas permitiu a
compreensão da família como fenômeno social em que a divisão social
do trabalho é também uma divisão sexual entre funções femininas
e masculinas. Mais do que isso: abriu espaço para novos tipos de
projetos e relações entre os sexos. Com Engels e Marx, as feministas da
esquerda europeia, nos anos 1960-70, puderam construir uma ‘teoria
da opressão’ e partir para a luta. (MORAES, 2000, p.90)
Ressaltamos, ademais, na linha do que arma Moraes (2000) e a
literatura feminista quanto aos estudos de gênero, que a utilização desta ca-
tegoria de análise permite a reexão sobre o modo de ser/viver masculino e
feminino, sobre o processo de produção social do ser homem e ser mulher
em cada período histórico. A abordagem de gênero pressupõe o questio-
namento de padrões de comportamento, de ideias, de relações sociais, de
papéis sociais, que a sociedade estabelece como naturais. Neste sentido,
Louro (1997, p. 21-22) arma que:
Neusa Maria Dal Ri & Outros
248
[...] ao dirigir o foco para o caráter ‘fundamentalmente social’, não
há, contudo, a pretensão de negar que o gênero se constitui com
ou sobre corpos sexuados, ou seja, não é negada a biologia, mas
enfatizada deliberadamente, [...] a construção social e histórica
produzida sobre as características biológicas. [...] Pretende-se, desta
forma, recolocar o debate no campo do social, pois é nele que se
constroem e se reproduzem as relações (desiguais) entre os sujeitos.
As justicativas para as desigualdades precisariam ser buscadas
não nas diferenças biológicas (se é que mesmo essas podem ser
compreendidas fora de sua constituição social), mas sim nos
arranjos sociais, na história, nas condições de acesso aos recursos da
sociedade, nas formas de representação.
Desse modo, o conceito de gênero desmitica e desnaturaliza o
masculino e o feminino, tornando-se um importante instrumento de
análise das relações sociais, tornando-se uma ferramenta de luta contra as
desigualdades, na medida em que evidencia a assimetria de poder entre
homens e mulheres.
Para os movimentos engajados na luta contra as desigualdades, o
conceito de gênero mostra que é possível transformar essa realidade. Na me-
dida em que explicita que as relações de gênero são uma construção social, e
não uma consequência natural de diferenças biológicas, evidencia que estas
relações podem ser mudadas, que se podem construir novas relações.
Assim, a expressão relações de gênero, tal como vem sido utilizada
no campo das Ciências Sociais, designa, primordialmente, a perspectiva
culturalista em que as categorias diferenciais de sexo não implicam no re-
conhecimento de uma essência masculina ou feminina, de caráter abstrato
e universal, mas, diferentemente, apontam para a ordem cultural como
modeladora de mulheres e homens. Em outras palavras, o que chamamos
de homem e mulher não é o produto da sexualidade biológica, mas de
relações sociais baseadas em distintas estruturas de poder.
De acordo com Scott (1995), enquanto armação de que o sexo
biológico é sobredeterminado pelos valores e atributos que a cultura lhe
confere, a categoria gênero se presta tanto ao uso das feministas marxis-
tas como a de qualquer pesquisador(a) interessado(a) nas consequências
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
249
sociais da assimetria sexual. Já a perspectiva feminista ressalta a dimensão
da opressão universal sobre as mulheres, guardadas as diferenças regionais
e culturais e busca nas estruturas objetivas as marcas da desigualdade: as
mulheres ganham menos e trabalham mais, no conjunto da população
mundial, por exemplo. O marxismo, por sua vez, é a teoria que nos ajuda a
entender a natureza íntima do capitalismo, a lógica de seu desenvolvimen-
to, revolucionando permanentemente as condições de produção, especial-
mente através do aumento da produtividade o que, por sua vez, determina
a proletarização da maior parte da humanidade. De acordo com a litera-
tura e com o que temos constatado, na sociedade em geral, e inclusive no
MST, conforme relatado nas entrevistas, ainda persiste uma questão das
mulheres: os homens ainda concentram o poder econômico e político na
maior parte do mundo e as mulheres persistem sendo as grandes responsá-
veis pela família e pelo cuidar dos lhos, da casa e das nanças da família.
Apesar da constatação da distribuição desigual do poder entre ho-
mens e mulheres na sociedade, vamos destacar no próximo tópico a luta
que as mulheres do MST vêm desenvolvendo na busca de novas relações
sociais, reivindicando 50% de participação política em todas as instân-
cias de decisão do Movimento e também nas atividades de formação
(cursos e capacitações), conforme ressaltou Mafort (2014). Além disso,
reivindicam “[...] liberação do trabalho doméstico pela organização de
refeitórios coletivos, lavanderias comunitárias e Ciranda Infantil nas ati-
vidades do Movimento, dentre outros aspectos de natureza econômica.
(MAFORT, 2014).
o caminhar do mst nas quEstõEs dE gênEro
Conforme Silva (2004), as questões de gênero são incorporadas
às discussões do Movimento nos anos 2000. Nas duas décadas anteriores
prevaleceram as discussões relativas às mulheres, mas, mesmo assim, na
perspectiva da transformação da sociedade através de novas relações entre
os sujeitos, pois as preocupações em torno das mulheres ou das desigualda-
des de gênero não faziam parte das pautas especícas do MST. De acordo
com a autora, o MST foi inuenciado:
Neusa Maria Dal Ri & Outros
250
[...] pelos discursos de orientação marxista e ou socialista que
circulavam também nesse período davam sinais de que a ‘desigualdade
entre homens e mulheres, de alguma maneira, necessitava ser
contemplada como uma das etapas da revolução. Para Marx, em
proximidade com o pensamento de Fourier a ‘evolução de uma época
histórica é determinada pela relação entre o progresso da mulher e da
liberdade, [...] o grau da emancipação feminina determina diretamente
a emancipação geral’ (SILVA, 2004, p.88).
Portanto, os escritos do MST sobre transformação da sociedade po-
dem ser pensados também no interior das críticas ao socialismo. Isso por-
que nesses discursos observam-se não apenas investimentos numa pers-
pectiva do econômico, classe etc., mas sim outros entendimentos sobre os
indivíduos, suas relações. Desse modo, não só o político ou o econômico
fazem parte do projeto de sociedade, mas, sobretudo, uma outra valoriza-
ção do indivíduo, comportamentos, atitudes, afetividades.
Segundo Mafort (2013), desde a criação do MST, em 1984, existe a
discussão sobre como envolver os diferentes sujeitos da luta no processo or-
ganizativo: homens, mulheres, jovens, idosos, crianças. Conforme a autora:
Durante esse debate, a participação das mulheres se colocou como
desao para o MST. A organização de coletivos especícos de mulheres
e a discussão sobre sua situação de opressão de classe e de gênero foi
ao longo do tempo envolvendo o conjunto do Movimento, e foram na
verdade as condições para o debate de gênero. (MAFORT, 2013, p. 99)
É possível acompanhar a preocupação em promover a participação
das mulheres em todas as instâncias, setores e atividades do MST, ao longo
de sua história, um trabalho que, mesmo com recuos e rupturas, perma-
neceu insistindo numa mudança acerca do lugar do feminino na luta. De
acordo com Silva (2004), os assentamentos e acampamentos passaram a
ter inclusive a incumbência de constituir grupo de mulheres que discutam
questões especícas relacionadas à situação da “mulher no campo”.
Silva (2004) enfatiza que era possível acompanhar, em documen-
tos e relatórios das reuniões acontecidas no início da década de 1980, as
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
251
discussões que o MST vinha realizando, como um meio de organizar o
trabalho com as mulheres do Movimento. A autora arma que:
[...] nos Cadernos de Formação, a partir do 5º número, passaram
também a imprimir em suas páginas a preocupação em ‘inserir as
mulheres na luta’. Isso se observa nas guras que ilustravam suas
publicações ociais, onde a representação do feminino começa a ser
frequente, mesmo que no meio de 20 homens tenha apenas duas
mulheres. (SILVA, 2004, p. 86)
Para Mafort (2013), foi no I Congresso Nacional do MST, realiza-
do em 1985, que foram aprovadas, dentre as normas gerais, a organização
de comissões de mulheres do MST, para discutir problemas especícos,
particularmente:
[...] o estímulo à participação das mulheres em todos os níveis de
atuação, instâncias de poder e representatividade, assim como
combater toda a forma de discriminação das mulheres, a luta contra
o machismo, e todas as manifestações que impedissem igualdade de
direitos e condições das mulheres trabalhadoras. (MAFORT, 2013,
p. 100-101)
A preocupação do MST em avançar nas discussões sobre a questão
da mulher é corroborada por Silva (2004), ao apresentar as determinações
presentes, no capítulo VIII das Normas Gerais do MST, publicadas em
1989. Estas normas informam a preocupação de estabelecer e organizar
regras gerais que disciplinem a construção do novo (novo sujeito social),
em uma perspectiva de mudanças em suas relações. De acordo com a au-
tora, esse capítulo possui cinco artigos que versam sobre a articulação das
mulheres. Dentre eles, ela destaca:
51 – O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra deve estimular
a participação das mulheres em todos os níveis de atuação, em todas as
instâncias de poder, e de representatividade.
52 – Devemos combater todo e qualquer tipo de discriminação às
mulheres, em todas as atividades do Movimento, e lutar contra o
machismo em todas as manifestações que impeçam a igualdade de
direitos e condições das mulheres trabalhadoras.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
252
53 – Deve-se estimular a organização de comissões de mulheres dentro
do Movimento dos sem-terra, nos assentamentos e nos acampamentos,
para discussão dos seus problemas especícos. (SILVA, 2004, p. 87)
No trabalho de Silva (2004), a autora vai descrevendo as publica-
ções, os eventos que foram sendo realizados, ao longo dos anos, discutin-
do as questões relacionadas às companheiras até chegar à constituição do
Coletivo Nacional de Mulheres do MST, na segunda metade da década
de 1990. Conforme a autora, a organização desse grupo oportunizou um
maior número de materiais produzidos, além das discussões que busca-
vam fazer uma reexão mais teórica sobre a questão das mulheres. Malfort
(2013, p. 100) considera que o debate sobre o desao de construir novas
relações de gênero e a necessária vinculação com o componente de classe
contido no objetivo estratégico da Via Campesina e do MST levou essas
organizações ao encontro do legado feminista. Somente em fase posterior a
esse processo reexivo O Coletivo Nacional de Mulheres do MST procurou
incorporar em seu discurso a palavra gênero.
Corroborando com a análise de Silva (2004), Mafort (2013, p.101),
arma que:
[...] por meio da organização destas comissões e coletivos de mulheres
do/no MST, as lideranças femininas começaram a estudar e debater o
conceito de gênero a partir de meados dos anos 1990. A necessidade
de envolver o todo da organização neste debate deságua na criação do
setor de Gênero no Encontro Nacional do MST em 2000. Este teria a
tarefa de estimular o debate de gênero instâncias e espaços de formação
da organização, de produzir materiais, propor atividades, ações e lutas
que contribuíssem para a construção de condições objetivas para
participação igualitária de homens e mulheres e assim fortalecendo o
próprio MST.
É importante ressaltar que em 2003 foi publicada a cartilha Cons-
truindo novas relações de gênero – desaando relações de poder, coletânea de
textos sobre gênero, organizada pelo Setor Nacional de Gênero do MST,
que destaca na apresentação:
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
253
Dentro do MST a luta de gênero tem contribuído para ampliar a
participação feminina na luta de classes, porque as mulheres e homens
vão aprendendo que junto com a luta contra o capitalismo temos que
ir lutando contra o machismo, o racismo, ... porque se não rompermos
também estas cercas não podemos construir uma sociedade realmente
socialista (MST, 2005, p.7-8).
O Setor de Gênero informa também na apresentação que o interes-
se pela temática foi tanto que faltaram cartilhas e precisaram fazer a segun-
da edição em 2005. A cartilha apresenta em linguagem acessível o conceito
de gênero, o feminismo e a luta dos trabalhadores, alguns números das
desigualdades de gênero, situação da mulher brasileira e as linhas políticas
de gênero do MST.
Mafort (2013) esclarece que as linhas políticas de gênero do Mo-
vimento foram estabelecidas a partir do Encontro Nacional do MST. O
Setor de Gênero deniu as linhas políticas de gênero a serem implantadas
nos diversos espaços de atuação, dando ênfase tanto aos aspectos da luta de
gênero quanto da luta de classes e a transformação da sociedade. Destaca-
mos as linhas políticas de gênero do MST (2005, p.31):
1. Garantir que o cadastro e o documento de concessão de uso da terra
sejam em nome do homem e da mulher;
2. Assegurar que os recursos e projetos da organização sejam discutidos
por toda a família (homem, mulher e lhos que trabalham), e que os
documentos sejam assinados e a execução e controle também sejam
realizados pelo conjunto da família.
3. Incentivar a efetiva participação das mulheres no planejamento
das linhas de produção na execução do trabalho produtivo, na
administração das atividades e no controle dos resultados.
4. Em todas as atividades de formação e capacitação, assegurar que haja
50% de participação de homens e mulheres;
5. Garantir que em todos os núcleos de acampamentos e assentamentos
tenha um coordenador e uma coordenadora;
6. Garantir que em todas as atividades do MST tenha Ciranda Infantil;
7. Assegurar a realização de atividades sobre o tema gênero e classe em
todos os setores e instâncias do MST;
Neusa Maria Dal Ri & Outros
254
8. Garantir a participação das mulheres na Frente de massa e no
Sistema Cooperativista dos Assentados para incentivar as mulheres a
ir para o acampamento, participar das atividades no processo de luta, e
ser ativa nos assentamentos;
9. Realizar a discussão da cooperação de forma ampla, procurando
estimular mecanismos que liberem a família de penosos trabalhos
domésticos cotidianos, incentivando a organização de refeitórios,
lavanderias comunitárias etc.;
10. Garantir que as mulheres sócias de cooperativas e associações com
igualdade na remuneração das horas trabalhadas, na administração,
planejamento e na discussão política e econômica;
11. Combater todas as formas de violência, particularmente contra
as mulheres e crianças que são as maiores vítimas da violência no
capitalismo.
De acordo com Mafort (2013, p. 101), com a denição destas
linhas políticas:
[...] as mesmas passaram a fazer parte da vida das famílias sem-terra.
Ainda persistem muitos desaos na prática, mas a denição das linhas
fortalece e estabelece metas que o conjunto do Movimento deve atingir.
Isso possibilita um novo signicado à luta pela terra, onde todos e todas
se sentem sujeitos participantes de um processo de mudança.
Nas linhas políticas de gênero apresentadas, consideramos de suma
importância a garantia do nome do homem e da mulher no cadastro do do-
cumento de concessão de uso da terra. O MST propõe também a participa-
ção de 50% das mulheres nas instâncias de decisão e cursos de formação e ca-
pacitação. O documento propõe ainda que se discuta a cooperação de forma
ampla, procurando estimular mecanismos que liberem a família de penosos
trabalhos domésticos cotidianos, incentivando a organização de refeitórios,
lavanderias comunitárias, a necessidade das cirandas infantis em todas as
atividades do Movimento e o combate à violência, entre outros aspectos. No
tópico a seguir vamos buscar desvelar como as relações de gênero vêm sendo
vivenciadas a partir da coleta de dados no Assentamento Contestado.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
255
as rElõEs dE gênEro no trabalho, na família, na Educação E nas
instâncias Políticas do mst
Em todos os assentamentos, assim como no Assentamento Con-
testado, objeto de nosso estudo, a presença feminina foi de fundamental
importância, não apenas nos estágios iniciais do acampamento, mas tam-
bém na área desapropriada. As demandas por escola, espaços de lazer, pela
organização da comunidade/agrovila teve a presença e a pressão constante
das mulheres.
