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Corpo, cultura e educação
A partir da posição construtivista, a pedagogia queer não ad-
mite a denição de pessoas ou situações normais às quais o resto deve-
riam poder aspirar a imitar. Nesse sentido, os trabalhos de Britzman se
desenvolveram em torno do conceito de normalidade e das teorias e
práxis que podem desconstruí-lo. A partir da teoria queer, a psicanálise
e diferentes pedagogias propõem uma pedagogia transgressora. Deseja-se
romper com a ideia de outro como sujeito suspeitoso, perigoso, teme-
roso, infeccioso, preocupante e em constante situação de ameaça para o
resto da população. Na pedagogia queer não existe um manual de ins-
truções pedagógicas. É necessário fundamentar toda essa tarefa na mesma
hermenêutica, na interpretação da discursividade. Uma discursividade
que, por meio da linguagem, constrói e desconstrói a linha que separa a
normalidade da anormalidade.
A pedagogia e a normatividade
Reeducação dos corpos não normativos
A posição binária entre o normal e o anormal necessita ser
desconstruída, embora não por meio da recondução dos sujeitos situa-
dos na categoria anormal, mas sim por meio do que propõe Wiegman:
“explorar un nuevo imaginário político en el que puedan forjarse diversas
alianzas —entre las personas que no se reproducen, entre los excéntricos del
género, los bisexuales, los gays y las lesbianas, los no monógamos—, alianzas
que pueden empezar e innovar las formas de disciplina social e intelectual
de la academia” (2002, p. 177).
A-Normatividade
8.2.3. o CorPo: elemento Central da Pedagogia Queer
Observamos as diferentes características e os elementos que
conguram a essência, os discursos e as práxis da pedagogia queer. Nela,
o corpo converteu-se em um tema central e entendemos que é necessário
perguntar-nos: o que tem levado uma pedagogia desse tipo a fundamen-
tar seu discurso na corporeidade? Uma primeira resposta encontramos
na reexão de Llamas:
Tales procesos de subjetividad, de control de la propia vida, de determi-
nación del propio destino, no pueden sino partir del cuerpo (...) Siendo
sólo cuerpos, estamos (paradójicamente) en una posición privilegiada
para conocernos, desarrollarnos, realizarnos e innovarnos, sin renunciar
al placer ni a ninguno de los criterios de subjetividad metafísica. Sólo
siendo cuerpos seremos algo más (Llamas, 1994, p. 153).
O corpo, tal como decifrei, tem sido objeto de submissão, im-
posição, docilização, anulação, negação, vexação, ignorância, politiza-
ção, pedagogização, etc. Parece lógico, pois, a partir de uma pedagogia
que entenda essa posição do corpo na subjetivação, que tenha presente a
experiência corporal dos sujeitos. Os corpos dos sujeitos anormalizados
podem converter-se facilmente em “carne de canhão” e “isca” para o res-
to da sociedade. Sem a existência do corpo negado não há possibilidade
de corpo aceito e corpo vivido. É nesse sentido que se apontam diferen-
tes discursos pedagógicos.
a) Uma primeira linha de discurso parte dos pedagogos/as,
professores, educadores/as que viveram em seus próprios corpos situa-
ções de opressão. Sua própria experiência é a primeira fonte de conhe-
cimento que lhes permitirá arrancar a produção de discurso queer. Um
grupo signicativo faz parte de coletivos GLBT, tal como se entende de
Jennings (1994) quando arma que aproximadamente 10% do profes-
sorado estudado (Boston) são gays ou lésbicas, e o trabalho de Khayatt
(1992), sobre a presença invisível dos professores homossexuais nas salas
dos centros educativos dos Estados Unidos.
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Mas não se trata somente
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Essa perspectiva do silêncio por parte dos educadores homossexuais por múltiplas razões tem sido ex-
perimentada por nós em diferentes instituições educativas: Universidade, Centros Residenciais de Ação
Educativa, Institutos de Ensino Médio, Centros de Educação de Tempo Livre, etc.