
Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos
Sabrina Areco
(Org.)
de sua existência e de seu desenvolvimento de classe como princípio
universal, como concepção de mundo, como religião, isto é, descreve
em ato o desenvolvimento de um meio prático de governo e de domínio.
O erro, de origem prática, não foi cometido, neste caso, pelos liberais
do século XIX, os quais, pelo contrário, triunfaram praticamente e
atingiram os ns a que se propuseram; o erro, de origem prática, foi
cometido pelo seu historiador Croce, que depois de ter distinguido
losoa da ideologia termina confundindo uma ideologia política com
uma concepção de mundo, demonstrando na prática que a distinção
é impossível, que não se trata de duas categorias, mas de uma mesma
categoria histórica e que a distinção é apenas de grau. (GRAMSCI,
1975, p. 1231).
Com a noção de “religião” (e com a consequência da identicação
do liberalismo e “religião da liberdade” Croce traz, em suma, à evidência
plena seu pensamento de sempre, ou seja, a ideia de que fazendo losoa,
fazendo cultura, se complete uma “obra política, de política em sentido
lato” (CROCE, [1915] 1931, p. 388) e que efetivamente, é fazendo
cultura e losoa que se faz a verdadeira política (“alta política” como diz
Croce em 1925).
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Nessa altura, a teoria das “distinções” não está mais
em condições de dar conta do modo de funcionamento do conceito de
“religião”. Esta, de fato, não é uma “fé”, de bom grado denida por Croce
como a consequência (a “lha”) da losoa na vida prática (um tipo de
orthé dóxa que guia a ação do “não lósofo”, Croce, 1931, p. 21, 32-33,
38, 85, 156-158), nem é uma ideologia, ou seja, uma “psdeudoteoria que
não lhe serve [ao partido político] a outro que m que não o de suscitar
a aparência de ter aliada a si a Verdade, a Razão, a Filosoa, a Ciência e a
História.” (CROCE, [1925] 1967, p. 193, [1912] 1926, p. 191-198)
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Em vez disso, a religião é agora diretamente uma dimensão do espírito na
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“Por que desejei assinalar novamente e com maior exatidão a distinção entre teoria e prática, entra a losoa
da política e a política? Para recomendar modéstia aos lósofos [...]? Sim, certamente também tive esse
pensamento. Mas confesso de ter sido movido principalmente pela preocupação oposta, que é aquela de salvar
o juízo histórico das contaminações com a prática política que lhe priva a amplidão e a ausência de preconceito.
Preocupação que é, em seguida, também, a seu modo, política e alta política; se é verdade o que o velho
Aristóteles, pai da ciência política, disse sobre o contraste entre vida ativa e contemplativa: que não são práticas
apenas as operações que se voltam para os fatos, mas também muito mais e as contemplações e reexões que
têm por origem e m a si mesmas, e que educam a mente, preparando a eupraxia” (CROCE, 1915 [1931], p.
388). [Eupraxia, do grego clássico, quer dizer bom comportamento. Aristóteles emprega a palavra em sua Ética a
Nicômaco para denir o comportamento de acordo com as regras e as leis, o qual se opõe à dispraxia, à conduta
desregrada (Aristóteles, VI, 5, 1140 b 7). N. do T.].
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Sobre essas ideias, ver Gramsci (1975, p. 888-889).