O Assentamento Contestado está localizado na Lapa, região me-
tropolitana de Curitiba, a leste do Estado do Paraná, cerca de 70 km da
capital. Seu território foi conquistado através da luta do MST no ano de
1999, após denúncias feitas ao Instituto Nacional de Colonização e Re-
forma Agrária (INCRA) contra a antiga empresa responsável pela proprie-
dade, a INCEPA, a qual mantinha muitas dívidas, principalmente com o
Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e não desenvolvia atividades
relacionadas à agricultura e pecuária. A empresa explorava essas terras para
reorestamento de espécies exóticas, como pinus e eucalipto, que eram
usadas para produzir carvão, destinado à geração de energia para sua fabri-
ca de cerâmica. (VALADÃO, 2012 apud FERNANDES; FACCO; 2015)
O assentamento é referência para o Movimento, pois naquela re-
gião há uma história de luta dos camponeses que foram injustiçados quan-
do, com o apoio dos coronéis da região, uma empresa norte-americana
construiu a estrada de ferro entre São Paulo e Rio Grande do Sul, o que
levou à denominada Guerra do Contestado.
Rezende (2014) informa que a Guerra do Contestado foi um con-
ito armado que ocorreu naquela região, entre outubro de 1912 e agosto
de 1916. O conito envolveu cerca de 20 mil camponeses que enfrentaram
forças militares dos poderes federal e estadual. Ganhou o nome de Guerra
do Contestado, pois os conitos ocorreram numa área de disputa territo-
rial entre os estados do Paraná e Santa Catarina. A estrada de ferro entre
São Paulo e Rio Grande do Sul estava sendo construída por uma empresa
norte-americana, com apoio dos coronéis (grandes proprietários rurais com
força política) da região e do governo. Para a construção da estrada de
Neusa Maria Dal Ri & Outros
256
ferro, milhares de família de camponeses perderam suas terras. Este fato
gerou muito desemprego entre os camponeses da região. Outro motivo
da revolta foi a compra de uma grande área da região por um grupo de
pessoas ligadas à empresa construtora da estrada de ferro. Esta propriedade
foi adquirida para o estabelecimento de uma grande empresa madeireira,
voltada para a exportação e, com isso, muitas famílias foram expulsas de
suas terras. Quando a estrada de ferro cou pronta, houve maior revolta
ainda, pois muitos trabalhadores que atuaram em sua construção, que ti-
nham sido trazidos de diversas partes do Brasil, caram desempregados.
Eles permaneceram na região sem qualquer apoio por parte da empresa
norte-americana ou do governo.
Após esta breve retrospectiva histórica do Assentamento Contes-
tado, apresentamos a descrição do mesmo. Conforme entrevista realiza-
da com Rezende (2014), o Assentamento Contestado atualmente possui
aproximadamente 150 famílias (teve início com 108 famílias que são as
ocialmente assentadas) e aproximadamente 600 pessoas. As famílias re-
sidem em 150 casas que foram construídas. A entrevistada explica que
foram construídas casas a mais do que as 108 famílias assentadas para os
lhos que se casaram e para outras pessoas que lá trabalhavam, mas não
são assentadas. A metragem da casa era de 42 m2 e hoje estão com 60 m2
em média. As mesmas foram ampliadas com verba do governo federal, no
início de R$ 2.500,00 em 2003, e em 2012 de R$ 8.000,00.
A entrevistada descreve também que o Assentamento foi dividido
em 11 mandalas/núcleos e a área total é de 3200 hectares. Os lotes são
individuais e há uma agrovila. As casas são próximas, pois se preocuparam
com a segurança e com o apoio dos vizinhos.
Conforme Rezende (2014), o assentamento tem uma cooperativa
para comercialização de produtos, como hortaliças, legumes e frutas agroe-
cológicos e orgânicos. A cooperativa teve início com uma associação e aos
poucos foi migrando para a cooperativa com oitenta famílias assentadas no
seu início. Atualmente são 280 sócios, pois, além dos assentados, a coo-
perativa possui a participação de sócios das comunidades dos municípios
vizinhos. Tem-se buscado a certicação do grupo em nível federal, pelo
órgão ECOVIDA. Na cooperativa há sete Núcleos de Agroecologia, que
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
257
fazem reuniões mensais, e cada uma ocorre em uma casa para acompanhar
os procedimentos exigidos pela certicação. Nem todos estão certicados,
alguns estão em fase de transição, pois o processo é longo para atender a
todas as exigências. Atualmente, a cooperativa tem 191 projetos de entre-
ga dos produtos no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE),
atendendo mais de 50 escolas com alimento orgânico e também projetos
com o Programa de Aquisição de Alimento (PAA). Consideramos importan-
tes estes programas, pois garantem uma renda xa anual para as famílias.
De acordo com Rezende (2014), a agroindústria está em fase nal
de acabamento, o prédio que foi construído com recursos dos cooperados
que conseguiram as máquinas com nanciamento conseguido através de
um apoio disponibilizado em uma emenda parlamentar federal. Hoje a
entrega é praticamente in natura, e com a agroindústria pretendem lavar,
cortar e embalar os produtos. Com as frutas como, por exemplo, o mo-
rango que já cultivam, pretendem fazer doces e compotas. Os assentados
consideram que com este procedimento haverá maior interesse, pois as
escolas preferem os alimentos limpos e cortados, além de gerar maior valor.
Segundo Maier (2014), no Assentamento Contestado existe a Es-
cola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), cujo foco é a formação
prossional e que oferece cursos de ensino superior, como o curso de Tec-
nólogo em Agroecologia e, também, o curso de Pedagogia da Terra, além
de cursos de formação política. Tem também no assentamento a Escola
Municipal do Campo Contestado que oferece o 1º ciclo do ensino fun-
damental e a educação de jovens e adultos (EJA) e o Colégio Estadual do
Campo Contestado que oferece o 2º Ciclo do Fundamental, Ensino Mé-
dio e EJA para o 2º Ciclo e o ensino médio.
Sob o aspecto das relações de gênero na família do Movimento,
conforme argumentou Rezende (2014), ainda permanecem relações ba-
seadas na estrutura patriarcal. Ela arma que embora existam ações na
perspectiva de reexões sobre as relações sociais de gênero, permanece
a organização tradicional de família com papéis diferenciados para ho-
mens e mulheres. Conforme a entrevistada, no Assentamento Contes-
tado: “[...] as relações tendem a ser mais igualitárias nas famílias mais
jovens. Nas famílias mais idosas, a relação é mais tradicional, encontra-se
Neusa Maria Dal Ri & Outros
258
mais diculdade na participação do homem nas atividades domésticas”.
(REZENDE, 2014).
Portanto, conforme a entrevistada permanece no trabalho domés-
tico os papéis diferenciados entre homens e mulheres, com alguns indícios
de mudanças nas famílias mais jovens.
Entretanto, podemos destacar o esforço que o Movimento vem
fazendo no sentido de colocar em prática que não existe trabalho de
homem e trabalho de mulher nas atividades desenvolvidas na escola. De
acordo com Rezende (2014), ao se referir sobre a organização e manu-
tenção da ELAA:
[...] nessa escola nós estamos vivenciando de companheiros que tem
que lavar roupas e que nunca precisaram fazer, pois a mãe fazia, tem
companheiros que aprendem e vão fazendo. Estamos organizando para
podermos discutir as questões de gênero, mais existe muita resistência
e aqui no assentamento não existe trabalho para mulher e para homem,
aqui todos fazem. Na escola toda dedicam uma hora do dia para manter
a organização e o funcionamento da escola. Um dos companheiros em
sua avaliação nos condenciou que em vinte e quatro anos nunca havia
lavado um banheiro, as atividades são coletiva e no coletivo vão se
discutindo e quebrando tabus.
Portanto, identicamos um esforço para construir novas relações
entre homens e mulheres nas atividades domésticas. Ainda, sob o aspecto
das relações de gênero no trabalho, as atividades desenvolvidas no lote e
na cooperativa são realizadas por mulheres, homens e crianças, embora a
proporção de participação das mulheres seja bem menor. Mafort (2014)
informa a predominância do trabalho das mulheres nos setores de educa-
ção e saúde.
Então existe a intencionalidade, mas o setor de produção,
comercialização, agroindústria ainda são predominantemente
masculinos e os setores de educação e saúde como maioria das
mulheres. [...] Entretanto, em geral, a produção dos quintais, das
hortas, dos pequenos animais, que ocupa as mulheres, tem muito valor
econômico, porque a família esta deixando de comprar, é o que vai
garantir a soberania alimentar para aquela família.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
259
Após estas considerações sobre as relações de gênero no trabalho, des-
tacamos as formas de lazer no Assentamento Contestado que são o campo de
futebol, quadra de vôlei, festas pontuais (aniversário do assentamento, festas
juninas, noites culturais dos cursos da ELAA com grupos de teatro e coral); a
cada conquista fazem uma grande festa, como quando conseguiram comprar
o caminhão da cooperativa. Existem algumas iniciativas, como os cursos de
dança e de teatro. Conforme Rezende (2014), os assentados têm consciência
de que precisam melhorar o lazer, ter espaço, querem fazer uma quadra coberta
e estão reformando o campo de futebol e tentando conseguir verbas para refor-
ma do Casarão
1
que cará como espaço cultural com exibição de lmes, teatro
e também como um Museu da Luta dos Camponeses pela terra.
Sob o aspecto das relações de gênero na educação, reiteramos que o
Assentamento possui a ELAA e a Escola Municipal do Campo Contestado, o
Colégio Estadual do Campo Contestado e a Ciranda Infantil Curumim. Não
existe escola de Educação Infantil no assentamento, permanece a luta por esta
etapa e a Ciranda funciona como provisória para as mães trabalharem.
Antes de debruçarmos especicamente sobre as relações de gênero
na educação, queremos destacar como o Movimento entende o processo
educacional. Conforme Rezende (2014):
[...] o Movimento Sem Terra desde sua origem preza pela educação,
talvez por ter consciência de uma educação pela necessidade, teve que
pensar em uma educação diferenciada para as crianças sem-terra. [...]
O respeito às famílias assentadas, o respeito às crianças e com isso o
MST viu a necessidade de avançar e aprofundar-se teoricamente na
educação transformadora. Nós trabalhamos na linha de Paulo Freire
e da pedagogia socialista que hoje são a base fundamentadora do
Movimento. Conhecer que foi oprimido pela classe, que luta pela
classe, que precisa ser formado para poder agir no acampamento e
lutar pela transformação social e pela reforma agraria. A transformação
social pela educação é uma cerca tão poderosa, quanto a cerca da terra,
os princípios são esses a auto-organização, precisamos entender qual
é a importância de se organizar. O MST vem de um processo de luta
e isso na escola não pode se perder. A escola trabalha esse processo
importante de luta com as crianças e elas participam dos núcleos na
escola, tem o de agronomia, agropecuária, de memórias, de relações
humanas, comunicação cultura e nanças.
1
A reforma do Casarão já foi efetuada.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
260
As entrevistadas deixaram evidenciada a importância da auto-or-
ganização e de exercitar a autonomia das crianças desde cedo, objetivando
construir um trabalho para a emancipação humana.
Conforme relato de Stanula (2014), há relação entre a cooperativa
e a escola, os (as) alunos(as) do Ensino Fundamental e do Ensino Médio
ajudam no trabalho do lote de cada família e também na escola.
Informaram ainda que são três eixos de formação: as relações hu-
manas; as relações afetivas; e reconstruir o gênero, mesmo que seja um
desao imenso, para toda a sociedade.
E que para os camponeses ... tem a questão do machismo que é muito
forte, tá muito ligado à concepção religiosa e construir isso nas relações
de educação é um desao permanente e intenso e diário. Reconstruir a
participação da mulher com a relação de trabalho, a escola parte disso
com a pedagogia socialista de Paulo Freire (MAIER, 2014)
Quando perguntamos a Rezende, Maier e Stanula (2014) se con-
teúdos a respeito da igualdade de gênero são trabalhados na escola, elas
argumentaram dizendo que “Não há atividade especíca, trabalham no
dia 8 de março”.
Mafort (2014), durante sua entrevista, também aponta que
[...] além da nossa luta cotidiana, temos dois momentos no ano em que
organizamos ações de enfrentamento ao capital, por Reforma Agrária
e contra toda forma de violência contra as mulheres: é no 8 de Março
– Dia Internacional das Mulheres e no dia 25 de novembro – Dia
Mundial de Combate à Violência Contra a Mulher.
Portanto, pelo que identicamos, a questão de gênero não é tra-
balhada como conteúdo especíco na escola, mas de modo pontual no
dia internacional da mulher e no dia do combate à violência contra a mu-
lher. Entretanto, identicamos a questão de gênero perpassando os modos
como são organizadas as atividades do Movimento.
Segundo Araujo (2011), a Pedagogia do MST, em suas formula-
ções, trata das questões de gênero reetindo as relações e seu vínculo entre
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
261
processos educativos mais amplos de organização da sociedade em suas
relações e estruturas organizativas. Neste sentido, a autora arma “[...] que
para a o MST as relações sociais são conteúdos e a educação é mais que
processo de ensino, é mais que escola. Ela corresponde a todas as práti-
cas formais e não formais que vêm sendo construídas na luta do MST”.
(ARAUJO, 2011, p.90)
Na concepção pedagógica do MST, a educação deve ser integrada e
articulada ao debate político e às problemáticas do campo onde se colocam
a questão da opressão e exploração da mulher, entre estas, as trabalhadoras
rurais.
Após estas considerações sobre as questões de gênero na educação
e, como destacamos anteriormente, as mesmas são trabalhadas no dia de
violência contra à mulher, queremos evidenciar o relato da entrevistada.
[...] do ponto de vista da violência, no acampamento, tem o regimento
interno discutido pelos acampados que não é permitido qualquer tipo
de violência, contra ninguém, homem, mulher e criança. A mulher se
sente muito protegida no acampamento. Não são poucos os casos de
companheiras que relatam que está participando da reunião, mas que
tem um problema em casa, que é agredida pelo companheiro. Mas,
no acampamento se ele agredir a mulher, ele vai embora, ele perde o
direito à terra. Isso ajuda a pensar mediações. Ela se sente protegida
pelo coletivo. Elas próprias começam a pensar outras formas de relação
com os lhos que não a violência. A gente ouve as crianças dizer que
a mãe batia direto e que aqui (no acampamento), se ela relar a mão
em mim, ela perde a terra. Isso vai forçando a construção de outras
relações (MAFORT, 2014).
Ainda sobre a questão da violência no Assentamento Contestado,
Rezende (2014) informou que:
[...] dentro da escola ou diretamente ligado à escola nunca teve nenhum
caso de agressão física, nem verbal, nesses quatro anos, violência
doméstica no assentamento quando acontece o pessoal encaminha
com processos de conscientização. Aqui no assentamento já se chegou
a reunir um coletivo de companheiras para expulsar um companheiro
que batia nela. Hoje a companheira esta aí, tocando o lote e cria os
lhos, feliz da vida.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
262
Pelo que pudemos apreender pela fala das entrevistadas, as mulheres
se sentem seguras no acampamento onde a dimensão coletiva é vivenciada
em todo momento e as regras são impostas e cumpridas. No Assentamento,
a dimensão coletiva vai sendo minimizada, os lotes acabam distanciando
as famílias e as mulheres cam mais expostas e vulneráveis à violência do-
méstica. Entretanto, o processo educacional vem buscando conscientizar
os sujeitos militantes contra qualquer forma de violência nas famílias.
Sob o aspecto das relações de gênero, nas instâncias políticas do
Movimento, destacamos a importância dos processos de formação para
que as mulheres possam assumir posições de liderança no MST.
