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Luís Antônio Francisco de Souza e Lays Matias Mazoti Corrêa | Org.
nas e tribais, arma que a “consciência de sua identidade indígena ou tribal
deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os gru-
pos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção.” (ORGA-
NIZAÇÃO IINTERNACIONAL DO TRABALHO, 2011, p. 15). Essa
autoconsciência cultural pelos povos indígenas reetiu nos instrumentos
legais, tanto internacionais como nacionais, operado a partir de uma mu-
dança dos critérios de denição dos “grupos étnicos”
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. O critério adotado
e aceito hoje dene grupos étnicos como “formas de organização social
em populações cujos membros se identicam e são identicados como
tais pelos outros, constituindo uma categoria distinta de outras categorias
de mesma ordem.” (BARTH, 1969, p.11 apud CUNHA, 2009, p. 251).
Grupos étnicos só podem ser caracterizados como tal pela distinção que
eles percebem entre eles próprios e os outros com quem interagem. Assim,
dene-se etnia em termos de adscrição, autoatribuição e atribuição pelos
outros, ou seja, é índio quem se considera e é considerado pelos outros
como índio. Outra inovação da OIT 169 é a distinção adotada entre o
termo “populações”, que traz a denotação de transitoriedade e contingen-
cialidade, e o termo “povos”, que “caracteriza segmentos nacionais com
identidade e organização próprias, cosmovisão especíca e relação especial
com a terra que habitam.” (ORGANIZAÇÃO IINTERNACIONAL DO
TRABALHO, 2011, p. 8). Cabe a ressalva de que o emprego do termo
“povos” limita-se ao âmbito das competências do referido texto, sem apli-
cação que contrarie outras acepções previstas no Direito Internacional.
No mesmo período em que se discutia internacionalmente o con-
teúdo do texto que resultou na OIT 169, no Brasil, antropólogos e juristas
apoiados pelo movimento indígena tratavam do tema que seria o artigo da
Constituição de 1988 sobre os povos indígenas. A questão legal dos índios
e suas terras baseia-se nos “direitos originários”, onde o indigenato é con-
siderado um título congênito de posse territorial, assim como na noção de
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Segundo Manuela Carneiro da Cunha (2009), o critério de denição de um grupo étnico esteve, por muito
tempo, ligado à biologia e a noção de “raça”. Um grupo indígena, nestes termos, seria aquele formado por
descendentes “puros” de uma população pré-colombiana, fato ainda recorrente no imaginário popular. Após a
Segunda Guerra Mundial e as atrocidades cometidas em nome da pureza racial, este critério foi substituído pelo
da cultura. “Grupo étnico seria, então, aquele que compartilhava valores, formas e expressões culturais. Espe-
cialmente signicativa seria a existência de uma língua ao mesmo tempo exclusiva e usada por todo o grupo.”
(CUNHA, 2009, p. 250). Estes pressupostos são inadequados, pois os traços culturais divergem no tempo e
espaço. Além do mais, vários grupos deixam de falar a sua língua ou incorporam parcialmente outra sem, contu-
do, deixar de ser um grupo étnico coeso. O critério que dene um grupo étnico baseia-se hoje na autodenição.