Stela Miller, Sueli Guadelupe de Lima Mendonça e Érika Christina Kohle (Org.)
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ser conhecido racionalmente como percurso genético, numa unidade em
que atuam empiria e reexão. O mundo está no ser e este contribui para a
formação do universo exterior, ou seja, tudo aquilo que é essencial, enquanto
identidade e necessidade, mostra-se como resultado do próprio ser e não do
pensamento, cuja obrigação é captar a relação entre objetividade e subjeti-
vidade, fornecendo o resultado como categoria lógica para a apreensão do
conjunto do processo. E é para isso que servem as determinações-da-reexão
(Reexionsbestimmungen), processos que são preenchidos por categorias que
serão também amplamente recuperadas por Marx para a apreciação do con-
teúdo do capital em seu movimento.
Cabe aqui não uma nota, mas um esclarecimento. A grande impor-
tância em traduzir Reexionsbestimmungen por determinações-da-reexão
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ao invés de determinações reexivas
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é que estaremos, em primeiro lugar,
obedecendo ao conteúdo do termo conforme ele aparece em alemão. Ainda
O tratamento metodológico a respeito do lugar das determinações-da-reexão é importantíssimo para que
compreendamos de maneira medianamente adequada qualquer um dos três autores com os quais estamos
aqui lidando, do ponto de vista da composição daquilo que se entende por dialética, mas somente Hegel
dedicou ao tema parágrafos e parágrafos para mostrar como o pensamento se apropria do real e o reproduz em
termos abstratos e, aí sim, reexivos. A referência pode ser encontrada em Hegel, Georg Wilhelm Friedrich.
Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundrisse (1830) – mit den mündlichen Zusätzen.
Frankfurt, Suhrkamp, 1986, 3 volumes, especialmente o primeiro volume, intitulado Wissenschaft der Logik,
parágrafos 112 a 159 referentes à doutrina da essência (Die Lehre vom Wesen). A seção de interesse é a segunda,
“A doutrina da essência”, e todo o item ‘A’ (A essência como fundamento da existência) é de grande importância
para entendermos melhor a compreensão que o próprio Marx tinha do processo cognitivo. É bom que se
registre que Marx dedicou, no conjunto da obra, pouquíssimas linhas ao tema – e talvez não seja gratuito que
não somente a terminologia, mas em linhas gerais a própria compreensão hegeliana do fenômeno da razão e do
entendimento, tenha permanecido como fundamento da teoria de Marx. A edição completa da Enciclopédia das
ciências losócas saiu em português pela editora Loyola, com tradução de Paulo Meneses.
A título de exemplo, podemos citar a seguinte passagem a partir do texto de Marx em alemão, subtraída de O
capital, comparando este original com duas traduções bastante atuais, a primeira em português e a segunda em
italiano. Nas três edições o trecho é o da nota 21 do primeiro capítulo do livro I, “A mercadoria”: “Es ist mit solchen
Reexionsbestimmungen überhaupt ein eigenes Ding. Dieser Mensch ist z.B. nur König, weil sich andre Menschen
als Untertanen zu ihm verhalten. Sie glauben umgekehrt Untertanen zu sein, weil er König ist” (MARX, K. Das
Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. In: Karl Marx & Friedrich Engels Werke, Band 23, Buch I, Berlim: Dietz
Verlag, 1962. p. 72 – “Isso é algo próprio de tais determinações-da-reexão em geral. Este homem, por exemplo,
é rei porque outros homens se relacionam com ele como súditos. Eles acreditam ser súditos, ao contrário, porque
ele é rei” – tradução nossa). “Tais determinações reexivas estão por toda parte. Por exemplo, este homem é rei
porque outros homens se relacionam com ele como súditos. Inversamente, estes creem ser súditos porque ele é rei”
(MARX, K. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 134). “È questa una stranezza tipica della determinazione
delle riessione in genere. Questo uomo per es. è re solo perché altri uomini si rapportano a lui come sudditi. Essi
credono, viceversa, di essere sudditi perché lui è re” (MARX, K. Il capitale. Critica dell’economia politica. In: Opere
di Marx ed Engels, volume XXXI, libro primo, Roma: Editori Riuniti, 2012. p. 68). Cumpre lembrar também que
o próprio Lukács (Ontologia dell’essere sociale, trad. It. di A. Scarponi, Roma: Editori Riuniti, 1976, vol. I, p. 225)
atribui a Hegel como sendo sua “mais importante descoberta metodológica” o desenvolvimento das determinações-
da-reexão. Cf. Cesarale, Giorgio. Op. cit., p. 08.