Outra entrevistada, liderança feminina do Movimento e que foi
ex-dirigente do Coletivo Nacional de Gênero, arma que no nal da dé-
cada de 1990 “[...] contávamos com uma ativa participação das mulheres
na base do Movimento, mas nos espaços de decisão política era muito
masculinizado”. (MAFORT, 2014)
Mafort (2014) relatou a diculdade e a luta pelo processo de for-
mação das mulheres no Movimento.
[...] em relação aos cursos de formação, os primeiros cursos tinham
muitos homens, pois os cursos são estendidos, prolongados, em torno
de 30 dias. Como na nossa sociedade a mulher deixaria a casa e lhos
por esse período? Em uma sociedade que o trabalho doméstico e as
crianças são atribuídos às mulheres. Neste momento, isso ainda na
década de 1990, foi discutido as condições necessárias para a mulher
poder atuar no Movimento. (MAFORT, 2014)
Ainda que identiquemos todo um esforço do Movimento, desde
a década de 1980 neste sentido, destacamos a diculdade de participação
das mulheres em eventos e várias atividades do MST, pois as mães não têm
onde deixar as crianças. Foi criada a Ciranda e, aos poucos, a mesma foi se
constituindo como um tipo de escola itinerante em tempo integral orga-
nizada pelo MST durante suas atividades de mobilização para assegurar as
condições da participação das mães, sendo um espaço educativo destinado
aos Sem Terrinha, que junto com a família participam das atividades, even-
tos e mobilizações dos Sem Terra.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
263
Em relação às cirandas infantis, segundo Mafort (2014)
[...] ainda na década de 1990, foi discutido as condições necessárias
para a mulher poder atuar no Movimento. A partir desta discussão
foram criadas as cirandas infantis e outras iniciativas visando a
liberação da mulher de seu trabalho com casa e lhos para atuação/
formação para o Movimento. Como exemplo, cito como exemplo
do que acontecia na Fazenda Reunidas, em Promissão/SP. Tivemos
experiência de cozinha coletiva que servia as refeições no almoço e a
tentativa incipiente de lavanderia coletiva e a cooperativa. As mulheres
eram sócias da cooperativa e teve uma discussão que horas de trabalho
das mulheres deveriam ser reconhecidas como a dos homens.
Portanto, as medidas concretas avançam à medida que os proble-
mas são identicados, e as propostas e tentativas para solução buscam ser
viabilizadas. Do mesmo modo que as cirandas, a demanda por educação
infantil no MST teve origem a partir da necessidade das mães participarem
das atividades, capacitações e trabalho nas cooperativas do Movimento.
Diante das diculdades, dos acertos e erros, das idas e vindas, o
MST foi entendendo a necessidade de avançar para a organização das ci-
randas permanentes nas áreas de assentamento e acampamentos para uma
maior participação das mulheres. O Setor de Educação abraçou a luta pela
Educação Infantil, envolvendo outros aspectos como o tipo de educação
necessária à formação da infância.
Portanto, as cirandas infantis foram fundamentais para que o
processo de formação das mulheres fosse viabilizado. De acordo com
Mafort (2014):
[...] tivemos que trabalhar um processo de formação das mulheres,
projeção de liderança, fala pública, para que as mulheres pudessem
estar nesta posição. Este processo foi desenvolvido antes do ano de
2006 e então tivemos um coletivo de mulheres muito preparadas para
esta posição na Direção Nacional do Movimento.
De acordo com Mafort (2014), a participação feminina foi aumen-
tando, particularmente após a denição das linhas políticas de gênero de-
nidas pelo MST em 2005 e já citadas anteriormente. Atualmente:
Neusa Maria Dal Ri & Outros
264
[...] o Movimento dene as políticas de gênero, entre elas que em
cada Núcleo de Base tenha um homem e uma mulher. Mas, na
Direção Política do Movimento isto só ocorreu a partir de 2006. Foi
denida a composição de 02 pessoas por Estado onde o MST está
organizado, sendo um homem e uma mulher. Só a partir deste ano,
2014, conseguimos em nível nacional a participação das mulheres, pois
a Direção nacional tinha em sua trajetória de direção que os melhores
eram homens.
Portanto, pelos relatos obtidos nas entrevistas, identicamos que o
esforço depreendido pelas mulheres para ocuparem seus espaços na direção
política do movimento foi imenso.
conclusão
As constatações da pesquisa de campo levam-nos a armar que a
busca pela igualdade de gênero é um projeto em construção no Assenta-
mento estudado. Como vimos, as mulheres reivindicam 50% de participa-
ção política em todas as instâncias de decisão do Movimento e também nas
atividades de formação (cursos e capacitações). Para que esta participação
seja possível, também propõem organização de refeitórios coletivos e la-
vanderias comunitárias, além da Ciranda Infantil nas diversas atividades
do Movimento.
Pudemos constatar que já houve mudanças no sentido da igualda-
de de gênero nestas questões, inclusive, durante os cursos de formação e
em outras atividades desenvolvidas coletivamente, todo o trabalho é com-
partilhado por homens e mulheres, na cozinha, na limpeza de banheiros
e em outras atividades. Isto foi observado tanto em um curso de forma-
ção política para jovens da América Latina, quanto nas escolas de Ensino
Fundamental e Médio, nas quais, por exemplo, há também os Núcleos de
Base, com envolvimento de todos os alunos e alunas, de todas as idades,
que têm um papel ativo em todos os processos educacional e funcional da
escola. Isto demonstra avanços conseguidos a partir da luta das mulheres
do Movimento, no sentido de serem reconhecidas como lutadoras pela
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
265
terra, iguais aos homens, incluindo a perspectiva de gênero no projeto po-
lítico do Movimento, inclusive na educação.
A educação no Assentamento Contestado foi e continua sendo
uma das lutas das mulheres. Pelo depoimento da atual diretora da escola
de Ensino Fundamental (2014), que atuou por dez anos gratuitamente
como docente, desde a fundação da escola, sem um espaço especíco para
as aulas, pudemos constatar que a luta persiste até o momento. Conforme
armou, há sempre a ameaça, por exemplo, de fechamento da escola pelo
fato de não ter um número grande de estudantes.
Apesar das diculdades enfrentadas pelo MST para o desenvolvi-
mento das questões de gênero em seu interior, no cotidiano de homens
e mulheres de carne e osso, cabe destacar o avanço obtido com a titulação
conjunta da terra para lotes de assentamentos, instituído com a Portaria
n. 981/2003 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
Essa garantia permitiu à mulher usufruir da renda e dos benefícios sociais
e econômicos e se colocar em condições de igualdade para gerir os créditos
e projetos agrícolas. (ARAUJO, 2011, p.139)
Como constatamos, o MST vem incorporando as questões de gê-
nero em sua política e em seus discursos. Assim, tem procurado avançar no
sentido da igualdade de gênero, não importa se no interior de estratégias
políticas ou econômicas. Entretanto, as antigas e sedimentadas estruturas
de poder, que se constituem em cultura, portanto, entendidas como na-
turais, impõem ainda, como na sociedade mais ampla, a necessidade do
Movimento repensar e, sobretudo, transpor os limites em que as relações
entre homens e mulheres estão colocadas.
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Claudia de Pádua Sabia e Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo. Assentamento
Contestado, Lapa, PR: 3 arquivo mp3 (1:30). Entrevista concedida ao Projeto
Concepções teórico-práticas de educação e trabalho no Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST).
STANULA, Noemir Vanderlindo Leineker. Noemir Vanderlindo Leineker: depoimento
[out. 2014] . Entrevistadoras: Claudia de Pádua Sabia e Tânia Suely Antonelli
Marcelino Brabo. Assentamento Contestado, Lapa, PR: 2 arquivo mp3 (1:30).
Entrevista concedida ao Projeto Concepções teórico-práticas de educação e trabalho no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
REZENDE, Simone Aparecida. Simone Aparecida Rezende: depoimento [out., 2014].
Entrevistadoras: Claudia de Pádua Sabia e Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo.
Assentamento Contestado, Lapa, PR: 3 arquivo mp3 (1:30). Entrevista concedida
ao Projeto Concepções teórico-práticas de educação e trabalho no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
MAFORT, Kelli Cristine de Oliveira. Kelli Cristine de Oliveira Mafort: depoimento
[Nov.2014]. Entrevistadoras: Claudia de Pádua Sabia e Tânia Suely Antonelli Marcelino
Brabo. FFC/UNESP, Campus de Marília:4 arquivo mp3(2:00). Entrevista concedida
ao Projeto Concepções teórico-práticas de educação e trabalho no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
269
Educação do camPo no instituto dE
Educação josué dE castro: a formação dE
EducadorEs no intErior do movimEnto dos
trabalhadorEs rurais sEm tErra
Julio Cesar Torres
Silvia Aparecida de Sousa Fernandes
introdução
O tema Educação do Campo tem se constituído em objeto de in-
vestigação em dissertações, teses, projetos de pesquisa realizados no âmbi-
to de universidades e no interior dos movimentos sociais. Desde os anos
1990, devido às manifestações dos movimentos sociais e às tentativas de
cunhar o termo educação do campo em oposição à concepção de educação
rural prevalecente no país desde os anos 1940, inúmeras pesquisas foram
realizadas com o intuito, muitas vezes, de apresentar experiências e práticas
pedagógicas, analisar casos especícos de educação do campo realizados
por movimentos sociais do campo e pequenos agricultores. Outras pes-
quisas, de cunho mais geral, procuravam analisar os fundamentos pedagó-
gicos, as políticas educativas e de nanciamento da educação do campo.
Algumas pesquisas dedicaram-se a analisar especicamente a educação do
Neusa Maria Dal Ri & Outros
270
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e as experiências
realizadas em escolas do campo e escolas itinerantes, nos assentamentos e
acampamentos organizados pelo MST. Poucas pesquisas tiveram por obje-
tivo analisar a formação de educadores do MST.
A educação para os trabalhadores do campo é uma das bandeiras de
luta do MST, desde a sua constituição como movimento social. A conquis-
ta da terra é a principal frente de atuação do Movimento, mas faz parte de
um projeto de transformação social que pensa o acesso à educação, porém,
não a educação elitista, mas, sim, a educação que leva em consideração as
necessidades e especicidades dos trabalhadores do/no campo. A conquista
da Educação do Campo e da Terra para o trabalho, portanto, faz parte de
um mesmo processo, que orienta as práticas do Movimento.
Ao reivindicar uma educação popular, não voltada às elites e que
atenda às necessidades dos trabalhadores do campo, o MST promoveu a
criação de escolas e cursos de formação próprios, cursos em parceiras com
universidades, e escolas do campo em parcerias com governos estaduais e
municipais. Em geral, as escolas de educação básica consideradas do MST
são escolas municipais ou estaduais que contam com a gestão e atuação
docente de prossionais que integram e/ou são formados pelo Movimen-
to, compartilham e simpatizam com os ideais do Movimento
1
. Os cursos
de formação de nível técnico ou superior são realizados em parceria com
universidades, e ocorrem em escolas do Movimento ou nas universidades.
Uma das estratégias do MST para contar com educadores e ges-
tores integrados aos ideais do Movimento foi a realização de cursos de
formação inicial, de nível técnico e superior. Um desses espaços for-
mativos é o Instituto de Educação Josué de Castro (IEJC), situado no
município de Veranópolis, Rio Grande do Sul, criado em 1995 e reco-
nhecido legalmente pelo Conselho Estadual de Educação em 1997. Os
documentos e publicações do IEJC apresentam-no como resultado de
uma “[...] disposição coletiva de construir uma escola dos trabalhado-
1
Conforme entrevista concedida aos pesquisadores em dezembro de 2014 por Diana Darós, então Diretora
do Instituto de Educação Josué de Castro (IEJC). A entrevista foi realizada na sede do próprio Instituto, no
município de Veranópolis (RS).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
271
res, com um projeto formativo ncado em suas lutas e forjado por seus
protagonistas”. (CALDART, 2013, p. 20)
Neste texto, o objetivo é apresentar uma trajetória da formação de
educadores pelo MST, a partir da análise da atuação do IEJC. Apresen-
tam-se os resultados da investigação realizada sobre a formação de educa-
dores do MST, como parte do projeto de pesquisa mais amplo.
No âmbito do eixo de Formação de Educadores
2
, deniu-se por
objetivo entender de que maneira ocorre e é formulada a política de for-
mação dos educadores no interior do Movimento, descrever os princípios
pedagógicos do MST e investigar as políticas que subsidiam a formação de
educadores no/pelo Movimento.
A investigação foi realizada a partir de pesquisa bibliográca e do-
cumental, além de entrevistas com gestores e educadores do IEJC e do
MST. Realizou-se, inicialmente, amplo levantamento bibliográco a res-
peito do tema formação de professores no MST. O levantamento biblio-
gráco inicial nos levou a reconsiderar as palavras de busca para a pesquisa
bibliográca, tendo em vista que a maior parte dos artigos e livros que
tratam da temática pesquisada, bem como os documentos ociais de Edu-
cação do Campo utilizam o termo educador e não professor. Deniu-se,
desse modo, que adotaríamos na pesquisa o uso da expressão formação de
educadores, pois entendemos que essa denominação traz, em si, parte dos
princípios educativos do Movimento. Entender a formação de educadores
na concepção do MST e suas experiências formativas passou a ser a nossa
preocupação central de pesquisa. Neste texto, limitamo-nos a contextua-
lizar historicamente a origem do tema para o Movimento, evidenciar a
diferença entre a concepção de formação de professores e de formação de
educadores no interior da proposta de educação do MST, e descrever al-
gumas das experiências de formação de educadores pelo MST, a partir das
ações do IEJC.
A pesquisa bibliográca, realizada a partir dos termos educação do
campo, formação de educadores, formação de educadores do campo em perió-
dicos qualicados na área de Educação, considerou, também, a trajetória
2
Integrava o eixo, além dos autores deste texto, a discente Luciana da Silva Rocha, do curso de Ciências Sociais
da FFC/Unesp, bolsista de Iniciação Cientíca CNPq.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
272
de pesquisadores vinculados ao MST, como, por exemplo, Roseli Salete
Caldart (1997, 2013), João Pedro Stédile (2001) e Bernardo Mançano
Fernandes (2000, 2007), além de dissertações e teses sobre o tema.
O levantamento bibliográco de teses e dissertações foi realizado
na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), organizada pelo
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Bus-
camos os termos formação de educadores, educação do campo (1 registro),
formação de educadores do campo (16 registros), formação de educadores (217
registros, dos quais apenas 21 abordavam a formação de educadores do
campo), educação do campo (325 registros). É importante mencionar que
as teses e dissertações que versam sobre Educação do Campo, em grande
número, não tratavam da educação do MST, nossa temática de investiga-
ção. Desse levantamento inicial, selecionamos 11 dissertações e teses para
análise, pois se aproximavam da nossa temática de pesquisa, as quais foram
incorporadas à produção deste texto.
A pesquisa documental percorreu a análise de documentos espe-
cícos da Educação do Campo e dos cadernos e documentos do MST.
Foram analisados os seguintes documentos: Caderno de Educação n° 8
(MST, 1996); Caderno de educação nº 9 (MST, 1999); Boletim de Edu-
cação n° 8 (MST, 2001); Cadernos do ITERRA n. 1 (ITERRA, 2001a),
n. 2 (ITERRA, 2001b), n. 10 (ITERRA, 2004b), n. 11 e 13 (ITERRA,
2007); Proposta metodológica do curso de magistério turma VI do IEJC,
turma de 1997 (ITERRA, 2002).
Realizamos, também, entrevistas semiestruturadas com dirigentes
do MST e pesquisadores que investigam o MST e a Educação do Campo.
