Marcos Antonio Alves (Org.). Cognição, emoções e ação. Coleção CLE, v. 84, pp. 39-54, 2019.
Razão, desejo e os limites 45
é possível a um cachorro latir e morder, quando possui tais desejos e não há
nenhum impedimento externo para realizar tais atividades.
Os animais irracionais formam representações
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dos entes do mun-
do e reagem em relação a tais representações. Eles buscam o que represen-
tam como prazeroso e fogem do que representam como doloroso. Assim,
se um animal irracional, ao formar a representação de um objeto, repre-
sentá-lo como prazeroso, inclinar-se-á a (terá o desejo de) buscar tal obje-
to representado. Por outro lado, se um animal irracional representar um
objeto como doloroso, ele inclinar-se-á a (terá o desejo de) evitar o objeto
de tal representação. Um animal irracional, uma vez educado (tendo nele
sido formada uma certa disposição) para representar algo como prazeroso,
ele tenderá a buscar o objeto de tal representação; assim como, tendo sido
educado (nele tendo sido formada certa disposição) para representar algo
como doloroso, ele tenderá a evitar o objeto de tal representação.
Na concepção Aristotélica, tanto os animais irracionais quanto os racionais formam, a partir da
faculdade da imaginação (phantasia), representações dos entes. A partir dos chamados perceptíveis
próprios e perceptíveis comuns, apreendidos pelos sentidos, tais perceptíveis são reunidos na faculdade
da imaginação, formando as representações. Mesmo animais irracionais, portanto, formam represen-
tações de um certo tipo (representações sensíveis - DA 434a6), uma vez que, para a formação destas,
faz-se necessário duas faculdades, as quais os animais irracionais possuem, a saber, os sentidos e a
imaginação. Diferentemente dos animais irracionais, aos racionais é possível formar representação não
apenas a partir do apreendido pelos sentidos (os denominados perceptíveis próprios e os perceptíveis
comuns). Aos animais racionais é possível formar representações a partir dos perceptíveis próprios e
comuns, apreensíveis pelos sentidos (e reunidos na imaginação), e também representações a partir do
que é fornecido por uma certa razão (DA 434a7). Não nos importa, neste texto, examinar a proposta
de Aristóteles concernente ao modo como são formadas as representações, tanto as sensíveis como as
‘racionais’ (DA 433b29). Aqui nos importa apenas, primeiro, observar que as atividades realizadas
pelos animais irracionais, bem como as ações realizadas pelos animais racionais, elas são realizadas
a partir de representações formadas por ambos. Os desejos, móveis das atividades (dos animais irra-
cionais) e das ações (dos animais racionais), são dependentes das representações feitas por ambos os
grupos de animais (DA 433b28). Segundo e principalmente: importa-nos aqui que as representações
dos animais, tanto os irracionais como os racionais, podem se apresentar como prazerosas ou dolorosas.
Em Aristóteles, o animal (tanto o irracional quanto o racional) tende a buscar aquilo que ele representa
como prazeroso e a fugir daquilo que representa como doloroso. Neste sentido, o seu comportamen-
to, em certa medida, é dependente de como representa algo , se como prazeroso ou como doloroso.
Certa razão do animal racional (diferentemente do que ocorre com o animal irracional), permite-lhe
representar algo também como bom ou mau. O animal racional, portanto, pode representar algo como
prazeroso ou doloroso e também como bom ou mau. O animal racional pode, então, representar algo
como: 1) bom e prazeroso; 2) bom e doloroso; 3) mau e prazeroso e 4) mau e doloroso. Caberá ao
animal racional escolher, ao agir, se irá ceder às suas inclinações imediatas em relação ao que representa
como prazeroso ou doloroso ou se escolherá o que representa como bom, ainda que o mesmo seja
representado como doloroso (DA 433b5).