O conflito e a construção do Estado no Timor Leste
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verno, a administração da lei e da ordem e a restauração da vida normal do
povo.
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No mesmo dia, houve uma cerimônia formal em Pante Macassar,
capital de Oecussi, marcando a integração do enclave ao Estado indonésio
(US NSA, 19 Dec. 1975).
No dia 18 de dezembro, o Comitê de Ajuda à Luta do Povo Timo-
rense, recém-estabelecido em Lisboa, divulgou um relatório que teria sido
enviado pela rádio Maubere
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informando: que a maior parte de Dili con-
tinuava sob controle da Fretilin, na fronteira a situação estava estacionada
com Balibo, Batugade e Atabai sob controle indonésio; em Tabo as forças
indonésias haviam sido repelidas pelas Falintil, o mesmo acontecendo na
costa sul, em Suai; que o hospital de Dili havia sido bombardeado pela
força aérea e a comunidade chinesa na cidade estava sendo massacrada,
com exceção daqueles que fugiram para as montanhas; que em Baucau
vários paraquedistas e fuzileiros indonésios haviam sido mortos e outros
capturados, dois aviões haviam sido derrubados e a cidade permanecia sob
controle da Fretilin (US NSA, 18 Dec. 1975).
Portugal rompeu relações com a Indonésia e levou a questão à
ONU, cujo Conselho de Segurança aprovou por unanimidade a Resolu-
ção 384, de 22 de dezembro de 1975, condenando a invasão indonésia,
pedindo a retirada imediata das suas forças e recomendando a Portugal
que reassumisse suas responsabilidades na condução da autodeterminação
do povo do Timor (UN, Res. 384, 22 Dec. 1975). Foi decidido, ainda, o
envio de uma missão a Dili, cheada por Vittorio Giucciardi, que visitou a
Indonésia, o Timor Leste e a Austrália, entre 15 de janeiro e 7 de fevereiro
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Assinaram a proclamação conjunta de estabelecimento do governo provisório, Arnaldo Araújo, pela
APODETI, Domingos Pereira, pelo KOTA, Francisco Xavier Lopes da Cruz, pela UDT e Januário dos Reis
Costa, pelo PT (US NSA, Message 07002, 31 Dec. 1975). Além de Arnaldo Araújo, outros três timorenses
viriam a ocupar o cargo de Governador da Província: Guilherme Gonçalves (1978 a 1982), Mario Carrascalão
(1982 a 1992) e Abílio José Osório Soares (1992 a 1999).
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Maubere era um nome comum utilizado na região mambai. Os portugueses se referiam aos nativos do
interior como mauberes, ou seja, os mambai que falavam o tétum (TAYLOR, 1999). Com o tempo, acabou
sendo utilizado pejorativamente com o signicado de pobre ou ignorante. A partir de uma carta ‘Maubere,
meu irmão’, publicada no quinzenário Seara, Ramos-Horta criou o termo mauberismo como instrumento
de mobilização política dos timorenses e a palavra maubere acabou tornando-se um símbolo de identidade
nacional (HORTA, 1998). Trata-se de um exemplo típico da busca na ancestralidade de palavras e símbolos
como forma de fazer crescer um sentimento nacional. Antes de 1974, a palavra maubere era sinônimo de tudo o
que havia de desprezível (aos olhos dos portugueses urbanos e dos civilizados) no campesinato pobre timorense
das montanhas. A Fretilin utilizou o termo para indicar que realizaria uma verdadeira transformação social, ou
seja, a transformação dos maubere em cidadãos de um país independente (CAREY; COX, 1995).