As entrevistas realizadas com a diretora do IEJC, Diana Darós, e com o
Coordenador do Setor Nacional de Produção do MST, Daniel Pereira
3
,
foram de fundamental importância para as análises. No âmbito do proje-
to de pesquisa como um todo foram realizadas, também, entrevistas com
Bernardo Mançano Fernandes (2014), Alexandre Santos (2013), Maria
Orlanda Pinassi (2013) e outros pesquisadores e lideranças do MST.
 As entrevistas e a pesquisa documental foram realizadas na sede do IEJC, no mês de dezembro de 2014.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
273
trajEtória da Educação do camPo E formação dE EducadorEs
no mst
A proposta educacional do MST faz parte das reexões do Movi-
mento desde as primeiras ocupações e assentamentos, pois crianças e adul-
tos precisavam de escolas, mesmo nas condições de escassez de recursos
materiais nos acampamentos. Além disso, os integrantes do movimento
social tinham clareza de que as escolas oferecidas pelo Estado nas áreas
urbanas não atendiam às necessidades dos trabalhadores do/no campo.
O documento do ITERRA nº 1, com o título Memória Cronológica
do ITERRA (ITERRA, 2001a), apresenta que, em 1988, o Movimento
iniciou os debates para a criação de uma escola dos movimentos popula-
res do campo no Rio Grande do Sul, o que se efetivou com a criação do
Centro de Tecnologias Alternativas Populares (CETAP), em Sarandi (RS),
e a Fundação de Desenvolvimento, Educação e Pesquisa da Região Celei-
ro (FUNDEP), cujo Departamento de Educação Rural (DER), com sede
em Braga (RS), propôs a realização de seminários temáticos e de Curso de
Magistério, de nível médio, iniciado em 1990. No mesmo ano, o Coletivo
Nacional do Setor de Educação reuniu-se para desencadear o processo de
elaboração da proposta de Educação do MST e, em 1991, foi publicado o
documento Caderno de Formação n° 18, com o título “O que queremos
com as escolas dos assentamentos”. (ITERRA, 2001a, p. 7-17).
Foi neste ambiente que o MST formulou um projeto educacional
cujos objetivos mais relevantes são: educar as pessoas para o
trabalho coletivo; estimular a permanência dos jovens no campo;
e possibilitar uma formação política e ideológica aos assentados.
(DAL RI, 2004, p. 27)
Com base nas experiências das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs),
relatadas nos seminários realizados pela FUNDEP, o MST organizou
cursos de magistério nos municípios de Braga e Três Passos, tendo como
um dos princípios organizadores a alternância entre Tempo Escola (TE)
e Tempo Comunidade (TC). Esses cursos são considerados as primeiras
experiências do Movimento em formação de educadores, e destinavam-se
a educadores que atuavam nas escolas do campo e à formação de adultos.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
274
Na concepção do MST, a Pedagogia da Alternância é um princípio
pedagógico e de organização das escolas do campo, que possibilita a forma-
ção integral do educando, pois articula teoria e prática, numa concepção
que ressalta o trabalho como princípio educativo e formativo.
Vale ressaltar, contudo, que, nos documentos iniciais do MST, a de-
nominação Educação do Campo não está presente. Os documentos se refe-
rem à educação popular para o meio rural (ITERRA, 2001a, p. 29), escolas
do meio rural (ITERRA, 2001b, p. 10), educação para os povos do campo.
A expressão Educação do Campo, como sinônimo da identidade e modelo
de educação reivindicada pelos movimentos sociais, passou a ser cunhada no
nal dos anos 1990, com a realização da I Conferência Nacional por uma
Educação Básica do Campo. Em 2004, realizou-se a II Conferência Nacio-
nal por uma Educação Básica do Campo, rearmando a expressão.
Fruto da organização dos movimentos camponeses, essas conferên-
cias são um marco na denição de uma agenda política para a Educação
do Campo. Nota-se que, nessas primeiras conferências, a luta ainda estava
centrada na Educação Básica do Campo, o que mudou no início dos anos
2000, com a instituição do Programa Nacional da Educação para a Reforma
Agrária (PRONERA), que nancia a realização de cursos de formação em
nível superior, além de cursos de nível médio integrado ao prossionalizante.
A promulgação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica
nas Escolas do Campo, Resolução CNE/CEB n° 1/2002 (BRASIL, 2002),
e das Diretrizes Complementares para a Educação do Campo, Resolução
CNE/CEB n°02/2008 (BRASIL, 2008) é resultado da organização e do
debate político promovido por esses sujeitos sociais coletivos. Nesse senti-
do, “[...] as Diretrizes Operacionais têm o signicado de construção demo-
crática na forma de ampliação do Estado como espaço, por excelência, da
política.” (MUNARIN, 2006, p. 19).
Vendramini (2007, p. 123) alerta, contudo, que:
É preciso compreender que a educação do campo não emerge no vazio
e nem é iniciativa das políticas públicas, mas emerge de um movimento
social, da mobilização dos trabalhadores do campo, da luta social. É
fruto da organização coletiva dos trabalhadores diante do desemprego,
da precarização do trabalho e da ausência de condições materiais de
sobrevivência para todos.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
275
Caldart (1997) ilustra a preocupação com a educação em quatro
períodos. No primeiro período, de 1979 a 1984, as preocupações eram
com a educação em acampamentos, já que crianças acampadas necessita-
vam de escolas, porém, não uma escola comum, mas uma escola que aten-
desse às necessidades de valorização dos trabalhadores do campo.
Um fato que certamente contribuiu para que a preocupação coletiva
aumentasse foi o de que em algumas escolas de assentamentos
começaram a trabalhar professoras/es de fora que desconsideravam
toda a história daquelas famílias, muitas vezes tentando fazer com
as crianças um trabalho ideológico contra a Reforma Agrária. Talvez
tenha sido este conito uma das origens da discussão sobre o que
seria chamado depois de uma escola diferente.
(CALDART, 1997, p. 31 grifo da autora).
O segundo foi o período de 1985 a 1988/89, com a criação do
Setor de Educação e início da articulação nacional. Em 1987, um En-
contro ocorrido no Espírito Santo, com a participação de representantes
de sete estados, levantou duas questões para a elaboração pedagógica: “O
que queremos com as escolas de assentamentos? e como fazer a escola que
queremos? Ou seja, uma dupla combinada preocupação: com as diretri-
zes políticas de nossa luta no campo, e com a ação cotidiana nas escolas
existentes”. (CALDART, 1997, p. 32) Também foi nesse período que o
Setor de Educação organizou a luta pela escola pública de 1ª a 4ª séries nos
assentamentos, além de unir professores e representantes das comunidades
para discutir a concepção de escola diferente.
O terceiro período compreendeu os anos de 1989 a 1994, no qual
ocorreu, segundo Caldart (1997), um avanço organizativo e de elaboração
pedagógica. Acontecimentos como a constituição de um Coletivo Nacio-
nal de Educação, o início da primeira turma do Curso de Magistério em
1990, o início do registro da proposta de educação para assentamentos,
por meio dos Cadernos de Formação, e a abertura de frentes de trabalho
para a Educação de Jovens e Adultos e Educação Infantil são marcantes
nesse período.
O quarto período iniciou-se em 1995, e ainda está em curso. Esse pe-
ríodo é marcado pela “[...] consolidação das novas frentes de trabalho e de novas
Neusa Maria Dal Ri & Outros
276
formas de organicidade e de relações externas para viabilizá-las”. (CALDART,
1997, p. 37, grifos da autora) Em 1996, foram conquistados convênios e
parcerias nacionais e estaduais. Assim, é possível dizer que a luta e a ideolo-
gia do MST contribuíram para a escola diferente, uma vez que o Movimento
almejava uma educação que promovesse a formação crítica e a emancipação
dos trabalhadores do/no campo, alinhada aos seus propósitos.
A sistematização desses propósitos aparece no Caderno de Educa-
ção n. 8, denominado Princípios da educação no MST. Esses princípios são
divididos entre losócos e pedagógicos. O primeiro diz respeito à visão
de mundo, à concepção de pessoa humana, à sociedade e ao entendimento
do que é a educação pelo Movimento. Remete aos objetivos estratégicos do
trabalho educativo no MST. O segundo se refere ao modo de pensar e fazer
a educação com a nalidade de se concretizarem os princípios losócos.
(MST, 1996, p. 4)
Dentre os diversos princípios defendidos no citado documento,
destacamos para a nossa discussão o princípio da Criação de coletivos peda-
gógicos e formação permanente dos educadores. Nesse princípio, é ressaltada
a importância da reunião dos educadores em coletivos pedagógicos para
discutirem práticas de educação a m de melhorá-las, além de reuniões
de educadoras e educadores para estudo, planejamento e avaliação de suas
aulas. “Sem uma coletividade de educadores não há verdadeiro processo
educativo”. (MST, 1996, p. 21)
De acordo com Fernandes (2014), em entrevista concedida aos
pesquisadores do Projeto, em grande medida, as escolas do MST são con-
troladas pelo Estado. E, na maioria das vezes, as autoridades não aceitam
que a comunidade proponha como deve ser. Apenas 10% das escolas, no
máximo, têm hegemonia do MST: “[...] no Pontal, temos 20 escolas. O
MST controla 1 ou 2. A comunidade só se interessa quando o professor é
forte, bem organizado”.
[...] o MST, e por consequência sua concepção de Educação do
Campo, busca na proposta e na prática da Pedagogia Socialista
Soviética elementos como atualidade, auto-organização e
coletividade que têm se rmado nos principais diferenciais de seu
fazer pedagógico. Conforme D’Agostini (2009, p. 117), ‘Tanto
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
277
nos documentos como em alguns cursos formais de formação de
professores é clara a inuência da experiência do leste europeu com os
pedagogos socialistas (Krupskaia, Pistrak, Makarenko, sob orientação
de Lênin)’. (VERDÉRIO, 2013, p. 52).
Desse modo, a escola é entendida como um lugar de estudo e de
trabalho. Além do trabalho na gestão da escola, o MST também organiza
trabalhos ligados à terra, como cuidar do pomar, de uma horta, a cria-
ção de animais, e em agroindústrias. A prática dessas atividades levaria a
criança a ter noção da importância social do trabalho (MST, 1999). Na
concepção de Verdério (2013), a Pedagogia do Movimento é inuenciada
pela Pedagogia Socialista e pela Educação Popular:
Duas experiências históricas da luta da classe trabalhadora que têm
orientado a luta e o fazer da Educação do Campo no Brasil, são as
experiências da Pedagogia Socialista e da Educação Popular. Também,
tem sido referência para a luta por uma Educação do Campo a
Pedagogia do Movimento. No âmbito da Pedagogia Socialista, a luta por
uma Educação do Campo tem buscado elementos como atualidade,
auto-organização e coletividade. No âmbito da Educação Popular, a
Educação do Campo rma-se na leitura da realidade e na atuação
política sobre ela. No âmbito da Pedagogia do Movimento, o próprio
Movimento Social é tido como o sujeito educativo por excelência.
(VERDÉRIO, 2013, p. 42)
Partindo desse pressuposto, da realidade do trabalhador rural, a
Pedagogia do Movimento é considerada revolucionária por assumir o
desao de proporcionar escolarização para que o camponês se desenvolva
política e socialmente, para militar em prol de seus interesses como as-
sentado ou acampado.
A proporção de educadores leigos no campo atuando no ensino fun-
damental, de 1ª a 4ª séries, declinou acentuadamente no período de 2002 a
2005. De fato, esse grupo diminui de 8,3% para 3,4% do total de educado-
res em exercício nas escolas do campo. No entanto, devemos considerar, ain-
da, como leigos, aqueles educadores que, apesar de terem formação em nível
médio, não são portadores de diploma de ensino médio normal ou superior:
“[...] embora a formação superior formal não garanta por si as condições
Neusa Maria Dal Ri & Outros
278
necessárias para a docência, proporciona um maior nível de compreensão,
principalmente de conceitos complexos, que compõem os próprios materiais
editados pelo MST”. (MARTINS, 2004, p. 103).
É grande a preocupação do MST em ter educadores preparados
para contribuírem com o “[...] acompanhamento político e organizativo,
e acompanhamento pedagógico para garantir que as escolas não percam o
vínculo com o Movimento e realizem um projeto educativo coerente com
a realidade dos Sem Terra e com os valores construídos em sua organiza-
ção”. (MST, 2001, p. 5) Tendo em vista que o Movimento entende que
a ação faz parte da dimensão educativa, o MST forma seus educadores
por meio da coletividade e da auto-organização, além de considerar a im-
portância de cultivar em si e nos educandos a “sensibilidade humana, os
valores humanos” (MST, 1999, p. 11). Para ser educador(a) em uma escola
do MST, é preciso ser:
[...] conhecedora da realidade do campo e sensível aos seus problemas;
a favor da reforma agrária, lutadora do povo e amiga ou militante
do MST. É preciso se desaar a compreender a história do MST e
a conhecer as marcas deste Movimento, que é político e pedagógico
ao mesmo tempo. Isto implica em procurar entender a cada dia os
traços do MST que em seu movimento constrói a sua identidade: o ser
Sem Terra. Isto exige: sensibilidade humana e abertura para reeducar
nas relações os seus valores; disposição de participar de um processo
construído coletivamente pelas educadoras nele inseridas, com a
participação ativa dos educandos e de toda a comunidade; capacidade
de trabalho cooperado, de ser um coletivo educador; romper com a
visão de repasse de conteúdos e se desaar a trabalhar saberes e a tratar
pedagogicamente a luta, o trabalho, a vida como um todo. (MST,
1999, p. 16-17)
Visando à formação de educadores, o MST sugere que “[...] todas
as educadoras precisam de uma formação diferenciada e permanente em
vista de compreender seu papel no processo educativo, por isto devem
participar pelo menos do coletivo das educadoras”. (MST, 1999, p. 17). A
participação nesses coletivos seria impraticável para professores urbanos e
sem vínculo com o Movimento, pois, devido aos seus contratos com o Es-
tado, não seriam liberados para exercer tal atividade. Sobre o cultivo desses
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
279
valores que rearmam e valorizam a identidade sem-terra, Beltrame (2002,
p. 20-21) assevera que “[...] o MST, porém, aposta numa escola que con-
tribua para a armação desse mundo, na medida em que promove a cultu-
ra camponesa, trazendo para as práticas escolares seus saberes e riquezas”.
Nesse sentido, reiterando os desaos da formação de educadores,
em entrevista, Alessandro Santos (2013) arma que, devido à rotatividade
de educadores, é preciso retomar a formação todo ano.
Retomar a proposta pedagógica, questionar o Estado para a xação
de professores, luta por concursos públicos próprios para educação do
campo, na tentativa de que tenham mais tempo, um contrato especíco
[temporário], mas que possa permanecer mais na escola.
Além disso, arma que a “[...] escola também tem diculdades,
professores do quadro que não compartilham das mesmas perspectivas que
temos de formação etc” (SANTOS, 2013). Embora haja desaos, proble-
mas de infraestrutura na Educação do Campo, Santos (2013) revela que
o MST tem escolas com bom desempenho, como é o caso das escolas
itinerantes, porque têm o controle total do MST, além de possuir edu-
cadores formados pelo Movimento. A despeito de diculdades materiais,
com relação ao pedagógico, arma que as escolas do Movimento são mais
avançadas do que as escolas ligadas aos sistemas municipais ou estaduais.
o instituto dE Educação josué dE castro
O Instituto de Educação Josué de Castro (IEJC), localizado no
município de Veranópolis (RS), completou 24 anos de funcionamento em
janeiro de 2019. É uma escola de formação do Movimento e possui cursos
de Ensino Médio Prossionalizante, Educação Prossional, Educação de
Jovens e Adultos (EJA), cursos técnicos e o Curso Normal de nível médio
que preparava educadores para atuarem na educação infantil, no ensino
fundamental e no EJA. A partir de 2001, iniciou cursos de educação su-
perior por meio de parcerias com universidades públicas, com o início da
primeira turma do Curso de Pedagogia da Terra.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
280
O Instituto surgiu da preocupação em formar técnicos, educadores
e militantes ligados aos assentamentos, aos acampamentos e à causa do
Movimento. A escola está sob a hegemonia do MST e o seu funcionamen-
to ocorre por meio da gestão democrática, na qual todos os membros da
escola são chamados a participar da condução real da vida escolar e “[...]
de um jeito que pudesse garantir, ao mesmo tempo, o aprofundamento
teórico, a capacitação, a qualicação no engajamento social e a reprodução
da sua existência”. (CALDART, 2013, p. 171)
O ITERRA foi uma associação educacional de pesquisa vinculada
ao projeto político-pedagógico do MST, e foi mantenedora do IEJC. A
partir de julho de 2008, a nova mantenedora passou a ser o Instituto de
Pesquisa e Educação do Campo (IPE - Campo).
Em 2006 ocorreu um novo ajuste no processo de gestão da escola,
motivado pela decisão da mantenedora de centralizar a administração
nanceira de suas diferentes unidades, o que tirou parte da autonomia
econômica do IEJC. Essa medida integrava um cenário que foi acirrado
ao longo desse ano, em função de ajustes a novas exigências legais de
prestação de contas dos projetos de nanciamento da mantenedora e
de problemas com o Tribunal de Contas da União (TCU). A partir de
2007, foi necessário terceirizar os serviços de alimentação, hospedagem
e manutenção da estrutura física da escola, o que impôs uma
mutação na forma organizativa do instituto que não era compatível
aos objetivos e ao processo pedagógico instalado. Desde aí se fazem
sistemáticos ajustes no processo de organização do trabalho e da gestão,
readequando-o às circunstâncias atuais sem deixar de considerar seus
objetivos formativos. (CALDART, 2013, p. 63-64)
Nesse centro de formação, educadores e educandos são chamados
a participar do processo de gestão. Uma nova práxis é cobrada dos agen-
tes históricos não só no aspecto organizativo, mas também na condução
da vida social, atribuindo às pessoas as suas responsabilidades e, também,
garantindo seus direitos. É preciso utilizar todos os recursos acumulados
pela cultura no desenvolvimento de uma educação emancipatória. O IEJC
funda seus princípios primeiramente em Paulo Freire e sua Pedagogia do
Oprimido, e aprofunda o sentido de superação da opressão com os con-
ceitos de República do Trabalho de Marx, o trabalho como princípio edu-
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
281
cativo da Escola do Trabalho de Pistrak, a escola como coletividade de
Makarenko, o ambiente educativo de Vigotsky, o trabalho como atividade
educadora de Leontiev e o politecnismo de Shulgin. (CALDART, 2013)
Embora o IEJC seja uma escola nacional, a maioria de seus estudan-
tes é da região Centro-Sul, muito provavelmente pela proximidade geográ-
ca. (CALDART, 2013). O nome foi escolhido como uma homenagem
a Josué de Castro. A indicação foi “[...] sugestão das instâncias nacionais
do MST e aprovado pelos grupos de estudantes e educadores presentes na
escola no período dessa denição”. (CALDART, 2013, p. 40) “O termo
instituto foi utilizado para que legalmente a escola pudesse abrigar o curso
Normal, que aconteceu até 2010, quando foi realizada a formatura da 12ª
turma. [...] Depois disso, não houve demanda à escola para novas turmas
desse curso” (CALDART, 2013, p. 56-57), provavelmente, pela exigência
em lei de curso superior para a formação.
A experiência de pedagogos socialistas, como Makarenko e Pistrak,
e a educação popular, servem de referência para a educação proposta no
IEJC. A educação popular tem como objetivo a justiça social, a transfor-
mação da sociedade, o seu sujeito é o oprimido/marginalizado, o seu mé-
todo é o do diálogo, da participação em espaços não formais. No IEJC,
“[...] o movimento é assumido como matriz formativa por ser a chave da
interpretação dialética da história, a chave de leitura do processo educativo
e a base para que possamos nos perceber como partes do Movimento e em
movimento”. (CALDART, 2013, p. 24, grifo nosso)
“Os cursos do IEJC estão organizados em etapas, cada uma cons-
tituída de dois grandes Tempos, o Tempo Escola [TE] e o Tempo Comu-
nidade [TC]”. (ITERRA, 2007, p. 21). Esse regime de alternância está na
escola desde a sua fundação, em 1995, e tem como objetivo não desen-
raizar o educando do trabalho de origem e da dinâmica dos movimentos
sociais. É um meio de armar a escola como espaço de formação conectado
com a comunidade. O TE consiste na realização de atividades no próprio
IEJC. Em regime de internato, “[...] este tempo é organizado através de
tempos educativos menores conforme a estratégia pedagógica denida em
cada momento. É um tempo que varia de um a três meses, dependendo
das características de cada curso e da agenda geral de atividades do IEJC”
Neusa Maria Dal Ri & Outros
282
(ITERRA, 2007, p. 21). O TC é o período em que o estudante realiza
atividades delegadas pelo IEJC, de aplicação prática em seu acampamento/
assentamento de origem: “[...] é um tempo que varia entre dois e quatro
meses [...]” (ITERRA, 2007, p. 21-22).
A alternância auxilia na organização da escola, pois, enquanto uma
turma está no TC, a outra está no TE. É uma conguração diferente do
período escolar convencional, porque, ao contrário deste, que tem férias
duas vezes ao ano, na metade e no nal do ano, os Tempos mudam a cada
três meses, e os educandos são liberados dias antes das festas de m de
ano e retornam em janeiro. O IEJC comporta, no máximo, três turmas
concomitantemente.
Os tempos educativos são para potencializar o processo pedagógico
para além da sala de aula, e ampliar as tarefas educativa e social da escola.
Os cursos para formação de educadores do campo, organizados sob o
regime de alternância, “[...] têm permitido intencionalizar, desde o início
do curso, o vínculo imprescindível entre teoria e prática”. (VERDÉRIO,
2013, p.46)
Os participantes dos cursos do IEJC são provenientes dos acam-
pamentos ou assentamentos de Reforma Agrária de todo o Brasil, e dos
movimentos articulados à Via Campesina. O aluno deve ter concluído o
ensino fundamental, ser maior de 18 anos, “[...] estar exercendo alguma
atividade de formação e ser indicado pelo Setor de Educação do MST”
(MST, 1997, p. 3). A indicação dos participantes é feita pelas comunida-
des, assentamentos ou acampamentos.
Outro aspecto do IEJC é a formação integral, ou seja, a educa-
ção omnilateral
4
, a qual relaciona formação cultural, político-ideoló-
gica e técnico-prossional. A formação omnilateral realiza-se, para o
MST, no trabalho.
Santos (2013) armou em entrevista que, como há gestão demo-
crática nas escolas e auto-organização, o MST vai além e entra na dimen-
são do currículo, discutindo, na totalidade, a perspectiva da gestão parti-
cipativa desde os núcleos setoriais, as várias áreas da escola, horta, pomar,
 Para uma discussão desse problema, ver Machado (2003).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
283
de ajuda à comunidade, da comunicação e outras tarefas como limpeza,
merenda e estética da escola.
Não é meramente trabalho pelo trabalho, planejar e pensar as tarefas.
Não temos nas escolas, servidores sucientes para fazer isso. Ampliar
o aspecto formativo, de responsabilidade, não queremos formar um
mamífero de luxo, a gestão está muito colada ao trabalho na escola.
(SANTOS, 2013)
A escola ocial está muito mais para reprodutora dos laços so-
ciais estabelecidos, dos interesses dos grupos dominantes, do que para a
emancipação e a autonomia dos indivíduos: “[...] o IEJC é uma escola
que dialoga com outras experiências de escola, como também o risco de
reproduzir aquilo que sempre quisemos superar, ou seja, a forma esco-
lar tradicional e os objetivos a que serve em uma sociedade capitalista”.
(CALDART, 2013, p. 58)
O IEJC, caso fosse colocado em uma escala de graus de controle
do Movimento sobre a metodologia de ensino, estaria no grau máximo
de controle. O curso de Magistério considera os princípios da educação
do MST e as propostas pedagógicas do ITERRA, bem como da Escola de
Ensino Supletivo Josué de Castro.
O objetivo geral do curso de Magistério (atualmente chamado de
Normal Médio) do IEJC são: formar quadros para o MST; formar e titular
educadores para as áreas de Reforma Agrária; prosseguir na construção da
proposta pedagógica para as escolas do meio rural, vinculadas aos desaos
da luta pela Reforma Agrária em nosso país (MST, 1997, p. 2).
O IEJC, a partir de março de 2002, teve como experiência acolher
cursos de nível superior em parcerias entre o ITERRA e a Universidade
Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), no curso de Pedagogia da Terra
da Via Campesina, formando duas turmas entre 2002 e 2007. Entre os
anos de 2007 e 2011, uma parceria com a Universidade de Brasília (UnB)
formou uma turma no curso de Licenciatura da Educação do Campo. No
período de janeiro de 2010 e dezembro de 2011, aconteceram no Institu-
to duas etapas do TE do curso de Especialização no Ensino de Ciências
Humanas e Sociais em Escolas do Campo. Essa foi uma parceria entre o
Neusa Maria Dal Ri & Outros
284
ITERRA e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Em 2012,
foi construído um projeto para a realização do curso de Licenciatura em
História em parceria com a Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS),
Câmpus Erechim, no Rio Grande do Sul.
As parcerias entre universidades e MST ampliaram a oferta de for-
mação em cursos com formatos semelhantes aos que existem no IEJC. Em
decorrência disso, tem sido encontradas diculdades para atrair estudantes
ao Instituto e mantê-lo funcionando, de acordo com o apontado na en-
trevista pela então Diretora Diana Darós (2014). A etapa preparatória tem
registrado aumento no índice de abstenção, e tudo indica que o motivo
principal seja a soma entre parcerias com universidades e perl do estu-
dante. A elevada desistência ao longo das etapas levou à suspensão de uma
turma do Curso em Saúde Comunitária, em junho de 2012, considerando
que ele não se sustentaria, pois o curso contava com apenas 19 estudantes.
Para se ter uma ideia de comparação, as primeiras turmas da escola chega-
ram a ter mais de 60 participantes.
Em entrevista, quando o tema girava em torno das escolas do Mo-
vimento, como a Escola Milton Santos e o IEJC, que propõem o coope-
rativismo como forma de organizar a produção, Fernandes (2014) disse
que não acredita em desistências na forma de organização dessas escolas do
MST. Quando perguntado se não seria uma contradição formar os alunos
no coletivismo na escola, quando estes irão trabalhar em uma realidade de
pequena exploração familiar, o professor respondeu que:
Não vi nenhum aluno que participou desse processo de aprendizado
dizer que isso o atrapalhou quando foi trabalhar numa propriedade
familiar. Na dimensão econômica não tem dado certo. Mas na social e
cultural tem dado certo. Porque na escola comum a desistência é muito
alta. E nas escolas do MST isso não ocorre. E a organização coletiva
tem muito a ver com isso.
Talvez a insistência do Movimento no trabalho cooperado e coleti-
vo seja o de mostrar a sua relevância social para a formação de quadros téc-
nicos capazes de gerirem empreendimentos associativos que vinham sendo
construídos nos assentamentos nas décadas de 1980 e 1990. “O desao era
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
285
sinalizar à sociedade a viabilidade da reforma agrária, tendo cooperativas
exemplares, com produção excedente e avançando nas relações sociais para
além do lote individual, familiar” (CHRISTÓFFOLI, 2007, p. 73 apud
CALDART, 2013, p. 89). Segundo Caldart (2013, p. 111), atualmente,
quanto maior a inserção em uma coletividade, maior o potencial educa-
tivo, “[...] pois há um esforço de construir relações sociais orientadas por
valores humanistas a m de construir cada detalhe de forma coerente com
os princípios da organização coletiva, e é isso que forja o ambiente educa-
tivo”. Nesse sentido, o fato de se ter um coletivo forte de educadores, com
unidade de ação, facilita o avanço de auto-organização dos estudantes.
Desde os anos 2000, o novo perl do estudante do IEJC
congura-se do seguinte modo: entre 18 e 25 anos, recém-saído do ensino
fundamental de escola urbana, sem vivência de acampamento, sem inserção
na militância ou trabalho no Movimento. O desao de capacitar jovem
com esse perl tem sido cada vez maior. Isso acarretou um conito entre os
objetivos da escola, seu método pedagógico e o perl do estudante. Houve
momentos em que a escola teve pressão dos pais para que não fosse tão
rígida (CALDART, 2013).
Nesse sentido, há perspectivas de mudanças para o IEJC, como
a mudança do espaço físico para uma área de assentamento, ajustes no
formato dos cursos e do TE, atender estudantes adultos acima de 18 anos
que já tenham inserção de militância, com foco em formação prossional,
e comportar cursos de nível médio e superior. Essas mudanças são uma
tentativa de manter o propósito de existência do IEJC:
[...] formação prossional [...] é compreendida aqui na relação com a
educação básica (ou superior) e sempre combinada a uma formação
política e organizativa conforme o projeto político em que nos
inserimos (preparação de um ‘prossional militante’) [...] o que é
realmente necessário é formar sujeitos capazes de ler criticamente a
sua realidade e intervir nela: pelo trabalho, sim, mas também pela luta
social, pela organização coletiva, pela cultura. (IEJC, 2008b, p. 2 apud
CALDART, 2013, p. 67)
Ao encontro dessas novas perspectivas de mudanças, em 2010, o
IEJC iniciou uma turma de EJA Médio, combinada com curso Técnico
Neusa Maria Dal Ri & Outros
286
em Contabilidade para quem já atua nessa área. Também foram iniciadas
discussões, em 2012, para uma terceira turma de EJA Médio combinada
com qualicação prossional na agroindústria, visando atender à demanda
que passou a ter força no debate do Movimento: a reforma agrária popular.
Essa é uma forma de o IEJC rearmar o seu desao de formar militantes
com capacidade técnica e política para atuar no Movimento.
Quanto à preocupação de o IEJC fazer mudanças no formato dos
cursos e na sede da escola para uma área de assentamentos, citamos a tese
de José Claudinei Lombardi (2011) que, baseado no marxismo, aponta
que a educação não se discute solta ou por si mesma, mas é preciso inseri-la
no contexto em que ela se realiza. E a partir desse contexto, pensar o seu
processo de transformação.
Como apontamos, destarte, o IEJC é uma escola que faz um es-
forço para capacitar conforme os princípios pedagógicos do Movimento,
articulando teoria e prática por meio dos tempos educativos. É uma escola
que, devido às mudanças na base social do Movimento, constituída agora
muito mais por pequenos proprietários do que por acampados, precisa
resgatar a importância de se capacitar quadros para o MST, tendo em vista
que o Instituto é uma escola com hegemonia total do MST. A sua expe-
riência educacional é dialética, pois sua tese, antítese e síntese vão ao en-
contro dos estágios da luta de classes, no campo especialmente, para se (re)
construir a identidade dos sem-terras.
à guisa dE conclusão
A formação de educadores no MST considera o trabalho como
princípio formativo e, como expressão desse princípio, valorizar o conhe-
cimento que os acampados, assentados e educadores possuem passa a ser
uma condição para o desenvolvimento dos cursos oferecidos.
Na discussão da Reforma Agrária Popular (RAP), o MST tem feito
esforços para adaptar os seus instrumentos às exigências da luta de classes
no campo, motivado por diculdades imediatas na sua realidade ampla,
como a não realização da reforma agrária, o crescimento do agronegócio, a
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
287
utilização de sementes transgênicas, a mudança do perl da base social do
Movimento e a diculdade da organização cooperativa nos assentamentos.
A formação de educadores, tanto nas parcerias com as universidades
como no IEJC, ocorre por meio da pedagogia da alternância, com Tempo
Escola e Tempo Comunidade. Ademais, a auto-organização e a gestão demo-
crática da escola fazem parte da formação. Os professores das universidades
parceiras, ao que tudo indica, não estão preparados para receber estudantes
oriundos de movimentos sociais, que são pessoas questionadoras.
Tivemos, por objetivos especícos, descrever os princípios pedagó-
gicos do MST, além de vislumbrar que os professores do MST aplicam os
princípios pedagógicos do Movimento.
Nosso intuito foi o de acrescer uma modesta contribuição de atua-
lização ao estudo da educação do MST. Ainda, trouxemos elucidações so-
bre o Instituto de Educação Josué de Castro, pelos escritos mais recentes
de Caldart (2013), que focam a questão da educação no IEJC, além de
questões que foram conhecidas ou aprofundadas durante a visita dos pes-
quisadores ao Instituto em dezembro de 2014.
O Instituto também está sentindo a necessidade de novas perspec-
tivas para continuar existindo e atendendo ao desao que assumiu, qual
seja, o de formar quadros técnico-políticos para o MST. Uma delas é a
mudança da sede para uma área de assentamento, visando a atender apenas
adultos já inseridos na militância do Movimento.
Pensando nos desaos e na realidade em que vive o MST, pensamos
que, por mais notável que o movimento social seja, ainda é pequeno, em
termos de forças políticas, para empreender as mudanças que pretende.
Enquanto a sociedade não mudar a ordem econômica, o Movimento vive-
rá de pequenas revoluções. Entendemos e acreditamos que o modo de vida
e de produção que o MST propõe poderia entrar em vigência, caso tivesse
amplo apoio da sociedade.
O Movimento sabe da importância de se fazer conhecer para con-
seguir legitimidade social e apoio para viabilizar a reforma agrária. Mas a
conjuntura é adversa, e a mídia burguesa veicula notícias distorcidas sobre
Neusa Maria Dal Ri & Outros
288
os militantes e suas lutas. Se a conjuntura fosse outra, poderíamos estar
mais próximos de uma sociedade de valores humanistas e socialistas, sem
concentração de renda e terra. O mesmo raciocínio vale para a educação
do MST. O número de educadores e o total de escolas estão aquém do que
realmente é necessário para educar e reproduzir a militância, escolarizar os
assentados e acampados. Constitui-se em árduo trabalho, e as mudanças
talvez só ocorram em outra sociedade que não esta capitalista.
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291
instrumEntos dE manutEnção da colEtividadE
na Escola municiPal camPonEsa chico
mEndEs: a formação continuada E a PEsquisa
ParticiPantE
Cinthia Magda Fernandes Ariosi
introdução
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST):
[…] é um movimento social que se organizou a partir da necessidade
objetiva de lutar pela democratização da terra como estratégia de
sobrevivência e manutenção dos trabalhadores rurais sem-terra no
campo. Com o passar do tempo, essa luta começou a ganhar outras
dimensões, sendo uma ‘luta por terra, reforma agrária e mudança
na sociedade, ou melhor, mudança de sociedade’ (STÉDILE; FREI
SÉRGIO, 1993 apud ARENHART, 2007, p. 19-20).
O MST se caracteriza como uma organização coletiva com objeti-
vos sociais que inuenciam a percepção, os conhecimentos e a consciência
que seus membros têm do mundo. Dessa forma, para que ele se mantenha,
é preciso que se retroalimente com seus valores, princípios construídos e
Neusa Maria Dal Ri & Outros
292
consolidados ao longo de sua história de luta. É nesse contexto que a escola
torna-se um lugar de formação do Movimento, uma formação que exige
muito empenho e luta.
O MST é uma organização coletiva de massas que luta por alcançar
determinados objetivos sociais. Em função destes objetivos ele promove
inúmeras ações. Estas podem ter por alvo preferencial a vida interna da
própria organização ou algumas das esferas da vida social, e podem ser
de tipo predominantemente prático ou reexivo.
Muitas dessas ações, na medida em que incidem sobre os integrantes
do Movimento, alteram a percepção, os conhecimentos e, em geral,
a consciência que eles têm de mundo. Deste modo, e segundo uma
idéia desenvolvida por Gramsci (1976), o MST atua também como
um educador coletivo (DAL RI, 2004, p. 174).
Na ótica dos movimentos sociais, a atividade educativa deve conjugar
a formação acadêmica e a formação política para a construção da consciên-
cia de classe. O Movimento tem desenvolvido estratégias de formação que
transitam entre modalidades informais e formais para ampliar a formação
de seus quadros, fortalecendo o enfrentamento com as forças opressoras e
conquistando novos espaços e modos de fazer educação no campo.
[…] juntamente com a luta pela terra está articulada uma proposta
de educação de classe, mesmo que num primeiro momento em
sentido aberto e informal, como a formação política dos militantes.
Essa educação de classe, principalmente dos anos 1990 em diante,
tornou uma dimensão que vai desde as questões educativas informais,
como as marchas, ocupações, organizações etc, até a alfabetização
de crianças, jovens e adultos, a elevação de escolarização, a educação
prossionalizante, a graduação e a pós-graduação.
Foi a partir das iniciativas e das lutas políticas do MST por educação
que se conquistaram importantes projetos e programas governamentais
para a educação dos trabalhadores do campo, como o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) em 1998 e o
Movimento Nacional por uma Educação do Campo, que desde 2002
obteve reconhecimento em lei das necessidades e especicidades da
educação no e do campo (Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo – Resolução CNE/CEB n. 1 de 3 de
abril de 2002; e o Decreto n. 7352, de 4 de novembro de 2010)
(D´AGOSTINI, 2011, p. 162).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
293
Apesar das conquistas citadas, a permanência da escola no campo
é uma batalha que precisa ser travada cotidianamente diante do atual ce-
nário neoliberal, que prega valores opostos aos do Movimento. Caldart e
Schwaab (2005) discutem as lutas e as razões do MST por uma educação
pautadas nos valores da terra que exigem um lócus de educação que deve
estar vinculada à terra; por isso, a escola tem que estar no campo.
Dado o pano de fundo de nossa discussão, este trabalho visa apre-
sentar e discutir duas ações construídas e desenvolvidas na Escola Muni-
cipal Camponesa Chico Mendes que contribuem para o fortalecimento
do coletivo dos educadores e do vínculo da escola com a família; são elas:
a formação continuada; e a pesquisa participante. O conteúdo discutido
neste texto reete uma parte dos dados coletados e discutidos na pesquisa
intitulada Concepções teórico-práticas de educação e trabalho no Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O trabalho foi desenvolvido inicialmente por meio de uma pesqui-
sa teórica sobre os temas da infância no MST, a educação escolar do MST,
o movimento dos Sem Terrinha e a luta pela educação formal do Movi-
mento. Na segunda etapa da pesquisa, foi realizada uma visita à Escola
Municipal Camponesa Chico Mendes, localizada na cidade de Querência
do Norte, no Paraná, que será apresentada em tópico especíco. De posse
das informações, realizamos a análise e a discussão dos dados coletados e
da experiência vivida durante o período de permanência na comunidade.
As duas estratégias focadas neste trabalho não são isoladas, mas
compõem um conjunto maior de ações que está presente nas práticas dos
educadores da mencionada escola. Por questões de limitação temporal e
espacial do texto, vamos nos deter às estratégias mencionadas.
Diante do exposto, seguem a análise e a discussão da formação con-
tinuada e da pesquisa participante na Escola Municipal Camponesa Chico
Mendes como instrumentos de manutenção da coletividade.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
294
contExto dE rEalização da PEsquisa
Os dados apresentados e discutidos neste trabalho foram coletados
na Escola Municipal Camponesa Chico Mendes, situada no Assentamento
Pontal do Tigre, na cidade de Querência do Norte, no estado do Paraná, por
meio de observação, realização de entrevistas e coleta de documentação.
O Assentamento tem área de oito mil hectares, com 338 famílias.
Foi em 1988 a ocupação da área. A imissão de posse da área para as primei-
ras famílias aconteceu em 1995. Cada família tem uma área de 24 hectares
de terra e, desde 1998, existe, no Assentamento, a Cooperativa de Co-
mercialização da Reforma Agrária Avante Ltda. (Coana). O Assentamento
Pontal do Tigre é organizado em 09 núcleos. Cada núcleo tem um espaço
comunitário, onde acontecem as reuniões do Movimento e os eventos so-
ciais, culturais e religiosos. Os núcleos estão organizados conforme referido
na tabela 1.
Tabela 1: Relação dos Acampamentos e Assentamentos Rurais, Área e
Número de Famílias de 1988 a 2012.
Acampamentos Assentamentos Área Nº de Famílias
Fazenda Atalla P.A. Pontal do tigre 8.096,10 338
Fazenda Porangaba 1 P.A. Chico Mendes 2.296,50 79
Fazenda Jabur P.A. Che Guevara 453,24 68
Fazenda Monte Azul P.A. Margarida Alves 556,60 20
Fazenda São Pedro P.A. Luiz Carlos Prestes 1.256,00 50
Fazenda Piedade P.A. Zumbi dos Palmares 801,80 22
Fazenda Santana P.A. Santana 556,60 21
Fazenda Santa Terezinha P.A. Antonio Tavares Pereira 1.000,50 41
Fazenda Porangaba 2 P.A. Irmã Dorothy 2.165,90 75
Fonte: EMATER-Paraná (2011)
histórico da Escola
A Escola Camponesa Municipal Chico Mendes ca na área de uso
comunitário do Projeto de Assentamento (PA)
1
Pontal do Tigre. A referida
Escola conseguiu o primeiro lugar na média municipal do IDEB, com a
nota 6,2 em 2011.
 EMATER, Paraná. Disponível em: < http://www.emater.pr.gov.br/modules/noticias/article.
php?storyid=3881>. Acesso em 10 jun 2015.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
295
A criação da Escola Chico Mendes deu-se por volta de 1988, quan-
do surgiram os primeiros acampamentos que deram origem ao PA Pontal
do Tigre. No início, os alunos tinham aulas em salas de madeira, mas,
com a grande quantidade de alunos, foi preciso construir uma escola de
alvenaria. A Escola tem uma Associação de Pais e Mestres formada pelos
assentados. O objetivo é administrar os recursos repassados pelos governos
federal e estadual e dar assistência ao aluno e à sua família.
A Escola é de educação básica nos níveis de Educação Infantil e
Ensino Fundamental anos iniciais, funciona em prédio próprio no mesmo
terreno da Escola Estadual Centrão, que oferece os anos nais do Ensino
Fundamental e o Ensino Médio. Fica ao lado do posto de saúde da comu-
nidade. A estrutura física é simples, mas adequada ao desenvolvimento das
atividades. Em 2012, contava com 256 alunos com idade entre 03 e 11
anos, distribuídos em 12 turmas, segundo dados do Censo Escolar (2012).
o gruPo PEsquisado
As entrevistas foram realizadas em 28 e 29 de abril de 2014, na
Escola Municipal Camponesa Chico Mendes. Foram entrevistadas nove
pessoas que atuam na escola: duas que ocupam cargos de direção, mas
não concomitantes; duas pessoas que, em um turno, são professoras e, no
contra turno, são coordenadoras pedagógicas da escola; uma que começou
trabalhando na cozinha, estudou e hoje é professora. Todas as pessoas que
atuam na escola têm vínculo com o MST e foram acampadas ou assenta-
das. Duas professoras, hoje, moram na cidade. As especicidades do grupo
pesquisado são apresentadas na tabela 2.
Tabela 2: Caracterização dos informantes
Denominação na
pesquisa
Formação
inicial
Pós-graduação Tempo de trabalho Atuação hoje
EDUCADOR Pedagogia Não mencionou. Na escola desde
2000, .
2 anos como
professor.
Começou como
estagiário.
Diretor
Neusa Maria Dal Ri & Outros
296
EDUCADORA A Magistério
Normal
Superior
Pedagogia
Especialização:
Educação do
Campo, Educação
Popular e
EJA.
Especialização em
Psicopedagogia
3 anos no EJA.
Na escola desde 2001.
Pré III (5 anos)
EDUCADORA B Pedagogia Não mencionou. 40 anos de trabalho –
21 anos na escola.
2º ano
Coordenadora
da Ensino
Fund.
EDUCADORA C
Pedagogia Especialização
em Educação do
Campo, Educação
Popular e EJA.
21 anos na escola. Pré II (4 anos)
–tarde
Manhã: PAA e
Literatura
infantil
EDUCADORA D Letras Não mencionou. 14 anos na escola e
trabalha também na
escola Centrão.
3º ano
EDUCADORA E Pedagogia 10 anos na escola. 4º ano
EDUCADORA F Pedagogia Especialização
em Educação do
Campo.
8 anos na escola,
começou como
estagiária.
5º Ano
Coordenadora
da Ed. Infantil.
EDUCADORA G Pedagogia Especialização
em Educação do
Campo.
14 anos na escola. Pré I – (3 anos)
EDUCADORA I Normal
Superior
Especialização
em Educação do
Campo.
Especialização em
Psicopedagogia
25 anos – 9 anos na
escola.
1º ano
Fonte: Elaboração própria (2016)
a rEalidadE Em discussão
Um primeiro ponto importante para mencionar nesta discussão é
a opção pela expressão Escola Camponesa em detrimento da denominação
Escola Rural. Os educadores relataram que foi uma luta política e ideológi-
ca para que a Escola fosse reconhecida como escola do campo, sem a cono-
tação pejorativa que o coletivo de educadores do Movimento identicava
na expressão Escola Rural.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
297
Com o rural no início havia muito isso [...] aqueles ‘sem terra’, ‘aqueles
caipiras’, ‘aquele povo que não sabe conversar’, ‘aqueles caipiras que não
se veste direito’, então nós sempre tínhamos essa preocupação do rural
na escola, porque o rural vem disso, daquela pessoa jeca tatu que não
sabe de nada. Então foi daí que veio nossa preocupação. Foi a primeira
escola que conseguiu mudar a nomenclatura. Montou processo,
inclusive o processo tá aqui, mandou para núcleo e aí conseguiu. Mas
então, [...] a escola conseguiu mudar, depois aí que ela conseguiu
mudar o nome, a nomenclatura aí veio as outras, veio o colégio, escolas
estaduais de outros lugares, de outros municípios [...] (DIRETOR).
O coletivo de educadores acreditava que mudar o nome da Escola
era o primeiro passo para que a sociedade e os órgãos ociais da educação
respeitassem a escola do Movimento como uma proposta educacional que,
além das preocupações pedagógicas, tem uma luta ideológica de superação
do preconceito vivenciado pelas pessoas que vivem no campo e dele tiram
seu sustento.
Porque durante toda história, o Brasil considerou o campo de lugar de
atrasado, lugar de analfabeto, lugar de pessoas que andam com tudo
rasgado, com dente tudo quebrado ... Não é? Olha mesmo a festa
junina. Gente é assustador ver o traje da festa junina. Eles pintam o
dente de preto. O ano passado, você viu? A mídia faz isso de carteirinha.
A Eliana, o programa da Eliana, tava passando, olhei e assustei. E o meu
marido falou assim ‘- Oh Maria, corre aqui! Olha lá a Eliana de dente
quebrado’. Ela é louca, uma apresentadora com o dente quebrado. Me
chamou a atenção e eu voltei. E eu falei ‘Não é um dente quebrado, ela
pintou’. Ele falou aquilo lá é uma janela. Eu falei não é uma janela, ela
pintou. E ele riu que se acabou e falou assim, ‘Mas, Maria, hoje o povo
não é mais deste jeito!’ (EDUCADORA H).
A visão de atraso existente no campo não representa mais a realidade,
pois o campo também se modernizou. Os educadores que compõem a
equipe da Escola Municipal Camponesa Chico Mendes percebem seu
papel social na contemporaneidade, primeiro, na conscientização da sua
condição de construtores de uma nova cultura do/no campo e, segundo,
na importância da construção e manutenção da identidade camponesa
entre as novas gerações. O grupo de educadores salienta que muitos alunos
Neusa Maria Dal Ri & Outros
298
de hoje não viveram as lutas que seus pais travaram para conquistar um
pedaço de chão, “[…] eles não passaram o acampamento, eles não foram
acampados, então eles nem sabem o que é um barraco, o que que é isso!”
(EDUCADORA F). Muitos já nasceram na condição de assentados; assim,
a escola tem um papel importante na manutenção da identidade, para que
as crianças não desejem se mudar para os centros urbanos. “Nós estamos
sempre dando valorização à permanência no campo. Sempre trabalhamos
pra que eles permaneçam no campo, muitos deles vão até, mas eles voltam.
Eles vão, mas voltam!” (EDUCADORA D). Existe, nessas falas, uma
proposta muito clara da necessidade da formação de uma identidade do
campo, que as forças hegemônicas, por meio de um discurso ideológico
propagado pela grande mídia, tenta enfraquecer e destruir.
Enquanto a equipe da escola incentiva as crianças para que
quem no campo, há um conito acentuado com a gestão municipal
que, em todo início de ano, realiza ações com uma clara intenção de
enfraquecer a Escola e levá-la para a cidade, isto é, levar as crianças e
os professores da escola camponesa para escolas situadas no perímetro
urbano. Desse modo, há uma luta quase cotidiana para manter a escola
no campo. E essa luta vem vencendo, porque a equipe pedagógica tem
garantido a qualidade da educação e isso contribui para fortalecer as
ações de manutenção da escola no campo.
A Escola Camponesa Municipal Chico Mendes, em 2012, foi
classicada em primeiro lugar na média municipal do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), do município de
Querência do Norte, média apresentada acima da meta estabelecida
pelo MEC (COMILO, 2013, p. 178).
A boa classicação da Escola Chico Mendes nas avaliações ociais
contribui para que o coletivo da escola se fortaleça e possa argumentar em
favor da permanência da escola no campo. Todavia, nem tudo são con-
quistas. No ano em que foi realizada a pesquisa (2014), a prefeitura retirou
a permissão para contratação do professor de cultura camponesa, como
relata a Educadora A.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
299
É esse ano devido à economia da prefeitura, nós camos sem a cultura.
[…] A prefeitura não disponibilizou esse professor, não pagou no
contra turno pra se fazer esse trabalho, pra dar continuidade nesse
trabalho. […] Era um professor concursado, aí dava um suplementar,
mas esse ano camos sem, devido à economia do município. Era um
trabalho interessante, porque, quando tinha alguma coisa fora, igual
teve os jogos, que teve no município, aí esse grupo ia apresentava
danças, músicas, poesia. Já era um grupo que estava preparado.
A cultura camponesa era equivalente a uma disciplina, na qual a
cultura do campo era explorada por meio de músicas, poemas, textos, dan-
ças e outras linguagens expressivas. Por meio dessas linguagens, as crianças
se apropriavam dos valores e dos princípios da vida no campo. A cultura
camponesa também era um espaço para produzir relações com a comu-
nidade externa e com as famílias. Essa disciplina contemplava o que está
previsto na legislação educacional como a parte diversicada, com um cur-
rículo que dá identidade à escola.
Um dos motivos para a manutenção da escola no campo é a equi-
pe de prossionais, que é bastante coesa e consciente de seu papel social
naquela comunidade. Segundo os educadores, essa coesão foi construída
porque a equipe é constante, sem rotatividade. Da equipe de prossionais
da escola, a pessoa que tem menos tempo na escola tem oito anos, e todo
ano tem concurso de remoção, mas as pessoas permanecem.
Não que o professor não possa mais sair daqui. Se chegar o momento
que ele precise, de repente ele precisa mudar, alguma coisa aconteça,
ele tem toda liberdade. Todo ano tem o teste de remoção. No nal do
ano, quem pretende ir pra outra escola, aí tem o teste de remoção. Só
que daí, esse grupo ninguém assina o teste de remoção, preenche. Eles
preferem car aqui (EDUCADORA A).
Como conta a coordenadora pedagógica: “[…] todo ano tem o
teste de remoção e os professores que estão aqui preferiram car aqui,
então, tem, desde 2003, esse quadro de professores” (EDUCADORA F).
Outra educadora relata que “[...] a única que saiu daqui foi em 2005, mas
porque ela teve bebê, e aí, por ela trabalhar um período na escola lá em
Querência, ela preferiu car lá, mas por causa do bebê” (EDUCADORA
Neusa Maria Dal Ri & Outros
300
G). Essa constância não é percebida na Escola Estadual que ca no mesmo
terreno. As educadoras relatam que, na outra escola, existe muito rodízio
de professores. “[...] é bem diferente a Estadual. Todo ano, ali é um
professor diferente que vem, quando acha uma vaguinha mais perto...
(EDUCADORA F).
Há uma educadora que trabalha nas duas escolas, a municipal e a
estadual. Avaliando os dois ambientes de trabalho, ela relata que:
Eu trabalho nas duas escolas, ali, do outro lado, no Centrão, e aqui.
E a forma da gente trabalhar, queira ou não, é diferente! Porque aqui
nós seguimos linhas de pensadores, trabalhamos com projetos, né? E a
nossa formação ela veio muito a calhar, assim, pra nosso trabalho em
sala de aula, na prática. […] Não é que é diferente [...] é pela causa
da rotatividade, o que que acontece? Pra gente que trabalha aqui, que
nós já trabalhamos em grupo, que nós trabalhamos através de temas
geradores, que que acontece? Nós trabalhamos em equipe, aí lá, [...]
pela coletividade ser distanciada, o trabalho é dicultado, né? Eu não.
Já começo daqui, porque eu tenho uma realidade daqui, quando vou
pra lá, eu já conhecendo os alunos que vão daqui (EDUCADORA D).
A formação mencionada pela professora, e que ela aponta como di-
ferencial do trabalho realizado na escola Chico Mendes, é outro elemento
que fortalece a comunidade escolar. Essa formação permite que os profes-
sores fundamentem suas práticas pedagógicas apropriando-se do processo
ensino aprendizagem com autonomia; isso contribui para que os professo-
res se sintam identicados com a proposta da escola.
Que mais de diferente que tem aqui? [...] a formação. A nossa escola
tem a formação continuada que começou em 2003, que acho que a
C
2
já deve ter falado. É um projeto que continua, que todo o grupo,
que toda a escola, ninguém quer que acabe esse projeto. Esse é um
diferencial (EDUCADORA A).
A proposta pedagógica para a formação foi construída pelo próprio
grupo e com base nos referenciais teóricos do Movimento, mantendo uma
coerência teórica entre as teorias do MST, do setor de educação do Movi-
 O nome da coordenadora da escola foi suprimido.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
301
mento e da Escola. Uma educadora relata como acontece esse processo de
formação:
Nós temos o projeto de formação continuada. Partindo deste projeto
de formação continuada, a gente tem uns autores que a gente estuda,
Paulo Freire, Snyders e Pistrak. Partindo destes autores, a gente fez e faz
estudos de práticas, então cada grupo, a escola é organizada em grupo,
então cada grupo cou com um autor. E aí, de cada autor, a gente tirou
um tema para ser desenvolvido na escola. O Paulo Freire, os temas
geradores. O Pistrak, a auto-organização deles mesmo, dos educandos.
E Snyders, a alegria na escola, que é a música, as atividades, [...] que
aqui tinha a cultura camponesa, tinha dança, teatro, mística, então isso
entra tudo nesse tema da alegria na escola (EDUCADORA F).
Os professores da escola são unânimes sobre a formação, todos
acham que é uma ótima oportunidade para manter vivo o espírito de luta
necessário para vencer as diculdades cotidianas. A formação continuada é
descrita também por outra professora:
[…] a gente traz para formação continuada, aí na formação continuada
nós temos três grupos de estudo, cada grupo estuda um autor. Aí, de
acordo com a pesquisa, a gente traz, debate e depois a gente tem que
voltar pra sala de aula e devolver, levar esse conhecimento também para
as crianças. São três grupos, nós estudamos Synders, que é a alegria na
escola, não sei se a C já falou. Paulo Freire, que é o tema gerador e o
Pistrak, que é a auto-organização. (EDUCADORA A).
Ela complementa, dizendo:
Eu estou no Synders, que é alegria na escola. É trabalhar as cantigas. A
gente conversa com todos os educadores pra tá trabalhando essa alegria
pra criança gostar de car na escola. […]. A auto-organização, aí,
tem a assembleia dos educandos, aí cada turma tem um coordenador,
uma coordenadora, aquele grupo tem que mobilizar toda a escola
(EDUCADORA A).
A formação tem por base três autores e temas de referência, que
são: Pistrak, com a auto-organização dos alunos; Paulo Freire, com a
proposta dos temas geradores como unidade de trabalho; e Synders, que
Neusa Maria Dal Ri & Outros
302
propõe a alegria na escola. Os grupos responsáveis por cada tema/autor
devem promover aprofundamentos e alimentar os outros grupos sobre
seus temas para que todos continuem motivados para desenvolver a prá-
tica educativa com base nessas teorias. A escolha desses três teóricos se
deve ao conteúdo de suas teorias, que dá suporte ao projeto político pe-
dagógico do Movimento.
Pistrak (2005, p. 13) defendia que a auto-organização pautava-se
na “[…] participação autônoma, coletiva, ativa e criativa das crianças
e dos jovens de acordo com as condições de desenvolvimento de cada
idade, nos processos de estudo, de trabalho e de gestão da escola”. O
autor propunha que a auto-organização fosse tratada com seriedade e
com verdade, não como uma situação de cção, pois os coletivos infantis
e juvenis deveriam realizar:
[…] ações práticas, que podem começar com a preocupação de
garantir a higiene da escola, e chegar à participação efetiva no
Conselho Escolar, ajudando a elaborar os planos de vida da escola.
Ou seja, a auto-organização das crianças não deve ser vista como um
jogo, mas sim como uma necessidade, uma ocupação séria de quem
está encarregado de responsabilidades sentidas e compreendidas. O
grande objetivo pedagógico desta cooperação infantil consciente era
efetivamente educar para a participação social igualmente consciente e
ativa (PISTRAK, 2005, p. 13).
Esse teórico ainda defende que o ensino deve ser desenvolvido de
forma coerente com a realidade da vida e, para sustentar essa coerência,
os professores da Escola Camponesa Chico Mendes buscam a teoria de
Paulo Freire.
Numa visão libertadora, não mais ‘bancária’ da educação, o seu
conteúdo programático já não involucra nalidades a serem impostas
ao povo, mas, pelo contrário, porque parte e nasce dele, em diálogo
com os educadores, reete seus anseios e esperanças. Daí a investigação
da temática como ponto de partida do processo educativo, como ponto
de partida de sua dialogicidade (FREIRE, 1987, p. 59).
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
303
A metodologia freiriana propõe o trabalho pedagógico a partir dos
temas geradores, como uma prática educativa que liberta e contribui para
a formação do indivíduo, não só academicamente, mas do ponto de vista
político também. Além de Pistrak e Paulo Freire, a equipe da escola busca
o pensamento de Synders, que contribui com a concepção da importância
da alegria no processo educativo.
Estas alegrias nos jovens são mais pronunciadas ainda: o desejo de
progredir, a satisfação de se sentir capaz de progredir fazem parte
integrante de sua situação: satisfação de tomar iniciativas, e assim sair
da dependência infantil. O que não se separa da alegria de crescer:
antes, quando ele era pequeno, não conhecia, não compreendia bem,
não sabia fazê-lo; agora ele adquire poderes, ele se iniciou nos segredos
dos adultos, ele vai lhes roubar parcelas de sua força (SYNDERS,
1988, p. 207).
É com base nesses teóricos e em suas teorias que os professores da
escola alicerçam suas práticas. Assim, o grupo que se aprofunda na teoria
de Pistrak tem a missão de estimular e desenvolver as ações de auto-or-
ganziação com as crianças. O grupo que aborda os temas geradores de
Paulo Freire fomenta práticas pedagógicas a partir dos escritos do autor
para toda a comunidade da escola. E o grupo que se fundamenta em
Synders tem a tarefa de animar o coletivo da escola, por meio da mística
do Movimento, que mantém viva a memória e os valores que sustentam
a vida coletiva no interior da militância. A mística garante que as novas
gerações não percam a identidade do MST; por isso, a prática celebrativa
da mística mostra aos pequenos os caminhos que já foram percorridos e o
preço que foi pago pelas conquistas atuais. Vários educadores demonstra-
ram a preocupação de que as crianças que já nasceram no Assentamento,
em casas, com a terra, esqueçam a luta travada por anos por seus familia-
res; assim, a mística é fundamental.
Embora essa proposta de formação continuada seja interessante e
aconteça há alguns anos, não foi uma decisão tranquila. Foi necessário tomar
a decisão coletiva de rejeitar a formação oferecida pela diretoria municipal de
educação, o que gerou conitos entre o grupo e a gestão municipal.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
304
Para os movimentos sociais, a formação de educadores é vista como uma
prática emancipatória, por considerar suas experiências e transformá-
las em fonte de saber. Reconhecem a necessidade de um projeto
permanente de formação continuada, que rompa com a formação
prossional de mão única, ou seja, voltada para o mercado de trabalho.
Esta perspectiva vincula-se a um projeto democrático emancipado,
mas uma democracia ainda em construção, comprometida com o ser
humano, porque está inserida no processo de consolidação das lutas
por garantia de direitos (COMILO, 2013, p. 172).
A formação continuada na Escola Camponesa Chico Mendes é
compreendida por um conjunto de ações.
Os cursos de formação continuada são realizados na Escola
Camponesa Municipal Chico Mendes, e acontecem por meio do
Programa de Extensão da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE - Campus Foz do Iguaçu), perante o projeto de
formação de professores do Colégio Estadual Centrão em parceria
com a Universidade Estadual do Centro - Oeste (UNICENTRO) e
do projeto de Especialização em Educação do Campo, em parceria
entre Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR– Campus de
Paranavaí) e o Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST). Sendo que o professor Dr. José Martins
tem contribuído na Formação Continuada de educadores, a partir de
seu conhecimento teórico/prático das escolas do campo. A formação
continuada dos educadores é uma iniciativa do MST, no entanto a
prefeitura Municipal de Querência do Norte contribui com recursos
nanceiros (GHELLERE; COMILO, 2012, p. 8).
Essa proposta de formação continuada apresenta uma concepção
de educação que respeita a identidade camponesa e, ao mesmo tempo, a
recusa dos educadores do Movimento em receber passivamente os concei-
tos e as concepções que vêm dos órgãos centrais que, muitas vezes, trazem
preconceitos e ideologias que denigrem ou desvalorizam a luta pela terra e,
principalmente, a permanência no campo das futuras gerações. É comum
encontrar, nos livros didáticos e apostilas, conteúdos que desvalorizam a
vida no campo e valorizam a vida urbana, como se viver no campo fosse
sinal de atraso e de precariedade.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
305
Para garantir que a Escola trabalhe de forma a atender às aspirações
da comunidade na qual está presente, os educadores realizam a pesquisa
participante, que acontece no início do ano.
Todo ano, no início do ano, no meio do ano também, a gente vai
até as famílias pra fazer essa pesquisa. Pra conversar sobre a escola. O
que eles veem de negativo, sugestões para melhorar, sugestão do que
trabalhar, também este é um diferencial. […] Tudo o que a gente trazer
da pesquisa, tudo que ouve, aí tem toda uma discussão, aí é tirado o
tema gerador para trabalhar na sala de aula (EDUCADORA A).
A educadora continua explicando como acontece a pesquisa parti-
cipante.
Ela acontece sempre no começo e no meio do ano também, o
assentamento assim é grande, bastante família, então cada ano a
gente prioriza um grupo no assentamento. Aí os educadores vão até
as famílias para ter um contato direto, para conhecer a realidade, as
diculdades da família do assentamento, e é bem positiva, porque eles
gostam, acolhem bem. O questionário e nós que preenchemos, leva o
questionário, sempre a gente vai em duas, né, uma vai perguntando, a
outra vai fazendo as anotações, vai perguntando eles vão respondendo.
Depois eles começam a contar a história de vida, a história de luta,
nossa, é muito legal. E ajuda bastante porque têm pessoas, quem é do
assentamento conhece, mas quem não é do assentamento não conhece
nem a localidade, aí vai ver as diculdades, a distância, a história de
cada um, e a gente traz para a formação continuada, na formação
continuada. Nós temos três grupos de estudos, cada grupo estuda um
autor, aí, de acordo com a pesquisa, a gente traz e debate, depois a gente
tem que voltar para a sala de aula e devolver, levar esse conhecimento
também para as crianças (EDUCADORA A).
Os membros da equipe da escola verbalizam, em vários momentos,
o quanto consideram importante a pesquisa com as famílias, pois acredi-
tam que, por meio desse contato com as famílias, a comunidade participe
do planejamento da educação e, ainda, contribua na construção do senti-
mento de pertença entre todos os envolvidos.
A pesquisa participante é estruturada da seguinte forma:
Neusa Maria Dal Ri & Outros
306
a) identicação da pessoa entrevistada,
b) endereço da família,
c) quadro com nome, data de nascimento, RG/CPF, escolaridade e
grau de parentesco com o entrevistado,
d) 09 questões sobre a relação da família com o MST,
e) 08 questões sobre a relação da família com a escola.
As entrevistas com as famílias acontecem no início do ano, porém,
devido à quantidade de alunos, a cada ano, é entrevistado um grupo de
famílias, e ocorre um rodízio dos grupos de famílias anualmente. As pro-
fessoras vão em dupla, para que uma converse e a outra registre e, assim,
possam conhecer e se vincular às famílias.
Na Escola Camponesa Municipal Chico Mendes, do assentamento
Pontal do Tigre, a pesquisa participante desponta como uma alternativa
para reforçar a relação entre a escola e a comunidade, construindo
(reforçando) o sentimento de pertença e contribuindo tanto na
formação continuada dos educadores e trabalhadores da educação
quanto nas instâncias organizativas da escola. Nesse caso, também
se abrem possibilidades emancipatórias, que são potencializadas
pela relação entre a escola, comunidades e os movimentos sociais
(COMILO, 2013, p. 183-184).
A pesquisa participante é um meio de promoção da participação na
escola, mas, na Escola Chico Mendes, há outros mecanismos de participa-
ção, que podemos discutir em outro momento devido aos limites editoriais
deste texto.
A educação popular praticada na Escola Chico Mendes está pauta-
da na realidade da comunidade e em valores pedagógicos, pois:
[…] é entendida como uma pedagogia que conceitua a educação como
atividades culturais para o desenvolvimento da cultura, contribuindo
para a superação das negatividades de todas e quaisquer culturas e
para a armação e impulso de suas positividades. A pedagogia é aqui
compreendida como resultado de uma reexão diagnóstica, judicativa,
teleológica e rigorosa sobre os problemas socioeducacionais de uma
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
307
determinada sociedade na perspectiva dos interesses de grupos culturais
subordinados. Trata-se, portanto, de uma Teoria Geral da Educação, de
uma proposta pedagógica, de uma forma de condução da pesquisa e
de uma compreensão da práxis pedagógica (SOUZA, 2010, p. 124).
A Escola Municipal Camponesa Chico Mendes tem lutado para se
manter no campo e realizar um trabalho de qualidade que esteja pautado
nos princípios e nos valores ideológicos, políticos, econômicos e sociais do
Movimento. Além disso, trabalha para formar quadros para o desenvolvi-
mento das ações do MST que garantam que todas as famílias que ainda
não estão assentadas sejam assentadas e tenham seus direitos garantidos e,
ainda, para que as famílias já assentadas possam, a partir de ações coletivas,
fortalecerem-se para superar os desaos e se manterem competitivas diante
do mercado que é movido pelo agronegócio. Os princípios produtivos da
agroecologia precisam ser atualizados e desenvolvidos com respeito à na-
tureza e com o uso de recursos tecnológicos. Para tanto, é preciso que os
trabalhadores tenham formação suciente que lhes garanta as condições
para compreender e aprimorar essas práticas. Assim, a escola é um espaço
de retroalimentação do Movimento, um coletivo social capaz de promover
a própria subsistência, a garantia dos seus direitos e a qualidade de vida de
todos os seus membros, superando a visão ideológica e preconceituosa de
que o campo é lugar de atraso.
conclusão
A Escola Municipal Camponesa Chico Mendes é uma experiência
já consolidada do ponto de vista das práticas e das propostas pedagógi-
cas, mas que vive a tensão cotidiana da possibilidade de deslocamento do
campo. Os representantes governamentais estão priorizando a escola no
ambiente urbano e não no campo, e empreendem muitos esforços nesse
sentido. Desse modo, somente os coletivos coesos e convictos de seu papel
social é que conseguem resistir a essa tendência, como faz o coletivo da
Escola Chico Mendes.
Neusa Maria Dal Ri & Outros
308
O principal resultado do trabalho foi a compreensão de que os edu-
cadores da escola têm muita identidade com o processo educativo cons-
truído e que se desenvolve na escola. Eles demonstram um sentimento de
pertencimento muito forte e uma disposição em continuar a luta por seus
ideais pedagógicos e políticos.
Algumas conquistas da comunidade escolar merecem destaque: a
formação continuada voltada para a prática na educação camponesa, que
alimenta o processo pedagógico e a mística do Movimento; a pesquisa
participante, que coloca a família como parceira do processo educacional
promovido na escola; a mudança do nome da escola para Escola Cam-
ponesa, que representa uma superação da visão preconceituosa que existe
para com a escola rural.
A formação continuada pauta-se em teóricos que apresentam abor-
dagens que fundamentam a prática educativa do Movimento. A implan-
tação dessa proposta foi uma conquista, que exigiu que o grupo tivesse
clareza de sua intencionalidade e coragem para negar a formação oferecida
pela diretoria municipal de educação. Essa decisão necessitou de muita
habilidade e argumentação para que o coletivo dos educadores conseguisse
concretizar seu projeto de uma formação continuada que atendesse a suas
necessidades formativas.
A pesquisa participante é outro elemento importante para a manu-
tenção da escola, pois é por meio dela que a participação das famílias se sis-
tematiza. Os dados coletados pelos professores viabilizam a participação das
famílias na elaboração do currículo e torna a escola mais próxima das famí-
lias, além de mostrar para as famílias que a escola se interessa por seus lhos.
Todas as conquistas mencionadas aconteceram com muita luta e
tensão. Tudo que a Escola Municipal Camponesa Chico Mendes construiu
ao longo de sua história, assim como o MST, está alicerçado em muita luta.
Por isso, essa Escola se congura como uma referência no Movimento.
Educação Democrática, Trabalho e Organização Produtiva
309
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311
sobrE os autorEs
candido giraldEz viEitEz
Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Cató-
lica de São Paulo (PUC), pós-doutorado na Universidad Complutense de
Madrid, Espanha. Foi Diretor da Faculdade de Filosoa e Ciências (1992-
1996) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília,
e é docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma Fa-
culdade. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia da
FFC, Campus de Marília. Desenvolve pesquisas principalmente sobre as
seguintes temáticas: educação e trabalho; autogestão; cooperativas de tra-
balhadores; e universidade.
cinthia magda fErnandEs ariosi
Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP). Professora Assistente Doutora do Departamento de Educação
e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciência
e Tecnologia, UNESP, Campus de Presidente Prudente. Líder do Grupo
de Pesquisa Primeira Infância da FCT, UNESP, Campus de Presidente
Prudente e membro do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia da
FFC, UNESP, Campus de Marília. Desenvolve pesquisas em especial sobre
as seguintes temáticas: política educacional; educação infantil; formação
de professores; e desenvolvimento infantil.
312
cudia PErEira dE Pádua sabia
Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP). Professora Assistente Doutora do Departamento de Adminis-
tração e Supervisão Escolar, da Faculdade de Filosoa e Ciências, UNESP,
Campus de Marília. Membro do Grupo de Pesquisa Organizações e De-
mocracia da FFC, UNESP, Campus de Marília. Desenvolve pesquisas
principalmente sobre as temáticas: políticas públicas e educacionais; gestão
escolar; avaliação; e gênero.
cudio rodriguEs da silva
Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Filosoa e Ciências da Universidade Estadual Paulista, Campus de Marí-
lia. Membro do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia da FFC,
UNESP. Desenvolve pesquisa sobre educação de movimentos sociais, em
especial sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
do Brasil, e o Movimento Zapatista do México.
érika PorcEli alaniz
Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Dou-
tora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutorado
em Educação na Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi docente da
Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE). Atualmente é docente da
Universidade Estadual do Mato Grosso (UEMS) e do Mestrado em Edu-
cação Prossional da mesma universidade. Membro do Grupo de Pesquisa
Organizações e Democracia. Desenvolve pesquisas, em especial sobre as
temáticas: política educacional; educação e trabalho; qualicação pros-
sional; movimentos sociais; e autogestão.
313
fabiana dE cássia rodriguEs
Mestre e Doutora em História Econômica pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). Docente do Departamento de Filosoa e Histó-
ria da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP e do Programa
de Pós-Graduação em Educação da mesma Faculdade. Desenvolve pesqui-
sas, com ênfase nas temáticas: política educacional; movimentos sociais; e
pensamento social e educacional.
hEnriquE tahan novaEs
Mestre e Doutor em Política Cientíca e Tecnológica pela Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor Assistente Doutor do
Departamento de Administração e Supervisão Escolar, da Faculdade de
Filosoa e Ciências, UNESP, Campus de Marília, e do Programa de Pós-
Graduação em Educação da mesma Faculdade. Membro do Grupo de
Pesquisa Organizações e Democracia. Desenvolve pesquisas principalmente
sobre as temáticas: trabalho associado; educação, universidade e movimentos
sociais; agroecologia.
julio césar torrEs
Mestre e Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP). Professor Assistente Doutor do Departamento de Educação,
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBELCE) da UNESP,
Campus de São José do Rio Preto, e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da FFC, UNESP, Campus de Marília. Atualmente é Diretor
do IBILCE. Líder do Grupo de Pesquisa História e Política Educacional
Brasileira e membro do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia.
Desenvolve pesquisas, com ênfase nas temáticas: políticas públicas e edu-
cacionais; formação de professores; educação do campo.
314
laís santos
Pedagoga e Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Faculdade de Filosoa e Ciências, Campus de Marília. Membro
do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia da FFC, UNESP. Pes-
quisa principalmente a temática educação agroecológica no Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
lalo WatanabE minto
Mestre e Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Docente do Departamento de Filosoa e História da Edu-
cação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Educação, UNICAMP. Líder do Grupo de Pesquisa Estudos e Pesquisas
em Educação e Crítica Social. Desenvolve pesquisas em especial sobre as
temáticas: política educacional; educação superior; história da educação.
mElina casari PaludEto
Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Facul-
dade de Filosoa e Ciências, da Universidade Estadual Paulista (UNESP),
Campus de Marília. Professora da Rede de Ensino do Estado de São Paulo.
Membro do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia. Desenvolve
pesquisas, em especial sobre as seguintes temáticas: política educacional;
educação, trabalho e movimentos sociais; sociologia no ensino médio.
315
nEusa maria dal ri
Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Livre-Do-
cência na UNESP, Pós-Doutorado na Universidade do Minho, Portugal
(2008), e na UFSCar (2018). Professora Livre-Docente III do Departa-
mento de Administração e Supervisão Escolar da Faculdade de Filosoa
e Ciências, UNESP, Campus de Marília e do Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação da mesma Faculdade, do qual foi Coordenadora (2013-
2017). Líder do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia da FFC,
Bolsista PQ nível 1D do CNPq e editora do periódico ORG&DEMO.
Desenvolve pesquisas com destaque para os seguintes temas: política edu-
cacional; gestão democrática; educação, trabalho e movimentos sociais;
precarização do trabalho docente.
silvia aParEcida dE sousa fErnandEs
Mestre em Geograa e Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual
Paulista (UNESP). Professora Assistente Doutora do Departamento de
Ciências Políticas, da Faculdade de Filosoa e Ciências, UNESP, Campus
de Marília. Vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Desen-
volvimento Territorial da América Latina e Caribe do Instituto de Políticas
Públicas e Relações Internacionais da UNESP. Membro do Grupo de Pes-
quisa Estudos da Localidade e do Centro de Estudos e Pesquisas Agrárias
e Ambientais. Pesquisa principalmente os seguintes temas: políticas públi-
cas; ensino de geograa; educação do campo; educação ambiental.
316
tania suEly antonElli marcElino brabo
Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e
Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-dou-
torado na Universidade do Minho, Portugal, e na Universitat de Valéncia,
Espanha. Professora Assistente Doutora do Departamento de Adminis-
tração e Supervisão Escolar e do Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção da Faculdade de Filosoa e Ciências, da UNESP, Campus de Marília.
Coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília e
do Grupo de Estudos e Pesquisas Direitos Humanos, Gênero e Cidadania.
Membro do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia. Desenvolve
pesquisas, principalmente sobre os temas: direitos humanos; gênero, cida-
dania e educação; gestão democrática.
Catalogação
Telma Jaqueline Dias Silveira
CRB 8/7867
Normalização
Maria Elisa Valentim Pickler Nicolino
CRB - 8/8292
Elizabete Cristina de Souza de Aguiar Monteiro
CRB - 8/7963
Capa e diagramação
Gláucio Rogério de Morais
Produção gráca
Giancarlo Malheiro Silva
Gláucio Rogério de Morais
Assessoria Técnica
Renato Geraldi
Ocina Universitária
Laboratório Editorial
labeditorial.marilia@unesp.br
2019
Impressão e acabamento
Editora Lutas anticapital
www.lutasanticapital.com.br
Marília –SP
Formato
16X23cm
Tipologia
Adobe Garamond Pro
Papel
Polén soft 70g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
Acabamento
Grampeado e colado
Tiragem
200
sobrE o livro
Para os iniciantes sobre os temas deste
livro, vale destacar que não se trata apenas
de uma pesquisa, mas também de um ensa-
io teórico–metodológico sobre a pesquisa.
E este processo é realizado a partir de vári-
os exemplos concretos das escolas do MST.
Estamos muito acostumados a ver escolas
geridas por governos e empresas, mas o
que são as escolas geridas por movimentos
socioterritoriais? Aqui você tem oportuni-
dade de saber através de uma pesquisa
qualificada. Vai compreender como uma
classe social cria um projeto completo de
educação, teoria e política, escola e profes-
sores, conhecimento e transformação.
Bernardo Mançano Fernandes
Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Campus de Presidente Prudente
ISBN 978-85-7249-060-3